habilitaÇÃo como assistente litisconsorcial no … · emenda da petiÇÃo inicial e ampliaÇÃo...
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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
Promotoria de Justiça de Colatina/ES Praça Sol Poente, s/nº, Esplanada - 29.702-710 - Colatina –ES - Tel: 27.3723.3950 — www.mpes.gov.br
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DOS
FEITOS DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DA COMARCA DE COLATINA
– ESTADO DO ESPÍRITO SANTO.
Autos n° 0000154-21.2016.8.08.0014
Requerente: ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
Requerido: SAMARCO MINERAÇÃO S.A. e VALE S.A.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO
ESPIRITO SANTO, por seu Órgão de Execução adiante firmado, no uso de suas
atribuições legais, com fundamento no artigo 129, da Constituição Federal, artigos 927,
949 e 461 do Código Civil, artigo 5º Lei 7.347/85, vem, respeitosamente, perante esse h.
Juízo nos autos acima epigrafados requerer
HABILITAÇÃO COMO ASSISTENTE
LITISCONSORCIAL NO POLO ATIVO C/C
EMENDA DA PETIÇÃO INICIAL E
AMPLIAÇÃO OBJETIVA E SUBJETIVA DOS
PEDIDOS E DO POLO PASSIVO e TUTELA
ANTECIPADA
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Em face de
SAMARCO MINERAÇÃO S. A., Pessoa Jurídica de
Direito Privado, sociedade anônima fechada, inscrita no
CNPJ 16.628.281/0001-61, com filial à Rua José Alexandre
Buaiz, 300, Ed. Work Center – sala 802 – Enseada do Suá,
Vitória/ES, CEP: 29.050.545, telefone 27 3145 4413, Fax:
27 3145 4410;
VALE S.A., pessoa jurídica de direito privado, sociedade
anônima aberta, inscrita no CNPJ n. 33.592.510/0001-54,
com sede na Avenida Graça Aranha, n°26, Castelo, Rio de
Janeiro- RJ, CEP 20030-900. Fone: (21) 3814-9631;
BHP BILLITON LTDA., pessoa jurídica de direito
privado, sociedade limitada, inscrita no CNPJ n.
42.156.596/0001-63, com sede na Avenida Jardim das
Américas, n. 3434, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro-RJ, CEP
22640-102, pelo cometimento dos seguintes fatos
delituosos:
I - PROLEGOMENOS
Com base em todas as circunstâncias fáticas abaixo
narradas, pretende o MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL ver as rés SAMARCO
MINERAÇÃO S.A., BHP BILLITON BRASIL LTDA, e VALE S.A. condenadas a
obrigação de fazer nos municípios de Baixo Guandu, Colatina, Marilândia e Linhares,
visando a ampliação e melhoria das estações de tratamento de agua e esgoto, reforma e
ampliação da antiga barragem do Rio Guandu, construção de obras estruturantes para
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captação alternativa de agua no Rio Pancas, Rio Santa Maria e Lagoa do Limão em
Colatina, bem como fontes alternativas para Marilândia, além de adutora para o distrito
de Mascarenhas bem como as externalidades sofridas em Linhares nos Distritos de
Povoação e Regência entre outros pedidos a serem especificados abaixo como forma de
compensação/mitigação do dano.
Nada, absolutamente nada foi descrito sobre as
externalidades locais amarguradas pelos municípios capixabas atingidos na presente ação
interposta pelo Estado do Espírito Santo, muito menos apresentado estudos técnicos pelos
órgãos ambientais sobre medidas mitigadoras/compensatórias a serem exigidas das
empresas rés.
Há necessidade de se responsabilizar seriamente quem se
locupleta dos bônus do empreendimento. Há necessidade, também, de se tutelar os
troncos de atuação no âmbito econômico, social, ambiental e de sobrevivência dos
próprios municípios afetados pela atuação da empresa como Anchieta e Guarapari que
são as áreas de influência da companhia e também afetados pela paralisação das
atividades ocasionadas pelo dano.
O desastre em Mariana, em Minas Gerais, não foi obra do
acaso e deve ser respondido com as medidas mais duras possíveis, e não apenas visando
pagamento de diárias de funcionários públicos uma vez que é bagatela, conforme feito a
presente demanda do Estado do Espírito Santo.
A quebra da barragem resulta da ganância das mineradoras
e da “opção pelo lucro”, fator que associou ao descaso com a preservação do meio
ambiente e com as condições de vida de mais de 500 mil pessoas diretamente atingidas,
fazendo com que profissionais que moram na Comarca de Colatina, como Juízes e
Promotores sejam parados diariamente nas ruas e indagados sobre as consequências para
as empresas e quais serão as formas de ressarcimento para o POVO
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ESPIRITOSSANTENSE que ficou com o rio sem peixe, sem condições de colocar um
barco na água e, sobretudo, sem a segurança de fazer uso para consumo da agua tratada.
Tenho absoluta certeza de que não haverá recuperação
plena da região atingida pela lama seja pela incompetência do poder público, pela surfada
política de prefeitos sem compromisso com a vida na crista da lama, seja pela própria
articulação política do setor minerador, que financiou com interesse várias campanhas
políticas.
Quanto vai custar essa reconstrução? Vai ter conserto?
Como vai ficar o consumo da água do Rio Doce? E a vida das pessoas? E as cidades
destruídas?
Precisa-se de prova! Precisa-se de estudo! Precisa-se de
perícia!
Por trás da lama da Samarco prova-se o gosto amargo de
um jornalismo subserviente, e interesses obscuros a serviço do mercado. Não vou discutir
o sistema capitalista, a forma de exploração minerária ou de produção de energia elétrica
aqui, mas que o caso requer uma convulsão e uma reflexão isso merece!
A propaganda institucional da Samarco faz com que os mais
desavisados fiquem até com dó do acontecido. Ainda mais após as declarações do
governo mineiro de que a Samarco foi “vítima” do rompimento da barragem. De Decreto
da Presidência da República aduzindo a ocorrência do crime ambiental a um simples
“acidente”. Sem contar a irresponsabilidade de se replicarem notícias sobre “tremores de
terra” que acontecem todos os dias e que a qualidade do Rio Doce hoje é melhor do que
em 2010.
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Diante de grandes tragédias, em que Instituições do quilate
do Ministério Público foram isoladas por parte dos órgãos ambientais estaduais e
nacionais verifica-se a fragilidade de um sistema voltado para beneficiar alguns em
detrimento de toda uma população.
Mas na certeza que o Poder Judiciário saberá, dentro de sua
imparcialidade e Força aplicar a lei ao caso concreto bem como inverter a produção de
provas passemos ao mérito da causa.
II - DOS FATOS
É fato público e notório que, em 5.11.2015 houve o
rompimento da barragem de Fundão e galgamento dos efluentes sobre a barragem de
Santarém, localizadas no distrito de Bento Rodrigues, Complexo Industrial de Germano,
Município de Mariana-MG, operadas pela Samarco Mineração S.A, e localizadas na
Bacia do Rio Gualaxo do Norte, afluente do Rio do Carmo, afluente do Rio Doce pela
margem esquerda, causando ondas de rejeitos de minério de ferro e sílica, entre outros
particulados, os quais pela velocidade e volume têm ocasionado impactos ambientais e
sociais imensuráveis nos Municípios capixabas.
Colatina-ES, até o momento, é o Município do Estado do
Espírito Santo mais atingido pois é dependente 100% da captação e tratamento de água
do Rio Doce para mantença de sua população.
A cada época de cheias, mais sedimentos serão carreados,
ano após ano, desde as cabeceiras até esse “depósito natural”, que certamente demandará
intensos esforços para recuperação.
Por sua vez, Baixo Guandu/ES, de forma bem provisória
fez uma adutora do Rio Guandu para sua Estação de Tratamento e isolou a captação do
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Rio Doce, mas necessita de atender ao Distrito de Mascarenhas e de obras estruturantes
nas estações de tratamento de água e esgoto do centro urbano.
Marilândia foi abastecida com carros pipas e agua de
lagoas, ao passo que Linhares teve toda a captação direcionada para o Rio Pequeno,
minimizando assim, momentaneamente as reivindicações populares.
O fato é que caso sub examinem há necessidade de se buscar
solucionar as externalidades locais de forma bem direta com a recuperação/restauração
de sub-bacias que são fluentes, afluente e tributários do Rio Doce, com a busca de
reparação de danos socioeconômicos decorrentes do dano ambiental além de outras
medidas mitigadoras a serem estudadas e realizadas, o que aliás já deveriam ter sido
apresentadas na presenta ação do Estado do Espírito Santo.
III - FUNDAMENTOS JURÍDICOS.
III.1 - Introdução sobre a água e sua importância: a relevância do caso concreto.
A água é fonte de vida, constitui elemento da natureza
fundamental para a sobrevivência da vida em todas as suas formas. Constitui-se
provavelmente no único recurso natural vinculado a todos os aspectos da civilização
humana, desde o desenvolvimento agrícola e industrial aos valores culturais e religiosos
arraigados na sociedade.
Nessa esteira, é essencial, seja como componente
bioquímico de seres vivos, como meio de vida de várias espécies vegetais e animais, como
elemento representativo de valores sociais e culturais, ou ainda, como fator preponderante
na produção de vários bens de consumo.
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Sua importância em todos os aspectos das atividades
humanas é bem conhecida, sobretudo para a “sadia qualidade de vida” (art. 225 da
CF/1988). Conforme o caderno “Água e Saúde”, publicado pela OPAS/OMS em 1998:
A água é o principal veículo de agentes causadores de
doenças do trato gastrintestinal (diarréias, sobretudo),
estando a sua qualidade diretamente relacionada com os
indicadores de morbi-mortalidade infantil. No Brasil, de
acordo com a Organização Mundial de Saúde, 80% das
doenças e 65% das internações hospitalares, implicando
gastos de US$ 2,5 bilhões por ano, relacionam-se com água
contaminada e falta de esgotamento sanitário dos dejetos.
As enfermidades vão desde gastroenterites a graves
doenças que podem ser fatais e apresentar proporções
epidêmicas.
Os principais riscos à saúde estão associados à
contaminação das águas por bactérias, vírus e parasitas
(microbiológica); metais, pesticidas, subprodutos de
desinfeção (química); toxinas produzidas por algas e outros.
Os riscos de curto prazo resultam da poluição da água
causada por elementos químicos ou microbiológicos e seus
efeitos podem se manifestar em poucas horas ou em
algumas semanas após a ingestão. Um simples copo d’água
imprópria é suficiente para dar origem a sintomas cuja
severidade depende da vulnerabilidade do indivíduo, bem
como da natureza do agente infeccioso.
O artigo aponta que crianças, mulheres grávidas, idosos,
pessoas debilitadas e indivíduos que sofrem de determinadas doenças, estão na faixa de
risco, qualificando-se como vulneráveis. As doenças de veiculação hídrica são das mais
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simples até as mais graves: diarreias, cólera, tracoma, hepatites, conjuntivites,
poliomielite, leptospirose, infecções por rotavírus, escabioses, febre tifóide,
esquistossomose e outras verminoses.
A análise das consequências do contato com águas
contaminadas ganha outra proporção, mais grave certamente, quando analisada à luz da
presença de metais pesados. Nessa linha, CHAVES1reconhece que “a água se caracteriza
como o maior vetor de transporte de metais pesados na litosfera, atuando nos sólidos
presentes nos solos, nas águas superficiais e subterrâneas, podendo conduzir
significantes quantidades de metais tóxicos e proporcionar a interação com vários ciclos
hídricos e processos biogeoquímicos.”
A autora chama a atenção para os efeitos tóxicos desses
metais, ressaltando que treze deles têm sido reconhecidos como potencialmente perigosos
para a vida humana e a biota aquática e foram incluídos nas listas de poluentes
prioritários. Da lista mencionada, foram encontrados na análise das águas superficiais do
Rio Doce: Cromo total, Arsênio total, Chumbo total, Zinco total, Vanádio e Cobre
dissolvido.
Moreira & Moreira, citados por CHAVES, afirmam que “o
interesse sobre acumulação e toxidade de metais tem crescido nos últimos anos, como
consequência das exposições ocupacionais e ambientais ou dos distúrbios causados por
estes elementos, induzidos por situações especiais de doença como, por exemplo, a
insuficiência renal”.
Especificamente em relação ao chumbo, CHAVES
relaciona a ocorrência de chumbo e sua contaminação em seres humanos a decréscimo
do quociente de inteligência; efeitos sobre o sistema nervoso; déficit nas funções
1 CHAVES, Rachele Cristina de Paula. Avaliação do teor de metais pesados na água tratada do município
de Lavras. Lavras: UFLA, 2008, p. 12.
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cognitivas; diminuição das funções sensoriais, nervosas involuntárias e renais e alguns
estudos epidemiológicos apontam, também, a ocorrência de partos prematuros. Quanto
ao cromo, a autora, afirma que na forma hexavalente é tóxico e cancerígeno.
Facilmente perceptível o caráter absolutamente nefasto à
saúde da população e à manutenção do equilíbrio ecológico o contato com águas com tais
níveis de contaminação.
A circunstância residente somente na dúvida em relação aos
efeitos provenientes do contato com águas contaminadas, por si só, já ensejaria a que
medidas fossem tomadas no sentido de evitar qualquer grau de contaminação.
Soma-se a isso, contudo, a ausência de laudos técnicos
conclusivos de todos os parâmetros que estão presentes nas águas contaminadas do Rio
Doce. Os próprios laudos de análises de coleta da qualidade da água fazem referência à
sua condição de análise parcial, fazendo constar a denominação: “Relatório Parcial”. O
motivo desse apontamento consiste em que as análises não contemplam todos os
parâmetros de metais que podem estar presentes na água, inclusive a posterior ao
tratamento, ou seja, a que seria para distribuição da população.
Isso explica a fundada incerteza sobre a qualidade da água
distribuída para a população, o que gera um estado de incerteza que não pode ser resolvido
com a simples decisão de retorno da distribuição para a população, fazendo com que a
população de Colatina, acostumada a beber naturalmente a agua tratada passasse a
comprar, independente da classe social água potável ou se submeter às filas para
conseguir a agua que está sendo distribuída.
De forma esquemática, enunciamos abaixo os principais
argumentos que justificam a angustia de toda a comunidade de Baixo Guandu, Colatina,
Marilandia e Linhares a respeito do período crítico de abastecimento e das incertezas
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futuras, a saber:
(a) os parâmetros fixados normativamente pela
legislação federal (Portaria 2.914/2011) são inaplicáveis à
vista do caráter extraordinário do desastre, ou seja, eventos
como o que se verificou não se orientam por padrões que
consideram situações ordinárias;
(b) há um fundado estado de incerteza e insegurança
sobre a qualidade e a segurança da água distribuída para a
população, o que é agravado pela incerteza quanto à
variabilidade dos parâmetros de qualidade de água e quanto
à dosagem de produtos aplicados nas Estações de
Tratamento (ETAs). Neste cenário, o princípio da
Precaução impõe a não distribuição;
(c) a situação extraordinária, decorrente do evento
narrado, exige a adoção de medidas voltadas à captação de
água por meio de fontes alternativas, de modo a restabelecer
a distribuição de água para a população de acordo com
parâmetros seguros a serem definidos pelos órgãos
técnicos.
III.2 - A insegurança e desconfiança da população atingida sobre a qualidade da
água – necessidade de criação de fontes alternativas – necessidade de se reaparelhar
as estações de tratamento de agua existentes – necessidade de se realizar o
tratamento de esgoto e resíduos sólidos dos municípios atingidos.
Primeiramente, cumpre trazer à baila que a desconfiança da
população acerca da qualidade da água fornecida através da rede de abastecimento pode
ser verificada a partir de um dado objetivo, qual seja, a procura da população pela água
mineral distribuída, principalmente em Colatina/ES.
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Ademais, para se cessar a distribuição de agua há
necessidade de se criar como medida de compensação/mitigação do dano a aceleração da
recuperação do Rio Doce, com investimento maciço em programa de melhoria de coleta
e tratamento de esgoto e resíduos sólidos dos municípios capixabas afetados.
IV - DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Embora se trate de uma poderosa empresa do ramo da
mineração, há um risco considerável de que a SAMARCO MINERAÇÃO S/A não
consiga arcar, no tempo adequado, com a reparação dos vultuosos danos decorrentes de
suas atividades.
Deve-se destacar que a mitigação e a reparação de danos
ambientais são medidas que reclamam, não raras vezes, considerável celeridade. Assim,
há de se ter em vista a possibilidade de que a empresa não suporte, no momento que
atenda ao melhor interesse ambiental, o custeio de medidas mitigadoras e reparatórias.
Partindo-se do que já foi amplamente divulgado, tem-se que
a SAMARCO MINERAÇÃO S. A. assinou um termo de compromisso ambiental com o
Ministério Público de Minas Gerais e o Ministério Público Federal em Minas Gerais,
comprometendo-se a destinar 1 bilhão de reais a um fundo de reparação dos danos
ocorridos em terras mineiras2. Ademais, já se tem o notícia de que a multa aplicada pelo
IBAMA alcança o montante de apenas 250 milhões de reais3. Além disso, a Justiça
Estadual em Mariana/MG já realizou o bloqueio de 300 milhões de reais, para a
reparação dos danos sofridos naquele Município4. Ainda, a Justiça Mineira, em
2http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2015/11/samarco-assina-termo-com-mp-para-pagamento-de-
r-1-bilhao.html 3http://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2015/11/valor-das-multas-por-rompimento-de-barragens-ja-
chegou-r-250-milhoes.html 4http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2015/11/justica-determina-bloqueio-de-r-300-milhoes-na-
conta-da-samarco.html
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Governador Valadares, determinou que a SAMARCO adotasse medidas extremamente
onerosas, a fim de mitigar os danos que atingiram a região5. Em seu sítio eletrônico6, a
SAMARCO vem divulgando diversas ações desenvolvidas na região das barragens desde
o dia do acidente, o que certamente exige considerável dispêndio de recursos. Por fim, a
SAMARCO divulgou que está adotando providências para a reparação das duas
barragens que nas barragens de Germano e Santarém, que estão sob risco de rompimento,
o que também demanda a realização de despesas7.
Por outro lado, foi determinada a paralisação das
atividades da mineradora em Minas Gerais8, o que agrava a situação econômica da
empresa. Ou seja, diante de um repentino e vultuoso aumento de despesas, a empresa
perdeu receitas. Esse contexto levou a SAMARCO a ser rebaixada pela agência de
classificação de riscos de investimento Moody's9.
Conforme o “Relatório da Administração e Demonstrações
Financeiras” 10 publicado pela SAMARCO S/A, o lucro líquido da empresa em 2013 e
2014 foi de aproximadamente 5,7 bilhões de reais. A despeito disso, em 1º de janeiro de
2013 o patrimônio líquido da empresa estava em 3,27 bilhões de reais, já em 31 de
dezembro de 2014, estava em 4,3 bilhões de reais, ou seja, a evolução patrimonial da
empresa foi bastante pequena, uma vez que parcela relevantíssima dos lucros se destinou
à distribuição dos dividendos.
Entretanto em anos anteriores quando a tonelada do minério
chegou ao pico de U$ 200,00 dólares a tonelada as empresas mineradoras tinham apenas
5http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2015/11/11/justica-determina-que-samarco-
assuma-custos-de-abastecimento-de-cidade-de-mg.htm 6http://www.samarco.com/ 7http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2015/11/samarco-admite-risco-de-rompimento-nas-barragens-
santarem-e-germano.html 8http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2015/11/secretaria-embargou-atividades-da-samarco-em-
mariana-apos.html 9http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2015/11/moodys-tira-grau-de-investimento-da-
samarco.html 10http://www1.samarco.com/uploads/1qoyv9x1.pdf
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o céu como limite experimentando lucros antes jamais vistos no mercado mundial tendo
a Europa e Asia como principais compradoras de minério de ferro.
A SAMARCO S/A é composta por duas acionistas, com
iguais participações, sendo elas a VALE S/A e a BHP BILLITON BRASIL LTDA.
Diante da possibilidade de insolvência da SAMARCO,
medida que se impõe é a inclusão da VALE S/A e da BHP BILLITON no polo passivo de
qualquer demanda cujos efeitos a elas possam se estender. Cuida-se do fenômeno da
desconsideração da personalidade jurídica do poluidor insolvente, para atingir seus sócios
em suas esferas patrimoniais e garantir, deste modo, a integral reparação dos danos
causados pela a atividade poluidora.
A Vale, por sua vez, apresentou, ao fim de 2014, um lucro
líquido anual da ordem de 353 milhões de dólares, mais de 1,3 bilhões de reais e possui
um patrimônio líquido muito superior à sua controlada: mais de 55 bilhões de dólares,
200 bilhões de reais (cotação a R$ 3,70).
A Vale também fez provisionamento, para o ano de 2014,
de US$ 118 milhões para litígios cíveis e US$ 92 milhões para litígios ambientais, mas
cientes de que os valores poderiam extrapolar em muito.
Percebe-se claramente, assim como a Samarco, a Vale é
ciente de que suas atividades possuem grande risco de impacto, especialmente ao meio
ambiente, entretanto, ambas, fizeram praticamente nenhum provisionamento para
sinistros dessa natureza e distribuíra quase que integralmente os lucros auferidos aos seus
sócios/acionistas.
A bem da verdade, fora o fato de ser controladora da
Samarco, a Vale também é responsável diretamente por parte dos rejeitos depositados na
represa de Fundão, como dá notícia a imprensa e os laudos técnicos que serão juntados
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no curso da demanda pois já existem estudos conclusivos com a Polícia Federal e
Ministério Público de Minas Gerais.
Por sua vez, a BHP Billiton Brasil, em que pese possuir
capital social aproximado de apenas R$ 195 milhões, apresenta lucros superiores a R$ 1,6
bilhões, dados obtidos em sítios eletrônicos.
Cumpre destacar que seu resultado não é exclusivo da
receita oriunda da Samarco, uma vez que possui diversas participações em outras
sociedades empresárias:
PONTA UBU AGROPECUARIA LTDA (CNPJ
35.959.576/0001-65) - SOCIO com 49,00 de participação
na empresa;
MINERACAO SAVANA LTDA (CNPJ 29.520.855/0001-
25) - SOCIO com 98,00 de participação na empresa;
ARAGUAIA PARTICIPACOES LTDA (CNPJ
04.687.051/0001-94) - SOCIO com 99,00 de participação
na empresa;
BHP BILLITON EMPREENDIMENTOS MINERAIS
LTDA. (CNPJ 42.416.875/0001-19) - SOCIO-
ADMINISTRADOR com 0,01 de participação na empresa;
EMPRESA DE MINERACAO SEARA LTDA (CNPJ
06.927.083/0001-45) - SOCIO com 1,00 de participação na
empresa;
BHP INTERNACIONAL PARTICIPACOES LTDA.
(CNPJ 30.034.862/0001-04) - SOCIO com 0,02 de
participação na empresa;
WMC MINERACAO LTDA (CNPJ 45.040.128/0001-17)
- SOCIO com 0,01 de participação na empresa; e,
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JENIPAPO RECURSOS NATURAIS LTDA. (CNPJ
31.975.014/0001-54) - SOCIO com 0,01 de participação na
empresa.
O gráfico abaixo representa a complexidade das operações
nacionais e internacionais da BHP Billiton Brasil:
Ademais, com efeito, em sede de responsabilidade civil por danos
ambientais a desconsideração da personalidade jurídica se pauta pela teoria menor, ou
seja, prescinde-se da ocorrência de abuso da personalidade ou confusão patrimonial. É o
que preconiza o art. 4º da Lei 9.605/98, nos seguintes termos: “Poderá ser
desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.”
No mesmo sentido é o entendimento do Superior Tribunal
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de Justiça:
Responsabilidade civil e Direito do consumidor. Recurso
especial. Shopping Center de Osasco-SP. Explosão.
Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério
Público. Legitimidade ativa. Pessoa jurídica.
Desconsideração. Teoria maior e teoria menor. Limite de
responsabilização dos sócios. Código de Defesa do
Consumidor. Requisitos. Obstáculo ao ressarcimento de
prejuízos causados aos consumidores. Art. 28, § 5º. -
Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da
ordem econômica, e incumbindo ao Ministério Público a
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis, possui o
Órgão Ministerial legitimidade para atuar em defesa de
interesses individuais homogêneos de consumidores,
decorrentes de origem comum. - A teoria maior da
desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro,
não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a
pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas
obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de
insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade
(teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de
confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração).
- A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso
ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do
Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera
prova de insolvência da pessoa jurídica para o
pagamento de suas obrigações, independentemente da
existência de desvio de finalidade ou de confusão
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patrimonial. - Para a teoria menor, o risco empresarial
normal às atividades econômicas não pode ser
suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa
jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta,
ainda que estes demonstrem conduta administrativa
proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova
capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte
dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. - A
aplicação da teoria menor da desconsideração às relações
de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do
art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo
não se subordina à demonstração dos requisitos previstos
no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar,
a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. -
Recursos especiais não conhecidos. (STJ - REsp: 279273
SP 2000/0097184-7, Relator: Ministro ARI
PARGENDLER, Data de Julgamento: 04/12/2003, T3 -
TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 29/03/2004
p. 230RDR vol. 29 p. 356)
Embora a SAMARCO, responsável direta pelos danos, ainda
não esteja insolvente, há fortes evidências de que possa ocorrer tal fato. Neste sentido, as
medidas ora pleiteadas devem alcançar as acionistas VALE e BHP, de modo a permitir
que, com a maior celeridade, sejam adotadas providências que assegurem a reparação dos
danos.
É dizer, a quebra de sigilo fiscal poderia ser requerida
somente contra a SAMARCO, reservando a medida, em relação à VALE e à BHP
BILLITON, para momento posterior, quando efetivamente fosse confirmada a fragilidade
patrimonial da responsável direta pelos danos. Contudo, em vista do melhor interesse
ambiental, bem como da necessidade de se resguardar, com máxima celeridade,
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patrimônio suficiente para a adoção das medidas necessárias, mostra-se por demais
adequado promover, desde já, a quebra do sigilo fiscal da SAMARCO MINERAÇÃO,
da VALE e da BHP BILLITON BRASIL, para a identificação de bens que possam
garantir os recursos necessários.
E nem se diga que a desconsideração da personalidade
jurídica é matéria a ser enfrentada após o processo de conhecimento. Doutrina e
jurisprudência brasileiras vêm mantendo acirrados debates sobre o momento adequado
para a desconsideração da personalidade jurídica, havendo quem diga que deverá ocorrer
na fase de conhecimento e quem diga que deverá ocorrer na fase de execução.
Fato é que a grande celeuma gira em torno da necessidade
de se garantir a ampla participação na formação do convencimento judicial e da coisa
julgada àqueles possíveis atingidos pelos efeitos da decisão proferida no processo de
conhecimento, oportunizando a impugnação de todas as matérias de fato e direito
discutidas, para que só assim possam ser compelidos a, eventualmente, satisfazer
obrigação que originariamente seria da pessoa jurídica. Cuida-se da observância do
binômio contraditório e ampla defesa, pedra de toque do sistema de direitos e garantias
processuais.
Da mesma preocupação não fugiu o legislador ao tratar do
tema no Novo Código de Processo Civil, onde inseriu a necessidade de instauração de um
incidente para que fosse desconsiderada a personalidade jurídica da pessoa jurídica,
exceto se os atingidos integrarem a relação processual desde o processo de conhecimento.
O tema ganha ainda novos contornos no presente caso, em
que há urgência de mitigação de impactos ambientais e necessidade de reparação com
máxima celeridade, tendo em vista os inúmeros prejuízos, diretos e indiretos, causados
pela degradação ambiental. É que no curso do processo de conhecimento, ou até mesmo
antes dele, certamente mostrar-se-ão (como, aliás, já se mostraram) necessárias medidas
urgentes, que demandarão o imediato aporte de recursos. Neste cenário, é imprescindível
que haja no polo passivo, a todo tempo, pessoas que garantam a plena consecução das
providências que se mostrarem adequadas.
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Por esta razão, todas as empresas integrarão eventual
demanda em conjunto, em medida que se alinha ao princípio ambiental da precaução,
corolário do princípio in dubio pro natura, já que não se sabe se a SAMARCO terá
patrimônio para suportar, e é bem provável que não, a reparação dos prejuízos, no tempo
e na forma que se mostrarem mais adequados. E, também pela mesma razão, desde já é
indispensável que se conheça o patrimônio das requeridas, já que eventualmente, e em
qualquer momento do processo de conhecimento ou até mesmo cautelarmente, poderão
ser compelidas a garantir ou aplicar os valores necessários.
Em síntese, importa desde já conhecer o patrimônio de
todas as requeridas, e não só da SAMARCO MINERAÇÃO S.A., vez que
eventualmente esta poderá não dispor de recursos suficientes para adotar medidas
para as quais for demanda, na forma e no tempo em que se mostrarem adequadas.
Ademais, a quebra de sigilo fiscal e bancário não
atingirá a esfera patrimonial de qualquer das empresas, mas tão somente tornará
clara a situação econômica daqueles que, a princípio, deverão custear as medidas
mitigatórias e reparatórias.
Ressalte-se que nada impede que, diante da insolvência
também da VALE e da BHP, a personalidade jurídica destas seja também desconsiderada,
seja diretamente, para alcançar seus sócios, seja indiretamente, para alcançar outras
pessoas jurídicas por elas controladas. Todavia, tal hipótese não é, por ora, sequer
aventada, dada a conhecida condição econômica de tais empresas. Deste modo, o pedido,
neste momento se limitará às oras requeridas, por guardarem maior proximidade com os
fatos.
Por tudo o que foi necessário, imprescindível o
rastreamento patrimonial das requeridas para fins de aferir:
a) o patrimônio da mineradora, para adoção de medidas que
assegurem o resultado prático de futura demanda, a ser ajuizada tão logo seja
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razoavelmente compreendida a extensão dos danos;
b) o patrimônio das acionistas, VALE e BHP BILLITON,
ante a considerável possibilidade de que estas venham a responder com seus patrimônios,
se realmente confirmada a insolvência da SAMARCO.
Não resta dúvida que no caso concreto a necessidade da
medida invasiva prepondera, sob pena de se inviabilizar a pretensão punitiva estatal.11
O art. 198, §1º, I, do Código Tributário Nacional, ao tratar
do sigilo fiscal, não exclui a possibilidade de que as informações por ele protegidas
possam ser objeto de apreciação pelo Poder Judiciário.
As informações ora pleiteadas são imprescindíveis para
garantia da reparação integral do meio ambiente.
VI - DO PROVIMENTO LIMINAR
A demora na prestação jurisdicional poderá acarretar
prejuízo irreparável aos indivíduos difusamente considerados, tendo em vista o
expressivo número de pessoas que estão sendo vítimas da conduta negligente das Rés,
que ocasionou no rompimento das barragens localizadas em Mariana-MG.
Muito mais do que isto, os transtornos e constrangimentos
causados pelas demandadas nas cidades atingidas, em especial Baixo Guandu, Colatina,
Marilandia e Linhares ferem frontalmente o princípio da dignidade da pessoa humana e
11 OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO. Não há, no sistema
constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros. (STF, MS 23452, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 16/09/1999.)
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o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado necessitando assim de medidas
mitigadoras e compensatórias.
Inicialmente, impõe frisar que a concessão de tutela liminar
“inaudita altera pars” visando atender os pedidos abaixo descritos não ofendem qualquer
norma ou princípio constitucional, valendo transcrever a doutrina de Nelson Nery Júnior,
no sentido de inexistência de violação ao princípio do contraditório nestes casos, in
verbis:
"Há, contudo, limitação imanente à bilateralidade da
audiência no processo civil, quando a natureza e a
finalidade do provimento jurisdicional almejado ensejarem
a necessidade de concessão de medida liminar, inaudita
altera pars, como é o caso da antecipação de tutela de mérito
(CPC, art. 273), do provimento cautelar ou das liminares
em ação possessória, mandado de segurança, ação popular,
ação coletiva (art. 81, parágrafo único do CDC) e ação civil
pública. Isto não quer significar, entretanto, violação do
princípio constitucional, porquanto a parte terá
oportunidade de ser ouvida, intervindo posteriormente no
processo, inclusive com direito a recurso contra a medida
liminar concedida sem sua participação. Aliás, a própria
provisoriedade dessas medidas indica a possibilidade de sua
modificação posterior, por interferência da manifestação da
parte contrária, por exemplo.” ·
Os fatos e fundamentos jurídicos apresentados na exordial
demonstram a necessidade da concessão do provimento liminar.
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Desse modo, com fundamento no que dispõe o artigo 273,
inciso I, do Código de Processo Civil, c/c os artigos 11 e 12 da Lei 7.347/85 e 84, §§ 3.º
e 4.º do CDC, pretende o Autor obter a concessão da medida processual apta a
GARANTIR FUTURA DEMANDA EXECUTÓRIA DE CUMPRIMENTO DE
SENTENÇA tendo em vista os efeitos nocivos do desastre ambiental ocasionado pela
empresa demandada.
Não obstante o Código de Defesa do Consumidor autorizar
o pleito de uma medida liminar, de caráter cautelar, no bojo de uma ação ordinária, além
da própria Lei de Ação Civil Pública consagrar tal instrumento, cabe trazer à baila a lição
de REIS FRIED sobre a tutela antecipada, com previsão no nosso Código de Processo
Civil em seu art. 273, principalmente no que diz respeito ao risco de dano irreparável. O
ilustrado jurista se baseou na lição de ANTÔNIO JEOVÁ DA SILVA SANTOS para expender
a seguinte lição:
A irreparabilidade do dano decorrerá da ameaça de um
grave dano jurídico, caso não exista a satisfatividade do
direito. Similar do periculum in mora, o receio de a parte
vir a padecer dano irreparável caso o Poder Judiciário não
intervenha para antecipar o direito, fará exsurgir um dos
requisitos para a outorga da tutela antecipada. Citado por
Ovídio Baptista da Silva, Frederico Carpi ensina que o
direito estará exposto a uma situação que pode indicar
irreparabilidade de prejuízo, diante das seguintes situações:
a) quando houver impossibilidade de ocorrer restituição ou
repristinação à situação anterior; b) quando o ato ou fato
danoso implique na destruição de uma coisa infungível, seja
por haver a mesma cessado de existir, seja por haver ela
perdido uma qualidade que lhe era essencial."12 (gn)
12Fried, Reis. Tutela antecipada, tutela específica e tutela cautelar, Belo Horizonte:Del Rey, 1998.
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Ao comentar os requisitos para a concessão da tutela
antecipada, o Professor Luiz Guilherme Marinoni assim afirma:
"É possível a concessão da tutela antecipatória não só
quando o dano é apenas temido, mas igualmente quando o
dano está sendo ou já foi produzido.
Nos casos em que o comportamento ilícito se caracteriza
como atividade de natureza continuativa ou como
pluralidade de atos suscetíveis de repetição, como, por
exemplo, nas hipóteses de concorrência desleal ou de
difusão notícias lesivas à personalidade individual, é
possível ao juiz dar a tutela para inibir a continuação da
atividade prejudicial ou para impedir a repetição do ato." (in
"A Antecipação da Tutela na Reforma do Processo Civil",
Ed. Malheiros, p. 57).
A propósito, o mesmo MARINONI, destaca, com muita
propriedade, que a "disputa pelo bem da vida perseguido pelo autor, justamente
porque demanda tempo, somente pode prejudicar o autor (que tem razão) e
beneficiar o réu (que não a tem)" (in "Tutela Antecipatória, Julgamento Antecipado e
Execução Imediata da Sentença", Ed. RT, 1997, p.18).
Para ele isto "demonstra que o processo jamais poderá dar
ao autor tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tem o direito de obter ou que jamais o
processo poderá deixar de prejudicar o autor que tem razão. É preciso admitir, ainda que
lamentavelmente, a única verdade: A DEMORA SEMPRE BENEFICIA O RÉU QUE
NÃO TEM RAZÃO" (sic - maiúsculas e grifos da autora - Ob. Citada, p. 19).
Consequentemente, entende MARINONI que:
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"se o processo é um instrumento ético, que não pode
impor um dano à parte que tem razão, beneficiando a
parte que não a tem, é inevitável que ele seja dotado de
um mecanismo de antecipação da tutela, que nada mais
é do que uma técnica que permite a distribuição
racional do tempo do processo" (sic - Ob. cit., p. 23,
grifos da autora).
Assim, de acordo com MARINONI, se:
"incumbe ao autor provar o que afirma, UMA VEZ
PROVADO (OU INCONTROVERSO) O FATO
CONSTITUTIVO, não há motivo para ele ter que
esperar o tempo necessário para o réu provar o que
alega, especialmente porque este pode se valer da
exceção substancial indireta apenas para protelar a
realização do direito afirmado pelo autor" (sic - Ob. cit.,
p. 36 - maiúsculas e grifos da autora).
Desta forma, estando a situação fática em questão a exigir
urgente segurança jurisdicional, ante o efetivo perigo da ocorrência de gravame
irreparável, a seguir tratado, plenamente cabível a antecipação dos efeitos da tutela
no que diz com este feito.
É inquestionável que se configura igualmente o
periculum in mora, pois não é mais possível que permaneçam os colatinenses
desamparados, tomados pela incerteza de estarem consumindo ou não água com a
potabilidade ideal, com hipótese inclusive de contrair doenças.
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Neste diapasão, indiscutivelmente configurados os requisitos ensejadores da
concessão do pedido liminar acima, nada mais que justo deferi-lo para:
a) bloquear o importe de 1.000.000,00 (um bilhão de reais) dos Réus a
fim de garantir a obrigação de fazer, consistente em:
1 – BAIXO GUANDU/ES:
A) Realização de Obra de reforma e ampliação da antiga barragem no rio
Guandu, com adutora até a estação de captação da ETA;
B) Reforma e ampliação do reservatório da ETA e Ampliação da ETA;
C) Adutora para o distrito de Mascarenhas;
D) Sistema de Tratamento de Esgoto da sede com instalações de
interceptores nas margens do Rio Guandu/ES;
E) Projeto socioeconômicos para amparar carroceiros, pescadores, e
revendedores de peixes e apetrechos e proprietários ribeirinhos;
F) Financiamentos de estudos ambientais para conter/amenizar reflexos
do desequilíbrio ecológico provocado na região pela morte do rio ,
como infestação de insetos, animais peçonhentos e enfermidades nas
pessoas;
G) Investimentos em áreas específicas como educação, esporte, lazer e
turismo, como forma de amenizar os danos sofridos;
2 – COLATINA/ES:
A) Determinação de que as empresas rés realizem os estudos técnicos e
realizem as obras estruturantes de captação alternativa de agua no Rio
Pancas, Rio Santa Maria do Doce e Lagoa do Limão de forma a
atender integralmente a demanda de abastecimento público de água
em Colatina;
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B) Financie a reforma e modernização física e de equipamentos das
ETAS de Colatina;
C) Construa ETE no Município de Colatina a fim de minimizar os
impacto de resíduos no curso hídrico;
3 – MARILANDIA/ES:
A) Realize projeto de execução e ampliação do único reservatório
municipal denominado Lagoa do SAAE que fica no Rio São Pedro
para aumentar o armazenamento de água;
B) Projeto de instalação de adutora para captação na Lagoa do Batista e
na Lagoa do Camata;
4) LINHARES/ES:
a) deverá o Município de Linhares ser intimado em virtude de ter se
habilitado como assistente litisconsorcial às fls. 266 da cautelar em
anexo.
b) seja decretado o afastamento do sigilo fiscal da SAMARCO
MINERAÇÃO S/A (CNPJ 16.628.281/0001-61), BHP BILLITON
BRASIL LTDA (CNPJ 42.156.596/0001-63) e VALE S/A (CNPJ
33.592.510/0001-54), determinando-se que a Receita Federal do
Brasil, forneça diretamente ao GAECO do MPES, as declarações de
ajuste anual para fins de Imposto de Renda e os dossiês integrados
com todas as bases de dados para pessoa física e jurídica (Extrato
DW, Cadastro CPF, Ação Fiscal, CADIN, CC5 entradas, CC5 Saídas,
CNPJ, Coleta, Conta Corrente PF, Compras DIPJ Terceiros, DAI,
DCPMF, DIMOF, Derc, Dimob, Dirf, DIRPF, DOI, ITR,
Rendimentos DIPJ, Rendimentos Recebidos PF, Siafi, Sinal, Sipade,
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Vendas DIPJ Terceiros, cartões de crédito, notas fiscais) das pessoas
listadas, em relação aos anos de 2010 a 2014, devendo tais documentos
ser fornecidos em arquivos nos formatos .pdf e .xls (planilha
eletrônica excel);
c) Seja autorizado o uso do acervo probatório das medidas cautelares
pleiteadas no âmbito de procedimentos criminais e cíveis instaurados
pelo Ministério Público para as providências de sua alçada,
instrumentalizando as ações judiciais a serem interpostas em suas
respectivas esferas de atribuições.
d) Seja autorizado o acesso e o compartilhamento, sem restrições, das
provas obtidas por meio deste expediente por Servidores do
Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro – LAB-
MPES, Auditores Fiscais da Secretaria de Estado da Fazenda do
Espírito Santo e da Receita Federal do Brasil, podendo referidas
instituições utilizar os documentos e dados coletados em lançamentos
administrativos e procedimentos disciplinares a seu encargo e
municiar seus respectivos procedimentos investigatórios;
e) a decretação de segredo de justiça, com expressa disposição de que
somente seja dado vista dos autos e extração de cópias, mediante
autorização judicial, a fim de que sejam resguardadas informações e
documentos constitucionalmente protegidos e evitar a divulgação de
dados, muitas vezes irreparáveis às pessoas investigadas e à própria
apuração dos fatos.
f) determinando-se que a BHP BILLITON BRASIL LTDA forneça
diretamente ao Ministério Público os balanços contábeis, registrados
na junta comercial, em relação aos anos de 2010 a 2014, bem como
relação nominal de bens imóveis de sua propriedade, com certidão
ônus, e registro de eventuais aeronaves.
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g) Requisitar à Agência Nacional de Àguas para que envie ao Juízo toda
e qualquer perícia e levantamento realizados no que tange ao
rompimento da barragem do Fundão em Mariana/MG;
h) Requisitar ao Departamento Nacional de Produção Mineral para que
envie ao Juízo toda e qualquer perícia e levantamento no que tange
ao rompimento da barragem do Fundão em Mariana/MG;
i) Requisitar ao Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recurso Hídrico
– IEMA e a Agencia Estadual de Recursos Hídricos/ES que enviem
ao Juízo toda e qualquer perícia e levantamento no que tange ao dano
sofrido na Bacia do Rio Doce e na Zona Costeira Capixaba bem como
os demais danos ocasionados pela lama de rejeitos;
j) Comunicação à CVM – Comissão de Valores Mobiliários a respeito
da propositura da presente demanda em face das rés;
VII – DOS PEDIDOS
Ante o exposto, requer o Ministério Público:
a) a concessão "inaudita altera parte" de medida liminar, nos moldes do art.
273, I do CPC c/c os artigos 11 e 12 da Lei 7.347/85 e artigo 84, §§ 3.º e 4.º do CDC ,
para que seja bloqueado o importe de 1.000.000,00 (um bilhão de reais) dos Réus a fim
de garantir futura execução por cumprimento de sentença em razão das obrigações de
fazer, sendo necessário apenas a formalização do rito processual haja vista a evidência
probatória, tudo na forma preconizada pelo SISTEMA BACEN-JUD;
b) a desconsideração da personalidade jurídica dos Requeridas, nos moldes
do art. 28, do CDC e da lei ambiental;
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c) sejam os réus citados, através dos seus representantes legais – atentando-
se para a expedição de Carta Precatória – para apresentar, se assim o desejarem,
contestação à presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, sob pena de revelia e demais
cominações legais;
d) seja, ao final, julgada procedente a presente ação, para cominar a cada um
dos requeridos as obrigações de fazer acima deduzidas e as que se apresentarem tendo em
vista o caráter plastico dos pedidos em obrigação dessa natureza;
e) Requer-se, desde logo, a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e
outros encargos, de acordo com o art. 18 da Lei da Ação Civil Pública e art. 87 do Código
de Defesa do Consumidor.
Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitido,
inclusive pela inversão do ônus da prova (artigo 6.º, inciso III, do CDC), depoimento
pessoal dos representantes legais das requeridas, perícias e vistorias, inspeções judiciais,
prova testemunhal e produção de documentos complementares que, ficam todos desde já
expressamente requeridos.
Dá-se à causa o valor de R$ 1.000.000,00 (um bilhão de reais).
Termo em que,
P. Deferimento,
Colatina/ES, 28 de janeiro de 2015.