história, arquitetura popular e desígnios, a urgência de ... · a própria arquitetura e a...

18
* Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em História pela Universidade Federal de Sergipe UFS/PROHIS, sob orientação do Prof. Dr. Eder Donizeti da Silva. [email protected] História, arquitetura popular e desígnios, a urgência de novos olhares. José Antônio de Sousa* Resumo O que é arquitetura popular? Quais os seus desígnios? E o que merece ser observado hoje em dia na academia, consoante as tônicas da história, arquitetura e antropologia. A partir da teoria da semiótica e da arquitetura abre-se um campo de investigação para se apurar as relações que há entre o espaço construído, programado e habitado, como as apropriações, as necessidades funcionais do homem que o acessa seja para morar e trabalhar repletos de significados. O conceito de práticas e representações utilizados por historiadores são vistos como possibilidades de analisar a arquitetura, a moradia e o trabalho, seus desígnios nas ações humanas intangíveis, camuflados numa relação arquitetura- artefato. Ao fazermos essa reflexão coloca-se em questão o dualismo cultura popular (saberes locais) e erudita (movimento acadêmico). A justificativa para esse tipo de abordagem se dá em função dos pouquíssimos trabalhos sejam técnicos ou de áreas fins como a própria historiografia, identificados desde 2006 em nossa região, ao adentramos no universo das moradias no Alto Sertão da Bahia. Algumas leituras tem nos ajudado em busca de questionamentos e reflexões como: (Roger Chartier, 1990); (Michel de Certeu, 2008); (Lúcio Costa, 1975); (Nestor Reis, 76); (Carlos Lemos, 1979); (Betânia Brendle, 1996); (Gunter Weimer, 2005), entre outros. Palavras-chave: Arquitetura popular, desígnios, sertão, moradia e trabalho.

Upload: vuque

Post on 11-Jan-2019

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: História, arquitetura popular e desígnios, a urgência de ... · a própria arquitetura e a antropologia. O objetivo desse artigo é refletir num primeiro momento sobre o que é

* Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em História pela Universidade Federal de Sergipe

UFS/PROHIS, sob orientação do Prof. Dr. Eder Donizeti da Silva. [email protected]

História, arquitetura popular e desígnios, a urgência de novos olhares.

José Antônio de Sousa*

Resumo

O que é arquitetura popular? Quais os seus desígnios? E o que merece ser

observado hoje em dia na academia, consoante as tônicas da história, arquitetura e

antropologia. A partir da teoria da semiótica e da arquitetura abre-se um campo de

investigação para se apurar as relações que há entre o espaço construído, programado e

habitado, como as apropriações, as necessidades funcionais do homem que o acessa seja para

morar e trabalhar repletos de significados. O conceito de práticas e representações utilizados

por historiadores são vistos como possibilidades de analisar a arquitetura, a moradia e o

trabalho, seus desígnios nas ações humanas intangíveis, camuflados numa relação arquitetura-

artefato. Ao fazermos essa reflexão coloca-se em questão o dualismo cultura popular (saberes

locais) e erudita (movimento acadêmico). A justificativa para esse tipo de abordagem se dá

em função dos pouquíssimos trabalhos sejam técnicos ou de áreas fins como a própria

historiografia, identificados desde 2006 em nossa região, ao adentramos no universo das

moradias no Alto Sertão da Bahia. Algumas leituras tem nos ajudado em busca de

questionamentos e reflexões como: (Roger Chartier, 1990); (Michel de Certeu, 2008); (Lúcio

Costa, 1975); (Nestor Reis, 76); (Carlos Lemos, 1979); (Betânia Brendle, 1996); (Gunter

Weimer, 2005), entre outros.

Palavras-chave: Arquitetura popular, desígnios, sertão, moradia e trabalho.

Page 2: História, arquitetura popular e desígnios, a urgência de ... · a própria arquitetura e a antropologia. O objetivo desse artigo é refletir num primeiro momento sobre o que é

A pesquisa

“O homem do povo sabe construir, é arquiteto por intuição, não erra; quando

constrói uma casa a constrói para suprir as exigências de sua vida; a

harmonia de suas construções é a harmonia natural das coisas não

contaminadas pela cultura falsa, pela soberba e pelo dinheiro”. (Lina Bo

Bardi)

O artigo História, arquitetura popular e desígnios, a urgência de novos olhares, é

uma discussão sobre a importância de um estudo pelo historiador sobre a história e memória

das relações entre técnica, moradia e trabalho presentes em arquiteturas de caráter popular. O

interesse foi impulsionado ao adentrar no universo das moradias no município de Macaúbas -

Alto Sertão da Bahia. Essa análise representa nossos projetos de estudos atuais, que têm a

arquitetura como objeto de investigação. Procuramos dar o encaminhamento às pesquisas, a

partir de algumas problematizações pautadas nas dimensões historiográficas, fontes, métodos,

recorte temporal e espacial. Consideramos a circularidade de ideias com outras ciências como

a própria arquitetura e a antropologia.

O objetivo desse artigo é refletir num primeiro momento sobre o que é arquitetura

popular? Esse tipo de expressão está muito presente em nosso cotidiano, repleto de

significados, em suas relações entre o espaço construído, programado e habitado, mas além da

função primordial de moradia, outras lhe competem como os aspectos do trabalho e logo da

economia. A metodologia da pesquisa funda-se assim em revisão bibliográfica e práticas

projetuais em campo como visitas in loco em algumas moradias, utilização de entrevistas

semiestruturadas, levantamento documental, fotográfico e arquitetônico. Justifica-se esse tipo

de abordagem em função dos pouquíssimos trabalhos sejam de arquitetos, historiadores e

outros campos, como se observa na atualidade as recentes contribuições da arqueologia

urbana. Outra justificativa é a necessidade de registrarmos nossos próprios hábitos e aspectos

socioculturais relacionados a este objeto que às vezes passam despercebidos em nosso

cotidiano, e por vezes correm o risco de caírem no esquecimento. Ao documentar esse objeto,

ou seja, sua materialidade como fonte primária e a seguir os seus elementos como fontes

secundárias, que vem se perdendo por conta de processos de demolições, substituições,

Page 3: História, arquitetura popular e desígnios, a urgência de ... · a própria arquitetura e a antropologia. O objetivo desse artigo é refletir num primeiro momento sobre o que é

descaracterizações e das intempéries, do esquecimento, a relação história e memória é

subsidiada.

A revisão bibliográfica para abordar a arquitetura popular, apresenta-se para nós

pesquisadores como um campo vasto, do ponto de vista da literatura arquitetônica, mas num

viés historiográfico e antropológico pede novos estudos. Assim algumas leituras iniciais nos

parecem ser interessantes. Na historiografia e num viés da história cultural cita-se os

historiadores Roger Chartier e Michel de Certeu. Com relação aos aspectos da literatura

especifica sobre arquitetura, citam-se trabalhos gerais como de Lúcio Costa, 1975; Nestor

Reis, 1976; Carlos Lemos, 1979. Entre estudos regionais destacamos os trabalhos de Maria de

Betânia Brendle, 1996; Gunter Weimer, 2005. No que concerne à antropologia, os estudos de

Clifford Geertz 1973, são promissores para uma relação etno-história para os estudos dos

signos e significados na arquitetura e os seus problemas em questão.

A pesquisa aborda primeiramente Algumas ideias sobre arquitetura, conceitos e

aplicações. Em seguida trabalha-se de modo específico com a vertente da arquitetura popular

e os seus desígnios. Após algumas considerações sobre esse objeto, buscamos chamar a

atenção de nosso leitor para as possibilidades de estudos numa perspectiva entre História e

arquitetura: a urgência de novos olhares, para a realidade deste objeto, sobretudo no que diz

respeito a suas poucas abordagens no campo historiográfico. Ao fazer essa afirmação

‘urgência’ fomos tocados pela realidade em que há poucos trabalhos numa dialógica entre

história e arquitetura, e veremos aqui como as possibilidades de abordagens feitas por nós

historiadores é uma realidade. O princípio da interdisciplinaridade é interessante para analisar

de forma mais concreta as relações possíveis que há entre: arquitetura, história e antropologia

e suas eventuais contribuições para o estudo do tema aqui tratado. Nas considerações finais

abrangem as discussões levantadas preliminarmente e como estas percepções podem tocar os

questionamentos levantados, a iniciar pelo próprio título o que é uma arquitetura popular?

Nos últimos anos temos buscado em nossas práticas projetuais em campo, objetar

a arquitetura enquanto elemento material da cultura, fonte primária para a história e memória.

Esse tipo de fonte nos apresenta dois aspectos, o primeiro é o que diz respeito ao seu caráter

intrínseco tais como: materiais, técnicas construtivas, as partes físicas, elementos decorativos,

usos e funções entre outras. O segundo aspecto a ser observado em uma edificação como

Page 4: História, arquitetura popular e desígnios, a urgência de ... · a própria arquitetura e a antropologia. O objetivo desse artigo é refletir num primeiro momento sobre o que é

fonte para a história seria o aspecto extrínseco, de sua datação, contexto, autoria na

construção, novos e antigos proprietários e informações sobre suas intervenções seja para

acrescentar, remover um dado elemento compositivo. Esses dois aspectos apresentam-se para

nós pesquisadores, como uma complexidade dado uma série de limitações às quais nos

encaminham em busca de novas possibilidades de fontes e métodos para analisar esse objeto

como a antropologia interpretativa na ótica do simbólico. Perspectivas interessantíssimas

como fontes e métodos de pesquisa para o historiador são observadas em trabalhos que

interpretam as dimensões dos elementos materiais da cultura, como a ideia de patrimônio

cultural, que, diga-se de passagem, ampliou bastante seus conceitos, práticas e abordagens nas

políticas preservacionistas em nosso país.

O universo das tipologias de partidos arquitetônicos populares em nosso país é

extremamente rico e diverso por conta de nosso processo de formação que tem na base

diferentes grupos étnicos, que ao longo da história marcaram nossa sociedade como seus

fazeres, oriundos de seus costumes. A emergência de pesquisa dentro da historiografia nos

impõe, desperta curiosidades e problemas quanto ao seu entendimento, como os caminhos de

discernimento sobre sua caracterização, classificação, especificações, comparações e

contextualizações diante de sua realidade, portanto diversa e complexa, daí nos aparece

questionamentos do tipo: como foram construídas as edificações de caráter popular? Como se

processa as relações entre moradia e trabalho no espaço programado e apropriado/habitado?

Por que e como ocorrem as hierarquizações dos espaços e suas respectivas funções de o quem

o acessa? E eis a grande questão posta aqui, o que é arquitetura popular?

A arquitetura popular está presente em todos os lugares, são expressões locais,

típicas de condições econômicas, naturais e culturais, ou seja, é um produto histórico que nos

informa sobre as relações entre homem e natureza, como as casas de pescadores em regiões

litorâneas, ribeirinhas, moradias em florestas e campos numa variedade de lugares e climas,

cujo processo histórico e natural gerou sistemas híbridos de técnicas, que provêm de

influências indígenas, ibéricas e africanas, erigindo um conjunto arquitetônico popular amplo,

rico a ser interpretado. Essas manifestações constituem-se elementos representativos de

nossas expressões históricas e culturais. No que se refere às pesquisas historiográficas, o

Page 5: História, arquitetura popular e desígnios, a urgência de ... · a própria arquitetura e a antropologia. O objetivo desse artigo é refletir num primeiro momento sobre o que é

problema de abordar esse objeto pode ser minimizado partir da circularidade de ideias entre

diversos campos do saber, como a sociologia, antropologia como auxílio para a história.

A arquitetura popular como fonte de estudo para a história ganha assim uma

dimensão interessante, ao sair da relação arquitetura-artefato partindo para uma

fundamentação de seus aspectos sociais, ou seja, das relações humanas extraídas de aspectos

econômicos, culturais, religiosos. Essa dimensão seria o aspecto da intangibilidade extraída,

portanto, das relações arquitetura-artefato como as formas de saber fazer, morar, trabalhar,

sua inventividade, estratégias de sobrevivência e resistência, perante os condicionantes

naturais como meio ambiente e clima, as condições econômicas. Esses aspectos intangíveis

quando traduzidos, nos transporta para a lógica de criação, as quais atreladas às demandas

sociais do homem, notadamente as funções de moradia e trabalho, onde as sociabilidades

estão presentes num cotidiano marcado por símbolos. Traduzir esses símbolos,

materializados, por exemplo, em uma técnica, em determinado ornamento, na ocupação

espacial de um cômodo é compreender os seus significados, a essência e a lógica, é um

desafio para o historiador que deverá romper suas limitações e buscar desnaturalizar o que

pode nos parecer normal, como nos encontrar, situarmos dentro de uma realidade das coisas e

do homem em meios aos simulacros.

Ao abordar a arquitetura popular, nós pesquisadores acabamos inevitavelmente

por cair no problema da dualidade que há entre cultura popular e erudita ou arte popular e

erudita como sendo realidades existenciais que coabitam juntas numa relação de forças

conflituosas entre dominantes e dominados. Como então adentrar nesse universo de partidos

arquitetônicos distintos? Como abordar a arquitetura popular sem cair em generalizações,

predisposições, reducionismos e maniqueísmos perante essa dualidade? Sabemos que o

sentido da cultura e da arte na sociedade deve ser encarado em sua diversidade e alteridade,

cada qual com seus valores e significados como postulam importantes críticos de arte.

Os estudos sobre a arquitetura popular ainda são poucos no Brasil nos

departamentos de arquitetura e engenharia cuja tendência é abordar a rquitetura moderna,

contemporânea, mas escassos ainda nos departamentos de história. Se olharmos para a própria

história da preservação do patrimônio no país quanto ao que foi preservado, suas listas, talvez

tenhamos uma noção sobre essa escassez e lacunas, uma vez que o conhecimento

Page 6: História, arquitetura popular e desígnios, a urgência de ... · a própria arquitetura e a antropologia. O objetivo desse artigo é refletir num primeiro momento sobre o que é

acadêmico/erudito e de influência na academia europeia, logrou prestígio por muito tempo na

política de preservação sob um paradigma da “cidade-monumento” ou cidade-documento”. É

fato que a insurgência cultural é uma das consequências dessa dualidade, que contribuíram

para essa situação de desprezo, exclusão, reconhecimento, preservação da arquitetura dos não

arquitetos, de sujeitos provenientes de camadas desfavorecidas pelas elites. Nossa futura

pesquisa vai de encontro a essa realidade no sentido de buscar produzir um estudo de caso

sobre a arquitetura popular no município de Macaúbas-Ba, uma realidade local, regional, em

um trabalho de história, arquitetura e memória. Mas a ideia não é uma novidade, temos

estudos mesmo que escassos, eles iniciaram com Gilberto Freyre sobre “Sobrados e

mocambos” publicado em 1936, os levantamentos em 1942 realizados pelo restaurador José

Rescalda que já documentava no interior do Ceará através de um inventário cultural um

conjunto de arquiteturas de casas populares construídas de barro e cobertas de palha, entre

outros conforme a publicação “Inventários de identificação: um programa da experiência

brasileira”, editado pelo Iphan em 1998.

Algumas ideias sobre Arquitetura

É recorrente quando se fala de história, estética e conceito arquitetônico, a

profusão de uma série de princípios levantados por Vitrúvio na antiguidade. Temos observado

em nossas leituras que uma série de autores ao delimitar a essência do que seja arquitetura,

recorrem ao “Tratado de Vitrúvio”. Essa obra foi considerada uma espécie de “Bíblia dos

arquitetos” e utilizada com muita frequência durante o renascimento. Há uma dezena de obras

publicadas, as quais lhe atribui à condição de fundador da estética da arquitetura. O arquiteto

Carlos Lemos em “O que é Arquitetura” diz que alguns de seus tratados ficaram dispersos e

vagos quando do desaparecimento de muitos dos seus desenhos, os quais ilustravam suas

teorias e que essa lacuna abriu espaço para interpretações variadas (Lemos, 2003, p. 23).

Segundo Lemos a grande contribuição vitruviana encontra-se em seus princípios, entre eles:

“solidez, utilidade e a beleza” e que estão ligados aos outros seis grandes princípios, os quais

definem essa lógica, são eles: Ordenamento/dimensão das partes, disposição/arranjo

conveniente das partes, Euritmia/harmonia, Simetria/medida e cálculo das relações entre as

partes/, conveniência/disposição das partes, destino das dependências/ e distribuição/

Page 7: História, arquitetura popular e desígnios, a urgência de ... · a própria arquitetura e a antropologia. O objetivo desse artigo é refletir num primeiro momento sobre o que é

comodidade do lugar e prudência no fazer a obra dentro das possibilidades. (Lemos, 2003, p.

23/24).

Teixeira Coelho em “A construção do sentido da arquitetura” buscando entender

na linguagem arquitetônica a importância da semiologia, em seus estudos, também destaca

alguns princípios vitruvianos “ordenamento, disposição, proporção e distribuição” que são

inerentes à compreensão do conceito de espaço (Coelho Netto, 2009, p.18). Assim lê-se no

“Tratado de Arquitetura” de Vitrúvio:

“Na realidade, a arquitetura consta de ordenação, que em grego se diz taxis,

disposição, à qual os gregos chamam diathesis, eurritmia,

comensurabilidade, decoro e distribuição, esta em grego dita oeconomia”.

(Maciel, 2007, p.74 op. Cit. Vitruvius Pollio).

Nestor Goulart em: “Quadro da arquitetura no Brasil” pontua que no Brasil

esses princípios podem ser vistos no rigor das escadarias, colunatas, frontões em estilo

neoclássico. Percebe-se assim a preocupação com princípios estéticos, mas que estão

imbuídos numa lógica dos aspectos da construção em si como a questão da técnica que se

somam ao artístico. O discurso acadêmico dessa maneira vai atrelando-se fortemente na

tratadística italiana, como exemplo de rigor, de erudição. Mas e as expressões arquitetônicas

populares?

Para Leonardo Benévolo historiador da arquitetura e da cidade antiga, é

surpreendente o conceito de arquitetura de William Morris, “Ela representa o conjunto das

modificações e alterações operadas, devido às necessidades humanas, na superfície terrestre”

(Benévolo, 2009, p. 87). Benévolo analisando a relação entre “arquitetura e técnica” no livro:

“A cidade e o arquiteto: Método e história na arquitetura” diz que a arquitetura compõe o rol

das grandes artes universais, fazendo interlocução, por exemplo, com a pintura e a escultura.

Benévolo analisa que a arquitetura enquanto arte e como tal, carrega em si suas técnicas que

constituem atividades distintas e obedecem a modelos e correntes escolásticas universais,

desenvolvendo-se nas escolas politécnicas e academias de belas artes que ao longo da história

de suas atividades construíram um conhecimento diverso, que segundo ele envolvem

pluralidades de especializações.

Segundo Carlos Lemos em “Arquitetura Brasileira” a arquitetura seria então,

“toda e qualquer intervenção no meio ambiente criando novos espaços, quase sempre com

Page 8: História, arquitetura popular e desígnios, a urgência de ... · a própria arquitetura e a antropologia. O objetivo desse artigo é refletir num primeiro momento sobre o que é

determinada intenção plástica, para atender as necessidades imediatas, ou a expectativas

programadas e caracterizadas por aquilo que chamamos de partido” (Lemos, 1979, p.09). Essa

definição nos reporta a maneira como o homem se relaciona com o meio ambiente, na

construção e ocupação de áreas de acordo com suas necessidades e nesse sentido, o conceito

de Lemos abre prerrogativas para enquadramento da arquitetura popular como arte. Lemos

trabalhando com afinco a concepção de “partido arquitetônico”, diz que essa realidade deriva

do que ele denomina de condicionantes ou determinantes entre eles: técnica construtiva que

envolve recursos humanos, materiais e poder econômico do empreendedor associado ao

programa de necessidades, segundo usos e costumes do proprietário, e que está a pedir

modificações, em meio às demandas sociais que em parte contribuem para compor a

dimensão cultural de uma sociedade.

Veremos mais adiante no tópico arquitetura popular e desígnios, a importância

de alguns desses conceitos para nossas objeções e suas respectivas correspondências, onde

localizamos uma série de trabalhados desenvolvidos por arquitetos como: Paul Oliver;

Bernard Rudofsky ao organizarem uma enciclopédia de arquitetura popular pelo mundo com

contribuição de arquitetos brasileiros como Maria Betânia U.C. Brendle sobre arquitetura

popular e suas fachadas em Pernambuco e Günter Weimer ao analisar a arquitetura popular de

imigração Alemã e em outras partes do Brasil. O trabalho de C. Flores sobre a arquitetura

popular na Espanha.

O programa de necessidades, por exemplo, nos oferece num primeiro momento

informações sobre a relação da arquitetura e seu uso pelo proprietário, uma vez que a planta e

o programa de necessidades são importantes condicionantes do partido arquitetônico que nos

ajudam a compreender a dinâmica social e econômica do lugar, pondo a arquitetura como

elemento social interligada aos condicionantes do crescimento populacional, urbano,

desenvolvimento econômico e suas relações diretas com suas funções que conferem os

sentidos e lógica social de determinados grupos sociais.

Page 9: História, arquitetura popular e desígnios, a urgência de ... · a própria arquitetura e a antropologia. O objetivo desse artigo é refletir num primeiro momento sobre o que é

Planta baixa e desenho/fachada de exemplar na zona rural Macaúbas-Ba, por Lucas Baisch,2011.

Arquitetura popular e desígnios

Segundo Günter Weimer em “Arquitetura popular no Brasil” o termo

‘arquitetura vernacular’ é um neologismo, para ele o termo ainda não está dicionarizado

devidamente, sendo que o emprego mais correto seria ‘populus’, popular que remete a

conjunto de cidadãos, do que é próprio de camadas intermediárias de uma população

(Weimer, 2005, p.XL). As características gerais da arquitetura popular segundo Weimer

encontram-se na simplicidade dos materiais e técnicas utilizados, as limitações econômicas, a

adaptabilidade, criatividade perante o clima numa relação direta de sobrevivência do homem

com a natureza, sendo que o distanciamento do homem ao meio ambiente se dá em função do

aumento do seu poder aquisitivo e, portanto passando a consumir produtos industrializados.

Enquanto na arquitetura popular o homem imagina e cria, na arquitetura erudita e como já

dizia Lúcio Costa há uma intencionalidade plástica com emprego de técnicas programadas

com rigidez. Mas na arquitetura popular também há uma forma plástica segundo Weimer, ela

é o resultado natural das técnicas e materiais empregados em uma longa tradição histórica

como as populações africanas, isto é, se não ocorrer à imitação desta pela arquitetura erudita

(Weimer, 2005, p.XLII). Está ideia de intencionalidade plástica é um dos pontos mais

controversos ao pesquisador que deverá estabelecer limites, se é que existe limite segundo o

autor.

Outro ícone que merece destaque nos estudos sobre a arquitetura popular, são os

trabalhos de Maria de Betânia U. C. Brendle, em especial destacamos dois trabalhos. O

primeiro é o projeto “Arquitetura popular: estudo das fachadas de platibanda do interior do

Page 10: História, arquitetura popular e desígnios, a urgência de ... · a própria arquitetura e a antropologia. O objetivo desse artigo é refletir num primeiro momento sobre o que é

nordeste” trabalho que documentou essa vertente arquitetônica em diversas regiões daquele

Estado, tendo feitos estudos do meio, estudo das formas construídas, tipologias, sistemas

construtivos, em seus estudos na década de 1990 a autora listou dezesseis aspectos da

arquitetura espanhola levantada por (Flores, 1973, p.14-62) denominados de “atributos e

qualidades dessa arquitetura popular” (Brendle, 1996, p.43-47). Alguns desses atributos

fazem uma correspondência de ideias como: geografia e tradição; preocupação utilitária; a

escala modesta de suas dimensões, as condições econômicas, o simbolismo, o aspecto

comunitário no construir entre outros.

Outro trabalho de Betânia é a “Arquitetura Popular - Projeto Brasil 500 - Anos

de Arquitetura” projeto que reuniu e publicou um significativo volume de trabalhos feitos por

diversos arquitetos e regiões brasileiras sobre: mocambo, arquitetura do candomblé,

arquitetura popular do litoral, arquitetura de favelas, casas proletárias, arquitetura popular de

imigração dentro outros.

Esse patrimônio edificado, constituído principalmente por casas de

proporções modestas e fachadas multicoloridas com platibandas pintadas a

cal e acentuado geometrismo, é a expressão da arquitetura popular na região

do nordeste brasileiro que não figura nos inventários oficiais. Esta

arquitetura está em constante processo de descaracterização tanto pela

própria natureza dinâmica do seu processo criativo... (Brendle, 1996, p.12).

A arquitetura popular é uma forma de expressão que designa um conhecimento

concebido e originado do povo, do homem comum, ou seja, do não arquiteto, sujeito

proveniente muitas vezes de lugares e classes populares desfavorecidas política, cultural e

economicamente. Na nova historiografia estudamos esses efeitos numa relação também entre

cultura erudita e popular, entre dominantes e dominados, Estado e poder. Esse tipo de

expressão é bastante influenciado por essa condição econômica, e daí um ponto crucial que

diferencia a arquitetura popular da erudita, segundo Betânia Brendle, é a que diz respeito à

escala, ou seja, o tamanho, diz ela que “a escala modesta da arquitetura popular, longe de ser

uma opção arquitetônica, é decorrente da situação financeira do proprietário e da

disponibilidade dos materiais de construção de cada região” (Brendle, 1996, p.12).

Dessa forma de acordo com os ensinamentos de Betânia a arquitetura, como

produto de manifestação, expressão material reflete na convivência do homem com a natureza

Page 11: História, arquitetura popular e desígnios, a urgência de ... · a própria arquitetura e a antropologia. O objetivo desse artigo é refletir num primeiro momento sobre o que é

e a sociedade, de fatores políticos, étnicos e religiosos, nos remetendo a outras realidades

como as edificações de nossa região, onde o aspecto da modéstia, não é mesmo uma opção,

mas sim uma condição, como a disponibilidade de recursos financeiros para o emprego de

eventuais técnicas e ou materiais para sua construção, tendo que recorrer assim à natureza. E

como pontuou acima Weimer quando do progresso e desenvolvimento econômico essa

manifestação sofre naturalmente processos que culminam em mutações.

a arquitetura popular é o resultado do trabalho criador do “homem pobre”

refletindo as necessidades do seu dia-a-dia, utilizando a sabedoria popular

nos métodos de construção, na escolha de materiais de acordo com sua

disponibilidade (...) A arquitetura popular expressa uma “liberdade de

criação” através do uso de cores, de elementos decorativos, dos elementos

marcantes de sua plasticidade, na composição de uma arquitetura “despojada

e simples” (Brendle, 1996, p.14).

De acordo com Betânia Brendle há uma “tendência de atribuir o termo

espontâneo às manifestações de arte popular, e principalmente, ao ambiente construído pelo

próprio povo. Isto não tem fundamentação científica” (Brendle, 1996, p.15) Essas críticas às

pesquisas que utilizam termos como ‘anônima’ e ‘espontânea’ aplica-se, por exemplo, ao

pensamento de Paul Oliver, para ela já temos condições suficientes para identificar a autoria

da produção arquitetônica e que a repetição de modelos previamente estabelecidos, está longe

de ser espontâneo, refletindo assim a persistência nas tradições no construir.

Observamos assim como a arquitetura popular é um fenômeno existencial, uma

forma de arte produto da cognição humana, muito peculiar a um contexto, lugar e grupos

sociais, repletos de significados.

Ex

emplares em Macaúbas-Ba, fotos: Lucas Baisch, 2011

Page 12: História, arquitetura popular e desígnios, a urgência de ... · a própria arquitetura e a antropologia. O objetivo desse artigo é refletir num primeiro momento sobre o que é

Estudos numa perspectiva entre História e arquitetura: a urgência de novos olhares

Os estudos história e arquitetura popular encaminham o pesquisador para um

campo diverso e complexo de relações sociais, como homem-casa, homem-trabalho, homem-

cotidiano. Os caminhos e investigações para se apurar essas relações podem partir de

disciplinas como: história cultural e história social, e nesse sentido percebe-se suas

contribuições para o fortalecimento das expressões e experiências humanas, hábitos, cotidiano

privado e doméstico, comportamentos do sujeito na história e em determinados lugares, as

perspectivas dos aspectos culturais, todas essas contribuições dos aspectos epistemológicos da

produção historiográfica podem nos ajudar, e ajudar o arquiteto a desenvolver também seus

temas de pesquisa que necessitam de apuração histórica. No que compete a literatura e mais

específica sobre a arquitetura linhas de pesquisa como a história da arquitetura e do

urbanismo, história da cidade e história urbana, geram trabalhos interessantes, os quais podem

estreitar nossas visões como historiador, ficando assim mais claras algumas questões ao

acessar textos sobre cultura da arquitetura, história conceito e evolução para tocar no objeto

de análise que estamos tratando aqui, congregando assim um uma dialógica entre arquiteto e

historiador dentro de um campo promissor de relações possíveis. Outro campo do saber muito

propício é a antropologia cultural, interpretativa, com a ideia do simbólico. O princípio da

interdisciplinaridade, ou circularidade de ideias, pode assim representar uma série de

alternativas, saídas, para um campo e mesmo complexo de relações possíveis entre diferentes

métodos de trabalhos entre: arquitetura, história e antropologia. Anteriormente no ocupamos

sobre arquitetura e arquitetura popular, agora veremos um pouco as possibilidades de abordar

a arquitetura numa relação entre história e a antropologia.

A contribuição da antropologia está presente em diversos trabalhos, mas um em

especial chama nossa atenção pelo grau de aceitação na academia, ou seja, as perspectivas da

teoria da semiótica/simbologia ou teoria de significados do antropólogo Clifford Geertz que

escreveu em 1973 “A interpretação das culturas”. Nota-se assim que a base de seu

pensamento está expressa na teoria da semiótica, “Teoria geral das representações que leva

em conta os signos sob todas as formas e manifestações que assumem” (Houaiss, 2001,

Page 13: História, arquitetura popular e desígnios, a urgência de ... · a própria arquitetura e a antropologia. O objetivo desse artigo é refletir num primeiro momento sobre o que é

p.2543), nesta obra ele propõe analisarmos o conceito de símbolos que segundo ele contém

significados que precisam ser traduzidos e compreendidos. A semiótica seria assim uma

ciência para interpretação de significados que há no universo cultural a partir das vivências e

observações em campo, como ponto estruturante de um grande canteiro de trabalhos de

antropólogos denominado de etnografia, onde “praticar a etnografia é estabelecer relações,

selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um

diário” (Geertz, 1978, p.15). Desse modo é na etnografia que códigos sociais são

interpretados, decifrados, classificados dentro de hierarquias provenientes de clivagens, as

quais possuem sentidos, ou seja, significados, e por isso são denominados de simbólico ou

cultura do simbólico. Determinado código dessa maneira representa uma base, expressão

social e suas relações com determinados grupos de indivíduos, em um lugar e contexto.

Consideramos essa teoria importante e que de fato subsidia o historiador e arquiteto em suas

pesquisas, pois o que faz o historiador e o arquiteto se não uma busca pela interpretação da

cultura, de bens culturais, de traduzir códigos e suas linguagens dentro dos períodos da

história, associado a lugares, pessoas e o tempo.

Mas quais são as ideias de teoria e empiria na antropologia, e como essa pode ser

acessada por arquitetos e historiadores? O método da “redução de escala de análise”, também

conhecida como “descrição densa ou microscópica”, seria uma ideia prática, para uma

estrutura de narrativa, porém segundo Geertz outros antropólogos fazem interpretações em

grande escala. (Geertz, 1978, p.31).

Segundo suas prerrogativas, um historiador ao selecionar um tema (arquitetura

popular e os seus desígnios no alto sertão da Bahia) este deverá recortá-lo, reduzindo o espaço

e o tempo a ser pesquisado, onde ao fazer a descrição densa, ou exaustiva deste objeto,

estaríamos nos aproximando mais de sua realidade histórica, algo menos superficial, numa

análise mais intimista com suas particularidades e especificidades, assim na arquitetura cada

um de seus elementos possui significados, o programa construtivo e seus materiais

empregados, a ideia de hierarquia e espacialidade, ou seja, ocupar determinado espaço por

alguém ou coisa, tem lá uma série de significados que precisam ser traduzidos, bem como

uma série de outros elementos das estruturas edificadas. Essa metodologia de reduzir a escala

contribuiu para o desenvolvimento da corrente da micro-história, a exemplo dos estudos

intensivos com determinado conjunto de documentos de onde se extrai das generalizações

Page 14: História, arquitetura popular e desígnios, a urgência de ... · a própria arquitetura e a antropologia. O objetivo desse artigo é refletir num primeiro momento sobre o que é

suas especificidades, assim é possível relacionar esses estudos de casos na prática

historiográfica na perspectiva de Geertz onde “fatos pequenos podem relacionar-se a grandes

temas” (Geertz, 1978, p.34).

Na historiografia presenciamos aceitação acadêmica das ideias da historiografia

francesa, e numa perspectiva da história cultural, para a reescrita de uma nova história para

trabalhos que foquem novos, lugares, objetos, sujeitos e o seu cotidiano ainda pouco

conhecidos, essa demanda nos sugere uma história local pautada em estudos como o

cotidiano, os saberes e fazeres locais, memória coletiva”, identidade cultural, a observar as

semelhanças e diferenças, a permanência e mudanças de costumes, seja, pela abstração no

processo histórico e da lógica cognitiva das ações humanas que partem do individual para se

constituírem uma coletividade, cuja materialidade e imaterialidade simbólica são percebidas e

analisadas com “as maneiras de fazer” do “sujeito ordinário”, da “arte de viver” e as ideias de

“práticas e representações”, presentes nos estudos de Michel de Certeu e Roger Chartier,

respectivamente.

Michel de Certeu “A invenção do cotidiano - Artes de fazer” denominou de

“formalidade das práticas” e “as maneiras de fazer” as objeções do “sujeito ordinário”. Tais

reflexões sobre as evidências da cognição humana podem ser assim, extraídas na arquitetura

popular a partir da técnica, como aspecto que nos informa as maneiras de construir, os

materiais utilizados, mão de obra local, os condicionamentos econômicos, sociais e

geográficos, como o clima e como prática cultural. A partir daí abre-se outros dois

importantes processos de reflexão sobre as concepções da moradia e do trabalho. Segundo

Certeu há duas possibilidades gerais de desenvolver este tipo de abordagem, uma encontram-

se na “problemática da sociologia urbana” com os quais o pesquisador poderá levantar dados

quantitativos sobre o espaço e arquitetura e outra na “problemática da análise sócio-

etnográfica”, ou seja, o estudo propriamente dito do sujeito em sua vida cotidiana.

Assim as práticas e fazeres dos “sujeitos ordinários” como procedimento dialético

a ser lançado sobre determinados cotidianos, está na órbita tantos dos estudos de Certeu e

Chartier que também trabalha com o conceito de práticas, apropriações e representações para

produzir conhecimento sobre o cotidiano, permeado por uma história cultural a partir das

Page 15: História, arquitetura popular e desígnios, a urgência de ... · a própria arquitetura e a antropologia. O objetivo desse artigo é refletir num primeiro momento sobre o que é

“operações historiográficas”. A “arte do fazer” assim seriam as tradições e astúcias que são

encobertas pela cientificidade e suas erudições, escreve Certeu que:

toda atividade humana pode ser cultura, mas ela não o é necessariamente ou,

não é forçosamente reconhecida como tal, pois, para que haja cultura, não

basta ser autor das práticas sociais; é preciso que essas práticas sociais

tenham significado para aquele que as realiza.” (Certeu 1994, p. 142).

Interpretar a lógica e o sentido social da arquitetura popular, seus feitos de cunho

social, prática cultural é mergulhar no universo de suas apropriações, inventividade, atos,

regras, valores, táticas em seu desenvolvimento perante o seu cotidiano, e isso nos implicam

em procurar embasar dentro dessa lógica social as apropriações e inventividade perante o jogo

das relações de poder. Certeu afirma que a “Inversão de perspectiva e criação anônima resulta

num processo natural de resistência “a força de sua diferença se mantinha nos procedimentos

de consumo”, essa resistência se dá perante o jogo de poder pode ser interpretado na relação

comparativa entre dominantes e dominados, nas “estratégias e táticas” (Certeu, 1994, p.40).

Ainda sobre a resistência do “homem ordinário” Certeu capitula que “o homem

ordinário” inventa o cotidiano com mil maneiras de “caça não autorizada”, escapando

silenciosamente a essa conformação, aos “murmúrios das sociedades”. Essa invenção do

cotidiano se dá graças ao que Certeau chama de “artes de fazer”, “astúcias sutis”, “táticas de

resistência”, ou seja, não consumir o produtos passivamente procurando outras vias de

consumo através de sutilezas que vão alterando os objetos e os códigos impostos e

estabelecendo assim uma reapropriação do espaço e do uso ao jeito de cada um.

A uma produção racionalizada, expansionista além de centralizada,

barulhenta e espetacular, corresponde outra produção, qualificada de

‘consumo’: esta é astuciosa, é dispersa, mas ao mesmo tempo ela se insinua

ubiquamente, silenciosa e quase invisível, pois não se faz notar com

produtos próprios, mas nas maneiras de empregar os produtos impostos por

uma ordem econômica dominante. (Certeu, 1994, p. 39).

Esses conceitos estão assentados nas interlocuções na busca por desvendar nos

estudos do cotidiano a realidade social, em sua lógica evolutiva e construtiva. As

representações constituem assim uma diversidade, marcada pelas diferenças e dependências

entre si, num jogo de tensões (Certeu, 1990, p. 16). Os indivíduos, são diferentes em sua

organização, posição social, gerando relações distintas, essa condição gera aspectos como

Page 16: História, arquitetura popular e desígnios, a urgência de ... · a própria arquitetura e a antropologia. O objetivo desse artigo é refletir num primeiro momento sobre o que é

imposição, dominação, resistência, tradição, diversidade e apropriação na lógica das

representações.

Nos estudos de Roger Chartier em “A História Cultural: entre práticas e

representações” a arquitetura popular pode ser investigada partindo dos seus princípios de

materialização e extraídos desses princípios os aspectos intangíveis dos sujeitos, que está

expressado em suas práticas culturais, ou seja, o fazer.

História Cultural deve ser entendida como o estudo dos processos com

os quais se constrói um sentido, uma vez que as representações podem

ser pensadas como “[...] esquemas intelectuais, que criam as figuras

graças às quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se

inteligível e o espaço ser decifrado” (Chartier,1990,p.17)

É preciso levar em consideração que as nuances e diferenças de tais práticas, seja

na apropriação e sua ressignificação em meio à diversidade e o jogo de forças que Chartier

denomina de tensões entre outros autores de resistência. Há assim uma necessidade de

compreensão dos sujeitos através dos seus saberes e fazeres, os quais constroem parte de uma

unidade lógica, ou seja, a identidade cultural presente em nossa realidade social (Chartier,

1990, p. 9-10). Essa lógica social seria o entendimento da condição social, política ou

econômica do sujeito em meio a essas tensões e resistências no momento das “apropriações e

suas representações” as quais podem ser refletidas com a busca pela resposta das indagações

acima, que muitas vezes nos abstraímos sobre sua essência e lógica.

Considerações finais

A arquitetura popular é um fenômeno, fato, discurso de uma época, texto que nos

informa sobre algo, alguém, seus fatores e ocorrências em determinados lugares e contextos,

os quais precisam ser observados e problematizados em busca de explicações, apurações. Essa

ótica de análise urge por novos estudos e, sobretudo nos departamentos de história, pois além

de sua contribuição para o estudo das evidências de técnicas construtivas, dos hábitos de

morar e trabalhar presentes nestas estruturas edificadas, também pode contribuir para a

preservação de suas materialidades e imaterialidades, como a invenção, os desejos, sonhos do

homem, o capricho em lutar por morar de forma confortável, a preocupação com a estética, ou

Page 17: História, arquitetura popular e desígnios, a urgência de ... · a própria arquitetura e a antropologia. O objetivo desse artigo é refletir num primeiro momento sobre o que é

seja, é uma fonte importante que gera diversas caminhos de pesquisas e interfaces para nós

historiadores e antropólogos, promovendo a circularidade de ideias.

De nossas apreensões sobre o viés da arquitetura popular e a partir de nossas

experiências sobre os estudos das expressões populares da arquitetura macaubense em

práticas projetuais, a arquitetura apresenta-se para nós como um elemento, uma perspectiva de

compreender a arte, os modos de fazer do sujeito expresso na materialidade, engendrada de

técnicas construtivas, das influências econômicas e da própria natureza como pontua Carlos

Lemos em sua denominação de “partido” que à priori abre nossas reflexões sobre a relação da

arquitetura com a sociedade. Vimos como a leitura dentre outros teóricos da arquitetura

podem estreitar a relação arquiteto e historiador e a contribuição da antropologia com o viés

da etno-história. A história social e seus aportes contribuem dessa forma para nossas

percepções sobre os usos e costumes entre eles as técnicas, funções de moradia, trabalho,

numa abordagem interdisciplinar.

Referências Bibliográficas

BENÉVOLO, Leonardo. A cidade e o arquiteto. Método e história na arquitetura. São

Paulo: Perspectiva, 2009.

BRENDLE, Maria de Betânia Uchôa Cavalcanti. Arquitetura Popular: Estudo das

Fachadas de Platibanda do interior do Nordeste. (Relatório). Recife: UFPE,1996.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: morar, cozinhar. 7ªed. Petrópolis: Vozes,

2008.

CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Rio de

Janeiro/Lisboa: Bertrand/Difel, 1990.

COELHO NETTO, José Teixeira. A construção do sentido da arquitetura. São Paulo:

Perspectiva, 2009.

FILHO, Nestor Goulart Reis. Quadro da arquitetura no Brasil. São Paulo: Perspectiva,

1976.

FLORES, C. Arquitetura popular Espanhola. Editora Aguiar. Madrid, 1973.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1978.

Page 18: História, arquitetura popular e desígnios, a urgência de ... · a própria arquitetura e a antropologia. O objetivo desse artigo é refletir num primeiro momento sobre o que é

LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Arquitetura Brasileira. São Paulo: Melhoramentos,

1979.

____________. O que é Arquitetura. São Paulo: Brasiliense, 2003

WEIMER, Günter. Arquitetura popular brasileira. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

VITRUVIUS, Pollio. Tratado de Arquitetura. Trad. M. Justino Maciel. São Paulo: Martins

Fontes, 2007.