hegel - ciência da lógica

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Ciência da Lógica - Hegel Círculo de círculos: a Ciência da Lógica, como ciência do pensamento na forma abstrata do pensar, anuncia o desenvolvimento posterior do sistema em seus domínios específicos, os outros círculos, segundo a célebre visão hegeliana da filosofia como um círculo de círculos. “Cada uma das partes da filosofia é um todo filosófico, um círculo que se fecha sobre si mesmo, mas a idéia filosófica está ali em uma particular determinidade ou elemento. O círculo singular, por ser em si totalidade, rompe também a barreira de seu elemento e funda uma esfera ulterior. Por conseguinte, o todo se apresenta como um círculo de círculos, cada um dos quais é um momento necessário, de modo que o sistema de seus elementos próprios constitui a idéia completa, que igualmente aparece em cada elemento singular”. Ciência da Lógica e Fenomenologia do Espírito: → Quando Hegel projetou escrever a primeira obra, como se sabe, 3 pensava inicialmente apresentar uma parte do seu sistema que consistiria em uma introdução seguida pela sua lógica e sua metafísica, no decurso da redação a “introdução ao sistema” transforma-se na Fenomenologia do espírito, que passa a ser designada como “a primeira parte do sistema da Ciência”. Ainda que a relação teórica definitiva entre a Fenomenologia... e a Ciência da Lógica permaneça discutível(para o próprio Hegel, dado que da Fenomenologia do Espírito entendida como pressuposto para a compreensão da Ciência da Lógica, pois, já na enciclopédia de Heidelberg, a Fenomenologia como introdução à ciência desaparece e, embora mantenha o nome, a Fenomenologia é aplicada a uma divisão do espírito subjetivo. Por isto, segundo Fulda para compreender a mudança feita por Hegel em relação ao lugar da fenomenologia, só é possível com a ajuda de um desenvolvimento histórico do próprio pensamento hegeliano.), é possível dizer, em vários sentidos, que a Fenomenologia... prepara a Ciência da Lógica, sendo assim, em certo sentido, o substrato “material” da ciência especulativa. Realmente, ao término da Fenomenologia..., quando supera-se a oscilação entre a verdade objetiva externa e a certeza subjetiva que seria sem verdade, suprime-se a diferença entre a forma objetiva da verdade e a verdade do Eu que sabe, atinge-se o saber absoluto que justamente é o resultado da Fenomenologia..., resultado que permite a transição para o saber puramente espe- culativo, a ciência pura liberta de toda contingência, a lógica dialética, domínio propriamente da ciência suprema, região que Platão chamara nóesis, território an- hypotético no qual ocorreu a anairésis (supressão ou superação, Aufhebung ) de todas as hypo-teses anteriores. → Labarrière (1968) considera que a Fenomenologia tem uma unidade interna que a torna completa, uma coerência que é um movimento. Nesta primeira obra dedicada ao estudo da Fenomenologia, o autor investiga os paralelismos internos da obra, tendo em mente esta velha questão de saber se esta é uma introdução ao sistema ou a primeira parte do mesmo. Defende a tese da unidade da Fenomenologia, principalmente em face do sistema tardio da Enciclopédia. Contudo, no confronto entre a Lógica e a Fenomenologia, a considera como uma introdução e como a primeira parte do sistema, que também apresenta, de modo concentrado, a antecipação do mesmo. Em sua mais recente obra dedicada à Fenomenologia, Labarrière (2002) volta a discutir o lugar que ela ocupa no sistema hegeliano e sustenta a tese de que é 1

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Page 1: Hegel - Ciência da Lógica

Ciência da Lógica - HegelCírculo de círculos: a Ciência da Lógica, como ciência do pensamento na forma abstrata do pensar, anuncia o desenvolvimento posterior do sistema em seus domínios específicos, os outros círculos, segundo a célebre visão hegeliana da filosofia como um círculo de círculos. “Cada uma das partes da filosofia é um todo filosófico, um círculo que se fecha sobre si mesmo, mas a idéia filosófica está ali em uma particular determinidade ou elemento. O círculo singular, por ser em si totalidade, rompe também a barreira de seu elemento e funda uma esfera ulterior. Por conseguinte, o todo se apresenta como um círculo de círculos, cada um dos quais é um momento necessário, de modo que o sistema de seus elementos próprios constitui a idéia completa, que igualmente aparece em cada elemento singular”.

Ciência da Lógica e Fenomenologia do Espírito:→ Quando Hegel projetou escrever a primeira obra, como se sabe, 3 pensava inicialmente apresentar uma parte do seu sistema que consistiria em uma introdução seguida pela sua lógica e sua metafísica, no decurso da redação a “introdução ao sistema” transforma-se na Fenomenologia do espírito, que passa a ser designada como “a primeira parte do sistema da Ciência”. Ainda que a relação teórica definitiva entre a Fenomenologia... e a Ciência da Lógica permaneça discutível(para o próprio Hegel, dado que da Fenomenologia do Espírito entendida como pressuposto para a compreensão da Ciência da Lógica, pois, já na enciclopédia de Heidelberg, a Fenomenologia como introdução à ciência desaparece e, embora mantenha o nome, a Fenomenologia é aplicada a uma divisão do espírito subjetivo. Por isto, segundo Fulda para compreender a mudança feita por Hegel em relação ao lugar da fenomenologia, só é possível com a ajuda de um desenvolvimento histórico do próprio pensamento hegeliano.), é possível dizer, em vários sentidos, que a Fenomenologia... prepara a Ciência da Lógica, sendo assim, em certo sentido, o substrato “material” da ciência especulativa. Realmente, ao término da Fenomenologia..., quando supera-se a oscilação entre a verdade objetiva externa e a certeza subjetiva que seria sem verdade, suprime-se a diferença entre a forma objetiva da verdade e a verdade do Eu que sabe, atinge-se o saber absoluto que justamente é o resultado da Fenomenologia..., resultado que permite a transição para o saber puramente espe- culativo, a ciência pura liberta de toda contingência, a lógica dialética, domínio propriamente da ciência suprema, região que Platão chamara nóesis, território an- hypotético no qual ocorreu a anairésis (supressão ou superação, Aufhebung ) de todas as hypo-teses anteriores.→ Labarrière (1968) considera que a Fenomenologia tem uma unidade interna que a torna completa, uma coerência que é um movimento. Nesta primeira obra dedicada ao estudo da Fenomenologia, o autor investiga os paralelismos internos da obra, tendo em mente esta velha questão de saber se esta é uma introdução ao sistema ou a primeira parte do mesmo. Defende a tese da unidade da Fenomenologia, principalmente em face do sistema tardio da Enciclopédia. Contudo, no confronto entre a Lógica e a Fenomenologia, a considera como uma introdução e como a primeira parte do sistema, que também apresenta, de modo concentrado, a antecipação do mesmo. Em sua mais recente obra dedicada à Fenomenologia, Labarrière (2002) volta a discutir o lugar que ela ocupa no sistema hegeliano e sustenta a tese de que é

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uma introdução científica ao sistema da ciência, ao mesmo tempo em que mostra que a Lógica constitui o mais profundo da consciência como sistema da razão. Apóia-se em uma nota redigida por Hegel em 1831, pouco antes de sua morte, onde se encontra um esboço de uma nova versão da Fenomenologia em que estaria trabalhando. Hegel não estaria somente empenhado em reescrever a Lógica, paralelamente empreendia a reescrita da Fenomenologia.

Lógica e Ontologia→ Hegel afirma que a sua lógica objetiva é uma ontologia (WdL I, p. 61), uma totalidade cujo objeto é o absoluto. A lógica objetiva (Doutrina do Ser e Doutrina da Essência) ocupa o lugar da ontologia na antiga metafísica, que pretendia mostrar a natureza do ser em geral, mas de um modo apenas imediato. Além disso, também observa que o seu conteúdo corresponderia à lógica transcendental kantiana (WdL I, p. 59), uma vez que esta trata dos conceitos que se referem, a priori, aos objetos e é diferenciada, pelo próprio Kant, da lógica geral. Todavia, a lógica objetiva em si mesma compreende também as outras partes da antiga metafísica na medida em que trata do pensar puro em substratos particulares: a alma, o mundo e Deus, que são objetos, respectivamente, de uma psicologia, uma cosmologia e uma teologia racionais. No entanto, embora Hegel divirja da posição kantiana, também critica as formulações da antiga metafísica9. O que pretende, é investigar as categorias do pensamento que permitem pensar a totalidade, o que só será possível a partir de um pensamento também absoluto. No entanto, não se trata de um sujeito (a consciência) que apreende este objeto (o absoluto), mas trata-se da apreensão e exposição do movimento absoluto em sua unidade originária. Deste modo, a relação que a Lógica estabelece não é a relação de um sujeito estranho ao objeto que busca apreendê-lo, no sentido fenomenológico do conhecer, mas a de um conceito ou sujeito que constitui o seu próprio objeto e que só chega a sua verdade ao final do percurso. A idéia absoluta é o conhecimento que o pensamento absoluto tem de si mesmo enquanto ser-pensado, enquanto autoconsciência. O homem continua sendo um ser finito, mas o pensamento que pode produzir contém uma dimensão maior que ele próprio. As categorias da Lógica procuram mostrar o percurso de construção e auto-exposição do absoluto a partir das categorias infinitas do pensar.→ A Ciência da Lógica não pode ser tomada como um método cujas categorias seriam aplicadas, posteriormente, à totalidade do sistema. Nas demais esferas há somente uma ampliação destas categorias. A Lógica põe a totalidade do mundo com o conceito de Idéia Absoluta e, portanto, todo o sistema está implícito nela. Porém, os desdobramentos do espírito obedecem às determinações próprias da sua matéria, que é o seu objeto específico. Todavia, Hegel fez o acabamento da Filosofia e tomou todas as esferas do saber a partir do seu olhar retrospectivo, mas não fez nenhuma afirmação para o futuro, apenas mostrou a verdade absoluta a partir da verdade do seu tempo. A questão é que o nosso autor não seria tão ingênuo de dizer que a filosofia morria ali, ou a história, ou a religião, ou a arte etc. Como fica então o pensamento destas esferas para um mundo que se constitui de um modo distinto do mundo de Hegel? Se a lógica não pode ser alterada, se esta coloca em-si (em sua estrutura categorial) a totalidade do mundo, então o que se apresenta depois dela nada mais é do que a repetição de alguma forma estrutural já posta, ou a repetição das categorias que ali já se encontram. Contudo, é preciso salientar que, em Hegel, a idéia não pode ser confundida com uma pura Forma sem conteúdo, mas muito mais com o Eidos aristotélico. A idéia absoluta é “a

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unidade da idéia subjetiva e objetiva” (E I, § 236). Portanto, há uma interdependência entre o conceito e a objetividade para produzir a idéia. Com isso, Hegel crê ter revelado o que é o verdadeiro, visto que o que surgir depois dele será a efetivação, por um lado, e o aprimoramento, por outro, do que ele já é em-si, “o fim último do mundo tanto é realizado, como se realiza eternamente” (E I, § 234 Z) e a dialética é este verdadeiro. Ela implica, necessariamente, no movimento e, por isso, não se pode pensar em acabamento, em algo estático e fixado para sempre. Se pensarmos na espiral dialética, poderíamos dizer que a descoberta ou revelação hegeliana nada mais é do que a percepção desta intersecção de conceito e mundo dentro de uma estruturação categorial-dialética, onde o método está de tal modo imbricado com o conteúdo que é, ele mesmo, “o conceito do conteúdo”.→ A pretensão deste objeto categorial, ou objeto conceitual, é a demonstração de que aquilo que é, só é enquanto conceito, ou seja, tudo o que apreendemos, enquanto objeto de conhecimento ou objeto para nós, já é conceito. Para o nosso modo de ser, enquanto ser pensante e discursivo, o mundo é desde sempre conceito e, por isso, o que existe é o conceito. Por isso, também, a terceira e última parte da Lógica Objetiva é a Efetividade, o momento de explicitação e diferenciação entre o contingente e o necessário, o real e o efetivo. Nela, o fenômeno compenetrado de reflexão aparece como totalidade verdadeira. Somente aquilo dotado de determinações conceituais é necessário e, portanto, efetivo. O resto permanece no plano da contingência e inefetividade, o que Hegel denomina de Realität. Assim, não há uma dicotomia entre mundo e pensamento, ou entre ser e conceito. Este é o verdadeiro sentido de uma lógica ontológica. Dessa forma, este pensamento só pode ser adequadamente compreendido a partir do absoluto.

O absoluto é sujeitoCharles Taylor, em sua obra sobre Hegel, também se preocupa em esclarecer alguns conceitos fundamentais, tais como ‘sujeito’ e ‘absoluto’, que se contrapõem numa relação de interdependência. Considera que o sujeito só pode ser explicado, em termos hegelianos, se o pensarmos como vida, ou como sujeito vivo constituído de corpo e de alma. Conseqüentemente, o autor nos oferece uma compreensão orgânica do sujeito de Hegel, que se opõe radicalmente à substância pensante de Descartes e ao Eu transcendental de Kant e que “rompe com todo o dualismo que se tornara preponderante na filosofia”. Assim, diz Taylor: “A concepção de Hegel baseia-se na teoria expressivista, desenvolvida por Herder e outros. Como vimos, ela resgatou categorias aristotélicas nas quais vemos o sujeito, o homem, como realizando uma determinada forma; mas também acrescentou uma nova dimensão, na medida em que vê esta forma realizada como a expressão, no sentido de elucidação, do que é o sujeito, algo que não poderia ser conhecido antecipadamente. É o casamento entre estes dois modelos, da forma aristotélica e da expressão moderna, que nos capacita a falar aqui de auto-realização.Esta concepção de sujeito supera o dualismo porque não admite uma separação intransponível entre a vida e a consciência. Enquanto no dualismo as funções vitais são relegadas ao mundo da matéria, e as funções da mente pertencem a uma entidade separada, em Hegel as coisas vivas constituem um todo unitário e inseparável, não podendo ser compreendidas como partes concatenadas e justapostas. Por isso, a racionalidade, no sujeito humano, não é um simples

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elemento acrescido ao animal, para transformá-lo em um animal diferente, muito pelo contrário, o sujeito tem que ser compreendido como uma unidade totalmente única e diferenciada, na qual a presença da consciência reflexiva tudo transforma. Portanto, o mundo humano é o mundo de um ser dotado de consciência, cujos desejos, instintos e sensações não podem ser isolados e entendidos de um modo estritamente mecânico e biológico, mas são elementos resultantes e constituídos por essa unidade, e, assim, são, desde sempre, perpassados pela consciência e racionalidade.” Todavia, Taylor salienta que a concepção de Hegel é diferente da formulação de Herder, justamente pela inclusão do resultado do idealismo kantiano: o conceito de consciência, que, num certo sentido, nega a vida, pois a racionalidade para obter clareza tem que isolar a natureza e separar-se dela. Conseqüentemente, a consciência racional se divide, opõe-se a si mesma, e se torna objeto de si mesma. Neste sentido, a consciência é bipolar, já que requer, para pensar-se, a distinção entre sujeito e objeto dentro de si mesma.Quanto ao absoluto, Taylor filia a concepção de Hegel ao romantismo alemão e suas várias correntes herdeiras de Espinoza29, embora saliente que Hegel não é um romântico. Todavia, o autor pretende defender a tese de que Hegel concordava com seus contemporâneos românticos ao tentar “combinar a mais plena autonomia racional com a maior unidade expressiva”. Contudo, o que os separou foi a ênfase hegeliana de buscar esta síntese por meio da razão, e não por meio do sentimento ou da intuição. Taylor pensa este absoluto como um princípio que se apresenta em todas as coisas, tanto no mundo finito da natureza, quanto no mundo finito do sujeito, denominando-o de espírito cósmico, ainda que o veículo mais apropriado para este espírito seja o homem, porque o sujeito racional é a expressão finita da razão infinita que se manifesta na consciência. Tal concepção, para Taylor, é a única que pode proporcionar a base de unificação do espírito finito com o espírito infinito, sem comprometer a liberdade da vontade. Assim, “Para Hegel o absoluto é sujeito. O que está subjacente e se manifesta em toda realidade, o que para Espinoza era “substância” e, para aqueles inspirados no Sturm und Drang, passou a ser visto como uma vida divina fluindo em tudo, Hegel entendia como espírito. Como salienta Muller: “O que Hegel chamará de absoluto nada mais é do que a auto-apresentação e a auto-reprodução da razão graças ao conhecimento especulativo que ela adquire de si mesma no “pensamento livre”, i. e, no processo pelo qual o puro pensamento se determina a si mesmo. O absoluto é, assim, o processo do auto-esclarecimento exaustivo e da auto- legitimação radical da razão através desse pensamento que se desenvolve em direção à sua determinação completa enquanto idéia” .Contudo o absoluto, como sujeito, não pode ser confundido com a forma simples do sujeito predicativo, pois neste caso, além de permanecer imóvel, ele é vazio. Hegel exemplifica com a expressão: “Deus é o eterno”, neste caso, o verdadeiro (Deus) é posto diretamente, sem incluir o movimento da reflexão, aquilo que faz realmente o absoluto tornar-se sujeito. Por isso, este exemplo tem o intuito de mostrar que a palavra ‘Deus’, que exerce a função de sujeito da proposição, nada significa, é apenas um nome que poderia ser qualquer outro. Somente o predicado pode acrescentar algo a este vazio, somente este diz aquilo que o sujeito é, o que torna o sujeito supérfluo e dependente de um outro, visto que se poderia falar simplesmente do eterno, sem a necessidade de mais nada.Como o objeto da lógica é a verdade, e como Deus é a verdade, o objeto da lógica é Deus, porém, não o Deus da religião e do sentimento, mas o absoluto em sua forma excelsa, como razão ou pensamento. Por isso, a Lógica deve ser compreendida em um sentido mais profundo

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do que uma ciência meramente formal, pois seu objeto de investigação é o pensar em sua mais pura essência, desprovida de qualquer exterioridade. Para delinearmos os passos de constituição da subjetividade no conceito, e a superação do romantismo e do idealismo subjetivo e transcendental pela compreensão da consciência que não está simplesmente oposta ao objeto, mas que partilha com ele da imanência conceitual, investigaremos a definição de conceito subjetivo e de objetividade em busca desta realização do absoluto de Hegel.

Crítica cética

Hans Friedrich Fulda dedica um ensaio a mostrar como Hegel, na formulação do método especulativo, diretamente se preocupa em se sobrepor à crítica cética por meio da integração de sua dialética antinômica ao mesmo método. A possibilidade de uma filosofia especulativa estaria assim, segundo o autor, assentada em um método que, na sua instância negativa, tivesse em si operando a contraposição cética de argumentos e, uma vez cumprido seu papel crítico com relação ao pensar enquanto entendimento, seu trabalho seria rematado na instância especulativa do método, com a modificação dos conceitos que foram ceticamente examinados anteriormente. Fulda não se cansa de afirmar que a possibilidade do pensamento absoluto pressupõe o exercício da agogé cética na instância dialética do método. É somente por meio desse exercício que a filosofia conseguirá, é o que acredita Hegel, se desvencilhar do ceticismo stricto sensu.

O momento do entendimento é aquele em que se permanece na determinidade finita e limitada. O combate a essa a essa unilateralidade do que é posto pelo entendimento é efetuado pelo ceticismo operante no momento negativo-dialético do método. É esse ceticismo que atua no sentido de mostrar, como já observara Fulda, que as determinidades postas pelo entendimento não apenas não são fixas, como também são negadas por suas opostas que as limitam. Cabe, por fim, ao especulativo apreender “a unidade das determinações em sua oposição”, na medida em que resolve a contradição que há entre elas com a negação das mesmas no passar (Uebergehen) a outra coisa, que nada mais é que o resultado. Resultado que conserva em si essas determinações que foram negadas no processo de Aufhebung. Fulda crê que esse exame efetuado no lado cético do método é o que permite a modificação de conteúdo dos conceitos pela especulação. O exame cético bem realizado, continua ele, torna possível a sistematização do que foi obtido no momento positivo-racional do método. Fulda crê que esse exame efetuado no lado cético do método é o que permite a modificação de conteúdo dos conceitos pela especulação. O exame cético bem realizado, continua ele, torna possível a sistematização do que foi obtido no momento positivo-racional do método. Parece-nos que, para Hegel, a saída para não se cair novamente no ceticismo está justamente em proceder como o cético. É claro que a partir da integração de seu procedimento à filosofia especulativa e deixando-se para trás o ponto de vista do entendimento, que também era o do cético, ao se aceitar que a negação fosse abstrata. E antes que o cético pudesse novamente acusar a filosofia especulativa de parcialidade, esta, dado que não pretende que seus resultados não possam ser superados, está pronta para um outro exame cético de suas determinações, até que um novo resultado seja alcançado.

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1) Doutrina do ser - do ser como somente em si

→ Má-infinitude: “Se fazemos incidir, fora um do outro, esses dois momentos do ser aí, Algo e Outro, temos o seguinte: Algo se torna um Outro, e esse Outro é, ele mesmo, um Algo que como tal em seguida se altera igualmente e assim por diante, até o infinito... Ora, este progresso até o infinito não é o verdadeiro infinito, que antes consiste em estar, nesse Outro, junto de si mesmo, ou seja - exprimindo como processo -, em chegar a si mesmo, no seu Outro”. O "mau infinito" é um termo usado por Hegel na Lógica para designar um processo infinito de negações vulgares onde a contradição sempre se repõe, sem enriquecimento do conteúdo, sem desenvolvimento qualitativo. 1) Qualidade: com a qualidade tem-se o ser determinado como tal, ou a Existência.

1. O ser e nada: “O ser é o momento imediato indeterminado”, “Ser, puro ser, sem nenhuma outra determinação”. O Ser é começo, pensamento puro, pura abstração. Não pode ser sentido, nem intuído e nem pensado. Não tem forma e nem conteúdo. Constitui, como tal, o começo. “Ora, esse puro ser é pura abstração e, portanto, absolutamente negativo, que tomado de modo absolutamente imediato é o nada”. Ser e nada, ao formar a unidade do vir-a-ser, são ambos suprassumidos, e seu Resultado é, portanto, o ser-aí. Dado o ulterior desenvolvimento do conceito, o vir-a-ser é apenas o ser posto daquele que é o ser, segundo sua verdade. O “ser puro”, sem qualquer determinação, enquanto ele resulta do “saber absoluto” que se suspende a si mesmo enquanto puro saber ao termo da Fenomenologia do Espírito, aparece para o puro pensar que pôs de lado todas suas opiniões, preconceitos e reflexões, como a figura imediata do “começo lógico”. Ele é, assim, a “imediatidade simples”, o “ser em geral”, sem qualquer relação e desprovido de toda determinação ou distinção. Mas o puro ser pensado nesta “imediatidade indeterminada”, em que ele não possui nenhuma diferença interna em si mesmo, nem uma diferença externa em relação a outro, é inteiramente “vazio”, e como tal, idêntico ao nada. O nada, por sua vez, como substantivação de um “não” absoluto e de uma negação total e abstrata, é, na sua “perfeita vacuidade, sem determinação e sem conteúdo” “o mesmo intuir vazio ou pensar vazio que o puro ser. Essa identidade entre o puro ser e puro nada, em que se exprime a capacidade de abstração absoluta do pensamento, está, para Hegel, na origem tanto conceitual e como histórica da metafísica e de toda ciência ocidental. Ela não é uma unidade estável ou estática, mas, como diz Hegel metaforicamente, “uma inquietude incessante e sem sustentação”, que a linguagem dialética descreve como o “desaparecer” de cada um no seu contrário, como um puro “passar” imediato de um ao outro, e que ela procura captar conceitualmente como o “suprimir”/ “suspender” (aufheben) de cada um no outro. Eles mesmos são algo de “inanalisável”, e a sua diferença é “indizível”, pois se a intuição quiser visar e o pensamento dizer aquilo no que seriam diferentes, ou se introduziria subrepticiamente uma determinação, e neste caso ser e nada não seriam mais um “imediato indeterminado”, portanto, um começo sem pressupostos, ou se permanece na intuição vazia e no pensamento vazio, onde são idênticos. Por isso, no começo, ser e nada, intuir e pensar estão numa identidade

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de indiferenciação. Ambos são idênticos entre si, e idênticos com o próprio pensamento e o intuir vazios.

2. O ser-aí: A Existência, por meio da qualidade, faz com que Algo exista frente a um Outro. Contém a realidade. Algo passa a ser o essente-em-si e o Outro o ser-para-outro; o Outro como um tipo de extensão do ser-aí, do Algo. Assim, o outro enquanto negação do Algo, não é um nada abstrato em geral, mas um nada essente. Com o ser-aí, o ser alcança uma primeira determinidade: a Qualidade. O ser-aí por ser limitado ao mesmo tempo também é finito, o que traz por conseqüência que ele está destinado a ter um fim. Segundo Hegel, é próprio das coisas finitas o perecer (vergehen): “o ser das coisas finitas como tal consiste em ter o germe do perecer como seu ser-em-si (Insichsein), a hora de seu nascimento é a hora de sua morte”.

3. O ser-para-si: “O ser para si é a qualidade consumada, e enquanto tal contém o ser e o ser-ai como seus momentos ideais. Enquanto ser, o ser-para-si é simples relação consigo mesmo, e enquanto ser-ai é determinado. Contudo, esta determinação não é mais a determinação finita do algo em sua diferença do Outro, mas a determinidade infinita, que contém em si a diferença como suprassumida”. O ser-para-si se passa da realidade (do ser-ai) para a determinação da idealidade. Na determinação de idealidade, Hegel expressa aquilo que funda a diferença entre o finito e o verdadeiro infinito, possibilitando-o: “a proposição de que o finito é ideal, constitui o idealismo”, que consiste basicamente em não reconhecer o finito como um verdadeiro existente. A idealidade é a negação que se encontra como a verdade do finito, ou seja, faz parte da natureza do finito o seu transitar para o infinito, já que este se encontra no infinito verdadeiro, quer dizer, como uma determinação, um conteúdo. Assim como o ser-aí foi caracterizado pelo momento da realidade, o ser-para-si será caracterizado pela idealidade, ainda que a razão especulativa não faça distinção entre real e ideal, tendo ambos como uma unidade, “A idealidade não é algo que haja fora e ao lado da realidade, mas o conceito de idealidade consiste expressamente em ser a verdade da realidade, isto é, que a realidade, posta como é em si, mostra-se ela mesma como idealidade”. “O infinito tem o duplo sentido de ser um daqueles dois momentos – e assim ele é o mal-infinito –, e de ser o infinito no qual aqueles dois, ele próprio e seu outro, são apenas momentos. Como, portanto, o infinito está de fato presente, reside no fato dele ser o processo no qual ele se reduz a ser apenas uma de suas determinações frente ao finito, e, com isto, dele próprio ser apenas um dos finitos e suprassumir esta sua diferença em relação a si mesma até a afirmação de si e, ser através desta mediação como infinito verdadeiro... Este infinito enquanto ser-que-retornou-a-si, relação de si consigo mesmo, é ser, porém, não ser abstrato e carente de determinação, pois ele está posto como negando a negação, ele é com isto, também, ser-aí, pois ele contém a negação em geral, consequentemente a determinidade. Ele é e está aí presente, atual”. Esse infinito que tudo compreende é propriamente a categoria de realidade (Realität), já não como categoria do finito, senão da razão especulativa. Só nele alcança o finito sua realidade, pois tomado independentemente é meramente ideal. Esse conceito de verdadeiro infinito é o conceito básico, ou a condição de toda filosofia, já que, segundo Hegel, toda filosofia é essencialmente um idealismo. No ser-para-si está contida a relação do uno com o múltiplo; isto não deve ser entendido no

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sentido da relação de uma coisa com muitas coisas; trata-se antes, de que o conceito do uno, em virtude de estar determinado pela negação da pluralidade, é um conceito relacional, a partir do qual se pode obter, por análise, o conceito de pluralidade, mais exatamente: de muitos unos. A relação do uno com os muitos unos é a quantidade. O que Hegel já havia notado como sendo o grande feito da dialética platônica, pois expõe uma questão primordial ao sistema hegeliano: como chegar a síntese dialética sem apreender a simultaneidade da identidade e da diferença, do ser e do não-ser, do finito e do infinito? No Parmênides essa questão está presente ao se analisar o uno e o múltiplo: “Cada um é Uno, mas também é Múltiplo; ele tem muitos membros, órgãos, propriedades [...] é Uno e também Múltiplo. Assim, simultaneamente diz-se de Sócrates que ele é Uno, igual a si mesmo, e também Outro, desigual para consigo. Aí se dá uma visão, uma expressão que se encontra na consciência comum. Ele é Uno, admite-se, mas, sob outra relação, é também um Múltiplo, e assim se deixam ambos os pensamentos caírem um fora do outro. Ora, o pensamento especulativo consiste em reunir os pensamentos; reuni-los, é isso o que importa. Essa reunião dos diferentes [Ser e Não-ser, Uno e Múltiplo] [efetuada] de tal maneira que simplesmente não haja passagem de um para outro, eis o que há de mais profundo e de verdadeiramente grande na filosofia platônica.”

2) Quantidade: não é outra coisa senão a Qualidade suprassumida, nos fornece a representação da determinidade indiferente. Na Qualidade uma coisa sempre permanece o que é. Porém, no momento em que tal qualidade é suprassumida pela Quantidade, o ser que era idêntico ao ser da Coisa, ou a ele mesmo, passa a conter a determinidade indiferente exterior. Pela quantidade uma coisa varia, pode-se tornar mais ou menos. O ser pode variar pela determinidade da Grandeza, ainda que a coisa mesma permaneça na sua determinidade própria, que é, antes de tudo, qualitativa. Na Quantidade ele identifica, em processo, a Quantidade Pura, o Quanto e o Grau.

1. Quantidade Pura: A Quantidade em um primeiro momento é Quantidade Pura. “Quando se diz da quantidade que seu conceito consiste em poder ser aumentada ou diminuída, com isto se enuncia justamente que a grandeza(ou mais exatamente, a quantidade) - diversamente da qualidade - é uma determinação tal que a coisa determinada se comporta como indiferente para com a variação dela”. Na qualidade pura a diferença permanece presente em si.

2. Quanto da quantidade: constitui como correspondente do Ser-aí da Qualidade. No Quanto, há desenvolvimento que resulta no Número. Este enquanto grandeza discreta é Valor Numérico; enquanto grandeza contínua, é Unidade(ou momentos qualitativos do Uno). Com os números põem-se as operações positivas (numerar, multiplicar, elevar a potência) e as operações negativas (diminutir, dividir, extrair raiz). Tanto as primeiras quanto as segundas constitui-se como determinidades existente na grandeza extensiva (múltipla) ou Quanto.

3. Grau da qualidade: grandeza intensiva ou determinação simples e é somente aqui (no Grau) que o conceito do quanto está posto. Seria o equivalente do ser-para-si da Qualidade. “No grau está posto o conceito do Quanto: é a grandeza enquanto indiferente para si e simples, mas de modo que tem a determinidade, pela qual ela é

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quanto, absolutamente fora dela em outras grandezas. Nessa contradição - de que o limite indiferente, essente-para-si, é a absoluta exterioridade - está posto o progresso quantitativo infinito: uma imediatez que se converte imediatamente em seu contrário, no ser mediatizado (o ultrapassar sobre o quanto que acaba de ser posto), e vice-versa”.

3) Medida: A Medida já contêm a essência. Será tratada na Doutrina da Essência. com uma Medida o Ser mantémse ele mesmo, embora sofra alterações quantitativas. E essas alterações esbarram no Limite da Medida. Assim, a Medida é a unidade da Qualidade e da Quantidade, sendo mais um momento da Lógica onde a Infinitude se faz ver. Ou seja: após ter passado pelo problema da Má Infinitude da sucessão de uma Medida por sobre outra e na Desmedida 13 suprassumindo-se a si mesma: “O infinito – a afirmação enquanto negação da negação –, em vez dos lados mais abstratos, do ser e do nada, do Algo e do um Outro etc., tinha, pois, a qualidade e a quantidade como seus lados”. Por isso, pode-se perceber que é no movimento de auto-determinar-se do Ser que ele volta a si após sua negação de si mesmo, e desse modo, mantém-se em sua unidade, é o que caracteriza a Positiva Infinitude: “O processo da medida não é simplesmente a má infinitude do progresso infinito na figura de uma perene transformação de qualidade em qualidade, e de quantidade em qualidade; mas é ao mesmo tempo, a verdadeira infinitude do seguir junto consigo mesmo em seu Outro”

O infinito→ O infinito é uma das categorias apresentadas na Lógica como definições do absoluto. Existem outras categorias que também podem ser tomadas como definições do absoluto, tais como o vir-a-ser ou devir, o fundamento, o ser para si etc., e finalmente a categoria da idéia absoluta, a qual, diz Hegel, “todas as categorias anteriores voltam a essa”. → Ao apresentar a solução de Hegel à questão das antinomias (a verdadeira Infinidade), após ter analisado o conceito da Má-infinidade (qualitativa e quantitativa), Juan Bonaccini conclui no sentido da relação da Má e Verdadeira Infinidade com as posturas de pensamento do Entendimento e da Razão : “De tudo que se analisou até aqui pode-se deduzir que para Hegel o pensamento possui em geral dois momentos fundamentais: o Entendimento (...) e a Razão (...) O primeiro, como já foi dito, não suportaria a contradição, por estar preso às aparências e aos princípios de identidade e não-contradição etc. A Razão, ao contrário, compreenderia todos os particulares em sua universal singularidade, enquanto identidade especulativa das diferenças. Conceberia o próprio Absoluto como totalidade absoluta de contradições e toleraria a contradição” (BONACCINI 2000, p.310). Como se vê, a Razão compreende e acolhe a contradição em seu seio, resultando nisso o conceito da verdadeira infinidade; ao contrário, por rechaçar ou isolar a contradição (os opostos envolvidos nela), o Entendimento fica preso a Má-Infinidade.

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2) Doutrina da essência - da essência como conceito posto

Hegel abre a Doutrina da Essência a tendo como “o conceito enquanto conceito posto”, já que é nela que a relação, que implica um outro, se põe. A essência é pura relatividade, o que marca sua principal diferença para com a esfera do ser, pois enquanto essa apresenta o ser como uma relação simples consigo mesmo, a essência terá suas determinações somente na relação, na mediação. A transição do ser para a essência se dá porque na Doutrina do Ser nos deparamos com a complexa interação entre qualidades e quantidades na medida, e essas determinações e suas alterações são tão somente imediatas, no sentido de que não foram explicadas por uma subjacente e persistente essência, já que é a essência das coisas que deve ser conhecida. Pois, as coisas não devem ser deixadas em sua imediatez, e sim demonstradas como mediatizadas ou fundadas por um outro, e como todas as coisas tem essência, a realidade deve possuir algo permanente, algo que está para além do simples circular de uma qualidade a outra, ou do transitar de um qualitativo ao quantitativo e vice-versa, o que foi reconhecido ao fim da Doutrina do Ser. A essência é o que é assegurado, o que subsiste nas coisas.→ Medida: constitui no terceiro nível do Ser (nela - na medida - faz-se em ser completo) e é a unidade dos dois primeiros e se torna Quantidade e Qualidade. A Essência é o resultado da dialética da Quantidade, Qualidade e Medida. “Na medida se encontram unificadas, abstratamente expressas, a qualidade e quantidade [...] O terceiro [a medida] é agora a exterioridade que se refere a si mesma; como referência a si é ao mesmo tempo exterioridade suprassumida e tem em si mesma a diferença de si – que como exterioridade é o momento quantitativo, e como a que voltou a tomar-se em si é 256 o momento qualitativo”. “O ser é a equivalência abstrata – para a qual se empregou a expressão indiferença, posto que se deve pensá-la por si como ser –, de onde não deve encontrar-se todavia nenhuma espécie de determinação... a indiferença, que pode chamar-se a indiferença absoluta, é a que se media a si mesma consigo para uma simples unidade por meio da negação de todas as determinidades do ser, da qualidade e quantidade e da unidade 263 primeiramente imediata delas que é a medida”.→ Essência: “é o conceito enquanto conceito posto. As determinações são, na essência, somente relativas; não são ainda como pura e simplesmente reflexivas em si mesmas: por isto o conceito não é ainda como um Para-si”. Na esfera anterior (a do Ser) a forma de relação não estava presente. A relatividade aí é só em-si. Na esfera da essência a a relatividade aparece e com ela a reflexão, a qual propicia a mediação do conhecimento do objeto. Assim, no Ser tudo é imediato; na essência, tudo é relativo e mediado por determinações reflexivas. E essa passagem não pode, segundo Hegel, ser tida como imposta por uma reflexão externa, como se fosse um estratagema mental para resolver os problemas suscitados na doutrina do ser, é próprio do conceito passar a essência, por isso tal trânsito deve ocorrer ainda na esfera do ser, sendo um desenvolvimento do próprio ser. Dessa forma podemos dizer que a essência é a verdade do ser, já que ela é posta como o aparecer do ser, que está posto e suprassumido na essência, mas perfazendo agora um movimento de reflexão em si mesmo. “A verdade do ser é

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a essência. O ser é imediato. Posto que o saber quer conhecer o verdadeiro, o que o ser é em si e por si, ele não se detém no imediato e em suas determinações, mas o penetra, supondo que, por trás deste ser há algo mais que o próprio ser, e que este fundo constitui a verdade do ser”. Hegel esclarece que embora a identidade pareça afetada somente pelas determinações do ser e separada da essência, o que lhe seria algo exterior, isso apenas aparenta ser assim, pois já foi afirmado que a essência é o ser- dentro-de-si, o essencial, ela é o que traz o negativo em si mesma, a mediação de uma relação a outro, que é o que lhe dá esse caráter de essencialidade, já que a identidade supracitada somente pode ocorrer na relação a uma diferença. Para o entendimento o ser tem dentro de si essa diferença como algo exterior, denominado negativamente como inessencial, separado e anulado na relação, mas como a essência só pode ser enquanto traz a negação nela mesma, ela tem em si esse inessencial, que acaba por se constituir como sua própria aparência, sua manifestação. Assim, na essência, as determinações somente se dão na relação a outro: o fundamento só é no fundado, a essência na aparência, o absoluto no relativo. É na essência, na reflexão interna que há no ser, que as determinações vêm a ser. Portanto, ela é o ser visto em sua negatividade.Se na Doutrina do ser tinhamos o Ser e o Nada, o Ser-aí e o Ser-para-si. Na Doutrina da Essência temos a Identidade, a Diferença e o Fundamento:

1. Identidade: é o ser carente de oposição. É o momento da essência enquanto reflexão pura, é a relação para consigo, não enquanto imediata, mas enquanto relação refletida, isto é, identidade consigo. “É da maior importância entender-se bem sobre a verdadeira significação da identidade. Para isso, é preciso, antes de tudo, que não seja apreendida simplesmente como identidade abstrata, isto é, como identidade com exclusão da diferença. [...]. O mesmo se passa também com a identidade, enquanto consciência de si mesmo, pela qual o homem se distingue da natureza em geral, e mais precisamente do animal; este último não chega a apreender-se como Eu, isto é, como pura unidade de si em si mesmo. Aliás, no que concerne à significação da identidade em relação com o pensar, convém aqui, antes de mais nada, não confundir a identidade verdadeira – que contém em si o ser e suas determinações como suprassumidas – com a identidade abstrata, meramente formal”. Assim, o Eu se faz não só pela consciência do pensar o pensamento, mas o pensamento tem seu fundamento na realidade e nela é preciso pensar. Com a Essência entra-se para além da imediatez, mas no nível do Entendimento (lógica formal), que não é ainda Razão Especulativa. Portanto, não há oposição, vez que, o entendimento ainda apreende pela identidade, que é uma reflexão-sobre-si, mas que em contrapartida já substitui a imediatez do ser.

○ Identidade Formal: Tudo idêntico consigo A=A e, negativamente, A não pode, ao mesmo tempo, ser A e não A. “A=A, não é, em primeiro lugar, mais que expressão de uma vazia tautologia. Esta lei do pensamento não tem conteúdo e não leva adiante”

○ Identidade Concreta: Esta é primeiramente Fundamento e depois Conceito que contém, em si mesmo, a Difereça.

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1. Diferença: já com a reflexão aparecendo dentro de si. A Essência é também a diferença, posto que somente é pura identidade e aparência em si mesma, enquanto é negatividade que se refere a si mesma. “A diferença é a negatividade que a reflexão tem de si; … é o momento essêncial da identidade mesma, que ao mesmo tempo está determinada como negatividade de si mesma, e é diferente da diferença”. Hegel separa o conceito de diferença enquanto relativo à reflexão daquele expresso no ser determinado. Por que? Justamente porque a reflexão nega toda determinação do ser, para depois repor tais determinações a partir de si mesma. Isto significa que nenhuma determinação é externa à essência mesma, o que ainda acontecia na Doutrina do Ser. A Doutrina da Essência supera a relação externa que possibilitou, por exemplo, o surgimento da quantidade e do império da Matemática na Doutrina do Ser. Desta forma, a Doutrina da Essência se expressa como a verdade da Doutrina do Ser, já que ela assume verdadeiramente a relação interna surgida entre Ser e Nada surgida no princípio da Lógica, e depois de certo modo neguigenciada a partir do surgimento da quantidade. Por isso, a essência mostrará a necessidade da relação interna, e o externo aparecerá sempre como algo possibilitado a partir da relação fundamental do interno, e não o contrário. Assim, “Esta diferença é a diferença em si e por si, a diferença absoluta, a diferença da essência. … Não uma diferença por meio de algo extrinseco. … Se trata da diferença da reflexão, não de outro ser determinado. … na esfera da reflexão, a diferença se apresenta como diferença reflexiva, que está posta tal como está em sí”. Aqui na essência todos os seres aparecem como relacionados entre si, mais não mais no sentido de estarem sendo jogados para fora de sua própria identidade. Não; este relacionar-se com o outro é relacionar-se consigo mesmo, na medida em que este ir para fora é um adentrar-se sobre si mesmo. É no outro que conquisto minha identidade interna, identidade através da diferença. Quando Hegel expõe o que é a diferença, é preciso que esta seja considerada sob um duplo ponto-de-vista: como diferença em si e por si e como diferença em si. Hegel chama também essa diferença que é em si e por si de diferença absoluta ou de diferença simples. Mas o que então pretende ele quando considera a diferença em si e por si? Basicamente, a diferença em si e por si é aquela que não é por meio de algo exterior. Esta diferença não se constitui como antes se fazia na esfera do ser. Lá, um ser-aí e um outro ser-aí eram postos separados um do outro. Um ser-aí se encontrava perante o outro ser-aí mas apenas exteriormente. O que Hegel pretende frisar é que na diferença em si e por si, uma diferença que se dá no âmbito lógico da essência, portanto uma diferença reflexiva, os diferentes são diferentes sob um único e mesmo aspecto, uma diferença numa única relação. O caráter simples dessa diferença advém dessa relação (Beziehung) dos diferentes ocorrer no âmbito de um movimento único: “na diferença absoluta de A e não-A, de um a outro é o simples não que constitui a mesma”. Se a diferença se desse entre diferentes exteriores um ao outro, não seria possível que ela fosse completa em si mesma, em outras palavras, absoluta. Considerar a diferença apenas como em si significa tomá-la no seu relacionamento a si, uma diferença de si por si mesma (seiner von sich selbst). Perante a mesma temos a identidade. Somente com a consideração de ambos, isto é, na relação, que não é exterior, da diferença com a identidade que se constitui a diferença (não-unilateral). A diferença apenas

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relacionada a si mesma é um momento que exige o outro, a saber, a identidade, para que se possa ter o todo da diferença. Nessa relação da diferença com a identidade, tem-se, portanto, uma unidade de dois momentos que, não obstante o fato mesmo da relação de ambos, cada um não deixa de ser uma relação (Beziehung) a si próprio, ou seja, continuam a ser refletidos em si mesmos. Hegel chama cada um desses momentos que constituem a diferença de ser-posto (Gesetzsein). Cada um deles, em virtude do seu caráter auto-reflexivo, que faz com que se coloquem distintamente como diferença e identidade, será, poder-se-ia dizer, impermeável um ao outro.

○ Positivo: O Idêntico é o carente de determinação. O Positivo é o que é idêntico consigo mesmo, mas enquanto determinado frente a um Outro. O positivo é relação idêntica a si mesma, mas não-indiferente à sua relação para com seu Outro. “O positivo é este diverso que deve ser para si e, ao mesmo tempo, não indiferente à sua relação para com seu Outro”

○ Negativo: Negativo é diferença na determinidade de não ser identidade: é a diferença da diferença nela mesma. “O negativo deve ser também autônomo - a relação negativa para consigo, ser para si – mas ao mesmo tempo, enquanto pura e simplesmente negativo, deve ter essa sua relação para consigo – o seu positivo – somente no Outro. Os dois são essa contradição posta; os dois são o mesmo, em si. Os dois são também para si, enquanto cada um é o suprassumir do Outro e de si mesmo”. Pode-se constatar um não-ser, mas sem lhe dar apoio, sem contar de onde ele provém. O negativo é essa ausência nunca localizável, desprovida de toda espessura. “O positivo é, de novo, a identidade, mas na sua verdade mais alta, enquanto relação idêntica a si mesma; e, ao mesmo tempo, de modo que não é o negativo. O negativo para si não é outra coisa que a diferença mesma. O idêntico como tal é, antes de tudo, o carente-de-determinação; o positivo, ao contrário, é o idêntico consigo mesmo mas enquanto determinado frente a um outro; e o negativo é a diferença, como tal, na determinação de não ser identidade. É isso a diferença da diferença nela mesma. No positivo e negativo acredita-se ter uma diferença absoluta. Contudo, os dois são em si o mesmo, e por isso se poderia chamar também o positivo, negativo, e vice-versa igualmente: o negativo, positivo”.

Assim, o ser e o nada no momento da esfera do ser são para si sem suprassusão de um para o outro: o ser é o ser para si e o nada é o nada para si. Com o positivo e o negativo existe a relação recíproca: um é, enquanto é, para o outro. O positivo é relativo ao Negativo. O contrário também. No ser a relatividade é só em-si; na essência a relatividade é posta. Assim, a essência não se tem nenhum outro de verdade, mas só uma Diversidade, uma relação do Uno ao seu Outro. “Ou seja: a diferença essencial é imediatamente – enquanto diferença em si e para si – apenas diferença de si consigo mesma: contém portanto o idêntico; assim, a totalidade da diferença essente em si e para si, pertence, pois, tanto à própria diferença quanto à identidade. Enquanto diferença que se refere a si mesma, já foi expressa igualmente como aquilo que é idêntico a si mesmo; e o oposto é, em geral, o que dentro de si contém o Uno e o seu Outro, a si mesmo e o seu oposto. O ser-dentrode-si da essência, assim determinado, é

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o fundamento”. Assim, a conclusão de Hegel é que a contradição é tida como categoria sintética de todo o processo. como Hegel define a contradição:

○ Contradição por insuficiência: As duas primeiras determinações são a identidade e a diferença. Como vimos anteriormente, ambos os conceitos já contêm em si o seu oposto, mas na tentativa de se apresentarem como independente, tendem a negar o outro. E o fazem porque estão, por enquanto, destituídos de fundamento, destituídos da síntese que resolverá tal contradição por insuficiência. Essa contradição por insuficiência surge da nescessidade destes conceitos em diferenciar a relação interna que garante sua independência, e a relação externa que permite sua independência. A conclusão radical, talvez a mais forte de toda Doutrina da Essência, é que não devemos simplesmente negar a existência do externo, a relação externa e contingente entre os diversos seres. Esta relação externa deve existir, mas não como algo alheio ao interno, e sim como algo que emerge do interno. Quando a aparência surgir completamente do interno chegaremos à efetividade. E a conclusão aponta para o fundamento como a instância do interno, e a aparência como a instância do externo.

○ Contradição sintética: permanece no fundamento, na medida em que é responsável pelo automovimento que é característica daquilo que Hegel chama “unidade viva”. A contradição não deve ser eliminada, mas resolvida, isto é, impulsionada ao momento sintético, que dominará a contradição por insuficiência, absorvendo o seu momento positivo: o seu sentido é dar este movimento e vitalidade à unidade; a contradição deverá passar de contradição por insuficiência a contradição sintética. os princípios que estão na base desta forma de pensar são justamente os de “identidade”, “não-contradição” (para Hegel, somente o desdobramento do “princípio de identidade” e “terceiro excluído” , o que faz com que as determinações do entendimento sejam sempre fixas e se mantenham nessa fixidez, diferenciando-se e excluindo-se umas das outras. Tanto o ceticismo antigo – a partir de seu método isostênico –, como a filosofia kantiana – com as antinomias cosmológicas – trouxeram à luz a contradição contida nas determinações finitas do entendimento, mas ambas não enxergando o especulativo (a necessidade e conexão lógicas ou a unidade dos opostos) contido em tal contradição, e apenas ficando em seu resultado meramente negativo. Para a antiga metafísica, a contradição não passava de um erro subjetivo no raciocinar, o que significa dizer que o objeto do discurso é aquilo que permanece assegurado como o mesmo, o idêntico a si, e o discurso de um sujeito cognitivo devendo captar essa sua identidade ontológica. Quando há contradição, o erro está no sujeito do raciocínio, e não na coisa, objeto do discurso. Portanto, se segue precisamente dessa fixidez e unilateralidade abstrata o dogmatismo da antiga metafísica, que se apega a uma das duas determinações, aferrando-se a ela, e exclui de si a sua outra contrária e constitutiva.

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1. Fundamento: o vir-a-ser, que era fundamento do ser-aí agora, refletico como fundamento, torna-se Existência. Vem a se constituir na unidade das duas instâncias: Identidade e Diferença. O Fundamento é a verdade daquilo que se produziu com a Diferença e a Identidade. Reflexão sobre si, tanto como reflexão-sobre-outro. O fundamento é o assumir-se da contradição sintética enquanto reconhece a necessidade do movimento e da conciliação dos opostos. “A oposição e sua contradição é, pois, tanto superada como contida no fundamento”. “Mas se um existente (Existierendes), em sua determinação positiva, não consegue abarcar ao mesmo tempo a (sua determinação) negativa e manter uma e outra, e (não consegue) ter em si mesma a contradição, ele não é a unidade viva mesma, não é fundamento, mas sucumbe na contradição”. Por isto o fundamento é a contradição resolvida. O fundamento é a unidade dos contrapostos nessa relação negativa e contraditória que eles mantém entre si. “A oposição autônoma que se contradiz era já, portanto, ela mesma o fundamento; somente que agora (como fundamento) acrescida da determinação da unidade consigo mesma, que sobressai pelo fato de que os contrapostos autônomos, cada um se suspendem, e se convertem no outro de si, com isto se destruindo, mas nisto, ao mesmo tempo, reunindo-se consigo mesmo, e, desse modo, no seu afundar, isto é, no seu ser-posto ou na negação, é antes a essência refletida em si, idêntica consigo”. Para Hegel, o ser contigente é aquele que não tem fundamento em si, e necessita da relação com o outro para não perecer. Mas esta relação é meramente externa, e nisto reside a confirmação deste ser como condenado à morte, à finitude. Por meio, portanto, dessa reflexão excludente dos opostos, eles se põem e, simultaneamente, se suspendem. Numa única e mesma relação se afirmam e se negam mutuamente. Qual o resultado desse processo? Com a negação mútua, eles certamente se aniquilam (gehen zu Grunde), entretanto, esse aspecto negativo da relação não será o último e assim predominante, nessa destruição, a oposição retornou, ao mesmo tempo, ao seu fundamento (ist in seinen Grund zurückgegangen). O retorno ao fundamento, mediante a suspensão da oposição, não ocorre sem essa relação da oposição a um negativo, algo que significa rebaixar (herabsetzen) as determinações autônomas positivo e negativo a o que de fato são: meras determinações que, na sua suspensão (Aufhebung), reúnem-se (zusammengehen) na unidade da essência como fundamento: “Mediante o suspender das determinações da essência que se contradizem nelas mesmas, esta (a essência) é restaurada, contudo, com a determinação de ser unidade reflexiva excludente, unidade simples [...]” O fundamento, desse modo, somente surge da contradição apresentada na oposição autônoma (selbständige Gegensatz). Esta é o imediato, o primeiro do qual se parte, e na sua suspensão, o fundamento vem a ser: “A contradição resolvida308 (der aufgelöste Widerspruch) é portanto o fundamento, a essência como unidade do positivo e negativo.”

○ Existência: Ainda que o fundamento não tenha conteúdo determinado, ele é significativo, posto que a Existência só pode vir do Fundamento. A Existência é exatamente o resultado na negação do fundamento. É a própria unidade, ainda que imediata, da reflexão sobre-si e da reflexão-sobre-outro. A Existênncia provém do Fundamento reestabelecido por meio da suprassunsão da mesma.

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“Esta, enquanto é o que provém do fundamento não fica para trás - por detrás da existência -, mas exatamente, é só este suprassumir de si, e este transpor para existência”. O existente é a unidade imediata da reflexão-sobre-si e da reflexão-sobre-outro. Essas duas reflexões são inseparáveis e o fundamento é sua unidade. A existência de uma coisa é o conjunto de condições de sua possibilidade. O fundamento só ganha sentido na coisa na medida em que está relacionado com suas condições. O fundamento longe de ser algo como um interior abstrato é posto como existente, de modo que a existência mesma não é carente de fundamento, como se este fosse uma abstração mental surgida dos jogos do intelecto; mesmo a linguagem da consciência não-filosófica expressa isso ao se referir, por exemplo, ao fundamento de um edifício e nisso significar algo que existe no interior do solo, mas como uma parte da edificação sem a qual o edifício não pode ser o que é, ou ainda, no sentido de algo que dá sustentação e cimenta o nexo do existente. “A existência aqui não é tomada como um predicado ou como determinação da essência, de maneira que uma proposição dela dissesse: ‘A essência existe ou tem existência’, mas a essência passou à existência, a existência é sua absoluta exteriorização, além da qual não restou a essência”. Isto significa que não há nada por detrás, não há fundamento para onde remeteríamos o fundado, pois fundamento e fundado são apenas um só: o movimento do fundar, a reflexão.

■ Devir: não o movimento sem destino e sem parâmetros do meramente contigente, mas processo de autodeterminação fundamental que atinge todo ser, e que é, por isto, atividade de reflexão. “A transição de uma determinação do ser em outra. Mas o devir do ser é além disto devir para essência e o retorno ao fundamento”.

○ Coisa: é o existente, tem propriedade, é determinada e é concreta. As propriedades das coisas são as diferenças existentes, na forma da diversidade. A coisa tem um nexo que reune as propriedades diversas. É incorreto, para Hegel, dizer, por exemplo, que algo tem qualidade. O Algo é imediato e nesta esfera não há ainda autonomia para ter, mas somente para ser. “Algo só é o que é, por sua qualidade; a coisa sem dúvida igualmente só existe enquanto tem propriedades”. A coisa é essa multiplicidade de existentes que, simultaneamente, existem separados e enlaçados por múltiplas conexões com todos os demais. A coisa não só tem propriedades, mas somente se define por suas propriedades, são estas que fazem com que uma coisa determinada e concreta possa ser distinta de todas as outras. A coisa é a conexão das matérias. A Coisa é a conexão das matérias. A coisa, tendo sua reflexão sobre si nas matérias, não consiste nela mesma, mas nas Matérias. A coisa se decompõe, assim, em Matéria e Forma. A coisa só surgir por conter em si todas as condições necessárias para sua existência, ela está completa em si, é o absoluto; mas um absoluto tal que só se pôs através do movimento de mediação realizado pela reflexão, um absoluto que se fez relativo. Ou, a coisa em si contém também a esfera do múltiplo e de suas condições. Como estas esferas

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já não podem ser vistas como independentes, e sim como estritamente unidas, já que a coisa-em-si não é mais do que a coisa refletida ou existente.

■ Matéria: é a existência na determinação reflexiva da identidade. A matéria única em geral é obtida pelas diversas matérias que são em si cada uma o mesmo que a outra.

■ Forma: é a determinação reflexiva da diferença. O que dá à matéria à diferença é a Forma. As coisas tem por base a mesma matéria e se tornam diversas pela diferença de modo exterior da Forma. A Forma consiste em matéria; ela pressupõe uma matéria com a qual se relaciona. Esta relação da forma com a matéria é que torna possível a existência de uma matéria determinada que é concreta, e não a mera abstração de uma matéria indeterminada. Por conseguinte, “a coisa, enquanto essa totalidade, é a contradição de ser, segundo sua unidade negativa, a forma, na qual a matéria é determinada e rebaixada a propriedades; e, ao mesmo tempo, de consistir em matérias, que na reflexão-sobre-si da coisa são, ao mesmo tempo, tanto autônomas como negadas. A coisa, assim, consiste em ser a existência essencial enquanto uma existência que se suprassume em si mesma: é aparição [fenômeno].”

→ Tratemos agora do Mundo do Fenômeno, do Conteúdo e Forma e da Relação. Este percurso nos levará a Efetividade, terceira e última esfera da Doutrina da Essência, a qual é complementada pelas esferas das puras determinações-da-reflexão (identidade, diferença e fundamento) e pela esfera do fenômeno.

1. Aparição: surge pela própria necessidade do Ser - então já suprassumido como Essência - de aparecer. Ela é a verdade mais próxima do ser, o que é o mesmo que dizer da imediatez. Na busca da aparição de sair de sua interioridade - a Aparição enquanto é fundamento, só encontra (o fundamento) fora de si mesma (em um outro) - ela é justamente fenômeno. “A essência deve aparecer. Seu aparecer é nela o suprassumir de si mesma em direção da imediatez que como reflexão-sobre-si é tanto consistência (matéria) quanto é forma, reflexão-sobre-Outro, consistência que se suprassume. O aparecer é a determinação, mediante a qual a essência não é ser, mas essência; e o aparecer desenvolvido é o fenômeno. A essência, portanto, não está atrás ou além do fenômeno; mas, porque é essência que existe, a existência é fenômeno.” Ou, dito de outro modo, o ser do fenômeno não se oculta no fenômeno de ser, o fenômeno não nega e tampouco tem fora de si a sua essência, antes, ele é unidade manifesta da essência e da existência; por conseguinte, a verdade do fenômeno é aparecer, sua essência somente se realiza na sua manifestação, é o seu manifestar-se. Não podemos entender a aparência como aquilo por detrás da qual existe a essência, como fundamento último daquela. Não; a aparência é a essência mesma se revelando, ou dando-se existência.

2. Fenômeno: “O fenômeno é em geral a verdade do ser e uma determinação mais rica do que a do ser, enquanto contém em si reunidos os momentos da reflexão-sobre-si e a reflexão-sobre-outro; quando, ao contrário, o ser ou a imediatez ainda é o carente-de-

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determinação unilateralmente, e o que (na aparência) repousa sobre si mesmo”. O fenômeno não é mais a aparência-carente-de-essência e que não tem ainda sua reflexão negativa; repousa, tal qual permanece, somente sobre si mesmo. A existência deixa de ser-carente-de-essência na medida em que transpassa a aparência, desenvolvendo-se em fenômeno. O Fenômeno tanto é consistência (matéria) quanto é forma. Enquanto matéria, é reflexão sobre si, e enquanto forma, é reflexão sobre Outro. A verdade do fenômeno só é revelada pela Relação.

3. Relação: “a relação essencial é a maneira determinada, totalmente universal, do aparecer. Tudo o que existe está em relação, e essa relação é o verdadeiro de cada existência. Por isso o existênte, não abstratamente para si, mas só para Outro; mas nesse outro é a referência a si mesmo; e a relação é a unidade da referência a si mesmo a si e da Referência a Outro”

○ Relação Conteúdo e Matéria: “os dois [conteúdo e matéria]” se distinguem um do outro justamente porque a matéria, embora em si não seja sem forma, mostra-se no ser aí como indiferente para com ela, quando, ao contrário o conteúdo como tal só é o que é porque contém dentro de si a forma desenvolvida”. A Relação entre este par de determinidade (conteúdo e forma) é que permite os diferentes serem o que verdadeiramente são: a mesma coisa, ou seja, o Conteúdo como forma desenvolvida. Ora, importa compreender que apenas se tomados unilateralmente conteúdo e forma podem se pôr na exterioridade recíproca, pois enquanto tomados em sua verdade estão de tal modo imbricados que sua relação de interdependência é só o que permite a apreensão do fenômeno em sua inteireza. De modo que conteúdo e forma, ainda que se possa em termos de conhecimento separa-los e distingui-los, constituem uma unidade indissociável na qual vem a ser o fenômeno.

→ Interior-Exterior: É este pensar ou apreender o que existe como feixe de relações conectivas e conectadas que permite a Hegel asseverar que o exterior é somente o interior exteriorizado e, inversamente, o interior é somente o exterior interiorizado; conquanto, o que é somente um interior é, por isso, também somente um exterior; e o que é somente um exterior é também primeiro só um interior. “É um erro habitual da reflexão tomar a essência como algo simplesmente interior. Se tomada simplesmente assim, então essa consideração é também uma consideração puramente exterior, e essa essência é a abstração exterior vazia” Este movimento contraditório de interior-exterior é apontada por Hegel justamente onde trata da Relação, desenvolvido como passagem para a última seção da Doutrina da Essência, a Efetividade. Daí Hegel afirmar: “A força – enquanto é o todo que em si mesmo é a relação negativa a si – consiste em repelir-se de si e em exteriorizar-se. Mas já que essa reflexão-sobre- Outro, a diferença das partes, é igualmente reflexão- sobre-si, a exteriorização é a mediação pela qual a força, que retorna si mesma, é enquanto força. Sua exteriorização é, ela mesma, o suprassumir da diversidade dos dois ladoS, que está presente nessa relação, e o pôr da identidade que em si constitui o conteúdo. Sua verdade é, por isso, a relação cujos dois lados só são diferentes como interior e exterior” . Ao tratar do Interior e do Exterior enquanto determinação-de-forma na unidade do movimento da Força, da reflexão-sobre-si (interior enquanto fundamento) e da reflexão-sobre-outro (exterior enquanto existente) - os dois são a

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totalidade Una -, e essa unidade faz deles o conteúdo. “O interior é determinado como a forma da imediatidade refletida, ou da essência, contra o exterior, (determinado) como a forma do ser”.→ Efetividade: Ora, a relação do interior e do exterior, enquanto unidade das duas relações precedentes, é ao mesmo tempo a suprassunção da mera relatividade e do fenômeno em geral. Ou seja, a determinação da realidade efetiva é realização de uma essência determinada que ao suprassumir a abstração da pura possibilidade vem a ser a partir da unificação relacional do exterior com o interior; o fenômeno é, portanto, o algo que se manifesta de maneira determinada e não como relações indeterminadas de algo abstrato. Hegel enfatiza, em seguida, que “pela exteriorização da força, o interior é posto na existência; esse pôr é o mediar através de abstrações vazias; desvanece em si mesmo em direção à imediatez, em que o interior e o exterior são em si e para si idênticos, e sua diferença é determinada somente como ser-posto. Essa identidade é a efetividade.” Com efeito, a realidade efetiva é a essência já plenamente realizada e atualizada, não se trata mais de pensar o fenômeno como determinação lógica, mas de apreende-lo na sua efetividade. Pela exteriorização da força, o interior, que é fundamento, é posto na existência. A realidade (ou efetividade) é pois esta unidade entre Interior e Exterior, entre Essência e Existência. “A realidade é a unidade entre essência e existência. (...) Esta unidade do interior e do exterior é a realidade”. A realidade é, é a verdade, mas a verdade essencialmente racional; e a razão não é esquema ou dever ser, ela é o que é real, o que é concretamente existente, por isso a realidade é a qualidade, mas enquanto determinidade essente, em contraposição à negação – que está nela contida, mas que é diferente dela; assim a realidade é qualidade, ser-aí –, portanto implica também o momento do negativo, e só por meio dele se determina. O que vai de encontro a proposta hegeliana, já que “Hegel associa o dever ser às noções de Limite, Restrição e Finitude: uma restrição é essencialmente algo que deve ser superado e, inversamente, se algo deve ser o caso, isso implica uma restrição ou obstáculo que precisa ser superado. Assim, o dever ser é, para Hegel, não só um dever moral, mas é uma característica de qualquer regressão infinita”. Assim, Efetividade é a própria exteriorização do efetivo, sendo portanto o efetivo mesmo; este só é essencial quando está em uma existência imediata exterior. “Para a representação, a possibilidade aparece inicialmente como a determinação mais rica e mais abrangente; e a efetividade, ao contrário, como a mais pobre e a mais restrita. Por conseguinte se diz, ‘tudo é possível; mas nem tudo que é possível é, por isso, também efetivo’. De fato - quer dizer, de acordo com o pensamento - a efetividade é, contudo, o que há de mais abrangente; porque como pensamento concreto, em si contém a possibilidade como um momento abstrato. Isso se encontra também na nossa consciência ordinária, quando, ao se falar do possível em sua diferença do efetivo, nós o designamos como somente possível. Em geral, costuma-se dizer da possibilidade que consiste apenas na ‘pensabilidade’. Mas, aqui, o que se entende por pensar é apenas apreender de um conteúdo na forma de uma identidade abstrata”. Anteriormente se apresentaram, como formas do imediato, ser e existência. O ser é, em geral, a imediatez não-refletida, e o ultrapassar para Outro. A existência é a unidade imediata do ser e da reflexão, portanto fenômeno; vem do fundamento e vai para o fundamento. O efetivo é o ser-posto daquela unidade, a relação que-veio-a-ser idêntica consigo mesma: está, portanto, subtraído ao ultrapassar, e sua exterioridade é sua energia; nela está [o efetivo] refletido sobre si; seu ser-aí é a manifestação de si mesmo, não de um Outro”. “Em sua verdadeira apresentação,

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essa exposição é o todo até aqui (visto) do movimento lógico da esfera do Ser e da Essência, cujo conteúdo não foi apanhado de fora, como dado e contingente, nem foi submergido no abismo do absoluto por uma reflexão externa a ele, mas determinou-se nele (no absoluto) através da sua necessidade interna, e como devir próprio do Ser, e como reflexão da essência voltou no absoluto como em seu fundamento”. Hegel classifica três relações de Substancialidade, de Causalidade e de Ação-Recíproca.

1. Substancialidade: A substância é a totalidade dos Acidentes; riqueza de todo o Conteúdo, é o degrau essencial do processo-de-desenvolvimento da idéia, ainda na forma limitada da necessidade. “A substâncialidade é a absoluta atividade-da-forma, e o poder na necessidade, e todo conteúdo é apenas momento, que só a este processo pertence: o absoluto transformar-se de forma e de conteúdo, um no outro”. A substância é a própria relação. Substância é Coisa originária; é causa perante o seu passar pela Acidentalidade, ao mesmo tempo que, ao suprassumir sua simples possibilidade, põe-se como negativo de si mesma e produz um efeito, não permanecendo na causalidade enquanto tal.

2. Causalidade: Para Hegel e pela lógica do conceito, Causa e Efeito não apenas diferentes, mas também são geralmente idênticos. São ambos um só e mesmo conteúdo e sua diferença é somente de pôr e do ser-posto. “Diferença-de-forma que aliás se suprassume de novo de forma que a causa não é só a causa de um Outro, mas também a causa de si mesma”. A relação-da-causalidade em seu pleno desenvolvimento é, precisamente, a Relação da Ação-Recíproca.

3. Ação-Recíproca: Na lógica conceitualmente a Ação Recíproca é a verdade mais próxima da relação de Causa e Efeito e está no limiar do Conceito. A ação recíproca é a “relação de substâncias pressupostas que se condicionam reciprocamente”, isto quer dizer que, a substância que recebe o efeito, é, também ativa, pois ao receber o efeito da substância ativa, a substancia passiva suprime esse efeito, que é a atividade da substância ativa reagindo. Ao mesmo tempo, a substância ativa recebe a reação da substância passiva – por meio do efeito – reagindo, então, por sua vez. “De que ambas as substâncias, ativa e passiva, na sua autopressuposição, neguem alternadamente, a passividade própria e a atividade da outra resulta que ambas, simultaneamente, são ativas e passivas: por serem, cada uma delas, em si mesmas a identidade do ativo e do passivo, elas se condicionam reciprocamente enquanto substâncias [...] de modo que a dualidade atividade-passividade não caracteriza mais a própria relação de oposição entre as duas substâncias, mas cada uma delas, internamente, na sua relação consigo”.

Necessidade: “Essa verdade da necessidade é, por conseguinte, a liberdade, e a verdade da substância é o conceito a autonomia que é o repelir-se de si mesmo para [termos] autônomos diferentes, enquanto esse repelir é idêntico consigo, e esse movimento alternado, que permanece junto a si mesmo, o é somente consigo. Adendo: Costuma-se chamar dura a necessidade; certamente com razão, enquanto se fica nela como tal, isto é, em sua figura imediata. Temos aqui uma situação, ou, em geral, um conteúdo que tem sua consistência para si, e na necessidade está contido, antes de tudo, que a esse conteúdo sobrevém alguma outra coisa pela qual ele parece. Eis o duro e o triste da necessidade imediata ou abstrata. A identidade dos dois [termos], que na necessidade aparecem como ligados um ao outro, e assim

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perdem sua autonomia, é apenas uma identidade interior, e ainda não presente para os que estão submetidos à necessidade. Também a liberdade, desse ponto de vista, é só a liberdade abstrata, que só é salva pela renúncia ao que se é e se tem imediatamente. Aliás, como até agora vimos, o processo da necessidade é de natureza que por ele é superada a necessidade rígida presente de início, e seu interior é revelado; pelo que se mostra então que os [termos] vinculados um ao outro não são, na realidade, mutuamente alheios, mas apenas momentos de um só todo; cada um deles, em sua relação para com o outro, está junto de si mesmo e consigo mesmo se reúne. Eis a transfiguração da necessidade em liberdade; liberdade essa que não é simplesmente a liberdade da negação abstrata, mas antes a concreta e positiva liberdade. Donde se pode também concluir como é absurdo considerar a liberdade e a necessidade como exclusivas uma da outra, reciprocamente. Sem dúvida, a necessidade enquanto tal ainda não é a liberdade; mas a liberdade tem por sua pressuposição a necessidade, e a contém como suprassumida dentro de si.” (Hegel; 1995: 287)Conclusão: A exteriorização do fundamento e a apresentação das condições da coisa são um momento absoutamente necessário para o desdobramento da essência e para o aparecimento do lógos ou do Conceito. É, portanto, fundamental este momento da contigência que está expresso na multiplicidade, sem a qual a própria concepção de condições seria inexistente, o que, como o próprio Hegel salienta, terminaria transformando o desdobramento do fundamento em um movimento meramente tautológico, algo totalmente contrário ao que Hegel pretendia com o seu Conceito.

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3) Doutrina do Conceito - do conceito enquanto o absolutamente concreto. O abstrato concretizado

→ Três são os momentos que se articulam no movimento imanente da lógica dialética, através do qual o conceito se concretiza em Hegel:

1. Lógica Objetiva: Doutrina do Ser - Doutrina da Essência: O Ser é o conceito somente em si; a Essência é o conceito enquanto conceito posto. Do conceito abstrato: o Ser e o Nada avançamos para o Conceito Posto: a Essência. As determinações do Ser e da Essência são determinações-de-pensamento. Tanto a imediatez do Ser quanto a reflexão-de-pensamento da Essência são determinações da relação para consigo. São conceitos; decerto, mas ainda conceitos determinados; conceitos-em-si. O conceito ainda não é determinado como algo particular, nem como algo singular; também não contém o universal. Às duas primeiras partes da lógica, Hegel denominou Lógica Objetiva. A lógica objetiva tem como objeto as Categorias e a Determinação da Reflexão. No Ser: qualidade, quantidade, medida. Na Essência: identidade, diferença e fundamento.

2. Lógica Subjetiva: Doutrina do Conceito: O conceito é o absolutamente concreto. O começo ocorreu pelo percurso do Ser e do Nada pelas determinações-da-reflexão da Essência, e o Conceito surge como resultado, vem ao final. O conceito enquanto unidado do Ser e da Essência é precisamente o Resultado obtido pelo conhecimento das duas outras esferas da Ideia Lógica (Ser e Essência) considerando em seu próprio desenvolvimento dialético e enquanto suprassumindo-se a si mesmo para se constituir nesta unidade. Assim, “onde se trata do conhecimento pensamente não se pode começar com a verdade, pelo motivo de que a verdade, já que foram o começo, repousa em simples asseveração; mas a verdade pensada como tal tem de provar-se para o pensamento”. Com o abstrato concretizado no conceito, Hegel alcança um Resultado, que significa uma negação plena das determinações diversas; chega o pensamento do Universal Concreto, que é a elevação ao pensamento racional ou especulativo. “O conceito é o absolutamente concreto, porque a unidade negativa consigo enquanto ser-determinado-em-si-e-para-si, que e a singularidade, ela mesma constitui sua relação consigo, a universalidade. Os momentos do conceito não podem, nessa medida, ser separados; as determinações-da-reflexão devem ser apreendidas e valer, cada uma para si, separada da determinação oposta; mas, enquanto sua identidade é posta no conceito, cada um de seus momentos só pode ser apreendido a partir dos outros e com os outros”. O Conceito é a Lógica Subjetiva. A Lógica Subjetiva tem como objeto o conceito na sua identidade consigo; é determinado em si e para si. “O conceito é o que é livre, enquanto potência substâncial essente para si. E é totalidade, enquanto cada um dos momentos é o todo que ele mesmo é, e é post com ele como unidade inseparável; assim, na sua identidade consigo, o conceito é determinado em si e para si”.

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→ Duas formas diferente de conceito:1. Conceito na Lógica Formal do Entendimento: Com a redução do conteúdo dado, à

vazia forma do conceito, seria este conteúdo despojado de sua determinação e não seria conhecimento. No senso comum o conceito é algo abstrato, vazio, sem conteúdo.

2. Conceito Especulativo: Conteúdo e forma estão tão intimanente interligados que o conceito não pode ser uma forma em si carente de conteúdo. O conceito exposto por Hegel é um resultado que contém todas as determinações anteriores do pensar. “Com certeza, o conceito tem de ser considerado enquanto forma, mas como forma infinita, criadora, que em si encerra e ao mesmo tempo deixa sair de si, a plenitude de todo conteúdo”. O conceito na sua identidade consigo é determinado em-si e para-si; é o resultado de todo movimento lógico que vem desde o ser e o nada imediato, passando pelas determinações reflexivas da essência.

→ O conceito em Hegel1. A unidade do ser-em-e-para-si: O ser-em-e-para-si é um conceito de contraste para a

determinação de uma coisa, a qual a põe nas relações relativas ao exterior. O que é a coisa em e para si, ela não é por outro e para outro, portanto, não no recurso às condições, as quais podem ser cumpridas ou não relativamente a ela. O que é uma coisa em e para si, ela não é relativamente a outras coisas, mas simplesmente ou por excelência.

2. O ser-posto: O ser-posto, ao contrário, é algo no qual ele é intermediado ou fundamentado por outro, portanto, é dependente de ou engendrado por outro. A unidade do ser-em-e-para-si e o ser-posto consiste no fato de que a coisa, sem dúvida, está intermediada, mas não por algo outro, mas por si mesma. Ela contém, portanto, em si mesma seu fundamento. A questão do que torna uma coisa aquilo que ela é alveja o conceito da coisa. Nele, a questão do por que e a questão da quididade coincidem ou a questão do por que se dissolve na questão da quididade.

3. A unidade da universalidade, da particularidade e da singularidade: O que é um conceito no sentido de Hegel é, atualmente, algo praticamente desconhecido. Os momentos do conceito no sentido de Hegel são: a universalidade, a particularidade e a singularidade. Na teoria moderna da ciência, a universalidade do conceito é localizada no nível da linguagem, na qual ela propriamente nada tem a procurar. Para ela, os conceitos universais não são nada mais do que os significados das palavras. A teoria da referência da linguagem conceitualiza o significado da palavra imediatamente assim, que nele a universalidade é negada, na medida em que ela reconduz o significado das palavras às coisas fora no mundo. Mas, não é correto que o significado das palavras são as coisas fora no mundo. Com a contradição de uma representação imediata de um objeto pela sequência dos sons sem espírito, a conexão da linguagem e do mundo se torna enigmática. Uma sequência de sons sem espírito e as coisas do mundo nunca se reúnem. A linguagem fala das coisas no mundo, porque a representação, a qual a linguagem designa com as palavras, se afastou do existente imediato, o qual a percepção sensível apanha e que na cabeça assumiu a forma do universal.

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→ O método: o método, por um lado é analítico pois “a ulterior determinação de seu universal inicial se encontra somente nele, é a absoluta objetividade do conceito, da qual ele (o método) é a certeza.”402; por outro lado, o método é sintético “na medida em que seu objeto, determinado imediatamente como universal simples, mediante a determinidade que ele próprio tem na sua imediatez e universalidade, mostra-se como um outro”. É útil citar neste momento o comentário de Rainer Schäfer a respeito desse vai-e-vém entre o sintético e o analítico no desenvolvimento dialético do método: “ Dialética é o duplo conhecimento, que algo é igual a si (momento analítico), na medida em que se altera (sich verändert) (momento sintético), e que algo, ao se alterar, é consigo mesmo igual, isto é, consigo mesmo torna-se igual. Essa constituição simultânea da mesmidade (Selbigkeit) na outridade (Andersheit) e da outridade na mesmidade, mostra que o processo analítico não é pensável sem o sintético e o sintético não é pensável sem o analítico”. “O método é a consciência relativa à forma do auto-movimento interior de seu conteúdo (...) Este método não é nada distinto de seu conteúdo, pois é o conteúdo em si, a dialética que o conteúdo encerra em si mesmo, que o impulsiona para ir adiante. Claro está que nenhuma exposição poderia considerar-se científica, se não seguir o curso desse método, e se não se adaptar ao seu ritmo, pois este é o curso da coisa mesma (...) De ordinário se conceitua a dialética como um procedimento extrínseco e negativo, que não pertence a coisa mesma”. Ora, uma vez que a dialética será definida na Enciclopédia, de modo geral, como a negação ou o ultrapassar imanente de toda determinação finita do entendimento (Enc: §81) – ou como “negação determinada”, segundo a Fenomenologia (PhG: §79) –, então ela se apresenta também como uma crítica do mesmo, na medida em que demonstra a insustentabilidade e a unilateralidade de suas determinações finitas, condenando-as a serem o que são (finitas, unilaterais, limitadas, parciais etc.) se tomadas em sua fixidez e isolamento, ou seja, sem o seu outro oposto e constitutivo (negativo, contraditório). No entanto, este aspecto negativo-destrutivo da crítica contida na dialética, se considerado apenas assim, implica um resultado puramente vazio e sem conteúdo (um puro nada), tal como o Ceticismo o toma (Enc: §81); mas, definida justamente como negação imanente ou determinada, “a dialética é antes a natureza própria e verdadeira das determinações do entendimento” (ibid), pois estas têm no Outro (na negação) a verdade de si mesmas – a de seu suprassumir-se –, o que mostra precisamente uma conexão necessária da negação com aquilo que é negado, tornando-o (o negado) não um puro nada vazio, mas exatamente um nada daquilo de que resulta, sendo este resultado negativo o afirmativo ou positivo da dialética, isto é, o que Hegel denomina na Enciclopédia de o momento “especulativo ou o positivamente racional”.

Platão: “Essa natureza do conceito [que é] mostrar-se em seu processo como desenvolvimento de si mesmo, é também a que se tem em vista quando se fala de idéias inatas ao homem, ou – como fez Platão – se considera todo o aprender simplesmente como recordação. O que, aliás, não se pode entender igualmente como se o que constitui o conteúdo da consciência cultivada pelo ensino já estivesse presente antes em seu desdobramento determinado da mesma consciência”. Hegel elogia Platão por ter formulado a compreensão do conhecimento como recordação. No entanto, tal idéia não pode ser banalizada como se tudo o que viesse a surgir no mundo, ou seja, o espaço da contingência, já estivesse previamente determinado nas idéias imutáveis. Ao contrário, é preciso diferenciar as esferas da necessidade e da contingência, pois

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não podemos pensar que “o conteúdo da consciência cultivada pelo ensino já estivesse presente antes de seu desdobramento na mesma consciência” (Cf E I, § 161 Z), uma vez que este é o aspecto da contingência. Porém, o cultivo da consciência, que é necessário, visto que determina o homem, é um patrimônio da cultura humana que dela se apropria e que através dela produz novos conhecimentos. É neste sentido que a formulação hegeliana deve ser compreendida, visto que o saber absoluto da Fenomenologia do Espírito é o saber humano, que foi produzido através do desenvolvimento sócio-cultural da humanidade.

→ Doutrina do Conceito dividide-se em três partes: O conceito formal deverá percorrer as etapas de sua auto-exposição através das partes constituintes da Doutrina do Conceito: Subjetividade, Objetividade e Idéia. Todavia, somente a primeira parte é destinada ao tratamento do que comumente chamamos de conceito, a Subjetividade, onde são apresentadas as suas determinações formais: conceito; juízo e silogismo. O conceito é, de início, formal e imediato . Em seu acabamento, será contraposto à Objetividade e, posteriormente, à completude da Idéia. A imediatidade da forma do conceito subjetivo é o resultado da suspensão (Aufhebung) da mediação das esferas anteriores, cuja forma conceitual ocorre segundo o formalismo lógico e caracteriza o que Hegel anteriormente designara como “conceito do conceito”, para diferenciar do “conceito posto como conceito” – que se põe como o outro de si-mesmo – e só pode ser provado por dedução imanente. conceito deve explicitar-se por intermédio da mediação da forma ou negatividade absoluta, cuja articulação interna advém dos seus momentos diferenciados como totalidades: a universalidade, a particularidade e a singularidade. O conceito é uma unidade negativa consigo mesmo e, por sua mediação interna, se efetua (wirken), ou melhor, “a unidade do conceito é pura e simplesmente o efetuante (Wirkende)” (E I, § 163 A), ao contrário da unidade da essência e da existência, que é o efetivo. Hegel pretende salientar que o conceito não é alguma coisa que aparece ou se torna efetivo, mas é a própria atividade da efetivação das coisas, o que também não pode ser confundido com o sentido de causa, pois o conceito não é uma causa que produz uma outra coisa, mas é algo que produz a si mesmo.

1. Doutrina do Conceito Subjetivo ou Formal: desenvolve sobre o Conceito como tal, sobre o Juízo (sujeito e predicado) e sobre o Silogismo, relação que mediatiza a unidade de ambos: Conceito como tal e Juízo. O conceito somente é tratado na terceira parte da obra, pois sua implementação está relacionada e dependente dos desdobramentos dialéticos ocorridos nos dois momentos anteriores da mesma Lógica – os já citados Doutrina do Ser e Doutrina da Essência. Como Hegel assinala em várias passagens da Ciência da Lógica e também da Lógica da Enciclopédia: “o conceito é, assim, a verdade do ser e da essência [...] Enquanto o conceito se demonstrou como a verdade do ser e da essência, que a ele retornaram os dois, como ao seu fundamento, o conceito inversamente se desenvolveu a partir do ser como seu fundamento”. Da perspectiva do entendimento, o que comumente acontece é que o fundamento de uma ciência, ou, ainda de modo mais simples, de um argumento qualquer, seja posto logo no início e então a partir dele teremos, por exemplo, o desenvolvimento de uma ciência ou de um argumento. A questão é que, utilizar esse tipo de procedimento, no mais das vezes, torna-nos vulneráveis às investidas do ceticismo. Como impedir que um

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fundamento qualquer possa estar protegido do ataque a ele feito por meio de algum dos tropos céticos? Como ele declara no início da Doutrina do Conceito, o conceito, apesar de somente vir ao final, constitui o fundamento absoluto, mas que esse fundamento necessita ter-se feito como fundamento. O conceito é, portanto, o fundamento, mas ele somente poderá vir a lume como fundamento a partir de um processo dialético que começa com o ser e passa pela essência. É justamente no último capítulo da Lógica, a Idéia Absoluta, que Hegel nos apresenta esse método dialético que é o motor e o fundamento não só de todo o desenvolvimento da Lógica, mas também da sua filosofia como um todo. Desse modo, pudemos começar a compreender porque na Lógica hegeliana o fundamento somente se estabelece ao final, após um processo dialético de justificação que tem seu início no puro ser indeterminado. Se o conceito é a verdade do ser e da essência na unidade de ambos no mesmo conceito, pareceria estranho que se começasse com algo que pressupõe o conhecimento do que sejam ser e essência ou, como assinala Hegel, “então surgiria a questão do que se entende por ser e essência, e como os dois termos vêm a condensar-se na unidade do conceito.”

○ Conceito como tal: “o conceito como tal contém os momentos da universalidade, enquanto livre igualdade consigo mesma em sua determinidade; da particularidade, da determinidade em que permanece o universal inalteradamente igual a si mesmo; e da singularidade, enquanto reflexão-sobre-si das determinidades da universalidade e da particularidade; a qual unidade negativa consigo é o determinado em si e para si, e ao mesmo tempo o idêntico consigo ou o universal”. Trata-se precisamente de uma homologia entre o conceito especulativo, no plano lógico-real, e o conceito de vontade livre, no plano prático-real, na qual universalidade, particularidade e singularidade são categorias a um só tempo ontológicas e éticas. Há em Hegel uma identidade entre a determinação lógica da singularidade (Einzelheit) e as determinações éticas de singularidade, individualidade (Individualität) e subjetividade (Subjektivität). A primeira parte do conceito é a subjetividade, o momento em que o conceito é apenas formal e aparece, primeiramente, na forma da simples universalidade, depois como conceito particular e, por fim, como o singular. O momento da posição de si como um outro ou objeto é a Objetividade. O retorno do conceito a si mesmo, como momento em que deixa de ser meramente subjetivo ou objetivo e torna-se a unidade de ambos, é a Idéia, o conceito em sua adequação própria, a verdade da razão que aparece em sua posição inicial como idéia imediata ou vida. A vida contém em si a totalidade da qual surge e na qual se realiza e tem o conceito como sua determinação essencial, a alma, de tal modo que a vida é sempre uma totalidade que unifica o corpo e alma, a matéria e a forma, o conceito e a realidade como elementos indissociáveis.

■ Universalidade: O momento Universal contém o Particular e o Singular, ao mesmo tempo que não é a particularidade nem a sigularidade. No sentido comum do conceito, o universal é o próprio conceito enquanto tal, idêntico e indiferenciado consigo mesmo, exterior à multiplicidade de cujo elemento comum no entanto se constitui; já no movimento negativo-

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imanente de externação e retorno especulativos interno ao conceito, o universal é somente um momento, cujo desenvolvimento para a particularidade e a singularidade o faz distinguir-se daquilo que a consciência comum e o Entendimento compreendem como sendo o conceito. A universalidade do conceito segura, para Hegel, o conteúdo universal da coisa na abstração das muitas diferenças possíveis e das circunstâncias do seu existir. Ela não é a universalidade abstrata, que retém o mero comum na abstração das diferenças, às quais, então, também nenhum caminho reconduz. A universalidade do conceito é, antes pelo contrário, o princípio que rege as especificações da coisa, que, portanto, resultam dela. A universalidade não é, portanto, contra, mas na particularidade o universal. Assim, o que temos no universal imediato ou, como também a ele se refere Hegel, no conceito em si? Temos nesse momento inicial, em gérmen, o negativo, e o momento dialético presente nesse início consiste nisto: “que a diferença (Unterschied), que ele (o conceito) contém em si, nele está posta.

■ Particularidade: Este segundo momento do conceito de vontade tem por tarefa pôr uma diferença no interior do querer, retirar o eu de sua unidade abstrata consigo mesmo e colocá-lo em relação com o conteúdo agora desejado. A particularidade do conceito retém as determinações específicas de uma coisa à diferença do seu conteúdo universal. As formas particulares da coisa estão também distinguidas da sua universalidade. Elas contêm um acréscimo na determinidade, a qual não está contida no universal. A determinidade adicional não é, todavia, simplesmente um conceito distinto do universal, mas sua especificação. Um exemplo: o capital em geral existe somente nas suas formas particulares como capital produtivo, como capital comercial e como capital usurário. Suas formas peculiares estão também distinguidas do universal. Ao mesmo tempo, na sua universalidade, o capital relaciona-se a si mesmo nas suas configurações particulares. O momento da particularidade é, portanto, o momento da mediação, o momento em que a vontade encontra-se, por meio de seu conteúdo volitivo, em uma relação mediada com um Outro – Outro este que pode configurar-se como o próprio mundo, ou mesmo como outra vontade. Assim, é por esta determinação que a vontade sai de sua simples forma, de sua liberdade meramente abstrata – que constitui o seu primeiro momento – e então se particulariza e quer efetivamente algo.A vontade livre só é e vem a ser o que é na atividade de sua autodeterminação do universal, um universal que pela sua relação negativa a si se determina e se particulariza, e que, na reflexão sobre esta determinação particular por ele posta, na sua particularização, se encadeia consigo mesmo, emergindo daí como singularidade. O momento da particularidade ocorre no juízo, quando um predicado é atribuído ao sujeito pela cópula “é”. É a relação recíproca da universalidade e da singularidade; é o universal posto, numa

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determinação. Mas, “o juízo somente é a verdadeira particularidade do conceito, pois é a determinidade ou a diferenciação deste último; a qual pertence universalidade”.

■ Singularidade: A singularidade é a unidade negativa consigo e o determinar em si e para-si, e ao mesmo tempo o idêntico consigo ou o universal. Exclui de si outras determinações, é o absolutamente determinado. O singular é o mesmo que o efetivo, sendo que este pode efetuar, enquanto o singular é o simplesmente efetuante. A síntese da universalidade e da particularidade é a singularidade. A singularidade é a própria coisa concreta, desde que ela esteja explicada pelo desenvolvimento da sua particularidade a partir da universalidade do seu conceito. Nos desenvolvimentos especiais do seu conteúdo universal, a coisa permanece idêntica a si mesma e é uma tal, como aquela que é tomada de princípio abstratamente. A singularidade é, com isso, como medida imanente da universalidade e da particularidade, aquilo no qual ambos são inseparáveis. A singularidade caracteriza, portanto, a meta do compreender. A combinação da universalidade e da particularidade na singularidade explicita aquilo que torna uma coisa naquilo que ela é.

○ O Juízo: Na moderna lógica proposicional não existem juízos. Ela conhece somente proposições. Mas, então, também a filosofia e a ciência não se distinguem mais da literatura. Ambas se servem, sem dúvida, da linguagem, mas têm algo diferente no que diz respeito ao conteúdo. Na filosofia e na ciência, trata-se do conceito da coisa e isso condiciona a forma lógica do juízo. Para o juízo, é relativamente indiferente a espécie de proposição na qual ele é expresso. Inversamente, uma proposição contém comumente um sujeito e um predicado. Ora, o que é um juízo? Em todo juízo, o sujeito e o predicado são postos [como] idênticos pela cópula “é”. Por outro lado, eles são também diferentes. O juízo expressa a identidade e a diferença; as duas coisas valem apenas dentro do juízo. A lógica moderna conceitualiza o juízo como: nós atribuímos a um objeto um predicado. Mas, em geral, um predicado não existe separadamente do juízo, portanto sem sua relação a um sujeito. No juízo é afirmado, independentemente do ato subjetivo do julgar, que um objeto está constituído assim ou assim. No juízo, eu não atribuo a um objeto qualquer qualidade. Antes pelo contrário, eu afirmo que a qualidade como competindo ao objeto. Na lógica dialética conteúdo e forma estão intimamente interligados como elementos do juízo: Sujeito e Predicado. O Sujeito é antes de tudo singular e o Predicado é o Universal; o Predicado é o enunciado. O juízo mesmo não é senão o conceito determinado, ou seja, particularizado. O Sujeito sem o predicado é vazio de conteúdo; é pura representação. “Só no predicado o sujeito tem sua determinidade expressa e conteúdo”. Assim, “o predicado é o abstrato, o indeterminado, o universal. Mas já estão ligados por “é”, deve também o predicado conter, em sua universalidade, a determinidade do sujeito; e desse modo ela é particularidade, a qual é identidade posta do sujeito e do predicado; enquanto, pois, ela é algo indiferente a essa diferença de forma, é conteúdo”.

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Qual papel desempenham o sujeito e o predicado no juízo? No juízo, o sujeito é, em primeiro lugar, nada mais do que um nome de uma coisa concreta efetiva representada, da qual é retida somente sua identidade, sua inconfundibilidade em relação às outras coisas no mundo. O que o sujeito é, diz apenas o predicado. É, portanto, um erro entender que já se saiba antes do juízo o que constitui o objeto e o juízo seja meramente uma expressão desse saber. Antes do juízo tem-se somente uma representação indeterminada da coisa. Para saber o que a coisa é, é necessário julgar. “O juízo é esse pôr dos conceitos determinados pelo próprio conceito” (WdL II, p. 3029; SL III, p. 99), de fato, ele é a primeira determinação do conceito, posto que pelo processo interno de negar-se, o conceito divide-se e determina-se na forma da atribuição de predicados ou qualidades. A cópula (S é P) seria o índice da unidade originária do conceito que, em virtude de sua partição interna e originária, está dividido em sujeito e predicado. No processo de interiorização destas diferenças do conceito, elas se relacionam como extremos independentes, e a cópula indica a identidade apenas abstrata do sujeito e do predicado. Porém, em virtude da identidade dos termos, o sujeito tem de pôr-se como determinação do predicado, assim como o predicado também recebe a determinação do sujeito (Cf. E I, § 171), fazendo com que a cópula se encha de conteúdo, o que a transforma no termo médio do silogismo: “Por intermédio desse preenchimento (Erfüllung) da cópula, o juízo transforma-se em silogismo”. Hegel denomina este processo de determinação progressiva (Fortbestimmung) do juízo, por intermédio da qual o conceito preenche o ‘é’ vazio da cópula. Temos 4 formas de juízo.

■ Juízo Qualitativo ou Juízo do ser-aí: Os juízos do ser-aí são os juízos mais elementares. Eles são juízos descritivos que têm sua prova na percepção. Neles, a uma única coisa é atribuída uma determinação qualitativa, uma propriedade. Em tais juízos, o predicado se comporta, portanto, ao sujeito não à maneira do conceito. Neste tipo de juízo o predicado é uma qualidade abstrata, mediata; forma e conteúdo não correspondem um ao outro: “a inversade do juízo imediato consiste em que sua forma e seu conteúdo não correspondem um ao outro”. “Quando dizemos: "Esta rosa é vermelha", está implicado na cópula "é" que sujeito e predicado concordam um com o outro. Ora, a rosa, como um concreto, não é simplesmente vermelha, mas também exala perfume, tem uma forma determinada e muitas determinações diversas, que não estão contidas no predicado vermelho”. A tese de Hegel é que nós não podemos determinar conclusivamente uma coisa apenas pelas suas qualidades. Pode-se enumerar sempre ainda mais, diferenciar ainda adicionalmente, sem que a identidade da coisa seja captada completamente.

1. O juízo positivo: Esta rosa é vermelha (mas também espinhosa, cheirosa etc.).

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2. O juízo negativo: Esta rosa não é vermelha (mas sim amarela, rosa etc. ou rósea).

3. O juízo infinito: a) A rosa não é nenhum elefante, b) a rosa é a rosa.

■ Juízo da Reflexão: são juízos explicativos que, num nível mais elevado, já reivindicam uma certa investigação do pensar. Nos juízos da reflexão entram em cena predicados, os quais igualmente ainda não são o conceito da coisa, mas sim somente pontos de vista gerais essenciais, que põem uma coisa em relação à outra, pela qual suas qualidades são apenas a base. Por exemplo: “Esta planta é medicinal”. Contudo, os predicados gerais da reflexão têm que ter seu apoio ou sua medida na natureza conteudística do gênero do objeto. Eles pressupõem que na planta medicinal se trata, por exemplo, de arnica ou de salva. “diferencia-se em geral do juízo qualitativo, porque seu predicado não é mais uma qualidade abstrata, imediata, mas de uma mas de uma espécie tal que o sujeito por meio dele se mostra como referido a outra coisa. [...] Se proferimos o juízo ‘Esta planta é curativa’, consideramos o sujeito como estando por seu predicado em relação a outra coisa (no caso, com a doença a ser curada pela planta)”.

1. O juízo singular: Esta planta é curativa.2. O juízo particular: Algumas/várias plantas são curativas.3. O juízo universal: Todos os homens são mortais.

■ Juízo da Necessidade: expressam uma relação interior, necessária, predicado ao sujeito. E o que faz a relação ao sujeito ser necessária é a “unidade de conteúdo, como universalidade idêntica à reflexão-sobre-si negativa do sujeito”. o juízo se levanta ao nível do conceito. O da coisa tem que somente ser adquirido no desenvolvimento das formas do juízo. No juízo da necessidade uma coisa é determinada conforme sua essência substancial. “O ouro é um metal” ou “a rosa é uma planta”. Essa forma do juízo não declara mais essencialmente uma coisa para uma outra ou numa conexão determinada com outra, mas sim sua própria essência em e para si mesma. Podem ser de três espécies:

1. Juízo Categórico:juízo imediato (esfera do Ser) da necessidade e corresponde a relação-de-substancialidade na esfera da Essência(O ouro é metal; A rosa é uma planta). Ex: A rosa é uma planta, o ouro é um metal.

2. Juízo Hipotético: “a determinidade do conteúdo aparece como mediatizado, como dependente de outra coisa, e isto é justamente a relação de causa e efeito”. Ex: Se A é, então é B.

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3. Juízo Disjuntivo: “Ora, a significação do juízo hipotético é, em geral que por meio dele o universal é posto em sua particularização, e assim obtemos como terceira forma o juízo da necessidade, o juízo disjuntivo”. A é B ou C ou D: a obra de arte poética ou lírica, ou épica ou dramática. Ex: A obra de arte é ou lírica ou épica ou dramática.

■ Juízo do Conceito: é um juízo normativo, no qual não se trata de determinar o conceito de uma coisa, mas de pôr uma coisa em questão em relação ao seu conceito. Neles, uma coisa singular é ajuizada a este respeito, se ela corresponde ou não ao seu conceito. Os juízos do conceito são juízos na forma do ajuizar. Eles são juízos apreciativos. Por exemplo: “Esta casa constituída assim e assim é boa”. O juízo do conceito já contém um argumento para sua afirmação, faz, portanto, a transição para o silogismo. “Quando dizem: esta ação é boa, eis um juízo do conceito. Nota-se logo que aqui entre sujeito e precado não se encontra esta ligação frouxa e exterior do juízo imediato. Enquanto neste juízo o predicado consiste em uma qualidade abstrata qualquer que pode pertencer, ou não, ao sujeito - no juízo do conceito, ao contrário o predicado é, por assim dizer, a alma do sujeito”.

1. O juízo assertórico: Esta casa é boa/má.2. O juízo problemático: Esta casa, conforme é constituída, é

boa/má.3. O juízo apodítico: A casa assim e assim constituída é boa.

○ Silogismo: Ao expor sobre o processo ativo do conceito, Hegel destaca que, embora seja correta a afirmação de que o juízo remete ao silogismo, o movimento, próprio ao juízo mesmo, é que precisamente põe-se como silogismo. O conceito ‘cheio’, ou completamente posto, é o silogismo resultante do movimento dialético do juízo, que une as exterioridades autônomas por intermédio da unidade diferenciada. Hegel considera o silogismo como a unidade e a verdade do conceito e do juízo, ou seja, é a explicitação completa do conceito que, ao cumprir-se como tal em toda sua racionalidade, passa para a esfera do seu ser-outro, a Objetividade. Portanto, o conceito, primeiramente, é como um fim interno, algo que existe apenas em si ou, numa linguagem aristotélica, poderíamos dizer que é a potência que deve existir concretamente, ou objetivar-se. Enquanto é pura potência, o conceito está em si mesmo, mas, na atividade de sua diferenciação interna, vai ganhando determinações até que passa para a Objetividade, atualizando parte de sua potência como conceito para si. Temos três graus de silogismo:

■ Silogismo Qualitativo ou Silogismo do ser-aí: A relação é imediata ou casual. Dado um objeto singular, ao qual são inerentes propriedades múltiplas, sem que nelas ele fosse conclusivamente determinado, é

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destacada uma qualidade particular e, então, novamente, é extraída dessa ainda algo mais universal. Por exemplo: “Esta rosa é vermelha; vermelho é uma cor, portanto, a rosa é um colorido”. Não se quer contradizer diretamente. Mas o que deve, no conhecimento, ser conquistado com esse silogismo, também não é claro. Hegel diz que ele é formal e subjetivo. Chegar da “rosa” ao “colorido” é igualmente casual como do “colorido” à “rosa”. Pois a rosa é colorida somente entre outras coisas, assim como o colorido apenas entre outras coisas é uma rosa. O meio do silogismo une os extremos meramente por uma comunhão arbitrária. O silogismo do ser-aí é, portanto, uma forma defeituosa da fundamentação de um juízo. É relevante destacar o aspecto contigente deste silogismo imediato, ou seja, do silogismo do entendimento. Assim, em relação ao simples silogismo-do-entendimento, no qual a singularidade, a particularidade e a universalidade se contrapõem de modo igualmente abstrato. São três as figuras pelas quais o Silogismo Qualitativo atravessa no processo para o Silogismo-da-reflexão:

1. S-P-U: O singular é mediatizado como universal e nessa conclusão é posto como universal. Na progressão dá-se a segunda figura do silogismo qualitativo. (= a primeira figura aristotélica no modo Barbara, no qual o termo médio uma vez existe na posição do predicado, uma vez na posição do sujeito: SM, MP: SP): Exemplo: Esta rosa é vermelha (S-P). Vermelho é uma cor (P-U). Portanto esta rosa é um colorido (S-U)

2. U-S-P: exprime a verdade da segunda figura de que a mediação ocorreu na singularidade, ou seja, de que o singular, enquanto sujeito, é a unidade dos dois extremos. (= a terceira figura aristotélica, na qual o termo médio existe duas vezes na posição do sujeito reconstruída no modo Datsi, o qual tem uma premissa particular e uma conclusão particular: MP, MS; SP): Exemplo: S-U (U): Aspiradores são úteis. S-P (P): Algumas coisas são aspiradores. P-U (P): Algumas coisas são úteis.

3. P-U-S: “A segunda figura conclui-junto o universal com o particular. O universal é assim posto como particular mediante esta conclusão; portanto como o mediatizante dos extremos, cujos lugares os outros agora assumem” (= a segunda figura aristotélica, na qual o termo médio fica ambas as vezes na posição do predicado reconstruída no modo Camestres, a qual tem uma s-premissa e uma s-conclusão: PM, SM: SP): S-U (U): Todos os homens são mortais. P-U (S): Nenhuma pedra é mortal. S-P (S): Nenhum homem é uma pedra.

■ Silogismo-de-reflexão: é a unidade refletida, ou seja, desenvolvida, da singularidade e da universalidade, quando a unidade mediatizante do

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conceito não deve mais ser posta como uma particularidade abstrata. a relação casual do resultado e da mediação no silogismo do ser-aí é superada; mas mesmo ainda de modo defeituoso. Em todas as subformas do silogismo da reflexão, o universal objetivo do gênero, de cujos representantes os singulares entram em cena, está pressuposto como fundamento desconhecido e anônimo do competir da determinação adicional dos singulares.

1. Silogismo da totalidade: Neste silogismo um singular obtém um predicado universal da reflexão em virtude da sua filiação a uma classe dos casos singulares de um gênero universal, aos quais compete o mesmo predicado. Aqui, a universalidade do gênero entra em cena, portanto, na forma da totalidade. Por exemplo: “Todos os homens são mortais; Caio é um homem; logo, Caio é mortal”. Hegel destrincha que esse silogismo, que a lógica formal considera o silogismo por excelência, é um círculo vicioso de fundamentação, porque a conclusão já está contida na premissa maior, de modo que a própria premissa maior já pressupõe a conclusão, cujo fundamento ela deve ser. Com efeito, não deve ser afirmado que todos os homens são mortais, se isso no Caio singular ainda é a questão. Como modelo excelente de um silogismo formalmente válido, o silogismo da totalidade é simultaneamente um modelo sem valor de conhecimento. Exemplo: P-U: Todos os homens são mortais. S-P: Caio é um homem. S-U: portanto, Caio é mortal.

2. Silogismo da indução: O silogismo da totalidade transita para o da indução, já que apenas a prova empírica separada de todos os casos singulares permite a quantificação universal. Por exemplo: “O ouro é um metal, o cobre é um metal, etc. O ouro conduz eletricidade, o cobre conduz eletricidade, etc. Portanto, todos os metais são condutores elétricos”. A indução permanece sempre incompleta. A enumeração infinita dos casos singulares de um gênero não passa da casualidade da coincidência dos singulares com a determinação procurada. Aqui “todos” pode apenas significar “todos os casos até agora observados”. A quantificação universal não deve ser resgatada. De um acúmulo de acasos não resulta nenhuma necessidade. A aparência de um silogismo se origina, em geral, apenas pelo etc., pela inconclusividade da enumeração. Se se dissesse logo: os 27 metais até agora conhecidos são condutores elétricos, então seria evidente que isso não é nenhuma razão para que todos os metais sejam condutores elétricos. Independentemente do silogismo da indução, em um círculo vicioso é pressuposto, na conclusão deste, que o predicado compete ao próprio gênero dos

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singulares. Exemplo: U-S: O ouro é metal, o cobre é metal etc. S-P: O ouro conduz, o cobre conduz etc. U-P: Portanto: todos os metais conduzem

3. Silogismo da analogia: A análise do defeito da indução conduz ao silogismo da analogia. Quando a série infinita dos singulares já enumera coisas centradas do mesmo gênero, então a enumeração em geral é supérflua. O gênero comum dos singulares fornece o fundamento do silogismo em um novo caso. No silogismo da analogia é inferido que a uma coisa de um certo gênero compete uma qualidade determinada e que também a outras coisas do mesmo gênero compete a mesma qualidade. Hegel mostra que o silogismo da analogia pode ir pertinentemente ao lado. Ele pode falhar, porque o medius terminus (o termo médio) é contraditório: ele contém tanto o gênero como também a coisa singular que possui todas as propriedades possíveis, as quais têm a ver com seu gênero, de modo que permanece pouco claro até que ponto a propriedade que é inferida do segundo exemplar do mesmo gênero corresponde ao primeiro exemplar. Exemplo: S-U (U-S): A terra tem habitantes. O homem Caio é um letrado. U-P (P-U): A lua é uma terra. Titus é também um homem. P-S : Portanto, a lua tem habitantes. Portanto, ele será provavelmente também um letrado

■ Silogismo-da-necessidade: o universal do gênero se torna explícito como esse fundamento. Nele, o universal do gênero ou o conceito da coisa atua como fundamento da explicação para a constituição da coisa constatada primeiramente de forma não-compreendida. O silogismo da necessidade diz: porque a propriedade particular de um exemplar do gênero está determinada pela sua pertinência ao gênero, elas são qualidades necessárias do exemplar do gênero. O Silogismo da necessidade, tomado segundo as determinações puramente abstratas tem por meio-termo o universal; pertence à terceira figura (P-U-S). Trata-se do universal posto como determinado em si.

1. O silogismo categórico: S-U: O ouro é um metal. U-P: Metais são condutores elétricos. S-U: Portanto, o ouro é um condutor elétrico.

2. O silogismo hipotético: Se A é, então é B. Ora, A é, Portanto, B é.

3. O silogismo disjuntivo: A é ou B ou C ou D A obra de arte poética é ou lírica ou épica ou dramática. Mas A não é C nem D Esta obra de arte poética é nem épica nem dramática. Portanto, A é B Portanto, ela é lírica.

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1. Doutrina do Conceito como determinado à imediatez ou Doutrina da Objetividade: Este momento da subjetividade (conceito, juízo e silogismo) de se abrir para objetividade ocorre quando, através do silogismo, a própria subjetividade, enquanto dialética, rompe seu limite. O Objeto, num primeiro momento, qual seja, o de passagem da subjetividade para objetividade, é apenas um objeto imediato, espontâneo. Contudo, no prosseguir da sua lógica especulativa, Hegel alcança o objetivo para além de um essente absoluto, uma coisa existente, ou um efetivo. Na Essência tinha-se o conceito enquanto conceito posto, o que significa dizer que a relação é só o relacionamento dos lados reais que devem ser refletidos sobre si. Em contrapartida, na Doutrina do Conceito, quando a subjetividade rompendo o seu próprio limite, pelo movimento dialético, torna-se-junto-com-a-objetividade, o conceito passa a ser em si e para si; é o conceito absolutamente concreto, o qual teve o seu começo no Ser enquanto conceito somente em si. Para Hegel, é tarefa, pois, da filosofia superar a oposição da subjetividade e da objetividade por meio do pensar. Pelo conhecimento há que se retirar do mundo objetivo sua estranheza. Hegel refere-se à Objetividade como ‘esse ser que é uma coisa que é em si e para si’, é uma nova imediatidade oriunda da suspensão (Aufhebung) total da mediação operada pelo silogismo, como resultado da esfera da Subjetividade. Na Doutrina do Ser tínhamos o ser imediato e vazio, agora, temos o ser do conceito como resultado do processo que lhe antecede. Por isso, a Objetividade é, novamente, um imediato, mas que pressupõe os momentos que foram ultrapassados como momentos de ampliação da explicitação do conceito e, portanto, ocupa um lugar mais elevado em relação à Subjetividade, e um lugar inferior em relação à Idéia. É a esfera intermediária da Doutrina do Conceito, e, como tal, é idêntica com a mediação, ou seja, o ser da Objetividade é um tal ser imediato que é a pura mediação. É, também, o momento da auto-posição do conceito como esfera especulativa do objeto e, deste modo, é o conceito que se põe como ser ou, poderíamos afirmar, é o ser do conceito e, dessa forma, o local privilegiado de explicitação do argumento ontológico. Segundo Ilting (1987, p. 356), sob o conceito de Objetividade, “Hegel entende cada modo da existência na qual o conceito não está mais como algo interno, mas como objeto”. Todavia, a Objetividade não é a existência completa, mas o é apenas de modo imediato e, por isso, Hegel afirma que Deus só pode ser compreendido na Idéia, que mostra a verdade como conceito adequado. Na Objetividade, a unidade do sujeito e do objeto é apenas pressuposta, constituindo-se em uma identidade abstrata que logo tem diante de si a diferença, pois o conceito está como algo externo a si mesmo, na forma do objeto. Temos três formas de objetividade:

○ O Mecanismo: é o objeto em sua imediatez e o conceito é somente em si. Também atravessa graus: mecanismo formal, mecanismo não-indiferente e mecanismo absoluto. “O objeto mecanicamente determinado é o objeto indiferente, imediato. Contém, decerto, a diferença, mas os diversos se comportam como indiferentes uns com os outros, e sua união lhes é somente exterior”. Deste modo, o próprio princípio do mecanismo indica uma representação da natureza como um todo de forças interagindo entre si, como um sistema de causalidade recíproca. Ainda que o mecanismo tenha esta

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destinação à totalidade, não a alcança plenamente, visto que, em si mesmo, não pode concordar com o conceito de uma finalidade na natureza. A partir deste impasse, que instaura a oposição entre ambos os princípios, percebemos a necessidade de um terceiro elemento que seja mediador entre ambos e que possa resolver o problema. Logo, este terceiro elemento deve ser capaz de introduzir a finalidade no interior mesmo do mecanismo. Este elemento mediador é o homem, ou poderíamos dizer de outro modo, este elemento se encontra na atividade intencional do trabalho humano.

○ O Quimismo: contém o não indiferente em seu sentido positivo, qual seja: a negação da negação em seu processo de suprassunção. Essa é a sua qualidade. Os objetos são por meio de sua relação de uns com os outros. No Quimismo a mediatez da existência é negada em si pelo fato de que sua autonomia é mediatizada por sua relação recíproca e o objeto é posto em relação para com seu Outro. Assim, o Quimismo é a relação reflexiva da objetividade com natureza não-indiferente dos objetos que foram suprassumidos à imediatez deles no momento do Mecanismo. Todavia, diz Hegel, “O processo químico é ainda um processo finito, condicionado. O conceito como tal é apenas o interior desse processo, e aqui não chega ainda em seu ser-para-si, à existência”. Tanto no mecanismo quanto no quimismo encontramos a não liberdade do conceito que está posto e imerso na exterioridade, o que demonstra a contradição desta situação, visto que o ‘fim é o conceito em existência livre’. Quimismo e mecanismo, portanto, estão baseados na necessidade natural e, neste, o conceito existe apenas como objeto mecânico; naquele tem uma existência unilateral. Por um lado, Hegel reconhece que eles (mecanismo e quimismo) permanecem no interior da mesma forma natural de finitude, por outro lado, contudo, o autor observa que esses princípios, mesmo sem pretender transgredir os limites do finito, se estendem sempre mais além, em busca de uma totalidade formal mediante conceitos.

○ A Teleologia: é o momento em que o conceito passa à existência. O realizar do fim é a atividade de negação à oposição, de modo que a põe idêntica consigo. O fim realizado é a unidade posta do subjetivo (do conceito formal) e do objetivo (o objeto). Ela mesma, a relação teleológica, tem o seu momento de imediatez exterior. É um fim finito e está implicada na imediatez da sujetividade do fim. Se o conteúdo enquanto contigente e dado, o objeto, por conseguinte, é um particular. Porém, diz Hegel: “A relação teleológica é o silogismo em que o fim subjetivo se encadeia com a objetividade, que lhe é exterior, através de um termo-médio que é a unidade dos dois, como a atividade conforme-ao-fim, e como a objetividade posta imediatamente sob o fim, é o meio”. São, por conseguinte, três os degraus pelo Quais o Fim ascente à Ideia. i) o fim subjetivo, ii) do fim em via de realizar-se, posto que a execução do fim é o momento de realizar o fim; iii) do fim realizado, que é, precisamente, a unidade posta do subjetivo e do objetivo. Na teleologia nós temos a exposição do processo subjetivo do conceito, cuja melhor explicitação ocorre através do trabalho humano sobre os materiais da natureza, fazendo com que estes atuem a favor

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do homem, ou seja, o homem utiliza as potencialidades naturais contra a própria natureza, em benefício próprio. Com esta atuação, caracterizada por Hegel como “astúcia da razão”, temos a definição e o acabamento da teleologia externa e a transição para a Idéia, que no entender de Hegel é a teleologia interna. Deste modo, o conceito subjetivo conclui a sua transposição para a objetividade exterior, ganhando maior concreção conceitual até seu acabamento como vida lógica ou idéia imediata. O homem, como produtor de artefatos e com a capacidade de transformar a natureza em seu próprio benefício, introduz a sua finalidade na natureza e lhe dá uma feição antropologizada. O trabalho humano transforma a natureza em um produto cultural (o domínio do espírito), com todas as conseqüências benéficas e adversas que tal atividade pode acarretar. O ponto central da análise hegeliana acima exposta é o da oposição imediata entre o fim subjetivo (que vem a ser os fins humanos e a proteção do homem) e o objeto, colocado como a natureza indiferente e hostil frente ao homem. O trabalho é o terceiro termo deste silogismo que soluciona a oposição entre os dois extremos (o fim subjetivo e a natureza como objeto) utilizando-se do mecanismo da natureza como um meio de produção de um objeto/artefato. No entanto, o mais importante desta análise é que Hegel demonstra a inserção da finalidade humana (o fim externo) no seio do mecanismo, mediante a negação do objeto natural na sua forma imediata (objeto inicial), transformando-o em um instrumento (Werkzeug) que irá produzir um fim exterior e totalmente distinto dele. O instrumento representa os materiais de trabalho, como o arado, a enxada, etc., que são criados, a partir da natureza, para produzir fins humanos e distintos desta mesma natureza. Em resumo, no processo da finalidade subjetiva, temos a atitude prática, em que o fim é algo que se impõe a um mundo que sem ele seria mera casualidade, uma finalidade que subordina a si o mecanismo e o quimismo, deixando-os, ao mesmo tempo, intactos, em uma aparente independência. O fim subjetivo é tanto posição quanto pressuposição; o instrumento tanto é subordinado ao fim quanto subordina o fim a ele mesmo; o produto do trabalho tanto é o fim realizado quanto é meio para outro fim; o que revela que a relação existente entre eles pertence ao âmbito da finalidade externa. Na medida em que a finalidade externa é o princípio que rege a relação técnica do homem com a natureza, a mediação entre mecanismo e teleologia, obtida através do trabalho, não consegue tornar efetiva a unidade de ambos os termos.

1. Doutrina da Idéia, do sujeito-objeto, que é a unidade do conceito e da objetividade:

○ A Ideia: No processo lógico dialético, que vai do Começo abstrato ao Conceito Concreto, a Ideia conclui a Doutrina do Conceito suprassumindo toda e qualquer unilateralidade subjetiva ou objetiva desta esfera da Ciência da Lógica. “A idéia é o verdadeiro em si e para si, a unidade absoluta do conceito e da

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objetividade”. A Idéia em Hegel é essencialmente processo; é seu próprio resultado, e como tal é tanto o imediato como o mediatizado. Todos os graus aqui considerados do Ser, da Essência, do Conceito e da Objetividade, no movimento dialético, são momentos da Ideia. E ela é essencialmente concreta. Os graus que a Ideia percorre (enquanto processo) são três:

i. A Vida: na forma de imediatez. “A ideia imediata é a vida. O conceito, como alma, é realizado em um corpo, de cuja exterioridade essa alma é a universalidade imediata referindo-se a si [...] O conceito de vida é a alma, e esse conceito tem o corpo por sua realidade. A Alma, por assim dizer, está difundida em sua corporeidade, de modo que é somente sensível, mas não ainda [um] livre ser-para-si”. A vida lógica, a idéia pura que corresponde à finalidade interna não pode ser confundida nem com a vida orgânica e nem com a vida do espírito. Embora contenha em si a estrutura de determinação daquelas, ela é a vida apenas como conteúdo da idéia especulativa. A vida orgânica será objeto da filosofia da natureza e a vida do espírito, da filosofia do espírito em geral: espírito subjetivo, objetivo e absoluto. Na Ciência da Lógica, a vida do espírito aparece na idéia do conhecer e na idéia do bem, como dimensões constitutivas do homem enquanto ser no mundo. A vida do espírito é alguma coisa muito peculiar que contém em si, como determinação essencial, o desenvolvimento completo da liberdade. Contudo, a vida é a idéia na sua existência apenas imediata. Como pura existência real, a vida é também o ponto mais alto a que chega a natureza. O organismo vivo é uma perfeição natural e, neste sentido, a vida fica contraposta ao espírito que é, na verdade, tudo o que a natureza não é. A vida, como atividade da forma, é o universal que contém em si o impulso à particularidade e, portanto, à especificação na multiplicidade dos organismos, mas, ao mesmo tempo, reconduz em si mesma esta multiplicidade na simplicidade de sua unidade. Portanto, a vida é real somente enquanto singularidade (Einzelheit) viva, ou seja, a unidade do particular e do universal. A idéia aparece em sua primeira determinação como finalidade interna sob a égide da categoria da vida lógica ou vida imediata. A vida lógica, como momento inicial da idéia, compreende a unidade da lógica objetiva e subjetiva. O que surge neste local da lógica é, portanto, o resultado verdadeiro de todo o processo que lhe é antecedente.

ii. O Conhecimento: na forma de mediação ou diferença; “O processo da vida consiste em superar a imediatez, à qual a vida ainda está presa, e esse processo que por sua vez é ele mesmo um processo, tríplice, tem por seu resultado a ideia na forma do juízo; quer dizer, a ideia enquanto conhecimento”. A vida não é apenas um objeto contraposto ao sujeito, mas resulta do desenvolvimento da subjetividade do conceito que engendrou a objetividade até a unidade de um todo somente existente na unidade destas diferenças. Por isso, a vida como expressão da teleologia

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interna pré-figura a realidade do conhecimento do objeto (seja ele apenas epistemológico ou uma natureza aí encontrada), uma vez que é o objeto de onde sai o Eu como sujeito do conhecimento do objeto, e como objeto do conhecimento do Eu, no âmbito da autoconsciência, que ultrapassa o campo da vida com o mundo do espírito. Como o conhecimento é um atributo do espírito e somente um ser dotado de consciência e razão é capaz de conhecer, é necessário explicitar os passos da vida lógica que nos conduzem à Idéia do Conhecer. Estes passos são compostos pelo processo interno de desenvolvimento da vida, que abarca todo tipo de vida natural e que acaba circunscrita à vida superior do animal capaz de consciência, que é o homem. A vida lógica é a unidade do conceito e do objeto, a idéia imediata que tem a forma do indivíduo vivo. A universalidade abstrata da vida lógica é o gênero, que se divide na forma do juízo (Ur-teilung der Idee) e vem a constituir o conhecimento.

iii. A Ideia Absoluta: último Grau do processo lógico. “A ideia absoluta é, antes de mais nada, a unidade da ideia teórica e da ideia prática; e assim, ao mesmo tempo, a unidade da ideia da vida e da ideia do conhecimento”. A ideia absoluta também seria o universal, não como abstração, mas como desdobramento lógico de todo o processo, o “desenvolvimento vivo da ideia”. “Também se pode dizer, quanto a isso, que a ideia absoluta é o universal, mas o universal não simplesmente como forma abstrata, à qual o conteúdo particular se contrapõe como um Outro; e sim como a forma absoluta á qual retornam todas as determinações, a plenitude total do conteúdo. (...) O interesse reside no movimento [em seu] todo”. A ideia imediata, ou seja, a Vida, consiste em Ser apenas - e, daí, unilateralmente, ideia essente. Por seu turno, o Conhecimento também, unilateralmente é a ideia essente para si. Ora, a unidade e a verdade destas duas ideias é “a ideia essente em si e para si, e por isso absoluta”. A primeira parte do conceito é a subjetividade, o momento em que o conceito é apenas formal e aparece, primeiramente, na forma da simples universalidade, depois como conceito particular e, por fim, como o singular. O momento da posição de si como um outro ou objeto é a Objetividade. O retorno do conceito a si mesmo, como momento em que deixa de ser meramente subjetivo ou objetivo e torna-se a unidade de ambos, é a Idéia, o conceito em sua adequação própria, a verdade da razão que aparece em sua posição inicial como idéia imediata ou vida. O juízo originário do conhecer é a marca da totalidade cindida, efetuada pela própria universalidade da idéia que se separa de si e se põe como sujeito e objeto, para se conhecer nessa alteridade que é ela mesma. A idéia subjetiva, portanto, refere-se apenas ao momento unilateral da mediação da consciência, mas não alcança o retorno à totalidade, antes de chegar à idéia absoluta. A idéia absoluta não é uma nova forma lógica, mas é a própria forma da lógica como o seu conteúdo

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pleno, como acabamento das categorias lógicas e como unidade da diferença da estrutura própria da idéia, é um resultado cujos momentos superados e mantidos são a vida e o espírito. Dessa forma, a vida do espírito não é apenas uma elevação em relação à vida lógica, mas é também a manutenção do movimento e do autofim do vivo no espírito, para torná-lo espírito vivo e princípio do movimento da idéia, e não categoria morta de uma lógica subjetiva restrita a conteúdos psicológicos. Ao definir a idéia absoluta, ao final da Lógica, Hegel diz que esta é “um retorno à vida” (WdL II, p. 549; SL III, p. 368). Como um novo imediato que tem em si os momentos negados, ela é “uma imediatidade suspensa e oposição suprema em si” (Idem, ibid.). Portanto, é vida, mas a forma acabada da vida lógica da idéia, que é a vida do logos ou do pensar. Por isso, Hegel continua retomando as partes relativas à vida, mostrando que na vida da idéia absoluta o conceito não é apenas alma, como era na vida lógica com a relação corpo/alma, mas “é a subjetividade livre que é para si, que tem a personalidade” (Idem, ibid.). Como vida do logos, é o eterno presente, por isso Hegel declara: “somente a idéia absoluta é ser, vida imperecível, verdade se sabendo, e é toda verdade” (Idem, ibid.). Como verdade absoluta, ela não pode se opor à verdade da religião, embora não seja esse o seu objeto. A unidade da idéia lógica da vida e do espírito, que é a idéia absoluta, demonstra o verdadeiro ponto de partida do conhecer que é a unidade do conceito e da objetividade. O que o conhecimento faz, de modo equivocado, é separar esta unidade e tomar ora um lado, ora o outro como o verdadeiro, sendo incapaz de compreender a unidade prévia da qual se deve partir no ato do conhecer.

○ “ ideia é a verdade, pois a verdade é que a objetividade corresponda ao conceito, não que as coisas exteriores correspondam a minhas representações; essas são somente representações corretas, que Eu, este [aqui] tenho. (...) O ser singular é um lado qualquer da idéia; para este [singular], portanto, é mister ainda outras efetividades, que aparecem igualmente autônomas particularmente; só nelas em conjunto, e na sua relação, o conceito se realiza. O singular, para si, não corresponde ao seu conceito; essa limitação de seu ser-aí constitui sua finitude e sua ruína. (...) O absoluto é a idéia universal e una, que enquanto julgante se particulariza no sistema das ideias determinadas, que, no entanto, só consistem em retornar à idéia una: a sua verdade. É por esse juízo que a idéia é, antes de tudo, somente a substância una, universal; mas sua efetividade verdadeira, desenvolvida, é ser como sujeito e, assim, como espírito. Com frequência, a idéia é tomada por algo lógico, puramente formal, na medida em que não tem uma existência como seu ponto de partida e de apoio. (...) Igualmente falsa é a representação como se a idéia fosse somente o abstrato. Certamente, ela o é, enquanto como todo o não-verdadeiro nela se consome; mas a idéia é nela mesma essencialmente concreta, por ser o conceito livre que

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se determina a si mesmo, e assim se determina para [tornar-se] realidade. Só seria a idéia o formalmente-abstrato, se o conceito, que é seu princípio, fosse tomado como a unidade abstrata e não, tal como ele é, como o retorno negativo de si a si mesmo, e como a subjetividade”.

○ Verdade: “Por verdade entende-se, antes de tudo, que eu sei como alguma coisa é. No entanto, isso é verdade só em relação à consciência; ou a verdade formal, a simples exatidão. Ao contrário, no seu sentido mais profundo, consiste em ser a objetividade idêntica ao conceito. (...) São verdadeiros esses objetos quando são o que devem ser, isto é, quando sua realidade corresponde ao seu conceito. Assim compreendido, o não-verdadeiro é o mesmo que aliás também se chama o mau. Um homem mau é um não-verdadeiro homem, isto é, um homem que não se comporta conforme seu conceito ou sua determinação. Contudo, totalmente sem identidade do conceito e da realidade, nada pode ter consistência. O que é totalmente mau, ou contrário ao conceito, é, justamente por isso, algo que em si mesmo se desagrega. É somente pelo conceito que as coisas do mundo têm sua consistência, quer dizer, na linguagem da representação religiosa, as coisas são o que são somente pelo pensamento divino – e por isso criador – que lhes é imanente. Quando se fala de idéia, com isso se deve representar algo distante e além. A idéia é antes o absolutamente presente, e também se encontra igualmente em cada consciência, por perturbada e distorcida que seja. (...) A idéia é, antes, seu próprio resultado, e, como tal, é tanto o imediato como o mediatizado”

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