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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria-Geral da República
N° 54370/2017 — GTLJ/PGR Relator: Ministro Edson Fachin Distribuição por conexão à Petição n" 6530
SIGILOSO
PROCESSO PENAL. PROCEDIMENTO SIGILOSO AUTUADO COMO PETIÇÃO. TERMOS DE DECLARAÇÃO COLHIDOS NO ÂMBITO DE ACORDOS DE COLABORAÇÃO PREMIADA. REFERÊNCIA AO ENVOLVIMENTO DE PARLAMENTAR EM ESQUEMA CRIMINOSO DE CORRUPÇÃO E LAVAGEM DE DINHEIRO. MANIFESTAÇÃO PELA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO PARA APURAÇÃO DOS FATOS.
Colheita de termo de declaração no qual se relatam fatos criminosos envolvendo parlamentar federal.
Recebimento de vantagens indevidas decorrentes do esquema criminoso em questão, mediante estratégia de ocultação de sua origem.
Prática em tese dos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro, em concurso de pessoas, previstos no art. 317, combinado com o 327, § 2", e art 333 do Código Penal e no art. 1° da Lei if 9.613/1998, na forma do art. 29 do CP.
Manifestação pela instauração de inquérito.
O Procurador-Geral da República vem, perante Vossa
Excelência, requerer INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO em
face do Deputado Federal PAULO PEREIRA DA SILVA
PGR
(PAULINHO DA FORÇA-Solidariedade/SP), além de outros,
consoante os elementos fáticos e jurídicos a seguir expostos.
Da contextualização dos fatos
O Ministério Público Federal, no decorrer das investigações da
Operação Lava Jato, firmou acordos de colaboração premiada com
77 (setenta e sete) executivos e ex-executivos do Grupo
ODEBRECHT, havendo protocolizado, em 19.12.2016,
requerimentos no Supremo Tribunal Federal visando à
homologação dos referidos acordos, nos termos do disposto no art
40, § 7°, da Lei 12.850/2013.
Em decorrência dos referidos acordos de colaboração, foram
prestados por seus respectivos colaboradores centenas de termos de
colaboração, no bojo dos quais se relatou a prática de distintos
crimes por pessoas com e sem foro por prerrogativa de função no
Supremo Tribunal Federal.
A Ministra Presidente dessa Corte Suprema, em 28.1.2017,
determinou a homologação dos acordos de colaboração em
referência, após, vieram os autos à Procuradoria-Geral da República
"ara manifestação sobre os termos de depoimento veiculados nestes autos, no
prazo de até 15 (quinze) dias".
Do caso concreto
Conforme se depreende da análise dos Termos de
Depoimento if 12 do colaborador CARLOS ARMANDO
GUEDES PASCHOAL e n° 23 do colaborador do
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ALEXANDRINO DE SALLES RAMOS DE ALENCAR, há
elementos que indicam a possível existência de crimes praticados,
em 2010, pelo Deputado Federal PAULINHO DA FORÇA e
outros.
O colaborador CARLOS PASCHOAL aponta, por meio de
declaração e prova documental, que, em 2010, o Deputado Federal
PAULINHO DA FORÇA teria solicitado e recebido dinheiro ilícito
a pretexto da contribuição para a campanha eleitoral para a Câmara
dos Deputados.
Segundo relato detalhado CARLOS PASCHOAL, diretor
superintendente da ODEBRECHT no Estado de São Paulo, o
montante do valor entregue foi aproximadamente de R$
200.000,00, sendo sua totalidade repassada em espécie, sem
qualquer registro oficial. Ainda segundo CARLOS ARMANDO
GUEDES PASCHOAL, ALEXANDRINO ALENCAR,
funcionário da ODEBRECHT, teria indicado PAULINHO DA
FORÇA como um dos candidatos a serem beneficiados pela
empresa.
O colaborador ALEXANDRINO DE SALLES RAMOS DE
ALENCAR, afirma, em seu Termo 23, que PAULINHO DA
FORÇA teria solicitado diretamente a ele a importância de R$
200.000,00 a pretexto de contribuição para sua campanha. Aduz
ainda que concordou com o pedido porque fora feito após o
Deputado ter apoiado a empresa na solução de greves nas obras da
RNEST e das Usinas Hidrelétricas do Rio Madeira. O grupo
empresarial visava ainda aproximação com o Deputado em face do
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assento no FI-FGTS que a Força Sindical tinha, em especial da
influência de PAULINHO DA FORÇA em relação a Luiz
Fernando Emediato.
Os valores foram pagos através do Setor de Operações
Estruturadas', chefiado por HILBERTO MASCARENHAS
ALVES DA SILVA FILHO, para o qual o nome do Deputado
Federal PAULINHO DA FORÇA corresponde ao codinome "Boa
Vista", segundo confirma o colaborador CARLOS ARMANDO
GUEDES PASCHOAL. O Requerido também tinha o codinome
de "Força".
A ODEBRECHT utili7ava um software denominado
"Drousys" que era urdindo para organizar e gerenciar o pagamento
de propina. Para garantir a segurança desse sistema o servidor de
informática que armazenava os dados ficava hospedado no exterior,
inicialmente na Suíça e posteriormente na Suécia.
As condutas acima narradas não se tratam de mera doação
eleitoral irregular Vislumbra-se, na verdade, uma solicitação
indevida em razão da função pública que se almeja ou que ocupa.
O recebimento de valores a pretexto de doação eleitoral pode
configurar verdadeiro ato de corrupção com um lastro de
lCumpre esclarecer que a área de operações estruturadas foi criada durante a Presidência de Marcelo Odebrecht com a finalidade de administração e pagamento de recursos não contabilizados - vantagens indevidas a agentes públicos - aprovados por Marcelo e, a partir de 2009, também pelos lideres Empresariais do Grupo Odebrecht desde que relacionados a obras da empresa. Com o intuito de resguardar a identidade do beneficiário final, os Líderes da Empresa que solicitavam os valores eram instruidos a criar um codinome ou apelido para o destinatário final do pagamento, sendo a entrega feita em uma determinada conta no exterior ou em determinado endereço em território nacional O Drousys foi um sistema de informática paralelo ao sistema de informática oficial da Odebrecht, de acesso restrito, para pagamento e controle de operações financeiras da área de operações estruturadas, tendo sido instituído em 2007 ou 2008, para o aperfeiçoamento da comunicação entre os operadores e officers de bancos.
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dependência entre recebedor e doador que pode ser cobrado
imediata ou futuramente, não determinado, mas certamente
determinável.
Sob nuanças e coloridos diferenciados encontram-se presentes
espúrios interesses que seriam inatingíveis pelas vias ordinárias.
Além do repasse de R$ 200.000,00, o grupo ODEBRECHT
repassou, via doação oficial, R$ 500.000,00 para campanha de
PAULINHO DA FORÇA nas eleições de 2012, por meio da
contribuição ao PDT.
O fato do repasse financeiro ser feito via doação eleitoral não
é relevante caso esteja caracterizado que este foi apenas o
instrumento por meio do qual a propina fora paga.
Contudo, a extensão da participação do Requerido nos fatos
descritos envolvendo o pagamento de propina só será devidamente
esclarecida após o término da investigação, daí a necessidade de
instauração de inquérito.
3. Da tipificação
As condutas noticiadas acima — recebimento de vantagem
indevida em razão do cargo — apontam, em tese, para possível
crime de corrupção passiva majorado em relação aos agentes
públicos, assim tipificado:
Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (• Art. 327 - Considera-se funcionário público, para op efeitos
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penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. 5 1. - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. (Incluído pela Lei n° 9.983, de 2000) § 2° - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público. (Incluído pela Lei n° 6.799, de 1980).
Além disso, como o pagamento da propina reali7ado
possivelmente por meio de contabilidade não oficial e simulação de
doação de campanha, caracteriza-se também o delito de lavagem de
capitais, assim tipificado:
Art. 1" Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.
De outro vértice, a conduta dos executivos da ODEBRECHT
pode, em tese, caracterizar, além do acima citado delito de lavagem
de capitais, o crime de corrupção ativa, assim tipificado no art. 333
do Código Penal:
Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de oficio: Pena — reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei n° 10.763, de 12.11.2003) Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de oficio, ou o pratica infringindo dever funcio-nal.
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4. Da investigação conjunta
Feitas essas considerações, verifica-se nos autos a existência de
indícios mínimos aptos a motivar a abertura de investigação no
âmbito dessa Corte a respeito de fatos supostamente criminosos
relacionados ao Deputado Federal PAULINHO DA FORÇA e
outros.
Na linha da jurisprudência mais recente desse Supremo
Tribunal Federal, a cisão processual constitui a regra, mantendo-se
as apurações perante os tribunais com competência originária
apenas em relação aos eventuais detentores de prerrogativa de foro.
A despeito disso, a Corte já reconheceu persistir a reunião das
investigações em situações excepcionais nas quais os fatos narrados
encontrem-se intrinsecamente relacionados, "de tal forma imlnicados
que a cisão por si só implique prOito a seu esclarecimento" (AP n. 853/DF,
Rel. Min. Rosa Weber, DJ de 22/5/2014).
Na presente hipótese, evidencia-se necessária, ao menos por
ora, a manutenção da unicidade da investigação quanto a esses
fatos, uma vez que as condutas dos ora investigados de fato
encontram-se intrinsecamente relacionadas ao ponto de eventual
cisão resultar neste momento em prejuízo para a persecução
criminal.
A apuração conjunta dos fatos, inclusive àqueles que não
detêm foro por prerrogativa de função no Supremo Tribunal
Federal, neste momento, é medida que se impõe, para evitar
prejuízo relevante à formação da opinio delicti no tocante ao
parlamentar envolvido.
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5. Dos requerimentos
Ante o exposto, o Procurador-Geral da República requer:
a) instauração de inquérito, com prazo inicial de 30 (trinta)
dias, devendo, a autoridade policial, adotar as seguintes diligências
sem prejuízo de outras que entender pertinentes:
a oitiva dos colaboradores para esclarecimentos e
detalhamento dos relatos, sobretudo das datas dos encontros com
os prepostos, dos locais e dos valores, bem como das pessoas que
operacionalinram o repasse;
coleta, dentre o material apreendido e produzido no
contexto da Operação Lava Jato, de quaisquer evidências que
contribuam para o completo esclarecimento dos fatos em apuração;
levantamento de todas as doações eleitorais feitas em
2010 pela ODEBRECHT, ou por qualquer sociedade empresária
do seu grupo econômico, em favor da politica PAULO PEREIRA
DA SILVA (Paulinho da Força); e
levantamento dos repasses financeiros feitos à Força
Sindical no período dos fatos;
levantamento de eventuais contribuições que o
investigado e/ou pessoas a ele ligadas possam ter feito aos
interesses do grupo ODEBRECHT;
oitiva dos demais investigados.
b) juntada aos autos de cópia dos seguintes termos de
depoimento e dos documentos apresentados pelos colaboradores:
n° O (histórico profissional) e n° 12 do colaborador CARLOS
ARMANDO GUEDES PASCHOAL; e 1 histórico
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profissional) e n" 23 do colaborador ALEXANDRINO DE
SALLES RAMOS DE ALENCAR.
c) o levantamento do sigilo2 em relação aos termos de
depoimento aqui referidos, uma vez que não mais subsistem
motivos para tanto.
Brasília (DF), 13 d o de 2017.
ii
: i
Rodrigo Janot i t ro de Barros / Procurador-Geral da República
PA/AC/SB/CN
2 "É certo que a Lei 12.850/2013, quando trata da colaboração premiada em investigações criminais, impõe regime de sigilo ao acordo e aos procedimentos correspondentes (art. 7"), sigilo que, em princípio, perdura até a decisão de recebimento da denúncia, se for o caso (art.
§ 3"). Essa restrição, todavia, tem como finalidades precípuas (a) proteger a pessoa do colaborador e de seus próximos (art. 5", II) e (b) garantir o êxito das investigações (art. 7°, § 2"). No caso, o desinteresse manifestado pelo órgão acusador revela não mais subsistirem razões a impor o regime restritivo de publicidade". (Pet 6121, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, julgado em 25/10/2016, publicado em Dje-232 DIVULG 28/10/2016 PUBLIC 03/11/2016).
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