haesbaert - território e multiterritorialidade

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TERRIT~RIO E . MULTITERRITORIALIDADE: UM DEBATE ROGÉRIO HAESBAERT Universidade Federal Fluminense Este trabalho está ligado ao prosseguimento de diversos trabalhos anteriores sobre o conceito de territ6rio e sua derivação direta, a territorialidade, e que culminaram com a proposta da noção de "multiterritorialidade" (HAESBAERT, 1997, 2001a, 2002a, 2004a). Trata-se de um debate sobre o desdobramento desta noção a partir de sua vinculação, em uma perspectiva mais sistematizada, com a concepção de "múltiplos territórios" e as diversas abordagens daquilo que se denomina territorialidade. A multiterritorialidade, como enfatizamosanteriormente (HAESBAERT, 2004a), aparece como uma alternativa conceitual dentro de um processo denominado por muitos como "desterritorialização~'. Muito mais do que perdendo ou destruindo nossos territórios, ou melhor, nossos processos de territorialização (para enfatizar a ação, a dinâmica), estamos na maior parte das vezes vivenciando a intensificação e complexificação de um processo de (re)territorialização muito mais múltiplo, "multiterritorial". Foi nesse sentido que reconhecemos a desterritorialização como "mito" (HAESBAERT, 1994,20Olb, 2004a). Não no sentido de que simplesmente "não exista" desterritorialização,mas de que se trata de um processo indissociavelmente ligado à sua contraface, os movimentos de (re)territorialização. Como afirmavam em seu "primeiro teorema" da desterritorialização os autores clássicos nesta temática, Deleuze e Guattari (ainda que numa conotação filosófica muito ampla): '. Uma primeira versão deste artigo, intitulada "Dos múltiplos territórios à multiterritorialidade" foi apresentada no I Seminário Nacional sobre Múltiplas Territorialidades, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFRGS, Curso de Geografia da ULBRA e AGB-Porto Alegre, em 23 de setembro de 2004.

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  • TERRIT~RIO E . MULTITERRITORIALIDADE:

    UM DEBATE ROGRIO HAESBAERT

    Universidade Federal Fluminense

    Este trabalho est ligado ao prosseguimento de diversos trabalhos anteriores sobre o conceito de territ6rio e sua derivao direta, a territorialidade, e que culminaram com a proposta da noo de "multiterritorialidade" (HAESBAERT, 1997, 2001a, 2002a, 2004a). Trata-se de um debate sobre o desdobramento desta noo a partir de sua vinculao, em uma perspectiva mais sistematizada, com a concepo de "mltiplos territrios" e as diversas abordagens daquilo que se denomina territorialidade.

    A multiterritorialidade, como j enfatizamos anteriormente (HAESBAERT, 2004a), aparece como uma alternativa conceitual dentro de um processo denominado por muitos como "desterritorializao~'.Muito mais do que perdendo ou destruindo nossos territrios, ou melhor, nossos processos de territorializao (para enfatizar a ao, a dinmica), estamos na maior parte das vezes vivenciando a intensificao e complexificao de um processo de (re)territorializao muito mais mltiplo, "multiterritorial".

    Foi nesse sentido que reconhecemos a desterritorializao como "mito" (HAESBAERT, 1994,20Olb, 2004a). No no sentido de que simplesmente "no exista" desterritorializao, mas de que se trata de um processo indissociavelmente ligado sua contraface, os movimentos de (re)territorializao. Como j afirmavam em seu "primeiro teorema" da desterritorializao os autores clssicos nesta temtica, Deleuze e Guattari (ainda que numa conotao filosfica muito ampla):

    '. Uma primeira verso deste artigo, intitulada "Dos mltiplos territrios multiterritorialidade" foi apresentada no I Seminrio Nacional sobre Mltiplas Territorialidades, promovido pelo Programa de Ps-Graduao em Geografia da UFRGS, Curso de Geografia da ULBRA e AGB-Porto Alegre, em 23 de setembro de 2004.

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  • GEOgraphia - Ano IX - No 17 - 2007 Rogrio Haesbaert

    Jamais nos desterritorializamos sozinhos, mas no mnimo com dois termos (...). E cada um dos dois termos se reterritorializa sobre o outro. De forma que no se deve confundir a reterritorializao com o retorno a uma territorialidade primitiva ou mais antiga: ela implica necessariamente um conjunto de artifieios pelos quais um elemento, ele mesmo desterritorializado, serve de territorialidade nova ao outro que tambm perdeu a sua. (DELEUZE E GUATTARI, 1996[1980] :40-4 1)

    Geograficamente falando, no h desterritorializao sem reterritorializao pelo simples fato de que o homem um "animal temtorial" (ou "territorializador", como afirmou o socilogo Yves Barel). O que existe, de fato, um movimento complexo de territorializao, que inclui a vivncia concomitante de diversos territrios - configurando uma multiterritorialidade, ou mesmo a construo de uma territorializao no e pelo movimento (HAESBAERT, 2004a). Por outro lado, na dimenso mais propriamente social da desterritorializao, to pouco enfatizada, que o termo teria melhor aplicao, pois quem de fato perde o "controle" etou a "segurana" sobretem seus territrios so os mais destitudos, aqueles que se encontram mais "destemtorializados" ou, em termos mais rigorosos, mais precariamente territorializados.

    Assim, afirmamos que, especialmente para os mais privilegiados, ditos por muitos "desterritorializados", "mais do que a desterritorializao desenraizadora, manifesta-se um processo de reterritorializao espacialmente descontnuo e extremamente complexo". (HAESBAERT, 1994:214) Estes processos de (multi)territorializao precisam ser melhor compreendidos, especialmente pelo potencial de perspectivas polticas inovadoras que eles exigem ou implicam.

    Para falar em multiterritorialidade precisamos, em primeiro lugar, esclarecer o que entendemos por territrio e por temtorialidade. Desde a origem, o territrio nasce com uma dupla conotao, material e simblica, pois etimologicamente aparece to prximo de terra-territorium quanto de terreo-territor (terror, aterrorizar), ou seja, tem a ver com dominao (jurdico-poltica) da terra e com a inspirao do terror, do medo - especialmente para aqueles que, com esta dominao, ficam alijados da terra, ou no "temtorium" so impedidos de entrar. Ao mesmo tempo, por outro lado, podemos dizer que, para aqueles que tm o privilgio de plenamente usufrui-lo, o territrio pode inspirar a identificao (positiva) e a efetiva "apropriao".

    Territrio, assim, em qualquer acepo, tem a ver com poder, mas no apenas ao tradicional "poder poltico". Ele diz respeito tanto ao poder no sentido

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  • Territrio e Multiterritorialidade: Um Debate

    mais explcito, de dominao, quanto ao poder no sentido mais implcito ou simblico, de apropriao. Lefebvre distingue apropriao de dominao ("possesso", "propriedade"), o primeiro sendo um processo muito mais simblico, carregado das marcas do "vivido", do valor de uso, o segundo mais concreto, funcional e vinculado ao valor de troca. Segundo o autor:

    O uso reaparece em acentuado conflito com a troca no espao, pois ele implica "apropriao" e no '>ropriedade". Ora, a prpria apropriao implica tempo e tempos, um ritmo ou ritmos, smbolos e uma prtica. Tanto mais o espao funcionalizado, tanto mais ele dominado pelos "agentes" que o manipulam tomando-o unifuncional, menos ele se presta a apropriao. Por qu? Porque ele se coloca fora do tempo vivido, aquele dos usurios, tempo diverso e complexo. (Lefebvre, 1986:411- 412, grifo do autor)

    Como decorrncia desse raciocnio, interessante observar que, enquanto "espao-tempo vivido", o territrio sempre mltiplo, "diverso e complexo", ao contrrio do territrio "unifuncional" proposto e reproduzido pela lgica capitalista hegemnica, especialmente atravs da figura do Estado territorial moderno, defensor de uma lgica territorial padro que, ao contrrio de outras formas de ordenao territorial (como a do espao feudal tpico), no admite multiplicidadel sobreposio de jurisdies e/ou de territorialidades.

    Podemos ento afirmar que o territrio, imerso em relaes de dominao elou de apropriao sociedade-espao, "desdobra-se ao longo de um continuum que vai da dominao poltico-econmica mais 'concreta' e 'funcional' apropriao mais subjetiva e/ou 'cultural-simblica'". (Haesbaert, 2004a:95-96) Segundo Lefebvre, dominao e apropriao deveriam caminhar juntas, ou melhor, esta ltima deveria prevalecer sobre a primeira, mas a dinmica de acumulao capitalista fez com que a primeira sobrepujasse quase completamente a segunda, sufocando as possibilidades de uma efetiva "reapropriao" dos espaos, dominados pelo aparato estatal-empresarial elou completamente transformados, pelo valor contbil, em mercadoria.

    Embora Lefebvre se refira sempre a espao, e no a territrio, fcil perceber que no se trata de espao num sentido genrico e abstrato, muito menos de um espao natural-concreto. Trata-se, isto sim, de um espao-processo, um espao socialmente construdo. Diferentemente de autores como Raffestin (1993[1980]), para quem o espao (fsico-natural) uma espcie de "matria- prima" para os processos de territorializao, como se o espao antecedesse a construo do territrio, para Lefebvre o espao, em sua trplice constituio' (enquanto espao concebido, percebido e vivido), sempre socialmente produzido. De certo modo, o que diferencia a produo do espao lefebvreana das dinmicas

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  • GEOgraphia - Ano IX - No 17 - 2007 Rogrio Haesbaert

    de territorializao aqui enfocadas uma simples questo de foco, centralizado mais, aqui, nas relaes de poder que constituem aquele espao.

    Se o espao social aparece de maneira difusa por toda a sociedade e pode, assim, ser trabalhado de forma genrica, o territrio e as dinmicas de des- territorializao (sempre hifenizada) devem ser distinguidos atravs dos sujeitos que efetivamente exercem poder, que de fato controlam esse(s) espao(s) e, conseqentemente, os processos sociais que o(s) compe(m). Assim, o ponto crucial a ser enfatizado aquele que se refere s relaes sociais enquanto relaes de poder - e como todas elas so, de algum modo, numa perspectiva foucaultiana, relaes de poder, este deve ser qualificado, pois, dependendo da perspectiva terica, pode compreender desde o "anti-poder" da violncia2 at as formas mais sutis do poder simblico.

    Enquanto continuum dentro de um processo de dominao elou apropriao, o territrio e a territorializao devem ser trabalhados na multiplicidade de suas manifestaes -que tambm e, sobretudo, multiplicidade de poderes, neles incorporados atravs dos mltiplos sujeitos envolvidos (tanto no sentido de quem sujeita quanto de quem sujeitado, tanto no sentido das lutas hegemnicas quanto das lutas de resistncia - pois poder sem resistncia, por mnima que seja, no existe). Assim, devemos primeiramente distinguir os territrios de acordo com aqueles que os constrem, sejam eles indivduos, grupos sociais/culturais, o Estado, empresas, instituies como a Igreja etc. Os objetivos do controle social atravs de sua temtorializao variam conforme a sociedade ou cultura, o grupo e, muitas vezes, com o prprio indivduo (no caso da diferena de gnero, por exemplo). Controla-se uma "rea geogrfica", ou seja, cria-se o "territrio", visando "atingirlafetar, influenciar ou controlar pessoas, fenmenos e relacionamentos" (SACK, 1986:6).

    A territorialidade, alm de incorporar uma dimenso mais estritamente poltica, diz respeito tambm s relaes econmicas e culturais, pois est "intimamente ligada ao modo como as pessoas utilizam a terra, como elas prprias se organizam no espao e como elas do significado ao lugar". Sack afirma tambm:

    A territorialidade, como um componente do poder, no apenas um meio para criar e manter a ordem, mas uma estratgia para criar c manter grande parte do contexto geogrfico atravs do qual ns experimentamos o mundo e o dotamos de signijkado. (1986:219)

    2. Enquanto autores como Castoriadis propem uma noo muito ampla de poder, envolvendo toda instituio da sociedade, distinguindo-o da "poltica" enquanto "questionamento explcito da ' instituio estabelecida da sociedade" (1992: 135), outros, como Hannah Arendt, restringem o poder ao poder "legtimo", socialmente reconhecido, o que exclui a violncia - justamente "a perda de poder", diz ela, que "traz a tentao de substitui-lo pela violncia" (Arendt, 2004: 131).

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  • Temtrio e Multitemtonalidade: Um Debate

    Portanto, todo territrio , ao mesmo tempo e obrigatoriamente, em diferentes combinaes, funcional e simblico, pois as relaes de poder tm no espao um componente indissocivel tanto na realizao de "funes" quanto na produo de "significados". O territrio "funcional" a comear pelo seu papel enquanto recurso, desde sua relao com os chamados "recursos naturais" -"matrias-primas" que variam em importncia de acordo com o(s) modelo(s) de sociedade(s) vigente(s) - como o caso do petrleo no atual modelo energtico dominante.

    Para Raffestin, "um recurso no uma coisa", a matria em si, ele " uma relao cuja conquista faz emergir propriedades necessrias satisfao de necessidades". (199353) Como "meio para atingir um fim" (p. 225), no uma relao estvel, pois surge e desaparece na histria das tcnicas e da conseqente produo de necessidades humanas. Milton Santos, inspirado em Jean Gottman, prope distinguir o temtrio como recurso, prerrogativa dos "atores hegemnicos", e o territrio como abrigo, dos "atores hegemonizados" (Santos et al., 2000:12). Se recurso "um meio para obter um fim" (a acumulao e o lucro, para o capitalista, que pode abstrair-se da identificao com o espao em que estes so realizados), para os "hegemonizados" o territrio, podemos dizer, seria "um fim em si mesmov3 -para eles, assim, "perder seu temtrio ", efetivamente, em mais de um sentido, "desaparecer", como propuseram Bonnemaison e Cambrzy (1996).

    Para muitos "hegemonizados" ou, como preferimos, subalternizados, o temtrio adquire muitas vezes tamanha fora que combina com igual intensidade funcionalidade e identidade. O temtrio, neste caso, como defendem Bonnemaison e Cambrzy (1996), "no diz respeito apenas funo ou ao ter, mas ao ser". interessante como estas dimenses aparecem geminadas, sem nenhuma lgica a priori para indicar a preponderncia de uma sobre a outra: muitas vezes, por exemplo, entre aqueles que esto mais destitudos de seus recursos materiais que aparecem formas as mais vigorosas de apego a identidades temtoriais ou "territorialismos".

    Assim, poderamos falar em dois grandes "tipos ideais" ou referncias "extremas" frente s quais podemos investigar o territrio: um, mais funcional, pnorizado na maior parte das abordagens, e outro, mais simblico, que vem se impondo em importncia nos ltimos tempos. Enquanto "tipos ideais" eles nunca se manifestam em estado puro, ou seja, todo temtrio "funcional" tem sempre alguma carga simblica, por menos expressiva que seja, e todo territrio "simblico" tem sempre algum carter funcional, por mais reduzido que parea. Num esquema genrico dos extremos deste j aludido continuum entre funcionalidade e simbolismo, podemos caracteriz-los da seguinte forma:

    '. Agradecemos aqui as sugestes de Carlos Walter Porto Gonalves.

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  • GEOgraphia - Ano IX - No 17 - 2007 Rogrio Haesbaert

    Territrio de dominncia "funcional" Territrio de dominncia "simblica"

    Processos de Dominao Processos de Apropriao (Lefebvre) "Territrios da desigualdade" "Territrios da diferena"

    Territrio "sem temtonalidade" Territorialidade "sem territrio" (empricamente impossvel) (ex.: "Teria Prometida" dos judeus) Princpio da exclusividade Princpio da multiplicidade (?) (no seu extremo: unifuncionalidade) (no seu extremo: mltiplas identidades)

    Territrio como recurso, valor de troca Territrio como smbolo, valor simblico (controle fsico, produo) ("abrigo", "lar", segurana afetiva)

    Embora a princpio parea caber ao gegrafo manter sempre "os ps no cho" e enfatizar a dimenso material do territrio, a realidade contempornea, dominada pelo mundo das imagens e das representaes, acabou incorporando com certa nfase no prprio mbito das proposies geogrficas uma viso "mais idealista" de territrio.

    Para os gegrafos Bonnemaison e Cambrzy (1996), por exemplo, vivemos hoje sob uma "lgica culturalista" ou "ps-moderna" de base identitria e reticular que se impe sobre a lgica funcional e zona1 (estatal) moderna. Por isso, "o territrio primeiro um valor", estabelecendo-se claramente "uma relao forte, ou mesmo uma relao espiritual" com nossos espaos de vida. Numa distino bastante questionvel, o prprio "territrio cultural" precederia os territrios "poltico" e "econmico". (p. 10)4

    Na verdade, como fica mais ntido no seu grande trabalho emprico sobre a ilha de Tanna, no arquiplago de Vanuatu (Bonnemaison, 1997), trata-se mais de uma territorialidade -ou mesmo, em suas palavras, de uma "ideologia do territrio" -do que do territrio em sentido estrito. Cabe aqui, ento, distinguirmos territrio e temtorialidade - especialmente para reconhecermos que esta, independente ou no da efetivao de um territrio, tem papel cada vez mais relevante.

    Segundo o prprio Bonnemaison, os habitantes de Tuva no "possuem" o territrio, mas se identificam com ele. Todos os conflitos, antigos ou recentes, so moldados por uma espcie de "ideologia do territrio" que remonta aos mitos sobre a criao do povo local. Embora em bases muito distintas e num jogo de influncias sociais muito diverso das sociedades tradicionais, teramos hoje um certo retomo s "ideologias territorialistas" que, em pleno mundo globalizado,

    4. necessrio lembrar que Bonnemaison (1997) inspirou-se aqui em sua tese sobre a sociedade da ' ilha de Tanna, bem pouco "ps-modema", onde o territrio ("cultural") no um produto dessa sociedade, mas uma entidade que a precede e a funda, os habitantes locais auto-definindo-se como man-ples, "homens-lugares". (p. 77)

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  • Temtno e Multitemtonalidade: Um Debate

    manifestam-se com crescente importncia, a territorialidade, num sentido simblico, impondo-se como argumento para a construo efetiva do territrio -ou o territrio tornando-se, provavelmente, como afirmam Bonnemaison e Cambrzy (1996:14), o mais eficaz de todos os construtores de identidade.

    No jogo contemporneo dos processos de destruio e reconstruo territorial fica muito claro o ir e vir entre territrios mais impregnados de um sentido funcional, de controle fsico de processos, e aqueles onde a dimenso simblica - a territorialidade, para alguns - adquire um papel fundamental. Aqui importante aprofundar o debate sobre os vnculos e as possveis distines entre as noes de territrio e de territorialidade.

    Alguns autores, numa viso mais estreita, reduzem a territorialidade dimenso simblico-cultural do territrio, especialmente no que tange aos processos de identificao territorial. Na maioria das vezes, porm, eles no fazem esta distino, a territorialidade sendo concebida abstratamente, numa perspectiva mais epistemolgica, como "aquilo que faz de qualquer territrio um territrio" (Souza, 1995:99), ou seja, as propriedades gerais reconhecidamente necessrias existncia do territrio - que variam, claro, de acordo com o conceito de territrio que estivermos partilhando.

    A territorialidade, no nosso ponto de vista, no apenas "algo abstrato", num sentido que muitas vezes se reduz ao carter de abstrao analtica, epistemolgica. Ela tambm uma dimenso imaterial, no sentido ontolgico de que, enquanto "imagem" ou smbolo de um territrio, existe e pode inserir-se eficazmente como uma estratgia poltico-cultural, mesmo que o territrio ao qual se refira no esteja concretamente manifestado -como no conhecido exemplo da "Terra Prometida" dos judeus, territorialidade que os acompanhou e impulsionou atravs dos tempos, ainda que no houvesse, concretamente, uma construo territorial correspondente.

    Realizando uma reviso terica sobre as diversas formas com que a concepo de territorialidade foi proposta, podemos sintetizar atravs do seguinte elenco de posies:

    1) Territorialidade num enfoque mais epistemolgico: "abstrao", condio genrica (terica) para a existncia do territrio

    (dependendo, assim, do conceito de territrio proposto) 2) Territorialidade num sentido'mais ontolgico:

    a. Como materialidade (ex. controle fsico do acesso atravs do espao material, como indica Robert Sack)

    b. Como imaterialidade (ex. controle simblico, atravs de uma identidade territorial ou "comunidade territorial imaginada")

    c. Como "espao vivido" (frente aos espaos - neste caso,' territrios, formais-institucionais), conjugando materialidade e imaterialidade.

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  • GEOgraphia - Ano IX - No17 - 2007 Rogrio Haesbaert

    Como essas concepes devem estar sempre associadas a concepes de territrio correspondentes, igualmente relevante "mapear" as distintas possibilidades de se trabalhar com a relao entre territrio e territorialidade, que se estende desde a indistino at a completa separao entre eles. Agrupando estas leituras teramos desde a temtorialidade como uma concepo mais ampla do que territrio at a territorialidade como algo mais restrito, uma simples "dimenso" do territrio, passando pela abordagem diferenciadora, que separa e distingue claramente temtorialidade e temtrio. Da:

    a) Territorialidade como concepo mais ampla que territrio, que o engloba (a todo territrio corresponderia uma temtorialidade, mas nem toda territorialidade teria, necessariamente, um territrio), territorialidade tanto como uma propriedade de territrios efetivamente construdos quanto como "condio" (terica) para a sua existncia (neste caso, renem-se as concepes 1 e 2 acima aludidas).

    b) Territorialidade praticamente como sinnimo de territrio: a territorialidade como qualidade inerente existncia, efetiva, do territrio, condio de sua existncia.

    C Territorialidade como concepo claramente distinta de territrio, em dois sentidos:

    1 . temtorialidade como domnio da imaterialidade, como concepo distinta de temtrio, necessariamente material, concreto; a territorialidade definida na conjugao entre as concepes 1 e 2b, acima, ou seja, enquanto "abstrao" analtica e enquanto dimenso imaterial ou identidade territorial.

    2. territorialidade como domnio do "vivido" (concepo 2c) ou do no institucionalizado, frente ao territrio como espao formal institucionalizado (implicando assim uma viso mais estrita de territrio, a partir de sua dimenso jurdico-poltica, formal)

    d) Territorialidade como uma das dimenses do territrio, a dimenso simblica (ou a "identidade temtorial"), conforme utilizado algumas vezes no mbito da Antropologia (neste caso a territorialidade seria tratada exclusivamente no sentido 2b, acima identificado).

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  • Territrio e Multitemtoriaiidade: Um Debate

    Assim, quando falamos em "territorialidade sem territrio'' devemos tomar cuidado para esclarecer a que concepo de territorialidade ou a que relao entre territrio e territorialidade estamos nos referindo. Optamos aqui por tratar a territorialidade num sentido mais amplo do que territrio (relao I), mas sempre com o cuidado de identificar, a cada momento, se estamos nos referindo territorialidade como condio genrica para a existncia de um territrio, tenha ele existncia efetiva ou no (concepo l), ou se estamos nos reportando ?I dimenso simblica (concepo 2b) ou "vivida" do territrio (concepo 2c).

    O que parece diferenciar nossa definio de territrio em relao a outras disciplinas que no caracterizamos, nunca, territrio apenas pela sua dimenso simblica - ao contrrio da territorialidade, ele sempre envolve uma dimenso material-concreta. Assim, distinguimos duas dimenses principais do territrio, uma mais funcional e outra mais simblica. Por isso, no quadro em que propusemos "territrio de dominncia funcional" e "territrio de dominncia simblica", identificamos como possibilidade, num extremo (pois o esquema deve ser visto dentro de um continuum), a territorialidade "sem territrio", embora, no outro extremo, um temtrio "sem territorialidade" seja emprica - e teoricamente -inconcebvel, dentro da concepo aqui proposta de que pode existir territorialidade sem territrio, mas no o contrrio.

    Envolvendo sempre relaes de poder, evidente que nossa concepo de territrio tambm inclui o poder no seu sentido simblico (tal como proposto por Bourdieu, 1989). justamente por fazer uma separao demasiado rgida entre territrio a partir de relaes de poder num sentido mais concreto, "funcional", e temtrio a partir de relaes de poder mais simblico que muitos ignoram a riqueza das mltiplas territorialidades em que estamos mergulhados. Propusemos assim definir territrio:

    (...) a partir da concepo de espao como um hbrido - hbrido entre sociedade e natureza, entre poltica, economia e cultura, e entre materialidade e "idealidade", numa complexa interao tempo-espao, como nos induzem a pensar gegrafos como Jean Gottman e Milton Santos, na indissociao entre movimento e (relativa) estabilidade -recebam estes os nomes de fixos e fluxos, circulao e "iconografias" [na acepo de Jean Gottman], ou o que melhor nos aprouver. (...) o territrio pode ser concebido a partir da imbricao de mltiplas relaes de poder, do poder mais material das relaes econmico- polticas ao poder mais simblico das relaes de ordem mais estritamente cultural. (Haesbaert, 2004a:79) Na verdade, hoje, mais do que nunca na histria do capitalismo, a "sociedade

    do espetculo" (na famosa expresso cunhada por Guy Dbord) instituiu o amlgama, tambm no interior da "funcionalidade" capitalista, dos processos culturais de identificao e (re)criao de identidades. Compramos um produto muitas vezes

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  • GEOgraphia - Ano IX - No17 - 2007 Rogrio Haesbaert

    mais pela sua imagem (valor simblico) do que pela sua "funo" (material). O "marketing" em tomo destas imagens criadas sobre os objetos ampliou-se de tal forma que o prprio espao geogrfico, enquanto paisagem, tambm transformado em mercadoria e vendido, como ocorre no "mercado de cidades" (e de regies, deveramos acrescentar) global. O "temtrio simblico" invade e refaz as "funes" num carter complexo e indissocivel em relao funcionalidade dos territrios, ou seja, a dominao lefebvriana toma-se, mais do que nunca, tambm, simblica - um simblico, porm, que no advm do "espao vivido" da maioria, mas da reconstruo identitria em funo dos interesses dos atores hegemonicos.

    Mais importante, portanto, do que esta caracterizao problemtica, porque genrica e aparentemente dicotmica, perceber a historicidade do territrio, sua variao conforme o contexto histrico e geogrfico - inclusive, como j ressaltamos, dentro das diversas fases do capitalismo. Os objetivos dos processos de territorializao, ou seja, de dominao elou de apropriao do espao, variam muito ao longo do tempo e dos espaos. Assim, grande parte das sociedades tradicionais conjugava a construo material ("funcional") do territrio como abrigo e base de "recursos" com uma profunda identificao que recheava o espao de referentes simblicos fundamentais manuteno de sua cultura. J na sociedade "disciplinar" moderna (at o sculo XIX, pelo menos) dominava a funcionalidade de um "enclausuramento disciplinar" individualizante atravs do espao - no dissociada, claro, da construo das identidades-suporte da modemidade, a do indivduo e a da nao (ou da "nao[enquanto]-Estado").

    Mais recentemente, nas sociedades ditas "de controle" ou, para ns, "de segurana" (e, para outros, num outro sentido, "ps-modernas"), vigora o controle elou a conteno da mobilidade, dos fluxos (redes) e, conseqentemente, das conexes -o territrio passa ento, gradativamente, de um temtrio mais "zonal" ou de controle de reas (lgica tpica do Estado-nao) para um "territrio-rede" ou de controle de redes (lgica tpica das grandes empresas). A, o movimento ou a mobilidade passa a ser um elemento fundamental na construo do territrio.

    Podemos, simplificadamente, falar em quatro grandes "fins" ou objetivos da territorializao, que podem ser acumulados elou distintamente valorizados ao longo do tempo:

    - abrigo fsico, fonte de recursos materiais elou meio de produo; - identificao ou simbolizao de grupos atravs de referentes espaciais (a comear pela prpria construo de fronteiras);

    - controle elou disciplinarizao atravs do espao (fortalecimento da idia de indivduo atravs de espaos tambm individualizados, no caso do mundo modemo);

    - construo e controle de conexes e redes (fluxos, principalmente fluxos ' de pessoas, mercadorias e informaes). importante que ressaltemos agora, ento, dentro dessa multiplicidade

    territorial em que estamos mergulhados, quais os traos fundamentais que 28

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  • Temtrio e Multitemtorialidade: Um Debate

    distinguem a atual fase des-reterritorializadora de carter dito mais flexvel do capitalismo e da modemidade (para alguns "ps-modernidade", para outros "modernidade radicalizada" [Giddens, 19901 ou "lquida" [Bauman, 20011). Entendemos que uma marca fundamental , ao lado da existncia de mltiplos tipos de territrio, a experincia cada vez mais intensa daquilo que denominamos multitenitorialidade.

    2. Mltiplos territrios

    Inicialmente necessrio distinguir aquilo que denominamos "mltiplos territrios" e "multitenitorialidade" - a multiplicidade de territrios como uma condio sine qua non, necessria mas no suficiente, para a manifestao da multiterritorialidade. Rompendo com o dualismo entre fixidez e mobilidade, territrio e rede, propusemos uma primeira distino, muito importante na constituio dos "mltiplos territrios" do capitalismo, entre territrios-zona, mais tradicionais, e territrios-rede, mais envolvidos pela fluidez e a mobilidade. Mais do que suas formas, entretanto, importa o tipo de poder e os sujeitos neles envolvidos.

    Poderamos mesmo, generalizando ao extremo, afirmar que o capitalismo se funda, geograficamente, sob dois grandes "paradigmas" territoriais - um mais tpico da lgica estatal "tradicional", preocupada com o controle de fluxos pelo controle de reas, quase sempre contnuas e de fronteiras claramente definidas; outro mais relacionado lgica empresarial, tambm controladora de fluxos, porm prioritariamente atravs de sua "canalizao" em dutos e ndulos de conexo (as redes), de alcance, em ltima instncia, global. Arrighi (1996), de forma geograficamente questionvel, distinguiu dois "modos opostos de governo ou de lgica do poder" em relao dinmica entre capital (ou espao econmico) e a "organizao relativamente estvel do espao poltico", duas estratgias geopolticas (e geo-econmicas) que ele denomina de "capitalismo" e "territorialismo":

    Os govemantes territorialistas identificam o poder com a extenso e a densidade populacional de seus domnios, concebendo a riqueza10 capital como um meio ou um subproduto da busca de expanso territorial. Os governantes capitalistas, ao contrrio, identificam o poder com a extenso de seu controle sobre os recursos escassos e consideram as aquisies territoriais um meio e um subproduto da acumulao de capital. (p. 33)

    5 . "Historicamente, o capitalismo, como sistema mundial de acumulao e governo, desenvolveu- , se simultaneamente nos dois espaos. No espao-de-lugares (...) ele triunfou ao se identificar com certos Estados. No espao-de-fluxos, em contraste, triunfou por no se identificar com nenhum Estado em particular, mas por construir organizaes empresariais no temtoriais que abrangiam o mundo inteiro". (p. 84)

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    Essas duas lgicas de poder dentro do sistema mundial de acumulao aparecem tambm associadas a dinmicas espaciais distintas -uma, o "capitalismo" em sentido estrito, seria marcada sobretudo pelo "espao dos fluxos" das grandes organizaes empresariais, enquanto a outra, o "territorialismo", marcado pela lgica estatal, seria tambm o domnio do "espao dos lugares"*.

    O autor destaca, contudo, que so duas lgicas no-excludentes, pois historicamente funcionariam em conjunto, "relacionadas entre si num dado contexto espao-temporal". (p. 34) Desde o exemplo dado por Arrighi como "prottipo do Estado capitalista", a Veneza do final da Idade Mdia e outras cidades-Estado do norte italiano, percebe-se com clareza a constituio de "territrios-rede" onde o controle era exercido tanto sobre o que o autor denomina de "enclaves anmalos" (as cidades-Estados), loci principais das poderosas oligarquias mercantis, quanto sobre suas redes de atuao, que envolviam o domnio direto ou indireto (pelo comrcio) sobre outras reas (territrios-zona) e o domnio das rotas martimas que permitiam a sua interconexo.

    Bourdin (2001), comentando Balligand e Maquart, afirma: (...) sempre houve territrios descontnuos, os dos comerciantes e seus balces, os das peregrinaes e de suas igrejas de romaria, "territrios-rede" de que o Imprio de Veneza oferece uma perfeita ilustrao. Hoje, este tipo de territrio domina, dando um outro significado aos recortes tradicionais, sobretudo polticos. ( p . 167) Assim, dentro da diversidade temtorial do nosso tempo devemos levar em

    conta, em primeiro lugar, essa distino crescente entre uma lgica territorial zonal e uma lgica territorial reticular6. Elas se interpenetram, se mesclam, de tal modo que a efetiva hegemonia dos territrios-zona estatais que marcaram a grande colcha de retalhos poltica, pretensamente uniterritorial (no sentido de s admitir a forma estatal de controle poltico-territorial) do mundo moderno, v-se obrigada, hoje, a conviver com novos circuitos de poder que desenham complexas territorialidades, em geral na forma de territrios-rede, como o caso das territorialidades do narcotrfico e do terrorismo globalizado.

    Isso no significa, entretanto, que uma lgica reticular se imponha inexoravelmente dentro de uma "sociedade em rede", e que defendamos, de forma simples, a preponderncia desta forma de organizao territorial. A lgica zonal no s no desapareceu como um constituinte indissocivel das prticas sociais, na medida em que sempre existiro relaes sociais (de poder) que iro requisitar

    Para uma discusso mais aprofundada desta temtica, bem como da noo de territrio-rede, ver o item 7.1 (Territrios, redes e territrios-rede) em Haesbaert, 2004a. pp. 279-3 11.

    ' Ainda que esta "legislao" seja de exceo, como discutido por Agamben (2002), e esteja inserida

    em processos de uma renovada "recluso" ou, num termo provavelmente mais consistente,

    "conteno" temtorial (Haesbaert, 2004b). por referir-se mais a uma lgica territorial reticular

    ("conteno de fluxos") do que zonal.

  • Temtrio e Multitemtonalidade: Um Debate

    o domnio de espaos contnuos e delimitados onde se "legisle" em nome de todos os integrantes desses espaos/territrios7. As organizaes em rede, como todos sabem, nunca preenchem o espao social em seu conjunto, inserindo-se, portanto, "naturalmente", dentro de dinmicas sociais excludentes. A defesa de um "espao de todos" (ou o "espao banal" de Milton Santos), de um territrio efetivamente a servio de processos crescentes de democratizao, no pode nunca se restringir apenas modalidade de territrios-rede.

    Dentro dessa complexa relao entre redes e reas ou zonas como os dois elementos fundamentais constituintes do territrio (para Raffestin, duas das trs "invariantes" territoriais -a terceira seriam os plos ou ns, que no nosso ponto de vista so, juntamente com os "dutos" e/ou fluxos, constituintes indissociveis das redes), devemos destacar a enorme variedade de tipos e nveis de controle e/ou conteno territorial. Se o territrio moldado sempre dentro de relaes de poder, em sentido lato, ele envolve sempre, tambm, no dizer de Robert Sack, o controle de uma rea pelo controle da sua acessibilidade. Este controle, contudo, dependendo do tipo (mais funcional ou mais simblico, por exemplo) e dos sujeitos que o promovem (a grande empresa, o Estado, grupos tnico-culturais, etc.), adquire nveis de intensidade os mais diversos. Assim, com base em discusses anteriores (Haesbaert, 2002b e 2004a), propomos identificar "mltiplos territrios" - ou melhor, "mltiplas territorializaes", atravs das seguintes modalidades:

    a) Territorializaes (para quem efetivamente exerce seu controle, espaos de "excluso inclusiva", "territrios de exceo" dentro da ordem vigente) mais desterritorializantes, "desidentificadoras" ("espaos de indistino") e destituidoras de cidadania (porque a a exceo e a biologizao da "vida nua" se tornam a regra [Agamben, 2002]), como os campos de refugiados e outros espaos atravs dos quais se tenta conter a massa de "excludos" que Agamben define genericamente como "campos" (tendo no seu extremo o efetivo fechamento dos campos de concentra~)~.

    b) Territorializaes mais fechadas, quase "uniterritoriais" no sentido de imporem a ,correspondncia entre poder poltico e identidade cultural, ligadas ao fenmeno do territorialismo, como nos territrios defendidos por grupos tnicos que se pretendem culturalmente homogneos, no admitindo uma pluralidade territorial de poderes e identidades.

    8. Para Agamben, o "campo" 6 o "mais absoluto espao biopoltico de poder que jamais tenha sido realizado, no qual o poder tem diante de si seno a pura vida nua, sem qualquer mediao" (2002)

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    c) Territorializaes poltico-funcionais mais tradicionais, como a do Estado-nao que, pelo menos quando referido mais ao territrio do que ao "sangue" (do contrrio equivaleria ao caso anterior), mesmo admitindo certa pluralidade cultural (sob a bandeira de uma mesma "nao" enquanto "comunidade [territorialmente] imaginada" (Anderson, 1989), no admite a pluralidade de poderes.

    d) Territorializaes mais flexveis, que admitem a sobreposio territorial, seja sucessiva (como nos territrios temporrios ou espaos multifuncionais na rea central das grandes cidades) ou simultaneamente (como na sobreposio "encaixada" de territorialidades poltico-administrativas relativamente autnomas).

    e) Territorializaes efetivamente mltiplas - uma "multite~torialidade" em sentido estrito, construda por grupos que se territorializam na conexo flexvel de territrios-rede multifuncionais, multi-gestionrios e multi-identitrios, como no caso de disporas de migrantes.

    Precisamos ento, a partir da, distinguir entre "mltiplos territrios" e "multiterritorialidade". O antroplogo colombiano Zambrano (2001), numa perspectiva semelhante, traz contribuies interessantes. Ele distingue entre "territrios plurais" e "pluralidade de territrio^"^. Com base na complicada realidade scio-poltica e cultural da Colmbia, Zambrano reconhece a multiplicidade de territrios atravs dos prprios movimentos sociais e das lutas travadas por diferentes grupos e instituies. Assim, afirma ele:

    No mbito poltico o pertencimento gera o sentido de domnio sobre um lugar, sentido que estimula o aparecimento de formas de autoridade e tributao sobre o espao, configurando a real perspectiva territorial: percepes de atores diversos, geralmente alheios aos contornos territoriais locais (Estado, guerrilhas, ONGs etc.) que inserem suas vises, confrontando-se com as dos residentes (organizao social, formas de parentesco, uso do espao etc.) que devem lutar pela hegemonia de um modo particular de exercer legitimamente o domnio ou estabelec-lo com as pautas de dominao intervenientes que lhes so alheias. A propriedade da

    9. O autor parte de uma definio de territrio como "o espao terrestre, real ou [?I imaginado, que um povo (etnia ou nao) ocupa ou utiliza de alguma maneira, sobre o qual gera sentido de pertencimento, que confronta com o de outros, e organiza de acordo com os padres de diferenciao produtiva (riqueza econmica), social (origem de parentesco) e sexolgnero (diviso sexual dos espaos) e [sobre o qual] exerce jurisdio". (Zambrano, 2001:29)

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    terra como fundamento do territrio deslocada pela noo de soberania que ao de domnio sobre o espao de pertencimento, real ou imaginado. Sem as amarras da propriedade, o territorial surge com mais nitidez enquanto espao de relaes entre as distintas representaes que legitimam as aes de domnio sobre ele (...). A jurisdio tem fronteiras difusas que no so fisicas, isto , so desterritorializadas, poltica e sociklmente falando, razo pela qual o sentido de domnio se translada com os atores que deixam suas marcas nas localidades. Aparecem assim as jurisdies guerrilheiras, paramilitares, municipais, indgenas, afro-colombianas, ecolgicas, judiciais, eclesisticas etc., num mesmo lugar, configurando nele uma arena prpria para a luta territorial. (p. 17, traduo livre)

    Ainda que questionemos este carter "desterritorializado" das jurisdies (cujo termo pode muitas vezes ser substitudo por "territorialidades"), evidente, na anlise do autor, a multiplicidade de territrios - e tambm, num sentido mais amplo, territorialidades - que podem conviver num mesmo espao, alimentando ou no as lutas pelo territrio. o prprio Zambrano quem afirma, mais adiante, que o espao pode ser concebido como "um cenrio de pugna entre territorialidades, isto , entre jurisdies, reais e imaginadas, que incidem sobre os territrios estruturados e habitados". Sugere ento que "os territrios plurais so uma multiplicidade de espaos diversos, culturais, sociais e polticos, com contedos jurisdicionais em tenso, que produzem formas particulares de identidade territorial" (p. 18), um pouco como se todo territrio (formalmente institudo) implicasse o convvio de mltiplas territorialidades.

    Distingue-se assim "pluralidade de territrios" e "territrios plurais", que, longe de uma "armadilha semntica", permite enfocar, segundo o autor, duas qualificaes distintas:

    A pluralidade de territrios indica sua multiplicidade: "a superfcie terrestre como suporte est sujeita a um processo permanente de organizao/diferenciao,processo central para a reproduo sistmica. (...)" Os territrios plurais, alm de conceberem a multiplicidade descrita anteriormente, concebem todo espao terrestre ocupado por distintas representaes sobre ele, que tendem a legitimar a jurisdio sobre os habitantes que nele residem, configurando a srie de relaes sociais entre as diferentes percepes de domnio. (....) Os territrios plurais permitem percebel; em cada unidade do mltiplo, a pluralidade de percepes territoriais estruturadas [a cotidianeidade dos habitantes], estruturando [processo de construo] e estruturantes [ex.: judiciais, eclesisticas e algumas guerrilheiras, formadas pela

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    progressiva ao dos movimentos sociais]. (p. 29-30)

    Contendo a pluralidade de territrios, os temtrios plurais se manifestariam pelo menos de duas formas (p. 31):

    - multiplicidade de territrios: temtrio plural como reunio de vrios territrios (e territorialidades, poderamos acrescentar); .

    - pluralidade de jurisdies: territrio plural por abranger diferentes jurisdies (incorporando-as parcialmente ou por sobreposio).

    A pluralidade de temtrios pode estar compreendida de duas formas nos "territrios plurais" (noo mais prxima de nossa concepo de multitemtorialidade) - uma, vista a partir do "territrio plural" como conjunto justaposto de diversos territrios compreendidos no seu interior, outra, a partir do "territrio plural" como conjunto superposto de vrios temtrios (ou temtorialidades) cuja abrangncia pode ir bem alm dos seus limites.

    como se fossem duas perspectivas distintas: na primeira, o olhar vai mais dos limites do "territrio plural" para o seu interior, na segunda o olhar prioriza as relaes deste territrio com aqueles que se encontram para alm ou L'acima" dele. Tanto num caso como no outro o convvio de mltiplas territorialidades implica sempre disputas. Como afirma Zambrano, "o territrio se conquista", sendo assim "luta social convertida em espao". (2001:31) Trata-se, a, de duas manifestaes daquilo que desdobraremos no prximo item como "multiterritorialidade" - tanto pela justaposio (sucesso) quanto pela sobreposio (simultaneidade) territorial. Se o territrio "luta social" enquanto "conquista pelo espao", como indica Zambrano, ela envolve sempre, como j destacamos, jogos mais concretos, materiais-funcionais, e jogos mais simblicos de poder.

    3. Multiterritorialidade

    Para entendermos a multitemtorialidade contempornea preciso remontar s suas "origens". Na verdade, especialmente levando em conta as concepes de temtrio e de territrios mltiplos anteriormente discutidas, podemos afirmar que sempre vivemos uma multiterritorialidade:

    (...) a existncia do que estamos denominando multiterritorialidade, pelo menos no sentido de experimentar vrios territrios [elou territorialidades] ao mesmo tempo e de, a partir da, formular uma territorializao efetivamente mltipla, no exatamente uma novidade, pelo simples fato de que, se o processo de territorializao parte do nvel individual ou de pequenos grupos, toda relao social implica uma interao territorial, um entrecruzamento de diferentes territrios. Em

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    certo sentido, teramos vivido sempre uma "multiterritorialidade". (Haesbaert, 2004a:344)

    Fica evidente, a partir da, a necessidade de distinguir, inicialmente, multiterritorialidade num sentido amplo, ligada propriedade genrica da multiplicidade territorial (que, por sua vez, faz eco "multiplicidade" do espao, no sentido enfatizado por Massey, 2004),e multitemtorialidade num sentido mais estrito, que envolve a experincia efetiva de mltiplos territrios elou territorialidades -reconhecidas as distines anteriormente apresentadas.

    Um dos primeiros cientistas sociais a falar de multi-pertencimento territorial e multitemtorialidade foi o socilogo francs Yves Barel. Ele parte de uma noo demasiado ampla e "sociologizante" de temtrio, definido como o "no-social dentro do qual o social puro deve imergir para adquirir existncia" (Barel, 1986: 13 l), para afirmar que:

    (...) o homem, por ser uma animal poltico e um animal social, tambm um animal territorializador [poderia ter dito tambm "temtorial", pois no h homem sem territrio, este como imanente ao carter humano]. Diferentemente, talvez, de outras espcies animais, seu trabalho de territorializao apresenta, contudo, uma particularidade marcante: a relao entre o indivduo ou o grupo humano e o territrio no uma relao biunvoca. Isto sign$ca que nada impede este indivduo ou este grupo de produzir e de "habitar" mais de um territrio. (...) raro que apenas um territrio seja suficiente para assumir corretamente todas as dimenses de uma vida individual ou de um grupo. O indivduo, por exemplo, vive ao mesmo tempo ao seu "nvel", ao nvel de sua famlia, de um grupo, de uma nao. Existe portanto multipertencimento territorial. (p. 135)

    Trata-se, contudo, daquilo que podemos denominar multiterritorialiade em um sentido mais tradicional, resultante de uma sobreposio lgica de territrios, hierarquicamente articulados, "encaixados". Os exemplos citados por Barel, um pouco como na espacialidade diferencial de Yves Lacoste, comentada a seguir, deixam claro que se trata de uma multiteriitorialidade pelo "encaixe" de territrios em diferentes dimenses ou escalas.

    Assim, Barel d como exemplo de "multiterritorialidade contempornea" a poltica de emprego - exemplo coerente com sua ampla concepo de territrio. A luta contra o desemprego no pode mais ficar subordinada s iniciativas de carter estatal-nacional, pois se trata de um fenmeno internacional ou mesmo. global. As polticas nacionais, assim, "se tomam polticas locais, frequentemente ineficazes por causa de seu localismo". (p. 137-138)

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    Seria ento a multiterritorialidade uma questo de escala ou, nos termos de Lacoste, uma questo de espacialidade diferencial? Neste sentido, interessante que reflitamos um pouco sobre as relaes entre multiterritorialidade e espacialidade diferencial.

    Lacoste (1988) ressalta a diferena entre a espacialidade alde ou rural e a espacialidade urbana. Mesmo sem usar o termo, ele j antecipa a "compresso tempo-espao" (Harvey, 1992), profundamente diferenciada conforme as "geometrias de poder" (Massey, 1993) em que esto situados os grupos sociais, ao afirmar que "nos dias de hoje, (...) tudo aquilo que est longe sobre a carta bem perto por determinado meio de circulao. (...) Hoje, n6s nos defrontamos com espaos completamente diferentes, caso sejamos pedestres ou automobilistas (ou, com mais razo ainda, se somarmos o avio)". Assim, na nossa vida cotidiana, referimo-nos, "mais ou menos confusamente, a representaes do espao de tamanhos extremamente no-semelhantes (...) ou, antes, a pedaos de representao espacial superpostos, em que as configuraes so muito diferentes umas das outras".

    Essa "multi-escalaridade" das prticas -e representaes -socioespaciais implica a vivncia de mltiplos "papis" que "se inscrevem cada um em migalhas de espao", descontnuo, multiescalar:

    Vivemos, apartir do momento atual, numa espacialidade diferencial feita de uma multiplicidade de representaes espaciais, de dimenses muito diversas, que correspondem a toda uma srie de prticas e de idias, mais ou menos dissociadas (...).(Lacoste, 1988:49)

    O autor reconhece ento as diferentes representaes do espao referidas nossa mobilidade mais restrita, cotidiana (a nvel de bairro, cidade, deslocamentos de fim de semana); as configuraes espaciais no-coincidentes das redes das quais dependemos (redes administrativas, de comercializao, de influncia urbana, financeiras); e as representaes espaciais de mais ampla escala, veiculadas pela mdia e pelo turismo, e que frequentemente abarcam o globo no seu conjunto. Assim:

    O desenvolvimento desse processo de espacialidade diferencial se traduz por essa proliferao de representaes espaciais, pela multiplicao das preocupaes concementes ao espao (nem que seja por causa da multiplicao dos deslocamentos). Mas esse espao do qual todo mundo fala, ao qual nos referimos todo tempo, cada vez mais dificil de apreender globalmente para se perceber suas relaes com uma poltica global. (Lacoste, 198850)

  • Temtrio e Multitemtorialidade: Um Debate

    A dificuldade em "apreender globalmente" nossa experincia espacial contempornea, destacada por Lacoste, tem a ver com a descontinuidade dos espaos -e dos territrios, organizados muito mais em rede do que em termos de reas. Provm da um srio dilema poltico, a ser retomado em outro trabalho: como organizar movimentos polticos de resistncia atravs de um espao to fragmentado e, em tese, multi-escalar e... desarticulado'?

    Se para Lacoste "as prticas sociais se tornaram mais ou menos confusamente multiescalares" (p. 48-49), muitos de n6s, contudo, encarregam-se de desfazer a confuso deste novelo e, retomando seus fios, tecer sua prpria rede, ou melhor, seu(s) prprio(s) territ6rio(s)-rede(s) -que implicam, sem dvida, assim, a vivncia de uma multiterritorialidade, pois todo territrio-rede resulta da conjugao, em uma escala diferente, de territrios-zona, descontnuos. Alm disso, mais do que de superposio espacial, como enfatiza o autor, trata-se hoje, principalmente com o novo aparato tecnolgico-informacional nossa disposio, de uma rnultiterritorialidade no apenas por deslocamento fsico como tambm por "conectividade virtual", a capacidade de interagirmos distncia, influenciando e, de alguma forma, integrando outros territrios.

    Distinguimos ento pelo menos duas grandes perspectivas de tratamento da multitemtorialidade:

    (...) aquela que diz respeito a uma multiterritorialidade "moderna", zona1 ou de territrios de redes, embrionria, e a que se refere multiterritorialidade "ps-moderna", reticular ou de territrios-rede propriamente ditos, ou seja, a multiterritorialidade em sentido estrito. (Haesbaert, 2004a:348)

    A rnultiterritorialidade contempornea inclui assim uma mudana no apenas quantitativa - pela maior diversidade de territrios que se colocam ao nosso dispor (ou, pelo menos, das classes e grupos mais privilegiados) - mas tambm qualitativa, na medida em que temos hoje a possibilidade de combinar de uma forma indita a interveno e, de certa forma, a vivncia, concomitante, de uma enorme gama de diferentes territrios elou temtorialidades.

    A chamada condio ps-modema inclui assim uma rnultiterritorialidade:

    (...) resultante do domnio de um novo tipo de territrio, o territrio- rede em sentido estrito (...). Aqui, aperspectiva euclidiana de um espao- superfcie contnuo praticamente sucumbe descontinuidade, fragmentao e simultaneidade de territrios que no podemos mais distinguir claramente onde comeam e onde terminam ou, ainda, onder iro "eclodir", pois formaes rizomticas tambm so possveis. (...) (Haesbaert, 2004a:348)

  • GEOgraphia - Ano IX - No17 - 2007 Rogrio Haesbaert

    Esta flexibilidade temtorial do mundo dito "ps-modemo", embora no seja uma marca universalmente difundida (longe disso), permite que alguns grupos, em geral os mais privilegiados, usufruam de uma multiplicidade indita de territrios, seja no sentido da sua sobreposio num mesmo local, seja da sua conexo em rede por vrios pontos do mundo. Aqui podemos lembrar a multiterritorialidade mais funcional da organizao terrorista A1 Qaeda, j analisada anteriormente (Haesbaert, 2002a), e a multitemtorialidade funcional e simblica da elite ou da "burguesia" globalizada.

    Ao contrrio da "extraterritorialidade" dos globetrotters ou "turistas" globalizados de Bauman (1999), destacamos a multiterritorialidade da nova elite planetria. Partindo do pressuposto de que todo poder social um poder sobre o espao, os socilogos Pinon e Pinon-Charlot (2000) afirmam que a "burguesia" (conceito polmico) contempornea se reproduz ao mesmo tempo pela proximidade residencial (em bairros elou condomnios seguros e plenos de amenidades) -"temtrio-zona" no seu sentido mais tradicional -e pela multiterritorialidade, ou seja, pelo usufruto de mltiplos temtrios, reveladores de uma dupla insero social, tanto no sentido de uma profunda memria familiar quanto de uma intensa vida mundana. Esta multitemtorialidade tambm seria visvel atravs do carter de "classe internacional", tanto no sentido da internacionalizao da vida profissional ou de negcios quanto de lazer, via turismo internacional.

    O socilogo Ulrich Beck (1999) chega mesmo a forjar o termo "topoligamia" para se referir a este fenomeno de "casamento com diversos lugares", para ele muito difundido, mas que aqui enfatizamos como um fenmeno mais caracterstico dos grupos mais privilegiados. Citando o caso de uma senhora que divide anualmente sua vida entre uma casa na Alemanha e outra no Qunia, ele constata que ela "tem uma vida topoligmica,est afeioada a coisas que parecem excludentes, frica e Tutzing. Topoligamia transnacional, estar casado com lugares que pertencem a mundos distintos: esta a porta de entrada da globalidade da vida de cada um (...)". (p. 135) Num sentido mais amplo do que o nosso para multitemtorialidade, ele trabalha com processos de "pluri" ou "multilocalizao", "a altemncia e a escolha dos lugares" como "padrinhos da globalizao". (p. 137)

    importante acrescentar a esta mobilidade fsica extremamente facilitada de que usufrui a classe hegemnica contempornea, que podemos denominar, num sentido de mobilidade fsica, uma "multiterritorialidade sucessiva", a sua "mobilidade virtual" ou uma "multitemtorialidade simultnea".

    Como diz Bauman, a maioria das pessoas "est em movimento mesmo se fisicamente parada" (1999:85). Para estas, o espao enquanto distncia parece importar muito pouco. Por outro lado, a acessibilidade geogrfica ampliada de que dispe a elite planetria no impede que ela tenha no s que se "proteger" em termos de espao residencial como tambm de manter as conexes, fsicas e/

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  • Territrio e Multiterritorialidade: Um Debate

    ou informacionais, entre os mltiplos territrios que, combinados, conformam a sua multiterritorialidade.

    Tal como afirmamos em trabalho anterior (Haesbaert, 2004a), dentro dessas novas articulaes espaciais em rede surgem territrios-rede flexveis onde o que importa ter acesso, ou aos meios que possibilitem a maior mobilidade fsica dentro da(s) rede(s), ou aos pontos de conexo que permitam "jogar" com as mltiplas modalidades de territorialidade existentes, criando a partir da uma nova (mu1ti)territorialidade.

    Trata-se assim de vivenciar essas mltiplas modalidades, de forma simultnea (no caso da mobilidade "virtual", por exemplo) ou sucessiva (no caso da mobilidade fsica), num mesmo conjunto que, no caso dos indivduos ou de alguns grupos, pode favorecer mais uma vez, agora no mais na forma de territrios- zona contnuos, um novo tipo de "experincia espacial integrada". Esta nova experincia, que a experincia da multiterritorialidade em sentido estrito, inclui:

    - uma dimenso tecnol6gico-informacional de crescente complexidade, em tomo daquilo que podemos denominar uma reterritorializao via ciberespao (e no uma desterritorializao, como defende Lvy, 1996,1999), e que resulta na extrema valorizao da maior densidade informacional extremamente seletiva de alguns pontos altamente estratgicos do espao;

    - como decorrncia dessa nova base tecnol6gico-informacional, uma compresso espao-tempo de mltiplos alcances ou "geometrias de poder" (com o fenmeno do alcance planetrio instantneo ou em "tempo real"), com contatos globais de alto grau de instabilidade e imprevisibilidade;

    - uma dimenso cultural-simblica cada vez mais importante dos processos de temtorializao, com a identificao territorial ocorrendo muitas vezes no/ com o prprio movimento e, no seu extremo, referida prpria escala planetria como um todo (a "Terra-ptria" de Morin e Kem, 1995).

    Nesse contexto:

    A principal novidade que hoje temos uma diversidade ou um conjunto de opes muito maior de territrios/territorialidadescom os/as quais podemos 'Ijogar", uma velocidade (ou facilidade, via Intemet, por exemplo) muito maior (e mais mltipla) de acesso e trnsito por essas territorialidades - elas prprias muito mais instveis e mveis .- e, dependendo de nossa condio social, tambm muito mais opes para desfazer e refazer constantemente essa multiterritorialidade. (Haesbaert, 2004a:344)

    O mais importante a destacar na nossa experincia multiterritorial. contempornea o fato de que no se trata simplesmente, como j ressaltamos, da imbricao ou da justaposio de mltiplos territrios que, mesmo recombinados,

  • GEOgraphia - Ano IX - No 17 - 2007 Rogrio Haesbaert

    mantm sua individualidade numa espcie de "todo" como produto ou somatrio de suas partes. A efetiva rnultiterritorialidade, hoje, seria uma experincia profundamente inovadora a partir da compresso espao-temporal que permite

    (...) pela comunicao instantnea, contatar e mesmo agir [como no caso de grandes empresrios que praticamente '.'dirigem" suas fazendas ou firmas distncia, via Internet e outras modalidades informacionais] sobre territrios completamente distintos do nosso, sem a necessidade de mobilidade fsica. Trata-se de uma multiterritorialidade envolvida nos diferentes graus daquilo que poderamos denominar como sendo a conectividade elou vulnerabilidade informacional (ou virtual) dos territrios. (Haesbaert, 2004a:345)

    importante distinguir a, claramente, a dimenso mais propriamente material e a dimenso simblica da multiterritorialidade. Assim como concebemos o temtrio dentro de um contnuo do mais funcional ao mais simblico (no extremo, uma territorialidade "sem territrio"), tambm a multiterritorialidade pode ter uma dimenso concreta mais incisiva, como no caso da tele-ao ou ao distncia, anteriormente aludida, e uma maior carga simblica, como no caso da chamada "hibridao" de referncias identitrio-territoriais (Haesbaert, no prelo), num amlgama capaz de recriar, mesmo no hibridismo, processos de identificao e (re)construo territorial (a identificao com "lugares hbridos", multi-identitrios).

    A realizao da rnultiterritorialidade contempornea, evidente, envolve como condies bsicas a presena de uma grande multiplicidade de territrios e territorialidades (incluindo territrios/territorialidadesmais "hbridos"), bem como sua articulao na forma, principalmente, de territrios-rede. Estes, como j vimos, so por definio, sempre, territrios mltiplos, na medida em que podem conjugar territrios-zona (manifestados numa escala espacialmente mais restrita) atravs de redes de conexo (numa escala mais ampla). A partir da se desenham tambm diferenciaes dentro da prpria dinmica de "multiterritorializao". Mesmo exigindo um desdobramento futuro, necessrio distinguir, por exemplo:

    - os agentes que promovem a multiterritorializao e as profundas distines em termos de objetivos, estratgias e escalas, sejam eles indivduos, grupos, instituies, o Estado ou as empresas.

    - o carter mais simblico ou mais funcional da rnultiterritorialidade - tal como no que se refere definio de territrio, ela aparece ora com uma maior carga simblica (como no caso das grandes disporas de imigrantes), ora com maior carga funcional (como no caso das redes do megaterrorismo global); no primeiro caso importante analisar tambm as mltiplas identidades territoriais

  • Temtrio e Multitemtorialidade: Um Debate

    (territorialidades num sentido cultural) nela envolvidas. - os nveis de compresso espao-tempo (e, conseqentemente, de "tele-

    ao") nela incorporados, ou seja, as mltiplas "geometrias de poder" dessa compresso, bem como o sentido potencial ou efetivo de sua realizao.

    - o carter contnuo ou descontnuo da multitenitorialidade, at que ponto ela ocorre pela justaposio (ou "encaixe"), num mesmo espao, de mltiplos territrios (OU, por outro lado, pela vivncia de "territrios mltiplos"), e at que ponto ela corresponde conexo de mltiplos temtrios, em rede (identificando ento, tal como na distino entre territrios-zona e territrios-rede, uma rnultiterritorialidade "zonal" mais "tradicional" ou em sentido lato, e uma rnultiterritorialidade "reticular" em sentido mais estrito).

    - a combinao de "tempos espaciais" incorporada rnultiterritorialidade -devendo-se discutir assim, tambm, de alguma forma, as implicaes das mltiplas territorialidades acumuladas desigualmente ao longo do tempo (Santos, 1978)1na construo da rnultiterritorialidade.

    4. (No) concluindo: implicaes polticas do conceito

    Numa breve (in)concluso, apontando tambm para desdobramentos futuros, podemos afirmar que o mais importante neste debate diz respeito s implicaes polticas do conceito de multitenitorialidade, suas repercusses em termos de interveno na realidade concreta ou em termos estratgicos de poder. Como j afirmamos, necessrio distinguir, por exemplo, entre a rnultiterritorialidade potencial (a possibilidade de ela ser construda ou acionada) e a multitenitorialidade efetiva, real-izada:

    As implicaes polticas desta distino so importantes, pois sabemos que a disponibilidade do "recurso" multiterritorial -ou a possibilidade de ativar ou de vivenciar concomitantemente mltiplos territrios - estrategicamente muito relevante na atualidade e, em geral, encontra- se acessvel apenas a uma minoria. Assim, enquanto uma elite globalizada tem a opo de escolher entre os territrios que melhor lhe aprouvel; vivenciando efetivamente uma rnultiterritorialidade, outros, na base da pirmide social, no tm sequer a opo do "primeiro"

    'O. Milton Santos sugeriu a noo de tempo espacial para dar conta do "problema das superposies" tanto no tempo quanto no espao, j que "cada varivel hoje presente na caracterizao de um espao aparece com uma data de instalao diferente, pelo simples fato de que no foi difundida ao mesmo tempo". Assim, cada lugar seria "o resultado de aes multilaterais que se realizam em tempos desiguais sobre cada um e em todos os pontos da superfcie terrestre". (Santos, 1978:Zll)

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    territrio, o territrio como abrigo, fundamento mnimo de sua reproduo fisica cotidiana. (Haesbaert, 2004a:360)

    Pensar, como inmeros autores nas Cincias Sociais, que estamos cada vez mais imersos em processos de desterritorializao, demasiado simplista e, de certa forma, politicamente "imobilizante", pois imagina-se que, num mundo globalmente mvel, sem estabilidade, marcado pela imprevisibilidade e a fluidez das redes e pela virtualidade do ciberespao, estamos quase todos merc dos poucos que efetivamente controlam estes fluxos e redes -ou, numa posio ainda mais extremada, nem mesmo eles podendo mais exercer, a, algum tipo de controle.

    Se o discurso da desterritorializao serve, antes de mais nada, queles que pregam a destruio de todo tipo de controle ou barreira espacial, ele claramente legitima a fluidez global dos circuitos do capital, especialmente do capital financeiro, num mundo em que o ideal a ser alcanado seria o enfraquecimento e, no limite, o desaparecimento do Estado, delegando todo poder s foras do mercado (ver, por exemplo, as teses de um "guru" da globalizao como Ohmae [1990, 19961 sobre o "fim das fronteiras" e o "fim do Estado-nao").

    Falar no simplesmente em desterritorializao mas em multiterritorialidade e territrios-rede, moldados no e pelo movimento, implica reconhecer a importncia estratgica do espao e do territrio na dinmica transformadora da sociedade. Inspiramo-nos aqui no "sentido global de lugar" proposto por Doreen Massey (2000[1991]). Criticando as vises mais reacionrias que vem o lugar apenas como um espao estvel, de fronteiras bem delimitadas e identidades bem definidas, um pouco como em alguns territrios-zona aqui comentados, a autora prope uma viso "progressista" de lugar, "no fechado e defensivo", voltado para fora e adaptado a nossa era de compresso de espao- tempo.

    Devemos, contudo, complexificar esta leitura, na medida em que nem s de "nveis" de multiterritorialidade vive a sociedade contempornea. Velhas estratgias de "recluso" territorial tambm se reconfiguram e se multiplicam, ao lado de movimentos reacionrios de (relativo) fechamento territorial em tomo de relaes biunvocas entre territrio e identidades culturais essencializadas. O aumento da precarizao econmica e temtorial planetria tambm tem estimulado discursos neo-territorialistas em tomo da segregao e mesmo do isolamento em nome da "segurana". Mas estes so temas que estamos aprofundando em um outro trabalho.

    O territrio, como espao dominado elou apropriado, manifesta hoje um sentido multi-escalar e multi-dimensional que s pode ser devidamente apreendido dentro de uma concepo de multiplicidade, tanto no sentido da convivncia de -"mltiplos" (tipos) de territrio quanto da construo efetiva da multiterritorialidade. Toda ao que se pretenda efetivamente transformadora, hoje,

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    necessita, obrigatoriamente, encarar esta questo: ou se trabalha com a multiplicidade de nossas territorializaes, ou no se alcanar a transformao que almejamos. Os movimentos contra o neoliberalismo e por uma outra globalizao que o digam. Geograficamente falando, pensar multiterritorialmente significa pensar tanto em mltiplos poderes (ou "govemanas") quanto em mltiplas identidades (em espaos culturalmente mais hbridos) e mesmo em mltiplas funes (a "multifuncionalidade" econmica) - em sntese, um debate complexo em prol da perspectiva maior de construo de uma outra sociedade, ao mesmo tempo mais universalmente igualitria e mais multiculturalmente reconhecedora das diferenas humanas.

    Resumo: Este trabalho desdobra proposta anterior sobre a concepo de multiterritorialidade, a partir de um debate em torno dos conceitos de territrio,

    .-a temtorialidade e mltiplos temtrios, aprofundando as vrias manifestaes das formas contemporneas de multitemtorialidade. Palavras-chave: Temtrio -Temtorialidade -Multitemtorialidade

    TERRITORY AND MULTITERRITORIALITY: A DEBATE.

    Abstract: This work aims to develop the conception of multitemtoriality, which we have already proposed, regarding always the debate of other concepts, as temtory, territoriality and "multiple temtories". In so doing, we stress the severa1 manifestations of contemporary foms of multitemtoriality. Keywords: Temtory -Temtoriali9 -Multitemtoriality

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