história da morte no ocidente

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Histria da Morte no Ocidente, de Philippe Aris - Resumories explica que vai abordar a questo das atitudes diante da morte sob a tica da sincronia e da diacronia, pois enquanto algumas atitudes permanecem praticamente inalteradas, outras surgem em determinados momentos e so peculiares a determinado perodo histrico.O primeiro assunto, a Morte domada, claramente sincrnico: a morte vista com naturalidade; dentro deste imaginrio a morte precedida de um aviso dado por signos naturais ou por uma convico ntima. O autor enumera exemplos que iniciam no sculo X, passando por dom Quixote, pelos romnticos do sculo XIX, Tolstoi, at 1941, praticamente contemporneo da produo do livro.O aviso permite que o moribundo tome tranquilamente suas providncias: recolhe-se ao leito, deitado de costas, a cabea voltada para o oriente.O cerimonial da partida envolve diversos passos: Lamento da vida: evocao nostlgica de seres e coisas amadas Perdo dos companheiros Pensar em Deus: admitir culpas e homenagear o divino Absolvio sacramentalA morte uma cerimnia pblica e organizada; e o mais importante: a simplicidade com que os ritos da morte eram aceitos e cumpridos, sem carter dramtico ou emoo excessiva.Assim morriam as pessoas durante sculos ou milnios; nessa antiga atitude a morte ao mesmo tempo familiar e prxima, por um lado, e atenuada e indiferente, por outro.Arries destaca outro aspecto dessa antiga familiaridade com a morte:A coexistncia dos vivos com os mortos: na Antiguidade (tal como hoje), os mortos eram temidos e mantidos distncia, e a prtica de cultos funerrios visava impedir que estes voltassem para perturbar os vivos. Mas o culto dos mrtires produziu uma viso diferente: os restos mortais so trazidos cidade para proteg-la; no local construda uma igreja, e as pessoas querem ter seus corpos enterrados ao lado dos mrtires; o cemitrio acaba se tornando uma parte da igreja, rea pblica, ponto de encontros e reunio, at de comrcio.

A morte de si mesmo

A partir daqui o autor introduz os aspectos diacrnicos, as pequenas mudanas sutis que daro um sentido dramtico e pessoal familiaridade do homem com a morte.A familiaridade tradicional com a morte implica uma concepo coletiva da destinao; o homem era profundamente socializado e ligado natureza e sua ordem natural, respeitada e aceita.Aries apresenta aqui uma srie de fenmenos que vo introduzindo no sistema tradicional uma individualizao; analisando representaes artsticas do Juzo Final a partir do sculo XII, que vo passando das tradicionais representaes coletivas de ressurreio para uma nfase no julgamento pessoal; as crenas populares no risco de perder a salvao por cair em tentao no momento da morte e as aluses ao cadver em decomposio nas artes e na literatura, ele conclui que:

Durante a segunda metade da Idade Mdia, do sculo XII ao sculo XV, deu-se uma aproximao entre trs categorias de representaes mentais: as da morte, as do reconhecimento por parte de cada indivduo de sua prpria biografia e as do apego apaixonado s coisas e aos seres possudos durante a vida. A morte tornou-se um lugar em que o homem melhor tomou conscincia de si mesmo.

E refora essa individualizao com um ltimo argumento: as sepulturas coletivas nas igrejas vo sendo gradativamente substitudas por tmulos individuais.

A morte do outro

Aris estuda aqui representaes artsticas e literrias dos sculos XVI ao XVIII que apresentam a morte de forma mrbida, cruel e violenta; o sofrimento acentuado. Para o autor, a morte agora est sendo representada como uma ruptura; ao contrrio da antiga familiaridade, a morte reveste-se de uma dor apaixonada.Essa expresso de dor dos sobreviventes devida a uma intolerncia nova com a separao, com a perda. Essa nova percepo um dos traos do Romantismo.O autor chama a ateno para as profundas mudanas na dinmica familiar, no sculo XVIII, com novas relaes fundadas em sentimento e afeio: o moribundo, que antes comunicava seus sentimentos e afetos formalmente num testamento, passa a faz-lo oralmente, no leito de morte; o luto formal dos tempos medievais torna-se uma sincera manifestao de dor.Desde o sculo XVII vai se fortalecendo um novo ritual: a visita regular ao tmulo do morto, o culto da lembrana; a sociedade cultua seus heris, seus tmulos tornam-se monumentos.

A morte interdita

Aris acredita que a atitude diante da morte conheceu mudanas brutais no sculo XX; uma delas a tendncia de ocultar do moribundo a real gravidade de seu estado; a verdade comea a tornar-se problemtica.O antigo costume de morrer em casa substitudo pela morte no hospital; a assistncia familiar que o moribundo tinha substituda pela equipe hospitalar. O luto discreto e as formalidades para enterrar o corpo so cumpridas rapidamente. A modernidade est ameaando at mesmo a visita ao tmulo: agora recorre-se cada vez mais cremao, como se houvesse uma nsia por fazer desaparecer e esquecer tudo o que pode restar do corpo.

Aris, baseando-se no socilogo ingls Geoffrey Gorer, v formar-se um tabu em torno da morte; o excessivo apego vida, to caracterstico de nossa civilizao industrial, parece ter criado um horror idia de morrer. A sociedade tradicional reprimia o sexo e encarava a morte naturalmente; agora vemos o oposto: o sexo apresentado s crianas cada vez mais cedo, mas se oculta delas tudo que diz respeito morte.O autor atribui o fenmeno ao hedonismo moderno, uma obsesso por estar sempre feliz, evitando tudo que possa causar tristeza ou aborrecimento; caracterstica particularmente evidente na sociedade norte-americana.

Comentrios

Philippe Aris, em seu original estudo das atitudes diante da morte, demonstra uma evidente simpatia pelo que ele denomina de morte domada, a tradicional naturalidade com que o fenmeno da morte encarado; ele caracteriza o fenmeno como sincrnico, est presente em todos os recortes temporais estudados, at os dias de hoje.Tive a oportunidade de acompanhar um caso que ilustra bem a definio de Aris; era um senhor colombiano, conhecido nos meios esotricos como Rabolu. Em dado momento de sua vida, em pleno ano 2000, ele demonstrou uma pressa incomum em concluir o projeto de um livro, e revelou a razo: a advertncia chegara, ele estava prestes a partir; despediu-se dos estudantes e amigos e morreu de uma parada cardaca.Ao estudar os fenmenos que vo transformando a viso tradicional, fica evidente que as mudanas esto atreladas a uma tomada de conscincia do ser como indivduo; o centro de gravidade das mentalidades vai se deslocando do coletivo para o indivduo. Ainda que ries no estabelea um nexo causal com a crise feudal e o surgimento da Idade Moderna, o recorte temporal estabelecido (sculos XII ao XV) coincidente, e a individualizao uma caracterstica marcante das expresses culturais do Renascimento.Ao observarmos o relato do imaginrio medieval sobre a questo da morte fica evidente a preeminncia da religiosidade naquele perodo, e de como ela permeava todas as outras relaes e as amarrava. Ao enfocar os elementos causadores de mudanas, ries d nfase a explicaes de fundo psicolgico (represso e sublimao) e estabelece relaes com fenmenos sociais (novas relaes familiares fundadas em sentimento e afeio, no sculo XVII), artsticos e religiosos. Dinmicas sociais como a intensa urbanizao so usadas para explicar algumas das rpidas transformaes que acometem o imaginrio do sculo XX.O cmputo final parece ser negativo; apesar do desenvolvimento da conscincia individual, o autor v na moderna percepo da morte um apego hedonista vida; o homem esquece-se da morte para no sofrer, e por isso mesmo sofre horrivelmente sempre que a morte ocorre.O autor finaliza com um questionamento: nossas culturas tecnizadas tero ficado impossibilitadas de reencontrar a confiana ingnua no Destino?