hist africa 1 - pio penna

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Uma Introdução à História da África Pio Penna Filho módulo 3 Apoio: SECAD/MEC

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Este é um livro do prof. Pio Penna que discute a história da África sobre o prisma: são várias as áfricas

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Page 1: Hist Africa 1 - Pio Penna

Uma Introdução à

História da África

Pio Penna Filho

módulo

3

Apoio:

SECAD/MEC

Page 2: Hist Africa 1 - Pio Penna

Ministério da EducaçãoUniversidade Federal de Mato Grosso

Reitora Maria Lúcia Cavalli Neder

Vice-Reitor Francisco José Dutra Souto

Pró-Reitora Administrativa Valéria Calmon Cerisara

Pró-Reitora de Planejamento Elisabeth Aparecida Furtado de Mendonça

Pró-Reitora de Ensino de Graduação Myrian Thereza de Moura Serra

Pró-Reitora de Ensino de Pós-Graduação Leny Caselli Anzai

Pró-Reitor de Pesquisa Adnauer Tarquínio Daltro

Pró-Reitor de Vivência Acadêmica e Social Luís Fabrício Cirillo de Carvalho

Conselho Editorial:

Maria Lúcia R. Muller - UFMTDarci Secchi - UFMTCandida Soares da Costa - UFMTPio Penna - USPMoema de Poli Teixeira - ENCE/IBGE

Capa, Projeto Gráfico e Ilustrações:

Candida Bitencourt Haesbaert

© NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS SOBRE RELAÇÕES RACIAIS E EDUCAÇÃO (NEPRE)

Instituto de Educação, sala 63, Av. Fernando Corrêa da Costa s/n, Coxipó – Cuiabá/mt – CEp 78060-900 Fone: (65) 3615-8447

Apoio:

SECAD/MEC

I – Apontamentos sobre a áfrica pré-colonial 5

II – O colonialismo como sistema e a áfrica colonial 11

III – A descolonização e a áfrica 22

IV – A áfrica pós descolonização 35

sumário

Page 3: Hist Africa 1 - Pio Penna

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A experiência histórica africana é riquíssima e complexa. O obje-tivo deste texto é apresentar, de

forma breve, a evolução histórica do continente africano desde a antigui-dade até os dias atuais, permitindo ao leitor compreender, pelo menos em linhas gerais, como foram as diversas etapas da história da África para, após essa breve introdução, poder refletir e compreender sobre a importância daquele continente não só para a história do Brasil, como também parte integrante e com-ponente essencial para entender a

formação de diversos outros países, sobretudo nas Américas. Assim, o texto está dividido em três partes: período pré-colonial, o colonial e a África contemporânea.

procuraremos examinar também as características políticas, econô-micas, sociais e culturais do colo-nialismo e seus efeitos sobre as so-ciedades africanas colonizadas, cujo objetivo é averiguar as principais premissas do sistema engendrado pelo capitalismo e sua penetração em sociedades não-capitalistas, de notada importância para a compre-

1. APONTAMENTOS SOBRE A ÁFRICA PRÉ-COLONIAL

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trário, ou seja, trata-se de uma região na qual existem os mais antigos re-gistros da existência do ser humano e de um continente que durante muito tempo demonstrou um vigor e estabilidade invejáveis, contando com a presença de inúmeros reinos e impérios bem estabelecidos.

que possuíam poucos contatos com os europeus. Assim, é ainda relativa-mente frequente por parte de alguns estudiosos, mais ainda, no entanto, por parte do senso comum, não incluir o Egito como sendo compo-nente do continente africano. trata-se de mais uma medida para tentar diminuir a importância da África no contexto da evolução humana e de sua contribuição para a diversidade cultural do planeta.

Mapa 1 - Civilizações Africanas Antigas

ensão da evolução histórica recente do continente africano.

Durante muito tempo, os euro-peus adotaram o ponto de vista de que a África não possuía uma his-tória propriamente dita, haja vista que o continente era composto por uma maioria de povos que ainda não utilizavam a escrita e que, portanto, não eram merecedores de um lugar

de relevo no panteão das grandes civilizações. Na verdade, tratava-se de mais um dos vários argumentos racistas lançados a partir da Europa para justificar processos de domina-ção econômica e política. Esse olhar é um grande absurdo porque vê o continente africano frágil e sob inútil perspectiva. O olhar para o passado da África revela exatamente o con-

Cultura Ashanti - O Reino Ashanti, fundado no século XVII, foi o maior e mais poderoso

dos reinos criados pelo povo Akan

Outro aspecto que contribuiu para essa visão equivocada sobre o passado africano foi o fato de que se processou uma divisão do con-tinente estabelecendo como linha demarcatória a divisão entre uma África do Norte, onde prosperou a civilização egípcia e outros povos que margeavam o mediterrâneo e se aproximavam do Oriente próximo, e uma África subsaariana1 habitada por povos de pigmentação negra e

1 África Subsaariana é toda a região do continente afri-cano situada abaixo do deserto do Saara, em oposição à África do Norte, ao norte do Saara.

Imperador Menelik II, da Etiópia, Império africano que conseguiu resistir à expansão

colonialista européia

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A Etiópia, por exemplo, é um Esta-do antigo e citado em inúmeras fontes da antiguidade que atestavam o grau de sofisticação a que chegou aquele Reino, com contatos comerciais e culturais permanentes com o Oriente próximo e todas as características de uma tradição sólida e consolidada. Segundo a tradição, a monarquia etí-ope foi criada mil anos antes de Cristo e conseguiu fundar uma sociedade próspera e organizada. O Império Etíope foi o único dos Impérios e Reinos africanos que conseguiu se modernizar e enfrentar, já no final do século XIX, a ameaça colonialista européia, permanecendo como um Estado autônomo até a expansão ita-liana sob o fascismo de mussolini na década de 1930 do século XX.

Já na África Ocidental, registramos também a existência do Império Ashanti (século XVII), que contava com uma extensão territorial conside-rável e mantinha relações comerciais com mercadores europeus. Além disso, o Império Ashanti possuía uma burocracia eficiente e um Estado forte, centralizado e com um eficiente sistema de comunicações. No mesmo sentido, mas mais antigo ainda, temos o Império do mali, que controlou parte da bacia do Níger com suas terras fér-teis e minas de ouro proporcionando-lhe prosperidade econômica e impor-tância política regional, haja vista que o Império, que teve seu apogeu por volta de 1300, era uma Confederação de três estados aliados e independentes (mali, mema e Wagadou).

Mapa 3 - O Colonialismo na África

AFRICA COLONIAL POR VOLTA DE 1800

Estados IndependentesColônias InglesasColônias ItalianasColônias FrancesasColônias portuguesas

brancos, citamos a existência do Império Kanem-Bornu, do Império de Gana, dos Estados Haussa, dos

Igreja de São Jorge – Demonstração da vitalidade da arquitetura do Império Etíope

Remanescentes da arquitetura do Império Songhai

Ainda ilustrando a extraordinária diversidade e riqueza africana em termos de unidades políticas conso-lidadas e estáveis que existiram antes e durante determinado período de tempo de contatos com os homens

Estados mossi, do Reino de Oyo, do Império Songhai e do Império tukulor.

Impérios e reinos africanos

Colônias EspanholasColônia BelgaColônias Alemãsterritórios Coloniais Bôeres

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O Sistema Colonial na África Doravante, procuraremos carac-terizar e elaborar um histórico do colonialismo com seus principais fundamentos. Deseja-se, ainda, ana-lisar os principais impactos provoca-

dos pelas nações africanas e como, aos poucos, por causas internas e externas, foi-se criando um clima preparatório para o término desse modelo de dominação.

I - O Colonialismo Como Sistema e a África ColonialO colonialismo do século XX

foi produto direto dos Impérios coloniais formados no século XIX2. Quais motivos levaram os europeus a formarem impérios com extensa rede de colônias espalhadas pelo mundo? Alguns países europeus atravessavam uma fase específica na evolução do capitalismo caracterizada pela busca de novos mercados, por fontes de matérias primas e por áreas de in-vestimento de capitais, além de que, naquele contexto histórico, a Europa vivia uma época de “concorrência en-tre economias industrial-capitalistas rivais”3, o que impulsionava ainda mais a busca por mercados mono-polizados e que excluíssem outras nações industrializadas.

Os países mais adiantados da Eu-ropa procuravam resolver parte de seus problemas internos através do recurso do domínio de vastas áreas do planeta desprovidas de organi-

2 CAStRO, therezinha de. África - Geohistória, Geopo-lítica e Relações Internacionais. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1979, p.50.

3 HOBSBAWm, Eric J. A Era dos Impérios 1875-1914. 2.ed. Rio de Janeiro: paz e terra, 1988. p.114.

zação mais complexa, recursos de defesa e resistência que ameaçassem tal política. Com efeito, o desenvol-vimento de várias nações européias alcançado nos séculos XIX e XX está relacionado com a condição de nações colonizadoras.

Cecil Rhodes – Um dos maiores expoentes do colonialismo britânico. Ele gostaria de

anexar as estrelas...

Havia entre os europeus uma notória disputa por áreas coloniais. Essa corrida às colônias4 entre as potências européias acelerou o processo de colonização, uma vez que lhes interessava garantir espaço

4 HOBSBAWm, Eric J. Op. Cit., p.102.

econômico livre de riscos e pron-tamente exclusivo para o capital nacional, além de que significava prestígio o fato de possuir territórios coloniais5. Nesse sentido, não pode-mos nos ater apenas na explicação

5 FALtOU tEXtO DEStA NOtA DE RODApÉ.

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econômica para entender o colo-nialismo europeu na África. pesou muito, a concorrência por prestígio e a inevitável conquista territorial em territórios do além-mar.

Conquanto os europeus buscassem justificar a ação colonialista como “civilizatória”7, imbuída de certa ati-tude redentora, fica evidente a ques-tão econômica e política implícita na procura por mais riqueza e poder. Se por um lado buscava-se a garantia de mercados cativos; por outro; o con-certo europeu de disputas políticas por prestígio e status levava à expan-são pelo controle de territórios.

Se houve claro impacto no sentido do desenvolvimento das economias ca-pitalistas européias em decorrência do colonialismo, o impacto sofrido pelas nações africanas foi muito forte, mutatis mutandis, quando as comparamos com as transformações na Europa.

De fato, toda uma formação eco-nômica, política, social e cultural dos povos africanos foi bruscamente modificada pela nova situação. O im-pacto, pode-se dizer, foi devastador. presas de um sistema de dominação baseado na violência e nas teses de superioridade racial, a economia, e mesmo todos os campos da vida autóctone, sofreram profundas modificações. A economia de subsis-tência, baseada nas relações de troca e basicamente voltada para suprir as necessidades internas foi deslocada e reorientada no sentido da exportação. Os investimentos feitos nas colônias

7 Idem, p.37.

eram direcionados de acordo com os interesses europeus, em ordem de maior vantagem econômica8 do momento e sem nenhuma preocu-pação com os nativos e suas necessi-dades. Em muitos casos, foi imposta a monocultura e se estabeleceu no continente um dos pilares do sistema capitalista: a propriedade privada.

Com as transformações econômi-cas impostas aos povos dominados, esses se viram submetidos a um tipo de organização produtiva que privi-legiava sobremaneira a exploração de uma força de trabalho absoluta-mente privada de direitos políticos e sociais. Woddis9 analisou a expro-priação da terra sofrida pelo africano em favor do europeu, e mostrou como foi planejado o empobreci-mento dos nativos, sua expulsão da terra e a quase total transformação do seu modo de produzir e das suas culturas originais. Com as transfor-mações econômicas impostas aos povos dominados, esses se viram submetidos a um tipo de organi-zação produtiva que privilegiava sobremaneira a exploração de uma

8 Os capitais europeus foram dirigidos principalmente para os seguintes setores, segundo a ordem de impor-tância: a) produção agrícola; b) Extração mineral; c) Construção de Infra-Estrutura; d) Setor Industrial. Apud: SARAIVA, José Flávio S. Formação da África Contemporânea. São paulo, Atual; Campinas, Editora da UNICAmpO, 1991, p.33.

9 WODDIS, Jack. África- As Raízes da Revolta. Rio de Janeiro, Zahar, 1961, p.15-62.

A partida para a conquista destes territórios teve início com o estabe-lecimento de missões de exploração científica, de empreendimentos missionários cristãos e com a ação direta de empresas privadas com interesses econômicos nas áreas a serem colonizadas. Foi um processo longo e paciente que contou inclusive com a participação de lendários ex-ploradores particulares. O fato mais importante para o desenvolvimento do sistema colonial nesta fase se deu com a progressiva intervenção do Es-tado, através dos governos europeus, no empreendimento colonial. Sobre-tudo a partir de 1880 este interesse foi crescente e decisivo para a conforma-ção dos Impérios coloniais.

Remanescentes da arquitetura do Império Songhai

Os europeus decidiram partilhar o continente africano a partir dos seus

interesses no final do século XIX

O colonialismo foi aos poucos assumindo a forma de sistema de dominação que açambarcava em seu bojo todos os níveis da vida dos po-vos colonizados, sejam eles políticos, econômicos ou culturais.

Esses apontamentos no remetem para nosso estudo, no qual o princi-pal objetivo é privilegiar a análise do colonialismo baseado no continente africano. Com efeito, a África foi o continente onde mais devastadora-mente as potências colonialistas se ins-talaram. mais de 90% do continente ficou subjugado pelo menos por mais de meio século. A África foi partilhada e recortada em várias possessões pelas nações européias, cada qual buscando aquinhoar o máximo possível de ter-ritórios. Como afirma Maria Yedda Linhares, “a África sofreu a espoliação mais completa que se conhece em ho-mens, recursos e valores culturais”6.

6 LINHARES, Maria Yedda. A Luta contra a metrópole (Ásia e África). São paulo, Brasiliense, 1981, p.53.

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força de trabalho absolutamente privada de direitos políticos e sociais. Woddis10 analisou a expropriação da terra sofrida pelo africano em favor do europeu, e mostrou como foi planejado o empobrecimento dos nativos, sua expulsão da terra e a quase total transformação do seu modo de produzir e das suas culturas originais.

Houve também a introdução com-pulsória de trocas monetárias nos territórios coloniais. Os africanos eram obrigados a vender, e não mais

10 WODDIS, Jack. África- As Raízes da Revolta. Rio de Janeiro, Zahar, 1961, p.15-62.

a trocar - como sempre havia sido a fórmula predominante - seus produ-tos. Isso em decorrência sobretudo, do sistema de imposto individual, ou per capta, introduzido pelos europeus e que obrigava aos nativos, sob pena de prisão, o pagamento em dinheiro do imposto, forçando-os a vender sua produção ou trabalhar como as-salariado pessimamente remunerado. Assim, essa imposição provocou um colapso na agricultura africana, com grande evasão da mão-de-obra do campo para os negócios europeus como minas, fazendas e empresas.11

11 Idem, p.63-77.

Dentro das regras do sistema observa-se que a constituição do proletariado africano, ainda hoje muito incipiente, deu-se da forma mais selvagem. O Estado colonial é um Estado acima de tudo a serviço da burguesia metropolitana e como tal exerceu uma política de baixos salários e de supressão dos direitos dos trabalhadores negros.

As antigas organizações políticas e sociais de base tribal das nações africanas foram, como sua estru-tura econômica, subvertidas pelos colonizadores. Os chefes tribais ou

foram cooptados ou afastados da liderança. A conveniência ao Estado Colonial situava-se como de primor-dial importância e a desestruturação das formas autóctones de organiza-ção social fazia parte da lógica da exploração das colônias. Ressalta-se, porém, a multiplicidade de povos e nações encontrados na África pelos europeus, bem como as diferenças dos próprios colonizadores. mas muito embora os povos africanos se caracterizassem por diferentes está-gios de evolução e variadas formas de convivência social, todos ficaram sujeitos, em última instância, aos mesmos fundamentos inerentes ao sistema colonialista.

Com relação a essas dife-renças entre europeus e africanos é preciso destacar que a ação dos pri-meiros não foi homogênea. mesmo considerando que o colonialismo se define universalmente com sistema de dominação sendo, portanto, um ponto comum a todos os países que o praticaram, houve na África mode-los próprios de domínio de acordo com cada Estado colonizador. Os mais clássicos foram o modelo inglês de administração indireta (indirect rule), que procurava penetrar menos nas estruturas locais, preservando até certo ponto a organização original; e a administração direta (direct rule)

Conferência de Berlim (1884-1885): foi na Alemanha que os europeus se reuniram para efetivar a “partilha” da África

David Livingstone (1813-1873) – Missionário e explorador britânico que teve um

importante papel na construção do Império britânico na África

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empreendida principalmente pelos franceses, num tipo de controle que buscava alterar profundamente as estruturas locais, executando uma política de assimilação dos povos colonizados12.

Outra forma de ação colonialista foi o modelo português. portugal se des-

12 SARAIVA, José Flávio S. Op. Cit., p.30.

tacou dos demais países colonialistas pela radicalização com que executou o domínio na África. Foi uma das primeiras nações a chegar na África e uma das últimas a sair, mesmo so-frendo pesadas críticas e advertências principalmente no seio da Organiza-ção das Nações Unidas (ONU).

Colônias portuguesas na África

Característica bem específica do colonialismo português em África foi a de que sua ação neste continen-te não partiu da transformação inter-na da metrópole, isto é, portugal não era uma nação industrializada que buscava mercados para seus produ-tos e fontes de matérias-primas para sua inexistente indústria. Nem muito

menos se enquadrava na tese da ex-portação de capitais, haja vista não dispor de tais nem em seu próprio território. A economia portuguesa girava em torno praticamente da exportação de matérias-primas e im-portação de produtos manufatura-dos, evidenciando um considerável grau de subdesenvolvimento.

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Deixando de lado o caso específico de portugal e passando novamente a considerações mais gerais, de como o sistema colonialista atuou em outros níveis além do econômico. As con-sequências da penetração européia e da desestabilização dos sistemas culturais africanos comprometeram seriamente o futuro do continente. O sentimento de inferioridade in-culcado nos africanos e imposto por amplas teias de dominação degene-rou povos inteiros, amputando-lhes a liberdade, destruindo sua história e seu passado e causando uma “sensação de impotência”13 que certamente ainda hoje influi no sub-desenvolvimento africano.

A África, para o europeu e os demais povos que sempre viveram voltados para as glórias do passado deste continente, enxergando ali so-mente os grandes feitos, não possuía

13 SARAIVA, José Flávio S. Op. Cit., p.16.

propriamente o que chamamos de História. A idéia era de que a história da África, assim como sua importân-cia para o. mundo, só passou a existir após a chegada dos colonizadores - civilizadores. primeiro, quando foram buscar a mão-de-obra escrava para o trabalho forçado em outras áreas; segundo, de acordo com as novas transformações do sistema econômi-co, quando resolveram se instalar no próprio continente e dirigir um tipo diferente de exploração14.

14 Salazar, por exemplo, afirmava que “a África é o com-plemento natural da Europa”(Grifo meu). Observa-se explicitamente a condição de subordinação na qual o continente africano era colocado diante do europeu. Cf. Jornal do Brasil, 31 de maio de 1956, 1º Caderno, p.7.

VOCÊ SABIA? Que existem cinco países na África que tem como

língua oficial o português? São eles: Angola, Moçam-bique, São Tomé e Prínci-pe, Guiné-Bissau e Cabo Verde. Todos pertencem,

assim como o Brasil, à Comunidade dos Países

de Língua Portuguesa (CPLP) e são importantes

parceiros do Brasil no continente africano.

No período colonial os africanos eram forçados a trabalhar para os europeus quase

sempre em condições sub-humanas

tentou-se construir sobre o con-tinente negro uma ficção na qual a história deste confundia-se com a história da Europa. A história deles era, a bem da verdade, uma espécie de extensão da européia. Esta idéia chegou ao cúmulo do absurdo com os franceses ensinando aos africanos que os seus antepassados eram nin-guém menos que os... gauleses. As-sim se ensinava história nas escolas francesas nas colônias africanas, em flagrante gritante de manipulação e falsificação do passado. Manipulação esta sem dúvida objetivando a refe-rendar o domínio naquele presente e estendê-lo ao futuro15.

Nos aspectos religiosos, os eu-ropeus fizeram ver aos africanos que sua religião nada possuía de verdadeira. Os cultos afros sempre assumiram perante os dominantes um significado e atitude de povo místico e primitivo, acima de tudo ignorante. No entendimento dos

15 Sobre a manipulação da História da África Negra pelos europeus e o esforço dos africanos para “descolonizar a História” ver FERRO, marc. A manipulação da História no ensino e nos meios de comunicação. São paulo, Ibrasa, 1983, p.35-49. Após a independência, a respeito do resgate da História africana, Wolfgang Döpcke destaca o fato de que este foi um processo que envolveu esforço supranacional, com o envolvimento de historiadores de dentro e de fora da África que tra-balharam no sentido de reavaliar o passado africano à luz da nova realidade. DÖpCKE, Wolfgang. A História da África e sua historiografia: reflexões sobre os últimos trinta Anos. palestra proferida a 26/10/1994 no evento África: Anos 90-Democracia e Cidadania, realizado na Universidade de Brasília, de 26 a 28/10/94.

europeus, era preciso salvá-los do animismo primário em que jaziam. Através da ação dos missionários, ao mesmo tempo em que pregavam sua religião, novos idiomas começaram a ser ensinados, agilizando o processo de adaptação ao sistema colonial.

No nível superestrutural da aná-lise do sistema colonialista, impõe-se-nos considerar o relevante papel exercido pela teoria do racismo nestas complexas relações entre co-lonizadores e colonizados. É preciso destacar que o racismo efetivamente caracterizou a situação colonial, principalmente porque servia como substrato ideológico do colonia-lismo. Ao dividir a sociedade em “homens” e “indígenas” (brancos e negros), o racismo, como ideolo-gia, estabeleceu lógica e coesão ao sistema colonial, o que serviu para justificar o mito da superioridade do branco sobre o negro16.

16 ZAHAR, Renate. Colonialismo e Alienação- Contri-buição para a teoria de Frantz Fanon. Lisboa, Ulmeiro, 1976, p.56-7.

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A despersonalização sofrida pelos colonizados é enfatizada por Albert memmi17 como conseqüência da ação do racismo, uma fórmula de subordi-nar o ser colonizado ao colonizador, uma vez que através do racismo o co-lonizado é levado a “descobrir”, e o que é mais importante, a acreditar que é diferente e inferior e que se trata de uma condição definitiva e absoluta, portanto nada restando a fazer para mudar esta situação.

Frantz Fanon18 cita as teorias do Dr. A. porot e de outros médicos e

17 mEmmI, Albert. Retrato do Colonizado precedido pelo Retrato do Colonizador. 2.ed. Rio de Janeiro, paz e terra, 1977.

18 FANON, Frantz. Os Condenados da terra. 2.ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1979. p.257-262.

psiquiatras sobre a inferioridade bio-lógica dos nativos da África do Norte. para eles, os indígenas desta região não passavam de seres primitivos, não-evoluídos e por isso delinquen-tes. Seres - não é permitido chamá-los homens diante de tais teorias - que deviam ser tratados e considerados de acordo com seu estágio de evolu-ção, portanto submissos ao europeu plenamente desenvolvido. Como se pode observar, o racismo reinante no sistema colonialista vai além da retórica e procura abrigo “científico” em teorias médicas justificadoras da conduta do dominador.

O sentimento de inferioridade im-pingido aos colonizados foi um dos fatores de dominação de um sistema complexo que visava, acima de tudo, realçar a missão que os europeus se propunham na África e em outras partes do mundo. A relação de superioridade/inferioridade serviu como componente real e eficaz na ação colonizadora.

O racismo para o sistema colonial exerceu de fato uma função ideológica, que foi a da discriminação racial com o intuito de justificar e reforçar a ex-ploração econômica.19 Além do mais, impregnava todo o meio social dos povos colonizados, o que se refletia no comportamento individual, quando

19 mEmmI, Albert. Op. Cit., p.69.

acabavam perdendo todo o referencial histórico de sua comunidade para se espelhar na do homem branco.

Quando o colonizador estabele-ceu a sua língua, cultura, modelo de organização político-social, econo-mia, enfim, seus valores sobre os povos colonizados, a um só tempo dominou e desorganizou sociedades que há muito vinham se consolidan-do de forma bem original.

Há, no entanto, que se dizer e levar em consideração que nem todas as transformações impostas ao continente africano foram exclusivamente negati-vas. Houve a introdução de novas idéias e de novas estruturas sociais. Além do mais o colonialismo conseguiu abafar por algum tempo as sempre constantes lutas e guerras inter-tribais que marca-ram o passado e hoje voltam a marcar o presente do continente.

mas mesmo considerando estes as-pectos aqui admitidos como positivos, resta assinalar que o continente negro ainda hoje se encontra diante de muitos problemas que podem ser considera-dos como herança direta da presença branca e do seu sistema colonialista.

Enfim, das motivações que levaram os europeus a ocupar o continente africano pode-se relacionar pelo me-nos três fatores que, conjugados entre si, exerceram papel preponderante na ação colonizadora, quais sejam:

1) motivação econômica, isto é, a fase pela qual passava o sistema capitalis-ta europeu em expansão e busca de novos mercados, ao mesmo tempo em que se intentava aumentar as fontes de matérias-primas minerais e produtos agrícolas, além de áreas de investimentos para o capital ex-cedente, numa tentativa de solução para graves problemas e contradi-ções inerentes ao próprio sistema;

2) motivação política, ou seja, aspiração de alguns políticos e diplomatas eu-ropeus que visavam ampliar o poder internacional de suas nações, além de aspirações de cunho pessoal;

3) missão civilizatória europeia. Ar-gumento que na prática mais servia como justificativa do que como realmente motivadora do empre-endimento colonial. Associada às explorações científicas e religiosas exerceu função ideológica impor-tantíssima na ação colonialista.

O racismo foi um componente essencial do sistema colonial que inferiorizava os negros

de forma brutal

Avaliação1. De acordo com os estudos elabora-dos sobre os “Apontamentos sobre a África Pré-Colonial” e “O Colonialis-mo como Sistema e a África Colonial”, crie/produza uma história em quadri-nhos. Os papeis devem ser invertidos: a África será o continente colonizador e a Europa o continente colonizado.2. Após a atividade acima, produza um texto em que você descreva as suas percepções sobre a questão colonizador/colonizado e as conse-quências de ser um e ser outro.

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III - A Descolonização e a África

Mapa 5 - África Independente

Os efeitos da Segunda Guerra foram devastadores. A partir dela, a Europa cede sua liderança aos Esta-dos Unidos e à União Soviética.

Ao lado da perda de poder por parte dos países europeus e da ascen-são dos Estados Unidos e da União Soviética, as relações internacionais no pós-Guerra se caracterizaram também pela complexidade cres-cente do sistema internacional. Esta complexidade está ligada ao fato de que houve um acréscimo considerá-vel dos atores em cena - além do au-

mento e diversificação dos anseios e reivindicações das nações -, fato este resultado direto das conseqüências da Segunda Guerra e do processo de descolonização que se acentuou logo após o fim do conflito.

Surge como tema de destaque na nova conjuntura a questão da desco-lonização e o aumento de Estados participantes na ONU, organização criada para substituir a antiga Liga das Nações, que não conseguira promover a contento os objetivos de paz a que se propusera.

A Organização das Nações Unidas foi um fórum privilegiado para discussão do processo de descolonização.

A Organização das Nações Uni-das foi um fórum privilegiado para

discussão do processo de descolo-nização.

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clássico e que se prestou muito aos europeus foi o de jogar com as rivalida-des inter-tribais preexistentes ou mes-mo a de provocar antagonismos entre uns e outros grupos étnicos, ou entre lideranças de uma mesma etnia20.

A II Guerra desgastou expres-sivamente as metrópoles, o que se traduziu no abalo moral, econômico e humano e que repercutiu nas áre-as colonizadas, uma vez que estas logo foram chamadas a ajudar no esforço de guerra. A contribuição se deu com o aumento na produção de alimentos e matérias-primas que eram enviadas como suprimentos para os exércitos aliados. Além do empenho econômico, foram orga-nizadas tropas oriundas das regiões colonizadas que se dirigiram ao front para combater junto aos aliados.

20 A esse respeito ver: WESSELING, H. L. Dividir para dominar – a partilha da África (1880-1914). Rio de Janeiro: Editora UFRJ; Editora Revan, 1998.

Dentre os principais fenômenos que envolveram as relações inter-nacionais nas décadas de 40 e 50 do século XX, como a guerra fria, a bipolarização do poder, a questão da energia atômica e da guerra nuclear, a descolonização apareceu com destaque devido à importância que assumiu no decorrer desses anos. É a este tema específico que nos dedicaremos a seguir, encarando-o como a negação e superação do sis-tema que o gerou - o colonialismo - e como processo envolvido com as características fundamentais de seu tempo e, por isso mesmo, necessá-rias para compreendê-lo.

A descolonização, assim como o colonialismo, é fenômeno complexo e para ser compreendido é preciso que tenhamos uma visão mais ampla das suas motivações e de como a confluência de vários fatores atuou no sentido de incentivar o sucesso do movimento.

Dentre os fatores que levaram à descolonização se destacaram, além das próprias contradições internas do colonialismo - que dialeticamente trabalhavam pelo seu fim e supera-ção -, dois tipos de influências que atuaram positivamente: as internas, isto é, os movimentos pela inde-pendência no interior da África; e

as externas, como o referido abalo sofrido pelas potências colonialistas durante a Guerra, a política externa adotada tanto pela URSS quanto pe-los EUA, a ação da ONU que, desde a sua fundação, propugnou pela autodeterminação dos povos, e o envolvimento crescente das nações recém-independentes que começa-ram a atuar em bloco pugnando pelo fim do sistema colonialista.

Desde antes da II Guerra já havia por parte das áreas colonizadas o desejo e a luta pela independência. Aliás, igualmente aos demais povos submetidos ao domínio estrangeiro, como na América e na Ásia, os afri-canos não se entregaram sem luta ao domínio europeu. Da chegada à conquista e afirmação da ordem européia na África passou-se por vários movimentos de resistência. Durante o século XIX, inúmeras guerras foram travadas no interior da África com o objetivo de conter e, se possível, expulsar os brancos e evitar a submissão. Além da luta ar-mada existiram várias outras formas de resistência ao longo do domínio colonial, sendo uma constante na história dos povos dominados e jamais deixando de existir.

Apesar da superioridade bélica, outras táticas foram utilizadas para subjugar os africanos. O exemplo mais

SAIBA MAIS: Mais de 200.000 homens

seguiram da África colonizada pelos franceses, de diversos

territórios. Calcula-se que no total foram mobilizados mais

de 400.000 africanos para lutar contra os nazistas. Os

primeiros dados se encontram em : KI-ZERBO, Joseph. Op. Cit., p.120. Sobre o total ver RODRIGUES, João Carlos.

Pequena História da África Negra. São Paulo, Globo; Brasília, Secre-taria da Cultura da Presidência da

República; Biblioteca Nacional, 1990, p.190-1.

(Datas de Independência de cada Estado)

Western Sahara (disputed) U.N. Administred since 1991  Saara Ocidental (território disputado). Administração

das Nações Unidas desde 1991.moroco  marrocostunísia  tunísiaLibya  LíbiaEgypt  EgitoSudan  SudãoEritrea  Eritréia Ethiopia  EtiópiaDjibouti  DjibutiSomália  Somália Kenya  QuêniaRwanda  RuandaUganda  Ugandatanzania  tanzânia Burundi  Burundimalawi  malaui Zambia  Zâmbiamadagascar  madagascarmozambique  moçambiqueSwaziland  Suazilândia Lesotho  LesotoZimbabwe  Zimbábue Botswana  Botsuana

Republic of South Africa  República da África do Sul (Apartheid ends 1994 – Apartheid terminou em 1994)Namibia  Namíbia Angola  AngolaDemocratic Republic of Congo  República Democrática do CongoRep. of the Congo  República do CongoGabon  GabãoCentral African Republic  República Centro-AfricanaEquatorial Guinea  Guiné EquatorialChad  ChadeNigeria  NigériaCameroon  CamarõesBenin  Benin (Ex-Daomé)togo  togoGhana  GanaUpper Volta  Alto Volta (Atual Burkina Faso)Côte d’Ivoire  Costa do MarfimLiberia  Libéria (Colônia de ex-escravos africanos repatriados dos Estados Unidos)Sierra Leone  Serra LeoaGuinea  GuinéGuinea Bissau  Guiné BissauGambia  Gâmbia Senegal  Senegalmauritania  mauritânia

INDEPENDÊNCIAS NACIONAIS AFRICANAS

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26 27

Os soldados africanos lutaram, principalmente, no norte da África combatendo na Divisão Leclerc as tropas do África Korps, comanda-das pelo famoso marechal Erwin Rommel. Lutaram também no teatro de guerra da Europa, pois participaram nos desembarques da Itália e enfrentaram os alemães em seu próprio território21. mas, o mais importante da participação africana na guerra foi, certamente, a mudança de mentalidade originada desta atu-ação, de sorte que pela primeira vez foi dispensado ao negro tratamento de relativa igualdade com o branco. Este fato ajudará a compor o quadro geral na conscientização dos mo-vimentos de resistência que sairão revigorados após a Guerra.

Durante a guerra e com o objetivo de atrair para si o apoio das colônias, as nações colonialistas mais impor-tantes prometeram para o futuro

21 KI-ZERBO, Joseph. Op. Cit., p.121.

praticamente todo o continente africano, envolvendo estes povos num sentimento de liberdade que a cada momento crescia mais. A cada episódio de expressão internacional, de vitória contra o sistema colonial, a esperança renascia; além de que a ex-periência estava mostrando às potên-cias colonialistas que a guerra contra a descolonização era inviável.

SAIBA MAIS: O mesmo fato ocorreu nos territórios colonizados no continente asiático, operando uma mudança de men-talidade semelhante à registrada na África, só que de forma precoce e ainda mais forte, haja vista que a Ásia se transformou, ela própria, em teatro de operações militares durante o período da Guerra, o que resultou

na necessidade de engajamento maior das populações locais. Em conformidade com este fato,como observa Chesneaux,à época da realização da Conferência de Bandung a maioria dos antigos territórios asiáticos já

havia alcançado a independência. Ver: CHESNEAUX. Jean. A Ásia Oriental nos séculos XIX e XX. São Paulo, Pioneira, 1976, p.105-116. Sobre a presença européia no continente asiático ver também: PANIKKAR, K.M.

A Dominação Ocidental na Ásia - Do século XV aos nossos dias. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977.

autonomia para os territórios africa-nos. No entanto, esta promessa não significava a concordância com a independência, ainda mais porque as metrópoles desejavam utilizar, naquele momento, todos os recursos possíveis – e isto significava o aumento da ex-ploração das colônias - para a recons-trução de seus países arrasados.

No desenrolar dos acontecimen-tos, o que se sucedeu foi que a situação colonial existente antes da Segunda Guerra se tornou insusten-tável para as metrópoles. O desejo de independência tomou conta de

naquele momento, as palavras de Kabengele munanga são precisas. para ele a independência,

Significava, a justo título, para todos, o fim das barreiras sociais e raciais, a desmitificação da infe-rioridade natural dos africanos e o desmantelamento do velho es-pectro da superioridade natural do branco. Representava um momento de ruptura entre um passado de humilhações, de desumanização, de exploração e um futuro diferente a ser construídos22.

Assim, o que realmente motivava os africanos era o anseio pela inde-pendência, sinônimo de liberdade. Embora não deixassem de discutir o futuro econômico de suas nações, o tema político era o que contagiava os espíritos dos africanos e os levava à mobilização.

Vejamos como se comportaram Estados Unidos e União Soviética com relação à situação africana entre 1945 e 1960.

A política dos Estados Unidos foi de certa forma ambivalente no que diz respeito ao continente africano a partir de 1945. por um lado, os Estados Unidos apoiavam a idéia de autodeterminação dos povos,

22 mUNANGA, Kabengele. “África - trinta anos de pro-cesso de Independência.” Revista USp -Dossiê Brasil/África. São paulo (18), jun-Jul-Ago.,1993, p.103.

Tropas da África Ocidental Britânica durante a Segunda Guerra Mundial

Em alguns territórios africanos a luta pela descolonização teve que ser travada por meio da guerra de guerrilhas, como foi o

caso da Guiné-Bissau

Sem embargo, a independência significava muito para os africanos colonizados. para eles, as discussões mais profundas sobre a natureza da descolonização e o futuro das novas nações era secundário. Deixaram-se de lado, momentaneamente, questões problemáticas como a da viabilidade econômica dos pequenos Estados e com relação a transfor-mações mais efetivas em suas so-ciedades. A respeito do significado da independência para os africanos

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seguindo uma tradicional política anticolonial; por outro, apesar das críticas verbais aos colonialismos europeus, no âmbito oficial conce-dia-lhes apoio23, inclusive militar, mesmo que indiretamente.

mas, além da ambiguidade políti-ca, é fato que, logo após o término da Guerra, os investimentos norte-americanos começaram a fluir com mais intensidade para o continente africano2426. Buscavam aumentar as fontes de matérias-primas para suas indústrias em expansão e com neces-sidades cada vez crescentes, além da pretensão de penetrar em mercado antes exclusivo dos europeus.

Ademais, à medida que o colo-nialismo era forçado a recuar, a assistência e a presença americana na África aumentavam25.

Outro aspecto bem objetivo da política dos Estados Unidos frente à África era o temor da investida sovié-tica no continente. Como vimos, em plena época de guerra fria a palavra de ordem para os Estados Unidos

23 CHALIAND, Gérard. A Luta pela África - A Estratégia das potências. São paulo, Brasiliense, 1982, p.70.

24 N’Krumah estimou que de 110 milhões de dólares americanos investidos na África em 1945 este montante passou para 789 milhões de dólares em 1958. Dados referentes ao investimento privado ver: N’KRUmAH, Kwame. Neocolonialismo - Último Estágio do Impe-rialismo. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1967, p.73.

25 EmERSON, Rupert. “Interesses Americanos na Áfri-ca.” Revista Brasileira de política Internacional. Ano II, nº 6, jun. 1959, p.44-65.

era a contenção do perigo comunis-ta2628, ainda mais se considerarmos que havia um quadro quase perfeito para a ação dos comunistas na Áfri-ca, muito em decorrência da própria natureza do sistema colonial.

Era este um ponto no qual o governo dos Estados Unidos não podiam deixar de prestar atenção e, com efeito, não o negligenciaram, ampliando a sua atuação no con-tinente privilegiado na riqueza em matérias-primas e de destaque na posição geoestratégica.

A União Soviética tinha uma visão mais precisa de seus interesses e ação na África. Com a política externa e anticolonial assentada em bases ide-ológicas mais sólidas27, os soviéticos buscavam principalmente penetrar politicamente no continente. Sob uma perspectiva mais ampla, os interesses econômicos soviéticos com relação à África eram restri-tos. Houve, por certo, a utilização

26 Em relatório especial elaborado pelo vice-presidente Richard Nixon e enviado ao presidente Eisenhower, aquele afirmava que os Estados Unidos deveriam ajudar os países da África porque caso contrário “as mesmas cairiam sob o domínio do comunismo.” Se-gundo o relatório os comunistas estavam preparando uma “poderosa ofensiva diplomática e econômica” com o objetivo de atrair para si aquelas nações. Em seu relatório o então Vice-presidente recomendava que se estimulasse o capital privado norte-americano a fazer inversões em empresas africanas. É sintomático que há no mesmo omissão sobre a descolonização. Cf. “Ajuda Norte-Americana à África para impedi-la de cair sob o domínio comunista.” matéria publicada no Jornal do Brasil, 07 de abril, 1957, 1º Caderno, p.7.

27 KI-ZERBO, Joseph. Op. Cit., p.161.

de meios econômico-financeiros para atrair os africanos à sua órbita, como a concessão de créditos a taxas baixas, contudo somente a partir de meados da década de 50 e com dimensões muito reduzidas e de pouco alcance28.

28 Com efeito, em 1956, o Jornal do Brasil publicou ma-téria noticiando a criação, por parte da Rússia (URSS), de uma Organização especial que tinha o objetivo de “promover a solidariedade aos países aos países asiá-ticos e africanos”. Segundo informação do jornal os propósitos da Organização eram os de reforçar os laços “recém-estabelecidos entre a URSS e os países econo-micamente atrasados”. O plano previa a realização de uma conferência economica “o mais breve possível” dos países asiáticos e africanos na qual seriam discutidas as principais aspirações destas nações. Infelizmente não foi possível detectar, através do jornal, a continuidade do debate da criação desta organização, mas há fortes indícios de que foi a partir deste momento, com o anúncio da “solidariedade”, que se intensificou a preo-cupação e o temor da investida soviética no continente africano. Cf. “Campanha Russa para levar aos povos asiáticos e africanos a uma nova cruzada contra o Oci-dente”. Jornal do Brasil, 29 ago. 1956, 1º Caderno, p.7.

O que nos permite afirmar que somente após a vitória dos guerri-lheiros das colônias portuguesas, na década de 1970, é que a URSS conseguiu lograr uma real pene-tração na África. Há que destacar, finalmente, a sempre ativa atuação da URSS na ONU a favor do fim do colonialismo.

No tocante à descolonização ocor-reu uma certa convergência de inte-resses, pelo menos por um determi-nado período, entre URSS e EUA, o que favoreceu as nações africanas que aspiravam à independência. Ambos foram favoráveis ao fim do colonia-lismo porque almejavam colocar em torno de si as áreas que antes eram exclusivas de países europeus.

Uma outra influência externa favorável aos novos Estados foi a Organização das Nações Unidas que, em seu próprio Estatuto, declarou-se pela autodeterminação dos povos.

Rapidamente a ONU se tornará a principal tribuna para as reivindica-ções de autodeterminação dos povos colonizados. Nesta arena, a idéia de independência foi bem aceita pela maioria dos seus membros e a Or-ganização se constituiu numa forte aliada dos Estados que demandavam pela emancipação. Nela, as nações colonialistas sofriam as mais pesadas críticas contra o domínio e a explo-

Guerrilheiros do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) que travaram uma longa e desgastante guerra contra o

colonialismo português

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nações afro-asiáticas e outras ex-clusivamente por Estados africanos independentes - sinal de que o mo-vimento se ampliara no continente - que propugnavam pelo maior entrosamento das nações africanas para o encaminhamento e solução dos problemas comuns, além de enfatizarem sua solidariedade para com os territórios que reivindicavam a emancipação30.

Apesar de todas as influências externas citadas terem ajudado a consolidar o processo de descolo-nização, não se deve subestimar o intenso movimento no interior das colônias que, de fato, conduziram-nas à emancipação. Assim, uma mul-

30 Dentre as principais conferências de Estados Africanos realizadas durante a década de 1950 destacamos as se-guintes: Conferência do Cairo (1957), Conferência dos Estados Africanos Independentes (1958) e Conferência de Acra (1958).

tiplicidade de movimentos existentes desde antes da II Guerra logo após o término desta assumiu uma dimen-são muito maior. Sindicatos, partidos políticos, igrejas, intelectuais, artistas, escritores e estudantes passaram a reivindicar intensamente o direito à autonomia de seus territórios.

Os sindicatos africanos, por exem-plo, aparecidos mais timidamente na década de 1940, cresceram espeta-cularmente nos anos 50 do século XX. Como nota Ki-Zerbo3132 os mi-litantes dos sindicatos já com certa experiência se transformaram“nos melhores quadros dos partidos po-líticos africanos”. Estes, por sua vez, acabaram se tornando os principais núcleos onde internamente se deba-tia a questão colonial e se propagava a idéia de liberdade.

As Igrejas cristãs, com diversidade admirável de cultos, também agiram ao lado dos que batalhavam contra o colonialismo. Se antes, nos primór-dios do avanço colonialista, a religião cristã havia servido aos interesses das metrópoles européias, tal não mais se dará à medida que o século avança. Obviamente havia exceções, como os membros da Igreja Católica nas co-lônias de portugal que se mantinham fiéis e ligados ao Estado, mas no geral houve uma mudança de postura.

31 KI-ZERBO, Joseph. Op. Cit., p. 168.

Além disso, muitas novas igrejas surgiram na África, várias com forte discurso messiânico e até revolucio-nário. O apelo que era lançado por elas calava fundo nos corações de gente pobre e sofrida como a maio-ria dos africanos. Os discursos reli-giosos às vezes assumiam uma for-ma contundente de crítica ao sistema de dominação. Havia até uma delas que pregava aos seus seguidores que os anjos eram negros, e o demônio, branco. Nota-se a radicalidade e a inversão de valores, numa clara res-posta aos anos de dominação branca no continente.

Em Bandung, na Indonésia, ocorreu a Conferência de Bandung, um passo adiante no processo de Descolonização da Ásia e da África.

ração dos povos colonizados, sendo pressionadas principalmente pelo Bloco Oriental e pelas nações agrega-das em torno do grupo de Bandung.

As idéias de autodeterminação, impulsionadas pelos exemplos bem sucedidos de independência política, foram defendidas com afinco na Conferência de Bandung. Quando 29 nações afro-asiáticas com diferentes regimes políticos, mas com objetivos em comum - como a denúncia do colonialismo – reuniram-se e deram início a um amplo movimento organizado que pretendia acelerar o processo de descolonização29.

Após Bandung, seguiram-se várias outras conferências realizadas por

29 Sobre os principais objetivos do grupo de nações participantes da Conferência de Bandung ver: ALEN-CAStRE, Amilcar. A Rebelião dos povos Coloniais. Rio de Janeiro, Livraria prado, 1962, p.164-165.

Durante a Conferência de Bandung, asiáticos e africanos se solidarizaram na luta contra o

colonialismo

Amílcar Cabral, um dos líderes do Partido Africano para a Independência de Guiné-Bissau

e Cabo Verde (PAIGC)

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32 33

Outra corrente expressiva que assumiu importante papel nas rei-vindicações pela independência foi a dos intelectuais. Antes mesmo do aparecimento dos sindicatos e dos partidos políticos, muitos já bra-davam pela emancipação. Nomes que se tornaram famosos como os de Agostinho Neto, Leopold Senghor, Amilcar Cabral e Kwame N’Krumah, para citarmos alguns, muito antes da descolonização participavam de conferências e se reuniam pregando a África livre.

Foi na esteira do pensamento da intelectualidade negra, tanto de dentro quanto de fora da África, que surgiram movimentos como o da Negritude, que buscava restabelecer a consciên-

cia da originalidade e da validade das culturas negras, sempre destratadas e invalidadas pelo colonialismo.

A negritude, conceito introduzido no movimento negro pela indepen-dência principalmente por Leopold Senghor e Aimé Césaire, unia a de-fesa e a difusão da cultura negra aos ideais políticos de emancipação32. Foi esta uma bandeira de luta capaz de mobilizar o apoio da população africana, canalizando-a para o en-volvimento mais participativo no caminho da independência.

32 mARtINEZ, paulo. África e Brasil - Uma ponte sobre o Atlântico. São paulo, moderna, 1992, p. 49. Sobre a Negritude ver também: BERND, Zilá. O que é Negri-tude. São paulo, Brasiliense, 1988.

Além da Negritude, o pan-Africa-nismo, cronologicamente anterior, gerado fora do continente africano - haja vista que seus ideólogos eram negros oriundos das Antilhas Britâ-nicas e do sul dos Estados Unidos33 - exerceu que considerável influência sobre os jovens africanos que, mais tarde, assumiriam papel de liderança em suas nações.

Basicamente o pan-Africanismo propunha a unidade e a autonomia para África34. Serviu como ingre-diente ideológico largamente utili-zado pelos líderes africanos contra o colonialismo e deu grande impulso ao nacionalismo no continente, mes-mo de maneira utópica35.

Em essência, o pan-Africanismo se constituía de um programa amplo - como o pan-Americanismo - mais voltado para o quadro ideal, em algo que um dia poderia vir a ser a união dos povos africanos, do que pro-priamente a realidade da diversidade africana mostrava.

De qualquer modo, ressaltamos que as suas idéias motoras ajudaram a dar um alento importante aos mo-

33 Os primeiros e principais expoentes do pan-Africanis-mo foram: W.E. Burghardt Du Bois, (norte-americano) e Sylvester Williams (Ilha de trinidad). Outros expoen-tes foram: marcus Garvey e price-mars.

34 LINHARES, Maria Yedda. Op. cit. p. 63.35 Alguns pan-Africanistas sonharam fazer da África um

continente unido, sem fronteiras. Seria uma espécie de Estados Unidos da África, uma aspiração ao contrário da realidade “fragmentária “ que o futuro destinou ao continente.

vimentos políticos e sociais na histó-ria da África contemporânea36.

A Negritude e o pan-Africanismo foram, pois, dois movimentos de notada importância para a resistência africana. Ao destacar a personalidade e realçar os valores negros, a Negritu-de atuou como resposta ao racismo e assumiu forte sentido de resistência à política de assimilação37, ambos alicerces ideológicos do colonialismo. O pan-Africanismo, por sua vez, catalisou forças políticas e acirrou o

36 Um interessante estudo sobre o pan-Africanismo está na obra de Decraene, onde o autor analisa as origens, a evolução e inclusive as várias Conferências pan-Afri-canistas que ocorreram desde a criação do movimento. Ver: DECRAENE, philippe. O pan-Africanismo. São paulo, Difusão Européia do Livro, 1962. Sobre as tentativas de integração africana no interior do pan-africanismo ao longo das duas primeiras décadas do século XX ver o artigo de: SARAIVA, José Flávio S. Cooperação e integração no continente africano: dos sonhos pan-africanistas às frustrações do momento. Revista Brasileira de política Internacional, Ano 36, nº 2, Brasília, IBRI, 1993/2, p. 28 a 45.

37 BERND, Zilá. O que é Negritude. São paulo, Brasi-liense, 1988.

Agostinho Neto, um dos líderes do Movimento Popular de Libertação de Angola

(MPLA)

Aimé Césaire – um dos grandes expoentes do movimento pela negritude, que busca valorizar as manifestações culturais de

origem africana.

O movimento da Negritude enfatiza e valoriza aspectos das variadas culturas

oriundas do continente africano

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34 35

debate sobre a descolonização, reno-vando as esperanças e fortalecendo a luta política dentro e fora da África.

Dentro da conjuntura interna-cional, no período estudado, ob-servamos, então, alguns fatores que avultaram na descolonização e que, se vistas em conjunto e articulados entre si, ajudam-nos a compreender as causas do processo de indepen-dência das nações africanas.

Em primeiro lugar, há que se des-tacar que o conceito de autodetermi-nação assumiu proporção inédita até então na história. Como já foi dito, este foi um direito reconhecido na própria Carta da ONU e defendido quase que indistintamente por na-ções do Ocidente e do Leste. Havia um largo sentimento no plano políti-co e intelectual de que este princípio deveria ser respeitado, o que operou a mudança na forma pela qual a opinião pública mundial apreendia a questão do colonialismo.

Em segundo, constatamos que os movimentos de resistência dentro do próprio continente africano amadu-receram muito no período posterior à Segunda Guerra. Amadureceram e se alastraram demonstrando a to-mada de consciência por parte dos africanos que não aceitavam mais o colonialismo arcaico e exaltavam a independência a qualquer custo. De maneira formidável e em curto es-paço de tempo, inúmeros territórios

conquistaram, muito em função de sua luta, a autonomia.

Em terceiro, ocorreu uma al-teração profunda no equilíbrio mundial de poder, quando as na-ções europeias deixaram de ser as grandes potências mundiais. Com o enfraquecimento destas metrópoles, assumiram o papel de superpotên-cias a União Soviética e os Estados Unidos, ambas anticolonialistas.

O clima de guerra fria implantado nas relações internacionais, princi-palmente após o ano de 1947, veio a dar outro significado ao movimento anticolonialista, o que afirmou a ne-cessidade de mudanças no status quo e destacou a importância da África38.

38 Um bom demonstrativo do clima político dos anos da guerra fria são as manchetes do jornais daquele perío-do. Grande parte delas destacam como notícias fatos relacionados ao embate entre os dois blocos de poder. No jornal pesquisado (Jornal do Brasil) foi raro não encontrar alusão a esta disputa.

IV – A África Pós-DescolonizaçãoDo início do processo de desco-

lonização, verificado na África no alvorecer da década de 1950 (a prin-cípio no norte do continente, mas logo em seguida se espalhando pela África subsaariana) aos dias atuais, a África como um todo atravessou di-versas fases políticas e econômicas.

Destacaram-se, principalmente: a conclusão do processo de descolo-nização; o aprofundamento da situ-ação de crise econômica e política, derivada em parte do legado colonial e as tentativas, verificadas ao longo da década de 1990, de superação da crise, com propostas africanas para os problemas africanos, o que revela maior amadurecimento político por parte das elites do continente que buscavam achar caminhos e saídas para a difícil situação em que se encontra o continente, mesmo que contando com alguma cooperação do mundo desenvolvido.

Com o fim da Guerra Fria e o redimensionamento das relações internacionais, com todas as suas implicações para as sociedades con-temporâneas, os países subdesen-volvidos e em desenvolvimento se viram fragilizados no novo ambiente que passou a se constituir desde meados da década de 1970 e que se firmou ao longo da década seguinte. No processo de reestruturação polí-

Avaliação1. Lembrando os tempos das “Pa-lavras Cruzadas”, elabore um caça-palavras com as palavras-chaves deste item estudado.2. Faça uma pesquisa elaborada sobre Agostinho Neto, Leopold Senghor, Amilcar Cabral, Kwame N’Krumah e Aimé Césaire.3. Pesquise o movimento Negritude e Pan-Africanismo e produza uma atividade para ser aplicada para os seus alunos que seja criativa e afirme esses movimentos.

tica e econômica que se seguiu após a Guerra Fria, os Estados africanos foram, provavelmente, os mais atin-gidos em todo o mundo.

Contando com estrutura econômi-ca pouco diversificada e baseada em produtos primários, cada vez mais desvalorizados pelas transformações tecnológicas e pelos paradigmas da terceira Revolução Industrial39, as economias africanas, que já viviam em boa medida da ajuda dos países ricos interessados em alianças políti-cas no contexto da bipolarização, não davam conta de atender às crescentes demandas sociais. A crise econômica, portanto, agravou a crise social com desdobramentos políticos de ampli-tude considerável.

Em sociedades multinacionais como as africanas, sem tradição ou com pouca tradição democrática, divididas geralmente em preceitos de cunho étnico, a situação de escassez de recursos foi seguida pelo questio-namento da legitimidade de grande

39 Os paradigmas da terceira Revolução Industrial são os seguintes: a) menor dependência em relação às disponibilidades de recursos naturais (substituição de matérias - primas por materiais leves); b) menor dependência do esquema tradicional de baixos salários (a mão-de-obra perde significado em face do custo do produto final); c) aumento substantivo da importância do saber na formação dos preços agregados (tecnologia avança); d) emergência da robotização e produção de máquinas de controle numérico computadorizado; e e) superação do taylorismo e do Fordismo como formas de organização do trabalho.

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parte dos governos “nacionais”. Estes, sem o apoio das antigas super-potências, e até mesmo de parte dos governos europeus, que afinal lhes davam certa legitimidade, tentaram usar da violência para conter a revol-ta dos excluídos, o que, por sua vez, também geralmente optavam por métodos radicais para encaminha-mentos políticos. O quadro resultante dessa situação de crise econômica e instabilidade política foi a intensifica-ção das guerras civis, levando o caos a países demasiadamente divididos. Foi assim que alguns Estados africanos virtualmente desapareceram durante a década de 1990, como a Somália, a

República Democrática do Congo e Serra Leoa, este último já reintegrado após um longo conflito.

Não bastasse a crescente escalada das guerras civis e suas consequên-cias sociais, como a impressionante elevação do número de deslocados internos e refugiados de guerra, além de problemas sociais outros de difícil solução, como o alistamento forçado de crianças nas guerras civis e a ruptura nos processos produtivos que aumentaram a fome, o conti-nente africano foi palco também da explosão da epidemia da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), que pegou os africanos

totalmente despreparados para lidar com uma situação extremamente grave e com implicações sociais e econômicas de envergadura. Registre-se, igualmente, o retorno de outras doenças e epidemias que não a AIDS no continente, como a poliomielite e a tuberculose que preocupam autoridades sanitárias nacionais e internacionais.

A década de 1990 pode ser vista como um período de transição, época de incertezas e indefinições do que de convicções e essa característica é paradigmática no caso da África.

para os africanos, do ponto de vista político, aquela década, pela gravida-

de de seus problemas, simboliza uma espécie de tomada de consciência política por parte de setores sociais organizados em vários países afri-canos. Da valorização dos direitos humanos, do direito à alimentação, da luta contra o racismo em todas as suas formas de expressão e do respei-to aos direitos da mulher, passando pelo incremento da conscientização na necessidade de preservação do meio ambiente, todas essas questões vem sendo intensamente discutidas pelas novas lideranças de vários pa-íses africanos, colocando temáticas de cunho social nas agendas interna, regional e internacional. Refugiados sudaneses, uma das faces mais cruéis dos conflitos africanos no pós-Guerra Fria

Junto com as guerras, a fome e as epidemias andam de mãos dadas assolando populações miseráveis do continente africano

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38 39

Concomitante a essa renovação no plano social, outro tema de suma importância que tem ganhado ter-reno na realidade atual da África diz respeito à valorização da democracia como elemento fundamental para a harmonia, para a justiça social e para a retomada do desenvolvimento dos países africanos. Assim, gradativa-mente verifica-se a afirmação da idéia de um renascimento africano a ser conduzido pelos próprios africanos.

Diante de um contexto em per-manente estado de mudança, de

crise, mas também de revigora-mento e renascimento, estudar e entender a realidade africana atual contribuirá para compreender me-lhor a própria realidade brasileira e contribuirá para desfazer precon-ceitos e indicar novos caminhos, de cooperação e de perspectivas que certamente se abrirão no fu-turo para o relacionamento entre o Brasil e o continente africano, considerado pelo governo brasi-leiro como área prioritária de sua ação internacional.

O Renascimento Africano é um movimento genuinamente africano que busca um renovação geral do continente a partir de iniciativas conduzidas pelos próprios africanos

Avaliação1. Elabore um criptograma a partir da palavra ÁFRICA de modo que a cada item apareça um conceito sobre colonização, descolonização e pós-desconolização. Brinque com os conceitos, assim pode suprimir colunas, acrescentar e tecer novos diagramas.

AF

RICA

2. Busque filmes e documentários sobre a África pós 1950. Elabore, primeiro, um fichamento para cada um desses filmes, e, depois, uma atividade para a sua sala de aula.Exemplo de como fazer o fichamento:Filme: “Tiros em Ruanda”Ficha Técnica:Título Original: Shooting Dogs Gênero: Drama Tempo de Duração: 115 minutos Ano de Lançamento (Inglaterra / Alemanha): 2005Direção: Michael Caton-Jones.Resumo: Ruanda. Durante 30 anos, o governo de maioria Hutu perseguiu a minoria Tutsi. Pressionado pelo ocidente, o governo aceitou dividir o poder com os Tutsis, mesmo contra a vontade. Porém em 6 de abril de 1994 tem início um genocídio, que mata quase um milhão de pessoas em apenas 100 dias. Neste contexto um padre inglês e seu ajudante tentam fazer o que podem para ajudar a minoria Tutsi, mesmo tendo a opção de partirem para a Europa.

3. Elabore uma pesquisa sobre as principais doenças que acometem o con-tinente africando, como a AIDS (Sida), Anemia Falciforme, poliomelite, tuberculose e as causas dessas doenças.

4. A partir de todo esse estudo, faça uma reflexão sobre a História da África e descreva, em forma de relato, suas novas percepções.

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