gustave flaubert - um coração singelo

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Romance

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  • Coleo Novelas Imortais

    UM CORAO SINGELOGUSTAVE FLAUBERT

    ORGANIZAO E APRESENTAO

    Fernando SabinoTRADUO

    Lus de Lima

  • Sumrio

    Apresentao

    Um corao singelo12345

    Crditos

    O Autor

    O Organizador

  • Apresentao

    MADAME Bovary sou eu, teria afirmado o escritor, perante o tribunal que julgava o seu direito deser realista. A afirmao se inspirava num princpio um tanto bvio hoje em dia, ou seja, o de queos personagens, mesmo calcados na realidade, so fruto da imaginao criadora do autor. Aabsolvio do romancista serviu para afirmar outro: o da liberdade do artista no ato de criar.

    Gustave Flaubert nasceu na cidade de Rouen, em 1821, e morreu em Croisset, perto de sua cidadenatal, em 1880. Foram 59 anos de uma vida quase inteiramente dedicada literatura, como a umareligio. Embora a vocao literria se tivesse manifestado desde os primeiros anos de juventude,Flaubert chegou a iniciar estudos de direito em Paris. Logo se ligou a Maxime du Camp, com quemfaria vrias viagens ao exterior (Itlia, Egito, Turquia, Arglia, Tunsia) nas nicas ocasies em queabandonava Croisset, onde se refugiara para dedicar-se unicamente lenta elaborao de sua obra.

    Uma obra que se caracteriza pela descrio objetiva de personagens e acontecimentos, e umaobstinada preocupao com o detalhe, excluindo qualquer sentimentalismo superficial que os temasescolhidos pudessem inspirar. Consta que a obsesso por Le mot juste levava-o passar vrios dias procura de uma palavra.

    Foram duas fases distintas: a de aprendizado, que vai da faculdade em Paris at o retorno doOriente, durante a qual se livrou de suas tendncias para a fantasia; a da realizao literria, quecomea em 1857 com Madame Bovary, sua obra mais famosa, pelo escndalo que certas cenas deadultrio causaram nos meios conservadores da poca, at o esforo final em seu ltimo romanceBouvard et Pecouchet, que deixou inacabado. Este seria a consagrao de seu combate aopreconceito, s ideias feitas, s deformaes do pensamento burgus, satirizados no seu Dictionnairedes ides reues (Dicionrio de lugares-comuns, por mim traduzido para o portugus ecomplementado com outro, de bestialgico especificamente brasileiro).

    Se Madame Bovary era ele prprio, com no menos razo poderia Flaubert ser tambm Felicit ou Felicidade, nesta exemplar traduo aqui apresentada. O corao simples, no ttulo original, ou ocorao singelo, como preferiu com felicidade (sem trocadilho) o tradutor, representa o que de maispuro, inocente e delicado possa existir como sentimento na alma humana, que o escritor buscousempre encontrar no fundo de si mesmo, para a realizao de sua obra.

    Em 1862 Flaubert publica Salammb, calcado em elementos da civilizao cartaginesa por elecoligidos em sua viagem frica do Norte um romance em tudo diferente do anterior, mas queconquistaria igual sucesso. Seguiu-se Lducation sentimentale (A educao sentimental), que lheexigiu sete anos de trabalho, romance autobiogrfico reescrito trs vezes antes de sua publicao, em1869. Em 1874, sob o ttulo La tentation de Saint Antoine (A tentao de Santo Anto), surge umaobra de juventude anteriormente reescrita e publicada quatro vezes, com ttulos diferentes. Em 1877Flaubert lanou o seu Trois Contes, cada um num estilo: Herdias, em estilo bblico, Saint Julienlhospitalier (So Julio o hospitaleiro), em estilo medieval, e, em estilo realista, Un coeur simplea histria de Felicidade, escolhida para integrar a nossa Coleo Novelas Imortais, que vem a seruma das mais refinadas realizaes literrias de todos os tempos.

    A traduo foi confiada a Lus de Lima, cuja sensibilidade artstica, revelada ao longo de suavitoriosa carreira de homem de teatro, junto ao conhecimento do francs e uma invejvel intimidadecom seu idioma de origem, torna-o capaz de descobrir a palavra justa, correspondente expresso

  • original que Flaubert usou na sua busca da perfeio.Uma ltima palavra sobre a importncia de sua volumosa correspondncia, publicada

    postumamente. E de toda sua obra; tentar apresentar Gustave Flaubert ao leitor em duas pginas no brincadeira. S fazendo como Fats Waller, o pianista, ao responder a uma senhora que lhe perguntouo que era jazz: se voc no sabe, no h como lhe dizer.

    FERNANDO SABINO(1986)

  • UM CORAO SINGELO

  • 1Durante meio sculo, as burguesas de Pont-lvque invejaram a Sra. Aubain por causa de sua criadaFelicidade.

    Por cem francos ao ano, ela cozinhava e fazia a limpeza da casa, cosia, lavava, passava a ferro;sabia enfrear um cavalo, engordar as aves, bater manteiga, e permaneceu fiel sua patroa que, noentanto, no era pessoa agradvel.

    Esta desposara um belo moo sem recursos, que morrera no comeo do ano de 1809, deixando-lhedois filhos muito novos e algumas dvidas. Vendeu, ento, os imveis, exceto a fazenda de Toucquese a de Geffosses, cujas rendas iam, quando muito, a 5.000 francos, e deixou sua casa de Saint-Melaine, mudando-se para outra menos dispendiosa, que pertencera a seus parentes, situada atrs domercado.

    Esta casa, revestida de ardsias, ficava entre uma travessa e uma ruela confinada com o rio. Nointerior dela havia diferenas de nvel que faziam tropear. Um estreito vestbulo separava a cozinhada sala onde a Sra. Aubain passava o dia inteiro, sentada janela, numa poltrona de palhinha. Juntoaos lambris, pintados de branco, alinhavam-se oito cadeiras de mogno. Um velho piano suportava,sob um barmetro, uma pilha piramidal de caixinhas e de cartes. Duas poltronas de tapearia, estiloLus XV, flanqueavam a lareira de mrmore amarelo. Ao centro, o relgio de pndulo representavaum templo de Vesta e o aposento todo cheirava um pouco a mofo, pois o soalho ficava em nvelmais baixo que o jardim.

    No andar trreo encontrava-se primeiramente o quarto da senhora, muito amplo, forrado com papelde flores plidas, e no qual se via o retrato do senhor em traje de janota. Comunicava-se com umquarto menor, onde havia duas caminhas de criana, sem colches. A seguir vinha o salo, semprefechado, e repleto de mveis cobertos com pano. Depois, um corredor dava para um escritrio;livros e papelada guarneciam as prateleiras de uma biblioteca, que rodeava, pelos seus trs lados,uma grande escrivaninha de madeira preta. Os dois painis em relevo desapareciam sob desenhos abico de pena, guaches representando paisagens, e gravuras de Audran, lembranas de temposmelhores e de um luxo exaurido. No segundo andar, uma claraboia alumiava o quarto de Felicidade,dando vista para os campos.

    Ela se levantava logo ao alvorecer, para no perder a missa, e trabalhava sem descanso at noite; depois, terminado o jantar, a loua em ordem e a porta bem fechada, escondia a acha de lenhasob as cinzas e adormecia em frente lareira, com o rosrio na mo. Ningum se mostrava maisobstinado no regatear. Quanto ao asseio, o polimento de suas caarolas deixava desesperadas asoutras criadas. Poupada, ela comia devagar, e com o dedo juntava, na mesa, as migalhas do seu po um po de quase seis quilos, cozido s para ela, e que durava vinte dias.

    Em todas as estaes do ano usava um leno de chita preso s costas por um alfinete, uma touca aocultar-lhe os cabelos, meias cinzentas, um saiote vermelho, e por cima da blusa um avental combabador como as enfermeiras de hospital.

    Seu rosto era magro e sua voz aguda. Aos vinte e cinco anos, parecia ter quarenta. Dos cinquentaem diante j no demonstrava nenhuma idade; e, sempre silenciosa, o talhe certo e gestoscomedidos, parecia uma mulher de madeira, que funcionasse automaticamente.

  • 2Tivera, como qualquer outra, a sua histria de amor.O pai, pedreiro, morrera por ter cado de um andaime. Depois morreu-lhe a me, suas irms se

    dispersaram, um fazendeiro a recolheu e passou a ocup-la, ainda bem pequena, em guardar as vacasno campo. Tiritava sob os andrajos, bebia, de bruos, a gua dos charcos, era espancada sem maisnem menos, e acabou sendo despedida por causa de um furto de trinta soldos que no cometera. Foitrabalhar em outra fazenda, onde tomava conta do galinheiro, e, como agradava os patres, os seuscolegas ficaram com cimes.

    Numa noite de agosto (tinha, ento, dezoito anos), eles a arrastaram festa de Colleville. Sentiu-selogo atordoada, atnita com a algazarra dos msicos ambulantes, as luzinhas nas rvores, ovariegado dos trajes, as rendas, as cruzes de ouro, aquela massa humana a pular ao mesmo tempo.Mantinha-se discretamente retrada, quando um moo de aparncia abastada, que fumava cachimbocom os cotovelos apoiados no volante de uma carreta, veio convid-la a danar. Ofereceu-lhe sidra,caf, bolacha, um leno de pescoo, e, imaginando que ela entendia o que ele queria, prontificou-se alev-la para casa. beira de um aveal, derrubou-a brutalmente. Ela ficou apavorada e ps-se agritar. Ele afastou-se.

    Outra noite, na estrada de Beaumont, ela quis ultrapassar um grande carro de feno que avanavalentamente, passando rente s rodas, reconheceu Teodoro.

    O rapaz abordou-a com ar calmo, dizendo-lhe que devia perdoar tudo, pois aquilo fora por culpada bebida.

    Felicidade no soube o que responder e sentia vontade de fugir.Ento ele falou das colheitas e das pessoas importantes da comuna, pois seu pai trocara Colleville

    pela fazenda dos cots, de forma que agora eles eram vizinhos. Ah! disse ela.Ele acrescentou que desejavam cas-lo. Mas no tinha pressa nenhuma, s esperava encontrar uma

    companheira a seu gosto. Felicidade baixou a cabea. Ento ele lhe perguntou se ela pensava emcasamento. Ela replicou, sorrindo, que no ficava bem zombar.

    Mas no, eu lhe juro!E com o brao esquerdo envolveu-a; ela caminhava suspensa em seu abrao; desaceleraram a

    marcha. O vento era brando, as estrelas brilhavam, a enorme carrada de feno oscilava diante deles; eos quatro cavalos, arrastando os passos, levantavam poeira. Depois, a esmo, viraram direita. Eleabraou-a mais uma vez. Ela desapareceu na sombra.

    Na semana seguinte, Teodoro conseguiu encontros com ela.Encontravam-se no fundo dos quintais, atrs de um muro, sob uma rvore isolada. Ela no tinha a

    inocncia das senhoritas os animais haviam-na instrudo ; mas a razo e o instinto da honraimpediram-na de ceder. Essa resistncia exasperou o amor de Teodoro, a tal ponto que, parasatisfaz-lo (ou ingenuamente, talvez), props-se a despos-la. Ela hesitava em dar-lhe crdito. Elefez grandes juramentos.

    No tardou muito o rapaz confessou-lhe uma coisa desagradvel: seus pais, no ano anterior, tinhampago a outro moo para prestar o servio militar em seu lugar; mas de um dia para o outro poderiamlev-lo, e a ideia de servir como soldado apavorava-o. Esta fraqueza foi para Felicidade uma prova

  • de ternura; e a sua redobrou. Ela escapava-se de noite, e, chegada ao lugar do encontro, Teodorotorturava-a com suas inquietaes e suas insistncias.

    Por fim ele anunciou que iria pessoalmente Prefeitura pedir informaes, e as traria no domingoseguinte, entre onze horas e meia-noite.

    Chegado o momento, ela correu ao encontro com o namorado.Em seu lugar, encontrou um dos amigos dele.Soube por este que ela no deveria v-lo mais. Para livrar-se da conscrio, Teodoro desposara

    uma velha muito rica, a Sra. Lehoussais, de Toucques.Foi um desgosto pungente. Jogou-se no cho, gritou, clamou por Deus, e gemeu sozinha no campo

    at o sol raiar. Depois retornou fazenda, declarou sua inteno de a deixar; e, no fim do ms, feitasas contas, botou toda a sua pequena bagagem num leno e encaminhou-se para Pont-lvque.

    Em frente estalagem, abordou uma burguesa com um chapu de viva, e que andava exatamente procura de uma cozinheira. A moa no sabia grande coisa, mas parecia ter boa vontade e to poucasexigncias que a Sra. Aubain terminou dizendo:

    Est bem, eu a aceito!Quinze minutos depois, Felicidade estava instalada em casa da Sra. Aubain.A princpio viveu numa espcie de tremor, provocado pelo jeito da casa e pela lembrana do

    senhor, que pairava sobre tudo! Paulo e Virgnia, um de sete anos, a outra de apenas quatro,pareciam-lhe feitos de matria preciosa; ela os carregava s costas como um cavalo, e a Sra. Aubaina proibiu de beij-los a cada instante, o que a mortificou. No entanto, sentia-se feliz. A suavidade doambiente dissipara-lhe a tristeza.

    Todas as quintas-feiras vinham pessoas amigas jogar uma partida de bston. Felicidade preparavacom antecedncia as cartas e os aquecedores de ps. Chegavam s oito horas em ponto e retiravam-se antes de soarem as onze.

    Cada segunda-feira, pela manh, o quinquilheiro que morava sob a aleia expunha no cho a suasucata. Depois a cidade enchia-se de um zumbido de vozes, em que se misturavam relinchos decavalos, balidos de cordeiros, grunhidos de porcos, ao rudo seco das carroas na rua. L pelo meio-dia, quando o mercado fervia, via-se aparecer na soleira um velho campons de grande estatura, como bon para trs, o nariz adunco: era Robelin, o caseiro de Geffosses. Pouco depois, era a vez deLibard, o caseiro de Toucques, pequeno, rubicundo, obeso, envergando uma jaqueta cinza e comperneiras de couro com esporas.

    Ambos ofereciam proprietria galinhas ou queijos. Felicidade, invariavelmente, frustrava-lhesas astcias; e eles iam embora cheios de considerao por ela.

    De vez em quando, a Sra. Aubain recebia a visita do Marqus de Gremanville, um de seus tios,que, arruinado pela devassido, vivia em Falaise no ltimo pedao de suas terras. Aparecia semprena hora do almoo, com um horrvel cachorrinho, cujas patas sujavam todos os mveis. Apesar dosseus esforos para parecer fidalgo, a ponto de tirar o chapu toda vez que dizia Meu falecido pai,ele, levado pelo hbito, bebia um copo atrs do outro, e soltava inconvenincias. Felicidadeempurrava-o para fora com delicadeza: Por hoje j chega, Sr. de Gremanville! At prxima! Efechava a porta.

    Abria-a com prazer ao Sr. Bourais, antigo procurador. A gravata branca e a calvcie, os folhos dacamisa, o amplo redingote pardo, a maneira de cheirar rap arredondando o brao, toda a sua pessoaproduzia-lhe essa perturbao em que nos lana o espetculo dos homens extraordinrios.

    Como ele administrava as propriedades da senhora, fechava-se com ela horas a fio no escritriodo senhor, e temia sempre comprometer-se, respeitava infinitamente a magistratura, tinha pretenses

  • de latinista.Para instruir as crianas de maneira agradvel, presenteou-as com uma geografia ilustrada. As

    gravuras representavam diferentes cenas do universo, antropfagos com plumas na cabea, ummacaco arrebatando uma mocinha, bedunos no deserto, uma baleia ao ser arpoada, etc.

    Paulo explicou essas gravuras a Felicidade. Foi esta, alis, toda a sua educao literria.A das crianas era ministrada por Guyot, um pobre-diabo empregado na Prefeitura, famoso por sua

    bela caligrafia, e que afiava o canivete na botina.Quando fazia bom tempo, iam logo bem cedo fazenda de Geffosses.O ptio em declive, a casa no meio; e o mar ao longe, parece uma mancha cinzenta.Felicidade tirava do cesto fatias de carne fria, e almoavam num compartimento contguo

    queijaria. Era o que restava de uma residncia de frias, agora extinta. O papel das paredes, emfrangalhos, tremia s correntes de ar. A Sra. Aubain baixava a cabea, sobrecarregada pelasrecordaes; as crianas no ousavam mais abrir a boca. Vo brincar, vo! dizia-lhes a me; e elassaam correndo.

    Paulo subia ao celeiro, apanhava passarinhos, atirava pedras nos charcos para v-las ricochetear,ou batia com um pau nos bojudos tonis, que ressoavam como tambores.

    Virgnia dava de comer aos coelhos, precipitava-se para colher centureas azuis, e a rapidez desuas pernas descobria-lhe as calcinhas bordadas.

    Numa tarde de outono, voltaram pelas pastagens.A lua, em crescente, iluminava uma parte do cu, e o nevoeiro flutuava como uma gaze sobre as

    sinuosidades do Toucques. Estendidos na grama, os bois olhavam placidamente para aqueles quatrotranseuntes. No terceiro pasto alguns se ergueram e os rodearam.

    No tenham medo! disse Felicidade.Murmurando uma espcie de lamento, ela afagou o lombo do que se achava mais perto; ele deu

    meia volta, os outros o imitaram. Mas depois de atravessarem o pasto seguinte, ouviu-se umtremendo mugido. Era um touro que o nevoeiro ocultava. Avanou para as duas mulheres. A Sra.Aubain ia correr.

    No! no! Mais devagar!No entanto, elas apressavam o passo, e ouviam atrs um sopro ruidoso que se aproximava. Os

    cascos do animal batiam, como martelos, na erva do prado; e agora ele galopava! Felicidade voltou-se e comeou a arrancar com ambas as mos punhados de terra, que lhe atirava aos olhos. O tourobaixava o focinho, sacudia os chifres e tremia de furor, mugindo terrivelmente. A Sra. Aubain, nosconfins da pastagem, com os seus dois pequenos, procurava, apavorada, transpor a cerca. Felicidadecontinuava recuando diante do touro sem parar de lanar torres que o cegavam, e sempre gritando:

    Vo depressa! Vo depressa!A Sra. Aubain desceu o fosso, empurrou primeiro Virgnia depois Paulo, caiu diversas vezes

    tentando escalar o talude, o que por fim conseguiu fora de coragem.O touro acuara Felicidade contra outra cerca; a baba esguichava-lhe no rosto; um segundo mais e

    ele a estripava. Ela mal teve tempo de se esgueirar entre duas estacas, e o animal imenso, surpreso,estacou.

    Durante muitos anos este acontecimento foi assunto de conversa em Pont-lvque. Felicidade nose orgulhava disso; nem imaginava, sequer, que houvesse feito nada de heroico.

    Sua ocupao exclusiva era Virgnia; em consequncia do pavor por que passou, adveio-lhe umaafeco nervosa, e o Dr. Poupart receitou os banhos de mar de Trouville.

    Naquele tempo eles no se davam com muitas pessoas. A Sra. Aubain tomou informaes,

  • consultou Bourais, fez preparativos como para uma longa viagem.A bagagem seguiu na vspera, na carreta de Libard. No dia seguinte ele trouxe dois cavalos, um

    dos quais tinha um silho, munido de um espaldar de veludo; na garupa do segundo uma capaenrolada formava uma espcie de assento. A Sra. Aubain montou no cavalo, atrs dele. Felicidadeencarregou-se de Virgnia, e Paulo escarranchou-se no burro do Sr. Lechaptois, emprestado sobcondio de cuidarem bem dele.

    A estrada era to ruim que os seus oito quilmetros exigiram duas horas. Os cavalos enterravam-sena lama at as canelas, e faziam, para sair, sbitos movimentos de garupa, ou tropeavam nos sulcosdeixados pelas rodas dos carros; outras vezes, tinham de pular. Em certos trechos, a gua de Libardempacava. Ele esperava pacientemente que ela recomeasse a andar; e falava das pessoas cujaspropriedades margeavam a estrada, acrescentando histria delas reflexes morais. Assim, nocentro de Toucques, como passassem sob janelas orladas de capuchinhas, ele disse, levantando osombros: A est uma Sra. Lehoussais, que em vez de pegar um moo... Felicidade no ouviu oresto; os cavalos trotavam, o burro galopava; enfiaram-se todos por um atalho, uma porteira se abriu,apareceram dois rapazes, e todos apearam-se diante do esterco mido, justo na soleira da porta.

    A velha Libard, assim que viu sua senhora, desmanchou-se toda em demonstraes de alegria.Serviu-lhe um almoo em que havia lombo de vaca, tripas, chourio, um fricass de frango, sidraespumante, uma torta de geleia, ameixas com aguardente, tudo acompanhado de cortesias Senhora,que parecia melhor de sade, Senhorita que tornara magnfica, ao Sr. Paulo especialmenteforte, sem esquecer os seus defuntos avs, que os Libard haviam conhecido, pois j estavam aservio da famlia h vrias geraes. A fazenda possua, como eles, um ar de antiguidade. Asvigotas do teto estavam carunchosas, as paredes negras de fumaa, os ladrilhos cinzentos de poeira.Um aparador de carvalho suportava toda espcie de utenslios: jarros, pratos, tigelas de estanho,armadilhas para lobo, tesouras de tosquiar carneiros; uma seringa enorme fez rir os meninos. Nohavia uma rvore, nos trs ptios, que no tivesse cogumelos na base, ou nos ramos um tufo de visco.O vento derrubara vrias delas. Tinham rebrotado pelo meio; e todas vergavam sob a quantidade dasmas. Os telhados de palha, iguais a veludo pardo, e de espessura desigual, resistiam aos maisfortes vendavais. Entretanto, a cocheira desabava em runas. A Sra. Aubain disse que tomariaprovidncias, e mandou que arreassem de novo os animais.

    Levaram ainda uma meia hora antes de alcanar Trouville. A pequena caravana apeou-se parapassar as cores; era uma falsia que se alteava sobre embarcaes; e trs minutos depois, naextremidade do cais, entraram no ptio do Cordeiro de Ouro, estalagem da velha David.

    Virgnia, desde os primeiros dias, sentiu-se menos fraca, resultado da mudana de ares e da aodos banhos de mar. Tomava-os de camisa, falta de roupa de banho adequada; e sua criada a vestiana cabana de um guarda alfandegrio que servia aos banhistas.

    tarde, iam com o burro para alm das Roches-Noires, do lado de Hennequeville. O atalho, aprincpio, subia entre terrenos ondulados como o gramado de um parque, e dava para um planaltoonde se alternavam pastagens e terras lavradas. beira do caminho, no labirinto dos silvados,erguiam-se azevinhos; aqui e ali, uma grande rvore morta fazia, com seus ramos, ziguezagues no arazul.

    Quase sempre repousavam num prado, esquerda do qual ficava Deauville, o Havre direita e emfrente o alto-mar. Este brilhava ao sol, liso como um espelho, to sereno que mal se lhe ouvia omurmurar; pardais escondidos pipilavam, e a abbada imensa do cu recobria tudo. A Sra. Aubain,sentada, trabalhava nas suas costuras; ao lado dela, Virgnia tranava juncos; Felicidade colhia floresde alfazema; Paulo, que se entediava, queria partir.

  • Outras vezes, atravessavam o Toucques de barca, e iam cata de conchinhas. A mar baixadeixava a descoberto ourios do mar, guas-vivas, medusas; os pequenos corriam para agarrar flocosde espuma impelidos pelo vento. As ondas adormecidas, caindo sobre a areia, desenrolavam-se aolongo da praia, que se estendia a perder de vista, mas do lado da terra tinha por limite as dunas que aseparavam do Marais, vasto prado em forma de hipdromo. Quando eles vinham por l, Trouville, aofundo, no declive do outeiro, crescia a cada passo, e com todas as suas casas desiguais pareciadesabrochar numa feliz desordem.

    Nos dias de muito calor, no saam do quarto. A deslumbrante claridade l de fora punha listas deluz entre as tabuinhas das persianas. Nenhum rudo na aldeia. Embaixo, na calada, ningum. Estesilncio espraiado aumentava a tranquilidade das coisas. Ao longe, os martelos dos calafateschocavam-se de encontro s quilhas, e uma brisa pesada trazia o odor do alcatro.

    O principal divertimento era a volta das barcas. Mal ultrapassavam as balizas, entravam abordejar. As velas desciam at dois teros dos mastros; e, com a mezena inflada como um balo,avanavam, deslizavam no marulhar das ondas, at o meio do porto, onde a ncora caa de repente.Depois a embarcao atracava. Os marujos atiravam para a borda a carga de peixes palpitantes; umafila de carretas esperava-os, e mulheres de touca de algodo precipitavam-se para pegar os cestos eabraar os seus homens.

    Uma delas, certo dia, abordou Felicidade, que, pouco depois, entrou em seu quarto, muitocontente. Reencontrara uma irm; e Anastcia Barette, mulheres de Leroux, apareceu com umacriana de peito ao colo, segurando com a mo direita outro pequeno, e tendo sua esquerda umgrumetizinho de mos nos quadris e boina sobre a orelha.

    Passados quinze minutos, a Sra. Aubain mandou-a embora.Eram sempre vistos nas imediaes da cozinha, ou quando saam a passeio. O marido no

    aparecia.Felicidade tomou-se de afeio por eles. Comprou-lhes um cobertor, camisas, um fogo; era

    evidente que a exploravam. Essa fraqueza irritava a Sra. Aubain, a quem, alis, no agradavam asfamiliaridades do sobrinho de Felicidade pois tratava seu filho de voc e, como Virgnia tossia ea estao j no estava boa, voltou a Pont-lvque.

    O Sr. Bourais orientou-a quanto escolha de um colgio. O de Caen tinha fama de ser o melhor.Paulo foi mandado para l; e despediu-se sem hesitar, satisfeito de ir viver numa casa onde teriacompanheiros.

    A Sra. Aubain conformou-se com o afastamento do filho, visto que era indispensvel. Virgnia, aospoucos, foi-se esquecendo dele. Felicidade sentia saudades de sua algazarra. Mas uma ocupaoveio distra-la: desde o Natal, todos os dias levava a menina s aulas de catecismo.

  • 3Depois de fazer, porta, uma genuflexo, ela avanava sob a alta nave entre a dupla fila dascadeiras, abria o banco da Sra. Aubain, sentava-se, e passeava os olhos sua volta.

    Os rapazes direita, as moas esquerda, enchiam os assentos do coro; o cura mantinha-se em pao lado da estante de leitura; num vitral da abside, o Esprito Santo pairava sobre a Virgem; outromostrava-a de joelhos ante o Menino Jesus, e, atrs do tabernculo, um grupo de madeirarepresentava So Miguel vencendo o drago.

    O padre comeou por fazer um resumo da Histria Sagrada. Ela tinha a impresso de ver oParaso, o dilvio, a torre de Babel, cidades em chamas, povos que morriam, dolos tombados; edesse deslumbramento conservou o respeito do Altssimo e o temor de sua clera. Depois, chorouescutando a Paixo. Por que o tinham crucificado, a ele que amava as crianas, alimentava asmultides, curava os cegos, e bondosamente quisera nascer entre os pobres, no estrume de umestbulo? As sementeiras, as ceifas, os lagares, todas essas coisas familiares de que fala o Evangelhoencontravam-se na sua vida; a passagem de Deus santificara-as; e ela amou com maior ternura oscordeiros por amor do Cordeiro, as pombas por causa do Esprito Santo.

    Difcil para ela era imaginar a pessoa deste; pois ele no era somente pssaro, mas tambm umlume, e por vezes um sopro. talvez esse seu lume que esvoaa pela noite margem dos brejos, oseu hlito que impele as nuvens, a sua voz que torna os sinos harmoniosos; e ela entregava-se adorao, gozando a frescura das paredes e a tranquilidade da igreja.

    Quanto aos dogmas, nada compreendia deles, nem sequer tratava de compreender. O curadiscorria, os meninos recitavam, ela acabava por adormecer; e de repente acordava quando eles, aosair, faziam ressoar os tamancos nas lajes.

    Foi desta maneira, assim fora de ouvi-lo, que ela aprendeu o catecismo, pois, quando jovem,sua educao religiosa fora negligenciada; desde ento, imitou todas as prticas de Virgnia: jejuavae confessava-se como ela. No dia da festa de Corpus Christi, fizeram juntas um altar para aprocisso.

    A primeira comunho atormentava-a antecipadamente. Andava em grande agitao por causa dossapatos, do rosrio, do livro, das luvas. Com que tremor ajudou a Sra. Aubain a vestir Virgnia.

    Durante toda a missa, sentiu-se angustiada. O Sr. Bourais ocultava-lhe um lado do coro; mas, bem frente, o rebanho das virgens com coroas brancas sobre os vus descidos formava como um campode neve; e de longe ela reconhecia a que rida menina pelo pescoo delicado e sua posturaconcentrada. O sino tocou As cabeas se curvaram; reinou o silncio. Ao som do rgo, os cantores ea multido entoaram o Agnus Dei; em seguida, principiou o desfile dos rapazes; e, depois deles, asmeninas se levantaram. Passo a passo, de mos postas, dirigiam-se para o altar todo iluminado,ajoelhando-se no primeiro degrau, recebiam a hstia sucessivamente, e na mesma ordem voltavamaos seus genuflexrios. Ao chegar a vez de Virgnia, Felicidade inclinou-se para v-la; e, com aimaginao que brota das ternuras verdadeiras, pareceu-lhe ser ela mesma aquela criana; seusemblante se tornava o de Felicidade, seu vestido a vestia, seu corao batia no peito dela; nomomento de abrir a boca, cerrando as plpebras, quase desmaiou.

    No dia seguinte, bem cedo, ela apresentou-se na sacristia para que o Sr. Cura lhe desse acomunho. Recebeu-a com devoo, mas no experimentou as mesmas delcias.

  • A Sra. Aubain queria fazer da filha uma criatura perfeita; e, como Guyot no podia ensinar-lhe nemingls nem msica, resolveu intern-la nas Ursulinas de Honfleur.

    A menina no fez a menor objeo. Felicidade suspirava, achando a senhora insensvel. Depois,ponderou que talvez ela tivesse razo. Estas coisas ultrapassavam a sua competncia.

    Finalmente, um dia, parou porta um velho carro e dele desceu uma religiosa que vinha buscar amenina. Felicidade ps a bagagem no tejadilho do carro, fez recomendaes ao cocheiro, e colocoudentro de um ba seis vidros de geleia e uma dzia de peras, com um ramo de violetas.

    No ltimo instante, Virgnia ficou muito emocionada, e soluando, abraava a me que, beijando-lhe a fronte, repetia: Vamos! Coragem! Coragem! Levantaram o estribo, o veculo partiu.

    Ento a Sra. Aubain desmaiou; e noite, todos os seus amigos, o casal Lormeau, a Sra. Lechaptois,as Srtas. Rochefeuille, os Srs. De Houpeville e Bourais, apresentaram-se para consol-la.

    De comeo, foi-lhe muito dolorosa a falta da filha. Mas trs vezes por semana recebia dela umacarta, nos outros dias lhe escrevia, passeava no jardim, lia um pouco, e assim enchia o vazio dashoras.

    Pela manh, habitualmente, Felicidade entrava no quarto de Virgnia, e olhava as paredes.Aborrecia-se de j no ter de lhe pentear o cabelo, atar-lhe as botinas, aconcheg-la na cama e dej no ver continuamente o seu gracioso rosto, de no mais segur-la pela mo quando saam juntas.Para preencher o seu cio, tentou fazer renda. Seus dedos, muito pesados, rompiam os fios; sentia-sedesajeitada, perdera o sono, estava, segundo ela mesma dizia, minada.

    Para se ocupar, pediu licena para receber seu sobrinho Vtor.Ele chegava todos os domingos, depois da missa, de faces rosadas, o peito nu, e exalando o odor

    do campo que atravessara. Imediatamente ela punha-lhe a mesa. Almoavam frente a frente; e,comendo ela o mnimo possvel para poupar despesas, enchia-o de comida a tal ponto que eleacabava adormecendo. Ao primeiro toque das vsperas, despertava-o, escovava-lhe as calas, fazia-lhe o n da gravata, e l ia para a igreja, apoiada em seu brao com um orgulho maternal.

    Os pais do rapaz encarregavam-no sempre de tirar dela alguma coisa quer fosse um pacote deacar mascavo, ou sabo, aguardente, s vezes at mesmo dinheiro. Ele trazia suas roupas velhaspara a tia remendar; e ela aceitava essa tarefa, feliz por ver nisso um motivo que o forava a voltar.

    No ms de agosto, seu pai o encaminhou navegao de cabotagem.Era a poca das frias. A chegada dos meninos consolou-a. Mas Paulo tornava-se caprichoso, e

    Virgnia j no estava em idade de ser tratada por Felicidade, o que punha entre as duas umconstrangimento, uma barreira.

    Vtor foi sucessivamente a Morlaix, a Dunquerque e a Brighton; ao regressar de cada viagem,trazia-lhe um presente: a primeira vez, uma caixinha feita de conchas; a segunda, uma xcara paracaf; a terceira, um grande boneco de po de mel. Ia-se tornando bonito, tinha um corpo elegante, umcomeo de bigode, olhos francos e bons, um chapeuzinho de couro jogado para trs, como um piloto.Divertia-a contando-lhe histrias mescladas de termos martimos.

    Uma segunda-feira, 14 de julho de 1819 (ela no esqueceu a data), Vtor anunciou que estavaescalado para longa viagem, e dois dias depois, noite, pelo barco de Honfleur, alcanaria a suaescuna, que no tardaria a levantar ferro do Havre. Ficaria, talvez, uns dois anos ausente.

    A perspectiva de tal ausncia entristeceu Felicidade; e para se despedir dele uma vez mais, nanoite de quarta-feira, aps o jantar da senhora, calou as galochas e devorou as quatro lguas queseparam Pont-lvque de Honfleur.

    Ao chegar diante do Calvrio em vez de tomar esquerda, tomou direita, perdeu-se nosestaleiros, refez todo o caminho; pessoas a quem se dirigiu animaram-na a se apressar. Contornou a

  • doca cheia de navios, chocando-se contra as amarras; depois o terreno baixou, entrecruzaram-seluzes, e ela pensou ter ficado louca ao avistar cavalos no cu.

    Outros relinchavam, beira do cais, apavorados com o mar. Um guincho que os levantavacolocava-os numa barca, onde se acotovelavam passageiros entre barricas de sidra, cestas de queijo,sacos de sementes; ouviam-se cacarejos de galinhas, o capito praguejando; e um grumete ficava lde cotovelo apoiado no turco, indiferente a tudo ao seu redor. Felicidade, que no o reconhecera,gritava: Vtor! ele levantou a cabea; ela ia se atirar, quando, de repente, retiraram a escada.

    O barco, que mulheres a cantar, puxavam com cordas ao longo da margem, deixou o porto. Suacarcaa estalava, ondas pesadas fustigavam-lhe a proa. A vela virara, no se viu mais ningum; e,sobre o mar prateado pela lua, ele projetava uma negra mancha que foi empalidecendo cada vezmais, afastou-se, e desapareceu.

    Felicidade, passando perto do Calvrio, quis recomendar a Deus o que ela possua de mais caro; erezou demoradamente, de p, a face banhada em lgrimas, olhos voltados para as nuvens. A cidadedormia, funcionrios aduaneiros passeavam; e caa gua sem parar pelos buracos da comporta, comum rudo de torrente. Soaram duas horas.

    O parlatrio no abriria antes do dia raiar. Um atraso, evidentemente, contrariaria a senhora; eapesar do seu desejo de abraar outra criana, ela voltou. As criadas da estalagem estavamacordando quando ela entrou em Pont-lvque.

    E l ia o pobre rapazinho rolar durante meses sobre as ondas! Suas viagens anteriores no a tinhamatemorizado. Da Inglaterra e da Bretanha a gente voltava; mas a Amrica, as Colnias, as Ilhas, issose perdia numa regio incerta, no outro extremo do mundo.

    A partir da, Felicidade pensava exclusivamente no sobrinho. Nos dias de sol, atormentava-se coma sede; se havia tempestade, temia que um raio o atingisse. Ouvindo o vento que rosnava na chamine levava as ardsias, ela via-o atacado por essa mesma tormenta, no cimo de um mastro destroado,todo o corpo para trs, sob uma camada de espuma; ou ento lembrana da geografia com gravuras ele era comido pelos selvagens, apanhado numa floresta por macacos, agonizava ao longo de umapraia deserta. Mas ela nunca falava de suas apreenses.

    A Sra. Aubain tinha as suas, a respeito da filha.As irms achavam que ela era afetuosa, mas de sade delicada. A menor emoo a enervava. Teve

    de abandonar o piano.Sua me exigia do convento uma correspondncia regular. Numa manh em que o carteiro no

    apareceu, ela se impacientou, e ps-se a caminhar na sala, da poltrona para a janela. Era realmenteextraordinrio! Quatro dias sem notcias!

    Para consol-la com o seu exemplo, Felicidade lhe disse: Pois eu, senhora, h seis meses que no recebo nenhuma!... De quem mesmo?...A criada replicou timidamente: Mas... do meu sobrinho! Ah! Seu sobrinho! E, dando de ombros, a Sra. Aubain retomou o seu passeio, como que

    dizendo: Eu nem me lembrava dele!... Alm do mais, pouco me importa! Um grumete, um p rapado,veja s!... Enquanto que minha filha!... Imagina!...

    Felicidade, embora acostumada com a rudeza, ficou indignada com a senhora; mas depoisesqueceu.

    Ela compreendia que algum pudesse ficar daquele jeito por causa da menina.As duas crianas tinham importncia igual; um liame de seu corao as unia, e o destino delas

  • devia ser o mesmo.O farmacutico informou-a de que o barco de Vtor chegara a Havana. Ele lera a notcia num

    jornal.Por causa dos charutos, Havana, para ela, era um pas em que no se fazia outra coisa seno fumar,

    e Vtor circulava entre negros numa nuvem de tabaco. Ser que daria em caso de necessidadevoltar de l por terra? A que distncia ficava de Pont-lvque? Para sab-lo, ela perguntou ao Sr.Bourais.

    Este pegou o atlas, e comeou a dar-lhe explicaes sobre longitudes; e exibia um grande sorrisopedante em face do espanto de Felicidade. Por fim, com sua lapiseira, indicou nos recortes de umamancha oval, um ponto negro, imperceptvel, acrescentando: aqui. Ela se inclinou sobre o mapa;aquela rede de linhas coloridas cansava-lhe a vista, sem nada lhe ensinar; e como Bourais a incitassea dizer o que a embaraava, ela pediu que lhe mostrasse a casa onde morava Vtor. Bourais levantouos braos, espirrou, riu para valer; uma tal candura excitava-lhe a alegria; e Felicidade no entendiaa reao dele ela que talvez esperasse at ver o retrato do sobrinho, de tal maneira era deinteligncia limitada.

    Passados quinze dias, Libard, hora habitual das compras, entrou na cozinha, e entregou-lhe umacarta que lhe mandava seu cunhado. Como nenhum dos dois soubesse ler, ela recorreu senhora.

    A Sra. Aubain, que contava as malhas de um tric, colocou-o de lado, abriu a carta, estremeceu, e,em voz baixa, com olhar profundo:

    uma desgraa... que lhe anunciam. O seu sobrinho...Ele morrera. Era s o que dizia a carta.Felicidade caiu numa cadeira, apoiando a cabea no tabique, e fechou as plpebras, que de repente

    ficaram rseas. Depois, com a fronte baixa, as mos pendentes, o olhar fixo, repetia, de quando emquando:

    Pobre menino! Pobre menino!Libard observava-a, suspirando. A Sra. Aubain tremia um pouco.Props-lhe que fosse ver a irm, em Trouville.Felicidade respondeu, com um gesto, que ela no precisava disso.Houve um silncio. O bom do Libard achou por bem retirar-se.Disse ela, ento: Para eles isso no conta!Sua cabea descaiu outra vez; e maquinalmente ela levantava, de vez em quando, as longas agulhas

    da mesa de costura.Algumas mulheres passaram no ptio carregando uma padiola com roupa branca, que gotejava.Ao v-las pelos vidros da janela, lembrou-se da sua barrela; tendo-a escorrido na vspera, devia

    enxagu-la nesse dia; e saiu do aposento.Sua prancha e sua vasilha estavam beira do Toucques. Atirou sobre o talude um monte de

    camisas, arregaou as mangas, pegou do batedouro, e as pancadas que dava eram ouvidas em todosos jardins das redondezas. Os prados estavam desertos, o vento agitava o rio; ao fundo, ervas altas sedebruavam sobre ele, como cabeleiras de cadveres flutuando. Ela controlava o seu sofrimento: at noite mostrou-se muito firme; mas, no seu quarto, entregou-se dor, de bruos sobre o colcho,com o rosto no travesseiro, e os punhos apertando as frontes.

    Muito mais tarde, soube, pelo prprio comandante de Vtor, as circunstncias de sua morte.Tinham-no sangrado em excesso no hospital, por causa da febre amarela. Quatro mdicos oseguravam. Morrera instantaneamente, e o chefe dissera:

  • Pronto, mais um!Seus pais sempre o haviam tratado com crueldade. Ela preferiu no voltar a v-los; e eles tambm

    no fizeram nada para se encontrarem, por descaso, ou por insensibilidade de gente miservel.Virgnia definhava.Sufocaes, tosse, febre permanente, as mas do rosto marmorizadas revelavam alguma afeco

    profunda. O Dr. Poupart aconselhara uma temporada na Provena. A Sra. Aubain concordou, e teriafeito voltar a filha logo para casa, no fosse o clima de Pont-lvque.

    Contratou os servios de um alugador de carros para lev-la todas as teras-feiras ao convento.H no jardim um terrao de onde se avista o Sena. Ali, Virgnia passeava de brao dado com ela,sobre as folhas de pmpano cadas. s vezes o sol, atravessando as nuvens, forava-a a piscar,enquanto olhava as velas ao longe e todo o horizonte, desde o castelo de Tancarville at os faris doHavre. Depois repousavam sob o caramancho. Sua me comprara um pequeno barril de excelentevinho de Mlaga; e, rindo ideia de ficar tonta, bebia dois dedos, nada mais.

    Retomou foras. O outono escoou-se suavemente. Felicidade tranquilizava a Sra. Aubain. Mas,numa tarde em que fora fazer compras nas proximidades, encontrou diante da porta o cabriol do Dr.Poupart; ele estava no vestbulo. A Sra. Aubain atava o chapu.

    Traga o meu aquecedor de ps, minha bolsa e as luvas. Depressa!Virgnia estava com pneumonia; a situao parecia desesperadora. Ainda no ! disse o mdico; e os dois subiram no veculo, sob um turbilho de flocos de neve.

    A noite ia baixando. O frio era intenso.Felicidade correu para a igreja, a fim de acender uma vela. Depois se lanou em perseguio do

    cabriol, que alcanou ao cabo de uma hora, agarrou-se rpido por trs, dependurando-se na beirada,quando de repente refletiu: O ptio no estava fechado! E se entrassem ladres? E apeou-se.

    No dia seguinte, logo ao amanhecer, foi ao consultrio do mdico. Ele voltara para casa, eretornara ao campo. Ela ficou na estalagem, acreditando que desconhecidos lhe trariam uma carta.Finalmente, mal clareou, tomou a diligncia de Lisieux.

    O convento era no fundo de um beco escarpado. J a meio caminho, ouviu sons estranhos, umdobrar de sinos de finados. por outros, pensou; e Felicidade puxou violentamente a aldraba.

    Passaram-se alguns minutos, um arrastar de chinelos, a porta se entreabriu, e uma religiosaapareceu.

    A freira, com ar compungido, disse que ela acabava de deixar este mundo. Enquanto isso, odobre de Saint-Lonard aumentava.

    Felicidade chegou ao segundo andar.Da soleira do quarto, avistou Virgnia estendida, de mos postas, a boca aberta, e a cabea

    descada para trs sob uma cruz negra que se inclinava para ela, entre as cortinas imveis, menosplidas que o seu semblante. A Sra. Aubain, ao p do leito, a que estava abraada, soltava soluos deagonia. A Superiora achava-se de p, direita. Trs castiais, na cmoda, faziam manchas vermelhase o nevoeiro clareava as janelas. A Sra. Aubain foi levada por algumas religiosas.

    Durante duas noites, Felicidade no deixou a defunta. Repetia as mesmas oraes, aspergia gua-benta sobre os lenis, tornava a sentar-se, e ficava a contempl-la. Passada a primeira viglia, notouque o rosto amarelecera, os lbios arroxearam, o nariz se afilava, os olhos se encovavam. Beijou-osvrias vezes e no teria sentido grande espanto se Virgnia os houvesse reaberto; para almas assim osobrenatural visto com simplicidade. Vestiu-a, envolveu-a na mortalha, desceu-a no atade,colocou-lhe uma coroa, estendeu-lhe os cabelos. Eram louros, e extraordinariamente longos para aidade da menina. Felicidade cortou uma boa mecha, pondo a metade no seio, decidida a nunca mais

  • se separar deles.O corpo foi levado para Pont-lvque, segundo a vontade da Sra. Aubain, que acompanhava a

    carruagem fnebre, num carro fechado.Aps a missa, foram precisos ainda trs quartos de hora para chegar ao cemitrio. Paulo ia

    frente, soluando. O Sr. Bourais vinha atrs, em seguida as pessoas mais importantes, as mulheres,cobertas de mantilhas pretas, e Felicidade. Ela pensava no sobrinho, e, no tendo podido prestar-lheessas homenagens, aumentava ainda mais a sua tristeza, como se o enterrasse junto com a menina.

    O desespero da Sra. Aubain no teve limites.No comeo ela se revoltou contra Deus, achando-o injusto por lhe haver tirado a filha ela que

    nunca praticara o mal e cuja conscincia era to pura! Mas no! Deveria t-la levado para o Sul.Outros mdicos a teriam salvo! Acusava-se, queria ir juntar-se filha, gritava desesperada no meiode seus sonhos. Um destes, principalmente, a obsediava. Seu marido, vestido de marinheiro,retornava de uma longa viagem e dizia-lhe chorando, que recebera ordem de levar Virgnia. Entoeles se juntavam para arranjar um esconderijo nalgum lugar.

    Uma vez, ela voltou do jardim transtornada. Naquele mesmo instante (e mostrava o lugar) pai efilha haviam-lhe aparecido juntos, e no faziam nada; s faziam olh-la.

    Durante vrios meses permaneceu no quarto, inerte. Felicidade ralhava com ela brandamente;devia viver, para seu filho, e para a outra, em lembrana dela.

    Ela? replicava a Sra. Aubain, como que despertando. Ah! sim!... sim!... Voc no a esquece!Aluso ao cemitrio, que lhe haviam escrupulosamente proibido.Felicidade todos os dias ia l.s quatro horas em ponto, ia rente s casas, subia a encosta, abria a porteira, e chegava ao tmulo

    de Virgnia. Era uma pequena coluna de mrmore rseo, uma laje como base, e rodeada de correntesque encerravam um jardinzinho. As molduras desapareciam sob uma cobertura de flores. Regava-lhes as folhas, renovava a areia, punha-se de joelhos para melhor revolver a terra. Quando a Sra.Aubain pde ir ao cemitrio, sentiu um alvio, uma espcie de consolo.

    Os anos foram passando, todos iguais e sem outros episdios a no ser a repetio das grandesfestas: a Pscoa, a Assuno, o dia de Todos os Santos. Acontecimentos domsticos assinalavam umadata que mais tarde servia como referncia. Assim, em 1825, dois vidraceiros taparam com massa osburacos do vestbulo; em 1827, parte do telhado caiu no ptio, e quase matou um homem. No verode 1828, coube a Sra. Aubain oferecer o po bento; por essa altura, Bourais ausentou-semisteriosamente; e as antigas relaes pouco a pouco foram desaparecendo: Guyot, Libard, a Sra.Lechaptois, Robelin, o tio Gremanville, havia muito tempo j paraltico.

    Certa noite, o condutor da diligncia anunciou em Pont-lvque a Revoluo de Julho. Algunsdias depois, foi nomeado um novo subprefeito: o Baro de Larsonnire, ex-cnsul na Amrica, e quetinha em casa, alm da mulher, a cunhada com trs filhas, j bem crescidas. Podiam ser vistas nagrama do jardim, com blusas esvoaantes; possuam um negro e um papagaio. A Sra. Aubain, depoisda visita deles no deixou de retribu-la. Mal apareciam ao longe, Felicidade apressava-se logo empreveni-la. Mas s uma coisa era capaz de comov-la: as cartas do filho.

    De to absorvido que andava nos botequins, ele no podia seguir nenhuma carreira. A me pagava-lhe as dvidas; ele contraa outras; e os suspiros que soltava a Sra. Aubain, tricotando ao p dajanela, chegavam at Felicidade, que girava a sua roda de fiar na cozinha.

    Passeavam juntas ao longo das fileiras de rvores; e conversavam sempre sobre Virgnia seperguntando se tal coisa lhe agradaria, o que ela teria dito em determinada situao.

    Todos os pequenos objetos dela encontravam-se no armrio do quarto de duas camas. A Sra.

  • Aubain evitava ao mximo examin-los. Num dia de vero ela cedeu; e do armrio voaramborboletas.

    Os vestidos de Virgnia estavam alinhados sob uma prancha onde havia trs bonecas, arcos, umacasinha, a bacia que usava. Retiraram igualmente as anguas, as meias, os lenos, e estenderam tudosobre as camas, antes de voltarem a dobrar. O sol iluminava essas pobres coisas, mostrava asmanchas, e as dobras formadas pelo movimento do corpo. O ar era quente e azul, um melro gorjeava,tudo parecia viver numa doura profunda. Elas encontraram um chapeuzinho de pelcia, de longospelos, castanho; mas estava todo comido de traa. Felicidade pediu-o para si. Os olhos de ambas sefixaram uma na outra, e se encheram de lgrimas; enfim, a patroa abriu os braos e a criada atirou-seneles; e abraaram-se muito, satisfazendo sua dor em um beijo que as irmanava.

    Isto acontecia pela primeira vez na vida de ambas, pois a Sra. Aubain no era de naturezaexpansiva. Felicidade ficou-lhe grata como por um benefcio, e desde ento a estimou com umdevotamento irracional, e uma venerao religiosa.

    A bondade de seu corao aumentou ainda mais.Ao ouvir na rua os tambores de um regimento em marcha, punha-se porta com uma moringa de

    sidra, e dava de beber aos soldados. Cuidou dos vitimados pela clera. Protegia os poloneses; ehouve at um que a quis desposar. Mas eles se aborreceram um com o outro; porque certa manh devolta da igreja, onde fora rezar o ngelus, ela encontrou-o na cozinha, onde entrara furtivamente etemperara com vinagre um prato que comia com toda a calma.

    Depois dos poloneses, foi a vez do tio Colmiche, um velho conhecido por ter feito horrores em 93.Morava beira do rio, nos escombros de um chiqueiro. Os garotos espiavam-no pelas fendas daparede e atiravam-lhe pedras que caam no catre onde ele jazia, continuamente sacudido pelo catarro,de cabelos muito compridos, plpebras inflamadas, e no brao um tumor maior que a sua cabea. Elaarranjou-lhe alguma roupa, tratou de limpar-lhe a pocilga, cogitava instal-lo junto ao forno, sem queele incomodasse a senhora. Quando o tumor estourou, ela fez-lhe curativo todos os dias; s vezeslevava-lhe bolacha, punha-o ao sol sobre um monte de palha; e o pobre velho, babando e tremendo,agradecia-lhe com um fio de voz; temendo perd-la, estendia os braos assim que ela se afastava.Morreu; ela mandou rezar missa pelo repouso de sua alma.

    Naquele dia, adveio-lhe uma grande felicidade: hora do jantar, chegou o negro da Sra. deLarsonnire, trazendo o papagaio na gaiola, com o poleiro, a corrente e o cadeado. Um bilhete dabaronesa participava Sra. Aubain que, tendo seu marido sido nomeado para uma prefeitura, partiamnessa noite, e pedia-lhe para aceitar aquele pssaro como lembrana, em testemunho de suaconsiderao.

    H muito tempo que ele ocupava a imaginao de Felicidade, pois vinha da Amrica! E estapalavra lhe fazia lembrar Vtor; por isso perguntava sempre pelo bicho ao negro. Chegou at, umavez, a dizer:

    Minha patroa que ficaria contente com aquele papagaio!O negro repetiu estas palavras sua patroa que, no podendo levar o pssaro consigo, dele se

    desfazia desse modo.

  • 4Chamava-se Lulu. Seu corpo era verde, a ponta das asas cor-de-rosa, a testa azul e a gargantadourada.

    Mas tinha a cansativa mania de morder o poleiro, arrancava-se as penas, espalhava suas sujidades,espargia a gua da sua banheira; a Sra. Aubain, a quem ele irritava, deu-o para sempre a Felicidade.

    Ela comeou a instru-lo; e no tardou muito o papagaio j repetia: Rapaz simptico! Seu criado,senhor! Ave Maria! Colocado ao p da porta, muitos se admiravam de ele no atender por Jacquot,pois todos os papagaios se chamavam Jacquot. Achavam-no um bobo, um bicho sem graa: isto erapunhalada para Felicidade! Estranha teimosia a de Lulu: ficava mudo assim que olhavam para ele!

    No entanto procurava companhia; pois aos domingos, enquanto as Srtas Rochefeuille, o Sr. deHoupeville e novos frequentadores da casa, Onfroy, o boticrio, o Sr. Varin e o Capito Mathieujogavam sua partida de cartas, ele batia na vidraa com as asas, e debatia-se to furiosamente queera impossvel algum escutar outra coisa.

    A Cara de Bourais, na certa, devia parecer-lhe muito engraada. Assim que o avistava, desatava arir, a rir at mais no poder. A estridncia de sua voz ecoava no ptio, os vizinhos chegavam janela,riam-se tambm; para no ser visto pelo papagaio, o Sr. Bourais passava rente s paredes,dissimulando o seu perfil com o chapu, alcanava o rio, depois entrava pela porta do jardim; e osolhares que atirava ave no eram nada ternos.

    Uma vez Lulu levou um piparote do empregado do aougue, por ter ousado enfiar a cabea nocesto dele; e desde ento Lulu sempre tentava belisc-lo atravs da camisa. Fabu ameaava torcer-lhe o pescoo, apesar de no ser cruel, como poderiam fazer crer a tatuagem dos seus braos e asvastas suas. Pelo contrrio! Tinha at um certo fraco pelo papagaio, a ponto de querer, porbrincadeira, ensinar-lhe insultos. Felicidade, horrorizada com essas maneiras, ps o bicho nacozinha. Tirada a corrente, ele comeou a circular pela casa.

    Quando descia a escada, apoiava nos degraus a curva do bico, erguia a pata direita, em seguida aesquerda; e ela temia que uma tal ginstica lhe causasse tonturas. Ele ficou doente, parando de falar ede comer. Tinha sob a lngua uma espcie de crosta como costumam ter as galinhas. Ela o curou,arrancando-lhe essa pelcula com as unhas. Um dia o Sr. Paulo cometeu a imprudncia de soprar-lhenas narinas a fumaa de um charuto; outra vez, como a Sra. Lormeau o cutucasse com a ponta dasombrinha, ele abocanhou-lhe a virola; por fim, desapareceu.

    Ela pusera-o na grama para tomar ar fresco, e ausentou-se por alguns instantes; quando voltou, opapagaio tinha sumido! Comeou por procur-lo nas moitas, beira do rio e nos telhados, sem darouvidos patroa que lhe gritava: Tome cuidado! Voc louca! Depois, correu todos os jardins dePont-lvque; e detinha os transeuntes: Ser que no viu, por acaso, o meu papagaio? Aos queno conheciam o bicho, ela o descrevia. Num relance, pensou ter avistado por trs dos moinhos,embaixo da encosta, uma coisa verde esvoaando. Mas no alto da encosta, nada! Um vendedorambulante lhe afirmou t-lo encontrado pouco antes, em Saint-Melaine, na loja da velha Simon.Correu para l. Ningum entendeu o que ela queria. Finalmente, voltou para casa, esgotada, com aschinelas rotas, a alma em pedaos; e, sentada no meio do banco, perto da patroa, contava todas assuas buscas, quando um leve peso lhe caiu no ombro: Lulu! Por onde esse diabo teria andado? Talveza passear pelas redondezas!

  • Custou a refazer-se do choque, ou melhor, nunca mais se refez.Em consequncia de um resfriado, contraiu uma angina; pouco depois, dor de ouvidos. Passados

    trs anos estava surda; e falava muito alto, at na igreja. Ainda que os seus pecados pudessem, semdesonra para ela, nem inconveniente para a sociedade, propagar-se a todos os cantos da diocese, oSr. Cura achou por bem no ouvi-la mais em confisso a no ser na sacristia.

    Zumbidos ilusrios aumentavam ainda mais sua perturbao. A senhora muitas vezes lhe dizia:Meu Deus! Como voc boba!, e ela respondia: Sim, senhora! procurando algo sua volta.

    O limitado crculo de suas ideias restringiu-se bastante, e o carrilho, o mugido dos bois, para eladeixaram de existir. Todos os seres funcionavam com o silncio dos fantasmas. Agora, um nicorudo chegava aos seus ouvidos: a voz do papagaio.

    Como para a distrair, ele imitava o rudo da mquina de assar carne, o chamado agudo dopeixeiro, o serrote do marceneiro em frente; e, ao ouvir os toques da campainha, fazia como a Sra.Aubain: Felicidade! A porta! A porta!

    Mantinham dilogos, ele declamando at a exausto as trs frases do seu repertrio, e elarespondendo-lhe com palavras sem muito sentido, mas em que punha muito do seu corao. Em seuisolamento, Lulu era como um filho, um namorado. Pulava-lhe nos dedos, mordiscava-lhe os lbios,pendurava-se na sua mantilha; e, quando ela inclinava a fronte agitando a cabea ao jeito das babs,as grandes asas da touca e as asas da ave estremeciam juntas.

    Quando se amontoavam nuvens e o trovo ribombava, ele dava gritos, lembrando-se talvez dachuvarada de sua floresta natal. O jorrar da gua levava-o ao delrio; esvoaava desvairado, subiaao teto, derrubava tudo, e pela janela, ia chafurdar no jardim; mas no tardava a voltar para cima dascolunas da lareira, e, saltitante para secar as penas, exibia ora a cauda, ora o bico.

    Numa manh do terrvel inverno de 1837 em que ela o pusera diante da lareira, por causa do frio,encontrou-o morto, no meio da gaiola, com a cabea para baixo e as unhas nos arames. Umacongesto o matou quem sabe? Ela chegou a pensar em envenenamento por meio de salsa; e, apesarda inexistncia de quaisquer provas, suas suspeitas recaram sobre Fabu.

    Chorou tanto que a patroa lhe disse: Mande-o empalhar, ora!Aconselhou-se com o farmacutico, que sempre fora bondoso com o papagaio.Ele escreveu para o Havre. Um certo Fellacher encarregou-se da tarefa. Mas, como por vezes a

    diligncia extraviava as encomendas, ela resolveu lev-lo pessoalmente at Honfleur.As macieiras desfolhadas sucediam-se beira da estrada. Os fossos estavam cobertos de gelo.

    Ladravam ces volta das fazendas; e com as mos sob a capa, os tamanquinhos pretos e o cesto, ialigeira, pelo meio da estrada.

    Atravessou a floresta, transps o Haut-Chne, alcanou Saint-Gatien.Atrs dela, numa nuvem de poeira, uma diligncia em disparada precipitava-se pela ladeira como

    um ciclone. Vendo aquela mulher que parecia alheada, o boleeiro ergueu-se acima da capota, com omensageiro gritando tambm, enquanto os quatro cavalos, que ele no podia deter, aceleravam amarcha; os dois primeiros passaram-lhe rentes; com um puxo de rdeas, atirou-os para um lado daestrada, mas furioso, levantou o brao, e a toda a fora, com seu enorme chicote vibrou-lhe do ventre nuca um tal golpe que ela caiu de costas.

    Seu primeiro gesto, quando recuperou os sentidos, foi abrir o cesto. Nada acontecera a Lulu,felizmente. Sentiu arder-lhe a bochecha direita; ao passar as mos, viu-as vermelhas. O sangueescorria.

    Sentou-se num monte de pedras, enxugou a cara com o leno, depois comeu uma crosta de po, que

  • pusera no cesto por precauo e consolava-se da ferida contemplando o papagaio.Chegada ao cimo de Ecquemauville, divisou as luzes de Honfleur que cintilavam na noite como um

    cho de estrelas. O mar, mais alm, espalhava-se confusamente. Ento, uma fraqueza a deteve; e amisria da sua infncia, a decepo do primeiro amor, a partida do sobrinho, a morte de Virgnia,como ondas de mar, reapareceram ao mesmo tempo e, subindo-lhe garganta, sufocavam-na.

    Depois, quis falar ao comandante do navio; e, sem dizer o que enviava, fez-lhe recomendaes.Fellacher ficou muito tempo com o papagaio. Prometia-o sempre para a semana seguinte; ao cabo

    de seis meses, anunciou a partida de uma caixa; e no se falou mais nisso. Era de crer que Lulu nuncamais voltaria. Devem t-lo roubado!, pensava ela.

    Finalmente ele chegou , e esplndido, empertigado num galho de rvore, aparafusado em pedestalde mogno, com uma pata no ar, a cabea meio de lado, e mordendo uma noz, que, por amor ao luxo, oempalhador pintou de dourado. Felicidade fechou-o no seu quarto.

    Este lugar, onde ela recebia pouca gente, tinha, ao mesmo tempo, um aspecto de capela e de bazar,tantos eram os objetos religiosos e coisas esquisitas que continha.

    Um grande armrio tornava difcil abrir a porta. Diante da janela que se salientava para o jardim,havia uma claraboia dando para o ptio; sobre a mesa, perto da cama de lona, havia um jarro degua, dois pentes, e um cubo de sabo azul num prato lascado. Viam-se nas paredes: rosrios,medalhas, diversas Virgem Maria, uma pia de gua-benta de casca de coco; sobre a cmoda, cobertacom um pano como um altar, o cofrezinho de conchas oferecido por Vtor; depois, um regador e umabola, cadernos de caligrafia, a geografia ilustrada, um par de botinas; e no prego do espelho,pendurado pelas fitas, o chapeuzinho de pelcia! Esta espcie de respeito levava Felicidade a pontode conservar uma das sobrecasacas do senhor. Todas as velharias desprezadas pela Sra. Aubain, elapegava-as para o seu quarto. Por isso que tinha flores artificiais beira da cmoda e o retrato doConde de Artois no vo da lucarna.

    Usando uma tabuinha, Lulu foi acomodado sobre uma salincia da lareira que avanava no quarto.Todas as manhs, ao acordar, ela o avistava claridade da aurora, e recordava ento os dias idos, einsignificantes aes at em seus mnimos pormenores, sem dor, cheia de tranquilidade.

    No se comunicando com ningum, vivia num torpor de sonmbula. As procisses de CorpusChristi a reanimavam. Ia casa das vizinhas em busca de archotes e capachos, a fim de ornamentar oaltar que erguiam na rua.

    Na igreja, contemplava sempre o Esprito Santo, e achou que ele tinha algo do papagaio. Estasemelhana lhe pareceu ainda mais evidente numa imagem de pinal que representava o batismo deNosso Senhor. Com suas asas de prpura e seu corpo de esmeralda, era o prprio retrato de Lulu.

    Tendo-a comprado, pendurou-a no lugar do Conde de Artois de modo que, numa s mirada, osvia juntamente. Associaram-se os dois na sua mente, achando-se o papagaio santificado por essarelao com o Esprito Santo, que se tornava mais vivo e inteligvel a seus olhos. O Pai, para semanisfestar, no pudera escolher uma pomba, visto que essas aves no tm voz, mas sim um dosantepassados de Lulu. E Felicidade rezava fitando a imagem, mas de vez em quando virava-se umpouco para Lulu.

    Sentiu desejo de fazer os votos para ser uma filha de Maria. A Sra. Aubain dissuadiu-a disso.Deu-se um acontecimento considervel: o casamento de Paulo.Depois de ter sido, no comeo, escrevente de cartrio, e de haver trabalhado no comrcio, na

    Alfndega, na Recebedoria, e at ter tentado entrar no servio de guas e matas, de repente, aos trintae seis anos, por uma inspirao celeste, encontrara o seu rumo: o cartrio de registros! E nistomostrara to grandes aptides que um fiscal lhe oferecera a filha, prometendo-lhe proteo.

  • Paulo, tornado homem srio, levou-a casa de sua me.A moa denegriu os costumes de Pont-lvque, fez-se de princesa, magoou Felicidade. Quando

    ela saiu, a Sra. Aubain sentiu-se aliviada.Na semana seguinte, soube-se da morte do Sr. Bourais, na baixa Bretanha, numa estalagem. O

    rumor de suicdio foi confirmado; levantaram-se dvidas sobre a sua probidade. Sra. Aubainexaminou as contas dele, e no tardou a saber de suas velhacarias: desvio de pagamentos atrasados,vendas de madeira em surdina, falsas quitaes de dvidas etc. Alm do mais, tinha um filho natural,e relaes com uma pessoa de Dozul.

    Essas torpezas afligiram-na muitssimo. No ms de maro de 1853, ela foi acometida por uma dorno peito; sua lngua parecia coberta de fumaa, as sanguessugas no lhe acalmaram a opresso; e nanona noite ela faleceu, com exatamente setenta e dois anos de idade.

    Supunham-na menos idosa, devido aos seus cabelos castanho-escuros, cujos bands lheemolduravam o rosto muito plido, marcado pela varola. Poucos amigos a lamentaram, pois seusmodos eram de uma soberba que afastava as pessoas.

    Felicidade chorou-a, como no se choram os patres. Que a senhora tivesse morrido antes dela,isso embaralhava suas ideias, parecia-lhe contrrio ordem das coisas, inadmissvel e monstruoso.

    Passados dez dias (o tempo de virem de Besanon), chegaram os herdeiros. A nora revistou asgavetas, escolheu uns mveis, vendeu outros, e depois o casal voltou aos registros.

    E l se foram a poltrona de patroa, sua mesinha de centro, o seu braseiro, as oito cadeiras! Nolugar das gravuras desenhavam-se quadrados amarelos no meio dos tabiques. Haviam levado as duascaminhas, com seus colches, e no armrio nada mais se via de todos os objetos de Virgnia!Felicidade subiu as escadas, tomada de tristeza.

    No dia seguinte havia na porta um cartaz; o boticrio gritou-lhe ao ouvido que a casa est venda.Ela cambaleou, e foi obrigada a sentar-se.O que mais a desolava era ter de abandonar o seu quarto to cmodo para o pobre Lulu.

    Envolvendo-o num olhar de angstia, implorava o Esprito Santo, e adquiriu o costume idlatra defazer as suas preces ajoelhada diante do papagaio. s vezes, o sol, entrando pela lucarna, refletia-seno olho de vidro da ave, e dele fazia brotar um grande raio luminoso que a punha em xtase.

    A patroa legara-lhe uma renda de trezentos e oitenta francos. A horta abastecia-a de legumes.Quanto roupa, tinha com que se vestir at o fim dos seus dias, e poupava a luz deitando-se logo queescurecia.

    Pouco saa, para evitar a loja de quinquilharia, onde estavam expostos alguns dos antigos mveis.Desde quando desmaiara, puxava por uma perna, e, como lhe diminuam as foras, a velha Simon,arruinada com o armazm, vinha todas as manhs rachar lenha e bombear-lhe a gua.

    Sua vista foi enfraquecendo. J no abria as persianas. Passaram-se muitos anos. E a casa no sealugava nem se vendia.

    Receando ser despedida, Felicidade no pedia que fizesse consertos. As ripas do teto apodreciam;durante todo um inverno pingou gua em seu travesseiro. Aps a Pscoa, ela cuspiu sangue.

    A velha Simon, ento recorreu a um mdico. Felicidade quis saber o que tinha. Mas, devido suaextrema surdez, s ouviu uma palavra, pneumonia, que lhe era conhecida. E ela replicousuavemente: Ah! Como a senhora, achando natural seguir a sua ama.

    Aproximava-se a poca das procisses e com seus altares.O primeiro situava-se sempre ao p da encosta, o segundo diante dos correios, o terceiro mais ou

    menos no meio da rua. Houve rivalidades quanto a este; e as paroquianas acabaram escolhendo optio da Sra. Aubain.

  • As sufocaes e a febre aumentavam. Felicidade atormentava-se por nada poder fazer para o altar.Se ao menos pudesse pr l alguma coisa! E pensou no papagaio. No ficava bem, objetaram asvizinhas. Mas o padre permitiu; sentiu-se to feliz com isso que lhe rogou aceitar Lulu, quando elamorresse, sua nica riqueza.

    Da tera-feira ao sbado, vspera da festa de Corpus Christi, tossiu com mais frequncia. noite,seu rosto estava crispado, os lbios colavam-se s gengivas, vieram vmitos; e no dia seguinte, demanhzinha, sentindo-se muito mal, mandou chamar um padre.

    Trs pobres mulheres a rodeavam durante a extrema-uno. Depois ela declarou que precisavafalar com Fabu.

    Ele chegou em vestes domingueiras, contrafeito naquela atmosfera lgubre. Perdoe-me disse ela, esforando-se por estender o brao. Eu pensava que voc o tinha

    matado!Que significava aquele falatrio? T-lo sob suspeita de um assassnio, um homem como ele! E ele

    indignava-se, ia fazer algazarra. Ela j no sabe o que diz, vocs esto vendo!Felicidade, de vez em quando, falava, dirigindo-se a sombras. As mulheres afastaram-se. A velha

    Simon foi comer.Um pouco mais tarde, pegou Lulu e, aproximando-o de Felicidade: Vamos! diga-lhe adeus!Embora no fosse um cadver, os vermes o devoraram; com uma das asas quebrada, a estopa saa-

    lhe do ventre. Mas, agora cega, ela beijou-lhe a testa, e mantinha-o junto ao rosto. A velha Simonretomou-o, para coloc-lo no altar.

  • 5As pastagens emanavam o odor do vero; zumbiam moscas; o sol rebrilhava no rio, esquentava asardsias. A velha Simon, que retornara ao quarto, dormitava tranquilamente.

    Toques de sino despertaram-na; era a sada das vsperas. O delrio de Felicidade cessou.Pensando na procisso, ela a via, como se a acompanhasse.

    Todas as crianas das escolas, os coristas e os bombeiros caminhavam pelas caladas, enquanto,no meio da rua, avanavam em primeiro lugar: o suo armado com sua alabarda, o coroinha comuma grande cruz, o professor vigiando os garotos, a religiosa preocupada com suas meninas; trs dasmais graciosas, vestidas como anjos, atiravam para o ar ptalas de rosas; o dicono, de braosabertos, regia a msica; e dois turibulrios voltavam-se a cada passo para o Santssimo Sacramento,levado pelo Sr. Cura, em sua bela casula, sob um dossel de veludo avermelhado conduzido porquatro fabriqueiros. Uma onda humana acotovelava-se atrs, por entre as toalhas brancas querevestiam as paredes das casas; e chegavam ao p da encosta.

    Um suor frio molhava as tmporas de Felicidade. A velha Simon enxugava-a com um leno,dizendo consigo mesma que um dia tambm teria que passar por isso.

    O murmrio da multido cresceu, fez-se muito forte por um momento, depois distanciou-se.Uma fuzilaria estremeceu as vidraas. Eram os mensageiros saudando o ostensrio. Felicidade

    virou as pupilas e disse, o menos baixo que pde: Ele est bem l? preocupadssima com o papagaio.Entrou em agonia. Um estertor, cada vez mais precipitado, alava-lhe as costas. Golfadas de

    espuma saam-lhe dos cantos da boca, e todo o seu corpo tremia.No tardou muito, distinguiu-se o ressoar dos oficlides, as vozes claras das crianas, a voz

    profunda dos homens. Por momentos tudo se calava, e o bater dos passos, amortecido por flores,fazia o rumor de um rebanho sobre a grama.

    O grupo de sacerdotes apareceu no ptio. A velha Simon subiu numa cadeira para alcanar aclaraboia, e assim podia ver o altar.

    Grinaldas verdes pendiam sobre ele, ornado com uma cortina de renda da Inglaterra. Havia nocentro um pequeno quadro com relquias, duas laranjeiras nas quinas, e, por todo lado, castiais deprata e vasos de porcelana, donde se elevavam girassis, lrios, penias, dedaleiras, buqus dehortnsias. Esse amontoado de cores resplandecentes descia obliquamente, do primeiro andar aotapete, prolongando-se no calamento; e coisas raras atraam os olhos. Um aucareiro de pratadourada tinha uma coroa de violetas, pingentes de pedras de Alenon brilhavam sobre o musgo, doisbiombos chineses mostravam suas paisagens. Lulu, oculto sob rosas, deixava ver apenas a fronteazul, igual a uma placa de lpis-lazli.

    Os fabriqueiros, os coristas, os meninos enfileiraram-se nos trs lados do ptio. O padre subiulentamente os degraus e deps sobre a renda o seu grande ostensrio de ouro, que resplandecia.Todos se ajoelharam. Fez-se um grande silncio. E os turbulos, largamente balanados, deslizavamnas suas correntinhas.

    Um vapor celeste subiu ao quarto de Felicidade. Ela alargou as narinas, sorvendo-o com umasensualidade mstica; depois, cerrou as plpebras. Seus lbios sorriam. Os movimentos de seucorao afrouxaram aos poucos, cada vez mais vagos, mais suaves, como uma fonte seca, como um

  • eco desaparece; e, ao exalar o ltimo suspiro, ela acreditou ver, nos cus entreabertos, um papagaiogigantesco, pairando acima da sua cabea.

  • Ttulo original:UM COEUR SIMPLE

    Copyright 1986 by Fernando Sabino

    Direitos desta edio reservados EDITORA ROCCO LTDA.Av. Presidente Wilson, 231 8 andar20030-021 Rio de Janeiro RJTel.: (21) 3525-2000 Fax: (21) [email protected] / www.rocco.com.br

    Gerente editorialANA MARTINS BERGIN

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    Assistente de Produo DigitalJOANA DE CONTI

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  • CIP-Brasil. Catalogao na Publicao.Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

    F616cFlaubert, Gustave, 1821-1880

    Um corao singelo [recurso eletrnico] / Gustave Flaubert ; organizao de Fernando Sabino ; traduo de Lus deLima. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Rocco Digital, 2014.

    recurso digital

    Traduo de: Um coeur simple.ISBN 978-85-8122-340-7 (recurso eletrnico)

    1. Conto francs. 2. Livros eletrnicos. I. Sabino, Fernando, 1923-2004. II. Lima, Lus de, 1929-. III. Ttulo.14-08233 CDD: 843 CDU: 821.133.1-3

    O texto deste livro obedece s normas do Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa.

  • O Autor

    Gustave Flaubert nasceu na cidade de Rouen, Frana, em 1821, e morreu em Croisset, onde serefugiara para dedicar-se unicamente elaborao de sua obra. Chegou a iniciar estudos de Direitoem Paris, mas logo partiu para vrias viagens ao exterior (Itlia, Egito, Turquia, Arglia, Tunsia).Sua carreira literria teve incio em 1857 com Madame Bovary, sua obra mais famosa. Seu trabalholiterrio caracteriza-se pela descrio objetiva de personagens e acontecimentos, e uma obstinadapreocupao com o detalhe, excluindo qualquer sentimentalismo superficial que os temas pudesseminspirar. O seu Dictionnaire des ides reues (Dicionrio de lugares-comuns) foi traduzido no Brasilpor Fernando Sabino. Em 1862 publicou Salammb, seguido de Lducation sentimentale (Aeducao sentimental). Em 1874, La tentation de Saint Antoine (A tentao de Santo Antnio). Em1877, lanou Trois contes, cada um num estilo: Herdias, em estilo bblico, Saint Julienlhospitalier, em estilo medieval, e Um coeur simple, em estilo realista. Seu ltimo romance,Bouvard e Pecouchet ficou inacabado.

  • O Organizador

    Fernando Sabino iniciou sua carreira literria aos 13 anos, ainda em Belo Horizonte, onde nasceu,com a publicao de uma histria policial na revista da polcia local. Seu primeiro livro de contos,Os grilos no cantam mais, foi lanado quando ele tinha 17 anos. Depois vieram as crnicas sobrerdio em revistas cariocas e a colaborao regular em suplementos literrios nacionais. Mais tarde,escreveu muitos livros O encontro marcado, O grande mentecapto e O menino no espelho, entretantos outros que foram definitivos para a literatura brasileira.

    No dia 11 de outubro, vspera de completar 81 anos, Fernando Sabino morreu s 13 horas, emcasa, no Rio de Janeiro, em decorrncia de complicaes surgidas de um cncer no fgado. Do grupode quatro mineiros e amigos inseparveis que se destacaram na literatura durante mais de quatrodcadas Sabino, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Hlio Pellegrino o autor era onico que ainda vivia. Sabino deixou seu prprio epitfio. "Aqui jaz Fernando Sabino, nasceuhomem, morreu menino."

    ApresentaoUm corao singelo12345

    CrditosO AutorO Organizador