heranaças africanas nos museus de lisboa

49
PEDRO PEREIRA LEITE RELATORIO DE AVALIAÇÃOCURRICULAR (extrato) DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA UNIVERSIDADE LUSÓFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS FACULDADE DE ARQUITECTURA E ARTES LISBOA JULHO 2009

Upload: pedro-pereira-leite

Post on 30-Jul-2015

39 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

PEDRO PEREIRA LEITE

RELATORIO DE AVALIAÇÃOCURRICULAR

(extrato)

DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

UNIVERSIDADE LUSÓFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS

FACULDADE DE ARQUITECTURA E ARTES

LISBOA

JULHO 2009

Page 2: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

2 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

Índice

1.1 Fragmentos das Imagens de África nos museus de Lisboa ........................................... 3

1.1.1 Museu do Carmo ................................................................................................... 5

1.1.2 Museu Nacional de Arte Antiga ............................................................................ 6

1.1.3 Museu do Chiado ................................................................................................ 10

1.1.4 Museu da Sociedade de Geografia ...................................................................... 13

1.1.5 Museu Nacional de Arqueologia Dr. Leite de Vasconcelos ................................. 16

1.1.6 Museu Nacional de Etnologia .............................................................................. 29

2 Análise Crítica e Transversal dos Temas Abordados ........................................................... 35

2.1 O lugar da herança africana nos museus lisboetas ..................................................... 35

3 Resultados Provisórios do Roteiro ...................................................................................... 45

6. BIBLIOGRAFIA DE REFERENCIA ............................................................................................ 48

Page 3: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

3 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

1.1 Fragmentos das Imagens de África nos museus de Lisboa A viagem pelos museus da velha capital do Império que ora se apresenta têm como

objectivo testar exercícios de leitura das narrativas sobre o outro africano e sobre o

modo como na actualidade se expressam na instituição museológica. Não têm como

objectivo efectuar um estudo exaustivo da narrativa africana, que em si constituiria um

tema de tese, nem sobre a história dos museus de Lisboa

Foi pensado como uma viagem pela cidade, pelos seus ritmos

com pontos de paragem em museus e em sítios públicos. A

viagem também não é cronológica nem sequencial. Foi

constituída por fragmentos de tempo, partilhados com os filhos,

umas vezes em tempo de lazer, outras com intenções de análise,

mas sempre com alguma informalidade. Repito o objectivo era

construir e testar uma grelha de analise sobre a presença do e

não ver se o outro e como o outro está representado. As

conclusões serão portanto, também fragmentos de memórias.

A intencionalidade desta viagem foi-se formando no espírito lentamente ao longo de

vários meses. Só no momento da escrita, este processo narrativo tomou esta forma.

Também por isso o seu carácter fragmentário. Ela no entanto é indubitavelmente

marcada pela experiencia paulista, e pela leitura da cidade e

dos seus museus, formalizada pelos trabalhos de Cristina

Bruno e Maria Ignez Franco. Mais do que um quadro completo

são esboços preliminares dum quadro que poderá ser pintado

no futuro1.

A herança africana é um assunto mal resolvido pela cultura

portuguesa. Quando viajamos pela cidade, por exemplo, do

escavacado Cais das Colunas, há mais duma década isolado do

Rio2, deparamos, sobretudo aos Domingos, com uma cidade

colorida. Gente Africana há muito radicada circula de forma

intensa. Visíveis uns pela cor da pele, mais hibridizados outros,

apenas visíveis se soubermos os sítios de encontro3. Vive a

cidade. Frequenta os restaurantes. Concentra-se no Rossio. O Palácio da Independência

1 A propósito do Centenário da Republica, por exemplo, pensamos poder completar este quadro.

2 Nesta viagem recordei momentos de criança, em que nos domingueiros passeios de Primavera

as famílias lisboetas comiam um sorvete no Rossio e desciam pela Rua Augusta, olhando as

montras das novidades, para as mães as modas, para os pais as livrarias e as lojas de licores.

Com ela notei que a minha filha de 12 anos nunca tinha visto o Cais das colunas, nem nunca

tinha descido a rua da moda. Essa cidade tinha-se multiplicado por múltiplos centros urbanos. 3 Por exemplo em Lisboa, o Restaurante João do Grão, na Ruas dos Douradores, é um ponto

habitual de almoço da comunidade de angolanos. Em 2003 fizemos uma viagem com o autor

angolano Pepetela. Fomos a vários pontos do país, numa viagem ao longo de 3 semanas. Nessa

viagem entramos nestes mundos, em que gentes dos trópicos se encontram em locais para

celebrarem as vidas e ouvirem as histórias de lá.

Ilustração 1-Largo de São Domingos em Lisboa

Ilustração 2- Cartaz de Festival Musical integrados nas Festas de Lisboa (2006)

Page 4: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

4 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

é de manhã uma cidade africana, tal é a cor o linguajar, as roupas e o comércio.

Curiosamente o largo de São Domingos africano foi há poucos anos colocada uma

lápide de “mea culpa” da cidade de Lisboa aos Judeus

supliciados pela Inquisição, cujo paço prisão se

encontrava nesse local. É curioso como nestas euforias

de contrição rememorativa do passado, ainda ninguém

se tenha lembrado de simbolicamente pedir desculpa

aos africanos que os portugueses traficaram. Um

esquecimento que significa que o assunto ainda não está

resolvido na consciência nacional?

Coloquemos o problema preliminar. Ao viajarmos na

cidade, no seu centro e nas suas periferias, Lisboa é, e

sempre foi uma cidade colorida. Cidade de acolhimento,

cidade mãe. Olhamos para os africanos e interrogamo-los.

Onde trabalham. Profissões menos qualificadas. Há

excepções é claro. Empregados no McDonalds, nas

Bombas de Gasolina. São os clientes matinais dos

autocarros que afluem aos centros de escritórios e

empresas que necessitam de limpezas, na construção das

casas que habitamos ou nas estradas que viajamos. Gente

indispensável, tão indispensável que agora reparei no caos

da minha casa, onde a Fátima não vem há um mês, tudo

porque o pai do marido faleceu, e a moça aproveitou o dever

para com os mortos e juntou as férias em Cabo Verde onde só

vai de 5 em 5 anos. Como tínhamos visto com Marcelo

Cunha, no museu da cidade, a herança africana não estava

presente. A questão era pois saber se nos outros museus, de

arte, de história, de arqueologia a herança africana estava

presente, seja nos objectos, seja através das suas actividades.

Por exemplo, em Setúbal no Museu do Trabalho, sabemos

que nos seus trabalhos com a comunidade são trabalhadas as

heranças africanas.

Isabel de Castro Henriques4 necessitou a trabalhar na longa duração a herança ou as

heranças africanas em Portugal. Afirma a propósito desta presença ausência: “ Esta

lógica do corpo (da cor) se permite que os africanos organizem as suas vidas, não deixa

por isso de constituir um obstáculo à sua plena integração na sociedade dos homens”

(op.cit, 233). E prossegue: “Estes preconceitos pertencem à criação duma leitura

polémica e negativa aplicada durante séculos aos africanos e reactualizada pela

dominação da guerra colonial do século XX (…)“, para concluir mais à frente “A

espessura da cor parece asfixiar as probabilidades do acesso ao conhecimento e, por

isso, os africanos estão impedidos de entrar nessa área específica, que permite a

4 HENRIQUES, Isabel de Castro (2008) A herança Africana em Portugal, Lisboa CTT

Ilustração 5 – Presença no Espaço Publico

Ilustração 4- Gentes das Áfricas no Espaço Publico

Ilustração 3 – Capa do Livro de Isabel Castro Henriques

Page 5: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

5 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

organização de sociedades harmónicas” (op.cit .234). A leitura de Isabel Castro

Henriques permite revelar que a memória portuguesa também

é negra, e que essa negritude está bem presente em todos os

domínios da nossa vida. “O inventário da herança permite

hoje, mais do que ontem, identificar a maneira consistente

como os africanos souberam e quiseram integrar-se na

sociedade portuguesa, tornando-se inteiramente portugueses e

participando na renovação do imaginário e na construção do

facto nacional” (op.cit, 235).

Folheando o excelente livro onde estas palavras foram escritas, verificamos que, a

maioria dos objectos deste inventário, são hoje objectos de museus, de arquivos ou

bibliotecas. Estão inscritos em património. São objectos do quotidiano. O que

procuramos fazer foi procurar a narrativa destes objectos nos museus da cidade para

procurar a forma como a cidade está dentro do museu. Olhar para o museu com olhar

museológico. Saber se a comunidade, esta comunidade cultural, e esta território que

também é o deles, está dentro do museu. De alguns museus. E mais afoitamente se há

africanos no museu. Escolhemos alguns museus, apresentamo-los de seguida

individualmente, para mais a frente fazermos uma leitura de síntese.

1.1.1 Museu do Carmo

O Museu Arqueológico do Carmo está instalado nas Ruínas do Convento do Carmo

desde 1864. É um exemplo da visão romântica do património,

a preservação e exposição de objectos de outros tempos em

locais com as marcas do tempo. Possidónio da Silva, o seu

impulsionador instala aí a Real Associação dos Architectos

Civís e Archeologos Portugueses.

Para o aproveitamento do espaço do Convento de Nossa

Senhora do Monte do Carmo foram realizadas obras de

adaptação, com aproveitamento das capelas para instalação de

exposição de artefactos (peças miúdas). Na em 1900, o director

Conde de Januário instala na sala do capítulo uma livraria

(biblioteca), dentro dos princípios defendidos por Frei Manuel

do Cenáculo5 para a Biblioteca Publica de Évora em 1805. Estes princípios reunir as

colecções e livros num mesmo espaço. As reuniões da Associação realizavam-se no

interior do museu.

5 Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas, (1724-1814). Doutor em Teologia pela Universidade de

Coimbra. Bispo de Beja e Arcebispo de Évora. Admirados de Luís António Verney e das

políticas do Marquês de Pombal. Foi um impulsionador da criação de bibliotecas, como a

Biblioteca Nacional, que é criada com o espólio da biblioteca da Real Mesa Censória (que assim

se torna publica), da Biblioteca da Academia das Ciências, criada com a biblioteca do Convento

de Jesus. Em Évora cria a biblioteca e o museu.

Ilustração 6 – Sabores de Africa nas mesas de Lisboa

Ilustração 7 capa de Livro sobre Obra de Possidónio da Silva

Page 6: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

6 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

Silva Leal (sob o pseudónimo de Sá Villele) escrevia em 1876 “Os museus são hoje

tidos, mais do que nunca, como um dos melhores e mais importantes recursos, para o

estudo das sciencias e das bellas-artes e da industria. As nações mais civilizadas,

disvellam-se na propagação e no enrequicimento d’estes templos da illustração (...)

Mas entre todos os museus, os que ultimamente vão atraindo mais

atenção, e as diligências dos sábios de todos os paízes, são os

museus archeologicos, espacialmente o de archeologia pré-

historica” 6

A sua colecção é constituída por arcas tumulares medievais,

provenientes de vários conventos de Lisboa, a Pia baptismal da

Ajuda, armas frontispícios e janelas, portas, pesos e medidas. Uma

sala com as colecções de material lítico, e metais. Em 1900, por

influência do Conde Januário chegam vários objectos exóticos, por

ele incorporadas no museu e provenientes das suas viagens. Entre

estas preciosidades encontram-se as célebres múmias peruanas e

instrumentos musicais chineses, e armas africanas. No início do

século são também incorporados nos museus animais empalhados,

sementes desconhecidas em Portugal, criando-se um “gabinete de

antiguidades” fora de época, mas ao gosto dos visitantes do tempo.

Após a implantação da Republica estes elementos estranhos

são expurgados, regressando o museu à sua vocação

arqueológica.

Em 1946 teve obras de beneficiação através da Direcção Geral

dos Edifícios e Monumentos Nacionais, que duraram 2 anos,

reabrindo ao público em 1948. Nessa altura a adaptação do

museu foi feita a partir do edifício. Os objectos foram

distribuídos em função do espaço disponível, incluindo

paredes, como se duma decoração se tratasse. Não se verificou

um plano cronológico, como na época era considerado

necessário para uma narrativa pedagógica, optando-se por se

manter as linhas de equilíbrio do edifício.

A partir dessa época a sua evolução estagnou. As obras que recentemente foram

realizadas no espaço do museu mantiveram a concepção inicial, introduzindo melhorias

no espaço público. Como museu romântico não têm nada de África no seu interior. É

um museu que continua a ter uma linguagem doutro tempo e a falar de realidades

também elas já fora das preocupações dos museólogos.

1.1.2 Museu Nacional de Arte Antiga

6 LEAL, Silva (1878) As Ruínas do Carmo, Lisboa tipografia Universal, pag 14.

Ilustração 8 –Mumia peruana no Museu do Carmo

Ilustração 9 – Capa do Catálogo sobre as colecções do musue e história do museu

Page 7: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

7 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

O Museu Nacional de Arte Antiga 7procura apresentar um acervo de seiscentos anos da

história portuguesa europeia no âmbito da pintura, escultura e

arte ornamental (cerâmica, ourivesaria, mobiliário) de que

possui um rico espólio distribuído por várias colecções de que

destacamos: pintura portuguesa e das escolas espanhola,

italiana, alemã, holandesa e flamenga; escultura; ourivesaria;

cerâmica e tapeçaria.

O museu localiza-se actualmente na Rua das Janelas Verdes

em Lisboa, ocupando os edifícios do Palácio dos condes de

Alvor e o antigo convento de Santo Alberto.8. A origem da

instituição verifica-se em 1884, a partir dum espólio de obras

de arte apresentados em 1882 no Palácio dos Marqueses de

Alvor numa “Exposição Retrospectiva de Arte Ornamental Portuguesa e Hespanhola”

que reuniu um conjunto de obras depositadas na Academia de Belas-Artes, na altura

instalada no Convento de São Francisco. Mais um conjunto de colecções particulares e

outros objectos recolhidos um pouco por todo o país. A exposição teve como curador

Conde de Almedina.

7 Elaborado a partir de PEREIRA, Maria LEVASS, (1973) O Museu Arqueológico do Algarve

(1880-1881), subsídios para o estudo da museologia em Portugal, Dissertação apresentada ao

curso de conservador de museu, Lisboa, Separata dos Anais do Município de Faro, 1981, com

SANTOS, Maria Alcina Ribeiro Correia Afonso (1970), Aspectos da Museologia em Portugal

no Século XIX, - Lisboa, Lisboa, Dissertação Apresentada no exame fina do Curso de

Conservador de Museu, Direcção Geral do ensino superior e das Belas Artes, 139 p 8 O Palácio Alvor foi mandado construir em 1690 por D. Francisco de Távora, conde de Alvor;

o filho vendeu-o a Matias Aires da Silva de Eça, provedor da Casa da Moeda; posteriormente,

ainda, foi adquirido por Paulo Carvalho de Mendonça, irmão do Marquês de Pombal, a quem

acabará por pertencer, através de herança. Tendo permanecido na família do Marquês, foi por

diversas vezes alugado, primeiro a Gabriel Gildemester, cônsul holandês em Lisboa e, por

último, ao Estado que aí acaba por realizar a Exposição de Arte Ornamental. Ao longo de todo

este período, o edifício sofreu várias campanhas de obras que desvirtuaram a sua traça original.

Contíguo ao Palácio, a oeste, ficava o Convento de Stº. Alberto, também conhecido por

Convento das Albertas, de freiras carmelitas descalças, fundado em 1584 pelo arquiduque

Alberto, de cujo interior apenas se conservou a capela, integrada no museu como um excelente

exemplo de decoração de azulejos e talha dourada, típicos em Portugal entre os séculos XVII e

XVIII.

Ilustração 10- Capa do Catálogo da Exposição Portugal e o Mundo

Page 8: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

8 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

A questão da criação dum museu com o espólio das obras depositadas na Academia de

Belas Artes já tinha vindo a ser discutida deste o início do século XIX. À abolição das

ordens religiosas em 1834, por decreto de 28 de Maio, provocou a incorporação dos

bens pertencentes aos conventos no erário público. Em 1835 é

nomeada um Comissão para Estudar a estudar, classificar e

organizar todos os objectos recolhidos dos conventos. A criação da

Academia de Belas Artes de Lisboa em 25 de Outubro de 1836 vai

assumir esta função. Aí surgirá “Galeria Nacional de Pintura” com

funções, para além da conservação do espólio, organizar

exposições públicas de Belas-Artes e de formar artistas e artesãos.

O Convento de S. Francisco depressa se revelou impróprio para tão

intensa actividade e as colecções de arte não tiveram o tratamento

museísitico de relevo. A academia transforma-se essencialmente

numa instituição formadora, onde professores como Tomás da

Anunciação e Francisco Metrass ensinam. Em 1860 a Academia é

reformada com base na crítica ``a reprodução acrítica de modelos e

apontava para a necessidade de a escola dispor de galeria de estudo

para os alunos pudessem observar obras de arte e explorar uma

obra de arte. Surge assim uma necessidade de criar uma “galeria de pintura”. Em 1875

com a reforma do ensino de Belas-Artes do Marques de Sousa Holdstein a questão dos

museus de arte é referida como uma necessidade educativa essencial. Eram os

argumentos na altura “auxiliar de ensino, elemento civilizador “, “instrução do povo”,

“distracção”, “embelezamento e enriquecimento da capital”, “recolha das riquezas

dispersas” e que deveriam ser criados em Lisboa e outras terras da província. Neste caso

propõe-se a criação de museus de etnologia com objectos das colónias.

Ainda no Ano de 1875, um vogal anónimo desta comissão, faz publicar uma brochura

“observações sobre o actual estado de ensino da arte em Portugal, a organização dos

museus e o serviço de monumentos Históricos e de Arqueologia, oferecido à Comissão

nomeada por Decreto de 10 de Novembro de 1875”9

No entanto, a ideia da criação de um museu que expusesse a colecção aí armazenada só

encontrará resposta em 1882 no decurso da Exposição de Arte Ornamental, no Palácio

dos Condes de Alvor. A exposição foi inaugurada pelos reis D. Luís de Portugal e D.

Afonso XII de Espanha. A mostra apresentava ao público português as peças que

haviam figurado numa exposição de arte da Península Ibérica realizada no ano anterior

em Londres. O êxito que conheceu, o elevado número de visitantes que teve e a

polémica que suscitou foram elementos determinantes para que se começasse a

considerar o palácio como uma hipótese viável para a concretização desse espaço em

museu. Dois anos depois, o Estado comprou o edifício das Janelas Verdes que lhe

estivera alugado e determinou que para lá fossem transferidas as colecções que se

encontravam sob a responsabilidade da Academia. Durante toda a década de 70 a

discussão sobre a organização museológica das artes é uma constante. A questão da

9 Lisboa, Imprensa Nacional , 58 p

Ilustração 11 - Estatueta em Madeira do Congo

Page 9: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

9 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

criação do museu de Belas Artes transparece das folhas de despesa da Academia, como

intenção de investimento. A Exposição de 1882 e a sua transformação em museu resulta

portanto duma reflexão desenvolvida no âmbito da comunidade e a exposição de 182 é

uma oportunidade que dá visibilidade pública, a partir da qual a constituição do museu

foi possível.

Uma discussão sobre o papel da Academia de Ciência, a Academia de Belas Artes (na

Época Academia de Lisboa)

O Museu de Belas Artes e Arqueologia abriu ao público a 12 de

Junho de 1884. A colecção foi enriquecida com doações (espólio de

peças de pertencentes à rainha D. Carlota Joaquina, entretanto

vendidas em hasta pública, após a derrota miguelista); colecções

legadas ou adquiridas com verbas oferecidas para esse fim por

diversas personalidades entre as quais poderemos destacar os reis D.

Fernando II e D. Luís, o conde de Carvalhido, o visconde de Valmor,

o conde dos Olivais e Penha Longa, entre outros; e, por fim, peças

adquiridas pela própria Academia a particulares ou em leilões. São

directores deste museu, António Tomás da Fonseca (1884-1895),

António José Nunes (1895-1900). Manuel de Macedo (1901-1911)

Em 1895 foi realizada uma Exposição de Arte Sacra Ornamental10

A Implantação da República em 1910, e a publicação da Lei da Separação da Igreja e do

Estado leva à incorporação de bens dos Palácios, Sés e demais edifícios episcopais cria

um novo fluxo de objectos. O Decreto de 26 de Maio de 1911 vai desdobrar o Museu de

Belas Artes e Arqueologia em duas instituições museológicas distintas: o Museu

Nacional de Arte Antiga, que continua na Rua das Janelas Verdes e engloba todas as

colecções anteriores a 1850. As colecções adquiridas a partir desta data são

reconduzidas ao antigo convento de S. Francisco, dando origem ao novo Museu

Nacional de Arte Contemporânea.

O novo conservador José de Figueiredo impõe uma dinâmica nova no museu,

constituindo-o como um centro de investigação e crítica de arte, nem sempre bem vista

o pela intelectualidade do tempo. Criou um Grupo dos Amigos do Museu que, entre

outras actividades de carácter cultural, foi agente activo da aquisição de novas peças

para a colecção (acervo), e levou a cabo uma importante campanha imprensa, para

sensibilizar a opinião pública para a remodelação das instalações. Só em 1940, com as

comemorações dos centenários, e a inauguração da Exposição “Os primitivos

Portugueses” foi aproveitado o espaço do convento das Albertas, contíguo ao Palácio

Alvor e que fora entretanto derrubado, como um Anexo ao Museu.

Após a exposição o edifício sofreu obras de remodelação tendo sido abertas novas salas,

criadas instalações para bibliotecas, zonas de exposição, o gabinete de estampas e um

auditório. Ainda durante os anos 50, o Grupo de Amigos do Museu, de forma

10

Descrita em GONÇAVES, António Manuel (1965), As origens do museu nacional de Belas-

artes, Lisboa, Museu Nacional de Belas Artes.

Ilustração 12- Saleiro em Marfim da Costa do Marfim

Page 10: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

10 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

voluntária, iniciaram as acções educativas com Madalena Cabral11

. Era nessa época

director do museu João Couto, que havia sucedido a Reinaldo dos Santos.

Em 1982 com a XVII Exposição do Conselho da Europa,

realizaram-se importantes obras no anexo, com a criação

duma nova entrada criou-se um amplo salão para

exposições temporárias. Nesta entrada foi instalado uma

loja e um bar.

Actualmente o Museu Nacional de Arte Antiga oferece-

nos três grandes núcleos museológicos: arte portuguesa

que engloba pintura, escultura, pintura luso-flamenga;

influência da África e Ásia através de objectos de origem

africana, chinesa, arte nanbam e arte indo-portuguesa; e

arte estrangeira na qual encontramos pintura europeia do

séc. XIV ao XIX, artes ornamentais, ourivesaria e têxteis.

Da exposição temporária, Portugal e o Mundo, falaremos a

seguir. Os objectos de África reduzem-se à cadeira do Rei

do Congo. Há, na abordagem mobiliário do século XVI, uma nítida influência de

formas ornamentais mais próximas do mediterrâneo. Todavia o museu não apresenta

nenhuma leitura dessa especificidade, preferindo integrar a pintura, as artes decorativas

na linha da “integração europeia”, na sua afiliação a uma história de arte como expoente

duma civilização, como expressão duma nação. Nessa viagem esquece aquilo que agora

procura mostrar com exposições temporárias. Interessante esquecimento.

1.1.3 Museu do Chiado

O Museu nacional de Arte contemporânea, no Chiado é fundado pelo Decreto de 26 de

Maio de 1911, instalado provisoriamente no antigo Convento de são Francisco, onde já

se encontrava instalada a Academia Nacional de Belas Arte, A Biblioteca Nacional e o

Governo Civil. Integra as colecções de arte incluídas no Museu de Bellas Artes e

Arqueologia posteriores a 1940. Trata-se portanto de um museu pós-romantismo.

Carlos Reis foi o seu primeiro director (1911-1914) que instala o museu, sendo

sucedido por Columbano Bordalo Pinheiro até 1929. Durante esse período, da

afirmação do modernismo, o espaço do museu é alvo dum projecto de remodelação do

Arquitecto Luís Monteiro, sendo o espaço museográfico organizado em torno de oito

salas que mostravam o movimento romântico, o naturalismo e algumas manifestações

da arte moderna. O período do terceiro directo Adriano de Sousa Lopes, pintor

moderno, amplia as instalações e envolve-se num diálogo entre o modernismo e o

academismo, que na época dominava o ensino em Belas Artes. A partir de 1944 até

1959, com Diogo de Macedo, também modernista, a acção do museu vai ampliar-se. Na

época a “política do espírito” de António Ferro ditava orientações para a estética

nacional. As exposições de Belas Artes eram vividas emotivamente pelos intelectuais

lisboetas. O director sobre aproveitar o momento para abrir o museu à comunidade e

dialogar com a modernidade. Foram não só incorporados novos artistas, como o espaço

11

Ilustração 13 - Reprodução do quadro de Criado (proprietario holandês)

Page 11: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

11 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

dos museus e as suas exposições eram frequentadas pelos estudantes de Belas Artes. O

museu incorpora muitos jovens pintores em início de carreira, como Júlio Pomar,

Vespeira Resende, etc. A partir de 1945 o museu passa a dispor de uma entrada

autónoma (da do Largo da Biblioteca Pública) e constitui-se o Grupo de Amigos do

Museu Também sob o seu impulso, publica um conjunto de

monografias sobre os artistas representados nas colecções e

impulsionou a participação do museu em importantes bienais de

arte (Veneza, São Paulo) que contribuíram para criar um prestígio

internacional do museu.

A sua morte em 1959, com a substituição pelo pintor Eduardo

Malta conduz o museu para um momento “negro” da sua história,

iniciando-se uma feroz perseguição à arte moderna e uma

valorização do naturalismo. Na época verificou-se um amplo

movimento de contestação desta nomeação por parte dos

intelectuais lisboetas. Macedo havia enviado para estagiar nos EEUU Carlos Azevedo

para preparar a sua sucessão. A nomeação de Malta leva ao abandono de Azevedo que

passa a colaborar com a entretanto recém-formada Fundação Gulbenkian.

O consulado dos Malta no Museu de Arte Contemporânea foi um período de paralisação

do movimento de acompanhamento das artes e da sua comunicação com o público. Em

1970, Maria de Lourdes Bertholo inicia um movimento de modernização,

desenvolvendo vários projectos em parceria com galerias de Lisboa para aquisição e

exposição de obras de pintores. Várias obras de melhoramento foram efectuadas durante

este período. Por exemplo, a electrificação do museu só foi concluída em 1977. Apesar

dos esforços desenvolvidos o museu havia perdido a sua ligação com a comunidade e

não conseguiu recuperar o protagonismo. A política de aquisição também não se

mostrou adequada, tendo sido adquiridas muitas obras irrelevantes, que representam um

esforço de conservação muito elevado, para uma mostra das rupturas da arte

contemporânea e das suas vanguardas. Em 1987 o museu foi encerrado para

reinstalação das reservas, consideradas então como estando em risco de deterioração,

sem que a cidade tivesse dado pela falta deste museu.

O Incêndio do Chiado em 1988 e o apoio de mecenas foi criada a

“Association pour le Chiado” e desenvolvido um projecto de Jean

Michel Wilmotte para renovação do espaço museal. Em 1994 o

Museu do Chiado abre ao público tendo como directora Raquel

Henriques com novos espaços. No espaço de entrada do museu

foi criado um pátio onde foram dispostas esculturas e um

pequeno jardim que pode ser usufruído com o Bar. Dispõe de

uma ampla sala de exposições e duma loja no primeiro piso. No

corpo do edifício foram mantidos elementos que registam a

memória histórica, nomeadamente a presença dos fornos de cozedura do pão.

Ilustração 14 - Capa de Almada Negreiros para exposição em 1934

Ilustração 15 – Busto em Madeira da exposição

Page 12: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

12 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

Actual director Pedro Lapa desenvolve uma política de exposições ode procura mostrar

diálogos entre as várias escolas de pintura, os momentos de ruptura. Não têm uma

exposição permanente, sendo que as exposições vão-se sucedendo no espaço ao longo

do tempo.

O Museu dispõe de um serviço educativo, que conta com a colaboração de Catarina

Moura 12

que desenvolve várias actividades com público e com a comunidade. Os

públicos do museu são classificados em três tipos: Escolas do ensino básico e

secundário, universitários e grupos com visita marcada. Para cada um dos grupos são

desenvolvidos trabalhos específicos de busca duma relação com o acervo. O objectivo e

inter-relacionar o visitante com uma experiencia de interrogação com a obra. Durante o

fim-de-semana são também oferecidas a possibilidade de integração de visitantes

espontâneos em “workshops”

Por exemplo com as escolas desenvolve o

projecto “ O Visível e o Invisível” onde

procura desvendar as técnicas de pintura, de

ruptura com a geometria clássica e de

reconstrução da dimensão estética, do uso

das cores. O objectivo da presença do

museólogo é desencadear um processo de

leitura, uma técnica, que depois é incentivada

a ser utilizada pelo visitante na construção

dos seus próprios percursos.

O trabalho com a comunidade envolve, para além do desenvolvimento de protocolos

com as escolas da área de inserção dos museus (Madragoa, Bairro Alto) para utilização

do espaço do museu como espaço de aprendizagens, são ainda desenvolvidos trabalhos

com comunidades específicas em cooperação com o sistema de saúde.13

Em 1934, no âmbito do Congresso Colonial é feita uma exposição denominada “Arte

Indígena Africana, com uma selecção de obras de Luiz de Montalvor e Textos do Diogo

de Macedo.14

que a seguir falaremos. Não encontramos África neste museu, mas

encontramos uma abertura e uma sensibilidade à comunidade.

12

Os serviços educativos surgem nos anos 50 no Museu de Arte Antiga com Madalena Cabral e

Madalena Cagigal do Museu Nacional dos Coches. Era na época grupo de “senhoras

beneméritas” (voluntarias do Grupo de Amigos do Museu) que organizavam as visitas de

grupos escolares. A fundação Gulbenkian é o primeiro museu a dispor de serviços educativos

autónomos. Com Manuela Guedes. A introdução dos serviços educativos na organização dos

museus do Estado data de 1980 e a sua legislação é de 1981 13

Por impossibilidade de tempo não pudemos participar numa desta iniciativa, que serão

retomadas em Setembro. 14

Lisboa, Edição Ática, 1934

Ilustração 16 – Mascaras de Moçambique na Exposição

Page 13: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

13 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

1.1.4 Museu da Sociedade de Geografia

A questão dos museus etnológicos portugueses encontra-se bem trabalhada na tese de

Maria Manuel Cantinho Pereira em 15

“O museu etnográfico da

Sociedade de Geografia de Lisboa”. A questão do olhar sobre o

outro africano está presente, pelo menos, desde o século XV. Do

outro humano e do outro natural, já que essa componente de

exploração é igualmente interessante para entender a confrontação

com o diferente e a diversidade. Dos documentos de Valentim

Alexandre e da Carta de Pêro Vaz de Caminha, até à historiografia

mais recente muito se tem reflectido sobre o contacto e as trocas

culturais. A tese de Maria Manuel tem a vantagem de fazer uma

leitura actualizada sobro o processo de formação de processos

museológicos com base nos objectos provenientes de outras áreas

culturais, como enquadramento do surgimento da Sociedade de Geografia de Lisboa,

uma instituição privada, mas que será determinante para a concretização do “projecto

colonial/imperial africano no século XIX”.

Estes objectos chegam essencialmente como curiosidades. Até ao século XVIII existem

notícias sobre as suas existências mas não temos imagens nem descrições que permitam

efectuar uma análise de conteúdo. A partir desse século, verifica-se que o espírito

científico de recolha e sistematização duma colecção, aquilo a que pudemos chamar de

um museu se verifica por via da Academia das Ciências, por determinação da coroa e

por via das Instituições de Ensino. Mesmo assim, apenas no início do século XIX se

conhecem as primeiras pesquisas sistemáticas nas “Nações Ultramarinas” (op.cit.65).

As primeiras referências concretas a objectos encontram-se no “Diário” manuscrito da

viagem que o Arcediago de valência fez a Portugal em 1872, D. Francisco Perez Bayer,

que indicava o museu do Marquês de Anjeja , onde se viam armas de los índios de

madera, instrumentos para cortar arboles e labrar” (citado por OLIVEIRA, 1971, 24).

Mais tarde, o celebre Museus Mayanese do padre José Mayne terá objectos que

poderemos classificar de etnográficos, e que vão integrar o Museu da Academia das

Ciências. (ibidem) Ainda segundo Veiga de Oliveira, estes dois museus atestam a

relação entre a etnologia e a história colonial.

Aliás será a Academia das Ciência que em 1797 remete instruções aos seus associados

no ultramar, para remeterem para o Museu objectos desses países. Na maioria dos casos,

terão sido enviados objectos de história natural.

A Associação marítima colonial, criada em 1838, constituída ela ala radical dos

Setembristas, e com sede no Arsenal do Alfeite, terá sido, como diz Manuela Cantinho,

o grupo responsável pela afirmação da necessidade da exploração africana e da

15

CAENTIBHO, Maria Manuel Cantinho (2005) O Museu Etnográfico da Sociedade de

Geografia, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian. Tese de Doutoramento em Antropologia

Cultural no ISCTE

Ilustração 17 – Capa de Livro sobre o Museu da Sociedade de Geografia

Page 14: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

14 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

necessidade dum “muzeu” em Lisboa para apresentar as potencialidades do comércio

com as colónias. Esse museu abre em 1844 com objectos coloniais. Esta função de

colecções de produtos coloniais transporta uma componente de acção prática que

procura o que existe, mostra para poder utilizar. Estamos portanto perante uma atitude

de olhar o muzeu como um instrumento de desenvolvimento.

Curiosamente, Cantinho faz publicar uma Portaria de Sá da

Bandeira, de 19 de Julho de 1838, em que, em nome da Rainha,

manda o governador da província de Moçambique, formar uma

biblioteca, num edifício publico adequado e “convidando os

moradores para concorrerem para a sua formação” . Da parte do

reino serão enviados livros pertencentes os extintos conventos das

ordens religiosas. Alem disso, acrescenta “sua Magestade

recomenda a creação dum museu, destinado principalmente á

colleção dos productos mais raros de África; e ultimamente, a de

um Jardim Botanico, que contenha as mais interessantes plantas africanas e sirva para

aclimatar as de outras partes do globo. (op.cit , 73). Ao lermos esta parte aprecemo-nos

que essa biblioteca ainda sobrevive na Ilha de Moçambique, que como se sabe era na

época a cidade capital da colónia.

Voltando à colecção colonial, sabemos que em 1870 o Ministério da Marinha criou o

Museu Colonial, na direcção Geral do Ultramar, reuniu colecções e exposição de

produtos coloniais. Instalado no Arsenal do Alfeite, não está clara a sua distinção em

relação ao museu de marinha. Em 1892 o museu foi extinto e o seu espólio integrado na

Sociedade de Geografia de Lisboa. Faziam parte do seu espólio os padrões de pedra de

Angra do Ilhéu, De Bartolomeu dias, do Cabo de Santa Maria, de Diogo Cão, de são

Jorge do Congo Mina, o sarcófago com as relíquias de Afonso de Albuquerque, o

telescópio a cadeira de Levigstone, dois globos de Cornelli, um vitral com o retrato de

Fernão de Magalhães, portulanos e espécies e curiosidades exóticos (madeiras, tecidos,

plantas). Na época existiam réplicas de africanos das colónias com os respectivos trajes

regionais. Existia igualmente uma colecção em barro, com a s figuras regionais

coloniais.

Este museu integra-se na lógica da participação nos eventos Congressos Internacionais,

feiras internacionais, comemorações que a partir da segunda metade do século XIX

abundavam em Portugal. Serviam fundamentalmente para depósito entre eventos,

disponibilizando os acervos.

Quando em 10 de Novembro de 1875 é criada a Comissão Central Permanente de

Geografia, na sequência da participação de José Júlio Rodrigues no Congresso

Internacional de Ciências Geográficas, inicia-se uma frutuosa cooperação com outros

países, na troca de produtos, mapas e publicações de carácter geográfico. Entre os vários

objectivos desta sociedade encontrava-se a troca de produtos coloniais. Nomeados os

vogais pelo Estado instalado no Ministério da Marinha a sociedade organiza um museu

etnográfico.

Ilustração 18- Reprodução de Catálogo de colecção

Page 15: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

15 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

Ora o conjunto de personalidade que se reúnem na Sociedade de Geografia de Lisboa

(nome pelo qual passa a ser conhecida a partir de 1876, vão iniciar um esforço de

conhecimento dos territórios africanos, e asiáticos. As expedições trazem sempre os

seus espólios, de objectos recolhidos nas campanhas, que alimentam a colecção de

etnologia. Ou seja, como diz Maria Manuel Cantinho, (op.cit, 114) o paradigma

comercial é substituído pelo paradigma cientifico. Os objectos são incorporados pelo

seu valor cientifico, de conhecimento, em prejuízo dos valores comercias, que

continuam a existir ao nível dos grandes certames internacionais. Esta emergência do

cientismo está ligada à emergência do positivismo (método) à vida cultural lisboeta, às

conferências do casino, ao grupo dos Estudos Superiores de Letras. Um conjunto de

factores que vão fazer evolucionar os museus para espaços de

cultura. E será durante estas viagens que se reunirão os principais

acervos etnológicos nos vários museus, nomeadamente o do

Museu da Sociedade de Geografia de Lisboa. Manuela Cantinho

marca a institucionalização do museu em 1892, com a

incorporação do espólio do Museu Colonial e com a criação da

identidade de Museu Etnográfico e Colonial. O percurso seguido

pelo museu até aí é bastante difuso, inclui diversas integrações,

sem uma estratégia específica. A partir de 1892, o projecto

museológico assume-se e a organização interna do museu passa a

mostrar colecções. Esta colecções são variadas passam por

objectos do quotidiano, objectos sagrados (estatuária),

fotografias, memórias e livros de homens da ciência e da

missionação.

O desenvolvimento do museu e das suas colecções encontra-se muito bem referenciado

por Maria Manuel Cantinho. Resta salientar que o actual edifício ocupado pela

Sociedade de Geografia, na central Rua das Portas de Santo Antão na Baixa lisboeta é

construído de raiz pela instituição em 1897.

O modelo de organização do espaço manteve-se até à actualidade. A sociedade

desenvolve um conjunto de actividades, através das suas várias secções, mantêm uma

importante biblioteca com milhares de títulos (foi-nos

referido 300.000) sobre temas coloniais, cartas geográficas

e dispõe cerca de 50.000iamgens digitalizadas. Publica

ainda o Boletim desde 1875. O museu encontra-se instalado

no Salão Portugal (há uma sala Gil Eanes com o espólio do

antigo museu colonial) que segue uma organização de

espaço comum no final do século XIX para galerias de

Estudo, com um amplo espaço central desafogado, para

conferências ou exposições temporárias, e com um

conjunto de2 pisos de galerias com armários a forrar as

Ilustração 19 – Estatuetas em Madeira dos Bijagós

Ilustração 20 – Banco em madeira de Moçambique

Page 16: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

16 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

paredes. Nesses armários, ainda visíveis nos dias de hoje, os objectos eram depositados

para estudo. A inauguração da sala Portugal é efectuada juntamente com as

comemorações do 3ª centenário da chegada de Vasco da Gama à Índia.

Este museu do final do século XIX demonstrou alguma vitalidade durante os primeiros

anos da sua existência. Gradualmente, a partir da emergência do Estado Novo com o

crescente distanciamento entre a posição da Sociedade de Geografia e a política

colonial, o museu perdeu dinâmica de intervenção. A sua intervenção no congresso

colonial de 1934 (Porto) é diminuta. Quando se pensa na fundação dum museu do

colonial português (ver museu de etnologia) o museu da sociedade de geografia está

praticamente esquecido.

Este museu continua a poder ser visitado por marcação. Em cerca de 1, 5 horas efectua-

se uma visita com guia ao museu que se encontra numa fase de transição. Estão em

curso trabalhos de conservação. Actualmente o conceito expositivo da colecção de

etnologia é o agrupamento por temas. Armas, instrumentos de música, mascaras,

instrumentos de trabalho. Actualmente o museus dá espacial destaque às peças do

oriente (China e Japão), devido ao maior número de visitantes que procuram estes

temas.

1.1.5 Museu Nacional de Arqueologia Dr. Leite de

Vasconcelos

Fundado em 1893 com o nome de Museu Etnográfico

Português e instalado então numa sala dos serviços

geológicos, foi uma iniciativa de José Leite de Vasconcelos,

apoiada por Bernardino Machado16

(então ministro das

obras públicas, comércio e industria) Leite de Vasconcelos,

médico, dedicava-se aos estudos de filologia e etnologia

desde 1893. A etnologia era para Leite de Vasconcelos a

ciência maior, a ciência e a Influência de Frei Manuel do

Cenáculo17

são uma inspiração.

16

Bernardino Machado (1851-1944) nasceu no Rio de Janeiro. Lente de Matemática e Física na

Universidade de Coimbra, Maçom desde 1874 (da qual foi Grão-mestre entre 1895-1899). Foi

Ministro no governo de Hintze Ribeiro. Foi uma figura muito activa na área da divulgação da

ciência e defensor da escola, bibliotecas e museus. Cria na Universidade de Coimbra o Museu.

Foi duas vezes presidente da Republica, nunca completando o mandato (1917 e 1926). Viveu

exilado até 1940. 17

Veja-se VASCONCELOS, José Leite de (1898) O Museu de Cenáculo em Beja em 1791:

Notícia extraída de um manuscrito, Lisboa, Imprensa Nacional,,p. 7 Vasconcelos Trata-se

duma leitura do discurso de Frei Manuel do Cenáculo sobre a inauguração da colecção do

museu do cenáculo em 15 de Março de 1791,em Beja. Era um manuscrito que se encontrava na

biblioteca do Visconde da Esperança, na quinta da Manisolam “ Catalogo dos principais

manuscritos, da livraria editado em Évora em 1897. O museu era constituído pela colecção de

arqueologia, feita por André de Resende, patriarca da arqueologia portuguesa, no século XVI.O

manuscrito “feito á pena de Frei José Lourenço do Valle, e reportam è descrição (inventário) do

museu criado em Beja por Frei Manuel do cenáculo, quando Bispo de Beja continha produtos

Ilustração 21 - Capa de publicação sobre Leite de Vasconcelo

Page 17: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

17 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

Com Leite de Vasconcelos afirma-se o projecto museológico, a instalação do museu nos

Jerónimos (1902), uma dotação orçamental própria. A constituição deste museu é

influenciada pelo espírito da época : -Em 1959, o então director do MNAA, António

Manuel Gonçalves, em homenagem ao Museólogo Leite de Vasconcelos18

afirmava que

este interesse pela arqueologia havia começado

em 1857, com a criação da Comissão Geológica,

onde participaram nomes da ciência geológica tais

como Geólogos Pereira da Costa, Carlos Ribeiro e

Nery Delgado. Nesta altura, paralelamente aos

trabalhos de Possidónio da Silva, os arqueólogos

Augusto Filipe Simões Borges de Figueiredo e

Martins Sarmento vão efectuar os primeiros

trabalhos de arqueologia e organizar, em Lisboa o

I congresso de Antropologia e Arqueologia Pré-

história em 1880. Neste congresso participam

Gabriel Pereira, Santos Rocha, Estácio da Veiga, Pereira Botto, Martins Capela e Leite

de Vasconcelos, que irão dar continuidade aos trabalhos em vários pontos do país.

A criação do primeiro núcleo museológico de arqueologia é feita nas instalações da

Comissão Geológica,19

à Academia das Ciência. Como já vimos a Associação dos

Arquitectos Civis Portugueses, ao tomar posse do Convento do Carmo, instala aí o

Museu Arqueológico em 1864. Em Coimbra o Museu de Antiguidades é instalado em

1873. Em Santarém, em 1876 é cria o primeiro museu regional, ao qual sucede o de

Elvas em 1880 e o Museu Martins Sarmento (Arqueológico) de Guimarães em 1884.

Nesse mesmo ano abre o Museu Nacional de Belas Artes e Arqueologia, no palácio das

Janelas Verdes, mas onde a arqueologia não têm galeria. A proposta de Leite de

Vasconcelos visa suprir a ausência desse museu em Lisboa “uma galeria nacional de

arqueologia que emparceira-se com as outras capitais europeias” p. 46. Havia aqui

uma nítida vontade de abordar o museu como uma instituição científica de investigação

e comunicação, distinguindo-se assim do museu “romântico do Carmo” que não se

orientava para a comunicação e comprovação duma ideia, que era a ideia de filiação

de ethnografia selvagem e moderna, e produtos de história natural. “Disto restam ainda algumas

coisas no Museu de Évora” Leite de Vasconcelos exalta exaltação a abertura deste museu ao

público, que terá sido, em Beja o primeiro museu público.

18 GONÇALVES, António Manuel (1959) “ O Arqueólogo Leite de Vasconcelos” in Separata

do I volume das Actas e Memórias do I congresso Nacional de Arqueologia,,Lisboa , tipografia

portuguesa, pp45-60

19 A Comissão Geológica Nacional é criada em 1857, com a missão de proceder aos

levantamentos geológicos existentes em Portugal. Recorde-se que pelo menos desde 1840,

Claude Deschamps, um francês ao Serviço da Companhia de Mineração Transtagana, havia

procedido aos levantamentos geológicos de áreas de mineração. As riquezas minerais eram a

riqueza procurada como fonte de matéria-prima para as industrias (nessa época os minerais

metálicos de cobre e magnésio). É os trabalhos desta comissão, que procede aos primeiros

levantamentos arqueológicos e etnográficos.

Ilustração 22 – Aspecto de sala de exposições do MNAE à época de leite vasconcelos

Page 18: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

18 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

genética do povo português numa antiguidade anterior à formação da Nação. Recorde-

se que Leite de Vasconcelos participou activamente no Centenário de Camões, em

1880, e foi director da Biblioteca Nacional (188=) onde criou um pequeno Museu de

antigualhas (mais tarde são transferidas para o Museu de Arqueologia) e Editou a

Revista Lusitânia, onde publica inúmeros estudos sobre filologia. Nesta revista

colaboram grandes nomes das letras.

Durante toda a década de oitenta, na sua correspondência abundam a referência à

necessidade e anseio da criação de um Museu de Etnologia. Com a sua criação pelo

decreto de 20 de Dezembro de 1893. Leite de Vasconcelos é nomeado seu primeiro

director. A colecção base é a colecção de Estácio da Veiga20

, depositada na Academia

de Belas Artes, tendo sido então adquirido aos herdeiros destes, a restante colecção21

.

Também a colecção de Leite de Vasconcelos é integrada. Ocupando duas salas dos

Serviços Geológicos, no Convento de Jesus à Academia das Ciências. O museu deveria

servir de fundamento ao museu de antropologia integrado nessa Comissão dos Serviços

Geológicos. Entre 1894 e 1897 funcionaram duas

secções Arqueologia antigas e modernas. Ainda nesse

ano Leite de Vasconcelos funda a revista o Arqueólogo

Português22

, cujo primeiro Numero sai em Janeiro de

1895, onde serão publicados os resultados dos trabalhos

de investigação que Leite de Vasconcelos lança por

todo o país, desenvolvendo basta correspondência com

as elites locais23

O espólio cresce por via das doações e

20

MOITA, Irisalva ( 1959) “O Plano do Museu Etnológico do Dr. Leite de Vasconcelos”, in

Separata da Revista Municipal, nº 78, 1959, 39 p. Este trabalho foi desenvolvido a partir a

dissertação da autora no concurso para conservadora adjunta dos Museus, Palácios, e

Monumentos Nacionais. Em 4 de Agosto de 1955. Nele apresenta-se uma leitura sobre o

projecto de Leite de Vasconcelos para o Museu Etnográfico. O museu representa uma ideia da

atribuição duma unidade estrutural ao povo português. É o projecto de Leite de Vasconcelos de

atribuir uma especificidade. É igualmente apresentado o percurso legislativo, é feita uma análise

do percurso Ideográfico e expositivo e efectuada uma proposta de actualização. Não será

concretizada pelo directo da época e Irisalva Moita, bolseira do IAC efectuará vários trabalhos

no ME, sento nomeada conservadora do Museu da Cidade em 1974.

21 LEITE DE VASCOCELOS (1915), História do Museu Etnológico Português (1893-1914),

Lisboa, Imprensa Nacional, pag 2 22

A publicação do Arqueólogo Português é iniciada em 1895, após a entrada em funcionamento

do Museu Etnográfico. Foi autorizado pelo Prof. Severiano Augusto da Fonseca, director da

Repartição dos Serviços Técnicos de Minas e Industrias. Foi uma publicação regular entre 1895

e 1934, publicada em fascículos mensais. O último é publicado em 1941, pelo Museu

Etnográfico. Agregada em anuários que deu origem aos 30 volumes (29+1) que foram

posteriormente republicados pela INCM (1983) . Destinava a dar conta das noticias das

descobertas arqueológicas em todo o país. O nº 1 contém o programa editorial, que corresponde,

grosso modo ao programa de investigação de Leite de Vasconcelos no seu Museu. Percorrendo

todas as épocas da arqueologia, as notícias dão conta dos achados do programa.

2323 Por exemplo, em 1915, após vários anos de correspondência com Manuel Mendes, Leite de

Vasconcelos efectua uma “Excursão à Estremadura Transtagana”, onde analisa as varias

Ilustração 23- exposição etnográfica

Page 19: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

19 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

do trabalho de excursões do director-fundador.

Vejamos qual era a visão deste museu “Este museu procura reunir elementos materiais

que concorrem para o conhecimento total da vida do homem do nosso solo desde o

alvorecer da idade da pedra até ao presente, tipos físicos, trajos, indústrias, costumes,

crenças, habitações, arranjo doméstico, gosto artístico, folganças; a sobreposição da

civilização pré-romana, romana, visigótica, arábica e posteriores; tudo o que define o

nosso povo” 24

Em 1897 a Academia das Ciência cede o espaço do claustro do Convento de Jesus, onde

passa a integrar a colecção lapidar, e ainda nesse mesmo ano o nome Museu Etnológico

é substituído por Museu Etnográfico. O objectivo é evitar a confusão com o Museu

Etnológico Colonial, da Sociedade de Geografia. A sua missão era “contribuir, pela

exposição permanente dos objectos, respeitantes a todas as épocas da nossa

civilização, desde as mais remotas, para o conhecimento das

nossas origens, vidas e caracteres do povo português” 25

“O Museu Ethnográphico Português, com sede provisória no

Edifício da Academia Real das Sciencias de Lisboa, onde estão

instalados outros estabelecimentos scientíficos, passou por

decreto de 26 de Junho de 1897, a denominar-se Museu

Ethologico Português, denominação que melhor corresponde

ao seu actual, embora modesto e vagaroso, desenvolvimento.

Este Museu tem por fim contribuir, pela exposição permanente

dos objectos respectivos a todas as epochas da nossa

civilização, desde as mais remotas, para o conhecimento das

origens, vida e caracteres do povo português.

Com quanto se procure dar aos objectos certa disposição artística, e haja de se

attender a diversas condições materiais de installação, o que pois principalmente se

deve buscar no Museu é o methodo scientifico de classificação e do arrumo, de modo a

que os objectos fallem, por assim dizer, mais à intelligencia do visitante do que aos

olhos. Não se estanhe por isso se, ao lado de um bello instrumento de sílex, de osso ou

de marfim, se vir um caco, ou ao pé de uma estátua de mármore estiver uma inscripção

partida: é que às vezes só um caco, pela natureza da sua pasta, pela sua superfície

alisada ou tosca, pelo seu bordo, pela sua ornamentação, pode determinar-se uma data

e uma filiação histórica; e só pelo fragmento de uma epigraphe póde resolver se um

problema importante, a situação de um oppidum, a decifração dum texto littertario

obscuro, a restituição duma palavra, ou mesmo duma língua antiga.” P. 1-2

antigualhas. No Louzal identifica o Castelo Velho do Louzal, ma estrutura defensiva na rota dos

minérios. 24

in “Revista Lusitana” Vol III, p 193 25

LEITE DE VASCONCELOS (1915): História do Museu Etnológico Português (1893-1914),

Lisboa, Imprensa Nacional, pag 91

Ilustração 24- fotografias de tipos africanos utilizado por Leite de Vasconcelos

Page 20: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

20 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

(…)“

“Como o Museu conta ainda com muito pouco tempo de existência, e eu trabalho nisto

gratuitamente, não posso, por causa de outros trabalhos officiais, e de da falta de

pessoal que me ajude, a consagrar-me a elle senão nos dias feriados, - as colecções que

o constituem, apesar de nelas terem sido incluídas as que o benemérito Estácio da

Veiga com suprema dedicação e magnifico êxito organizou no Reino do Algarve, não

são por ora tão grandes como eu desejaria. Ainda assim estão já representadas no

Museu Ethnologico Português as seguintes colecções:

A) Antropologia, em relação ao sul

a. Crânios prehistoricos

b. Crânios luso-romanos

c. Crânios luso-wisigothicos

B) Ethnographia, em relação mais ou menos, a todo o país:

a. Prehistorica (muito bem representada)

b. Protohistorica;

c. Luso-romana (muito bem representada)

d. Luso-arabe

e. Portuguesa (antiga e moderna)

Quem quiser estudar, por exemplo, a evolução da cerâmica, pode

fazê-lo, a partir de tempos antiquíssimos, pois o Museu possue muito

vasilhame do período prehistorica, romano, árabe, sem falar de

innumeros fragmentos prehistoricos com a mais variada

ornamentação, e em diversos exemplares do período wisigothico e

português propriamente dito.” (p. 2-3)

De seguida dá conta de outras colecções Elementos de Estudo, como

lhe chama, como ephigraphia, as estelas funerárias ao deus lusitano

Endovellicus, inscrições em língua ibérica em latim, em grego e em árabe.

Ilustração 25 . Mulher africana com trajes rituais

Page 21: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

21 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

“Como órgão do Museu Ethnológico publica-se ora mensalmente, ora bimensalmente,

desde 1895, o Arqueólogo Português (com estampas) que conta já com dois volumes

completos” p. 2-3)26

Este livro é efectuado a propósito de necessidade de transferência do museu. Não está

nesta altura determinado para onde. Falava-se do Arsenal ou das Cortes (São Bento), a

propósito das comemorações do centenário da Índia (1898).“Logo que os trabalhos de

installação do Museu Ethnológico Português o permittam, esta abrir-se-há ao publico.

(…) cooperando assim o museu, pela sua parte, nesta grande festa nacional e

patriótica. (p. 4)

Em 1894 o pano do museu contempla as secções de Arqueologia (dividida em tempos

pré-históricos, Tempos proto-históricos e tempos históricos). Recorde-se que na época a

história era caracterizada pela existência de escrita. A segunda

Divisão, que incluía os Celtas, os Fenícios e os Lusitanos, admitia a

existência de algumas “notícias escritas”, quer em inscrições quer

em autores antigos. O espólio desta Divisão “D” iniciava-se com a

fabricação dos metais (bronze, cobre e ferro). A última divisão “J”

abarcava toda a arqueologia desde a fundação da até ao século

XVIII. A II secção de “Ethonografia”incluíam os objectos de uso

comum, decorativo, de uso religioso, instrumentos de trabalho,

incluindo uma reprodução duma sala alentejana. Por motivos de

ordem museológica (leia-se segurança) foram criadas duas secções

autónomas Numismática (colecção de moedas antigas, gregas,

ibéricas, romanas, visigótica e árabes) e colecção de jóias.

Em 1899, a orgânica do museu deixa a Comissão dos Serviços Geológicos e passa a ser

tutelada pelo Conselho Superior dos Monumentos Nacionais. As duas secções passaram

a três. Com a criação da secção antropologia antiga e moderna., com uma divisão de

Etnografias Colonial Portuguesa (a) e Arqueologia Estrangeira (pré-história europeia e

colecção egípcia) e por falta de espaços impunha-se a transferência do edifício dos

Serviços Geológicos . O Museu imaginado como espelho duma nação deve conter nele

todos os elementos que o compõem, Por isso as três secções correspondem a esse

objectivo, “são partes dum corpo” um projecto ideal da Nação para além do Estado, pela

ligação do presente aos homens do passado, e através do conhecimento dos habitantes

do território pretende criar um forte consciência nacional.

“O Museu é destinado a representar a parte material da vida do povo português, isto é,

tudo a que esse respeito etnicamente nos caracteriza”. 27

26

in VASCONCELOS, José Leite de, (1897) O Museu Ethnológico Português (1883-1897) ,

Lisboa, Imprensa Nacional, . 4 pag.

27 in o Arqueólogo Português Vol XXXIX, p 210

Ilustração 26 – Africano a transportar água

Page 22: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

22 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

Em 21 de Novembro de 1900 é autorizada a transferência para o Mosteiro dos

Jerónimos. É instalado na ala onde estivera o Museu Agrícola. A transferência é

conduzida em 1903. No entanto, a partir de 1901 é autorizada a criação duma biblioteca,

um gabinete fotográfico, um gabinete de desenho e uma oficina de restauro. Fica

dependente da Direcção Geral das Obras Públicas e Minas e o museu continua a crescer

com a incorporação de novos artefactos provenientes de todo a país e das viagens de

Leite de Vasconcelos. A instalação nos Jerónimos é acompanhada por Leite de

Vasconcelos e Félix Alves Pereira, seu colaborador, com uma reformulação do projecto

expositivo segundo uma linha cronológica e etnográfica (I secção) e Geográfico e

temático (II secção). A III secção apresentará (antropologia) será apresentada uma

ordem geográfica (antropologia antiga) e cronológica (antropologia moderna)

Com a implantação da Republica em 1910 passa a depender do Ministério do Interior,

juntamente com os outros museus nacionais, do seu conselho de Arte e Arqueologia.

Nessa época levanta-se uma polémica no parlamento (deputado Eduardo de Almeida). É

nesse período que é organizada uma sindicância à administração de Leite de

Vasconcelos. A publicação da história dos Museus

Etnológico Português é a resposta a esta sindicância28

. O

motivo terá sido uma longa viagem que o director havia

feitos ao Egipto e Médio Oriente, onde tinha feito a

aquisição de vários artefactos. Entretanto em 7 de Junho de

1913 o Museu passa a depender do Conselho de Arte e

Arqueologia, agregado à Faculdade de Letras onde

Vasconcelos era lente desde 1911. Em 1914 são efectuadas

obras de melhoramento no espaço do museu, com ampliação das instalações e em Julho

é publicado o regulamento do Museu onde Leite de Vasconcelos expressa os seus

princípios de museologia

1. Incorporação. Recolha por todo o país de acordo com um plano

a. Critério de Classificação “Ao discernimento e bom senso das pessoas que

superintendem nesses museus deve no entanto ficar a decidir, em caso de

dúvida, para qual dos museus deve ir um objectos” (p. 53) referindo-se à

escolha museu etnografia, arte ou industrias

2. Conservação e Exposição “il est un laboratoire e il est un thèatre” p

53.Museu como livro de estudo

3. Documentação. Leite de Vasconcelos como homem enciclopédico expressa-

se através das publicações. As suas Notas de viagens e notas de estudo é

publicado, as aquisições são noticiadas “jamais coloques no museu um

objecto sem rótulo”, afirma Leite de Vasconcelos.

28

Decorrente da legislação republicana proibiu-se igualmente a acumulação de empregos

públicos (Vasconcelos era igualmente Conservador da Biblioteca Nacional)

Ilustração 27 -Aldeia africana

Page 23: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

23 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

Em 1920 Leite de Vasconcelos inicia a publicação do Boletim de Etnografia,

Publicação do Museu Etnológico Português, por ele dirigida. Saem 5 números29

. No seu

primeiro numero escreve Leite de Vasconcelos “Constando o Museu Ethnologico de

duas secções principais, Arqueologia e etnografia, e tendo, já desde 1895, como órgão

d’aquela o Acheologo Português, terá agora como órgão da segunda secção o presente

boletim, que porém não se circunscreverá nas cousas possuídas pelo museu, mas

tomará mais largo âmbito, como o archeologo faz.” (advertência preliminar),

prosseguindo “O boletim estudará os objectos etnográficos (ergografia e ergologia30

)”.

Assim considera a arqueologia como a etnologia do passado, e o estudo dos objectos

materiais que provêm da tradição, é, por assim dizer, arqueologia do presente.

Em 1929, no nº 4, (pp. 21-31) publica artigo sobre etnografia colonial. Há beira da

reforma era regente da cadeira de arqueologia na Faculdade de Letras e usava o método

de analogia de objectos para explicar os povos pré-históricos associados aos povos

primitivos. Neste artigo tem um referência ao objecto de madeira Sado pelos Macondes

que habitavam no Norte (Niassa).

Em 1922 Leite de Vasconcelos inicia a reformulação do programa, para a integração das

quatro alas do convento, previstas no projecto original de

reconstrução dos Jerónimos. Esse espaço tinha previsto a

ocupação pelo Secção etnológica e para a abertura dum espaço

dedicado à expansão marítima e dos descobrimentos, mais tarde

ocupado pelo Museu de Marinha31

e que não foi concretizado

Em 1929 o programa do museu tinha sido cumprido. As secções

de arqueologia e Etnografia eram as melhores do país, embora a

3ª secção estivesse apenas esboçada. Nesse ano Leite de

Vasconcelos é nomeado director honorário titula que matem até

ao seu falecimento em 1941 e o museu passou a chamar-se

Museu Etnográfico Leite de Vasconcelos32

.

29

nº 1 ,(1920)Lisboa, Imprensa Nacional, 52 p; nº 2 (1923, 60 . p ; nº 3 (1924), 47 p.; nº4,

(1929) 58 p.; nº 5 Lisboa, 1938, 103 paginas, com índice alfabético dos vol 1 a 5. 30

Ergologia e Ergografia - estudo das técnicas de trabalho e descrição das técnicas do trabalho 31

O Museu de Marinha havia sido criado em 1836, pelo rei d. Luíz na dependência da

Secretaria de Estado de Negócios da Marinha, com base nas colecções de produtos exóticos

enviados para Lisboa pelos oficiais cirurgiões da armada. Funcionaria na Sala do Risco. Durante

o século XIX foram reunidos vários elementos considerados exóticos. Em 1863, é anexo à

Escola Naval (no Arsenal). Nessa época foram integrados no espólio vários modelos de navios,

reunidos pela armada desde o século XVIII. Em 1916 foi destruído pelo incêndio que lavrou no

arsenal. Em 1934 é decidida a sua transferência para no edifício dos Jerónimos que só será

concretizada em 1962 (Agosto) Em 1947 é integrada a colecção de miniatura de embarcações e

o museu está instalado no Palácio do Conde Farrobo. Em 1965 o museu abre ao publico

Planetário Calouste Gulbenkian. 32

Como síntese, embora Leite de Vasconcelos tenha tido múltipla actividade, é possível

verificar que as funções de museólogo estavam incluídas na sua prática. Veja-se a propósito

(GONÇALVES, 1954, 55-57). Incorporação, a sua prática de aquisição e compra tornou o seu

Ilustração 28 - Africano com instrumentos de trabalho

Page 24: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

24 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

Foi nomeado director interino Manuel Heleno. Manuel Heleno reforma o plano do

museu. Mantiveram-se as várias secções do museu (biblioteca, oficina de restauro,

gabinete de fotografia, gabinete de desenho. Manuel Heleno inicia no museu um

ambicioso plano de escavações arqueológicas, cujos espólios são enviados para o

museu, criando, na década seguinte um problema de espaço. Daqui resultou igualmente

uma valorização da sua componente arqueológica, que em 1932 é reforçada com a

competência exclusiva para a condução de escavações arqueológicas no país. O objecto

de interesse da arqueologia continuou a incidir nas origens arcaicas do povo português.

A etnologia mercê duma visão sem objectivos ficou secundarizada na actividade do

museu.

Em 1955 Manuel Heleno defendeu a criação duma 4ª secção fundamental através do

desdobramento da secção colonial. Defendia a transformação do “museu do povo

português em museu do mundo português”, conforme refere Irisalva Moita (op.cit

pag.12 )33

. Segundo Irisalva esta descaracterização do museu levaria à integração de

duas correntes culturais distintas e independentes. (a colecção indígena não apresenta

influências europeias), defendendo a manutenção da colecção com as características

dada por Leite de Vasconcelos, “dando porém, grande desenvolvimento, dentro da

secção português os objectivos, às profundas alterações produzidas na raça, costumes e

mentalidades do povo português pelas influências das correntes exóticas, a partir do

século XVI, não esquecendo, porém, que os objectivos ali apresentados devem reflectir

a presença de duas raças em conjugação cultural. As restantes colecções de arte e

etnografia indígena, puras da influência portuguesa, devem estar presentes, no plano,

apenas como secção complementar” (op.cit, pag. 13). Essa ideia será posteriormente

desenvolvida. De acordo com a necessidade de actualizar o discurso museográfico e

museológico. Com uma secção denominada “ Originalidade e Continuidade da Cultura

Portuguesa”.

Voltando à proposta de Irisalva Moita de 1959, e as seu discurso de actualização do

plano do museu propõe agora integrar as originalidades da cultura portuguesa reveladas

pela arqueologia “nos últimos 50 anos”. Segundo Irisalva, que durante a década de 50 se

dedicara ao estudo das cultura pré-históricas, Vasconcelos limitar-se a procurar as

influências castrejas. Havia que recuar nas colecções, com a integração das culturas

museus no maior do país, fora de situ, Conservação e Exposição, a sua política de museu como

um livro que apresenta um discurso sobre a lusitanidade. Em termos expositivos o edifício dos

Jerónimos apresentava diversas dificuldade, nomeadamente as suas amplas janelas por onde

entrava uma luz intensa, dificultava a apresentação das peças. O segundo piso, esconso e com

pouca iluminação também não era mais favorável. “Com tal condicionalismo e estribado no

critério científico e didáctico de apresentação, pode dizer-se que sempre o Museu Etnológico

expos em satisfatórias condições: -um mostruário monumental, pouco atraente pela sobriedade

claustral, nunca espectacular, mas reconfortante para o estudioso da antiguidade lusíada.(op

cit 55). A componente documentação (investigação) fez com que o museu fosse reflexo da

personalidade. Tudo com as devidas anotações, referências. Contudo, aponta-se a crítica da falta

de capacidade de síntese (Orlando Ribeiro . Finalmente a divulgação, feita através das revistas. 33

A mesma observação foi efectuada durante as provas públicas de fim de curso para

conservadores Abril 1958

Page 25: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

25 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

lacustres do vale do Guadiana e as suas evoluções na costa portuguesa, reveladas por

Zbyszewsky a partir de 1940 nos terraços fluviais do Tejo. Integração das influências do

paleolítico superior34

. Em relação ao neolítico, defende a introdução do neo eneolítico

da do estudo das influências megalíticas do sudoeste peninsular. (surgiram assim as

classificações de Dólmenes com câmara rectangular, Dólmenes de câmara poligonal e

sem corredor desenvolvido, Dólmenes de câmara poligonal e corredor desenvolvido,

Galerias cobertas, Monumentos campaniformes do tipo alcacerense, Cistas megalíticas,

procurando um discurso expográfico que defende a continuidade cultural destas

manifestações através da idade do ferro. Perante o desconhecimento sobre as

manifestações sobre o calcolítico, tece algumas considerações sobre a chegas das

influências célticas (século IV) e o florescimento da cultura castreja (século III).

Defende ainda a representação de três zonas. Norte do Tejo e Sul do Tejo, com uma

divisão entre Norte do Douro (casas de planta arredondada) e sul do douro (casas de

planta rectangular), os Castro do Centro Litoral, como representantes da influência

Ibero-mediterrânica. Alem disto defendia também a, dentro e espírito da representação

da originalidade do povo português, a inclusão das representações pictóricas, fenómenos

artísticos à época pouco conhecidos.

Depois o plano prossegue, com a defesa da representação forte dos lusitanos, enquanto

elemento base da formação étnica dos portugueses, província pouco romanizada. Os

vestígios germânicos e árabes são pouco representativos no plano, pois a autora

considera que foram rapidamente absorvidos pela população residente, mais numerosa e

com características culturais mais fortes. Segue com uma leitura da história medieval.

Em relação ao contacto com os “povos exóticos” refere :

“No século XVI, porém, um novo abalo vem ferir profundamente a continuidade

antropológica e cultural do povo português. Os descobrimentos, pondo-nos em

contacto com povos, raças, credos e costumes diferentes, deram origem a uma dupla

influência: a que exercemos sobre populações indígenas, levando-lhes a nossa língua e

a nossa religião e a que recebemos em troca, com a entrada de elementos exóticos que

vieram enriquecer e abastardar o património nacional. Além da miscigenação étnica

processada, não só como meio de adaptação dos portugueses às regiões tropicais, mas

também como única forma de manter o equilíbrio populacional na própria Metrópole,

onde a população diminuía assustadoramente sacrificada nas viagens, a influência na

cultura e na mentalidade portuguesa, principalmente nos meios urbanos, foi sem

dúvida, das mais profundas da nossa história.

Os contactos com os povos do Oriente - persas, Hindus e chinas, habituados a luxos

desconhecidos dos ocidentais, altera profundamente as nossas tradições e modos de

vida. A alimentação é enriquecida com elementos exóticos e tornadas acessíveis as

especiarias, entram no uso comum; a mesma sumptuosidade reflecte-se no vestuário

34

Note-se que a questão dolménica se prende com a especificidade da cultura portuguesa.

Vários autores procuraram alicerçar nestas culturas a origem mítica da nacionalidade (António

Quadros). Outros alicerçaram nesta cultura a vocação de terra de cruzamentos (terra híbrida)

entre o Norte Atlântico e o Sul Mediterrânico (Orlando Ribeiro)

Page 26: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

26 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

onde além de ricos veludos, lhamas e cetins que comprávamos na Flandres e na Itália

com dinheiro das especiarias, banalizavam-se as seda e os brocados orientais, a

população torna-se exigente e rodeia-se de conforto e grande aparato, tornando-se

vulgares nos interiores portugueses do século XVI, os tapetes persas, as colchas da

índia e louças da china.

Depressa os elementos exóticos são assimilados pelos naturais que, por sua vez,

impõem os seus gostos aos artífices indígenas. Desta fusão notável, principalmente no

domínio das Artes, nasce essa interessante corrente artística denominada Arte Indo-

portuguesa, ricamente documentada nas nossas artes decorativas dos séculos XVII e

XVIII (cerâmica, mobiliário, bordados, ourivesaria, etc.) A Influência cultural do Brasil

e da África Negra, devido ao atraso em que se encontravam essas populações, não foi

tão notória, sendo porém profunda a miscigenação racial com elementos das duas

origens. Entretanto, já não referindo as interessantes esculturas, tão representativas da

nossa presença na África Equatorial, no capítulo dos costumes, alguma coisa

aproveitamos do seu contacto: influências na alimentação, certos costumem (uso das

redes de descanso, o costume de trazer para cãs pássaros engaiolados, etc.

A partir do século XVI não mais deixou de se fazer sentir na cultura portuguesa a

influência dos povos que contactamos ou que colonizamos e lentamente algumas das

suas manifestações foram-se introduzindo, arreigando nos costumes, acabando por se

tornar profundamente nacionais; tal como

aconteceu, por exemplo com as colchas de Castelo

Branco, e os tapetes de Arraiolos, estes últimos de

inspiração nítida dos sumptuosos tapetes persas.

(op. cit pag, 28-29)

Nos parágrafos seguintes reflecte sobre a influência

do século XIX, onde segundo a autora as influência

francesas e a cópia do que se faz lá fora se sobrepõe à tradição portuguesas. E termina o

capítulo afirmando “ Não quero chegar ao ponto absurdo de defender o desprezo pelo

que as nações mais civilizadas do que nós têm criado. O progresso não se faz dentro de

muros fechados, mas nasce no entrechoque de várias influências. O valor de cada povo

estará, porém, no modo e força de reagir a essas influências, sabendo adapta-las à sua

sensibilidade, marcando-as com o cunho da sua personalidade, tornando enfim próprio

o que era alheio, sem se deixar arrastar por uma simples imitação passiva” (op.cit,

pag. 30)

De seguida apresenta o plano para a reforma e actualização da linguagem museológica

segundo os critérios das secções de dentro destas segundo um critério cronológico

evolutivo. A novidade é a inclusão do século XVI, com a proposta de introdução da

“corrente exótica” constituídos pelos objectos que transformaram os modos de vida,

tipo tapetes, bordados, cerâmica chinesa, e pela corrente indo-portuguesa e afro-

portuguesa, mobiliário, baús, cerâmica da companhia das índias, estuaria ou produção

nacional com influências doutros povos (tapetes de Arraiolos, colchas)

Ilustração 29 - Aldeia Africana

Page 27: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

27 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

A secção de etnografia não apresenta alteração em relação ao proposto por Leite de

Vasconcelos, tanto mais que entre a arqueologia e a etnografia a separação dos campos

são pouco nítidos. Em relação à última secção, antropologia antiga e moderna, propõe a

representação das ossadas e a explicação das transformações étnicas observada.

Manuel Heleno35

sucede a Leite de Vasconcelos como director em 1929. Ai

permanecerá até 1964. No museu de arqueologia desenvolveu várias actividades de

escavações. Foi uma personalidade polémica no âmbito da arqueologia, gerindo com

muitas cautelas a sua investigação. Apenas os seus alunos tinham conhecimento das

informações científicas de realizava e ficou conhecido por manter as reservas do museu

fora da investigação pública. Não deixou grandes marcas.

Em 1954 quando se realiza o “I congresso Nacional de Arqueologia36

, em Dezembro de

1958, organização patrocinada pelo Instituto de Alta Cultura, e pela Junta de Educação

Nacional, é realizado, em homenagem a Leite de Vasconcelos, Mendes Correia, na

Conferência de abertura salienta o contributo de

“Leite de Vasconcelos, fautor da consciência

nacional”. O congresso foi presidido por Prof.

Pereira Dias da Junta de Educação, a Comissão

de Honra é constituída por Manuel Heleno, da

Faculdade de Letras e director do Museu

Etnológico, o Eng. António Castelo Branco,

Director da comissão dos Serviços Geológicos,

e a sua I secção é dedicada à “Homenagem ao

museólogo Leite de Vasconcelos” e é dirigia

por António Manuel Gonçalves do MNAA.

Curiosamente nos trabalhos da V secção dedicada a “Pré-historia do Ultramar”, foi

Considerando que Leite de Vasconcelos tinha sido o pioneiro da arqueologia

ultramarina. Nessa secção foram apresentados trabalhos de J.R. Santos Júnior,

Arqueologia de Moçambique: o que está feito e o que falta fazer”, Manuel Simões

Alberto com Riqueza Arqueológica da Região Sul do Save – Inventários das Estações

Arqueológicas, Lereno Antunes Barradas “Arqueologia de Manica e Sofala” que

identifica a região como corredor de penetração no continente, Octávio Rosa Oliveira

Achado arqueológico de Raro Valor no território de Manica e Sofala, onde documenta

uma figura em bronze, representando um crocodilo, encontrado junto dos montes

35

Manuel Domingues Heleno Júnior, (1894-1970). Doutorado em Letras, foi Director do Museu

de Arqueologia, professor de arqueologia da Faculdade de Letra, de que foi director: Fundou o

Instituto de Arqueologia, história e Etnologia, integrado no Instituto de alta Cultura, Foi vogal

da Junta Nacional de Educação, do Conselho Nacional dos Museus, académico de número da

Academia Portuguesa de História e do Centro de Estudos Históricos Ultramarinos. 36

MOITA, Irisalva (1959) “-I Congresso Nacional de Arqueologia” in Separata da Revista

Ocidente, Vol LVI pp218-232

Ilustração 30 - Grupo familiar em Africa

Page 28: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

28 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

Siluwe, junto da presumível estradas das palmeiras que ligava as Minas de Manica ao

Egipto . Havia ainda uma Secção X dedicada à Museologia, dirigida por João Couto

director do curso de Conservadores, que funcionava nos três museus nacionais (Arte

Antiga, Arte Contemporânea e Etnologia)

Em 1964 Manuel Heleno é substituído por Fernando Almeida que se mantém director

até 1974. Curiosamente é ainda Manuel Heleno que assina o programa de Instalação do

Museu na Cidade Universitária em Lisboa, que não será construído. Nessa altura

funcionavam nas suas instalações as aulas de arqueologia, os institutos de Arqueologia e

Etnografia e o estágio de conservadores de museus do Instituto de Alta Cultura.. Nesse

programa enumeram-se as salas e secções do museus, que mantêm a estrutura.

O edifício, a construir, englobava cinco salas de entrada, onde seria criado um “prólogo

do museu” com uma explicação da síntese da vida material e psíquica do povo

português (evolução da caça, pesca, pastorícia, agricultura, industrias, transportes

habitação, vida intelectual e artística e religião), depois 4 salas para a Idade da Pedra ( 4

salas), 6 para a idade dos metais, 7 salas para o período lusitano e romano, sala para a

paleo-cristãos e visigodo, sala arábica, sala medieval, e 4 salas para arqueologia

comparada. A secção de Ourivesaria e numismática previa 3 salas. A Etnografia

dispunha de sala para 12 temas , mais duas salas para etnografia insular e ultramarina.

Previa ainda depósitos, colecções de estudo, sala de exposições temporárias, serviços

administrativos, biblioteca e arquivo e serviços técnicos. Um plano que mantêm o

projecto de Leite de Vasconcelos.

Em 1965, o Museu passa a Chamar-se Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia, em

virtude da publicação do Regulamento Geral dos Museus de Arte. História e

Arqueologia. Em 1965 havia sido criado o Museu de Etnologia do Ultramar, que

parcialmente sobrepunha as áreas museográficas. Fernando Almeida adopta as linhas de

pensamento museológico de Leite de Vasconcelos, reajustando a maior pendor

arqueológico de Heleno. É nesta época que são concretizadas algumas incursões do

museu no exterior, conforme o espírito das “concepções nórdicas”, como na época se

chamava aos museus de ar livre. E as peças de etnografia eram as que

melhor se adaptavam a este conceito. Durante este período que foram

introduzidas algumas modernizações nos processos expositivos, no

sentido de conferir alguma interactividade com as colecções e foram

criados os serviços educativos. Fernando de almeida era partidário da

apresentação das peças de arqueologia no seu próprio ambiente,

naquilo que se poderá chamar “princípio da redução ecológica”

(GOUVEIA, 1997: II-90). O assunto da reformulação do museu foi

amplamente discutido na Junta Nacional de Educação, nunca se

tendo concluído, sobretudo na discussão relativa ao modelo do

museu. Universitário ou Nacional).

De 1974 a 1980 o museu entra numa fase de letargia, que é

Ilustração 31 -Desenho de Estatua Maconde em Madeira

Page 29: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

29 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

ultrapassada com reformulação d espaço museológico. A maioria das peças são retiradas

para reservas e as salas passam a ser ocupadas essencialmente por exposições

permanentes. A grande exposição “Portugal, das origens à época romana” marca o

início deste ciclo. Note-se que em 1979 a Faculdade de Letras deixa de ser responsável

por este museu passando a ser tutelado pela Secretaria de Estado da Cultura. A partir de

1989 o museu passa a representar apenas as colecções de arqueologia. Actualmente Luís

Raposo mantêm esta filosofia de actuação e modernização.

1.1.6 Museu Nacional de Etnologia

Foi fundado em 1965, com o nome de Museu Etnológico do

Ultramar, sendo seu director Jorge Dias (1907- 1973). Este museu

é criado como consequência da acção do seu Director e seus

colaboradores37

. Em 1947, em Coimbra, é criado o Centro de

Estudos de Etnologia onde se desenvolvem os estudos pioneiros

de antropologia cultural38

. A morte de Leite de Vasconcelos 1941

havia tinha constituído o fim dum ciclo de estudos sobre a

etnografia do povo português, que se iniciara com a geração

romântica a partir de 1824, com nomes como Almeida Garrett,

João Pedro Ribeiro e Alexandre Herculano), se prolongara com

Teófilo Braga (1843-1924), Adolfo Coelho (1847-

1919),Consiglieri Pedroso (1851-1910) e Carolina Michaelis de

Vasconcelos (1951-1925). Tinha sido uma geração que havia

sobretudo efectuado a recolha de tradições da cultura popular39

. E dentro desta geração,

Leite Vasconcelos tinha sido o que havia convertido o projecto de recolha da tradição

num discurso museológico.

Em termos de museologia do discurso etnográfico, Jorge Dias no Bosquejo de História

da Etnografia Portuguesa, faz o balanço das instituições museológicas existentes.

37

Entre os quais se salientam, Ernesto Veiga de Oliveira (1910- 198 ) Nasceu no Porto e

formou-se em Direito (1932) e Histórico-filosóficas (1944) na Universidade de Coimbra. Em

1932 encontra-se com Jorge Dias e inicia uma colaboração que dura uma vida. Foi subdirector

do Museu de Etnologia entre 1965 e 1973, e seu director entre 1973 a 1980. Desenvolveu vários

trabalhos, nomeadamente “Apontamentos sobre museologia: museus etnológicos lições dadas

no museu de etnologia do Ultramar, Lisboa, JIU, 1971.

Jorge Galhano e Margot Dias, Benjamim Pereira. 3838

Em Bosquejos Históricos da Etnografia Portuguesa, Coimbra, Casa do Castelo Editora,

1952, Jorge Dias descreve o contexto da apresentação da proposta de museu. Depois de

descrever a questão do contacto cultural pela gesta marítima, escreve “A influência das culturas

exóticas sobre os portugueses, as maneiras como conseguiram adaptar-se a situações novas e

as suas relações com povos além-mar com quem travaram relações – tudo isto oferece ao

antropólogo um campo de investigação extraordinário. Neste conjunto serve a cultura de

Portugal, por assim dizer, como constante, enquanto que os meios físicos diferentes e as

culturas indígenas, ao tratar-se da adaptabilidade e estabilidade da cultura portuguesa entre

1500 e 1950, servem de variável”.(op cit 26) 39

Dias distingue aqui o campo da etnologia como espaço da cultura popular, que emerge no

romantismo como reacção à cultura erudita do Aufklarüng (iluminismo)

Ilustração 32 – Capa do folheto do MN Etonologia

Page 30: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

30 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

Aborda o Museu de Etnologia de Belém, dirigido por Manuel Heleno, que mal grado o

excelente trabalho de recolha etnográfica, não consegue representar condignamente.

Depois aborda o Museu de Arte Popular, ligado ao Secretariado de Propaganda

Nacional40

, que não tinha propósitos científicos na sua fundação.

A criação do Centro Estudos de Etnologia Peninsular em 1945, tendo como director

Mendes Correia inseria-se numa tentativa de integrar os estudos no âmbito da

internacionalização e ultrapassar a questão nacional. Recorde-se que em Coimbra havia

sido criada uma secção de Antropologia no Museu de Etnografia e História da

Universidade de Coimbra. O livro onde Jorge Dias relata esta situação apresenta várias

fotografias dos espaços museológicos, onde se pode observar os principais objectos

expostos, dentro duma tradição clássica. Note-se, que a maioria dos objectos era oriunda

do Continente português Aliás o texto apresenta um

resumo alargado de todos os museus regionais, de

componente etnográfica, que segundo Jorge Dias se

devem ao labor incasável de Leite de Vasconcelos como

divulgador da êtnos lusitana. Nesta época ainda a

questão da museologia de objectos coloniais não era

referenciada. É provável, que a partir da crescente

visibilidade do tema nas questões da UNESCO, e se

tivesse iniciado as reflexões sobre esses assuntos.

Sabemos que em 1956 Jorge Dias é convidado pelo

Instituto de Estudos Ultramarinos, para ir para Lisboa, integrar a Missão de Estudos das

Minorias Étnicas no Ultramar Português. Jorge Dias mantêm-se nesta comissão durante

cinco anos, durante a qual chefia a missão que irá elaborar o estudo antropológico “Os

Macondes de Moçambique”41

. Entre 1957 e 1962 foi professor de Antropologia

Cultural na Faculdade de Letras de Lisboa, e em 1965 conclui o seu Doutoramento em

Etnologia, o primeiro dessa especialidade.

Entretanto em 1963 havia é criado o Centro de Estudos de Antropologia Cultural, em

Lisboa onde conduz com os seus colaboradores m conjunto de intervenções, estudos e

trabalhos que levaram a criação da recolha de várias colecções de objectos africanos,

então localizados na sede do Centro de Estudos ao Príncipe Real, em Lisboa.

Paralelamente com esta colecção havia igualmente outras colecções reunidas desde

meados dos anos 40, na então Junta de Missões Geográficas de Investigações Coloniais,

que tinha por objectivo viram a integrar um futuro museu42

. Estas duas colecções vão

constituir o espólio inicial do Museu de Etnologia, criado em 1965.

Os objectos recolhidos por Jorge Dias e sua Mulher durante a sua missão em

Moçambique são publicamente apresentados em Lisboa em 1963. Essa exposição

constituiu o programa do museu, ao qual se juntam posteriormente outros elementos.

40

Ver Tese de Mestrado na Lusófona. 41

Juntamente com Margot Dias e Manuel Viegas Guerreiro. 42

(GOUVEIA, op.cit, 103)

Ilustração 33 - Plano do Museu

Page 31: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

31 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

Note-se que aqui a questão da etnologia africana não era a questão essencial. Na época

discutia-se muito a questão de se fazer um museu do Império. Um museu que mostrasse

a grandeza da Portugalidade. Esta tensão que conduziu à formação do museu, tensão

entre a visão antropológica da cultura e a visão política da portugalidade levou a que a

vocação do museus, durante bastante tempo ficasse associado à política colonial do

Estado Novo, malgrado, outras visões menos colonialistas, nomeadamente as de Veiga

de Oliveira, que conviviam no Museu. Aliás Veiga de Oliveira, sempre privilegiou nos

seus estudos a antropologia cultural do povo português.

Note-se que aqui Jorge Dias terá aproveitado uma vontade política para concretizar um

museu, que na época, mal grado a questão da sua ideologia, transportava, em termos de

museologia alguma inovação. Jorge Dias tinha uma concepção de MUSEU como

laboratório de trabalho. Lá deveriam estar instalados a biblioteca, o arquivo, tudo o que

era necessário ao seu mister. Na concepção do Museu reivindicou, e conseguiu, uma

grande centralidade para o espaço de exposições temporárias, que na sua estratégia

inicial deu grande visibilidade ao museu, tendo sido um dos

pioneiros em Portugal da prática regular de exposições

temporárias. Em 1968, num artigo no diário de Lisboa “um

museu sem prateleiras” (7MAR1968) Jorge Dias comenta

uma exposição organizada em França por Georges Henri

Riviere “objects domestiques dês provinces de France” onde

comenta a impressão que lhe causou a apresentação de

objectos em que se conciliava a vertente científica (ordenação

por funções das estruturas sociais e dos géneros de vida” com

o aspecto estéticos, com os objectos dispostos em quadros

funcionais dentro de amplas prateleiras, sem vitrinas,

iluminadas de mofo a produzirem-se “efeitos curiosos de luz

e sombra que muito os valorizam”. Este modo de expor que

seria “importado” e continua a ser uma das características do processo expositivo do

Museu. Aliás, em 1957, quando o ICOM apresenta a ideia de criação de museus ao ar

livre, Jorge Dias verá aí uma oportunidade para a criação dum museu. Uma ideia que se

manterá ao longo dos anos.

Em 1967 realizou-se uma exposição sobre a alfaia agrícola portuguesa, que levou a uma

profunda reformulação dos processos expositivos no Museu, que foi amplamente

discutida com Veiga de Oliveira . Jorge Dias em 1969 fez uma viagem durante um ano

à Amazónia, onde recolhe a colecção de objectos da vida material que ainda pode ser

visitada. Com as constantes ausências do director, as questões museológica são

essencialmente tratadas por Veiga de Oliveira.

Veiga de Oliveira em “Apontamento sobre a Museologia” (OLIVEiRA,1971) apresenta

o manual de formação para museólogos antropólogos. Depois duma descrição sobre a

museologia e de uma explicação sobre o surgimento dos museus etnográficos no mundo

“por outro lado essa industrialização e expansão colonialista destroem as culturas locais

Ilustração 34 -Capa de Livro de Jorge Dias

Page 32: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

32 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

tradicionais, nacionais ou exóticas (…) estas circunstâncias estão na base da formação

dos primeiros museus e secções de etnografia” (op.cit. 22).

De seguida Veiga de Oliveira descreve o surgimento das colecções etnográfica em

Portugal, onde descreve as várias colecções que há notícia até á criação da Sociedade de

Geografia e do Museu de Leite de Vasconcelos, “o museu do Povo Português”, que

segundo o autor alargavas o objecto da etnografia ao povo português e não se limitava

aos objectos exóticos. Depois é descrita a concepção museológica de Jorge Dias, em

que o Museu de Etnologia é considerado como um museu de cultura geral, aberto à

“representação de todas as culturas”.

Em relação ao tratamento da Arte e estilos Africanos, entre as paginas 70 e 91, Veiga de

Oliveira faz uma resenha da emergência da sua interpretação pela cultura ocidental:

“logo que acordou o interesse pelas culturas chamada primitivas e que se iniciou o

estudo do homem a quem elas correspondem, surgiu o problema do significado e

natureza do fenómeno artístico nessas culturas – a arte primitiva (ou mesmo arte Negra,

como de entrada se lhe chamou” (op.cit ,70). E prossegue mais adiante: “O problema da

arte primitiva pode ser abordado de dois pontos de vista principais: o do etnógrafo, que

explica e se interessa pelos objectos na medida em que eles estão em relação com a

sociedade donde provêm, e para quem portanto a arte é um elemento dum conjunto

cultural e o do artista ou amador de arte, que aprecia as qualidades artísticas do objecto

em si mesmas, e encara este como a obra única de um génio humano; o objecto

proporciona-lhe uma emoção ou estímulo estético que, para ele constitui o seu

significado verdadeira e fundamental, abstraindo deliberadamente ou ignorando mesmo

totalmente o contexto cultural onde esse objecto foi criado e donde emana” (op.cit. 71).

Depois desta distinção considera que, do seu ponto de vista, os povos africanos não

utilizam a arte for razões estéticas (segundo grupo) a arte, e essencialmente pensa-se nas

mascaras em madeira, vale pelo seu significado ritual e é produzida em função de

códigos culturais muito específicos dentro do contexto da reprodução cultural da

comunidade. Mas há outras formas de arte, não matérias: a música, os adornos

corporais, as pinturas rupestres, os objectos de adorno pessoal. Se a escultura em

madeira é a forma mais expressiva da arte africana é fundamentalmente pela sua função

de representação social. Depois refere outro tipos de objectos, que podem surgir em

diversas áreas culturais, objectos de pedra e metálicos. Aborda ainda a questão da

tradição oral, “África é uma tradição feita sistema, o pulsar duma sociedade, mais do

que um indivíduo, a expressão dum drama colectivo, uma linguagem sagrada, um ritual

plástico, formulas mágico-religiosas para se viver e sobreviver, utensílios do

sobrenatural; a sua função é a de valor utensílio, um instrumento de magia, de

organização social, de memorial de uma cosmogonia africana” (op.cit , 74)

Reflecte depois sobre a forma de organização social das comunidades africanas , dos

ritos e das formas, das danças e das cerimónias , dos tipos de materiais que se

encontram, das personagens, dos curandeiros e dos xamãs, das iniciações e da morte.

Page 33: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

33 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

Sobre os aspectos da composição da estatuária, refere também algumas técnicas de

trabalho: “os escultores negros tê aparentemente sempre presente o espírito da

composição total da obra, trabalham o conjunto inteiro ao mesmo tempo por estádios

sucessivos” (op.cit, 88) A estética africana não é visual ou proporcional, mas de

significado ou de forma (op.cit 89). Por outro lado, a estatuária têm, regra geral um

elevado grau de estaticismo. O objecto contempla os seres vivos. “A arte africana é

estática. Ignora a realidade”, e têm como propósito reafirmar a ordem criada por Deus,

para quem essa realidade só tem sentido na medida em que se conforma com essa

realidade”.A representação do fragmento de vida que foge, o sopro dos deuses, do

minuto irrepetível não tem lugar na arte africana. Portanto a arte em África não é um

deleite. A margem de invenção do artista é baixa. Ou seja, concluindo, Veiga de

Oliveira reafirma que em África a Arte nada têm de primitivo. É uma arte de elevada

capacidade conceptual, “perfeitamente laborada em plena posse dos seus meios, que

exprime o mundo mental complexo dos seus autores” (op.cit 91). Termina com a

conclusão que a sua representação museus deve ser encarada como “toda a pureza na

fundura dos sentimentos que traduz, e que vai ao encontro dos valores espirituais do

Homem. “A mensagem da arte negra é afinal, mais uma vez, a mensagem do Homem.”

(op.cit 91)

Após a morte de Jorge Dias e em plena Direcção de Veiga de Oliveira e com a

democratização do país, e consequente descolonização, O Museu ultrapassa o seu

estigma “colonial” e centra-se na sua especialidade de antropologia cultural43

.

O seu espólio africano, nomeadamente a sua

colecção de mascaras (recolhidas por Jorge Dias),

tornam-se um importante activo expográfico. Já

dentro duma museologia pós-colonial são

apresentadas várias mostras no Museu (1977), na

Fundação Gulbenkian (1983). Com a direcção de

Veiga de Oliveira o museu conheceu um período

de algum dinamismo, essencialmente foi uma

escola de museologia para antropólogos, que

entretanto começam a ser formados nas

universidades portuguesas. Ainda em 1973, o Museu passa a depender do Instituto

Superior de Trabalho e Empresas.

A direcção de Margot Dias, viúva de Jorge Dias, não apresentou novidades de relvo.

Depois de durante alguns anos o acervo africano ter sido permanente, está hoje nas

reservas. Actualmente é seu director Pais de Brito.

43

Em 1973 é feita A Exposição Povos e Culturas no Museu de Etnologia do Ultramar, Separata

da Revista de Etnologia Nº 31 – Museu de Etnografia e História, Junta Distrital do Porto,

exposição essa que é reposta em 1979

Ilustração 35 - Aspecto da exposição de mascaras africanas

Page 34: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

34 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

Na nossa visita solicitamos acesso á colecção de Arte africana, o que por razões

burocráticas não foi possível. Do conjunto expositivo, visitamos com guia a colecção da

amazónia, constituído por um conjunto de objectos da cultura material recolhidos por

Jorge Dias. A colecção está conservada em ambiente controlado (humidade,

temperatura, e luz). É uma colecção interessante que com a ajuda da guia, especializada,

é passível de descodificação. Todas as colecções expostas no 1º piso (salas de

exposição) são temporárias. Observamos uma colecção de peças de cerâmica com o

temo da “construção do inventário” com indicações sobre as formas de elaboração dum

inventário comparativo duma colecção de cerâmica, e uma sala com uma exposição

sobre a “mulher no oriente” a partir de representações pictóricas em tecidos (saris e

tapeçaria). A exposição resultou dum estudo feito no ISCTE sobre o tema e combinava

objectos com instalações visuais e sons.

Globalmente verifica-se que este museu é um museu agarrado à produção antropológica

universitária. Situado numa zona nobre da cidade mas com pouca visibilidade e não

verificamos nenhuma interacção com o território envolvente.

Page 35: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

35 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

2 Análise Crítica e Transversal dos Temas Abordados

2.1 O lugar da herança africana nos museus

lisboetas

Expo 98 a marca dum tempo da reconstrução duma cidade. Uma

cidade transformada em Parque dito das Nações. A nossa viagem

pela cidade continua. Onde está a memória de África nesta cidade

reconstruída. Há flora nos Jardins Garcia da Orta, (deveria ser

escrito Horta, pois os seus conterrâneos deveriam vê-lo

diligentemente em volta da dita a ponto de lhe darem o cognome).

Há réplicas de girafas e elefantes por entre as Palmeiras da zona

Sul. No Largo das Bicas, em calçada portuguesa “Kanimambo”, e

um pedestal em cimento, vazio. E uma cidade nova sem museu. É certo que esteve aqui

para ser reinstalado o Museu dos Coches, cuja instalação

falhou porque o restauro indispensável não se

compadecia com os tempos apressados do planeamento.

Kanimambo. Há um museu, de noto tipo, chamado

Pavilhão do Conhecimento. Ciência interactiva e

tecnologia. Há o oceanário. Segundo a lista de definição

da Unesco entra na classe dos museus, embora o cartão

do ICOM não dê desconto. A exposição era para

celebrar os oceanos. A ligação da humanidade. O

mundo global. Kanimambo.

A viagem é o processo que liga. No século XVIII as gentes endinheiradas faziam o seu

“grand tour”. Itália era o destino. A busca das ruínas da civilização clássica. O ideal

clássico da imagem única, perfeita na forma, intemporal. Sem espaço e sem tempo. Essa

narrativa no entanto confronta-se com o maravilhoso, com o outro. Com a descoberta da

diversidade. Das gentes, dos rostos, das comidas, das vestes, dos lugares. Quem vai

relata, descreve. Quanto mais exótico mais êxito têm. O desejo de viajar no tempo e no

espaço instala-se. A procura de chinesices, de móveis lacados, de outros gostos.

Kanimambo!

A busca da diversidade, da consciência da

diferença abala a racionalidade organizada das

teologias. No norte da Europa mais abertas, do

que no sul, mais teatrais e mais ritualizadas. O

Iluminismo, a luz é uma revelação sobre novos

princípios de organização social. Fora da

teologia, porque o homem naturalizara-se. Era

necessária uma nova filosofia natural para

estabelecer as bases dum novo ordenamento. As

Ilustração 36 –Girafa no Passeio de Ulisses

Ilustração 37- Inscrição no Largo das Bicas – Parque das Nações

Ilustração 38 - Base para peça escultórica

Page 36: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

36 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

viagens que traziam a diferença também serviam para os enciclopedistas integrarem e

racionalizarem os novos conhecimentos. Não se pense que este discurso sobre a viagem

seja para justificar as causas da evolução do pensamento. Recordemo-nos que falamos

da viagem como um processo de descoberta museológico. Um processo de

comunicação. Um indivíduo sai do ponto A para o ponto B, e quando regressa o ponto é

já um A’, porque A contém também B. Por sua vez, B passou a ser B’, porque também

contem A. Kanimambo!

Ou seja como diz o poeta44

, o que nos interessa é o processo de como um corpo adquire

sempre novas qualidades. O movimento de A para B, o confronto com B, o processo de

transformação quando (A e B) se juntam, e a memória de quando se separam (A’ e B’).

A museologia concebida como um processo de comunicação, comprometida com a

comunidade, agarra este processo de formação

de memória para a partir dele projectar o

futuro. Tem consciência do ponto de partida,

que é ele próprio chegada de outros pontos,

procura clarificar a narrativa do processo, para

na consciência do presente alavancar a

construção do futuro. Enquanto ciência de

acção mobiliza a memória para a reconstruir,

conscientemente. Memória activa portanto,

metodologia crítica como instrumento.

A viagem pelos museus e pelas memórias de

África em Lisboa, alocando as leituras da museologia paulista serviu-nos para quê e

parque o que é que isto nos é útil para a construção da nossa tese. Com referimos atrás o

objectivo é fazer uma leitura a partir duma grelha de análise.

Essa grelha que construímos, sem ser exaustiva permitiu-nos

algumas reflexões críticas.

Kanimambo significa encontro/amizade em Swaheli (ou

Suaíli) . Ora isto levanta-nos, por analogia à nossa pesquisa

as seguintes questões. A questão para além de não haver

estátua no pedestal, (não há objectos) o encontro amizade

celebra o quê? A nós europeus por os termos “civilizado”, a

eles africanos; de nós europeus para eles africanos “por se

terem deixado colonizar ou por nos terem trazido a

africanidade. Sem o objecto, a estátua não podemos interpretar. Só questionar.

Embora Afro esteja na moda. Músicas do Mundo são festivais de boa música. Não dão

enchente, mas é um negócio seguro. Sines fá-lo vinte anos. Lisboa, nas festas da cidade

44

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,/ muda-se o ser, muda-se a confiança; /todo o

mundo é composto de mudança/ tomando sempre novas qualidades “(Luís Vaz da Camões

(Líricas )Lisboa, Sá da Costa, 1979, pag 49

Ilustração 39 - Conjunto escultórico incompleto: Estétua, Mesa e Parque infantis

Ilustração 40 - Cartaz de Discoteca africana

Page 37: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

37 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

em 1992, introduziu o tema num dos palcos, salvo erro o do campo das cebolas

simbolicamente à frente da Casa dos Bicos. África está nas comidas. O Frango da Guia

emigrou de Angola, merchandificou-se em qualquer centro comercial. O som de África

é quente e sedutor para as noites lisboetas. Organizam-se Jogos da Lusofonia, Festivais

Universitários de Lusofonia. Mas onde está África nos Museus?

Por exemplo, na recentemente inaugurada exposição “Portugal e o Mundo” (16 de

Julho de 2009) no Museu Nacional de Arte Antiga, percorremo-la a observar onde e

como estava representada África e os Africanos. Encontramos objectos: os saleiros em

marfim da Costa do Marfim, as estátuas de madeira do Benim, o escudo de madeira do

Congo. No catálogo mais algumas referências. Exposição espectáculo para encher o

olho e para mostrar o pioneirismo da globalização.

Uma leitura, descontextualizada. Sem pessoas, sem

sentimentos, sem vida mais largado que aqueles

objectos, órfãos mostram. A guia, aborrecida e

insensível às twiners bocejantes em férias, abordava

cada peça detalhando um profundo saber. Uma hora

sobre o painel de Nuno Gonçalves. A admiração por

uma geração. Compreende-se. Mas o quadro tem

pouco do mundo que os portugueses fizeram. É um retrato duma geração, estranha

representação. Então porquê uma hora aborrecer pessoas. Quando ler o livro de visitas,

há-de ter o desgosto de verificar que as primeiras observações serão das jovens que

perpetuaram o seu desassossego em palavras de protesto.45

É certo que o catálogo

expressa a vergonhosa aventura negreira. Mas na exposição não está lá nada. E teria

sido fácil construir um espectacular espaço com grilhetas e correntes. Não houve

intenção de mostrar. É uma opção justificável, tanto

quarto de significativo. Foi uma aventura branda, sem

conflitos, que nos trouxe prosperidade. Antes era-se

mais altruísta e justificava-se que tínhamos uma

missão de civilizar. Agora nota-se todo o nosso

egoísmo societário.

Conclusão desta questão, África está presente,

subliminarmente. Politicamente correcta nos

catálogos, rudimentarmente nos objectos, na intenção

dos objectos. A cronologia do tempo é uma viagem

que parte do século XV em África e termina no século XVII, no Oriente, sem esquecer

o exotismo das plumas e das madeiras do Brasil. Revela a descoberta dum outro,

excêntrico, e não como é que o outro interagiu. É uma exposição clássica sem rostos e

45

Confesso a minha mediação no processo. As jovens eram colegas da minha filha, que me

auxiliou na visita. E enquanto nós voamos através da exposição numa hora, as moças olhavam

angustiadas a nossa liberdade, amarradas que estavam ao objecto e ao saber. Duvido que tenham

saudades. A minha filha adorou. Continua a fazer perguntas sobre aquele mundo fascinante que

descobriu. Exótico. A viagem dela continuou para além do momento. As amigas não viajaram.

Ilustração 41 - Imagens dos Africanos

Ilustração 42 - Casa de Moçambique no Portugal dos Pequeninos em Coimbra

Page 38: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

38 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

sem emoções. É certo que a exposição é comissariada por uma equipa vasta, na maioria

anglo-saxões. Mas parece-nos que o conceito gerador é integrar a cultura portuguesa no

mundo dos ricos, A tese do pioneirismo histórico continua a marcar o pensamento. Num

mundo global nós fomos os primeiros. Nós somos globais há mais séculos. Mas será

que isso corresponde a uma tendência geral dos museus da capital.

Vimos os casos dos vários museus, da arqueologia, de arte e etnologia. São museus

herdeiros da tradição clássica do Museu como espaço da Nação. Assim África é

etnologia. Mesmo quando se pensava no museu do Império a herança africana é ainda o

exótico. Nunca é uma reflexão interna daquilo que somos. Mais ainda 35 anos após a

descolonização, o discurso não interiorizou a herança

africana46

.

Bem, ao escrever deste modo ate parece que há uma

obrigação do discurso identitário assumir a herança

africana. Não existe essa obrigação. Os museus nacionais

que visitamos são gerados noutros tempos. Noutras eras que

projectavam a nação num passado romântico-medieval de

Possidónio da Silva, Lusitano da Leite de Vasconcelos,

Antropológico comparativo de Jorge Dias e de Veiga de

Oliveira. Na sociedade de Geografia, o heroísmo e o

exotismo conviviam na gesta da descoberta do outro, do

território do outro e dos objectos do outro. Não era o outro

que era revelado. Nas artes nacionais África eram as

madeiras no museu de arte antiga. É certo que o termo “arte” para objectos africanos era

recusado. A arte, tal como era concebida na época, era um elemento da civilização.

Selvagens não têm expressão artística.

Vai ser necessário esperar pelo modernismo português, nos diálogos culturais com as

vanguardas França e da Europa para a arte africana emergir como objecto de expressão

estética. Por isso é significativa a Exposição de Arte Indígena Portuguesa, realizada no

Museu do Chiado em 193447

.

46

A Biblioteca -Museu Republica e Resistência têm promovido algumas iniciativas neste

domínio. Muito marcadas pela memória da guerra. Por exemplo, os retornados, os espoliados,

as gentes que apanhadas nas armadilhas da história saíram, apressadamente dos territórios

africanos e regressaram ao continente, que a maioria não conhecia sequer, só agora começam a

escrever as suas memórias. Foram, tanto quanto se sabe 500.000 cidadãos. Em lado nenhum se

falou dessa memória. É chato que este discurso seja de direita. Mas essa gente têm memórias e a

sua vinda de África foi uma lufada de ar fresco na cinzenta sociedade caetanista. Mesmo que em

euforia revolucionária de cravo ao peito e cooperativa formada e comissão de moradores

reivindicativa. Não há memória institucionalizada. Será um sinal do afastamento do museu da

realidade? Ou será que a realidade não cabe no museu? 47

Não pretendemos com isto afirmar que este é um momento fundador. Não fizemos nenhuma

pesquisa que nos permita afirmar que a partir daqui as coisas foram diferentes. O que nós

colocamos é que nesta exposição o objecto africano á apresentado de forma racional, e não

como exótico. Não sabemos quando isso aconteceu. O que afirmamos apenas é que este modo

Ilustração 43- Ilustração de Almada Negreiros para exposição em 1934

Page 39: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

39 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

A questão da exigência duma Arte Negra era então colocada por Diogo de Macedo:

“Acreditam numa arte negra – passe o barbarismo linguístico – no senso plástico e na

espontaneidade criadora de uma arte gentílica”48

. Macedo reconhece que ela representa

uma visão do africano, do seu cosmos. Não se filia na herança clássica, mas reconhece

que é arte. Há no entanto uma valoração quando diz “ela vive ainda na idade pura da

alma humana” (op cit 2) Este estatuto de primitividade no entanto prevê que ela cresça.

“assistirão ainda os vindouros – no movimento sucessivo do progresso desta arte, na

acção transformadora do seu fundo religioso – ao nascimento da futura Vénus

Equatorial, surgindo da policromada concha, cinzelada do mundo dos silêncios da alma

negra, sob o doce embalo do rumor de pétalas de flores exóticas, na madrugada de

ébano do tormentoso continente negro? “(op cit).

São sem dúvidas baseada em juízos de

valor que não reconhece a plenitude do

objecto. Ao estabelecer a classificação de

primitiva e ao considerar que a sua

evolução natural, permitirá, no quadro da

civilização (que naturalmente os

europeus lhe levarão) ascender a um

estatuto de maioridade. “Cumpre, aos

homens de pensamento e de cultura,

incitá-la, ajuda-la, observando-a, estudando-a por um elevado e imparcial critério de

arte.” (op cit ,3) .

O objectivo da exposição, ao recolher várias peças que se

encontravam dispersas por várias colecções, publica e privadas, era

mostrar os méritos plásticos49

das colecções. Ao revelar a arte

indígena, ao revelar a capacidade de criação das populações dos

territórios estavam, no pensamento do autor, a revelar a afirmação

dos povos “sob a égide lusitana” que forma um vasto e rico

património. É portanto um discurso motivado por um pensamento

colonial. Mas dele emerge a individualidade. É certo que ao colocar a

paternidade na lusitanidade entra em contradição com a valoração

primitiva que antes lhe havia atribuído. Mas apesar de tudo, ao

abordar a sua identidade está a assumir a consciência estética,

portanto a conferir autonomia, que nos museus de etnologia não

tinham.

de apresentação é diferente do que se fazia até ao momento. E ao revelar a arte revela-se

também a humanidade. 48

MONTALVOR, Diogo de Macedo (1934): Arte Indígena Portuguesa, Lisboa, Museu

Nacional de Arte Contemporânea, pag, 1 49

A exposição terá decorrido após um conjunto de artigos sobre arte africana que Domingos de

Macedo publicou, na época no boletim “O Mundo Português”.

Ilustração 44- Paça de escultura da exposição de 1934

Ilustração 45 - Paça Escultura africana

Page 40: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

40 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

A curiosidade do discurso está também nas influências da sua inspiração. Ao longo do

texto surgem bastas referências à crítica de arte francesa. A autores que em França se

dedicam ao estudo da arte africana. A influência pela análise estética vem portanto

destas leituras do universo da arte, sobre o qual é colocado o discurso colonial e

nacionalista. Por exemplo, ao abordar as críticas de André Damaison50

que afirmava, a

propósito das máscaras dos pescadores das ilhas Bijagós51

que esta influencia teria sido

para lá levada pelos marinheiros portugueses, e que isso seria uma reelaboração das

imagens fantásticas das proas dos navios e dos objectos trazidos do Oriente. Sobre isto

afirma Diogo de Macedo:

“ Mas que essa arte de cá tenha sido levada é um erro: primeiro porque todos os povos

têm os dons instintivos de arte, e os de África tanto ou mais dos que os outros. Depois

se algumas reminiscências têm, são do Egipto, trazidas pelas emigrações árabes, que

bateram parte da Costa Ocidental; além disso pouco espírito das civilizações orientais

se topa nas populações da Senagâmbia, embora apareça noutras províncias africanas;

e acresce ainda, que as resoluções técnicas da composição são contrárias à nossa arte

de velhas eras, em que a singeleza, embora barbara de aspecto, era profundamente

espiritual, o que não se vislumbra na escultura de ali.” (op.cit ,8)

Esta análise, para além de exaustiva e rigorosa, porque se preocupa com várias níveis de

argumentação desmontando-os com sapiência, mobilizando a racionalidade, não deixa

de reflectir um debata que se fazia, ao tempo na sociedade. O de

conferir a capacidade artística às culturas africanas. Recorde-se a

propósito que nos antigos debates que legitimavam a escravatura, era

precisamente a identificação, por parte da igreja, se os povos africanos

tinham alma. O estatuto de alma era o conferia a direito da

humanidade. A sua não existência aproximava-os da animalidade,

legitimando portanto a condição de escravo52

. Ora o reconhecimento

da capacidade das culturas africanas, dos africanos indígenas

produzirem arte, uma arte que brota da sua essência, significa o

reconhecimento duma identidade. Uma identidade que a ideologia

colonial recusa, porque a legitimação do seu domínio sobre o outro se

baseia na recusa do seu reconhecimento e na afirmação do acto

civilizador, o acto de fazer elevar o homem à sua condição de

membro da humanidade. Se ele tiver arte, porquê a necessidade de o

civilizar?

Voltando ao trabalho de Diogo de Macedo, para justificar plenamente a exposição,

depois de ter desmontado os argumentos sobre “a condição artística” remata,

socorrendo-se mais uma vez do crítico de arte francês: “l’ art africain possède dês

qualitès plastiques, ornamentales et picturales justifian pour lui un range apurés dês arts

50

Crítico de Arte. O autor não refere a fonte. 51

No museu Afro-Brasil existe uma colecção destas máscaras 52

Vejam-se os trabalhos de Isabel Castro Henriques, Pássaro de Mel, Lisboa, Edições Colibri,

2003

Page 41: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

41 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

universeles” (op cit, 9)53

. E com estas palavras remata “Só por si, esta afirmativa saída

da pena de tão sábia competência justifica a publicação do presente volume, visto nós,

em Portugal, ainda o não termos reconhecido claramente, apesar de possuirmos

magníficas colecções, mas às quais ainda não pudemos dar a sua devida importância,

organizando-as num ordenado Museu, para que os incrédulos abdiquem do seu

negativismo doentio.” (op cit).

O autor prossegue o seu ensaio com varias reflexões sobre a estética da “arte primitiva”,

a sua grandiosidade devido à sua simplicidade, á sua proximidade em relação à emoção

mais simples, desprovida de intenções comerciais. Por exemplo a certa altura escreve

sobre as condições de produção dos vários objectos. Por exemplo, em relação à

colecção de mascaras revela o seu contexto de uso e significado, que demonstra uma

capacidade de leitura do objecto e do seu contexto de produção com um “olhar

antropológico”. Refere igualmente os debates

entre os pintores de vanguarda, sobre a

identidade da arte negra.54

, o modo de como os

objectos africanos passaram de exóticos a

objectos de arte. Explora

ainda a diversidade regional

dos objectos. Por exemplo a

propósito dos Macondes de Moçambique diz: “

Os Macondes, que furam os beiços e as narina

para lhe introduzirem rodelas ou angreis de

madeira, assim como os Macuas do Niassa e de

Inhambane, tatuados a fogo, da nuca até ao umbigo, fatalmente produzem uma arte mais

vigorosa e inculta do que os negros de Lourenço Marques, onde a civilização lhes

simplificou o gosto, tornando mais decorativas todas as suas concepções” (op cit 22).

53

Mais uma vez a citação não apresenta a fonte. 54

Recorde-se que Picasso, Matisse e Modigliani exploraram a estética africana no âmbito dos

seus estudos e trabalhos pictóricos

Ilustração 46Escultura africana

Ilustração 47 -Representação de Moçambique na Exposição colonial em 1934

Page 42: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

42 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

Mais à frente, a propósito dos objectos de Moçambique vai reconhecer outras

influências culturais que marca a produção de objectos, acabando por reconhecer

implicitamente que a arte não é só”primitiva”. “Antes de ali chegar a civilização

portuguesa (…) também a Ásia lá levou as suas fortes

influências, em vários períodos de invasão, deixando

hábitos nos negros e amostras de gosto exuberante, que

explicam certos costumes que aos europeus tanto

pasmos ainda causam. “(in idem) E depois explica o

maravilhoso deste contacto. Até aí, a sua reflexão tinha-

se cingido aos objectos de madeira “A arte gentílica de

que até aqui nos têm ocupado, (…) pode dizer-se que

pertence à idade da madeira. A sua catedral A sua

razão, a sua oficina e é a floresta”.(op. cit 23). Reconhece que em certas condições são

utilizados outros materiais. N país dos Gibini o bronze (saliente-se a importância do

trabalho com os metais que implica domínio tecnológico). Das estatuetas de Marfim do

Benim (que o autor salienta a influencia portuguesa por via da Índia), a propósito dos

altos-relevos da Nigéria diz a certa altura “Em Portugal só conhecemos os da sociedade

de Geografia que o Estado devia adquirir para expos no museu das Janela

Verdes.”(op.cit. 23)

Não vamos prosseguir análise desde discurso, não que não tenha interesse, mas apenas

porque no âmbito deste nosso pequeno exercício, já dispomos dos

elementos que necessitamos para concluir. Para lá das questões e

preconceitos sobre a “arte negra”, é indubitável que aqui se opera

uma transformação no modo de apresentação do objecto africano.

Até aqui ele surge em contexto duma museologia etnológica, como

um exemplo de curiosidade sobre povos primitivos e exóticos. Uma

memória dum passado também idêntico ao nosso, estando implícito

que existe uma linha evolucionista da primitivo para a civilização.

Para além disso, todos os objectos são colocados museu como

troféus, como saque, como memórias de viagens por europeus. Os

produtores desses objectos não são chamados à musealização55

. A

sua entrada nos museus de arte representa uma autonomia em

relação ao exótico que permite que o objecto possa ser admirado como expressão da

criação. Por outro lado, esse objecto, enquanto objecto de arte, num museu permite

também que ele se constitua como uma Janela para o contexto cultural da comunidade

que o produziu, por uma operação de contextualização.

55

Eu sei que ainda não havia “nova museologia”, e provavelmente os objectos etnológicos das

culturas camponesas europeias arcaicas, nos museus da época, também não são mediados pela

comunidade. No entanto não me parece incorrecta esta observação, na medida em que ele retrata

um modo de expor, em que o que é relevante é a diferença e não a identidade do objecto. Não há

a preocupação de incorporar o contexto social e cultural. Essa “técnica” é uma aquisição

consciente da museologia contemporânea

Ilustração 48 - "Pretas da Guiné" com seios descobertos, Exposição Colonial 1934

Ilustração 49 - Fotografia de Mãe africana, apresentasda por Leite de Vasconcelos

Page 43: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

43 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

É essa operação que irá permitir a modernização do discurso expográfico

no museu de Etnologia anos mais tarde. É essa consciência do outro que

permite Veiga de Oliveira expressar a busca da estética e da representação

dessa estética.

De Leite de Vasconcelos e da sua secção colonial no Museu Nacional de

Etnologia, que como vimos acima nunca foi desenvolvida, em 1929

escrevia seguintes palavras no Boletim de Etnografia. “Quando Regi, na

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, a cadeira de Arqueologia,

costumava às vezes, para explicar objectos pré-históricos ou proto-

históricos, mostrar objectos similares usados por selvagens, ou

reproduções: método etnográfico. Adiante se publicam algumas destas”

(Boletim de Etnografia, nº 4, 1929, p 21),

Trinta anos Depois Jorge Dias e Veiga de Oliveira organizam no então Museu de

Etnologia do Ultramar, uma exposição sobre os Macondes (1959). Objectos esses que

em 1968 integrarão a Exposição de Escultura Africana 56

, mais tarde, já em 1985

rotulada “Escultura Africana em Portugal” 57

. E ainda mais

tarde, em 1992 a Exposição África coordenada por Jill

Dias e patrocinada pela Comissão Nacional dos

Descobrimentos Portugueses58

, são os mesmos objectos

que viajam no tempo.

São olhares e discursos expográficos ainda herdeiros do

objecto e da sua condição colonial. Há sem dúvida uma

modernização do processo expositivo. Há sem dúvida uma

intenção reforçada de contextualizar os objectos. A

tentativa de abordar os objectos com novos olhares. Mas

será que esses objectos são apresentados como nossos,

apropriados pela comunidade, ou ainda são objectos dos

outros.

Mas parece-nos que a museologia da cidade ainda não produziu um processo

museológico sobre a sua herança africana. Nem no campo da arte, nem no campo da

história, nem no campo da antropologia. A Existe uma incapacidade dos museólogos de

incorporarem a diferença. Não estamos a reconhecer a herança africana, não estamos a

mobilizar essa herança para o desenvolvimento da nossa cidade. E aqui, pensamos, que

a museologia, a sociomuseologia tem um campo para trabalhar em ambiente urbano.

56

Escultura Africana no Museu de Etnologia do Ultramar Lisboa, Junta de Investigação do

Ultramar, 1968. 57

Escultura Africana em Portugal, Lisboa, Museus e Etnologia do Instituto de Investigação

Científica Tropical, 1985 58

África – Exposição no Museu Nacional de Etnologia, Lisboa, Comissão Nacional para as

Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1992

Ilustração 50 - Icone Maconde em desenho de Leite de Vasconcelos

Ilustração 51 - Escultura Maconde em Madeira do Museu de Etnologia, recolhida por Jorge Dias

Page 44: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

44 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

Cegados aqui, mesmo perante as insuficiências do discurso demonstrativo, porque este

não é o objectivo do trabalho, somos obrigados a

concluir que, sendo a museologia uma ciência de

acção, sendo um museólogo um mediador de

processos de desenvolvimento da comunidade, não

poderia deixar de concluir que esta constatação, da não

resolução da herança africana se deveria desenvolver

como um processo museológico em contexto urbano.

Que nele deveriam ser mobilizadas as comunidades

africanas, as memórias africanas. As memórias dos

africanos e dos europeus. Não como uma exposição exuberante, que poderia também

ser, mas um museu ao serviço da comunidade, alocando essa memória para desenvolver

a herança e satisfazer as necessidades da comunidade urbana. Essa seriam um tema para

outro trabalho.

Ilustração 52 - Imagens dos Africanos pelos Portugueses, publicado por Alfredo Margarido

Page 45: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

45 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

3 Resultados Provisórios do Roteiro

Aqui chegados importa concluir provisoriamente este roteiro. Passamos em revista os

vários módulos. Digitalizamos os nossos apontamentos, incorporamos os vários

materiais distribuídos ao longo dos seminários e trabalhamos sobre a bibliografia

distribuída. Fizemo-lo em relação a cada módulo atribuindo a cada professor uma

individualidade. Não que essa organização modular tenha algum significado específico,

mas porque nos parece relevante trabalhar cada um dos professores a partir do seu

contributo para a museologia. Sabemos que isso não esgota a teoria museológica, nem a

sua diversidade. Parece-nos contudo que foi um exercício necessário para interiorizar

um conjunto de conceitos operatórios que irão ser mobilizados para o nosso trabalho.

Temos consciência que não fizemos nesse capítulo a síntese. Foi mais uma análise que

nos serviu para alavancar a síntese juntamente com as leituras

complementares. Temos consciência da nossa subversão à

estrutura do relatório. Mas como é um relatório curricular,

consideramos que era importante mostrar este nosso percurso.

De seguida mobilizamos as memórias das nossas viagens e

fizemos uma síntese dos utensílios metodológicos e conceptuais

aplicados. Considerando a museologia como uma ciência aplicada,

penso que a reflexão teórica tem que ser exercida em diálogo sobre

os processos museológicos. Assim procuramos construir uma

grelha de análise da presença do outro no âmbito de dois conjuntos

de processos museológicos. Um sobre os museus paulistas, outro

sobre os museus de Lisboa.

Não foi um processo de análise pela análise, mas sim um exercício de interrogação com

os olhos postos na nossa tese, a questionar como observamos o “lugar do outro no

museu”. As leituras que procuramos imprimir foram a de uma dinâmica de viagem,

onde à medida que vamos criando registos vamos fazendo as suas leituras. Estas leituras

são dialógicas, poderíamos dizer mesmo trialógicas. Registamos (a partir da

interrogação inicial), Reflectimos (mobilizamos a teoria e dialogamos com os teóricos)

e Relemos (re-interrogamos –como mobilizamos isto para criar cultura juntamente com

os outros ?) Essa vai constituir a nota da acção metodológica que vamos imprimir na

nossa tese. Isto é um relatório dum processo que terminamos a perguntar onde está a

herança africana nos museus de Lisboa.

Voltando às conclusões deste trabalho, não procuramos tanto fazer a história de cada

instituição, mas sim tentar compreender, dentro da cada instituição o lugar da herança

africana, o contexto da sua produção, os modos de incorporação dos objectos, o

inventário desses objectos. Paralelamente visitamos os sítios, falamos com pessoas, uns

responsáveis, outros funcionários. Viajamos umas vezes sozinhos, outras vezes

acompanhados. Umas vezes com adultos, outras com os meus filhos. Vale a pena aqui

Ilustração 53 - Capa de Publicação da CML em 2009- Peças da colecção doo Escultor José de Guimarães

Page 46: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

46 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

prestar tributo a Mário Chagas e ao Chapeuzinho Negro da formatura do seu filho. Este

olhar do outro que na sua simplicidade nos ajuda a entender o essencial do “outro como

heterónimo”.

Este exercício sobre os museus da cidade foi sendo construído ao longo deste processo.

Temos que prestar aqui tributo a Marcelo Cunha e ao exercício prático que propôs e que

nos fez interrogar o Museu da Cidade. Já prestamos tributo a Cristina Bruno e as suas

propostas de viagens museológica. E já agora a Mário Moutinho e à sua preocupação

coma Função Social e ao Museu como entidade prestadora de serviços. Essa Leitura

permitiu equacionar a interrogação sobre o serviço destes nossos museus urbanos á

comunidade. Maria Célia, e às suas propostas de educação

museológica como processos de comunicação e participação

comunitária levou-os a interrogar os serviços educativos, as

suas propostas e a reflectir sobre que possibilidades existem

de desenvolver acções em cada local em função de cada

comunidade. A Regina Abreu e Pierre Maryland ficamos

também tributários dos seus trabalhos sobre a sistematização

da construção da identidade e sobre a subversão como atitude

crítica.

Por fim a contribuição de Judite Primo com as suas análises

sobre as políticas culturais, emerge também o contributo para

uma reflexão sobre o local dou outro em contexto museológico, na desmontagem dos

discursos e na formulação duma metodologia activa de busca das identidades a partir da

comunidade. Mas essa é uma linha de reflexão mais conclusiva, a partir da qual se irá

construir um percurso teórico e conceptual na nossa tese, e por isso lá voltaremos, com

a consciência de que aqui ainda não chegamos lá. Mas o que fizemos, com o contributo

dessa abordagem serviu-nos para efectuar a análise crítica e transversal dos temas

abordados.

Essa viagem levou-nos a algumas constatações sobre a forma de evolução do lugar da

herança africana na narrativa museológica dos museus que visitamos. Não procuramos

com isso construir uma tese, mas sim instrumentos de trabalho. Os dados que

apresentamos não são por isso dados conclusivos, embora me parecem legítimos,

porque resultaram duma metodologia científica, rudimentar é certo, mas dentro dessa

rudeza do trabalho permite vislumbrar uma realidade e uma janela de oportunidade para

a acção museológica. A nossa proposta não é naturalmente para levar a sério, pelo

menos sem que o exercício científico seja efectuado de forma mais rigorosa e exaustiva.

Mas para os nossos objectivos, de criação duma grelha de análise pensamos que

resultou.

Paramos onde devíamos estar a começar. A partir daqui é necessário reformular a nossa

problemática e repensar as nossas metodologias. O trabalho que se segue é portanto

reformular o roteiro metodológico. Reconstrui-lo para partir.

Ilustração 54 - Capa da publicação de Isabel Castro Henriques, 2009

Page 47: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

47 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

Esta nossa viagem, neste momento é uma viagem experimental. O objecto de análise e

projecto museológico não são realizados sobre estes objectos. Nem tão pouco estes

serão os das metodologias. Mas é a partir de aqui que as vamos construir. Aqui

procuramos apenas testar instrumentos de análise da presença do outro numa cultura, e

de que forma essa cultura os incorporou. A tese vai trabalhar sobre contextos e

comunidades diferentes.

Portanto com outros instrumentos e outras

contribuições. A abordagem teórica terá que ser

reconstruída em função disso. No terreno, confrontando

a teoria com o real, olhando os museus africanos,

interrogando-os sobre a sua função social, olhando nos

rostos das gentes, perguntando-lhes pelas suas

memórias, olhando para as suas heranças, para os

modos de sociabilidade, procurando perceber como se

foram hibridizando. PERGUNTANDO-LHES SE ME

ACEITAM COMO MEDIADOR DUM PROCESSO

MUSEOLÓGICO E TRABALHANDO COM ELES PARA CONSTRIR UM FUTURO

DELES E MEU. Para isso terei que fazer outras viagens e mobilizar mais leituras,

outros saberes e mais técnicas.

Ilustração 55 - Kanimbanbo- um encontro por consciencializar na cultura portuguesa

Page 48: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

48 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

6. BIBLIOGRAFIA DE REFERENCIA

1. BRUNO, Cristina (1997), Museologia e Museus – aspectos, problemas e

métodos, in Cadernos de sócio-museologia, nº 10.

2. BRUNO, Cristina (2004), “As expedições no Cenário Museal” in Expedição

são Paulo 450 anso, São Paulo, Museu da Cidade de São Paulo, pp 36-47

3. CANCLINI, Nestor Garcia (2008), Cuturas Hibridas – Estratégias para entrar

e sair da modernidade, São Paulo, Ed SUP, 395 p

4. CHOAY, Francoise, (1982/2008), A alegoria do Património, Lisboa, Edições

70, 306 p

5. FOUCAUL, Michel ( 1969), L’ archeologie du savoir , Paris, Gallimard, 288 p

6. MALRAUX, André, (1965/2000), O Museu Imaginário, Lisboa, Edições 70,

247p

7. MINISTÉRIO DA CULTURA DE MOÇAMBIQUE /CNPCIM (2001), V

Encontro de Museus de Países e Comunidade de Língua Portuguesa – Maputo

18-24 SET200, 294 p.

8. PRIMO, Judite Santos (1999) Museologia e Patrimónios – Documentos

Fundamentais, Cadernos de Sociomuseologia, nº 15 , Lisboa, ULHT..

9. PRIMO, Judite Santos (2007), A Museologia e as Políticas Culturais

Europeias: O Caso Português. Porto, Universidade Portucalense, 404 p.

10. ALMEIDA, Miguel Vale (2008) “Da diferença e da desigualdade – luzes da

experiencia etnográfica”, in A Urgência da Teoria, Lisboa, Fundação Calouste

Gulbenkian – Tinta-da-china, pp 78-107

11. HENRQUES, Isabel de Castro (2003) Pássaro de Mel, Lisboa, Colibri, 244 p.

12. MARTINEZ, Francisco Larma (1989), O Povo Macua e a sua Cultura, Lisboa

ME/IICT, 320 p.

13. MOÇAMBIQUE – Secretaria de Estado da Cultura (1985), Ilha de

Moçambique - Relatório, Maputo, SEC, 222 pag.

14. ROQUE, Ana Cristina (1999), “A ilha de Moçambique como Porto de Escala da

Carreira da Índia” in Os Espaços do Império, Lisboa Comissão Nacional dos

Descobrimentos Portugueses. 236,p. CANCLINI, Nestor Garcia (2008) Culturas

Hibridas, São Paulo, Ed Univrsidade de São Paulo, 385 p.

15. BAHABHA, Homi (2007) O Local da Cultura, Belo Horizonte, Editora da

UFMG, 386, p

16. BARRINGER, Tim e FLYNN, Tom ed, (1998) Colonialism and the Object:

empire, material culture and museum, London .New York, Routledge, 224 p

17. GUERRA, Isabel C. (2007) Fundamentos e Processos de Uma sociologia de

Acção, Oeiras, Princípia, 253 p

18. RICOEUR, Paul, A memória, a história o equecimentos, Campinas, Editora

UNICAMO, 535

19. GOUTHIER, Benoît (2003), Investigação Social. Da problemática à colheita

de dados, Loures, Lusociência, 549 p.

Page 49: Heranaças Africanas nos Museus de Lisboa

Relatório de Avaliação Curricular

Julho de 2009

49 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA

20. COSTA, Alda (2005) Arte e e Museus em Moçambique: Entre a construção

da nação e o mundo sem fronteiras (c. 1932-2000), Lisboa, Tese de

Doutoramento em História da Arte, Faculdade de Letras de Lisboa, 4104p. 1º

Volume (com bibliografia) 2ºVolme Anexos com recortes de imprensa

biografias sintéticas de artistas.

21. APPADURAI, Arjum (2004) : Dimensões Culturais da Globalização, Lisboa,

Teorema, 2004, 304 p.