Água virtual é um termo usado para conceituar toda a água
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ENGENHARIA SANITÁRIA E MEIO
AMBIENTE
MONOGRAFIA DE FINAL DE CURSO
Água Virtual
Daniele Moraes Electo de Paiva
Belo Horizonte 2009
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Daniele Moraes Electo de Paiva
Água Virtual
Monografia apresentada ao Curso de Especialização em
Engenharia Sanitária e Meio Ambiente da Universidade
Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção
do título de Especialista em Engenharia Sanitária e
Tecnologia Ambiental.
Área de concentração: Tecnologia Ambiental
Orientador: Marcelo Libânio
Belo Horizonte
Escola de Engenharia da UFMG
2009
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Resumo
As formas de produção e consumo de bens vêm passando por grandes mudanças especialmente
nas últimas décadas. Como conseqüência, o modo de lidar com o meio ambiente, o uso de
fontes naturais de modo irrestrito e extenuante, e as práticas de conservação ambiental vêm
passando também, e por vezes de forma agressiva e irreversível, por fortes processos de
modificação. Como reflexo da procura pelo desenvolvimento racional e sustentável,
especialmente em termos ambientais, surgem ferramentas de gestão ambiental cujo uso permite
que o desempenho ambiental de uma organização seja informado e, a partir dessas
informações, mudanças sejam feitas buscando-se melhoria na produção e diminuição do
impacto ambiental causado pelo bem produzido. No que diz respeito aos recursos naturais
renováveis e não renováveis, a procura por „ferramentas‟ que amenizem o desgaste e
conseqüente esgotamento desses recursos tem sido intensa, especialmente considerando-se a
maior dificuldade imediata de mudança para outros meios e fontes de produção. As ferramenta
de gestão podem ser usadas como recursos de remanejamento dos meios de produção já
existentes objetivando-se sua maior eficiência.
Os recursos hídricos envolvidos na produção de alimentos e manufaturas aliado ao crescimento
populacional mundial em várias regiões do planeta passam por uma situação de „stress‟ pelo
seu uso intensivo. O conceito „água virtual‟ surge com o intuito de quantificar a água envolvida
nos meios de produção, e partir dessa quantificação, tornar possível o remanejamento do uso e
troca de água através da comercialização de produtos especialmente os agrícolas. O conceito
passa a ser de uso principalmente global, na medida em que é aplicado em estudos focados no
comércio internacional de alimentos, mas cujos princípios podem também ser aplicados em
nível regional. Através do estudo do conceito vislumbra-se o equilíbrio dos recursos hídricos de
forma globalizada, a priorização dos usos dos mesmos, distribuição mais equilibrada de
alimentos pelo globo, e a garantia de usufruto desses pelas gerações futuras. Mas como assunto
relativamente recente, há também diversos contrapontos a serem analisados visto que a água é
tratada como fonte de riqueza, recurso indispensável ao desenvolvimento econômico e social, e
que relacionada ao comércio internacional pode se transformar em objeto de disputa e conflito
entre nações.
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SUMÁRIO
LISTA DE ABREVIATURAS E SÍMBOLOS.........................................................................5
LISTA DE FIGURAS..................................................................................................................6
LISTA DE TABELAS.................................................................................................................7
1 INTRODUÇÃO...............................................................................................................8
2 OBJETIVO ....................................................................................................................11
3 METODOLOGIA .........................................................................................................12
4 REVISÃO DA LITERATURA....................................................................................13
4.1. O QUE É ÁGUA VIRTUAL.....................................................................................................13
4.2. FLUXO DE ÁGUA VIRTUAL.................................................................................................17
4.2.1 Quantificação da água virtual........................................................................17
4.2.2 Cálculo da água virtual...................................................................................20
4.3. ÁGUA VIRTUAL POR PRODUTO.........................................................................................22
4.4. BALANÇO DO FLUXO DE ÁGUA VIRTUAL NA IMPORTAÇÃO/EXPORTAÇÃO........27
4.5. O BRASIL E A COMERCIALIZAÇÃO DE ÁGUA VIRTUAL............................................37
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO.................................................................................42
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................45
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................47
5
LISTA DE ABREVIATURAS E SÍMBOLOS
IUCN - União Internacional para a Conservação da Natureza
PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
ONGs - Organizações não Governamentais
ONU- Organização das Nações Unidas
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação
ISO - Organização Internacional de Padronização
TAC - Comitê de Aconselhamento em Parcerias/ Técnica de Água Global
UNESCO-IHE - Instituto para Educação em Água da UNESCO
FAO – Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
CROPWAT – Sistema de suporte em programa criado pela FAO para o planejamento e
gerenciamento de culturas irrigáveis
CLIMWAT – Banco de dados climáticos usado em conjunto com o CROPWAT no
planejamento e gerenciamento de culturas irrigáveis.
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ANA – Agência Nacional de Águas
ETa – Evapotranspiração
Gm3/ano - Volume líquido/bruto comercializado entre regiões distintas (10
9 m
3)
6
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 4.1 - Esquema conceitual dos passos para as estimativas de comércio internacional de
água virtual........................................................................................................20
FIGURA 4.2 - Balanços nacionais de água virtual relacionados ao comércio internacional de
produtos. Período: 1997-2001...........................................................................29
FIGURA 4.3- Equilíbrio de água virtual regional e fluxo de água virtual inter-regional
relacionado a produtos agrícolas.......................................................................31
FIGURA 4.4 - Participação estadual na produção agrícola nacional esperado para a safra de
cereais, leguminosas e oleaginosas de 2009......................................................35
FIGURA 4.5 - Participação na produção por região.................................................................36
FIGURA 4.6 - Distribuição percentual dos usos para região hidrográfica.................................38
FIGURA 4.7 - Área irrigada por região hidrográfica.................................................................39
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LISTA DE TABELAS
Tabela 4.1- Conteúdo de água virtual de alguns produtos........................................................23
Tabela 4.2- Média global do conteúdo de água virtual para alguns produtos ..........................25
Tabela 4.3 – Água virtual relacionada a diferentes dietas........................................................26
Tabela 4.4 - Soma global anual do comércio de água virtual (1997-2001)..............................31
Tabela 4.5 - Maiores exportadores e importadores de água virtual. Período: 1997-2001........32
Tabela 4.6 – Dez maiores países em saldo positivo em exportação de água virtual.................34
Tabela 4.7 – Dez maiores países em saldo positivo em importação de água virtual................34
Tabela 4.8 – Exportação de água virtual (em bilhões de m3), Brasil (1997-2005)...................40
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1. INTRODUÇÃO
O século XX representou grande desenvolvimento industrial mundial e, segundo Loureiro
(2003), entre 1760 e 1945, sob os efeitos da industrialização e da urbanização, aparecem os
primeiros sinais de extinção de espécies decorrentes da ação humana, exaustão de recursos
localizados, poluição urbana e transformação do ambiente da Oceania. No Brasil, é de
importância o fato de que em 1934, foi realizada no Museu Nacional a 1a
Conferência
Brasileira de Proteção à Natureza, e ainda, o professor Félix Rawitscher introduziu a pesquisa e
o ensino de Ecologia no Brasil e suas idéias representaram os passos pioneiros do atual
movimento ambientalista nacional. Em 1947, é fundada na Suíça a União Internacional para a
Conservação da Natureza (IUCN). Foi a organização conservacionista mais importante até a
criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) em 1972.
Ainda em 1960 surge o ambientalismo nos Estados Unidos (DIAS, 1992), e em 1962, acidentes
ambientais foram trazidos ao conhecimento do público, por escritores, mostrando assim já um
maior grau de preocupação da sociedade acerca dos assuntos ambientais. A jornalista Rachel
Carson lança o livro Silent Spring (Primavera Silenciosa) em que denuncia a descoberta dos
efeitos nocivos dos pesticidas e inseticidas químicos. Ainda, a morte e incapacitação de várias
pessoas por contato com mercúrio, no acidente de Minamata (Japão) e o início da crise do
petróleo acirram a crítica ao modelo de produção (LOUREIRO, 2003) e dão mais força ao
movimento ambientalista uma vez que discussões públicas a respeito da qualidade ambiental
passam a ser mais freqüentes.
Em 1968 é formado o Clube de Roma, um grupo de trinta especialistas de várias áreas
(economistas, industriais, pedagogos, humanistas, etc.) para discutir a crise vivida na época e
futura da humanidade (DIAS, 1992). O primeiro grande texto a respeito das questões
ambientais e dos limites para o desenvolvimento humano foi publicado em Roma. Intitulado Os
limites do crescimento, esse texto faz um amplo estudo sobre o consumo e as reservas dos
recursos minerais e naturais e os limites de suporte/capacidade ambiental, ou a capacidade de o
Planeta suportar desgastes e crescimento populacional. Há, através do texto, uma aproximação
entre aquilo que se falava nos movimentos sociais, estudantis, operários, minoritário-libertários,
e a questão do desenvolvimento do Planeta ou o caminhar do homem na Terra, principalmente
por parte dos industriais e centros científicos do Primeiro Mundo, (CASCINO, 1999).
Em 1972, o Clube de Roma publica The Limits of Growth (Os Limites do Crescimento), que
estabelecia modelos globais baseados nas técnicas pioneiras de análise de sistemas, projetados
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1para predizer como seria o futuro se não houvesse modificações ou ajustes nos modelos de
desenvolvimento econômico adotados. Os modelos demonstravam que o crescente consumo
geral levaria a humanidade a um limite de crescimento, possivelmente a um colapso. Também
em 1972, considerada um marco histórico político internacional, decisivo para o surgimento de
políticas de gerenciamento do ambiente, acontece, na Suécia, a Conferência de Estocolmo, da
qual participaram representantes de 113 países (DIAS, 1992). Segundo Cascino (1999), além
de incorporar questões ambientais na agenda internacional, a Declaração de Estocolmo
(conjunto de princípios para o manejo ecologicamente racional do meio ambiente) representou
o início de um diálogo entre países industrializados e países em desenvolvimento, a respeito da
vinculação que existe entre o crescimento econômico, a poluição dos bens globais (ar, água e
oceanos) e o bem-estar dos povos de todo o mundo.
Dos anos 1970 até meados da década de 1990, pode-se demarcar uma fronteira muito clara da
atuação empresarial relativa ao meio ambiente. Da típica postura reativa própria dos anos 70,
em que se considerava a relação entre proteção ambiental e desenvolvimento como
absolutamente antagônica, uma parte do setor empresarial assumiu uma postura proativa e
inseriu-se na comunidade ambientalista em meados da década de 1980 como um dos seus
membros mais expressivos, ganhando destaque no início da década de 1990. Defensor
incansável do modelo de desenvolvimento sustentável (desenvolvimento em prol da geração
atual e das futuras) advoga a total complementaridade entre a proteção ambiental e o
desenvolvimento (LAYRARGUES apud LOUREIRO, 2003).
Em 1992, no Rio de Janeiro, representantes de quase todos os países do mundo reuniram-se
para decidir que medidas tomar para conseguir diminuir a degradação ambiental e garantir a
existência de outras gerações. A intenção, nesse encontro, era introduzir a idéia do
desenvolvimento sustentável, um modelo de crescimento econômico menos consumista e mais
adequado ao equilíbrio ecológico. A diferença entre 1992 e 1972 (quando teve lugar a
Conferência de Estocolmo) pode ser traduzida pela presença maciça de chefes de Estado, fator
indicativo da importância atribuída à questão ambiental no início da década de 1990. O
principal documento produzido na RIO-92, o Agenda 21 é um programa de ação que viabiliza o
novo padrão de desenvolvimento ambientalmente racional. Ele concilia métodos de proteção
ambiental, justiça social e eficiência econômica1. Após a Conferência de 1992, a interação
1 1 http://pt.wikipedia.org/wiki/ECO_92
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homem-meio ambiente passou a ser vista de forma diferente quando se expandiu a noção de
desenvolvimento sustentável. Segundo Cascino, (1999), este processo internacional teve
repercussão imediata na forma como a sociedade civil vinha se organizando, e o número de
ONGs envolvidas com a questão ambiental, como o Greenpeace, em pouquíssimo tempo
cresceu e se consolidou, constituindo uma nova força efetiva de pressão, aliada à prestação de
serviços, junto ao poder público e à iniciativa privada. O pensamento é transformado e a crença
na competição globalizada, posta em dúvida, começa a ser transformado na crença pela
cooperação. Segundo Cascino (1999), para um crescimento internacional pactuado, os países
desenvolvidos devem enveredar suas políticas para momentos articulados de cooperação
global.
Neste contexto de busca pela sustentabilidade cooperada, organismos internacionais como a
ONU através da PNUMA (United Nations Environment Programme), a UNESCO, estudiosos e
pesquisadores tanto do setor civil como governamental, ONGs, organizações como a ISO
(Organização Internacional para Padronização), governantes, estrategistas e tantos outros
colaboradores vêm estudando e desenvolvendo ferramentas e políticas de gestão ambiental que
surgem na medida em que novos desafios de produção e consumo e novas demandas também
surgem. Dentre as ferramentas de gestão que tendem a promover parcerias em prol do
desenvolvimento globalizado, está o conceito de “água virtual”, que vem a ser objeto de
discussão deste trabalho.
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2.OBJETIVO
Esta monografia tem o objetivo de apresentar uma ferramenta de gestão ambiental conhecida
como água virtual que vem sendo objeto de pesquisas e aplicação de forma regionalizada e
global, no que diz respeito ao consumo, conservação e comercialização de água.
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3. METODOLOGIA
Pesquisa bibliográfica.
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4.REVISÃO DA LITERATURA
4.1 O que é água virtual
Água virtual é um termo relativamente novo usado para conceituar toda a água envolvida em
um processo industrial ou agrícola de produção de um bem, em especial das commodities2.
“Virtual water” foi uma expressão cunhada por A. J. Allan, professor da School of Oriental &
African Studies da Universidade de Londres, no início da década de 90, quando estudou uma
opção de importação de água virtual (não da água real, elemento físico propriamente dito) como
solução parcial para os problemas de escassez de água no Oriente Médio (região, então, objeto
de seus estudos). Allan elaborou a idéia de usar a importação de água virtual, relacionada à
produção de alimentos, como ferramenta para aliviar a pressão exercida nos recursos hídricos
(na região importadora) destinados ao consumo doméstico em função da produção agrícola, e
escassamente disponíveis naquela região (HOEKSTRA,2008).
A mesma idéia havia sido chamada por A.J. Allan de “embedded water”, termo que acabou não
obtendo impacto, sendo relegado a segundo plano, muito embora ainda apareça na literatura.
Na publicação World Water Council (2004:i), A.J. Allan apresenta a origem do termo,
“embedded water”, que havia sido criado no fim dos anos 1980 por Gideon Fishelson, baseado
em análises acerca das exportações de água do estado de Israel, através de culturas de alta
demanda hídrica. (CARMO et al., 2007).
Em seu texto “Virtual Water: a strategic resource. Global solutions to regional deficits” (Água
Virtual: uma fonte estratégica. Soluções globais para déficits regionais) publicado em 1998, A.
J. Allan explica a importância do termo na medida em que expõe aspectos sociais, políticos e
econômicos diretamente relacionados ao consumo de água. Politicamente, o documento já
tratava da importância do uso do conceito como ferramenta de negociação de forma a se evitar
confrontos armados em possíveis crises de água, uma vez que o uso do conceito de água virtual
permite que seja feita a contabilização da água demandada na produção de um bem,
especialmente para fins de comercialização, sendo assim, também usado como ferramenta de
negociação econômica.
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Ainda hoje os mesmos desafios são enfrentados, e gradativamente, mais países procuram
alternativas para o „problema‟ da água e as discussões e estudos envolvendo a utilização do
conceito de água virtual crescem, trazendo mais dados concretos para viabilizar sua aplicação.
Levou aproximadamente uma década, após a publicação de A. J. Allan (1998), para que o
conceito de água virtual recebesse reconhecimento global pelo que representa para o alcance de
segurança hídrica em níveis regional e global. O primeiro encontro internacional sobre o
assunto aconteceu em dezembro de 2002 em Delft, na Holanda, e em 2003 no Japão durante o
Third World Water Forum (Terceiro Fórum Mundial de Água), uma sessão especial foi voltada
para o comércio de água virtual (HOEKSTRA,2003).
Política e economicamente, é de grande relevância o fato de que tomadores de decisão possam
trabalhar com estratégias para manutenção de seus recursos hídricos, melhoria na qualidade
ambiental, com o intuito de se garantir alimento a sua população. Para países com escassez
hídrica, a qualidade dos alimentos produzidos por eles está diretamente relacionada à qualidade
ambiental, uma vez que dependem das águas de chuva para a produção. Já os países de baixa
renda familiar têm seu acesso a alimentos de qualidade restringido pela incapacidade financeira
de negociação na importação de alimentos de valor nutricional e de qualidade, a chamada
segurança em alimentos (food security), associada ao nível de renda de um país. Segundo
Hofwegen (2003) segurança em alimentos é exatamente a capacidade de uma nação de prover
acesso no país a alimentos seguros, nutritivos e adequados no presente e futuro. O conceito de
água virtual como ferramenta de negociação internacional pode colaborar com tomadas de
decisão rumo a uma maior segurança em alimentos.
Ainda, ao se pensar em água virtual como ferramenta política, deve-se pensar na água como
bem público cuja alocação e gerenciamento devem ser feitos para garantir a todos seu usufruto.
No desenvolvimento econômico de um país os diferentes setores econômicos devem ser
providos, seja o setor industrial, ambiental, ou de saúde pública, e essa ferramenta pode ajudar
na alocação mais eficiente da água se as políticas de distribuição conseguem trabalhar os vários
setores de forma conjunta.
São vários os aspectos a serem considerados quando da gestão hídrica. Em 2000, uma
publicação do Global Water Partnership/Technical Advisory Committee (TAC) apontava para
problemas relacionados ao consumo de água e importância do estudo e desenvolvimento de
ferramentas de gestão hídrica. O documento destaca as seguintes situações como exemplos de
problemas relacionados ao consumo de água:
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desgaste intenso dos recursos naturais devido ao crescimento populacional e em função
disso, a necessidade do constante aumento da produção de bens de consumo. Além disso, o
processo de empobrecimento econômico de grandes massas leva à poluição descontrolada
afetando diretamente a qualidade das águas;
populações vivem em condições de escassez de água, o que é causada pelo crescimento
populacional que demanda um consumo também maior de água;
a poluição dos corpos d'água está diretamente ligada à atividade humana, carreando dejetos
da indústria ou agricultura não tratados, o que vem a diminuir seu potencial de uso,
aumentando a competição pela água de qualidade;
os problemas citados são agravados pela fragmentação que ocorre na gestão de recursos
hídricos levando a um desenvolvimento e gestão descoordenados, reflexo de problemas de
cunho político e governamental.
Ainda, segundo o Global Water Partnership/Technical Advisory Committee, vários são os
desafios a serem sanados no que concerne à gestão hídrica, como: o problema recorrente de
falta de acesso ao esgotamento sanitário por metade da população mundial e a inacessibilidade
à água potável por um quinto da população mundial; a necessidade de se garantir água para a
produção de alimentos, que se torna cada vez mais difícil já que a irrigação contribui
pesadamente com uso das fontes disponíveis competindo com o uso doméstico da água,
também com alta demanda devido ao crescimento contínuo da população; a necessidade de
criação de novos empregos e, por conseguinte o desenvolvimento de atividades que
provavelmente também venham a depender do uso de água; a necessidade de se garantir através
do gerenciamento, que áreas de ecossistemas, especialmente áreas próximas às nascentes em
uma bacia hidrográfica sejam protegidas e mantidas; lidar com a variabilidade da
disponibilidade de água em diferentes lugares e estações do ano, especialmente em regiões
tropicais e subtropicais, de forma a se garantir a manutenção do fluxo hídrico; o gerenciamento
de riscos com intuito de se evitar enchentes e secas e assim, perdas ambientais, sociais,
econômicas e de vidas humanas; a conscientização da população da importância do
gerenciamento dos recursos hídricos promovendo a mudança de hábito e o maior envolvimento
da população nas políticas destinadas aos recursos hídricos; e a necessidade de se fazer da água
um assunto presente nas agendas de discussões políticas para se assegurar a colaboração entre
os diversos setores, e fronteiras internacionais.
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Hoekstra (2003), ao tratar do assunto através de estudo mais sistematizado, aponta para visões e
questões serem consideradas relacionadas à água virtual como: as estratégias de suprimento de
alimentos adotadas pelos países através do comércio de alimentos; importação de alimentos
como meio de abrir o mercado de água nacional e assegurar que a água seja canalizada para um
uso mais lucrativo; a importância da gestão de recursos naturais, redirecionando a produção
para áreas aonde as condições naturais sejam melhores e combinando-se eficiência e
sustentabilidade; e as decisões políticas envolvendo o modo como a superprodução de
alimentos pode ter impactos reais na pressão exercida em recursos hídricos de países e áreas de
muito baixa contribuição hídrica em negociações. Essas abordagens do conceito de água virtual
são focadas no fluxo de água de regiões produtivas para áreas de consumo, provocando menos
pressão no meio ambiente levando-se em conta áreas de produção ótima que satisfaçam à
demanda de alimentos.
Ainda, nessas considerações, o estudo cita a visão direcionada à demanda, e como hábitos
alimentares influem no consumo de água; do volume de água virtual que pode ser reservado
através da estocagem de alimentos prevenindo-se assim contra as variações na produção, que
ocorrem naturalmente em função das condições climáticas. E finalmente, as etapas em que
água é tratada como matéria real e como passa a ser “virtual”, consideradas como a
transformação de água real para virtual: transferência da produção para o consumo.
Para se produzir um alimento, água real é consumida através da evapotranspiração. Portanto
cada produto pode ser relacionado a uma razão de consumo de água por quilo, que varia no
espaço e tempo de acordo com a produtividade local e condições de provisão de água de chuva
(conceituada como green water) e de água de irrigação (blue water). Uma vez que o produto
deixa a área de produção (saída da propriedade agrícola) para o mercado de consumo, passa a
ser um bem, a água é tratada como virtual, deixando de ser tangível, como enquanto água real.
Uma vez parte da cadeia ou área de consumo, o valor da água virtual não é estritamente
associado ao local de produção e sim ao local de consumo. Seu valor passa a ser estimado
como se no local de consumo o produto tivesse sido produzido, fazendo-se o uso de dados do
local de produção mais próximo ao de consumo. Um país que, por exemplo, tenha importado
cereais calculará a água baseando-se no custo local (país importador) de produção dos cereais
importados. Não é processo de cruzar uma fronteira terrestre que muda o conceito de água
virtual para real e sim a transferência do território de produção para o de consumo que o faz.
17
4.2 Fluxo de água virtual
Para se chegar ao fluxo de água virtual que acontece em uma determinada região, país ou no
comércio internacional, é preciso antes de qualquer coisa, a quantificação de água virtual do
produto em questão. A unidade geralmente usada para se quantificar água virtual é volume de
água (m3) por quilo (kg)
i de alimento produzido. A avaliação desse conteúdo por sua vez não é
uma tarefa fácil. Hoekstra (2003) considera a necessidade de se levar em conta fatores como o
local da produção, diferentes usos da água para um produto final, metodologias de medição e
outros aspectos que, no entanto não têm sido ainda objeto de estudos. E apesar de haver espaço
para evolução nos estudos, algumas regras são aplicadas ao se avaliar e quantificar a água
virtual.
Para o uso do termo água virtual é necessário que uma diferenciação no que tange à origem da
água seja feita. Hofwegen (2003) explica que essa diferenciação pode ser feita usando-se os
termos água azul (blue water) e água verde (green water). Água azul é a água superficial que
geralmente possui muitas alternativas para seu desenvolvimento e uso pela flexibilidade de
acesso e transportabilidade, o que é bem menor para água verde presente no solo na zona
insaturada, e que pode ser apenas retirada pela vegetação local. A importância dessa
diferenciação está ligada às possibilidades de uso dos dois tipos de água. A azul é mais
facilmente gerenciável, e disponível para os diversos consumos (agricultura, uso doméstico,
indústria), enquanto que a verde oferece poucas alternativas de uso, mas ainda assim
importante para culturas que se sustentam hidricamente pela água de chuva. Há que se pensar
nas pastagens naturais que alimentam rebanhos que posteriormente podem ser produto de
importação, criando um fluxo de água virtual e ainda, a manutenção de ecossistemas e da
biodiversidade e controle de erosão, possíveis devido à presença de água verde, o que contribui
para o maior equilíbrio hídrico em especial em regiões de clima árido e períodos de escassez de
água.
4.2.1 Quantificação da água virtual
A repercussão do termo “virtual water” passou a ser mais expressiva quando o grupo liderado
por A. Y. Hoekstra da Universidade de Twente (Enschede), na Holanda, e a UNESCO-IHE
Institute for Water Education realizaram um trabalho de identificação e quantificação dos
fluxos de comércio de “virtual water” entre países, tornando operacional o conceito. (CARMO
et al., 2007).
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Em termos metodológicos, salienta-se que nas pesquisas sobre o comércio de água virtual são
utilizadas diversas fontes de dados, especialmente aquelas que possibilitam a construção de
comparações internacionais, e que possuem caráter oficial, por estarem ligadas à ONU. Os
trabalhos de Hoekstra e Hung (2004), Chapagain, Hoekstra e Savenije (2005) e Chapagain et
al. (2005) mostram a potencialidade desses conjuntos de fontes de dados, através da análise de
situações regionais específicas ou de commodities específicas, como o algodão. A vantagem do
uso das informações desses órgãos para a criação de um banco de dados sobre o comércio
virtual de água reside também na padronização de unidades feita por esses órgãos, além do
acesso facilitado a informações que tais órgãos permitem. Dessa forma, as estimativas sobre a
composição dos fluxos e a intensidade desse comércio têm uma maior confiabilidade
(HOEKSTRA; HUNG, 2004). Assim, para identificar a quantidade de água utilizada em
plantações, dados amplamente empregados são obtidos da FAO-Food and Agriculture
Organization- (CARMO et al., 2007). Um software como o CROPWAT (FAO, 1992) fornece
informações sobre a cultura nos seus estágios de desenvolvimento, assim como profundidade
de raiz, comprimento da planta e data de plantio (HOEKSTRA e HUNG, 2004). Dados
climáticos podem ser um problema, uma vez que dificilmente haverá uma estação
meteorológica para cobertura de todas áreas de plantio. Esses dados podem ser obtidos através
do software CLIMWAT (FAO, 2003) em combinação com o CROPWAT (HOEKSTRA et al.,
2008).
O modelo CROPWAT calcula a demanda de diferentes tipos de culturas assumindo-se o
seguinte:
(1) Cultivos em condições hídricas ótimas e sem contribuição de água de chuva durante seu
ciclo de vida; a cultura é desenvolvida em condições de irrigação.
(2) A evapotranspiração da cultura ocorre em condições padrão (ETc), em que a cultura não se
sujeita a qualquer tipo de doença, há boa fertilização, e crescimento em grandes áreas com
100% de cobertura.
(3) Os coeficientes das culturas são selecionados dependendo da aproximação do coeficiente
de uma monocultura, e não de culturas associadas. (HOEKSTRA e HUNG, 2002)
Segundo Zimmer e Renault (2003), para se estimar um valor de cota de água virtual faz-se
necessário categorizar produtos alimentícios em relação a processos e então o valor da água
virtual em cada produto ou processo. Quase todo produto alimentício consome água como parte
de seu processo produtivo, mas, no entanto a quantidade de água necessária por unidade de
produção depende largamente do tipo de produto. Para produtos agrícolas o consumo de água
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está relacionado à evapotranspiração, e esses valores são obtidos de forma clara. Já para outros
processos essa quantificação pode ser mais complicada a depender do tipo de processo.
Zimmer e Renault (2003) classificam os produtos em:
primários: cereais, hortaliças e frutas, cuja produção (kg) e água evapotranspirada são
estimados no campo, e são usados como base para estimativa do valor de água virtual
(m3/kg);
processados são aqueles advindos dos primários, tais como açúcar (da cana ou
beterraba), óleo ou bebidas alcoólicas. Produtos modificados são os animais, uma vez
que sua produção depende do uso de produtos primários como capim, cereais e outros;
intermediários são aqueles derivados de primários, mas com o objetivo de servir a
produção de outros bens, como a semente de algodão usada na produção de óleo ou do
algodão usado na fabricação de fibras;
múltiplos são aqueles produzidos com finalidades variadas como o coqueiro que além
do fruto, pode ser utilizado na construção de casas, produção de açúcar e cordas; e
também, produtos animais utilizados na produção de gordura para indústria, couro, etc.;
e há ainda os produtos com baixo ou nenhum consumo de água incluindo-se
principalmente frutos do mar. Pequenas quantidades de água podem ser contabilizadas
em peixes de criadouro de água doce através do uso de ração ou evaporação da água.
Através do mapeamento do fluxo da água nos processos produtivos, é possível atentar para que
a contabilização não aconteça duas vezes para um mesmo produto, como por exemplo, cereais
usados na alimentação de gado.
Outro fator a ser considerado é a diferença de culturas quanto a sua regularidade de cultivo.
Para as culturas perenes, torna-se complexo o cálculo da eficiência do processo. Faz-se
necessário o conhecimento da eficiência no uso da água. Se há a reciclagem da água percolada
em sistemas de irrigação na bacia, por exemplo, evitando-se desperdícios e ainda a
possibilidade de se usar um coeficiente de correção para inclusão dessa água no processo. A
eficiência da produção varia com os períodos de alta produtividade ou entressafra, relacionados
especialmente às culturas perenes ou à produção de laticínios. E ainda a eficiência de consumo
tratando-se das perdas que ocorrem ainda na área de produção e no próprio consumo.
Segundo Carmo et al.(2007) a produção de um mesmo bem pode demandar um volume de água
diferente, dependendo das características climáticas locais, do rendimento e da produtividade desta
20
região. Ou seja, a demanda por água NE produção de soja será diferente dependendo do local onde for
plantada, tanto por questões climáticas como pela produtividade que envolve as características
específicas do modo que estas culturas são desenvolvidas em diferentes locais.
O conjunto de aspectos que incidem sobre as estimativas está representado na Figura 4.1.
Figura 4.1- Esquema conceitual dos passos para as estimativas de comércio
internacional de água virtual.
Fonte: Carmo et al.,2007
4.2.2 Cálculo da água virtual
Hoekstra (2002) define a água necessária a uma cultura para o seu crescimento e
desenvolvimento como aquela da evapotranpiração. Ao se estudar culturas irrigadas, faz-se
necessária a contabilização de todo o volume necessário para se manter salinidade satisfatória,
assim como perdas ou reúso e ainda deve-se levar em consideração a eficiência conforme o
lugar e o sistema utilizado, a técnica e capacitação de reúso da água superficial. No entanto,
eficiência e produtividade hídrica são um tópico a parte. Hoekstra considera para efeito de
cálculo a necessidade hídrica como sendo aquela evapotranspirada (Green water+ Blue water)
no campo, para a produção (produção total). É expressa em m3 de água por kg de produto.
(4.1)
Na qual:
VWV= valor da água virtual (m3/kg)
ETa= evapotranspiração (m3)
21
Produção (kg)
Zimmer e Reanult (2003) definem a demanda hídrica em função da área de plantio. A demanda
hídrica das culturas ETa (m3/ha) é calculada a partir da demanda climática (ET) ajustada com
coeficientes para cada cultura. CROPWAT (FAO, 1992) pode ser usado com esse propósito. A
produtividade em função da água é então obtida dividindo-se a produção P (kg/ha) pela
demanda hídrica da cultura. O valor da água virtual, inverso da produtividade da água, é então
calculado.
Segundo Hoekstra e Chapagain (2004) para o cálculo de água virtual em fluxo entre nações em
função da importação/exportação, deve-se fazer a distinção entre os produtos comercializados e
à medida que uma cadeia de produção aumenta (partindo de produtos em seu estado natural a
produtos industrializados) percebe-se a maior complexidade do cálculo da água virtual,
especialmente quando se leva em conta as diferenças de solo, climáticas e tecnológicas de cada
país. Exemplificando:
A quantidade de água virtual por cultura (designada cultura c) em um país é calculada
como a razão entre o total de água demandada em seu cultivo e o volume total
produzido da cultura naquele país.
(3.2)
Na qual:
VWCc = volume de água virtual em produtos primários (m3/t)
CWUc = volume de água consumida no campo para a cultura c (m3/ano)
Produção c = total da produção por ano no país (t/ano)
A quantidade de água virtual contida em uma criação animal é contabilizada no abate, e
para o cálculo é considerada toda água utilizadas em seu ciclo de vida, para seu
crescimento e produção de seu alimento, para dessedentação, limpeza ou higienização
de estabelecimentos, etc. Deve-se levar em conta a raça do animal, o sistema de criação,
consumo alimentar, condições climáticas da origem do alimento usado nessa criação.
Cálculos complexos são executados para cada parâmetro, e aqui é mostrada uma
equação geral simplificada
22
(3.3)
Na qual:
VWC [a] = Conteúdo de água virtual de um animal [a] ( m3)
No cálculo do volume de água virtual de um produto industrializado, além da contabilização
dos volumes para a matéria-prima, deve-se determinar o consumo para cada etapa do processo,
recorrendo-se a equações de maior complexidade para tal. Para um produto exportado por certo
país, é admitido, de forma a simplificar-se os cálculos, que o produto primário daquele produto
final exportado teve suas frontes hídricas advindas somente do país de origem da exportação.
4.3 Água virtual por produto
Não apenas produtos agrícolas contêm água virtual (a maioria dos estudos até então tem sido
limitada ao estudo da água virtual em culturas), mas produtos e serviços industriais também
contêm água virtual (HOESKTRA, 2005). No entanto, o aumento constante da população
mundial e a necessidade de se aumentar a produção de alimentos fez com que a demanda de
água tanto para a produção agrícola como animal levasse algumas regiões ao chamado stress
hídrico, e aumento de competitividade pela água disponível. As demandas de água para a
produção agrícola são de longe as mais altas, sendo necessários 2 a 4 litros por dia para se
satisfazer as necessidades biológicas (dessedentação) de um ser humano e por volta de 1000
vezes mais para a produção dos alimentos equivalente a um dia de consumo humano. Isso
explica porque o conceito de água virtual é tão importante ao se discutir produção e consumo
de alimentos. Como exemplo, considerando-se que a produção de um quilo de trigo demanda
um mil litros de água, um país que importa um milhão de toneladas de trigo está importando e,
por conseguinte aumentando suas fontes de água, um bilhão de m3
de água, (REANULT,
2002).
Para se produzir 1 kg de grãos, são necessários, por exemplo, 1000-2000 kg de água,
equivalente a 1-2 m3. Para se produzir 1 kg de queijo são necessários, por exemplo, 5000-5500
kg de água e para 1 kg de carne de boi são necessários 16000 kg de água (CHANPAGAIN e
HOEKSTRA, 2003). De acordo com um estudo de Williams et al. (2002), a produção de um
chip de computador de 32-megabyte e de 2 g são necessários 32 kg de água, (HOESKTRA,
2003).
23
A Tabela 4.1 mostra uma estimativa de água virtual contida em produtos variados, feita por
autores diversos. O termo „água contida‟ também é referido como „demanda específica de
água‟ ou „uso intensivo de água‟ de um produto (HOEKSTRA, 1998) ou „unidade de água
necessária‟ (OKI et al., 2003). Renault (2003) usa „valor de água virtual‟ de um produto ao
invés de „conteúdo de água virtual‟.
Tabela 4.1- Conteúdo de água virtual de alguns produtos em m3/t. Estimados por diferentes
autores.
Hoekstra &
Hung (2003) *
Chapagain &
Hoekstra (2003) *
Zimmer & Reanault
(2003) **
Oki et al.
(2003)***
Trigo 1150 - 1160 2000
Arroz 2656 - 1400 3600
Milho 450 - 710 1900
Batata 160 - 105 -
Soja 2300 - Egito: 2750 2500
Carne bovina - 15977 13500 20700
Carne de porco - 5906 4600 5900
Carne de frango - 2828 4100 4500
Ovos - 4657 2700 3200
Leite - 865 790 560
Queijo - 5288 - - *Os números dados representam médias globais
**Dados referem-se à Califórnia a menos que seja referida outra origem
*** Dados referentes ao Japão
Fonte: Hoekstra, 2003
Do ponto de vista social e econômico, o consumo é diretamente influenciado pelo crescimento
populacional e pelos hábitos alimentares adquiridos ao longo do tempo. Segundo Allan (1998),
países cujas populações dobram em um período de 25 a 30 anos têm seu consumo de água
dobrado na mesma proporção. E ainda, segundo o texto, no que tange aos costumes
alimentares, o consumo de água para se produzir um quilo de carne é dezesseis vezes maior que
o necessário para a produção de 1 kg de trigo.
A carne bovina é o produto que mais contribui no fluxo de água virtual, seguido pela soja e
trigo. Apesar de o volume global de consumo de água na produção de arroz ser maior que na de
trigo, o fluxo global de água virtual relacionada ao comércio de trigo é maior que do arroz,
apesar de que para alguns dos maiores países exportadores de arroz o uso das fontes de água
doméstica na produção pode ser significante. A Tailândia, por exemplo, usa 28 Gm3/ ano de
água advinda de fontes domésticas para produzir arroz para exportação, o que equivale a 7% do
total das fontes de água renováveis (HOEKSTRA e CHAPAGAIN, 2004). O exemplo
24
demonstra a importância da adequação dos tipos de cultura aos recursos disponíveis e a sua
finalidade (se consumo interno ou exportação) assim como abre espaço para a reflexão acerca
das tecnologias usadas na produção de bens. Em países mais pobres, e com escassez de água, a
complexidade aumenta da mesma forma que a base da alimentação nesses países influi no
produto a ser comercializado.
Em geral produtos provenientes de criação animal têm um conteúdo de água virtual maior que
produtos agrícolas. Isso devido ao fato de os animais consumirem alimentos da produção
agrícola, água para dessedentação, e para seu trato antes de se tornarem produto para
comercialização. Leva em média 3 anos até que uma cabeça de gado seja abatida para produzir
por volta de 200 kg de carne sem osso. Antes, o animal consome aproximadamente 1300 kg de
grãos (trigo, aveia, cevada, ração de soja e outros), 7200 kg de fibra (pasto, capim ceco,
silagem e outros), 24 metros cúbicos de água para consumo do animal e 7 metros cúbicos para
o trato do mesmo. Isso significa que, para se produzir 1 kg de carne desossada, são necessários
por volta de 6,5 kg de grãos, 36 kg de fibra, e 155 litros de água. Para a produção da
alimentação desse animal são necessários 15340 litros de água em média. Há ainda as perdas
por seleção e ineficiência do processo que acontecem nas várias etapas do processamento de
alimentos. As unidades geralmente usadas para se expressar o consumo de água por produto
são geralmente em termos de metros cúbicos de água por tonelada de produto, mas para o
consumidor pode ser mais interessante saber quanto de água é consumido por unidade de
consumo. Por exemplo, qual o é conteúdo de água virtual em uma xícara de café, um copo de
vinho, um folha de papel A4 ou uma fatia de pão. A seguir a tabela 3.2 mostra o conteúdo de
água virtual de alguns produtos de consumo expressos em volume por unidade de produto
(HOEKSTRA e CHAPAGAIN, 2004).
A Tabela 4.2 apresenta uma média global anual do conteúdo de alguns produtos expresso em
volume de água por unidade de produto.
25
Tabela 4.2- Média global do conteúdo de água virtual para alguns produtos, por unidade de
produto
Produto
Conteúdo de
água virtual
(litros)
Produto
Conteúdo de
água virtual
(litros)
1 copo de cerveja (250 ml) 75
1 copo de vinho (150 ml) 120
1copo de leite (200 ml) 200
1copo de suco de maça (200 ml) 190
1 xícara de café (125ml) 140
1 copo de suco de laranja (200ml) 170
1 xícara de chá (250ml) 35
1 saco de batatas chips (200g) 185
1 fatia de pão (30g) 40
1 ovo (40g) 135
1 fatia de pão (30g)com queijo 90
1 hamburguer (150g) 2400
1 batata (100g) 25
1 tomate (70g) 13
1 maça (100g) 70
1 laranja (100g) 50
1 camiseta de algodão
(tamanho médio; 500 g) 4100
1 par de sapatos (couro bovino) 8000
1 folha de papel A4 (80g/m2) 10
1 microchip (2g) 32
Fonte: Hoekstra e Chapagain, 2004
Segundo Hofwegen (2003), à medida que as sociedades se desenvolvem, e seu poder de
compra aumenta, elas tendem a tornar sua dieta baseada no consumo de carne. Quanto mais
alto na cadeia de alimentos – de alimentos vegetarianos a alimentos não-vegetarianos -, maior
será a demanda de água para se produzir esse alimento.
Produtos que são processados, geralmente os encontrados nos supermercados, outro sinalizador
de nível de desenvolvimento de uma sociedade, tendem a possuir um maior volume de água
virtual devido aos processos industriais a que são submetidos em contrapartida dos produtos
não processados.
A Tabela 3.3 mostra o conteúdo de água virtual em diferentes dietas. As dietas são enumeradas
de forma aleatória de 0 a 6 não havendo qualquer parâmetro de qualidade relacionado a esses
números. As dietas possuem característica de hábitos alimentares distintos.
26
Tabela 4.3 – Água virtual relacionada a diferentes tipos de dietas
Conteúdo de água virtual por tipos de dietas (m3/pessoa/dia)
Dieta 0 (referência na dieta prevalecente nos EUA) 5,4
Dieta 1 Redução de produto animal em 25% 4,6
Dieta 2 Aves substituindo carne bovina em 50% 4,8
Dieta 3 Substituição de carne vermelha em 50% por vegetais 4,4
Dieta 4 Redução de produtos de origem animal em 50% 3,4
Dieta 5 Vegetarianos 2,6
Dieta 6 De sobrevivência 1,0
Fonte: Hofwegen, 2003
É sabido que algumas regiões do mundo têm pouca água e outras regiões são abundantes em
água. É também fato que em algumas regiões há uma demanda baixa por água e em outras,
uma alta demanda. Infelizmente, não há uma relação geral positiva entre demanda de água e
disponibilidade. Até recentemente, havia a preocupação em como lidar com a demanda baseado
nas fontes de água disponível. O problema é então como alocar mais eficientemente o uso da
água disponível.
Em uma economia protegida, uma nação terá que alcançar seus objetivos de desenvolvimento
com suas próprias fontes. Em uma economia aberta, no entanto, uma nação pode importar
produtos produzidos de fontes que são escassamente disponíveis no país e exportar produtos
que são produzidos de fontes cuja disponibilidade é abundante no país. Um país com escassez
de água pode, portanto, se focar na importação de bens que requeiram muita água em sua
produção (water-intensive products) e exportar bens ou serviços que requeiram menos água
(water-extensive products). Isso é chamado de importação de água virtual (ao contrário da
importação de água real, que é geralmente cara demais) e assim aliviará a pressão na demanda
das fontes de água da própria nação. Para países com abundância em água, um argumento pode
ser usado para a exportação de água virtual. Importação de produtos de uso intensivo de água
por algumas nações e exportação desses produtos por outras resulta em um “fluxo de água
virtual” internacional. (HOESKTRA, 2005). O comércio internacional principalmente de
alimentos promove, então, o alívio das pressões no uso dos recursos hídricos de um país, uma
vez que se é possível a contabilização do volume de água envolvido na produção de um bem de
consumo, e a partir daí, é possível a valoração ou mudança de estratégia associada à produção e
comercialização desse bem.
27
4.4 Balanço do fluxo de água virtual na importação/exportação
A diferença entre água total importada e água total exportada equivale ao equilíbrio do fluxo de
água de um país em um período de tempo definido. Se o balanço é positivo, implica que água
está sendo importada e, se é negativo, água está sendo exportada (ZIMMER, RENAULT,
2004).
Para se fazer o cálculo do balanço de água, faz-se necessário saber os níveis de escassez em
água de uma região ou país e partir daí determinar se há dependência ou auto-suficiência
hídrica. A seqüência de fórmulas e análise apresentadas a seguir foi retirada de Hoekstra e
Hung (2004).
Para deficiência/escassez hídrica vem:
(3.5)
Na qual:
WS = escassez hídrica (%)
WU = uso hídrico total no país (m3/ano)
WA = disponibilidade hídrica no país (m3/ano)
Os valores de disponibilidade hídrica WA são obtidos levando-se em conta as fontes internas
renováveis disponíveis no período de um ano provindas de precipitação ocorrida na área do
país. E o uso hídrico WU refere-se a „blue water‟. Os resultados para escassez giram de 0% a
100%, mas excepcionalmente podem ser acima de 100% (e.g. água subterrânea).
A dependência hídrica está relacionada às importações e reflete o quão uma nação depende de
água advinda de outros países. Pode ser calculado pela razão entre água virtual total importada
e a de domínio nacional.
(3.6)
Na qual:
WD = Demanda hídrica
NVWI = água total importada (m3/ano)
28
WU = uso hídrico total no país (m3/ano)
Um valor de 0% significa que há equilíbrio entre exportação e importação de água pelo país, ou
que está havendo exportação de água somente. Para resultados próximos a 100%, a nação
depende quase que completamente da importação de água virtual.
A auto-suficiência de uma nação está relacionada a sua dependência hídrica da seguinte forma:
(3.7)
Na qual:
WSS = auto-suficiência hídrica
NVWI = água total importada (m3/ano)
WU = uso hídrico total no país (m3/ano)
Ou de forma simples:
(3.8)
Na qual:
WSS = auto-suficiência hídrica
WD = dependência hídrica
O nível de auto-suficiência WSS denota a capacidade de suprir água necessária para a produção
da demanda interna de bens e serviços. A auto-suficiência é de 100% se toda a água necessária
está disponível e de fato suprida no próprio território. Caso aproxime-se de zero, o país
depende fortemente da importação de água virtual.
O balanço médio de água virtual nacional no período de 1997-2001 está mostrado na Figura
3.2. Os países em verde são considerados países exportadores, e os em vermelho, importadores
de água virtual.
29
Figura 4.2- Balanços nacionais de água virtual relacionados ao comércio internacional de
produtos. Período: 1997-2001.
Fonte: Hoesktra e Chapagain (2004)
Países importadores não precisam ser necessariamente pobres ou escassos em recursos hídricos
para ser um recebedor de água virtual. Por exemplo, Canadá, um com recursos abundantes
importa banana e citros vindos da América Central. Assim como países como Jordânia ou Gaza
pobres em recursos hídricos são exportadores de commodities.
De outra forma, países ricos em recursos hídricos poderiam lucrar com sua abundância em água
produzindo produtos de alta demanda hídrica para exportação. O comércio de água entre as
nações e mesmo continentes poderia, portanto, de forma ideal melhorar a eficiência do uso da
água global, para se alcançar segurança em água em regiões do mundo e aliviar as pressões no
meio ambiente através do uso de locais mais apropriados a produção (TURTON, 2000).
Em 1998 J. A. Allan, em sua pioneira publicação sobre água virtual, cita que o comércio
internacional já mostrava na época um fluxo de água virtual dos países com abundância em
água para aqueles com deficiência, como os da região do Oriente Médio e norte da África, o
que ainda é fato corrente.
Segundo Carmo et al. (2007), a análise dos estudos elaborados no âmbito do “Virtual Water
Trade Research Programme” (UNESCO) evidencia a relação entre os países “reservatórios”
mundiais de água doce e a sua capacidade de geração de divisas. Entretanto, os recursos
hídricos envolvidos na produção dos bens exportados podem acabar se tornando escassos até
mesmo em regiões em que há relativa abundância. Inicialmente há que se ressaltar que existe
30
uma distribuição desigual da disponibilidade hídrica entre as diversas partes do planeta, além
de existir também uma variação sazonal importante – com a concentração de períodos
chuvosos em alguns meses do ano. De modo geral, a região das Américas se posiciona mais
confortavelmente, pois possui uma relativa abundância de água; por outro lado, as regiões do
centro, sul e sudeste asiático se encontram em uma situação crítica, por apresentarem recursos
mais limitados, embora estejam cada vez mais se destacando como importantes exportadores
no cenário econômico internacional, sobretudo, de água virtual.
Hoekstra e Hung (2002) mapearam o fluxo mundial de água virtual dividindo o globo em
países exportadores e importadores, que se relacionam formando uma balança comercial.
Alguns países e regiões assumem a função central nessa balança e se destacam por suas
posições de exportadores. São eles: Brasil, América do Norte, América Central e também o
Sudoeste Asiático. Como importadores, destacam-se os continentes europeu e africano, Oriente
Médio, e grande parte do continente asiático. Os fluxos entre importadores e exportadores
ocorrem da seguinte forma: o Brasil tem como seu maior mercado a Europa e a Ásia
(especialmente China); a América do Norte tem como maiores mercados a Europa, a Ásia, a
África e também uma parcela na América Central. Ainda como exportadores, mas com fluxos
um pouco menores, estão a América Latina, com seu mercado na região central e sul da Ásia, e
o sudoeste asiático, também como exportador para regiões da própria Ásia (especialmente a
área central e sul) (CARMO et al., 2007)
A seguir, a Figura 4.3 mostra o balanço médio de água virtual no período de 1997-2001
baseado em 13 regiões mundiais. A figura também mostra os maiores fluxos de água virtual
entre as diferentes regiões do mundo relacionado ao comércio de produtos agrícolas. A análise
regional mostra que os maiores exportadores de água virtual estão na América do Norte (109
Gm3/ano) e América do Sul (107 Gm
3/ano) e os maiores importadores estão na Europa
Ocidental (152 Gm3/ano) e Ásia Central e do Sul (151 Gm
3/ano) (HOEKSTRA e
CHAPAGAIN, 2004).
31
Figura 4.3- Equilíbrio de água virtual regional e fluxo de água virtual inter-regional relacionado
a produtos agrícolas. Período: 1997-2001. Somente os maiores fluxos (>10Gm3/ano) são
mostrados.
Fonte: Hoesktra e Chapagain (2004)
O fluxo global de água virtual de 1997 a 2001 em relação ao comércio de produtos agrícolas,
animais e industriais alcançaram uma média de 1625 Gm3/ano, conforme demonstra a Tabela
que segue.
Tabela 4.4 - Soma global anual do comércio de água virtual (1997-2001)
Fluxo de água virtual bruto (Gm3/ano)
Ano
Relacionado ao
comércio de produtos
agrícolas
Relacionado ao
comércio de produtos
animais
Relacionado ao comércio
de produtos industriais Total
1997 937 257 332 1526
1998 995 258 331 1584
1999 999 272 352 1623
2000 1041 302 401 1744
2001 961 293 393 1647
Média 987 276 362 1625
Fonte: Hoekstra, Chapagain (2004)
Através dos valores apresentados, Hoekstra e Chapagain (2004) mostram que a maior parte (61%)
do fluxo de água virtual entre os países está relacionada ao comércio internacional de produtos
agrícolas. Produtos oriundos de criação animal contribuem com 17% e produtos
industrializados com 22%. Através de um estudo comparativo entre valores relacionados ao uso
doméstico e a comercialização da água virtual, os autores concluem que 16% da água global têm
32
uso destinado não ao consumo doméstico, mas sim à exportação. No setor agrícola, 15% do uso
da água são destinados ao cultivo de produtos para exportação, e no setor industrial esse valor
chega a 34%.
Os maiores exportadores e importadores de água virtual são mostrados através da Tabela que
segue. Cada país possui características próprias relativas ao balanço de água virtual. A China,
por exemplo, apresenta valor líquido na importação resultado de importação de culturas,
enquanto que apresenta um valor líquido de exportação relativo a produtos industrializados. Os
Estados Unidos apresentam o contrário da China. A Itália é altamente dependente da água
virtual advinda da importação das três maiores categorias de consumo (culturas, produtos
animais e industrializados). A Holanda tem um saldo positivo de importação de água virtual,
mas exporta água virtual através de produtos de criação animal (HOEKSTRA e HUNG, 2004).
Tabela 4.5 - Maiores exportadores e importadores de água virtual. Período: 1997-2001
Maiores exportadores Ranque Maiores importadores
Países Valores líquidos de
exportação Gm3/ano
Países Valores líquidos de
importação Gm3/ano
EUA 229.3 1 EUA 175.8
Canadá 95.3 2 Alemanha 105.6
França 78.3 3 Japão 98.2
Austrália 73.0 4 Itália 89.0
China 73.3.5 5 França 72.2
Alemanha 70.5 6 Holanda 68.8
Brasil 67.8 7 Reino Unido 64.2
Holanda 57.6 8 China 63.1
Argentina 50.6 9 México 50.1
Rússia 47.7 10 Bélgica-
Luxemburgo 47.1
Tailândia 42.9 11 Rússia 46.1
Índia 42.6 12 Espanha 45.0
Bélgica-
Luxemburgo 42.2 13 Coréia 39.2
Itália 38.2 14 Canadá 35.4
Costa do
Marfim 35.1 15 Indonésia 30.4
Fonte: Hoekstra e Chapagain (2004)
A maior parte do fluxo de água virtual entre países (61%) está relacionada ao comércio
internacional de cereais. O comércio de produtos animais contribui com 17% e produtos
industrializados, com 22%. (HOESKTRA e CHAPAGAIN, 2004).
Subtraindo-se os valores de água importada e água exportada por um país, um do outro, tem-se
o valor referente a um saldo de exportação ou importação. Cálculos feitos por Hoekstra e Hung
33
(2004) mostram que países desenvolvidos geralmente têm um balanço de água virtual mais
estável que países em desenvolvimento, e países que estão relativamente perto um do outro em
termos geográficos e em nível de desenvolvimento podem ter um balanço de água virtual
considerável.
Avaliando-se o volume de importação/exportação, os países que contribuem com maiores
volumes de movimentação de água virtual, possuem IDH2 elevado. Segundo Hoesktra e
Chapagain (2004) os cinco maiores contribuintes no fluxo de água eram, para a o levantamento
feito para Oeste Europeu, América do Norte, Centro e Sul Asiáticos, América do Sul cujos
IDHs são segundo dados da ONU para 2009:
Região IDH
Oeste Europeu Acima de 0,90
América do Norte Acima de 0,90
Centro e Sul Asiáticos Acima de 0,50
América do Sul Acima de 0,70
Segundo a ONU, países com 0,8 ou mais configuram alto IDH, aqueles entre 0,5 e 0,7, médio
IDH e os países com IDH abaixo de 0,5 são países com baixo índice de desenvolvimento
humano.
O volume total global estimado por Hoekstra e Hung (2004) para uso agrícola é de 6391
Gm3/ano, enquanto que na indústria é de 716 Gm
3/ano e n uso doméstico, de 344 Gm
3/ano.
Países com maior IDH contribuem com o valor global de forma mais contundente uma vez que
consomem e produzem mais em função de seu maior poder de compra e negociação.
2 IDH é uma medida comparativa que engloba três dimensões: riqueza, educação e esperança média de vida. É
uma maneira padronizada de avaliação e medida do bem-estar de uma população
http://pt.wikipedia.org/wiki/IDH
34
Tabela 4.6 – Dez maiores países em saldo positivo em exportação de água virtual
Fluxo de Água Virtual (Gm3/ano)
Países com saldo de
exportação Exportação Importação Saldo de exportação Ranque
Austrália 73 9 64 1
Canadá 95 35 60 2
EUA 229 176 53 3
Argentina 51 6 45 4
Brasil 68 23 45 5
Costa do Marfim 35 2 33 6
Tailândia 43 15 28 7
Índia 43 17 25 8
Gana 20 2 18 9
Ucrânia 21 4 17 10
Fonte: Hoekstra e Chapagain (2004)
Afirmar que o fluxo de água virtual ocorre de altos produtores para baixos não é sempre seguro. Alguns
países encontram limitações no direcionamento de recursos hídricos para produção de alimentos ou
outro meio (mão-de-obra, terras) relacionado à agricultura. Portanto apesar de possuíres locais de alta
produtividade agrícola, por vezes países necessitam importar produtos alimentícios de países de baixa
produtividade mas que se beneficiam pela alta disponibilidade de recursos (REANULT, 2002).
Tabela 4.7 – Dez maiores países em saldo positivo em importação de água virtual
Fluxo de Água Virtual (Gm3/ano)
Países com saldo de
importação Importação Exportação Saldo de importação Ranque
Japão 98 7 92 1
Itália 89 38 51 2
Reino Unido 64 18 47 3
Alemanha 106 70 35 4
Coréia do Sul 39 7 32 5
México 50 21 29 6
Hong Kong 28 1 27 7
Irã 19 5 15 8
Espanha 45 31 14 9
Arábia Saudita 14 1 13 10
Fonte: Hoekstra e Chapagain (2004)
Pode-se ainda inferir que em países cuja área territorial é extensa, como o Brasil, essas mesmas
conclusões são válidas. Analisando-se as regiões Nordeste e Sudeste ou mesmo regiões mais
isoladas do centro do país, vê-se que os diferentes climas, tipos de solo, sazonalidades,
disponibilidade hídrica e desenvolvimento econômico determinam em larga escala a demanda e
35
consumo hídrico, assim como os tipos de culturas exploradas para a comercialização. Um
estudo de forma regionalizada mostraria a direção dos fluxos de água no país, e fazendo-se um
paralelo com as pesquisas realizadas de forma globalizada, esses resultados provavelmente
indicariam um fluxo maior no sentido sul/sudeste para as demais regiões, considerando-se essas
regiões como as maiores produtoras agropecuárias no país.
Segundo o IBGE entre as grandes regiões produtoras do Brasil, a estimativa do volume da
produção de cereais, leguminosas e oleaginosas para 2010, em relação à safra anterior, acha-se
assim distribuído: Região Sul, 62,2 milhões de toneladas; Centro-Oeste, 51,1 milhões de
toneladas; Sudeste, 16,5 milhões de toneladas; Nordeste, 12,1 milhões de toneladas e Norte, 3,8
milhões de toneladas. Comparativamente à safra anterior, houve decréscimo na produção
apenas na região Sudeste (-3,8%), enquanto as demais registram os seguintes incrementos:
Norte 1,1%, Nordeste 3,2%, Sul 18,7% e Centro-Oeste 4,6%.
Observa-se, na figura a seguir, que o Paraná, nessa avaliação para 2010, mantém a posição de
maior produtor nacional de grãos, superando em 1,8 pontos percentuais ao Mato Grosso, que
no ano passado ocupou essa posição devido à safra paranaense ter sido prejudicada pelas
condições climáticas adversas, que afetaram o desenvolvimento das culturas, como seca no
início de 2009, geadas em junho e chuvas excessivas no período final das culturas de inverno.
Figura 4.4- Participação estadual na produção agrícola nacional esperada para a safra de
cereais, leguminosas e oleaginosas de 2010.
Fonte: IBGE- Levantamento Sistemático da Produção Agrícola- (2010)
E na figura seguinte, a apresentação da contribuição regionalizada em percentual.
36
Figura 4.5- Participação na produção por Região
Fonte: IBGE- Levantamento Sistemático da Produção Agrícola- (2010)
Segundo a Pesquisa da Pecuária Municipal (IBGE, 2007) o principal efetivo (número de
cabeças) de bovinos encontra-se nos Estados de Mato Grosso (12,9%), Minas Gerais (11,3%) e
Mato Grosso do Sul (10,9%). O Mato Grosso do Sul vem perdendo efetivos nos últimos três
anos de análise da pesquisa, podendo ser um reflexo da concorrência de áreas entre culturas e
pecuária. A maior parte do efetivo de suínos está localizado no Sul do País (47,5%), embora a
atividade tenha como característica o fato de a produção industrial organizar-se em pólos
regionais. Os três estados desta região detêm 45,4% dos suínos. Minas Gerais destaca-se como
o quarto principal plantel, com uma participação relativa bem próxima à do Rio Grande do Sul
e Paraná, respectivamente terceiro e segundo colocados no ranking. O efetivo de galos, frangas,
frangos e pintos encontra-se localizado no Sul do País, 50,3%. Os três estados dessa região são
os maiores produtores nacionais. Embora haja concentração do efetivo no Sul do País, os
principais municípios produtores são Rio Verde (Goiás), Brasília (Distrito Federal) e Amparo
(São Paulo). Quanto ao efetivo de galinhas, observa-se maior concentração da produção no
Sudeste, 35,6%. São Paulo e Minas Gerais são os detentores dos maiores efetivos.
Como o valor de água virtual varia conforme o lugar, água virtual não segue a lei de
conservação de massa. O comércio de alimentos gera transferências de água virtual com
valores variáveis. Em muitos casos essas transferências acontecem de um lugar com alta
produção para áreas de baixa produção, o que leva a uma real economia de água como um todo.
37
A economia de água corresponde à diferença de produtividade entre o local da produção e o
local de consumo (HOESKTRA e HUNG, 2002).
Oki et al. (2003) reporta que a economia global de água devido ao comércio alimentos chega a
455x109
m3/ano. Dado que o consumo total de água em plantações no mundo tenha sido
estimado em 5400x109
m3/ano (ROCKSTROM E GORDON, 2001), essa é uma economia de
aproximadamente 8%. Oki et al. (2003) estimaram que a quantidade de água virtual no
comércio internacional de produtos agrícolas é de 683 x109
m3/ano do ponto de vista dos países
exportadores. Para se produzir o equivalente aos produtos alimentícios importados, nos países
importadores, seriam necessários a esses 1138x109
m3/ano. A diferença define a economia de
água virtual global (HOEKSTRA, 2003).
4.5 O Brasil e a comercialização de água virtual
Apesar de ser rico em disponibilidade hídrica por possuir, em valores globais, uma grande
oferta de recursos hídricos, o Brasil possui acentuada diferença temporal hidrológica entre suas
regiões hidrográficas. Por essa razão, as bacias localizadas em áreas que apresentam uma
combinação de baixa disponibilidade e grande utilização dos recursos hídricos passam por
situações de escassez e estress hídrico.
Os usos conforme as regiões hidrográficas são classificados, segundo a ANA (2009) como:
• Classe 1: Atlântico Leste é caracterizada pelo predomínio dos usos urbano e de irrigação em
relação aos demais. Nesta região, a soma das vazões de retirada para irrigação e abastecimento
urbano totaliza mais de 70% de toda a demanda da região. Destaca-se a localização, nesta
região hidrográfica, da Região Metropolitana de Salvador, que contribui com grande parcela da
demanda urbana;
• Classe 2: Regiões do São Francisco, Uruguai, Atlântico Sul, Atlântico Nordeste Oriental e
Parnaíba: a similaridade entre essas regiões está no fato de que, percentualmente, há um
predomínio claro das vazões de retirada para irrigação, em relação aos demais usos. Destacam-
se a grande demanda para irrigação por inundação (arroz inundado) nas regiões Atlântico Sul e
Uruguai; o pólo de Barreiras (produção de soja) e perímetros irrigados para fruticultura
(irrigação por pivô central) em Juazeiro e Petrolina, na região do São Francisco; e a zona
canavieira e perímetros irrigados para fruticultura, na região hidrográfica Atlântico Nordeste
Ocidental.
38
• Classe 3: Regiões do Paraná e Atlântico Sudeste. Nessas regiões predominam os usos
industrial, urbano e de irrigação em relação aos outros usos, chegando a totalizar mais de 90%
da demanda total. Estão localizadas nessas regiões as regiões metropolitanas de São Paulo e
Curitiba e as regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e Vitória;
• Classe 4: Regiões Amazônica e do Paraguai: possuem baixas vazões de retirada, sendo as
únicas em que o uso animal é preponderante em relação aos demais usos;
• Classe 5: Atlântico Nordeste Ocidental: o uso urbano é preponderante em relação aos demais,
chegando a quase 50% de toda a demanda na região.
• Classe 6: Tocantins – Araguaia: nesta região os usos preponderantes são os de irrigação e
animal, ambos totalizam mais de 65% de toda a vazão de retirada. Destacam-se as atividades de
pecuária e o Projeto Formoso de irrigação.
A demanda hídrica, relacionada ao consumo por seus diversos usos é mostrada na figura 3.6
através da qual também se é possível inferir que as maiores demandas estão relacionadas às
bacias aonde se concentra a maior produção agrícola, industrial e populacional.
Figura 4.6- Distribuição percentual dos usos para região hidrográfica
Fonte: ANA (2009)
Nota-se que a região da Bacia do Paraná é responsável por 27% das retiradas no País, sendo
quase duas vezes maior que a segunda colocada, que é a região Atlântico Sul (15%), seguida
39
das regiões hidrográficas Atlântico Nordeste Oriental e Atlântico Sudeste, São Francisco e
Uruguai. As menores retiradas estão nas bacias do Atlântico Nordeste Ocidental, Parnaíba,
Paraguai, Amazônica e Tocantins - Araguaia. (ANA, 2009)
No relatório conjuntura dos recursos hídricos no Brasil a ANA cita que somente 29% de um
total de 851 milhões de hectares de superfície territorial é explorada com agropecuária, ou seja,
cerca de 249 milhões de hectares, dos quais 77 milhões com lavouras e 172 milhões com áreas
de pastagens e apesar de o potencial de solos, para o desenvolvimento sustentável da irrigação,
alcançar cerca de 30 milhões de hectares no país, somente uma pequena parcela é explorada.
Assim, o Brasil ocupa a posição de 16º em nível mundial, com pouco mais de 1% da área total
irrigada no mundo, que é de 277 milhões de hectares (2002). É um dos países de menor relação
“área irrigada” / “área irrigável” (cerca de 10%), além de exibir baixíssima taxa de hectares
irrigados/habitante (0, 018 ha/hab.), a menor da América do Sul.
A figura 3.7 mostra a área irrigada por região hidrográfica.
Figura 4.7- Área Irrigada por Região Hidrográfica
Fonte: ANA, (2009)
Segundo Carmo et al. (2007), no período de 1992 a 2002 a área irrigada teve crescimento de
8%. Entretanto, a falta de manejo racional da irrigação, com técnicas mais modernas e
aplicação das quantidades adequadas para cada tipo de cultura nos períodos ótimos faz com que
o produtor rural acabe utilizando água em excesso para garantir que a cultura não sofra um
40
estress hídrico, o que poderia comprometer a produção. Esse excesso tem como conseqüência
um desperdício de energia e de água, usados em um bombeamento desnecessário. E nos
grandes centros urbanos a necessidade de manejo se destaca por conta da pressão exercida pelo
não tratamento e pela relativa escassez hídrica encontrada na maioria dessas áreas, conforme
aponta Carmo (2005 apud CARMO et al.2007).
Carmo, Nascimento, Ojima e Ojima conduziram um estudo em 2007 sobre a estimativa da
exportação de água virtual pelo Brasil. O estudo analisou a exportação de commodities que
aumentou significativamente, o que se reflete no volume de água virtual exportada pelo país.
Os dados empregados neste trabalho foram obtidos da Food and Agriculture Organization
(FAO); para a composição das informações sobre o comércio entre nações, possibilitando
assim estabelecer a quantidade de água virtual nele embutida, foi utilizado o Banco de Dados
Estatísticos de Comércio de Commodities (COMTRADE) das Nações Unidas, e também dados
do Centro Internacional de Comércio em Genebra. No texto é abordada especificamente a
quantidade de água virtual contida nos produtos primários de exportação brasileiros de maior
participação na balança comercial.
As commodities estudadas foram a soja, carne e açúcar. Vale destacar que a soja foi
responsável por mais de 58% das exportações deste grupo, e termos de volume contribuiu com
mais de 50 bilhões de m3 exportados em 2005, com o país se consolidando como o maior
exportador mundial desse produto. O peso relativo da produção de carne também cresceu
expressivamente no período, sendo que o aumento do rebanho brasileiro sinaliza no sentido do
país se estabelecer também como maior exportador mundial de carne. Em menos de dez anos o
volume de água virtual exportado mais do que triplicou
Tabela 4.8 – Exportação de água virtual (em bilhões de m3), Brasil (1997-2005).
Produto Ano
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Total
Soja 18,7 20,8 20 25,8 35,2 35,8 44,6 43,2 50,3 294,6
Carne 7,6 8,9 10,3 11,5 17,1 14,7 19,9 28,6 34 151,9
Açúcar 0,8 1 1,6 0,9 1,5 1,6 1,7 2 2,4 13,6
Total 27,1 30,8 32 38,2 53,7 52,2 65,5 73,8 86,8 460,1
Fonte: Carmo et al, (2007)
Os elementos apresentados apontam no sentido de que as conseqüências do aumento da
produção e exportação de produtos agrícolas como a soja, assim como a carne, apresentam
41
aspectos importantes a serem considerados. Consolida, por um lado, a posição estratégica do
Brasil dentro da economia internacional e, por outro, uma realidade na qual o país se torna um
grande exportador de água. Assim, embora tenhamos uma das maiores reservas de água doce
do mundo, é possível que essa abundância relativa venha a se tornar um motivo de importantes
negociações e conflitos futuros (CARMO et al., 2007).
42
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
O conceito de água virtual é uma ferramenta que ajuda no desenvolvimento de alternativas
políticas ambiental, hídrica e de alimentos. (HOFWEGEN, 2003).
A princípio é pensado de forma simples. De posse de dados referentes à disponibilidade de
água de um país, região ou bacia hidrográfica, do tipo de prática de produção de bens
agropecuários ou industriais exercidas na região em questão e, por conseguinte, demanda
hídrica daquelas práticas, pode-se de forma simplificada estimar-se a quantidade de água que
deixa a região (ou que é subtraída de uma região) através desses produtos. Ou seja, a água
virtual. A partir daí, estratégias de gestão ou de práticas de produção podem ser estudas
buscando-se um equilíbrio econômico maior ou em termos de disponibilidade/consumo, uma
vez que um bem de alto custo e baixo retorno financeiro ou ambiental pode ser substituído por
outro de maior eficiência.
O uso da ferramenta permite que estratégias políticas relacionadas ao comércio exterior, de
gestão de recursos hídricos e produção de alimentos também possam ser traçadas. A
importação/exportação de alimentos, objeto de maior relevância nos estudos sobre água virtual,
pode ser pensada como um meio de se “adquirir” água não disponível no país através da
importação, ou “vender” água em abundância por parte dos países com disponibilidade hídrica.
Dessa forma países com escassez em água produziriam bens cuja demanda hídrica é baixa e
importariam aqueles provenientes de regiões com abundância hídrica de maneira que
globalmente um equilíbrio hídrico seria alcançado aliviando-se a regiões sujeitas a stress
hídrico e otimização do uso da água.
No entanto essa é uma forma simplificada de se pensar o uso da ferramenta. Carmo et al.
(2007) comentam que a partir dos dados e da constatação da existência desse comércio de
“água virtual”, o debate sobre o papel de países no comércio internacional e sobre as
conseqüências de um comércio orientado por abundância ou escassez de água pode ser
iniciado. Assim, ao delegar ao comércio a função de estabelecer o que se produzirá em cada
país com base na quantidade de água existente em seu território, pode-se gerar discussões e
evidenciar novos conflitos entre as lideranças e populações de diversos países.
As disputas regionalizadas podem ser por terras, água ou mesmo alimentos com fins de
comercialização e controle do processo cujo mercado seria garantido. De forma reversa, o fator
43
econômico que rege as relações internacionais pode, frente a algum tipo de desacordo político
ou ideológico entre nações, definir a posição de superioridade de um país frente a outro cuja
segurança em alimentos seja dependente de importações entre esses países, e como forma de
retaliação, o comércio de alimentos ser suspenso, gerando conflitos de ordem social interna em
função da disputa por alimentos para o próprio consumo.
O incentivo a produção com o intuito da comercialização internacional deve ser utilizado com
vistas a um futuro sustentável e levar em conta os riscos ambientais tais como excessiva
utilização de recursos levando à escassez e tornando uma região totalmente dependente de
importações no futuro. A produção de um bem deve ser justificável não só no aspecto
financeiro, mas também ambiental, levando-se em conta que os recursos hídricos podem sofrer
depleção e contaminação com necessidade de tratamento posterior dependendo do tipo de uso.
Ainda do ponto de vista ambiental, subsídios e incentivos fiscais ou de taxação por parte de
governos locais podem incentivar a produção de cultura de alta demanda hídrica e uso
exaustivo de recursos naturais ou facilmente disponíveis em detrimento de aumento da
eficiência na produção.
Do ponto de vista nutricional, a busca pela otimização da relação entre valor nutritivo, demanda
hídrica e valor econômico, novas culturas podem ser estudadas como alternativas em
conformidade com o potencial de produção ou de consumo. O uso do conceito “água virtual”
como busca de novos produtos com alto valor nutricional e baixo consumo hídrico pode
promover o desenvolvimento de novas relações de produção e comercio baseadas na oferta e
procura, e a garantia de segurança em alimentos. Ao se priorizar o consumo em detrimento da
comercialização, as relações econômicas se estabelecem de forma a se sustentarem sem que o
provimento de alimentos seja ameaçado pelas relações políticas regionais ou internacionais.
Os investimentos em infraestrutura para o desenvolvimento de áreas produtivas também devem
passar por análises de prioridades econômicas e hídricas para que as escolhas sejam
justificáveis, seja na adoção de um ciclo produtivo para o mercado interno ou externo, ou de
política de importação. Estudos já apontavam para fatores como o poder aquisitivo da
população da área analisada e seus hábitos alimentares, uso e desenvolvimento de tecnologias
de produção, crescimento demográfico, segurança em alimentos, e políticas de gerenciamento,
como bases para a necessidade de se criar meios para o uso da ferramenta de forma efetiva
através da construção de estratégias.
44
O comércio de água virtual como uma opção política exige um entendimento cuidadoso dos
seus impactos relacionados não apenas aos regimes e dependência no comércio internacional,
mas também a situação local, social, ambiental, econômico e cultural. Além disso, deve manter
segurança em alimentos de forma local, regional e nacional garantindo acesso aos alimentos
(HOFWEGEN, 2003), além de se atentar para a qualidade dos produtos.
Cada país com suas políticas de gerenciamento hídrico e comércio age de formas diversas com
relação à produção. Hofwegen (2003) cita que na Espanha, onde mais de 50% das culturas é
irrigada, a falta de planejamento governamental levou produtores a fazer uso da irrigação,
financiando e operando seus poços de forma independente gerando uma situação de conflito
com milhares de cidadãos pela competição pela água.
No caso brasileiro, seria aplicar-se a política das águas proposta na lei de recursos hídricos (Lei
9.433/97). Alguns aspectos desta Lei são fundamentais, e representam importantes avanços em
termos da gestão da água. Dentre estes aspectos estão a democratização das decisões, com a
implementação dos comitês de bacia, e a descentralização das decisões. Os principais
instrumentos de operacionalização da gestão são a outorga de direito de uso, que possui grande
potencial de organização das demandas, e a cobrança pelo uso de água bruta como instrumento
de gestão (CARMO et al., 2007).
Um plano de gestão de recursos hídricos é um dos tantos passos a ser tomado no sentido de se
alcançar uma política equilibrada de comercialização de água virtual de forma globalizada em
que não só os interesses financeiros são levados em conta. Mas para se chegar a essa finalidade,
são necessárias pesquisas e levantamento de dados para padronização e procedimentos na
contabilização da água virtual.
45
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conceito de água virtual é relativamente novo e ainda necessita aprimoramento no que diz
respeito à padronização de metodologia de quantificação. O conteúdo de água virtual de um
produto dá informações sobre o impacto ambiental causado pelo consumo desse produto. O
conhecimento dos volumes de água virtual traz atenção para o volume de água necessário para
se produzir vários bens, dando então uma idéia de quais bens têm maior impacto nos sistemas
hídricos e aonde se pode economizar mais (HOFWEGEN,2003).
Em 2002, Hoekstra e Hung introduziram um novo termo, „water footprint‟ (pegada de água),
em analogia ao termo „pegada ecológica‟, que representa as áreas produtivas de ecossistemas
aquáticos e terrestres necessárias para se produzir os recursos usados, e para assimilar dejetos
produzidos por uma determinada população de um determinado padrão de vida material, aonde
quer que seja localizada essa área. Enquanto a „pegada ecológica‟ mostra a área necessária para
sustentar o modo de vida das pessoas, a „pegada de água‟ indica o volume de água necessário
se para sustentar uma população (HOEKSTRA e CHAPAGAIN, 2004). É a soma da água
virtual importada e da água de uso doméstico como forma de se medir a apropriação real de
recursos hídricos globais por uma nação. A aplicação dos dois conceitos em conjunto permite a
melhor análise do uso e eficiência no uso da água uma vez que permite a quantificação de
volume através do consumo e serviços por pessoa em um país.
Segundo Hoekstra (2008), o conceito tem sido reconhecido por organizações governamentais e
não-governamentais, empresas e mídia como um indicador do uso de água. O aumento
crescente do interesse no conceito tem trazido à tona a questão sobre o que consumidores e
empresas podem fazer para reduzir sua „pegadas de água‟. Outro termo é então apresentado,
„water neutrality‟, com o intuito de reduzir e compensar os impactos da „pegada de água‟.
O uso do conceito de “water neutrality‟ (neutralidade hídrica) se aproxima dos conceitos de
gestão ambiental utilizados por empresas com o intuito de alcançar a certificações ISO. Visa o
mapeamento do consumo de água e através dele a diminuição no consumo, a busca por
alternativas de substituição, o tratamento, o reúso e toda prática que contribua na redução das
externalidades negativas em âmbito econômico, ambiental e social tanto quanto possível e que
os impactos remanescentes sejam completamente compensados.
46
A evolução nos estudos a partir do conceito de água virtual ainda tem um longo caminho a
percorrer, especialmente porque se entende a aplicação dos conceitos como mudança
pensamento e de hábito não de forma global em nível político-econômico, mas também de
forma local o que implica em mudanças culturais, mais difíceis de acontecer. Mas a evolução
dos estudos também leva ao desenvolvimento de ferramentas de gestão mais apropriadas a
essas mudanças culturais. Desta forma, o conceito de „water neutrality‟ pode ser aplicado de
forma localizada e individualizada contribuindo também na conscientização e mudança de
hábito que efetivamente implicam na mudança cultural em prol do equilíbrio global.
47
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ii Produção de leite em grande escala é mais comumente referida em Kg que tem valor aproximado em L.