hernani - preservação de películas

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Preservação Carlos Manga sempre enfatizou o choque sofrido em seu primeiro contato com o universo cinematográfico real. Conduzido por Cyll Farney para conhecer o estúdio da Atlântida, localizado na rua Visconde do Rio Branco, e especialmente o diretor responsável pelas famosas chanchadas, surpreendeu-se por encontrar este último em mangas de camisa carregando adereços, levantando cenários, manejando um martelo como qualquer cenotécnico. Watson Macedo não tinha escritório de luxo, secretária bonita e simpática, carro e chofer na porta da companhia. Traduzindo: não havia salários nababescos e muito menos recursos de monta para a produção e para a própria infra- estrutura do estúdio. A sobrevivência era difícil e com conseqüências óbvias. Pouco depois do memorável e decisivo encontro, o local sofreria um devastador incêndio, responsável pelo desaparecimento de quase toda a filmografia inicial da Atlântida. Guardadas as devidas proporções, salientadas as peculiaridades de um arquivo de filmes e indicados os contextos diversos, passando dos anos 50 aos anos 80, pode-se dizer que tive um choque semelhante ao tomar contato com o universo das cinematecas brasileiras. Ao me aproximar do cotidiano da mítica Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – Cinemateca do MAM, para os funcionários, amigos e admiradores – vez por outra via um ou outro carrinho carregado de filmes passar com latas desgastadas pelo tempo, as vezes amassadas, quase sempre enferrujadas parcial ou totalmente. Descobriria mais tarde, igualmente espantado, que quem empunhava o carrinho não era um auxiliar, mas o próprio conservador chefe. Havia poucos, pouquíssimos auxiliares. Mas nada se comparou à primeira incursão pela área de armazenamento de filmes, o famoso depósito de filmes. Na entrada a primeira surpresa: nada de luz. Explico-me: não era oposição à essência luminosa do cinema ou mesmo um cuidado técnico, pois a luz é um fator nocivo à conservação de quase todos os tipos de documentos, inclusive

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Ensaio sobre a preservação de películas.

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Preservao Carlos Manga sempre enfatizou o choque sofrido emseuprimeiro contato com o universo cinematogrfico real. Conduzidopor Cyll Farney para conhecer o estdio da Atlntida, localizadona rua isconde do !io "ranco, e especialmente o diretorresponsvel pelas famosas chanchadas, surpreendeu#se porencontrar este ltimo em mangas de camisa carregandoadere$os, levantandocenrios, mane%andoummartelocomoqualquercenot&cnico. 'atsonMacedon(otinhaescrit)riodelu*o, secretria +onita esimptica, carro e chofer naportadacompanhia. ,raduzindo- n(o havia salrios na+a+escos e muitomenosrecursosdemontaparaaprodu$(oeparaapr)priainfra#estrutura do estdio. Aso+reviv.ncia era dif/cil e comconseq0.ncias )+vias. 1ouco depois do memorvele decisivoencontro, o localsofreria um devastador inc.ndio, responsvelpelodesaparecimentodequasetodaafilmografiainicial daAtlntida.2uardadas as devidas propor$3es, salientadas aspeculiaridades de um arquivo de filmes e indicados os conte*tosdiversos, passando dos anos 45 aos anos 65, pode#se dizer quetiveumchoquesemelhanteaotomarcontatocomouniversodas cinematecas +rasileiras. Aome apro*imardo cotidiano dam/tica Cinemateca do Museu de Arte Moderna do !io de 7aneiro8 Cinemateca do MAM, para os funcionrios, amigos eadmiradores 8 vez por outra via um ou outro carrinho carregadode filmes passar com latas desgastadas pelo tempo, as vezesamassadas, quasesempreenferru%adasparcial outotalmente.9esco+riria mais tarde, igualmente espantado, que quemempunhava o carrinho n(o era umau*iliar, mas o pr)prioconservador chefe. :avia poucos, pouqu/ssimos au*iliares. Masnada se comparou ; primeira incurs(o pela rea dearmazenamentodefilmes, ofamosodep)sitodefilmes. , neste momento inesquec/vel identifica#setam+&m o inconfund/vel cheiro de pel/cula cinematogrfica, quedizem ama#se ou detesta#se para sempre. =u gostei.?choquecompletou#semuitos anos depois quandovi pelaprimeira vez o acervo da Cinemateca "rasileira, % instalada noMatadouro. Acreditei estar vendo todas as latas naquele enormegalp(o@eras)umaparteAeelasmepareceramtr.s, quatro,cinco vezes mais do que estava acostumado na Cinemateca doMAM. Aimagem&impactanteelem+raumpoucoosfinaissim+)licos de Cidado Kane e Caadores da Arca Perdida esuasimplica$3esfilos)ficas, pol/ticaseculturais. 9eimediatome veio ; mente a id&ia de que t(o poucos %amais dariam contadaquilo tudo e naquelas condi$3es t(o precrias, sa+endo#se deantem(o da escassez de recursos humanos e financeiros,tecnologia, infra#estrutura adequada, falta de cursosespecializados no pa/s e do fato de que as latas nunca param demultiplicar#se. Alguns meses mais tarde, comecei a tra+alhar defato em uma cinemateca, a do MAM.