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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FFCLRP - DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA “Habilidades sociais no casamento: avaliação e contribuição para a satisfação conjugal” Miriam Bratfisch Villa Zilda A. P. Del Prette Tese apresentada à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP, como parte das exigências para a obtenção do título de Doutor em Ciências, Área: Psicologia. RIBEIRÃO PRETO - SP 2005

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    FFCLRP - DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA E EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA

    Habilidades sociais no casamento: avaliao e contribuio para a satisfao conjugal

    Miriam Bratfisch Villa

    Zilda A. P. Del Prette

    Tese apresentada Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Ribeiro Preto da USP, como parte das exigncias para a obteno do ttulo de Doutor em Cincias, rea: Psicologia.

    RIBEIRO PRETO - SP

    2005

  • FICHA CATALOGRFICA

    Villa, Miriam Bratfisch

    Habilidades sociais no casamento: avaliao e contribuio para a satisfao conjugal. Ribeiro Preto, 2005.

    121p.; 30 cm Tese, apresentada Faculdade de Filosofia, Cincias e

    Letras de Ribeiro Preto / USP Dep. de Psicologia e Educao.

    Orientador: Del Prette, Zilda Aparecida Pereira 1. Relacionamento conjugal 2. Habilidades sociais 3.

    satisfao conjugal

    Foram seguidas as normas de publicao da American Psychological Association.

    ii

  • FOLHA DE APROVAO

    Miriam Bratfisch Villa

    Habilidades sociais no casamento:

    Avaliao e contribuies para a

    Satisfao conjugal

    Tese apresentada Faculdade de Filosofia,

    Cincias e Letras de Ribeiro Preto da USP,

    como parte das exigncias para a obteno

    do ttulo de Doutor em Cincias, rea:

    Psicologia

    Aprovado em:

    Banca examinadora

    Prof. Dr. ___________________________________________________________________

    Instituio:________________________________Assinatura:______________________

    Prof. Dr. ___________________________________________________________________

    Instituio:_________________________________Assinatura:_____________________

    Prof. Dr. ___________________________________________________________________

    Instituio:________________________________Assinatura:______________________

    Prof. Dr. ___________________________________________________________________

    Instituio:________________________________Assinatura:______________________

    Prof. Dr. ___________________________________________________________________

    Instituio:________________________________Assinatura:______________________

    iii

  • Ao Enias, com amor.

    iv

  • AGRADECIMENTOS

    Primeiramente a Deus,

    professora Zilda, orientadora sempre presente e ao Almir pelas dicas e

    sugestes,

    Aos casais, lderes de grupos e instituies e demais pessoas que colaboraram

    de forma imprescindvel para obtermos os dados deste estudo,

    professora Snia Loureiro pela chance de iniciar o doutorado to

    rapidamente,

    Ao Prof. Tadeu (ESALQ) pela ajuda com a estatstica,

    amiga Fabola pela ajuda na coleta de dados e revises no ingls,

    Ao meu marido, pelo apoio, incentivo e por fazer muitas vezes a minha parte

    no cuidado com a Mariana,

    Aos meus pais pelo apoio constante e ajudas diversas,

    Aos familiares e amigos que contriburam de tantas maneiras,

    Andrieli e a Susani,

    Mariana que me concedeu neste perodo, em meio a tanto trabalho,

    paradas estratgicas, risadas, choros, momentos inesquecveis.

    FAPESP, pelo apoio financeiro.

    v

  • Villa, M. B. (2005). Habilidades sociais no casamento: avaliao e contribuio para a satisfao conjugal. Tese apresentada Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Ribeiro Preto da USP, como parte das exigncias para a obteno do ttulo de Doutor em Cincias, rea: Psicologia.

    RESUMO

    A qualidade dos relacionamentos interpessoais tem grande influncia nos diversos

    contextos da vida de qualquer indivduo, aqui se incluindo o contexto conjugal,

    fonte potencial de prazer e realizao ou frustrao e transtornos psicolgicos.

    Pesquisas tm mostrado a importncia de habilidades sociais especficas para a

    maximizao da qualidade do relacionamento conjugal, como sua estabilidade e

    durao, sugerindo seu impacto possvel tambm sobre a satisfao conjugal,

    embora no se disponha, ainda, de estudos empricos suficientes para sustentar esta

    ltima relao. Essa lacuna est, em parte, relacionada falta de instrumentos para

    a avaliao das habilidades sociais conjugais e sua possvel especificidade em

    relao s habilidades gerais dos cnjuges. Este estudo props-se verificar a relao

    entre a satisfao conjugal dos cnjuges e habilidades sociais gerais e conjugais e,

    concomitantemente, aperfeioar um instrumento de avaliao destas ltimas.

    Participaram 406 respondentes de ambos os sexos (a maioria casais), com nvel

    mnimo de escolaridade de segundo grau e idades entre 20 e 73 anos , que

    responderam ao Inventrio de Habilidades Sociais (IHS-Del-Prette), Inventrio de

    Habilidades Sociais Conjugais (IHSC) e Escala de Satisfao Conjugal (ESC). Foram

    obtidos escores individuais para cada instrumento, procedendo-se a anlises

    descritivas de cada um e a comparaes entre eles, especialmente entre maridos e

    esposas, alm de anlise da influncia de variveis scio-demogrficas. Os

    resultados apontaram correlao significativa entre escores do IHS-Del-Prette, IHSC e

    escore da ESC, sugerindo que quanto mais elaborado o repertrio de habilidades

    vi

  • sociais (conjugais e gerais) do respondente, maior sua satisfao com o

    casamento, confirmando a hiptese inicial do estudo. Correlaes entre fatores do

    IHSC, IHS-Del-Prette e da ESC apontaram classes de comportamentos do

    respondente e de seu cnjuge especificamente associadas satisfao conjugal.

    O IHSC apresentou boa consistncia interna (Alfa de Cronbach = 0,81) e uma

    estrutura de seis fatores que explicaram 45,407 da varincia total obtida. So

    discutidas a aplicabilidade do instrumento a novos estudos e ao contexto prtico de

    atuao do psiclogo, bem como as implicaes dos resultados obtidos para novas

    pesquisas.

    Palavras chave: relacionamento conjugal, habilidades sociais, satisfao conjugal,

    avaliao.

    vii

  • ABSTRACT

    The quality of interpersonal relations has a great influence on many life contexts,

    including here the marital context, a potential source of pleasure and

    accomplishment or of frustration and psychological disorders. Researches have

    shown the importance of specific social skills for the maximization of the marital

    relation quality as well as upon its stability and duration, suggesting a possible impact

    also upon the marital satisfaction. Nevertheless, these relations dont have enough

    supportive empirical studies. This gap is partially related to the lack of instruments to

    access the social marital skills and to its possible specificity in relation to the spouses

    global skills. This study was aimed to verify the relation between the spouses marital

    satisfaction and global and marital social skills and simultaneously to improve an

    instrument to evaluate social skills. 406 participants from both sexes (most couples,

    with high school educational level, age between 20 and 73 years) completed the

    Social Skills Inventory (SSI-Del-Prette), the Marital Social Skills Inventory (MSSI) and the

    Marital Satisfaction Scale (MSS). It was computed individual scores for each

    instrument, then proceeding to descriptive and statistical analyses, especially

    comparing husbands and wives and social-demographic variables influence. The

    results showed a significant correlation between the SSI-Del-Prette, MSSI and MSS

    scores, suggesting that the more elaborated was the respondents social skills

    repertoire (marital and global), greater was his/her marital satisfaction, confirming

    the initial hypothesis. Correlations between the SSI, MSSI and MSS factorial scores

    showed which respondents social skills classes was specifically associated to the

    marital satisfaction. The MSSI presented a good internal consistency (Alpha of

    Cronbach = 0,81) and a six factors structure that explained 45,407 of the obtained

    total variance. It has been discussed the instrument applicability to new studies and

    viii

  • to practical context of psychologist professional work as well as these results

    implications to further researches.

    Keywords: marital relation, marital satisfaction, social skills, evaluate.

    ix

  • LISTA DE TABELAS Tabela 1. Classes gerais e habilidades avaliadas na verso inicial do IHSC 36

    Tabela 2. Caractersticas scio-demogrficas da amostra 42

    Tabela 3. Correlaes entre escores total e fatoriais dos instrumentos IHSC e ESC para

    a amostra geral (homens e mulheres) 54

    Tabela 4. Correlao entre os itens do IHSC e o escore da ESC (Spearmans rho) 56

    Tabela 5. Correlao de Spearman e coeficiente de correlao (Pearson) entre os

    escores dos instrumentos IHSC e a ESC, para mulheres e homens 57

    Tabela 6. Correlaes entre escores total e fatoriais do IHSC das esposas (M) e

    escores total e fatoriais do ESC dos maridos (H) 58

    Tabela 7. Correlaes entre escores total e fatoriais do IHSC dos maridos (H) e

    escores total e fatoriais do ESC das esposas (M) 60

    Tabela 8. Correlaes entre escores total e fatoriais dos instrumentos IHS-Del-Prette e

    ESC para a amostra geral (homens e mulheres) 62

    Tabela 9. Correlao de Spearman e coeficiente de correlao (Pearson) entre os

    escores dos instrumentos IHS-Del-Prette e a ESC, para homens e mulheres 63

    Tabela 10. Correlaes entre escores total e fatoriais do IHS-Del-Prette dos maridos

    (H) e escores total e fatoriais do ESC das esposas (M) 64

    Tabela 11. Correlaes entre escores total e fatoriais do IHS-Del-Prette das esposas

    (M) e escores total e fatoriais do ESC dos maridos (H) 65

    Tabela 12. Correlaes entre escores total e fatoriais dos instrumentos IHSC e IHS-Del-

    Prette para a amostra geral (homens e mulheres) 66

    Tabela 13. Correlao de Spearman e coeficiente de correlao (Pearson) entre os

    escores dos instrumentos IHS-Del-Prette e IHSC para homens e mulheres 68

    Tabela 14. Correlao (Spearmans rho) entre satisfao conjugal e variveis scio-

    demogrficas da amostra 69

    Tabela 15. Diferenas nos grupos de variveis quanto ao escore da ESC 69

    Tabela 16. Matriz das cargas fatoriais da Anlise dos Componentes Principais com

    nove fatores (F), com rotao Varimax, autovalores associados a cada fator,

    varincia explicada pelo fator, porcentagem da varincia total, nmero de

    itens com cargas significativas, coeficientes alfa e valor das

    comunalidades (h) 72

    x

  • Tabela 17. Sntese das anlises Fatorial e PC para o IHSC com descrio dos critrios

    adotados, rotaes e principais resultados 76

    Tabela 18. Matriz das cargas fatoriais da Anlise dos Componentes Principais com

    seis fatores (F), com rotao Varimax, autovalores associados a cada fator,

    varincia explicada pelo fator, porcentagem da varincia total, nmero de

    itens com cargas significativas, coeficientes alfa e valor das comunalidades

    (h) 77

    Tabela 19. Descrio dos itens que compe cada fator do IHSC 82

    Tabela 20. Distribuio de freqncia dos 400 respondentes aos itens do IHSC de

    acordo com grupos de maior (A), mdio (B) e menor (C) escore 83

    Tabela 21. ndice de discriminao e coeficiente de correlao de Pearson entre os

    itens e o escore total no IHSC 84

    xi

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1. Distribuio amostral dos escores no IHS-Del-Prette 50

    Figura 2. Distribuio amostral dos escores no IHSC 51

    Figura 3. Distribuio amostral dos escores na ESC 52

    Figura 4. Distribuio scree para os autovalores da matriz fatorial dos escores do

    IHSC com nove fatores 74

    Figura 5. Distribuio scree para os autovalores da matriz fatorial dos escores do

    IHSC com seis fatores 79

    xii

  • LISTA DE APNDICES

    APNDICE 1.

    Tabela A. Itens do antigo IHSC e classes de habilidades avaliadas

    APNDICE 2.

    Tabela B. Correlao entre itens do IHSC que avaliam habilidades correspondentes

    LISTA DE ANEXOS

    ANEXO 1.

    Escala de Satisfao Conjugal (ESC)

    ANEXO 2.

    IHS-Del-Prette

    ANEXO 3.

    Inventrio de Habilidades sociais Conjugais (IHSC)

    ANEXO 4.

    Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)

    xiii

  • SUMRIO

    RESUMO VI

    ABSTRACT VIII

    LISTA DE TABELAS X

    LISTA DE FIGURAS XII

    LISTA DE APNDICES XIII

    LISTA DE ANEXOS XIII

    1. INTRODUO 1

    1.1. REFERENCIAL CONCEITUAL DO ESTUDO 1

    1.1.1. CONCEITOS DA REA DO TREINAMENTO DE HABILIDADES SOCIAIS 1

    1.1.2. HABILIDADES SOCIAIS E RELACIONAMENTO CONJUGAL 10

    1.1.3. SATISFAO CONJUGAL E HABILIDADES SOCIAIS 15

    1.2. QUESTES METODOLGICAS 19

    1.2.1. O DESAFIO METODOLGICO DA AVALIAO PSICOLGICA 19

    1.2.2. VANTAGENS E LIMITAES DOS TESTES DE AUTO-RELATO (INVENTRIOS) 27

    1.2.3 INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS PARA A AVALIAO DE HABILIDADES SOCIAIS

    CONJUGAIS 29

    1.2.4. A ELABORAO INICIAL DO INVENTRIO DE HABILIDADES SOCIAIS CONJUGAIS 32

    1.2.5. PROCEDIMENTOS DE REFORMULAO DO INVENTRIO DE HABILIDADES SOCIAIS

    CONJUGAIS 34

    1.3. JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS 39

    2. MTODO 40

    2.1. AMOSTRA 40

    2.2. INSTRUMENTOS 43

    xiv

  • 2.3. PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS 45

    2.4. TRATAMENTO DOS DADOS 46

    2.5. ASPECTOS TICOS 48

    3. RESULTADOS 50

    3.1. ANLISES DESCRITIVAS DOS INSTRUMENTOS IHS-DEL-PRETTE, IHSC E ESC 50

    3.2. ANLISES COMPARATIVAS 52

    3.2.1. ANLISES DE CORRELAO ENTRE O INVENTRIO DE HABILIDADES SOCIAIS CONJUGAIS

    E A ESCALA DE SATISFAO CONJUGAL 54

    3.2.2. ANLISES DE CORRELAO ENTRE O IHS-DEL-PRETTE E A ESCALA DE SATISFAO

    CONJUGAL 61

    3.2.3. ANLISES DE CORRELAO ENTRE O INVENTRIO DE HABILIDADES SOCIAIS CONJUGAIS

    E O IHS-DEL-PRETTE 66

    3.2.4. ESCALA DE SATISFAO CONJUGAL E CARACTERSTICAS SCIO-DEMOGRFICAS 68

    3.2.5. ESTUDOS PSICOMTRICOS DO INVENTRIO DE HABILIDADES SOCIAIS CONJUGAIS 70

    4. DISCUSSO 86

    5. CONCLUSO 98

    6. REFERNCIAS 102

    xv

  • 1. INTRODUO

    Tendo em vista o foco central deste estudo - habilidades sociais e

    satisfao conjugal e a relao emprica entre estes constructos - apresenta-se

    inicialmente o referencial conceitual do estudo, as habilidades sociais e outros

    aspectos do relacionamento conjugal, com nfase na satisfao conjugal,

    culminando nas possibilidades de relaes entre estas duas grandes reas.

    A segunda parte trata dos aspectos metodolgicos da avaliao

    psicolgica e, especificamente, da avaliao em Habilidades Sociais no

    contexto conjugal, seus mtodos, possibilidades e a proposta deste estudo, ou

    seja, o desenvolvimento de um Inventrio de Habilidades Sociais Conjugais.

    1.1. Referencial conceitual do estudo

    A rea do Treinamento em Habilidades Sociais (THS) ser abordada, nesta

    seo, com breve referncia sua origem e evoluo, definies histricas e

    atuais dos principais conceitos na rea, alm de especificidades ligadas a

    componentes situacionais, no caso, ao contexto conjugal. O relacionamento

    entre cnjuges ser abordado em termos de sua importncia para o bem-estar

    geral dos indivduos, bem como da investigao de fatores relacionados

    satisfao com o mesmo.

    1.1.1. Conceitos da rea do THS

    O relacionamento interpessoal e as habilidades sociais tm sido

    abordados sob vrios enfoques. Um dos principais campos de investigao e

    aplicao do conhecimento, voltados para esta temtica, o do Treinamento

    de Habilidades Sociais, ou THS (Argyle, 1967/1994; Del Prette & Del Prette, 1996;

    Hidalgo & Abarca, 1992), historicamente com origens no denominado

  • Treinamento Assertivo (Lange & Jakubowski, 1976). Phillips (1985), num apanhado

    histrico sobre as habilidades sociais, remonta h 150 anos a primeira noo de

    feedback (um dos conceitos chave da abordagem das Habilidades Sociais,

    embora tambm presente em outras reas) e detalha a evoluo da rea ao

    longo de dcadas de trabalho de vrios cientistas. Segundo Caballo (1996), esse

    campo teve maior difuso e desenvolvimento nas dcadas de 60 e 70,

    incorporando, nos anos 80, resultados de pesquisa de outras reas da Psicologia,

    principalmente elementos de orientao cognitiva.

    Considerando que as habilidades sociais conjugais fazem parte dessa

    rea de produo e aplicao de conhecimento psicolgico, denominada

    Treinamento de Habilidades Sociais, vale destacar que os pesquisadores do

    campo terico-prtico das habilidades sociais tm concentrado seus esforos

    em trs vertentes principais: (1) explicao da origem e desenvolvimento do

    comportamento socialmente competente; (2) proposio de tcnicas para

    desenvolvimento de habilidades sociais (THS); e (3) avaliao do repertrio de

    habilidades sociais e da competncia social.

    Alguns conceitos-chave deste campo so definidos de forma bastante

    especfica por A. Del Prette e Z. A. P. Del Prette (2001), evitando confuses

    geralmente presentes na literatura da rea. Assim, segundo esses autores, os

    termos desempenho social, habilidades sociais e competncia social so

    diferenciados e definidos como:

    O desempenho social refere-se emisso de um

    comportamento ou seqncia de comportamentos

    emitidos em uma situao social qualquer. J o termo

    habilidades sociais refere-se existncia de diferentes

    classes de comportamentos sociais no repertrio do

    2

  • indivduo para lidar de maneira adequada com as

    demandas das situaes interpessoais. A competncia

    social tem sentido avaliativo que remete aos efeitos do

    desempenho social nas situaes vividas pelo indivduo [...]

    qualificando portanto a proficincia de um desempenho e

    referindo-se capacidade do indivduo de organizar

    pensamentos, sentimentos e aes em funo de seus

    objetivos e valores articulando-os s demandas imediatas e

    mediatas do ambiente (Del Prette, A. & Del Prette, Z. A. P.,

    2001, p. 31).

    A compreenso destes conceitos de extrema importncia para que

    sejam utilizados corretamente. Neste estudo, focaliza-se, de maneira mais direta,

    o conceito de habilidades sociais, ou seja, o repertrio comportamental do

    indivduo, que possibilita e aumenta a probabilidade do mesmo ser competente

    em determinada situao e que pode ser avaliado por meio de diferentes tipos

    de instrumentos e procedimentos, sendo mais comuns, no caso de pesquisas em

    larga escala, os inventrios de auto-relato. No o caso de eleger uma ou outra

    definio como a mais correta; trata-se de adotar o constructo exato que est

    sendo efetivamente avaliado como uma das dimenses pertinentes ao

    relacionamento social. O estudo investigativo de cada uma dessas dimenses

    exige metodologia diferenciada: quando se trata de componentes

    comportamentais, o foco sobre o desempenho de habilidades sociais;

    quando se avalia a funcionalidade desse desempenho (conseqncias no

    ambiente e para o prprio indivduo), se possvel com avaliao da coerncia

    entre componentes comportamentais, afetivos e cognitivos desse desempenho,

    est se acessando a dimenso da competncia social.

    3

  • As habilidades sociais so aprendidas e/ou aperfeioados na interao

    do indivduo com seu ambiente. Embora as bases de algumas habilidades sejam

    inatas (por exemplo, a tendncia a comportamentos pr-sociais), o repertrio de

    habilidades sociais comea a ser desenvolvido na infncia por meio de

    diferentes processos de aprendizagem (modelo de pessoas prximas,

    modelagem social e esquemas de reforamento) no exerccio crescente de

    novos papis e assimilao de normas culturais (Del Prette & Del Prette, 1999;

    Hidalgo & Abarca, 1992). Essas habilidades podem ser aperfeioadas ou

    deterioradas, na histria de vida das pessoas, dependendo das contingncias a

    que so submetidas (Skinner, 1989). Portanto, os comportamentos sociais emitidos

    por um adulto refletem contingncias passadas e atuais (quer sejam de

    reforamento positivo ou de reforamento negativo, com ou sem o envolvimento

    de regras) e podem tambm ser recuperados por meio de programas especiais

    de treinamento ou terapia.

    As diversas situaes e demandas sociais envolvem uma gama de

    habilidades, algumas mais gerais e outras bastante especficas e complexas.

    Como forma de identificar estes comportamentos e facilitar o planejamento de

    programas de Treinamento de Habilidades Sociais, A. Del Prette, e Z. A. P. Del

    Prette, (2001) sugerem uma organizao de classes e subclasses de habilidades

    sociais, propondo sete conjuntos (classes mais gerais) de habilidades sociais

    relevantes para a avaliao e interveno com adultos: de automonitoria; de

    comunicao; de civilidade; assertivas, direito e cidadania; empticas; de

    trabalho; de expresso de sentimento positivo. Cada uma destas classes de

    comportamento composta de vrias subclasses.

    O repertrio de habilidades sociais de um indivduo (e sua competncia

    social) ir determinar grande parte da qualidade de suas relaes interpessoais,

    4

  • destacando-se, neste estudo, as relaes no contexto do casamento. Algumas

    das classes de habilidades sociais anteriormente referidas, so particularmente

    crticas para a qualidade do relacionamento conjugal. Considerando-se a

    classificao proposta por Del Prette, A. e Del Prette, Z. A. P. (2001), pode-se

    efetuar uma anlise mais detalhada do papel potencial, nas relaes conjugais,

    das seguintes habilidades: assertivas, empticas, de expresso de sentimento

    positivo, de automonitoria, de civilidade e de comunicao, mais

    detalhadamente tratadas a seguir.

    A assertividade, por alguns autores considerada como um conceito

    equivalente ao de competncia social (p.e. Caballo, 1993), por outros

    entendida como uma das principais classes do conjunto das habilidades sociais

    (Del Prette & Del Prette, 1999; Hidalgo & Abarca, 1992; Alberti & Emmons, 1978).

    Del Prette e Del Prette (2003) fazem uma reviso na literatura do Treinamento

    Assertivo apresentando o histrico e a evoluo do conceito de assertividade.

    Segundo esses autores, o Treinamento Assertivo comeou a ser difundido nos

    anos 50 e teve maior destaque nos anos 70, com base em estudiosos como

    Wolpe (1976), Lazarus (1968), Alberti e Emmons (1978). O conceito de

    assertividade foi definido como a afirmao direta dos direitos individuais e a

    expresso de sentimentos e crenas, de modo claro, com controle da ansiedade

    e de forma a no violar os direitos do outro (Wolpe, 1976; Wolpe & Lazarus, 1966).

    A literatura em geral coloca o termo assertividade em oposio no-

    assertividade (referindo-se a ausncia de comportamentos de expresso e

    defesa de direitos) e agressividade (comportamentos que tendem a violar os

    direitos do outro). Desta forma, Alberti e Emmons (1978) e Lange e Jakubowski,

    (1976) j conceituavam, discutiam e exemplificavam o comportamento assertivo

    em oposio ao no assertivo e ao agressivo. Para estes autores, a reao

    5

  • assertiva caracteriza-se por geralmente atingir os objetivos, aumentar a auto-

    apreciao de seu emissor e expressar honestidade. J a reao no-assertiva

    evidencia uma negao e inibio dos sentimentos do emissor, podendo se

    associar ansiedade e a uma baixa auto-estima, alm de ter pouca

    probabilidade de atingir os objetivos da relao interpessoal. A reao agressiva,

    por sua vez, na maioria das vezes consegue atingir os objetivos, mas custa de

    infringir o direito do outro ou desrespeit-lo. O emissor, mesmo que se perceba

    como expressivo, compromete o relacionamento, pois magoa a pessoa com

    quem interagiu.

    Os conceitos de assertividade, at aqui apresentados, tm sido

    questionados por alguns autores que sugerem uma definio menos estrita e

    uma maior variabilidade de tipos de comportamentos considerados assertivos.

    Hargie (apud Del Prette & Del Prette, 2003) prope o fim da dicotomia entre

    assertivo/agressivo, passivo/assertivo, substituindo-a por um contnuo em que a

    agressividade e a passividade se situariam nos extremos, com a assertividade no

    ponto intermedirio.

    Aperfeioando ainda mais essa concepo de um contnuo, Del Prette e

    Del Prette (2003) propem levar em conta o carter situacional, mais

    especificamente considerando a subcultura na qual o comportamento ocorre.

    Desta forma, o contnuo passividade-assertividade-agressividade teria um carter

    flexvel, entendendo como varivel a distncia passividade-assertividade e

    assertividade-agressividade, de acordo com o carter situacional e a subcultura

    na qual o comportamento est ocorrendo. Mesmo levando em conta esse

    contnuo, principalmente em termos de caractersticas da topografia do

    comportamento, possvel identificar as habilidades mais especficas que fazem

    parte dessa classe.

    6

  • Considerando a tendncia clssica da literatura (revisada por Del Prette &

    Del Prette, 2001), de classificar como assertivas as habilidades que envolvem

    enfrentamento de situaes onde h risco potencial de reao indesejvel do

    interlocutor, as principais habilidades que compem a classe das assertivas

    seriam: manifestar opinio, concordar, discordar; fazer e recusar pedidos;

    desculpar-se, admitindo falhas; expressar desagrado, pedir mudana de

    comportamento do outro e lidar com crticas (fazer, aceitar, recusar). fcil

    pensar que essas habilidades devem fazer parte de interaes conjugais onde os

    dois cnjuges expressam abertamente seus pensamentos, sentimentos e opinies,

    bem como os possveis efeitos negativos, sobre a qualidade e sinceridade dessa

    relao, quando tais comportamentos so inviabilizados por algum motivo.

    As habilidades empticas, uma classe especialmente importante no

    contexto conjugal, so definidas como a capacidade de compreender e sentir

    o que algum pensa e sente em uma situao de demanda afetiva,

    comunicando-lhe adequadamente tal compreenso e sentimento (Del Prette &

    Del Prette, 2001, p. 86). A empatia envolve trs componentes: o cognitivo

    (interpretar e compreender os sentimentos do outro); o afetivo (experenciar a

    emoo do outro); e o comportamental (expressar compreenso e sentimentos

    relacionados demanda do outro). Entre os componentes desta classe, podem

    ser particularmente relevantes para o contexto conjugal as habilidades de

    expressar compreenso, oferecer apoio, validar e refletir os sentimentos do outro.

    Thomas e Fletcher (1997) apontam a acuracidade emptica como, via de regra,

    importante para as relaes ntimas, estando associada a uma maior

    estabilidade e satisfao na relao. Christensen et al. (2004), apontam o

    engajamento dos cnjuges em comportamentos empticos como parte

    integrante da proposta da Terapia de Casais Integrativa.

    7

  • A automonitoria outra classe de comportamentos a ser considerada. Na

    definio de Del Prette e Del Prette (2001), considerando as interaes com o

    ambiente social, podemos conceber o automonitoramento como uma

    habilidade metacognitiva e afetivo-comportamental pela qual a pessoa

    observa, descreve, interpreta e regula seus pensamentos, sentimentos e

    comportamentos em situaes sociais (p. 62). Os autores no citam subclasses

    nesta categoria de habilidades sociais, pois ela j traz implcitos comportamentos

    requeridos para o seu desempenho. Gottman e Rushe (1995), em sua proposta

    de uma Terapia Conjugal Mnima, destacam o papel da identificao de

    alterao de estados fisiolgicos (em si e no outro) como habilidade (de

    automonitoria) a ser trabalhada pelos casais. Alm disso, a construo de

    relaes mutuamente satisfatrias certamente implica em sensibilidade de cada

    um dos cnjuges para observar e regular o efeito dos prprios comportamentos

    sobre o outro, o que constitui a base da automonitoria nesse contexto.

    A classe de habilidades para expresso de sentimento positivo

    caracteriza-se pelo seu carter positivo que denota sade e equilbrio emocional

    nas relaes interpessoais, alm de satisfao com os comportamentos

    apresentados pelo outro. O desempenho desta habilidade depende menos de

    componentes verbais e mais dos no verbais como gestos, expresso facial,

    toques. Uma das subclasses apontada por Del Prette e Del Prette (2001), a ser

    aqui destacada a de cultivar o amor, o que tambm pode ser feito por meio

    de expresso verbal e gestual de sentimentos de carinho. A expressividade de

    sentimentos positivos, de forma geral, tem sido identificada por vrios autores

    (Langis, Sabourin, Lussier & Mathieu, 1994; Rang & Dattilio, 1995; Snyder, Cozzi, &

    Luebbert, 2001) como habilidade crucial para consolidar o carter afetivo do

    relacionamento conjugal.

    8

  • As habilidades sociais de civilidade compem uma classe de

    comportamentos relacionados ao que o senso comum denomina boa

    educao. So desempenhos simples, padronizados segundo o contexto em

    que ocorrem, envolvendo habilidades (dizer por favor, agradecer, pedir licena

    entre outras) que so requeridas em encontros breves, situaes de pouca

    intimidade ou envolvimento emocional (Del Prette & Del Prette, 2001). No

    entanto, as relaes de intimidade, caractersticas do relacionamento conjugal

    tambm demandam tais comportamentos, medida que denotam cortesia,

    gentileza e delicadeza no tratamento com o outro, podendo ser consideradas

    complementares s habilidades de expresso emocional positiva.

    H ainda um conjunto de habilidades sociais definidas por Del Prette e Del

    Prette (2001) como habilidades de comunicao. Diversos autores (Gottman &

    Rush, 1995; Rang & Datilio, 1995; Zimerman, 2000; Snyder, Cozzi & Luebbert, 2001)

    tm apontando a importncia da comunicao no relacionamento conjugal:

    Zimerman (2000) aponta os mal-entendidos na comunicao como um dos

    motivos mais manifestos para a procura de tratamento; Snyder, Cozzi e Luebbert

    (2001) relatam que um ponto forte a ser trabalhado na terapia conjugal a

    comunicao do casal; Rang e Dattilio (1995) analisam trs enfoques de terapia

    de casal dos quais dois enfatizam o treinamento em comunicao e o terceiro o

    ensino de habilidades expressivas como propostas de tratamento; Gottman e

    Rush (1995) incluem o treinamento em comunicao na proposta da Terapia

    Conjugal Mnima. Do conjunto de classes de comportamentos definidos como

    comunicao, por Del Prette e Del Prette (2001), podem ser destacadas, como

    particularmente relevantes no contexto conjugal: fazer e responder perguntas,

    elogiar, manter e encerrar conversao, ouvir atentamente e de forma no

    9

  • defensiva (esperar o outro terminar o que tem a dizer para depois manifestar

    opinio).

    1.1.2. Habilidades sociais e relacionamento conjugal

    Entre os vrios contextos de interaes sociais que os indivduos vivenciam,

    o do relacionamento conjugal (na unio legal ou consensual) de extrema

    importncia, medida que seu sucesso ou fracasso determinante para a

    qualidade de vida dos envolvidos. Alm disso, as relaes com outros membros

    da famlia (principalmente com os filhos) so influenciadas pela qualidade do

    relacionamento entre os cnjuges (Feldman & Wentzel, 1990).

    Segundo Silliman, Stanley, Coffin, Markman e Jordan (2002), os laos

    conjugais criam nichos sociais e de desenvolvimento importantes, promovendo

    conseqncias emocionais de grande impacto para o bem-estar dos adultos,

    crianas e comunidade.

    O fato de ter um bom casamento produz status e aceitao social, bem

    como ganhos afetivos e emocionais. Alm das cincias, outros tipos de

    conhecimento como a religio, as crenas populares e o senso comum buscam

    e indicam formas de obter um relacionamento amoroso satisfatrio. Diversos

    campos de conhecimento cientfico (tanto na rea psicolgica como reas

    mdicas, sociais e outras) tm focalizado estas questes, abordando temas

    como relacionamento conjugal, famlia, amor, sexo e outros relacionados. Porm,

    apesar do grande nmero de informao nesta rea do conhecimento, h

    ainda lacunas a serem preenchidas. Os relacionamentos sociais, em qualquer

    contexto e instituio social, no so estticos; ao contrrio, passam por

    mudanas que exigem novos posicionamentos e novas formas de comportar-se.

    Este tambm o caso do casamento, que passa por crises ao longo da

    vida do casal e por mudanas sociais ao longo da histria, com a necessidade

    10

  • de reformulao dos papis de esposa, marido, pai e me, medida que a

    sociedade muda, criando novas demandas de atuao dos indivduos. Jablonski

    (1991-1998) aponta algumas questes sociais e culturais que parecem estar na

    base das crises mais comuns do casamento contemporneo: mudanas na

    vivncia religiosa dos indivduos, modernizao e urbanizao, aumento da

    longevidade, emancipao feminina, entre outros aspectos. Estes fatores,

    certamente iro influenciar o relacionamento do casal, embora possam ser

    considerados externos ao relacionamento, propriamente dito.

    Ao longo da histria, a investigao e tratamento das dificuldades

    conjugais foram realizados sob diferentes prismas. Monteiro (2001), numa anlise

    sobre a evoluo da conjugalidade, sugere que, at certo perodo, o estudo das

    interaes familiares era focado nas motivaes individuais inconscientes,

    passando, a partir da dcada de 50, a se pautar pelo campo das interaes

    sociais. Snyder, Cozzi e Mangrum (2002) criticam as abordagens psicodinmicas,

    anteriores aos modelos atuais de terapia conjugal e familiar, por enfatizarem a

    psicopatologia individual em detrimento dos processos didicos e familiares. Esses

    autores criticam, tambm, as abordagens sistemticas subseqentes que,

    inicialmente, enfatizavam influncias sociais mais amplas deixando de lado os

    fatores individuais.

    H a necessidade, portanto, de analisar as questes interpessoais,

    subjacentes ao relacionamento do casal e ao comportamento de cada

    cnjuge, que so objeto de estudo e interveno da Psicologia.

    As classes e subclasses de habilidades sociais destacadas na seo

    anterior (assertivas, empticas, de automonitoria, de expresso de sentimento

    positivo, de civilidade e de comunicao), tm sido apontadas como

    importantes ingredientes dos relacionamentos conjugais. Muitos estudos tm sido

    11

  • feitos a respeito da ocorrncia destes e de outros comportamentos interpessoais

    no casamento, ressaltando a sua importncia para um relacionamento conjugal

    satisfatrio (Bratfisch, 1997; Sanders, Halford & Behrens, 1999; Starkey, 1991; Rang

    & Dattilio, 1995; Del Prette, A. & Del Prette, Z. A. P. , 2001; Gottman & Rushe, 1995;

    Schaper, 2000; Flora & Segrin, 1999).

    Pesquisando os efeitos de um Programa de Treinamento de Habilidades

    Sociais (THS) para casais no-disfuncionais (i.e., que no estavam em terapia,

    nem com srios problemas de relacionamento ou em vias de separar-se),

    Bratfisch (1997) verificou que os participantes relataram ganhos no

    relacionamento conjugal e que esses ganhos estavam associados aquisio e

    aumento de freqncia no desempenho de vrias habilidades tais como:

    expresso de sentimentos positivos, manejo de crticas, resoluo de problemas,

    valorizao recproca pelos cnjuges, lidar com direitos e deveres, qualidade da

    comunicao, expresso de confiana mtua, utilizao de feedback e

    assertividade. Pesquisas realizadas por Sanders, Halford e Behrens (1999)

    apontaram, tambm, a importncia do repertrio de habilidades sociais

    previamente ao casamento, no sentido dos pares se comunicarem de forma

    efetiva, preparando-se para o casamento, falando de seus objetivos de vida,

    sonhos e expectativas. Os autores estabeleceram uma relao entre histria de

    divrcio e falhas de comunicao antes do casamento.

    Em muitos casos de separao e/ou busca de auxlio teraputico, tem-se

    constatado1 que h dificuldades de um ou ambos os cnjuges no que diz

    respeito s habilidades interpessoais. Estas pessoas, por algum motivo, no

    desenvolveram um repertrio de habilidades necessrias para se comunicarem,

    1 Dados de observao e experincia clnica da autora.

    12

  • expressarem sentimentos, opinies e desejos, ouvirem o outro, criando um

    ambiente aversivo para ambos, com escassez de reforadores positivos.

    Por outro lado, observa-se que cnjuges extremamente competentes

    socialmente, que conseguem reforar-se mutuamente, expressar seus

    sentimentos, desejos e opinies, estabelecem um ambiente saudvel de

    convivncia, possibilitando o desenvolvimento pessoal de ambos e a educao

    de seus filhos para serem tambm emocionalmente saudveis e socialmente

    competentes.

    Os aspectos reforadores dos relacionamentos conjugais, ou seja, mais

    conseqncias recompensadoras que negativas e reciprocidade do casal na

    emisso de reforadores, possibilitam a manuteno do relacionamento,

    maximizando sua qualidade. Analisando a importncia do repertrio de

    habilidades sociais em uma situao especfica em que a esposa passou a

    trabalhar fora de casa, Starkey (1991) encontrou que a competncia social do

    marido foi um fator fundamental para que o relacionamento conjugal no se

    desmoronasse quando ela passava a obter rendimentos com seu trabalho.

    Muitas pessoas encontram dificuldade em manter a qualidade dos

    relacionamentos e acabam buscando ajuda teraputica. Rang e Dattilio (1995)

    analisaram trs enfoques da terapia de casal: o comportamental (Bandura,

    Jacobson), o cognitivo (Beck, Dattilio) e o integrativo dos aspectos

    comportamental, cognitivo e afetivo (Guerney). Apesar de algumas diferenas

    apontadas, os trs modelos defendem a necessidade de instrumentalizar os

    membros do casal em termos de habilidades interpessoais, especialmente as de

    comunicao e resoluo de problemas, consideradas cruciais para o bom

    relacionamento. O enfoque comportamental de Jacobson ressalta a

    importncia do repertrio de habilidades de comunicao no relacionamento

    13

  • conjugal, sugerindo treinamento especfico, sempre que sejam constatados

    dficits nestas e em outras habilidades (comportamentais e cognitivas)

    importantes. A. Del Prette, e Z. A. P. Del Prette (2001) tambm discorrem sobre a

    importncia do desempenho social, por parte dos cnjuges, para lidar com as

    demandas do relacionamento familiar, defendendo que a qualidade deste

    desempenho poder ser fonte de satisfao ou conflitos no relacionamento do

    casal.

    Em uma reviso da histria da Terapia Conjugal, Gottman e Rushe (1995)

    discutem os resultados das vrias propostas teraputicas relatadas na literatura,

    concluindo que nenhuma abordagem conseguiu mostrar superioridade sobre as

    outras. Analisando mais detalhadamente os ingredientes comuns das terapias

    bem sucedidas, esses autores propem o que denominaram de Terapia Conjugal

    Mnima (TCM), incluindo vrios componentes que remetem, direta ou

    indiretamente, competncia social dos cnjuges. Especificamente, destacam

    as seguintes habilidades que, independentemente de diferenas tericas,

    deveriam ser objeto de ateno em uma TCM: (a) acalmar-se e identificar

    alterao dos estados fisiolgicos do cnjuge2; (b) ouvir o cnjuge de forma no

    defensiva; (c) validar a fala do cnjuge, referindo-se ao ouvir ativo, um

    componente da compreenso emptica; (d) substituir esquemas disfuncionais

    de interao do casal de modo a romper o ciclo queixa-crtica-comportamento

    defensivo-desdm ou de desprezo-afastamento; (e) ter sensibilidade aos estilos

    de persuaso do parceiro para, em meio a uma discusso, evitar que ela

    continue e se agrave (modelo cascata).

    2 Os autores chamam de estados de DPA (diffuse physiological arousal).

    14

  • 1.1.3. Satisfao conjugal e Habilidades Sociais

    So vrias as definies de satisfao conjugal encontradas na literatura e

    no h um consenso entre elas (Spanier, 1976 apud Farias, 1994). Ainda que

    defendendo a satisfao conjugal como um fator fundamental na vida de um

    casal, Perlin (2001) se refere a esta falta de consenso, na terminologia e nas

    definies, como uma polmica que ainda est longe de ser resolvida.

    Farias (1994) define satisfao conjugal e felicidade conjugal como

    referentes aos sentimentos e comportamentos positivos de cada indivduo em

    relao ao parceiro e sua experincia compartilhada.

    Segundo Norgren (2002), o conceito de satisfao conjugal subjetivo, j

    que satisfao implica ter as prprias necessidades e desejos satisfeitos, assim

    como corresponder ao que o outro espera, definindo o dar e receber de forma

    espontnea [...], relaciona-se com bem-estar, contentamento, companheirismo,

    afeio e segurana, fatores que propiciam intimidade no relacionamento, e,

    ainda, interferem no nvel de expectativa de cada um dos parceiros para com a

    relao (Norgren, 2002, p. 60-61).

    Neste estudo, satisfao conjugal est sendo entendida como um

    conceito relativo a um conjunto de variveis envolvendo: (a) interao com o

    cnjuge; (b) aspectos emocionais do parceiro; e (c) aspectos prticos do

    casamento (estruturais).

    Alm da inexistncia de um consenso na conceituao do termo

    satisfao conjugal, h tambm divergncias e diversidade nos estudos com

    relao a aspectos envolvidos na determinao da satisfao conjugal. Sabe-se

    que muitos fatores influenciam na satisfao conjugal, porm no h uma

    sistematizao destes em torno de uma determinao.

    15

  • Spanier e Lewis (1980, apud Dela Coleta 1989) apontam que um dos mais

    significativos desenvolvimentos na pesquisa conjugal dos anos 70 foi o

    reconhecimento de que a qualidade [do relacionamento conjugal] envolve um

    fenmeno multidimensional. Neste caso, qualidade e satisfao so entendidas

    como tendo o mesmo significado.

    Dos estudos disponveis que consideram fatores e dimenses da interao

    social potencialmente relacionados satisfao conjugal, somente um deles faz

    referncia explcita ao termo habilidades sociais (Flora & Segrin, 1999); os demais

    se referem ao estilo interpessoal e a pelo menos duas habilidades que, segundo

    o referencial terico da presente pesquisa, so classes de habilidades sociais -

    comunicao e resoluo de problemas embora os autores no faam essa

    vinculao.

    Estudando satisfao conjugal, complementaridade e estilos interpessoais,

    Schaper (2000) encontrou que a satisfao conjugal das mulheres foi afetada

    pelo estilo interpessoal dos homens, porm a satisfao destes no foi

    influenciada pelo estilo interpessoal das esposas, sendo afetada por seu prprio

    estilo interpessoal. Outros fatores, como a existncia de objetivos do casal e

    progressos em direo a eles, tambm proporcionaram nveis mais altos de

    satisfao conjugal.

    A satisfao conjugal est, ainda, indiretamente relacionada

    capacidade de resoluo de problemas, aqui entendida como um componente

    das habilidades sociais: no estudo de Dela Coleta (1992), experincias de sucesso

    na resoluo de problemas levaram o casal a aumentar suas expectativas de

    controle interno, o que estava relacionado a uma maior satisfao conjugal.

    Flora e Segrin (1999), pesquisando um grupo de cnjuges e namorados,

    concluram que indivduos com repertrio adequado de habilidades sociais tm

    16

  • maior probabilidade de apresentarem satisfao com o relacionamento (entre o

    casal) do que aqueles que no o desenvolveram. Ainda, parceiras de homens

    que apresentam bom repertrio de habilidades sociais tendem a relatar maior

    satisfao com o relacionamento. Apesar de esse estudo relacionar satisfao

    conjugal a classes de habilidades sociais, a questo da direo e intensidade da

    influncia das habilidades sociais para a satisfao conjugal no est

    claramente delimitada. Alm disso, parece no ter levado em conta as mltiplas

    dimenses que definem a natureza situacional-cultural dessas habilidades.

    Referindo-se a esse carter multidimensional das habilidades sociais, Del

    Prette e Del Prette (1999) enfatizam trs dimenses importantes na anlise de

    qualquer desempenho social que servem de base para caracteriz-lo como

    socialmente competente ou no competente: a pessoal, a situacional e a

    cultural. Essas trs dimenses so bastante sobrepostas e imbricadas entre si,

    embora suas caractersticas possam ser associadas, respectivamente, ao

    indivduo que est sendo objeto de avaliao em seu repertrio de habilidades

    sociais, situao imediata de interao em que ele se encontra e ao seu

    contexto histrico-cultural.

    A dimenso pessoal se refere pelo menos trs aspectos do desempenho

    do indivduo: (a) comportamental, que focaliza os aspectos verbais ou no

    verbais diretamente observveis do desempenho e que servem de base para

    caracteriz-lo como socialmente aceitvel; (b) cognitivo-afetivo, que focaliza as

    expectativas, crenas, conhecimentos prvios, estratgias e habilidades de

    processamento, que devem ser coerentes com o desempenho observvel; (c)

    fisiolgico, referindo-se s reaes autonmicas que caracterizam a facilidade

    ou dificuldade (grau de ansiedade, incmodo, mal estar) do indivduo em lidar

    com as diferentes demandas de interaes sociais, de acordo com os critrios

    17

  • estudados na literatura da rea. Pode-se incluir aqui, ainda, as caractersticas

    scio-demogrficas, que so inerentes ao indivduo, e que culturalmente so

    carregadas das expectativas que remetem dimenso cultural (Del Prette & Del

    Prette, 1999; 2001).

    A dimenso situacional refere-se s caractersticas dos interlocutores e da

    situao de interao, com seus papis, objetivos, familiaridade etc., criando

    demandas para desempenhos diferenciados que se ajustem a tais

    caractersticas. A dimenso cultural refere-se s regras, normas e valores

    culturalmente estabelecidos, ou seja, aos padres culturais que definem

    expectativas diferenciadas de desempenho social para os diferentes contextos

    de interao, em articulao com as dimenses pessoal e situacional.

    Focalizando essas dimenses, o estudo de Villa (2002) mostrou que os

    homens apresentaram menores escores em habilidades sociais do que mulheres

    (dimenso pessoal) em questes especificamente relacionadas ao casamento

    (dimenso situacional), enquanto que nas habilidades sociais em geral, ocorreu o

    inverso (dimenso situacional). A discusso sobre tais resultados levou em

    considerao as normas e valores culturalmente estabelecidos para os papis

    masculino e feminino (dimenso cultural), buscando-se, portanto, articular essas

    dimenses.

    A medida de satisfao conjugal tem sido um indicador importante da

    qualidade do relacionamento conjugal, porm, como se v, no h clareza na

    sua determinao e diversos fatores tm sido apontados, parte deles

    relacionados s habilidades conjugais. Alguns dos estudos aqui apresentados

    relacionaram a satisfao conjugal s habilidades sociais de modo indireto, ou

    seja, apontando alguns dos componentes das habilidades sociais relacionados

    satisfao conjugal sem considerar o conjunto de habilidades de forma

    18

  • sistemtica. Em apenas um dos estudos (Flora & Segrin, 1999) foi investigada a

    relao entre habilidades sociais e satisfao conjugal, no entanto, no foi

    possvel acessar a descrio dos comportamentos avaliados. Outros estudos

    apresentados enfatizaram a importncia das habilidades sociais para o

    relacionamento entre os cnjuges mas no avaliaram especificamente a

    influncias destas sobre a satisfao conjugal.

    1.2. Questes metodolgicas

    Nesta segunda parte sero descritos aspectos da metodologia de

    avaliao psicolgica, ou seja, teorias, modelos e mtodos para avaliao

    psicolgica de forma geral e, em especial, no campo das Habilidades Sociais.

    Sero abordados tambm conceitos relativos psicometria e construo de

    testes psicolgicos. luz destes conceitos, ser analisada a proposta

    (parcialmente desenvolvida no projeto de mestrado) de construo de um

    Inventrio de Habilidades Sociais Conjugais.

    1.2.1. O desafio metodolgico da avaliao psicolgica

    A elaborao e disponibilizao de testes psicolgicos dos mais variados

    so indiscutivelmente teis sociedade como um todo, servindo psicologia nas

    suas diversas reas (clnica, pesquisa, escolar, trabalho, organizaes,

    desenvolvimento etc). Porm, para que possam ser utilizados com segurana

    pelos psiclogos e pesquisadores, estes instrumentos precisam atender s

    exigncias da psicometria. O estudo da psicometria deixa clara a importncia

    da ateno aos parmetros que visam fazer dos testes psicolgicos instrumentos

    realmente confiveis para medir o que se prope.

    A construo de testes psicolgicos envolve vrias fases de elaborao,

    aplicao e verificao das caractersticas psicomtricas at chegar a um

    19

  • instrumento realmente preciso e normatizado para aplicao na populao. Este

    processo demanda estudos avanados da teoria que fundamenta a rea a ser

    avaliada, diversas anlises estatsticas, vrias aplicaes, enfim, um investimento

    de longo prazo que deve ser considerado. Estando o instrumento concludo e as

    caractersticas psicomtricas avaliadas satisfatoriamente, devem ser

    determinadas as normas para o teste e estas constantemente revisadas a fim de

    garantir um instrumento adequado para a populao e o mais abrangente

    possvel.

    Os estudos e produtos relacionados aos diversos instrumentos e

    procedimentos para avaliar caractersticas psicolgicas das pessoas compem

    uma rea da Psicologia denominada Psicometria. Segundo Da Silva (2003) este

    campo desenvolveu-se a partir do incio do sculo XIX, atendendo

    necessidade de discriminar indivduos, em funo de suas caractersticas, para

    objetivos clnicos, educacionais ou de trabalho. Este mesmo autor afirma que a

    testagem psicolgica um dos campos mais amplos da psicologia aplicada e

    uma das mais importantes contribuies da cincia psicolgico/comportamental

    para a sociedade.

    Anastasi e Urbina (2000) caracterizam testes psicolgicos como uma

    amostra comportamental, uma medida objetiva e padronizada de uma amostra

    de comportamento. Referindo-se especificamente ao instrumento, enquanto

    condio estmulo, mais do que aos resultados, Da Silva (2003) define teste

    psicolgico como uma situao experimental padronizada que serve de

    estmulo a um dado comportamento ou construto que se pretende mensurar.

    Esse comportamento avaliado mediante uma comparao estatstica com

    comportamentos similares de outros indivduos na mesma situao (Da Silva,

    2003, p. 149).

    20

  • Na construo dos testes psicolgicos essencial a verificao e garantia

    de propriedades ou caractersticas desse instrumento, que so fidedignidade,

    validade, padronizao e ausncia de vieses (Alchieri & Cruz, 2004; Anastasi &

    Urbina, 2000, Da Silva, 2003; Pasquali, 2003). A verificao das caractersticas

    psicomtricas dos testes tem sido tema de vrios estudos no Brasil no sentido de

    melhorar sua qualidade (Alchieri & Cruz, 2004) e se consolida atualmente no pas

    com a sistemtica de avaliao pelo Conselho Federal de Psicologia3.

    Atendendo a esta exigncia, durante e aps a construo dos itens,

    devem ser realizados vrios procedimentos com a finalidade de assegurar e

    verificar as caractersticas de fidedignidade e validade do instrumento, aqui se

    incluindo a anlise de itens que visa simultaneamente as duas caractersticas

    anteriores e que ser tratado separadamente ao final desta seo (Anastasi &

    Urbina, 2000, Da Silva, 2003; Pasquali, 2003).

    A fidedignidade ou confiabilidade de um teste refere-se consistncia

    dos escores obtidos pelas mesmas pessoas quando elas so reexaminadas com o

    mesmo teste em diferentes ocasies, ou com diferentes conjuntos de itens

    equivalentes, ou sob outras condies variveis de exame (Anastasi & Urbina,

    2000, p.84). H vrios mtodos utilizados para estimar a fidedignidade, dentre os

    quais pode-se destacar:

    a) Teste-reteste. Consiste em repetir o teste aps um tempo determinado

    na mesma populao avaliando a persistncia dos resultados. Esta seria a forma

    mais bvia ou mais direta de verificar a fidedignidade dos escores de um teste

    (Anastasi & Urbina, 2000; Da Silva, 2003). Neste caso, o coeficiente de

    fidedignidade a correlao entre os escores obtidos pelas mesmas pessoas nas

    duas aplicaes, correlao produto-momento de Pearson (Da Silva, 2003). A 3 www.pol.org.br

    21

  • fonte de varincia de erro considerada no teste-reteste a amostragem de

    tempo.

    b) Formas paralelas ou forma-alternada. Consiste em aplicar duas verses

    equivalentes de um mesmo teste, em que ambas meam o mesmo construto,

    porm com diferentes itens. O coeficiente de fidedignidade obtido

    calculando-se a correlao produto-momento de Pearson entre os escores das

    duas formas. Este coeficiente uma medida tanto da estabilidade temporal

    quanto da consistncia da resposta a diferentes itens. A fonte de varincia de

    erro considerada nas formas paralelas a amostragem de contedo ou tempo e

    contedo na forma retardada.

    c) Mtodo das metades ou split half. Esta uma forma de estimar a

    fidedignidade bastante semelhante ao das formas paralelas, porm, ao invs de

    ser aplicado outro teste (paralelo) um mesmo teste dividido ao meio e suas

    metades so correlacionadas. A base desta verificao tambm a correlao

    produto-momento de Pearson, que representa a correlao de metade do teste,

    porm, para obter a fidedignidade total do teste deve-se aplicar a frmula

    Spearman-Brown. A fonte de varincia de erro considerada no mtodo das

    metades a amostragem de contedo.

    d) Fidedignidade de Kuder-Richardson e Coeficiente Alfa. Esta forma

    baseia-se na consistncia das respostas a todos os itens do teste; consistncia

    interiten que influenciada por duas fontes de varincia de erro: amostragem do

    contedo e heterogeneidade do domnio comportamental amostrado. Esta

    medida calculada a partir da frmula de Kuder-Richardson ou coeficiente alfa

    (Anastasi & Urbina, 2000).

    O conceito de validade de um teste refere-se quilo que o teste mede e

    se o faz bem (Anastasi & Urbina, 2000). A validade nos diz a respeito do que o

    22

  • teste est medindo, ou seja, o seu significado. Desta forma, dizer que um teste

    apresenta boas medidas de validade dizer que realmente tem capacidade de

    medir o que est se propondo a medir. consenso na psicometria que a prova

    de validade das medidas na cincia psicosocial indispensvel (Anastasi &

    Urbina, 2000; Da Silva, 2003; Pasquali, 2003). Segundo Da Silva (2003) a validade

    a caracterstica mais importante na avaliao de um teste; a medida de quo

    til um teste, se ele est ou no mensurando os atributos do mundo real que se

    prope a mensurar. Desde o incio da construo de um teste a validade deve

    ser objeto de preocupao, j desde a escolha dos itens (Anastasi & Urbina,

    2000). Para o desenvolvimento de um teste vlido so aplicados vrios

    procedimentos durante todo processo de construo do mesmo.

    H vrias formas de estimar a validade, mas importante ressaltar que se

    trata de uma propriedade que cumulativamente construda por um conjunto

    de evidncias. A seguir descreveremos os vrios tipos de validade.

    a) Validade Aparente. A validade aparente refere-se ao processo de

    aceitabilidade dos itens do teste tanto quanto pelo construtor do teste quanto

    pelo examinando, com relao operao que est sendo desempenhada

    (Da Silva, 2003, p. 155). Anastasi e Urbina (2000) destacam que este conceito no

    se refere ao contedo que efetivamente o teste mede e, sim, ao que ele parece

    medir, no sentido que causar uma boa impresso ao sujeito facilitando a

    seriedade em sua execuo.

    b) Validade de contedo. Este tipo de validade de um teste examina a

    extenso em que a especificao sobre a qual ele foi construdo reflete o

    propsito para o qual est ele sendo desenvolvido (Da Silva, 2003, p. 155).

    Verifica se o teste abrange amostra representativa das habilidades e

    conhecimentos especificados e se o desempenho do sujeito no teste est livre de

    23

  • variveis irrelevantes (Anastasi & Urbina, 2000). Ou seja, de forma mais geral,

    pode-se dizer que a validade de contedo se refere ao quanto um conjunto de

    itens (o teste) representativo de um universo definido.

    c) Validade preditiva (de critrio). uma estatstica de validade e indica a

    efetividade do teste para predizer o desempenho de um sujeito em atividades

    especificadas por um perodo de tempo. A validade preditiva determina o valor

    prognstico de um teste, ou seja, se aquilo que foi previsto realmente

    confirmado com os resultados do teste (Da Silva, 2003).

    d) Validade concorrente. uma validade estatstica e descreve a

    correlao de um novo teste com outros j existentes que medem supostamente

    o mesmo tipo de construto (Da Silva, 2003). Segundo Anastasi e Urbina (2000), a

    validade concorrente atende ao objetivo especfico de medir as habilidades

    disponveis no momento da testagem e no depois como no caso da validade

    preditiva.

    e) Validade de construto - Anlise fatorial. A Validade de construto de um

    teste, segundo Anastasi e Urbina (2000), pode ser verificada utilizando-se o

    procedimento de anlise fatorial. A Anlise Fatorial est intimamente ligada

    validade de um teste (Laros, 2002; Anastasi & Urbina, 2000). Trata-se de uma

    tcnica estatstica, derivada da matemtica, imprescindvel para a psicometria,

    principalmente para validao de testes psicolgicos (Pasquali, 2002); Laros

    (2002) esclarece que um dos procedimentos psicomtricos mais utilizados para

    a construo e reviso de instrumentos de avaliao psicolgica. Anastasi e

    Urbina (2000) destacam a relevncia da anlise fatorial procedimentos de

    validao de construto, j que um meio de identificao de traos

    psicolgicos medidos pelo teste.

    24

  • A Anlise Fatorial consiste em uma srie de tcnicas estatsticas utilizando

    anlises multivariadas e matrizes de intercorrelaes entre as variveis envolvidas

    (itens do teste). Tem como finalidade verificar a possibilidade de agrupar vrios

    itens do teste numa nica varivel ou dimenso, nomeada fator, no qual as

    variveis envolvidas encontram-se relacionadas (Pasquali, 2003; Tabachnick &

    Fidell, 2001). Em outras palavras, a Anlise Fatorial serve para verificar a

    dimensionalidade do instrumento, ou seja, se ele mede um fator (construto)

    apenas ou quantos fatores ele esta avaliando e quais itens compem cada fator

    (Pasquali, 2002).

    A carga fatorial de cada item varia de 1.0 a +1.0 e mostra a relao

    (expressa pela correlao ou covarincia) deste com o fator, sendo que, quanto

    maior a carga mais relacionado est. Neste sentido, itens com cargas fatoriais

    altas em determinado fator (itens unidimensionais) devem constitu-lo, enquanto

    que itens cargas fatoriais baixas (prximo de zero) para determinado fator so

    estranhos a ele e devem ser descartados (Pasquali, 2003).

    A anlise fatorial feita a partir de uma matriz de correlaes, ou seja, os

    resultados das diversas variveis envolvidas em determinado estudo so

    correlacionados entre si formando esta matriz de correlaes e a entra a anlise

    fatorial (Pasquali, 1999). Ou seja, esta tcnica analisa inter-relaes de dados

    comportamentais (Anastasi & Urbina, 2000). Segundo Laros (2002), h vrios tipos

    de usos e tcnicas de anlise fatorial (confirmatrias e exploratrias) que devem

    ser definidos pelo pesquisador, conforme os seus objetivos, e tambm diversas

    decises a serem tomadas pelo pesquisador em conjunto com o estatstico com

    relao natureza e tamanho da amostra, adequao da distribuio das

    variveis observadas, seleo das variveis a serem submetidas anlise,

    incluso de variveis marcadoras, nmero e fatores extrair, anlise de

    25

  • componentes principais ou comum, procedimento de rotao, interpretao

    dos resultados, investigao de soluo hierrquica, clculo de escores fatoriais,

    realizao de estudo de validade cruzada, investigao da invarincia da

    estrutura fatorial em amostras diferentes, seleo dos resultados na publicao.

    A Anlise Fatorial produz escores fatoriais, ou seja, estimativas dos

    escores dos indivduos que compem a amostra, medidos em termos de

    cada um dos fatores obtidos. Pode se dizer que os escores fatoriais

    correspondem a uma combinao linear das estimativas dos fatores

    obtidos na anlise fatorial, ou seja, os escores fatoriais podem ser

    representados por uma regresso dos fatores sobre as variveis

    padronizadas (Tabachnick & Fidell, 1996).

    Alm dos mtodos anteriores, um procedimento importante, j durante a

    construo dos itens de um instrumento, para assegurar sua validade e

    fidedignidade a Anlise de Itens. Anastasi e Urbina (2000) apresentam duas

    formas de analisar os itens: quantitativa (propriedades estatsticas) e

    qualitativamente (quanto ao seu contedo e forma). A anlise qualitativa

    compreende a considerao da validade de contedo e avaliao dos itens

    quanto sua redao. A anlise quantitativa trata da mensurao da

    dificuldade e do poder de discriminao de cada item. Os itens devem ser

    analisados cuidadosamente pelo pesquisador, de forma a garantir,

    antecipadamente, um instrumento confivel. Neste sentido, Pasquali (1999)

    tambm sugere uma anlise terica dos itens a fim de assegurar a validade de

    um teste, ou seja, verificar se os itens realmente representam o construto a ser

    avaliado. Esta anlise terica constitui-se de Anlise Semntica dos Itens e

    Anlise de Juzes. A Anlise Semntica tem como objetivo verificar se os itens so

    26

  • compreensveis para todo o pblico alvo (se so inteligveis para extratos

    avanados em escolaridade e se so elegantes para uma amostra mais

    sofisticada). A Anlise dos Juzes, tambm chamada de anlise de contedo,

    tem como objetivo verificar se os comportamentos avaliados em cada item

    esto verdadeiramente representando o construto a ser avaliado.

    1.2.2. Vantagens e limitaes dos instrumentos de auto-relato (inventrios)

    Os inventrios so instrumentos h muito utilizados para avaliao das

    habilidades sociais, especialmente os de auto-relato com adultos, deste o incio

    do surgimento do Treinamento Assertivo. H uma gama de inventrios de

    habilidades sociais na literatura, enfocando tanto a avaliao da dimenso

    comportamental como tambm a cognitivo-afetiva das habilidades sociais (Del

    Prette & Del Prette, 1999).

    Trower (1995) coloca as medidas de auto-relato como uma das formas de

    avaliao possveis em habilidades sociais que, apesar de receber crticas por

    suas limitaes (simplismo com relao natureza da interao social,

    problemas de descontextualizao e linguagem), tm evoludo no sentido de

    aceitao psicomtrica e possibilidades de anlises estatsticas das

    caractersticas da interao social.

    Com relao a instrumentos de auto-relato, Caballo (1993) afirma que a

    estratgia mais empregada para avaliao de habilidades sociais tanto de

    forma geral como para atributos especficos (i.e., ansiedade). Em pesquisas,

    permite avaliar grande quantidade de sujeitos em pouco tempo com economia

    de tempo e energia, explorando grande amplitude de comportamentos, muitos

    deles de difcil acesso pblico (observao). Na clnica, permite uma rpida

    viso das dificuldades do cliente, que posteriormente sero investigadas de

    outras formas. Tambm como medida pr e ps-treino.

    27

  • A idia bsica subjacente a estas medidas parece ser geralmente a

    mesma: conseguir uma amostra representativa das respostas de um sujeito

    a um conjunto de temas supostamente selecionados as partir de uma

    rea comum de situaes interpessoais (Caballo, 1993, p. 123).

    Tal como outros mtodos de avaliao, os instrumentos de auto-relato

    devem ser utilizados com cautela e sempre associados a outros mtodos, sob

    uma perspectiva multimodal que considera o carter multidimensional das

    habilidades sociais.

    A despeito dos ganhos decorrentes da possibilidade de avaliar

    competncia social e habilidades sociais e do emprego do auto-relato para esta

    finalidade, h tambm dificuldades a serem consideradas.

    Uma das dificuldades encontradas na avaliao das habilidades sociais,

    segundo Del Prette e Del Prette (1999), a diversidade dos conceitos de

    competncia social e habilidades sociais, decorrentes da multidimensionalidade

    do desempenho social e heterogeneidade de seus componentes. Alem disso, os

    autores apontam como dificuldade a falta de consenso na definio de

    competncia social.

    Outro aspecto, inerente avaliao de construtos psicolgicos em geral,

    e, portanto, tambm o de habilidades sociais, a falta de um critrio externo

    para validar os resultados da avaliao. Porm, a prpria Psicometria se

    encarrega de minimizar isto, propondo a utilizao de critrios e testes de

    fidedignidade. Isto se d atravs de vrias estratgias, tais como: avaliao da

    sensibilidade da escala a efeitos de tratamento, anlises de correlao entre

    escalas, avaliao do grau em que as pontuaes se relacionam com um

    critrio independente, exames das relaes entre escalas e os testes tradicionais

    de personalidade.

    28

  • 1.2.3 Instrumentos e procedimentos para a avaliao de habilidades

    sociais conjugais

    Apesar do avano recente na produo de conhecimentos da

    psicometria no Brasil, ainda so escassos instrumentos validados para analisar a

    qualidade do relacionamento conjugal, principalmente no que se refere s

    habilidades sociais dos cnjuges. Investimentos nesta rea so muito importantes

    para o campo prtico da terapia conjugal e de programas educativos ou

    preventivos nesta rea, o que lhe confere validade social.

    No mbito internacional, apesar da grande quantidade de testes

    disponveis para avaliao de variveis ligadas ao casamento e famlia,

    tambm encontram-se dificuldades, visto que, entre outros problemas, h uma

    proliferao de medies sem ateno adequada s qualidades psicomtricas

    (Snyder, Cozzi & Mangrum, 2002). Com isso, segundo os mesmos autores, h

    pouco consenso sobre os constructos relevantes interveno conjugal e

    familiar, bem como sobre tcnicas para avali-los.

    Vrios autores tm destacado a importncia da avaliao em habilidades

    sociais (Del Prette & Del Prette, 1999; Caballo, 1993; McDonel, 1995; Trower, 1995).

    Linehan (1984) afirma que uma terapia efetiva em assertividade passa

    obrigatoriamente pela avaliao, que deve ser realizada utilizando-se diferentes

    mtodos.

    Apesar dos vrios critrios para qualificar um comportamento como

    socialmente competente, h atualmente um consenso pelo menos de que: (a)

    uma boa avaliao depende de conceitos bem definidos e, nesse sentido, a

    diferenciao entre habilidades sociais e competncia social importante para

    se caracterizar exatamente o que est sendo avaliado; (b) as habilidades sociais

    e a competncia social so conceitos multidimensionais e, por isso, precisam ser

    29

  • avaliados sob um enfoque multimodal (Del Prette & Del Prette, 2004; 2005), ou

    seja, por meio de diferentes instrumentos, procedimentos e informantes. Tendo

    em vista esta necessidade, Del Prette e Del Prette (1999) apresentam cinco

    conjuntos de metodologias usualmente citadas na literatura referente a tcnicas

    de avaliao em habilidades sociais: (a) auto-relato (entrevistas, inventrios); (b)

    observao em situao natural e estruturada; (c) testes de desempenho de

    papis; (d) avaliao por outros significantes e; (e) medidas fisiolgicas. Esses

    autores destacam que, dado o carter multidimensional (que envolve

    componentes comportamentais, cognitivo-afetivos e fisiolgicos) e situacional-

    cultural das habilidades sociais, as limitaes inerentes a cada um desses

    instrumentos ou procedimentos recomendam entend-los como

    complementares, sob a perspectiva multimodal (Del Prette & Del Prette, 2003;

    2005; Del Prette, Monjas & Caballo, s.d.).

    Dentre os diversos procedimentos e instrumentos de avaliao antes

    referidos, as medidas de auto-relato, mais especificamente aquelas obtidas por

    meio de inventrios, so as mais extensivamente utilizadas porque apresentam

    diversas vantagens em sua utilizao, embora tambm existam limitaes que

    no podem ser ignoradas.

    Um instrumento para avaliar habilidades sociais conjugais

    Diante da importncia da avaliao em habilidades sociais e da carncia

    de instrumentos disponveis em nosso meio, especialmente para o contexto

    especfico do relacionamento conjugal, iniciou-se a construo do Inventrio de

    Habilidades Sociais Conjugais (IHSC).

    Os itens do IHSC foram elaborados como de auto-relato, originalmente

    adaptados do Inventrio de Habilidades Sociais (IHS-Del-Prette, Del Prette & Del

    Prette, 2001), que aborda diferentes aspectos envolvidos no desempenho

    30

  • socialmente competente e solicita que os respondentes avaliem a freqncia

    com que se comportam da maneira descrita em cada item. Esta freqncia

    deve ser um indicativo das caractersticas do repertrio do respondente,

    produzindo um escore geral do repertrio habilidades sociais do indivduo.

    Histrico

    O processo de construo do instrumento de avaliao do repertrio de

    habilidades sociais especficas ao contexto conjugal, denominado Inventrio de

    Habilidades Sociais Conjugais (IHSC), iniciou-se em 1997 com um estudo intitulado

    Maximizao das relaes conjugais atravs de um Treinamento em

    Habilidades Sociais para casais (Bratfisch, 1997). Naquele estudo foi realizado um

    Treinamento de Habilidades Sociais para casais e verificou-se a necessidade de

    um instrumento que avaliasse o repertrio social dos cnjuges antes e aps o

    programa de interveno.

    Antes disso, porm, destacamos o trabalho de Z. A. P. Del Prette e A. Del

    Prette (2001), de construo e normatizao do Inventrio de Habilidades Sociais

    (IHS-Del-Prette), com base no qual foi elaborada a primeira verso do instrumento

    em questo (Inventrio de Habilidades Sociais Conjugais, IHSC). O IHS-Del-Prette

    um instrumento construdo segundo as normas psicomtricas atuais, validado,

    normatizado e inclusive comercializado no pas, com o parecer favorvel do

    Conselho Federal de Psicologia.

    Seguindo-se ao primeiro estudo, uma pesquisa denominada Habilidades

    sociais conjugais e religio permitiu a aplicao e uma anlise inicial das

    propriedades psicomtricas do IHSC, que foi aplicado a uma populao de 148

    sujeitos. Com base nessas anlises, o instrumento foi reformulado para uso no

    presente estudo, que inclui objetivos de reviso das propriedades psicomtricas

    desta nova verso.

    31

  • Relacionamento conjugal

    Habilidades Sociais

    1.2.4. A elaborao inicial do IHSC

    A construo dos itens do IHSC baseou-se na literatura e em dados

    empricos. O IHSC, de certa forma, envolve duas reas da Psicologia, sendo uma

    interseco das mesmas como representa a figura seguinte:

    Em sua primeira verso (Villa, 2002), a composio dos itens do IHSC foi

    mais diretamente baseada nas habilidades contempladas pelo IHS-Del-Prette

    com vrias delas (como falar em pblico, abordar autoridade, abordar

    desconhecidos) sendo substitudas por outras especficas para o contexto

    conjugal; na segunda verso (objeto do presente estudo) foram includas novas

    habilidades, a partir do levantamento, na literatura da rea de relacionamento e

    terapia conjugal, daquelas consideradas importantes que no estavam

    contemplados na verso anterior. Assim, a verso atual do IHSC contempla um

    conjunto de habilidades que, conforme a literatura especializada, so

    pertinentes e potencialmente relevantes para a qualidade do relacionamento

    no contexto conjugal.

    A construo do IHSC deu-se durante um longo processo, cujas fases de

    construo buscaram sempre atender os requisitos metodolgicos bsicos

    apontados pelos principais autores da rea (destacando-se, aqui, Pasquali, 1999;

    e Anastasi & Urbina, 2000). Utilizando-se procedimentos como anlise semntica

    dos itens, anlise de contedo, anlise fatorial e anlises de correlao entre

    itens, foi feita a retirada e adaptao de alguns itens, reformulando-se

    32

  • sistematicamente o instrumento at o formato atual. As etapas de construo do

    instrumento sero descritas sucintamente a seguir em tpicos e na prxima seo

    os procedimentos utilizados sero descritos em detalhes:

    1. Formulao dos itens com base no IHS-Del-Prette (Del Prette, Z. & Del

    Prette, A., 2001), efetuando-se sua adaptao para situaes e

    interlocutores do contexto conjugal;

    2. Verificao da quantidade e distribuio dos itens, anlise semntica,

    anlise de constructo por juzes qualificados;

    3. Aplicao piloto e reformulaes na redao e seqncia dos itens;

    4. Aplicao em amostra de 148 sujeitos e realizao de anlises estatsticas

    preliminares;

    5. Anlise fatorial inicial, que permitiu a identificao de cinco fatores que

    agruparam os itens e permitiram nomear as classes mais gerais de

    habilidades sociais contempladas no instrumento;

    6. Anlise das caractersticas psicomtricas iniciais do instrumento: validade

    (anlise fatorial), fidedignidade (Coeficiente alfa indicando a consistncia

    interna do teste).

    Buscando atender s exigncias fundamentais para construo de um

    teste psicolgico, o IHSC passou por vrios procedimentos durante sua

    construo e h ainda alguns a serem realizados no sentido de assegurar

    caractersticas psicomtricas aceitveis, que so descritos a seguir.

    - Elaborao dos itens: nesta fase foram realizadas a anlise semntica e a

    anlise por juzes (de forma simplificada) chegando-se a itens mais

    compreensveis para o respondente potencial e mais representativos do

    construto avaliado, segundo pesquisadores experientes da rea. Na elaborao

    33

  • da segunda verso, ocasio do acrscimo de itens, estes passaram novamente

    por anlise semntica;

    - Quanto validade aparente, o IHSC mostrou-se adequado com itens

    que realmente aparentavam relevncia e relao com o tema abordado;

    - Aps a primeira aplicao, o inventrio foi submetido anlise fatorial

    que agrupou os itens em cinco fatores. Alguns itens, que no entraram em

    nenhum dos fatores foram eliminados. O coeficiente alfa para cada fator, variou

    de 0,8527 a 0,4297, indicando alguma fidedignidade. Tambm aps a primeira

    aplicao, foi encontrado um Alpha de Cronbach = 0,807, valor que indica uma

    boa consistncia interna do teste.

    1.2.5. Procedimentos de reformulao do instrumento IHSC

    Tendo em mos os resultados das anlises psicomtricas feitas com o IHSC

    em estudos anteriores, foram realizadas reformulaes no instrumento e nova

    coleta de dados seguindo as seguintes etapas: (a) reformulaes no instrumento

    a partir dos resultados da anlise fatorial (retirada de itens com baixo poder de

    explicar a varincia de fatores); (b) retirada de itens que avaliavam a mesma

    habilidade e apresentaram correlao significativa com outros; (c) acrscimo de

    itens no instrumento, com contedos considerados importantes segundo novo

    levantamento da literatura na rea de relacionamento conjugal; (d) estudo

    piloto; (e) reformulaes de formato; (f) nova aplicao; (g) novas anlises

    psicomtricas.

    Descreve-se, a seguir, mais detalhadamente cada uma destas etapas e as

    reformulaes realizadas nos itens do IHSC, a partir dos resultados das anlises

    psicomtricas realizadas no estudo com 148 sujeitos e de nova reviso

    bibliogrfica.

    34

  • A verso inicial do IHSC contemplava quatro classes de habilidades

    (habilidades gerais de comunicao, civilidade, assertividade direito e

    cidadania, e expresso de sentimento positivo) descritas na literatura (Del Prette,

    A. & Del Prette, Z. 2001). Com base no primeiro estudo (Villa, 2002), verificou-se,

    posteriormente que os itens do instrumento no estavam contemplando algumas

    classes de habilidades apontadas na literatura como importantes no

    relacionamento conjugal e que alguns itens, abordando habilidades

    semelhantes, poderiam ser retirados.

    Como vrios itens podiam contemplar uma mesma classe de habilidades

    sociais, para aperfeioar o contedo do instrumento, procedeu-se, inicialmente,

    a uma anlise das classes que estavam sendo avaliadas em cada item

    (Apndice 1). Verificou-se que o instrumento contemplava quatro classes de

    comportamentos, duas com mais de um item (habilidades de comunicao e

    assertivas) e duas com somente um. Tambm se constatou, ento, que trs outras

    classes, analisadas como relevantes para o contexto conjugal (seo 1.1.1.) no

    estavam contempladas no instrumento (automonitoramento, habilidades

    empticas e de resoluo de problemas).

    A Tabela 1 mostra a quantidade e quais habilidades especficas estavam

    contempladas em cada uma das classes identificadas na verso inicial do IHSC.

    35

  • Tabela 1 Classes gerais e habilidades avaliadas na verso inicial do IHSC

    Classes de habilidades sociais Habilidades especficas avaliadas Nmero de itens

    Elogiar 2

    Iniciar e manter conversao 1

    Encerrar conversao 1

    Fazer perguntas 1

    Habilidades gerais de

    comunicao

    Fornecer feedback 1

    Habilidade de civilidade Agradecer 2

    Discordar 4

    Fazer pedidos 3

    Recusar pedidos 2

    Expressar desagrado 3

    Manifestar opinio 4

    Habilidades Assertivas,

    direito e cidadania

    Estabelecer relacionamento sexual 1

    Expresso de sentimento

    positivo

    Cultivar o amor 3

    No caso de alguns itens que avaliavam a mesma habilidade dentro de

    determinada classe e envolviam a mesma situao e interlocutores, decidiu-se

    verificar a possibilidade de retir-los do inventrio para evitar que se tornasse

    muito extenso e repetitivo. Para selecionar tais itens, foi realizado um estudo de

    correlao (Spearman) entre os itens que eram semelhantes (Apndice 2). Os

    resultados mostraram correlaes significativas entre os itens que tratavam da

    mesma habilidade. Diante das semelhanas entre os itens e correlaes

    significativas encontradas entre estes, permaneceram os julgados mais

    apropriados, sendo retirado um dos itens dos pares correlacionados4.

    4 As correlaes encontradas entre os itens apresentados, apesar de significativas, no justificariam por si s a retirada dos mesmos, j que os itens no so colineares. Porm, somando-se o fato dos itens avaliarem a mesma habilidade, num mesmo contexto e com mesmos interlocutores s correlaes significativas julgou-se apropriada a retirada destes.

    36

  • A retirada dos itens repetitivos permitiu a incluso de outros com base nas

    classes ainda no suficientemente contempladas, conforme se descreve a

    seguir.

    Automonitoramento: Gottman e Rushe (1995) colocam como uma das

    reas a serem trabalhadas pela Terapia Conjugal Mnima o acalmar-se e

    identificar estados de DPA, o que pode ser tratado como um componente da

    habilidade de automonitoramento. O autocontrole tambm estaria presente

    nesta classe, sendo definido por Hanna & Ribeiro (2005) como uma resposta

    emitida deliberadamente para reduzir impulsos. Assim, os itens acrescentados

    foram:

    - Autocontrole: Durante uma discusso, ao perceber que estou

    descontrolada emocionalmente (nervosa) consigo me acalmar antes de

    continuar a discusso.

    - Identificar estados emocionais: Em meio a uma discusso consigo

    perceber quando eu ou meu cnjuge estamos abalados (nervosos) e que hora

    de encerrar a conversa.

    Habilidades empticas: Gottman e Rush (1995) destacam que uma

    Terapia Conjugal Mnima implica em promover a capacidade dos cnjuges em

    validar os sentimentos do outro. Para atender esta demanda acrescentaram-se

    os itens:

    - Validar sentimentos: Quando meu cnjuge est chateado por algum

    motivo, procuro compreender seus sentimentos e expresso isto a ele.

    - Manifestar apoio: Se meu cnjuge est sofrendo por algum problema

    tenho dificuldade em fazer algo para demonstrar meu apoio.

    37

  • Comunicao: Apesar de j existirem alguns itens sobre comunicao,

    constatou-se que nenhum deles tratava especificamente de ouvir o cnjuge,

    que Gottman e Rush (1995) referem como ouvir no defensivo e que a

    literatura das habilidades sociais destaca a importncia em termos de ouvir com

    ateno. Para preencher essa lacuna, os itens acrescentados foram:

    - Ouvir no defensivo: Quando meu cnjuge e eu estamos conversando,

    costumo ouvir e entender o que ele tem a dizer para depois manifestar minha

    opinio.

    - Ouvir com ateno: Quando meu cnjuge est me falando sobre algo

    importante para ele, ouo com ateno.

    Desculpar-se: esta importante habilidade no estava sendo abordada na

    verso original do IHSC. Ela categorizada, segundo Del Prette, A. e Del Prette, Z.

    (2001) como uma subclasse da classe das habilidades de assertividade, direito e

    cidadania. Segundo esses autores, desculpar-se no uma tarefa

    emocionalmente fcil, porm importante no somente para a relao como

    para o autoconceito e auto-estima de quem est se comportando. Sem dvida,

    trata-se de uma habilidade ainda mais crtica quando se trata de

    relacionamentos ntimos e foi contemplada na nova verso do IHSC.

    - Se cometi alguma falha para com meu cnjuge procuro pedir

    desculpas.

    Resoluo de problemas: esta habilidade apontada por vrios autores

    (Gottman & Rushe, 1995; 2000; Rang & Dattilio, 1995; Snyder, Cozzi, & Luebbert,

    2001) como essencial para o bom relacionamento interpessoal e conjugal e foi

    includa do IHSC.

    38

  • - Quando temos problemas em comum para resolver, conseguimos

    conversar e chegar a um acordo sobre o que fazer.

    Aps a retirada e o acrscimo de itens conforme descritos, dentre outras

    alteraes simples de linguagem, o IHS-Del-Prette passou pela aplicao piloto,

    outras alteraes simples e ento por nova aplicao (consta dos

    procedimentos de coleta de dados).

    Assim, foram retirados sete itens dos 31 inicialmente constantes no

    inventrio e foram acrescentados 8 itens, resultando no IHSC utilizado neste

    estudo, com 32 itens.

    1.3. Justificativa e objetivos

    O presente estudo representa o encaminhamento, em termos de

    investigao emprica, da preocupao, referida na primeira parte da

    justificativa deste trabalho, com a relao entre habilidades sociais conjugais,

    habilidades sociais gerais e satisfao conjugal, bem como com a preocupao,

    delineada na segunda parte, com o aperfeioamento de um instrumento para

    avaliar as habilidades sociais conjugais. Embora o instrumento seja condio

    para o encaminhamento da investigao emprica daquelas relaes,

    entendeu-se que seu aperfeioamento poderia ser conduzido paralelamente

    em uma seqncia de tarefas e procedimentos.

    Assim, em relao questo emprica, as consideraes anteriores

    sugerem que, dado o carter situacional das habilidades sociais, um bom

    repertrio de habilidades sociais gerais no se reverte, necessariamente, em um

    bom repertrio de habilidades sociais conjugais. Por outro lado, so escassos os

    estudos que relacionam habilidades sociais (sejam elas gerais ou especficas do

    relacionamento conjugal) satisfao conjugal. Com relao a essas

    39

  • consideraes, este estudo tem, como parte de seus objetivos: (a) caracterizar o

    repertrio de habilidades sociais conjugais, habilidades sociais gerais e satisfao

    conjugal de uma amostra de sujeitos casados, aqui se incluindo a associao

    dessas variveis com caractersticas scio-demogrficas (sexo, idade,

    escolaridade, nmero de filhos e tempo de casamento); e (b) analisar as

    correlaes entre habilidades sociais conjugais, habilidades sociais gerais e

    satisfao conjugal, verificando-se, adicionalmente, o quanto a satisfao de

    cada um dos cnjuges est relacionada s habilidades sociais gerais e conjugais

    do parceiro.

    Para viabilizar o encaminhamento desses objetivos e, adicionalmente

    contribuir para futuras pesquisas da rea de relacionamento conjugal, um

    objetivo adicional deste estudo foi o de aperfeioar o Inventrio de Habilidades

    Sociais Conjugais e verificar as caractersticas psicomtricas de sua segunda

    verso.

    2. MTODO

    2.1. Amostra

    Foram sujeitos deste estudo 406 pessoas, sendo 149 casais (com

    participao de marido e esposa) e 108