haras - publicar seu livro agora ficou fácil e totalmente ... · dentre milhões de estrelas, isso...

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1 HARAS Uma História de Amor

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HARAS Uma História de Amor

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JOSÉ ARAÚJO

HARAS Uma História de Amor

1ª Edição

Rio de Janeiro

2011

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Copyright© 2011 José Araújo

Título Original: Haras - Uma História de Amor

Editor-chefe:

Tomaz Adour

Revisão:

Thereza Christina Franco

Editoração Eletrônica:

Juliana Albuquerque

Capa:

Marina Ávila

Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da

Língua Portuguesa.

A659h Araújo, José

Haras - Uma História de Amor / José Araújo.

Rio de Janeiro: Vermelho Marinho, 2011.

232 p; 14x21 cm.

ISBN: 978-85-64298-49-1

1. Literatura Brasileira. 2. Romance. I. Título.

CDU: 821.134.3-31

EDITORA VERMELHO MARINHO USINA DE LETRAS LTDA

Rio de Janeiro – Departamento Editorial:

Rua Olga, 152 - Loja B – Bonsucesso – Rio de Janeiro - RJ

CEP: 21041-140

www.editorausinadeletras.com.br

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À família e ao amor...

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“O amor, tendo germinado, cria raízes que não param mais

de crescer.”

Antoine de Saint-Exupéry

“Se alguém ama uma flor da qual só existe um exemplar

dentre milhões de estrelas, isso é suficiente para que se

sinta feliz quando as contempla.”

Antoine de Saint-Exupéry

“O que seria da beleza e encanto que há no Arco-Íris,

com todas as suas cores e nuances, se todas as pessoas

gostassem apenas do rosa e do azul.”

José Araújo

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CAROS LEITORES

Uma das vantagens de ser um escritor é poder,

pelo menos durante o tempo que se levar para escrever

um livro, me transformar em outras pessoas, “viver” as

“vidas” dos personagens, sentir seus dramas, suas

emoções, assumir suas personalidades, tomar suas

decisões e fazer suas escolhas. Para escrever bem,

acredito que este processo é essencial para que o autor

possa escrever um bom livro.

Em meu livro de contos, Por Um Mundo

Melhor, fui o menino narrador da história O Pequeno

Arco-íris, chorei ao sentir na pele o preconceito que

sofria por ser um menino pobre. Sorri, senti sua alegria

nos momentos em que ele estava ao lado de seu único

amigo, um peixinho, um Lambari. Neste mesmo livro,

fui Dorinha, uma pequena órfã que sonhava um dia

poder receber de Deus a graça de ter um pai e uma mãe

na história do Cisne Branco. Literalmente, fui todos os

membros da tripulação e principalmente, o capitão

Jorge, a bordo do grande veleiro, em meio a uma

tempestade em alto mar, que poderia levá-los a

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naufragar, indo parar nas profundezas do oceano, para

nunca mais voltar.

No livro Sentimentos e Emoções, fui Gabriel, do

conto Reaprendendo a Viver, um executivo cuja vida se

resumia ao trabalho e de repente descobre em Paris, a

cidade Luz, que a vida é muito mais do que apenas

trabalho, sucesso e realização profissional. Senti a vida

do personagem mudar aos poucos, de forma quase

mágica, em meio aos lendários artistas de Montmartre,

caminhando pela cidade, sentindo o aroma irresistível

das padarias e delícias francesas. Caí novamente em

prantos, sentindo no peito a sua emoção, quando se

libertou da prisão a que ele mesmo se empunha,

jogando tudo para o alto e resolvendo reaprender a

viver.

Vivi a vida de Noé, tentando construir uma arca

espacial no século XXI e descobrindo, para seu desgosto,

que os maiores problemas do mundo moderno eram a

corrupção e a burocracia. Vibrei quando construiu sua

nave sem ajuda de ninguém, podendo fugir da Terra,

levando com ele sua família e um casal de cada bicho

que conseguiu juntar nos zoológicos da cidade, antes

que um enorme meteoro acabasse com o planeta.

No livro Alessandra, fui uma jovem que veio do

nordeste brasileiro tentar a vida na cidade maravilhosa,

que com muito trabalho e esforço, acaba por conseguir

concluir o curso de enfermagem e, de empregada

doméstica, passa a ser uma das enfermeiras de um

conceituado hospital. Fui Diego, um médico famoso e

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diretor do hospital onde ela foi trabalhar. Senti na pele o

envolvimento sentimental e amoroso entre os dois. A

dor de Alessandra com a desilusão quando se

separaram. Quase enlouqueci com a cegueira de Diego,

revoltado por ficar cego, praticamente sem querer

continuar a viver. Chorei e sorri com o reencontro dos

dois, vivi com eles momentos íntimos de amor e paixão.

No romance Doce Maldição, cuja trama se

desenvolve no ano de 2050, fui Carlos Eduardo Couto, o

Edu, e também Maria Celina Arruda, a Celi, ambos

mutantes, resultados do desenvolvimento de uma

experiência realizada com sucesso a partir da

divulgação do Projeto Genoma no passado. Fui ao

futuro, vivi suas emoções, senti suas dores, seus medos

e receios. Amei suas famílias, seus amigos e juntos,

chegamos a um final delicioso e emocionante.

Assim foi com os personagens do livro Os Elfos

de Paranapiacaba, que de uma hora para outra se viram

em meio ao povo da magia, com direito a Elfos, um

Mago, uma Bruxa e o poderoso Mestre do Mal. Eu

estive lá, fui cada um deles, senti medo, receio, ódio,

maldade, amor, amizade e todas as emoções de uma

grande aventura à maneira de cada personagem. Foram

experiências maravilhosas, aprendi muito encarnando

meus personagens e, para ser muito sincero, é isto que

eu amo fazer.

Agora, em Haras, Uma História de Amor,

tornei-me Rodrigo, um executivo bem sucedido, filho do

rei das Usinas de Açúcar e Álcool da região de Orlândia,

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interior de São Paulo, um homem que poderia ter

qualquer mulher que desejasse, tamanho era seu poder

de atração, além de ser lindo, rico e um amante perfeito.

Na pele dele, me apaixonei por Helena, filha dos

fazendeiros vizinhos e donos de um haras. Senti o

desejo de Rodrigo, sua atração, seu tesão por ela e

também seu remorso e sentimento de culpa, após

ultrapassar o sinal vermelho e abusar sexualmente da

jovem que era praticamente sua irmã, em sua festa de

quinze anos. Sofri com os dois durante anos, senti

arrependimento, desilusão, um turbilhão de emoções,

fui às nuvens com eles, quando se encontraram tempos

depois e fizeram amor como nunca em suas vidas.

Também vivi o personagem de Helena, senti o amor

inexplicavelmente eterno por um homem que não tinha

o direito de se tornar mais bonito a cada dia e que ela

amava desde que era apenas uma criança.

Enfim, numa trama que acontece entre a vida no

campo, no interior do estado e a vida agitada da cidade

grande, acompanhei o desenrolar deste romance entre

os dois, repleto de surpresas e momentos da mais pura

emoção. Helena jurou que Rodrigo um dia seria dela e

nunca desistiu. Uma mulher extremamente sensual,

belíssima, dotada de uma inteligência fantástica e muita

determinação, seria páreo para uma modelo francesa.

Eu e Helena éramos uma só pessoa enquanto eu

escrevia este livro e sempre soubemos a resposta, afinal,

em minha opinião, ela é uma mulher que pode fazer

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com que até Rodrigo, o bem sucedido empresário, se

esqueça de que dois e dois são quatro.

Espero que vocês gostem, assim como eu gostei

de acompanhar a vida desses dois e de todos à volta

deles, à medida que as suas necessidades vão se

alterando e se transformando, enquanto ele se debate

com os sentimentos de culpa e remorso pelo que fez a

ela e Helena, com sua determinação de realizar o seu

sonho e cumprir a promessa de que Rodrigo um dia

seria dela.

Posso garantir a vocês, caros leitores, que ela

não mediu esforços nem economizou armas para

conseguir o que sempre desejou por toda a sua vida.

Para uma mulher criada num haras,

acostumada a domar cavalos sem usar a força, apenas

com o poder das palavras, enfrentar uma adversária

arrogante e delicada, que só sabia pisar em cascas de

ovos sobre uma passarela, além de uma série de outros

contratempos e acontecimentos inesperados, tanto em

São Paulo, na capital, quanto em Orlândia, no interior

do estado, parecia ser uma simples brincadeira de

crianças...

Ou será que não?

José Araújo

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CAPÍTULO 1

Era uma manhã esplendorosa de verão em

Orlândia, no interior do Estado de São Paulo. O sol já

estava quente e brilhante, quando Helena Reis saiu de

casa para ir até os estábulos, acompanhar o trabalho dos

empregados do haras de seu pai.

Helena sorria a todos que encontrava pelo

caminho, cumprimentando um empregado aqui e ali.

Ela usava um chapéu branco, estilo country, que cobria

parte dos cabelos loiros, compridos e cacheados que lhe

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caíam pelas costas e cavalgava distraída, pensando nos

trabalhos a serem realizados, de modo que sequer notou

os olhos gulosos que acompanhavam suas belas pernas,

moldadas na sela, em um short jeans justo e desfiado na

barra.

Hoje, para deleite dos funcionários, ela usava

aquele short, além de botas de couro cano alto e uma

camisa rosa justa, sem mangas, amarrada na cintura. Os

olhares eram discretos, pois os empregados mais velhos,

aqueles que trabalhavam para o pai de Helena antes

mesmo de ela nascer, estavam sempre de olho para

garantir o respeito que a “patroinha” merecia, pois

sabiam que por trás de toda aquela beleza, havia

também muita competência e determinação, e que ela

era capaz de domar qualquer cavalo, afinal, os animais

do Haras Santa Gertrudes, como já era uma velha

tradição de família, eram “encantados” e não domados à

força.

Ao chegar aos estábulos, Helena ficou satisfeita

ao perceber que as baias já estavam limpas, a comida e a

água já tinham sido distribuídas e os cavalos eram

escovados, seus cascos lixados e encerados e alguns

tomavam banho, tudo dentro da rotina diária no haras.

Ainda que fosse véspera do Concurso Nacional de

Saltos e início do Campeonato Paulista de Saltos para

cavalos novos, tudo tinha que estar na mais perfeita

ordem.

- Bom dia, srta. Helena!

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- Bom dia, Gerônimo! Como estão as coisas

hoje?

- Tudo em paz. Mais tarde chegarão três éguas

para o Tornado cobrir. Parece até que ele sabe! Logo de

manhã já deu trabalho aos tratadores, então tivemos que

soltá-lo no curral leste para ele extravasar o te... -

Gerônimo corou. Havia esquecido que estava falando

com sua patroa - ... a adrenalina.

Helena notou o rubor no homem e deu uma

risada gostosa, seguida de um tapinha camarada nas

costas do velho empregado. Gerônimo Farias, o

administrador dos estábulos, trabalhava para seu pai há

mais de 25 anos e a conhecia desde bebê. Mesmo

sabendo que podia tratá-la de igual para igual, ele não o

fazia. Ela o abraçou pelos ombros, o que o deixou ainda

mais sem graça, e disse:

- Pode deixar, Gerônimo, eu vou falar com ele.

Ele ficará mais calmo até a hora da chegada das éguas,

tudo bem?

Tornado era um garanhão potente, o melhor e

mais premiado puro sangue do país. Sua linhagem

vinha de longa data e todos os seus antepassados, assim

como seus descendentes, eram campeões, por isso suas

coberturas custavam alguns milhares de reais - que os

outros criadores estavam sempre dispostos a pagar com

prazer. Mas as éguas escolhidas tinham que ser fortes

para aguentar a empolgação do alazão sem correr o

risco de se machucarem, mesmo que todo o processo

fosse acompanhado de perto por peritos.

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Mais vermelho do que nunca, Gerônimo

discretamente se desvencilhou do abraço de Helena e

respondeu:

- Se a patroinha diz...

Helena tocou o chapéu, cumprimentando

Gerônimo do jeito que ele costumava fazer com ela e

saiu. Passando perto da cesta de frutas dos cavalos,

pegou uma maçã e em seguida se dirigiu ao curral onde

Tornado exercitava-se e assobiou, chamando-o para

perto da cerca. O cavalo relinchou e se aproximou

majestoso, balançando a crina negra.

Helena estendeu-lhe a mão com a maçã e

Tornado comeu-a toda com uma única mordida.

- E aí, garotão? Dando trabalho para esses

homens metidos a machões, é? Será que você poderia

ficar calminho? Mais tarde você terá belos pares de

ancas a seu dispor - sussurrou para o animal, enquanto

passava a mão em seu pescoço, deixando-o dócil e

rendido.

Escondido para que ele não a visse, Gerônimo

observava-a do estábulo, pensando que a menina era

boa mesmo com os animais.

Helena levou um susto quando o celular que

estava em seu bolso tocou, assustando também

Tornado, que se afastou dela.

Quem poderia ser?, pensou. As pessoas que

tinham seu número jamais ligariam tão cedo. Tirou o

celular do bolso do short e viu o nome de sua melhor

amiga, Lia Santana, escrito na tela.

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Helena hesitou antes de atender. Só haveria

uma razão para a amiga lhe telefonar tão cedo assim:

Rodrigo!

Nem quando eram crianças, sua amiga jamais

acordava tão cedo, então Helena tinha certeza de que a

ligação de Lia tinha algo a ver com Rodrigo Santana, o

irmão mais velho de Lia e o grande amor impossível de

Helena - pelo menos impossível por enquanto, pensou.

Ela sabia que um dia Rodrigo seria seu, quando a

diferença de quinze anos entre eles não pesasse tanto.

Como agora, de repente...

E por um instante Helena voltou no tempo.

Ela e Lia eram inseparáveis. As famílias de

ambas eram proprietárias de fazendas vizinhas e

nutriam uma amizade sólida antes mesmo das meninas

nascerem. Elas aprenderam quase tudo juntas,

separando-se apenas depois, quando tiveram que ir

para o colégio. Depois disso, Helena foi para a

faculdade de Direito, desistindo de cursar já no primeiro

ano, uma vez que Veterinária era sua verdadeira

vocação. Lia foi estudar Moda, e conseguiu concluir o

curso porque o mundo da moda sempre fora sua

fascinação. Mesmo com a distância, as duas

continuaram amigas e confidentes, de modo que

quando se encontravam nas férias, era sempre uma

festa.

Desde quando Helena se entendia por gente,

Rodrigo fazia parte de sua vida - e a vida inteira ela fora

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completamente, absolutamente e irremediavelmente

apaixonada por ele.

Rodrigo fora o adolescente - e agora o homem -

mais lindo que Helena já vira, porém, durante todo esse

tempo, ela sempre fora tratada por ele apenas como a

outra irmã mais nova. Ele a tinha visto nascer; dera-lhe

inúmeras mamadeiras, observara-a dar os primeiros

passos, colocara-a para dormir inúmeras vezes, e

depois, quando ela estava um pouquinho maior, a

ensinara a nadar, a pescar, a cavalgar. Fora ele quem lhe

mostrara a arte de domar os cavalos através do método

de um famoso encantador de cavalos.

Mesmo com a diferença de idade, ele jamais

havia sido como os outros garotos. Nunca a destratara

por ser menina, ou por ser mais nova, ou mais

inexperiente; ao contrário, ele sempre a protegera, assim

como fazia com a irmã, claro. Fora o irmão e amigo mais

perfeito que uma menina poderia querer.

E conforme os anos foram passando, o aparente

amor fraternal que sentia por Rodrigo foi se

modificando.

Quando Helena tinha apenas três anos, Rodrigo

foi para a faculdade em outra cidade, e por duas

semanas ela ficara doente sem que houvesse nenhuma

causa física para isso. Não comia mais, não queria mais

brincar, chorava pelos cantos sem razão. Os pais,

preocupados, chamaram o médico da família, que

examinou a menina e disse que aparentemente ela não

tinha nada, e perguntou se por acaso ela teria passado

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por algum trauma recentemente, se perdera algum

animal de estimação, se algum amigo havia se mudado

ou algum parente havia falecido. Foi então que os pais

entenderam que Helena adoecera por sentir saudades

de Rodrigo, seu irmão de criação, de modo que a

menina só se recuperou quando Rodrigo, a pedido de

seus pais e dos de Helena, passou a ligar diariamente

para ela, fazendo contagem regressiva para as férias

junto com a criança, quando enfim poderiam se ver e ela

ficaria bem novamente.

Aos doze anos, quando as meninas começavam

a olhar os meninos com outros olhos, Helena percebeu

que Rodrigo nunca fora o inimigo, nem o irmão, mais

sim seu primeiro e único amor. Mas também sabia que

ela era só uma criança e ele um homem de 27 anos,

formado na faculdade de Comércio Exterior e também

em Agronomia e Zootecnia, pois havia estudado como

um louco para conseguir acompanhar e cuidar dos

negócios da família. Além disso, ele tinha também suas

namoradas, o que perturbava e entristecia a pobre

criança mais do que era normal. Ainda assim, Helena

estava decidida a esperar pacientemente até seu décimo

quinto aniversário, quando, aos seus olhos, ela seria

apresentada à sociedade como mulher feita.

Helena sempre fora adorada pelos garotos,

mesmo no jardim de infância e quando entrou no

colegial, ganhou uma verdadeira legião de fãs. Mas

nenhum deles tinha qualquer chance com ela, seu

coração já era de outro há muito tempo.

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Na sua tão aguardada festa de quinze anos,

Helena superou todas as expectativas, aparecendo com

um deslumbrante vestido, mostrando-se mais

encantadora do que nunca e, tal como sempre desejara,

estava incrivelmente sensual. E era exatamente isso que

Helena queria estar: irresistível, pois ela decidira que

seria nesse dia que ela declararia seu amor a Rodrigo.

Ela tinha um plano - mas foi exatamente esse plano que

a fez perder Rodrigo para sempre.

E lá estava ele, magnífico, vestido no seu

smoking.

Rodrigo havia ficado mais alto no último verão,

estando agora com 1,80m de puro músculo, cultivados

com muito esporte e muito trabalho pesado na fazenda

Passo Fundo, de propriedade de seu pai. Apesar de hoje

trabalhar mais na parte administrativa, ele não perdera

o bronzeado que conquistara trabalhando ao ar livre.

Seus cabelos lisos e loiros, clareados nas pontas pelo sol,

contrastavam com o azul escuro de seus olhos, que a

faziam lembrar como a parte mais profunda dos mares

nordestinos. Ele tinha o rosto duro e um olhar de causar

impacto; seu queixo era quadrado e simétrico, como

esculpido em mármore, emoldurando o nariz pequeno e

a boca de lábios generosos.

E não havia uma mulher que resistisse a

Rodrigo, caso ele a desejasse para si.

Mais do que lindo, Rodrigo era charmoso,

educado, gentil... e milionário. E mesmo com todas essas

qualidades, Rodrigo estava sempre sozinho nas festas

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de aniversários ou nos feriados comemorativos, e

quando os pais decidiam pressioná-lo - pois achavam

que estava na hora dele arrumar uma esposa -, o jovem

desconversava, alegando não ter ainda achado a mulher

certa.

Helena sonhava que ela era essa mulher.

E ela se lembraria com angústia de todos os

detalhes daquela noite, por muitos anos depois do seu

aniversário de quinze anos.

Helena se aproximou da roda de amigos na qual

Rodrigo estava com uma taça de vinho nas mãos e

percebeu, com satisfação, que todos os homens da roda

pararam de falar para olhá-la com admiração.

- Posso lhe falar por um instante? - perguntou,

tímida.

- Claro! – respondeu ele, solícito. - Com licença -

disse aos amigos e se afastou educadamente, levando

Helena pelo cotovelo e dirigiu-se a um lugar mais

reservado.

- Algum problema, Helena?

Ela tremia. Pegou o copo das mãos de Rodrigo e

bebeu todo o conteúdo de uma só vez. Precisava do

álcool para ter coragem de seguir adiante com seu plano

e por isso bebeu tudo antes que Rodrigo pudesse

impedi-la. Ele tirou o copo vazio das mãos dela

alarmado:

- Ei! Que eu saiba, você está fazendo quinze

anos e não dezoito. Bebidas alcoólicas ainda são

proibidas para você.

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Helena percebeu que Rodrigo estava um pouco

alterado. Provavelmente ele devia ter bebido um pouco

mais do que costumava, e isso sim, era uma surpresa!

Ela aproveitou o gancho e perguntou com uma voz

sedutora:

- E beijar, Rodrigo? Eu já posso beijar ou preciso

alcançar a maioridade para isso também?

Ele pareceu perturbado, mas mesmo assim

disse:

- Por mim, você não beijaria ninguém até

precisar de bengala para se manter de pé - a resposta

pegou Helena de surpresa, mas ele continuou: - Por que,

Helena? Você quer beijar alguém? - ele observava

atentamente a boca da jovem.

- Não... - a voz de Helena falhou, quase

entregando seus reais sentimentos, mas ela conseguiu

firmar a voz. - Não quero, mas querem me beijar!

- Quem?

- Eduardo.

- E você quer minha opinião se deve ou não

beijar esse tal de Mario? É isso?

- Eduardo.

- Tanto faz.

Helena não estava reconhecendo Rodrigo. Ele

sempre fora tão sério, tão gentil... e agora parecia tão

sarcástico. Ela por fim tomou coragem e disse:

- Não, Rodrigo, eu não quero sua opinião.

Quero sua ajuda. Eu preciso que você me ensine a beijar,

caso... bem... eu queira beijar Eduardo depois.

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- O quê?! - Rodrigo arregalou os olhos como se

estivesse falando com uma estranha.

- Isso mesmo que você ouviu: eu preciso que

você me ensine a beijar...

- Cristo! Eu não posso fazer isso! Você é minha

irmãzinha...

- Não, Rodrigo, eu não sou sua irmãzinha! Eu

não acredito que você me negará isso no dia do meu

aniversário – ela fez um beicinho que sabia que Rodrigo

não resistiria, ele nunca conseguira dizer não ao seu

beicinho. – Eu preciso aprender a beijar! E por que não

com você? Sei que você não zombaria de mim, caso eu

seja um fracasso...

- Não, Helena! Não e não! - Ele começou a se

afastar dela.

- Por favor, Rodrigo... - ela o segurou pelo braço

e lá estava aquele beicinho de novo. - Eu não acredito

que você fará isso comigo. Você não vê? Eu estou

precisando de você agora! Me ajude, por favor... Você

quer que todo mundo pense que eu sou uma fraude?

Todo mundo do colégio acha que eu sou uma expert em

beijar, em seduzir...

- E posso saber o porquê deles pensarem isso?

No mínimo, você deve ter dado motivos...

- Não, eu não dei... - ela hesitou antes de falar. -

Acho que o problema é minha aparência. Já ouvi

algumas pessoas lá no colégio comentando que sou uma

explosão de sensualidade e que seria impossível eu ter

somente quinze anos... com esse corpo... É isso, eu não

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posso simplesmente ser uma negação beijando, se todo

mundo acha que eu sou boa nisso.

- E desde quando você se preocupa com que os

outros falam, Helena? O que está acontecendo com

você? Primeiro essa coisa de eu te ensinar a beijar... Não,

não adianta fazer esse beicinho, dessa vez não vai dar.

- Por favor, Rodrigo! Por favor... - Ela tinha

lágrimas nos olhos. Precisava convencê-lo, claro que não

existia nenhum Eduardo querendo beijá-la, apenas

queria que seu primeiro beijo fosse com Rodrigo, e nada

mais. Jamais imaginara que ele pudesse lhe negar esse

pedido, já que ele já havia beijado metade das meninas

da cidade.

Resolveu jogar um pouco mais baixo.

- Meu Deus, como você está puritano! Eu só

estou pedindo um beijo, não é nada demais! Você já

beijou mais garotas do que pode contar, eu só seria mais

uma da sua lista...

- Eu não sou puritano! Mas você... Eu não posso

beijá-la como se você fosse mais uma... Você não

entende...

- Sei, sei! Eu não sou sua irmã, droga! Eu só

estou pedindo para que você me ensine a beijar...

Algumas pessoas se viraram para olhá-los. Sem

perceber, eles haviam aumentado o tom de voz e

Rodrigo percebeu que a última frase fora ouvida por

algumas pessoas.

Pegando firme a mão de Helena, Rodrigo a

puxou para longe dos convidados, saindo do salão e

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indo em direção ao jardim, mas ao chegar lá, percebeu

que havia mais gente por ali e continuou arrastando

Helena para outro lado.

- Rodrigo, você está me machucando. Me solte...

- Não, você vem comigo! Você quer uma

porcaria de um professor de beijo? É isso que você terá!

O coração de Helena acelerou de repente, seu

corpo automaticamente começou a tremer e tudo que

ela conseguia pensar era: ele vai me beijar, ele vai me

beijar... Não importava mais que seus pés, a todo

instante, lhe traíssem por causa do salto alto, ou os

tropeções que dava, ao enroscar-se na barra do vestido

longo, tudo que importava é que seu desejo iria se

realizar.

Rodrigo não conseguia encontrar um lugar em

que não houvesse ninguém, de modo que eles tiveram

que andar muito, até chegar perto dos estábulos. Helena

pôde sentir o cheiro tão familiar de feno misturado, que

ela tanto amava.

Sem ao menos dizer o que iria fazer, Rodrigo

encostou Helena na parede do estábulo e grudou sua

boca na dela, sem aproximar o corpo, segurando-a firme

no pulso. Foi um beijo sem carinho, somente contato

físico, mas mesmo assim, Helena achou que iria

desfalecer. Em sua mente, a mesma frase se repetia

agora num tempo verbal diferente: ele está me beijando,

ele está me beijando...

Aos poucos, Rodrigo amenizou a pressão da

angústia e a beijava agora suavemente. Primeiro os

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lábios superiores, depois os inferiores, dando leves

mordidas, sem a machucar. Helena não aguentava mais

de desejo e entreabriu os lábios, convidando Rodrigo a

aprofundar o beijo, ao que ele não hesitou e tomou

posse do que já era seu. Passou a língua vagarosamente

entre os lábios de Helena e entrou com vontade,

explorando o interior de sua boca. Ela soltou um

gemido de puro deleite e mesmo sem nenhuma

experiência, seu instinto a fez se aproximar mais de

Rodrigo e grudar seu corpo no dele.

Rodrigo soltou o pulso de Helena e a enlaçou

pela cintura, trazendo-a para mais perto de si, como se a

proximidade não fosse suficiente para aplacar o desejo.

O beijo agora se transformava num consumo exigente,

apaixonado. Eles não sabiam mais de quem eram os

gemidos. Helena percebeu, com a pouca coerência que

ainda lhe restava, que Rodrigo havia se entregado. Ele

era dela ali, somente dela, e nada mais importava.

Quando ele tentou alcançar suas coxas já bem

torneadas pelo manejo com os cavalos, no meio de todo

aquele tecido e tule, ela não protestou. Rodrigo alcançou

as pernas dela e ela gemeu, arqueando os quadris,

oferecendo-se, pedindo mais. Em nenhum momento ele

parou de beijá-la, nem quando explorou seu pescoço e

seu colo exposto pelo decote tomara que caia. E quando

ele afastou sua calcinha, Helena achou que desmaiaria

de tanto prazer.

Ele pegou a mão de Helena e a pressionou sobre

sua calça, mostrando sua excitação. Helena sentiu pela

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primeira vez a rigidez da virilidade de um homem em

suas mãos e, por instinto, começou a massageá-lo sobre

o tecido, fazendo Rodrigo intensificar suas caricias,

levando Helena a um ponto inimaginável de excitação.

Helena se pressionava a ele, sem entender até onde

aquela agonia prazerosa iria levá-la e numa contradição

espantosa, ela não sabia se queria que aquilo acabasse

ou que jamais terminasse.

E a única frase entrecortada que ela ouviu de

Rodrigo foi:

- Solte-se... Aproveite o momento... Vem

comigo, Helena... Vem...

Seu corpo aceitou o comando dele, sem

questionar. Primeiro, Helena sentiu seu corpo hesitar,

para em seguida se soltar com uma explosão de puro

gozo.

Cores.

Espasmos corporais.

Perda total da capacidade de se manter em pé.

Rodrigo abafou o grito dela com sua própria

boca, beijando-a sofregamente, e ela sentiu o pulsar do

desejo dele.

Totalmente entregue, com a cabeça apoiada no

ombro de Rodrigo, Helena sentia a respiração de

Rodrigo desacelerar, enquanto com uma mão ele se

segurava na parede do estábulo e com a outra ele tirava

gentilmente seu membro de entre suas pernas. Passando

a língua nos lábios ressequidos e inchados, ela

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preguiçosamente disse, limpando a garganta para a voz

sair:

- Eu amo você, Rodrigo...

Rodrigo, como acordando de um pesadelo e não

de um sonho bom, afastou-se de Helena bruscamente,

quase fazendo-a cair. Ele virou de costas, tampando o

rosto com as mãos com uma expressão contorcida de

dor.

Sem entender nada e sentindo um frio repentino

- se era pela falta dos braços de Rodrigo ou se pelo

sentimento inesperado que a acometeu, ela poderia

perdê-lo para sempre -, Helena tentou se aproximar,

colocando a mão no ombro dele, chamando-o baixinho.

Rodrigo se encolheu, como se o toque dela fosse

contagioso, e virou-se vagarosamente, dizendo em tom

de lamento:

- Ah, Helena! Ah, meu Deus, o que eu fiz? - o

restante da frase foi como um golpe de machado em

Helena. - Você é somente uma criança... Uma criança!

Como uma irmã para mim! E eu a tratei como uma...

uma...

Helena se afastou com a mão no estômago e

quase gritou:

- Não!

- Sim, Helena, sim. Eu sou um homem, caramba!

Homem! Não uma droga de um moleque com os

hormônios alterados. Eu deveria ter me controlado, me

desculpe...

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Enquanto Rodrigo falava, Helena conseguia

apenas balançar a cabeça, negando tudo que ouvia e

lágrimas escorriam sem parar por seus olhos.

- Você não entende. Eu sou o cara que deveria te

proteger de homens como eu, que se aproveitam de

meninas ingênuas como você... E... E olhe o que eu fiz!

Me comportei como um cafajeste! Nunca me senti tão vil

como agora...

- Pare, Rodrigo. Por favor, pare - Helena

chorava. Não podia acreditar que Rodrigo não a amava,

que não havia percebido que algo maravilhoso e

especial tinha acabado de acontecer entre eles, que cada

palavra que ele pronunciava agora dilacerava seu

coração como um corvo retalhando uma refeição.

- Não, Helena, você que não está

compreendendo! Como poderei encarar seus pais, os

meus pais, depois disso que aconteceu?! Eu sou como o

irmão que você não teve, meu papel sempre foi e

sempre será de protegê-la, de cuidar de você... Não de

rebaixá-la a uma qualquer... Olha o estado que você

está!

- Eu estava ótima, até você começar a falar esse

monte de besteiras! - gritou. - Será que você não

consegue ver? Eu amo você, Rodrigo, sempre amei e...

- Não! Por Cristo, não! O que você sente por

mim é somente uma admiração, um amor fraternal.

Você nem tem idade para saber o que realmente é amar

alguém... Você é só uma criança e eu... Eu me aproveitei

de você...

31

Não tem desculpa o que fiz... - ele praguejava,

sem conseguir se controlar.

- Pare de achar que eu sou só uma criança! Você

não se aproveitou de mim. Melhor do que ninguém,

Rodrigo, você sabe que nenhum homem conseguiria

fazer o que você fez se eu não permitisse, se eu não

quisesse. - Helena tentou se aproximar novamente, mas

Rodrigo não deixou, afastando-se. - Lembra? Você

mesmo me ensinou isso; eu monto cavalos desde os três

anos e os domo desde os dez; você acha que não tenho

força para impedir um homem de pôr as mãos em mim?

Eu queria você. Eu quero você. Eu amo você...

Cada palavra de Helena fazia Rodrigo dar um

passo para trás. Helena sabia que estava perdendo-o e

isso a desesperava, pois não sabia o que fazer para

mudar o rumo que as coisas estavam tomando.

- Helena, me perdoe. - Ele tinha os olhos

vermelhos e o rosto lavado por lágrimas que lhe fugiam,

demonstrando todo o seu arrependimento.

Helena nunca havia visto Rodrigo chorar,

nunca. Para homens como ele, estilo cowboys, chorar

era algo impensável. Vê-lo tão abatido, envergonhado,

fez com que Helena se enchesse de culpa e vergonha.

- Rodrigo...

- Desculpe-me, Helena. Me perdoe, mas estou

mal agora, preciso sair daqui. Preciso... Estou me

sentindo o último dos homens, um escroto. Eu não vou

conseguir voltar para sua festa, como se nada tivesse

acontecido. Sei que deveria ficar e lhe dar apoio, dizer

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coisas que amenizasse o que fiz, mas... simplesmente,

não dá. Eu preciso sair daqui... Eu preciso ir embora...

- Não, Rodrigo! Por favor, fica comigo... por

favor! Eu...

- Não, Helena. Esse sentimento que você pensa

ter por mim...

- Eu não penso, eu tenho!

- Tudo bem, tudo bem. Esse sentimento que

você tem por mim... Logo, logo irá se mostrar da

maneira como verdadeiramente é: admiração, paixão de

adolescência, e desaparecerá com o tempo; e por isso

tenho medo que um dia você me odeie pelo que

aconteceu hoje. Eu não poderei viver com seu ódio...

Uma explosão de raiva invadiu Helena, como

sua última cartada.

- Eu não vou odiá-lo, Rodrigo Santana; eu já o

odeio...

Helena saiu correndo em direção à casa,

chorando, segurando seu vestido todo amassado. Ela

queria que Rodrigo viesse atrás dela, que a consolasse,

que a pegasse nos braços e dissesse que a amava. Mas

Rodrigo não veio e com a ajuda de Lia, Helena

conseguiu se recompor e voltar à festa, para não ter que

dar explicações aos pais. Hoje ela lembrava que Lia

queria matar o irmão, mas ela pediu que o deixasse em

paz, que toda a culpa era dela mesma, por acreditar que

um homem olharia uma menina como ela como uma

mulher, não como uma criança.

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Depois desse dia, Helena encontrara com

Rodrigo somente em mais três ocasiões: dois natais e um

aniversário de Lia, e mesmo assim por apenas alguns

minutos, pois sempre que ela chegava, ele arrumava

uma desculpa para ir embora. Rodrigo mudou-se da

fazenda para o apartamento em São Paulo, transferindo

os principais negócios da família para o escritório de lá,

alegando que assim facilitaria a abertura de novos

contratos e negociações e a família o apoiou,

acreditando ser essa mudança boa para os negócios.

Mas agora, havia mais de três anos que eles não

se viam e todas as vezes que Helena tentava contato, ele

inventava uma desculpa para não vê-la, ou quando

atendia suas ligações, conversavam banalidades.

Rodrigo jamais mencionara o ocorrido e quando Helena

tentava, ele desligava, inventando mais desculpas.

Mas o amor que ela sentia por ele, que não era

somente admiração, não era uma paixão de adolescência

e não desaparecera com o tempo, perdurava. Mesmo

agora, com 20 anos, ela não o havia esquecido e tinha

certeza de que esse telefonema de Lia mudaria para

sempre sua vida.

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CAPÍTULO 2

- Helena! - A voz de Lia estava estridente -

sinal de problemas. - Por que você demorou tanto para

atender essa droga de celular?

- Bom dia, Lia!

- Bom dia, querida - falou uma Lia

desconcertada pela indireta da amiga. - Desculpe, estou

uma pilha de nervos. Pensei que não conseguiria falar

antes...

- Só um minuto, Lia - pediu Helena, abaixando

o telefone quando Rubens, um dos empregados se

aproximou.

- Sim, Rubens?

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- A sra. Márcia pediu-me para avisá-la que o

senhor e a senhora Santana estão aqui e que seus pais

mandaram chamá-la.

- Obrigada, Rubens.

- Até, senhorita.

Helena viu o rapaz se afastar e colocou o

telefone novamente na orelha. Antes mesmo de

conseguir falar algo, ouviu Lia bufar de

desapontamento e dizer:

- Eles já estão aí... Helena, antes de ir para casa,

escute-me, por favor!

- Lia - a voz de Helena tremia. O problema era

bem mais sério do que ela imaginara, já que os pais de

Rodrigo estavam ali também. - O que aconteceu com o

Rodrigo? Ele está machucado, ele está...

- Não! Helena, calma, respire, respire... e sente-

se... Deus, depois de todo este tempo, você ainda o ama

tanto assim? - a amiga riu.

- Mais a cada dia, Lia.

- Helena, isso é obsessão, não pode ser amor...

- Por favor, Lia, o que está acontecendo? Nós já

conversamos sobre isso, eu amo seu irmão e pronto, não

sei explicar. Eu às vezes, também não compreendo como

isso ainda está dentro de mim, depois de tanto tempo,

mas a verdade é que está aqui.

- Tudo bem. Eu estava tentando facilitar as

coisas para mim, e não para você. Como sei que a

notícia que lhe darei vai doer, sei também que doerá

muito mais em mim...

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- Lia! - gritou Helena, sem precisar dizer mais

nada para mostrar para a amiga que ela já enrolara

demais.

- Rodrigo vai se casar, Helena. Meus pais estão

aí para contar a novidade aos seus pais e para que sua

mãe nos ajude na festa de noivado, que acontecerá

daqui a duas semanas. Eles estavam aqui em São Paulo

ontem, a pedido de Rodrigo, para conhecer a noiva. A

festa será apenas uma formalidade, pedido de mamãe,

pois na verdade ele já pediu a moça em casamento e a

cerimônia será o mais breve possível, de acordo com a

vontade do meu irmão. Helena? Helena?!

Helena parou de ouvir depois da primeira frase.

Achava que não tinha escutado muito bem, não podia

ser! Mas não, ela ouvira bem: Rodrigo iria se casar.

Por um momento, ela achou que jamais iria

conseguir respirar novamente, mas então ouviu Lia

chamando-a pelo telefone.

- Helena, fale comigo. Helena...

- Estou aqui, Lia. - Deus, como ela conseguia

falar?

- Desculpe-me, amiga. Eu sei que isso dói, mas

nós sabíamos que isso iria acontecer um dia, não

sabíamos?

- Acho que sim - ela estava respondendo no

automático, sem pensar.

- Helena, por favor, amiga, grite, chore, faça

alguma coisa que eu sei que você faz quando está

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nervosa, mas por favor, não fique apática do jeito que

está...

Helena respirou profundamente várias vezes e

por fim perguntou:

- Quem é ela?

Fez-se alguns segundos de silêncio. Lia sabia

que essa era uma informação delicada, e tinha

esperanças de que a amiga não perguntasse isso.

- Ela é uma modelo francesa.

- Uma modelo?! Mas como... Lia, você os

apresentou?! Eu não acredito que você apresentou a

futura esposa de seu irmão pra ele, não acredito que foi

você... – Helena começou a caminhar apressada para

fora do estábulo, já com uma ideia despertando em sua

cabeça.

- Me desculpe, amiga, eu não sabia que ele iria

pedi-la em casamento! Você sabe que meu irmão, depois

que se mudou da fazenda, se transformou num

“galinha”. Pra mim ela ia ser só mais uma!

- Droga, droga! Eu sei Lia, que você não tem

culpa. Mas puxa vida, uma modelo... Lia, estou indo

para São Paulo.

- Você o quê?! Helena, para! Você não pode vir

pra cá agora.

- Por que não?

- Porque você não ouviu nada do que eu disse...

Amiga, agora é tarde demais. Por que você não veio

antes, quando tinha uma chance de conquistá-lo? Agora

é tarde...

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- Não, não é tarde demais. Agora é a hora certa.

Já tenho 20 anos, já sou uma mulher, já estou quase me

formando. Ele não me verá mais como uma irmãzinha.

- Helena, você não está entendendo. Ele a trouxe

com ele da França, já estão até morando juntos. Ela

trouxe uma infinidade de malas...

- Oh, Deus! Vou desmaiar... - Helena encostou-

se em uma árvore, sentindo a visão turvar.

- Não, Helena, você não vai desmaiar. Você não

é uma mulher que desmaia, você sabe disso. - Ela

suspirou. - Nossa, quando o assunto é meu irmão, você

realmente fica irreconhecível!

- Tudo bem, eu não vou desmaiar. Vou para São

Paulo e vou destruir um relacionamento, é isso que vou

fazer!

- Helena, por favor, ele é meu irmão. Não posso

ficar do seu lado dessa vez.

- Você gosta dela, não é, Lia?

- Acho que sim, não sei ainda. Mas isso não tem

nada a ver com ela, tem a ver com você e com meu

irmão, e eu não quero que nenhum dos dois sofra. E se

ele realmente gostar dela, Helena?

- Eu posso fazer seu irmão mais feliz do que

qualquer mulher no mundo. Isso não basta para você?

- Pare por um momento e me escute! Você acha

mesmo que esse sentimento que você nutre por ele é

saudável? Eu tenho quase certeza que não!

- Lia...

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- Não, Helena, pare e pense. Você se negou a

amar outra pessoa, não deixou nunca que ninguém

realmente se aproximasse de você. Com quantos caras

você ficou na faculdade nesses dois anos? - A voz de Lia

se alterava um pouco. - Dois. E por quanto tempo? Nem

uma semana cada um. Deus, Helena, quantas mulheres

da sua idade que nós conhecemos, que ainda é virgem e

espera por seu príncipe encantando? Eu respondo, você

não precisa se preocupar. Sem ser você, nenhuma!

- Lia, eu já lhe falei milhares de vezes a mesma

coisa, mas vou ser paciente e dizer novamente: eu amo o

Rodrigo. Não sei explicar porque durou tanto tempo, se

nem ao menos o vejo mais. Eu sei que parece maluquice,

mas eu o adoro, e algo me diz que ele também me ama,

apenas se esquiva por achar esse amor proibido. E

nenhum cara conseguiu me tocar como Rodrigo...

- Claro! Você não deixou!

- Não estou falando desse jeito, sua pervertida!

- Eu sei, eu sei... – Lia respirou profundamente,

desistindo de convencer a amiga. - Tudo bem. Quando

você vem?

- Agora! Assim que chegar em casa, mandarei o

piloto preparar o helicóptero. Estarei aí no máximo em

três horas. Te encontro em seu ateliê, ok? E Lia, por

favor, não conte para Rodrigo que estou indo, quero

fazer uma surpresa, tá?

- Ok, amiga. Vou pedir para alguém buscá-la no

heliporto, para você não se perder. E pode deixar que

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não contarei nada a ele, apesar de não estar gostando

nada dessa história...

- Obrigada. Tchau, Lia.

Lia desligou o telefone e discou para seu

motorista.

- Cirilo?

- Sim, patroinha, já estou saindo para ir apanhá-

la.

- Ah, sim, obrigada. Você tem serviço para

daqui a mais ou menos umas três horas?

- Que eu saiba, não, patroinha. Seu irmão gosta

de dirigir o próprio carro, então eu acho que estarei livre

o resto do dia.

- Ótimo! Você pode então buscar a srta. Reis no

heliporto no centro da cidade e levá-la até meu ateliê?

- Será um prazer, patroinha.

- Obrigada. E Cirilo, gostaria que caso você

viesse a conversar com meu irmão, não mencionasse

esse servicinho extra.

- Pois não, patroinha.

- Obrigada, Cirilo. Até mais tarde.