histÓria da medicina nuclear

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17 17 HISTÓRIA DA MEDICINA NUCLEAR Pode-se dizer que a história da medicina nuclear começou com as descobertas da radioatividade natural por Henri Becquerel, em 1896, e de elementos radioativos naturais por Marie e Pierre Curie, em 1898. Entretanto, foi o "princípio do traçador", proposto pelo químico húngaro George de Hevesy em 1913, que realmente forneceu o fundamento biológico para a especialidade. Ele confirmou o princípio através de experiências com nitrato de chumbo marcado com o nuclídeo radioativo 210 Pb, mostrando sua absorção e seu movimento em plantas. Por esse feito, Hevesy recebeu o Prêmio Nobel de Química de 1943. Em 1927, Herrmann L. Blumgart e Soma Weiss realizaram a primeira medida da velocidade sangüínea, mediante a injeção de uma solução de radônio em um braço e a subseqüente verificação, com uma câmara de Wilson, de sua chegada no outro braço. Um avanço significativo na quantificação de substâncias como os hormônios no sangue foi alcançado com a técnica de ensaios radioimunológicos, desenvolvida por Solomon A. Berson e Rosalyn S. Yalow. Em 1932, a invenção e a construção do ciclotron, por Ernest O. Lawrence e M. Stanley Livingstone, possibilitaram a produção de radionuclídeos artificiais, através do bombardeamento de núcleos-alvos por partículas positivas aceleradas. Entretanto, a produção de quantidades suficientes de radionuclídeos para uso médico só se iniciou com o advento dos reatores nucleares, desenvolvidos durante a segunda guerra mundial. O reator de Oak Ridge (Estados Unidos) começou sua produção em escala comercial em 1946, e o de Harwell (Reino Unido), em 1947. Inicialmente, havia poucos radionuclídeos adequados para as aplicações médicas, e grande parte dos estudos clínicos enfocava a avaliação da glândula tireóide e suas disfunções, com o uso do 131 I na forma de iodeto. O principal detector usado era o contador Geiger-Müller, que indicava e media a presença do radiofármaco, sem, contudo, distinguir a energia da radiação gama detectada; tampouco produzia imagens da distribuição do composto.

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Page 1: HISTÓRIA DA MEDICINA NUCLEAR

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HISTÓRIA DA MEDICINA NUCLEAR

Pode-se dizer que a história da medicina nuclear começou com as descobertas

da radioatividade natural por Henri Becquerel, em 1896, e de elementos radioativos

naturais por Marie e Pierre Curie, em 1898.

Entretanto, foi o "princípio do traçador", proposto pelo químico húngaro George

de Hevesy em 1913, que realmente forneceu o fundamento biológico para a

especialidade. Ele confirmou o princípio através de experiências com nitrato de chumbo

marcado com o nuclídeo radioativo 210Pb, mostrando sua absorção e seu movimento

em plantas. Por esse feito, Hevesy recebeu o Prêmio Nobel de Química de 1943.

Em 1927, Herrmann L. Blumgart e Soma Weiss realizaram a primeira medida da

velocidade sangüínea, mediante a injeção de uma solução de radônio em um braço e a

subseqüente verificação, com uma câmara de Wilson, de sua chegada no outro braço.

Um avanço significativo na quantificação de substâncias como os hormônios no

sangue foi alcançado com a técnica de ensaios radioimunológicos, desenvolvida por

Solomon A. Berson e Rosalyn S. Yalow.

Em 1932, a invenção e a construção do ciclotron, por Ernest O. Lawrence e M.

Stanley Livingstone, possibilitaram a produção de radionuclídeos artificiais, através do

bombardeamento de núcleos-alvos por partículas positivas aceleradas. Entretanto, a

produção de quantidades suficientes de radionuclídeos para uso médico só se iniciou

com o advento dos reatores nucleares, desenvolvidos durante a segunda guerra

mundial. O reator de Oak Ridge (Estados Unidos) começou sua produção em escala

comercial em 1946, e o de Harwell (Reino Unido), em 1947.

Inicialmente, havia poucos radionuclídeos adequados para as aplicações

médicas, e grande parte dos estudos clínicos enfocava a avaliação da glândula tireóide

e suas disfunções, com o uso do 131I na forma de iodeto. O principal detector usado era

o contador Geiger-Müller, que indicava e media a presença do radiofármaco, sem,

contudo, distinguir a energia da radiação gama detectada; tampouco produzia imagens

da distribuição do composto.

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Foi Benedict Cassen quem, em 1951, ao inventar e construir o mapeador linear

deu início à era de diagnóstico por imagens radionuclídicas. Em 1958, Hal Anger

desenvolveu a câmara de cintilação, um sistema de formação de imagens que não

exigia que o detector fosse movimentado e que apresentava maior resolução

geométrica, além da possibilidade de se obter projeções diferentes de uma mesma

distribuição de radiofármaco. As informações adquiridas pela câmara de cintilação eram

transformadas em imagens e exibidas por um tubo de raios catódicos, de modo que

podiam ser registradas em filmes ou chapas fotográficas. As modernas câmaras usadas

hoje são derivadas da câmara Anger.

O grande poder diagnóstico da medicina nuclear se firmou quando Paul Harper e

sua equipe introduziram o radionuclídeo 99mTc( figura 1) como marcador. O

radionuclídeo 99mTc possui meia vida de 6 horas, energia 140 keV, é continuamente

produzido pela desintegração do 99Mo, e sua extração periódica possibilita um

fornecimento constante na forma de gerador nos próprios centros de medicina nuclear.

Outra característica muito importante é a facilidade com que o 99mTc consegue marcar

um número muito grande de fármacos, o que o torna aplicável em estudos de quase

todos os órgãos e sistemas do corpo humano.

Fig.01: Gerador 99mTC, produzido pelo IPEN-pelo IPEN-CNEN/SP.

Com o desenvolvimento dos computadores, nos anos 1960, foi possível adquirir,

armazenar e processar as imagens obtidas com as câmaras de cintilação para, por

exemplo, extrair parâmetros fisiológicos, corrigir distorções associadas ao processo de

formação de imagens, assim como evidenciar estruturas de interesse.

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Na década de 1970, novos avanços em computação e, principalmente, no

desenvolvimento e na implementação de métodos de reconstrução permitiram a

realização do SPECT (single photon emission computed tomography), que foi feito por

David E. Kuhl e sua equipe na Universidade da Pensilvânia, o da PET (positron

emission tomography), por Gordon L. Brownell e colaboradores no Hospital Geral de

Massachusetts e por Michael E. Phelps e colegas na Universidade da Califórnia em

Los Angeles.

Vale destacar a contribuição de David Chesler ao propor e reconstruir cortes

tomográficos de emissão e transmissão pelo método da retroprojeção, em 1971.

Variantes desse método de reconstrução ainda são muito usadas na rotina clínica.

Desde a sua introdução em aplicações clínicas, as técnicas de tomografia por

emissão, SPECT( figura 2) e PET (figura 3), vêm suprindo a comunidade médica com

informações biológicas distribuídas no espaço e no tempo. Entretanto, devido à meia-

vida física extremamente curta dos emissores de pósitron viáveis e ao alto custo de

implantação e execução, só nos anos 1990 a tecnologia PET se fixou definitivamente,

mesmo nos países desenvolvidos, na rotina de grande parte das clínicas nucleares,

com o uso da 18F-associado à glicose (fluordeoxiglicose-FDG), marcado inicialmente

com 14C por Louis Sokoloff e equipe e, posteriormente, com 18F por Tatuo Ido e

colaboradores.

Fig.2: Gama Câmara SPECT GE Milleniun

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Fig: 15. PET DedicadO

A SPECT, por outro lado, foi absorvida de imediato, e muitos radiofármacos e

procedimentos foram e continuam sendo desenvolvidos.

Associada ao desenvolvimento farmacológico, a pesquisa para melhorar a

instrumentação, com o uso de detectores mais eficientes e de eletrônica mais rápida,

tem impulsionado tanto a SPECT como a PET em suas aplicações. Em especial, a

recente combinação da PET com a tomografia computadorizada (CT), o sistema

combinado PET/CT (figura 4), por David W. Townsend e equipe, na Universidade de

Pittsburgh, acoplando um tomógrafo por emissão de pósitrons a um outro multicortes

por emissão de raios X, permite a extração máxima dos benefícios que essas

modalidades podem oferecer, em conjunto, aos médicos e seus pacientes.

Fig. 4: PET/CT

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Em 10 de outubro de 1949 foi fundado, na Faculdade de Medicina da

Universidade de São Paulo, o primeiro Laboratório de Isótopos da América Latina e

contou com o apoio da Fundação Rockefeller que fez a doação dos equipamentos e os

recursos para a sua montagem.

Devido ao grande interesse despertado pelo Laboratório de Isótopos da

Faculdade, foi organizada, em 1954, uma Clínica de Medicina Nuclear no Serviço de

Radioterapia do Hospital das Clínicas, onde começaram as primeiras aplicações de

iodo radioativo nas glândulas tireóides.

Figura: Centro de Medicina Nuclear, inaugurado em janeiro de 1959

Fonte: http://www.hcnet.usp.br/historiahc/institutos.htm

Fig.02: Dr.Ted Eston organizador e diretor do

Laboratório de Isótopos da Faculdade de Medicina na década de 60

Fonte: http://www.hcnet.usp.br/historiahc/institutos.htm

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