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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ALANA CRISTINA TEIXEIRA CHICO GRAFFITI: ARTE DE RUA E ESPAÇO ESCOLAR CUIABÁ-MT 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ALANA CRISTINA TEIXEIRA CHICO

GRAFFITI: ARTE DE RUA E ESPAÇO ESCOLAR

CUIABÁ-MT

2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ALANA CRISTINA TEIXEIRA CHICO

GRAFFITI: ARTE DE RUA E ESPAÇO ESCOLAR

CUIABÁ-MT

2017

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ALANA CRISTINA TEIXEIRA CHICO

GRAFFITI: ARTE DE RUA E ESPAÇO ESCOLAR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade Federal de

Mato Grosso como requisito para a obtenção do título

de Mestre em Educação na Área de Concentração

Educação, Linha de Pesquisa Movimentos Sociais,

Política e Educação Popular.

Orientadora: Profa. Dra. Maria da Anunciação Pinheiro

Barros Neta

Cuiabá-MT

2017

_____________________________________________________

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Carimbo
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AGRADECIMENTOS

Agradeço a cultura de rua, pela inspiração e reflexão. Sem os seus

movimentos, cores e sons, meu cotidiano sem histórias. Aos professores, amigos e

funcionários envolvidos no Programa de Pós Graduação em Educação da UFMT.

Em especial, a minha orientadora, Anunciação, por seu olhar atencioso para a

pesquisa e pelo seu carinho e cuidado comigo. Sou grata também, aos meus

queridos amigos e professores, Alécio e Rodrigo, por me incentivarem desde

sempre a buscar novas vias filosóficas para enxergar o mundo. Aos meus pais

amorosos e queridos, Luci e Flávio, pelo suporte e incentivo. Ao meu irmão, Bruno,

por ser sempre para mim uma referência de luta. Ao Rafael, meu esposo, por seu

companheirismo, amizade e afeição. Sou grata também a todos os envolvidos na

construção dessa pesquisa, como os artistas de rua e educados, que confiaram e

acreditaram no projeto educativo desse trabalho. E por último, agradeço aos meus

companheiros do grupo de Movimentos Sociais, Política e Educação Popular, por

partilharem comigo as suas vivências e referências. Um salve cheio de energia

positiva a todos que me incentivaram a realizar essa pesquisa. Como retribuição,

dedico essa pesquisa aos meus alunos, aos meus colegas de profissão e a todos

que aspiram uma educação humana. Que não tenhamos medo de romper barreiras,

estigmas e obstáculos. Que o verbo “Temer” não se faça presente em nosso

vocabulário. Ousemos a seguir em frente, com rebeldia alegre para transformar os

nossos espaços em experiências significativas.

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EPÍGRAFE

Hip hop na cabeça

Uma ideia nacional

O graffiti, o break, um estilo cultural

Vem na paz, meu irmão

Prega a união, uma rima, um beat, um papo de irmão

(Da Guedes – Hip Hop criado na rua)

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CHICO, Alana Cristina Teixeira. Graffiti: arte de rua e espaço escolar. 2017.

Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós Graduação em Educação, Universidade

Federal de Mato Grosso - UFMT, Cuiabá, 2017. 105p.

RESUMO

Essa pesquisa tem como objetivo principal identificar os desdobramentos

socioculturais e educativos que o graffiti traz consigo, refletindo sobre a relação do

grafiteiro com a sociedade e sobre a possibilidade de trabalhar essa arte como

experiência educativa e emancipatória dentro do meio escolar. Para isso buscamos

analisar as práticas de grafites inseridas nos concretos da cidade, através de

abordagens históricas, sociais e educativas. Além disso, contamos com um rico

material de entrevistas com quatro grafiteiros cuiabanos e quatro estudantes que

vivenciaram a arte graffiti dentro da escola como atividade pedagógica. Dado a isso,

adotamos como metodologia a Pesquisa-ação, uma vez que a pesquisadora em

questão está inserida no contexto como artista de rua e como educadora,

investigando de modo coletivo sobre as grafitagens urbanas e experiências

educativas trabalhadas dentro da escola. Para mais, utilizamos Michel Foucault e

Michel de Certeau como aporte teórico, para desenvolver uma reflexão filosófica das

relações cotidianas e os discursos estéticos produzidos pelos grafiteiros, nos quais

analisamos as representações sígneas dos enunciados materiais e não-verbais dos

graffitis nos muros da cidade. E, por último, utilizamos Paulo Freire em diálogo com

Marilena Chauí, Maria da Glória Gohn e Renato Ortiz, para investigar em quais

perspectivas o graffiti possa ser entendido como um referencial pedagógico no meio

escolar e em qual medida ele pode estar inserido no pensamento de uma educação

popular dialógica. Em relação às contribuições da pesquisa, é possível verificar que

o graffiti possui uma natureza pedagógico-filosófica na qual se conecta com a

dimensão popular de comunicação e foge da massificação de conteúdos

pedagógicos e dos discursos dominantes vinculados à mídia. Por fim, também

pudemos constatar o seu caráter de resistência, emancipação e dialogicidade num

contexto de cultura de rua.

Palavras-chave: arte; graffiti; filosofia; educação; emancipação; discurso; cotidiano;

comunicação.

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ABSTRACT

This research has as main objective to identify the sociocultural and educational

developments that graffiti brings with it, reflecting on the relationship between the

graffiti artist and society and on the possibility of working this art as an educational

and emancipatory experience within the school environment. For this, we seek to

analyze the practices of graffiti inserted in concrete of the city, through historical,

social and educational approaches. In addition, we have a rich material of interviews

with four Cuiabanos graffiti artists and four students who experienced graffiti art

inside the school as a pedagogical activity. Given this, we adopted Action Research

as a methodology, since the researcher in question is inserted in the context as a

street artist and educator, collectively investigating urban graffiti and educational

experiences worked within the school. Moreover, we use Michel Foucault and Michel

de Certeau as a theoretical contribution to develop a philosophical reflection of the

daily relations and the aesthetic discourses produced by graffiti artists, in which we

analyze the syndical representations of the material and nonverbal statements of the

graffiti on the walls of the city. And finally, we use Paulo Freire in dialogue with

Marilena Chauí, Maria da Glória Gohn and Renato Ortiz, to investigate in which

perspectives graffiti can be understood as a pedagogical reference in the school

environment and to what extent it can be inserted in the thinking of A dialogical

popular education. Regarding the research contributions, it is possible to verify that

graffiti has a pedagogical-philosophical nature in which it connects with the popular

dimension of communication and escapes from the massification of pedagogical

contents and the dominant discourses linked to the media. Finally, we could also

verify its character of resistance, emancipation and dialogue in a context of street

culture.

Keywords: art; graffiti; philosophy; education; emancipation; speech; everyday;

communication.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Grafitti em Cuiabá/MT.................................................................................25

Figura 2: Meios discursivos no grafitti........................................................................26

Figura 3 – Grafitti com elementos culturais de Cuiabá...............................................34

Figura 4 - Arte Graffiti feita na trincheira Jurumirim em Cuiabá.................................35

Figura 5 – Ação realizada na Escola Municipal Senhorinha......................................40

Figura 6 - Estudantes da Escola Estadual Francisco Dom Aquino escrevendo sobre

a preservação do meio ambiente...............................................................................43

Figura 7 – Reportagem sobre o apagamento dos grafittis na Avenida 23 de

maio............................................................................................................................52

Figura 8 – Reportagem sobre o projeto de lei de João Dória sobre pichação e

graffiti..........................................................................................................................53

Figura 9 – Reportagem sobre anúncio do projeto de lei do Museu de Arte de

rua..............................................................................................................................53

Figura 10 - Aniversário SubsoloArt - Oficinas de Graffiti e Stêncil da Escola Paulo

Freire..........................................................................................................................61

Figura 11 – Grafite homenageando Paulo Freire, na Diretoria Regional de Educação

Pirituba-Jaraguá da rede municipal de ensino da cidade de São

Paulo..........................................................................................................................62

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Modos de produção de arte de rua com cada participante entrevistado, bem como, os seus perfis referenciados pelas suas respectivas tags.......................67

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 10

Capítulo I PROCESSO DE CRIAÇÃO ARTÍSTICO NA RUA ...................................................... 14

1. Natureza metodológica da pesquisa ....................................................................................... 14

2. Breve percurso histórico: o graffiti e seus principais momentos ....................................... 16

3. Discurso, Cotidiano e Graffiti.................................................................................................... 24

3.1 Discurso Estético na Arte Graffiti ...................................................................................... 24

3.2 A Invenção Cotidiana presente na arte graffiti ................................................................ 29

Capítulo II............................................................................................................................................. 38

A PRESENÇA DA DIALOGICIDADE NA ARTE GRAFFITTI ...................................................... 38

1. As Potencialidades Educativas na Arte Graffiti através da concepção da Pedagogia do

Oprimido........................................................................................................................................... 38

1.1 O Graffiti como Prática Educativa Problematizadora ..................................................... 44

1.2 A arte graffiti como prática de Liberdade e Dialogicidade ............................................. 48

1.3 A ação antidialógica presente na repressão social com as artes de rua .................... 53

Capítulo III ........................................................................................................................................... 68

TRILHANDO UMA INVESTIGAÇÃO: EXPERIÊNCIA DE ARTISTAS DE RUA DE MATO

GROSSO E EDUCANDOS QUE VIVENCIARAM A ARTE GRAFFITI NA ESCOLA .............. 68

1. Contexto da pesquisa: cenário e participantes ..................................................................... 68

1.1 Procedimentos de coleta e análise compreensiva das informações ........................... 70

1.2 Compreensão do resultado das entrevistas .................................................................... 73

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................................. 94

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 97

APÊNDICE ........................................................................................................................................ 102

O GRAFFITI COMO UMA POSSÍVEL FERRAMENTA PEDAGÓGICA NO MEIO ESCOLAR

............................................................................................................................................................. 102

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INTRODUÇÃO

Esse estudo foi desenvolvido a partir de outro trabalho da minha graduação

de licenciatura em filosofia na Universidade Federal de Mato Grosso, realizado no

momento em que precisava elaborar uma dissertação de conclusão de curso.

Durante esse período inevitável, procurei investigar na filosofia, eixos que envolviam

a arte e a educação. Na época priorizei uma dissertação que partisse de uma

necessidade verdadeira de compreender o meu objeto de estudo, bem como, de

proporcionar contribuições que pudessem ser relevantes para os professores/as nas

aulas de filosofia. Em base nisso, optei a escolher um objeto de pesquisa que

sempre cercou o meu cotidiano – as paredes coloridas e os rabiscos que pareciam

gritar algo. Essa observação, sempre me causou curiosidade e necessidade em

compreender os graffitis, sobretudo, porque desde criança e adolescente estive

imersa na cultura de rua, como os cds piratas de raps comprados nas feiras de

bairro e pelo meu envolvimento breve com o skate. Posso dizer que essa cultura se

enraizou em mim, tanto que posteriormente me envolvi ainda mais com a arte de

rua, aprendendo a dançar breakdance em festas de hip hop, fazendo graffiti, murais,

e algumas vezes, pichações. A partir desse contexto, eu ansiei terminar meu curso

de filosofia estudando algo que me fizesse sentido, ao menos naquele momento, em

que eu estava saturada de estudar apenas correntes, pensamentos da filosofia e

problemas filosóficos que não eram meus. Dessa forma, decidi, em conjunto com o

meu orientador da graduação, que o foco dessa pesquisa seria o graffiti estudado

sob uma abordagem filosófica e parte de uma discussão sobre o ensino de filosofia.

Através dessa minha experiência pessoal com a arte de rua e do breve

estudo sobre a arte graffiti, me ingressei ao mestrado oferecido pelo Programa de

Pós-graduação em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso, com a

necessidade de compreender o graffiti como parte de uma arte de rua que pode

possibilitar encontros educativos através de uma concepção de educação popular. É

importante salientar, que essa intenção não surgiu apenas sob o olhar de menina

curiosa a respeito das cores espalhadas nos muros da cidade e arteira, mas como,

uma professora que se preocupa ativa e afetivamente com as práticas educativas

estabelecidas dentro da escola. Portanto, a pesquisa em questão se encontra em

outros desdobramentos filosóficos e históricos, pretendendo assimilar o contexto

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social dos artistas de rua, que estaria por trás das diversas traduções imagéticas

inscritas nos espaços urbanos. E, sobretudo, de investigar se a arte graffiti possui

potenciais educativos e se é possível trabalhá-los dentro da escola como

experiências educativas. E, sobretudo, de olhar para o potencial educativo do graffiti

e qual a possiblidade de trabalho no interior da escola.

A partir disso, a presente pesquisa visou trazer para a educação um objeto de

investigação pouco explorado na educação: a arte graffiti. Tendo como proposta

apontar novas possibilidades de compreendê-la no cenário urbano. E de promovê-la

como experiência educativa dentro do espaço escolar. A respeito dos eixos

problemáticos, destacamos quatro problemas principais: como compreender a partir

de uma reflexão filosófica e discursiva os meios de comunicação que a arte de rua,

principalmente o graffiti, estabelece com a sociedade; Como o artista de rua

relaciona a sua arte com a sociedade; Quais os potenciais educativos que o graffiti

traz para a sociedade; E por último, se a arte de rua pode proporcionar práticas

educativas dialógicas e emancipadoras dentro do meio escolar. A partir da

apresentação inicial da pesquisa, bem como, dos problemas de pesquisa, o nosso

objetivo principal é identificar os desdobramentos socioculturais e educativos que a

arte graffiti traz consigo. Através da reflexão sobre a relação do grafiteiro com a

sociedade e sobre a possibilidade de trabalhar essa arte como experiência educativa

e emancipatória dentro do meio escolar.

Deste modo, os capítulos e subcapítulos foram desenhados a partir do

propósito de examinar a arte graffiti nas suas dimensões socioculturais e educativas,

trazendo com eles hipóteses para respondermos nossas questões

problematizadoras. Portanto, no primeiro capítulo denominado como “Processo de

criação artístico na rua” procurou-se compreender a arte de rua no cenário urbano,

por meio de uma breve abordagem histórica sobre o surgimento do graffiti no século

XX e XXI. Com o intuito de identificá-lo como parte de uma manifestação social e

estudá-lo numa abordagem filosófica, por meio de intermédio de embasamentos

teóricos em Michel Foucault, Michel de Certeau e em outras literaturas que

trabalham com a arte de rua, como de Anita Rink. Esses autores possibilitam

condições teóricas para analisar a criação de discursos e comunicações, que um

objeto artístico tão presente no cenário urbano traz com ele. Além de identificar uma

manifestação diversa de expressão na qual o artista de rua estabelece em suas

relações cotidianas.

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O segundo capítulo “A Presença da Dialogicidade na Arte Graffiti” foi baseado

na concepção da educação como prática libertadora de Paulo Freire em diálogo com

outros autores, como Maria da Glória Gohn, Renato Ortiz e Marilena Chauí, que nos

permitiram fazer outras análises no campo da educação. Em especial, no que diz

respeito aos movimentos sociais e cultura popular na aproximação da arte graffiti

dentro de uma prática dialógica. Dessa forma, podemos refletir sobre a

potencialidade da arte em questão para dentro do meio escolar, como uma

experiência educativa e pedagógica, onde se permite a criação de possibilidades e

condições dos alunos compreenderem as suas respectivas realidades locais através

da arte de rua. E em especial, inserir a arte graffiti dentro de um contexto de

Educação Popular, em uma perspectiva emancipadora, que envolve um ensino

curricular ativo, no qual o estudante possui condições de pensar a partir das suas

próprias experiências de forma criativa e autônoma.

O terceiro capítulo: “Trilhando uma Investigação: Experiência de Grafiteiros

de Mato Grosso e Educandos que vivenciaram a Arte de Rua na Escola”,

corresponde ao momento mais importante da pesquisa, aquele voltado a observar e

colher experiências de artistas de rua, a fim de entender qual a relação que eles

estabelecem com a sua arte e com a sociedade. Assim como, de verificar através de

entrevistas, se as estudantes vivenciaram a arte graffiti dentro da escola como uma

prática educativa e dialógica.

E por fim, foi desenvolvido um apêndice “Graffiti: como uma possível

ferramenta no meio escolar” que visa agregar com esse estudo e na sua proposta de

promover um encontro educativo entre o graffiti e o meio escolar, um pequeno

material didático para educadores que desejam trabalhar as artes de rua com os

educandos. Podemos considerar que essa parte se refere ao cunho prático da

pesquisa, devido sua aplicabilidade pedagógica.

Como metodologia, a natureza desta pesquisa é a da Pesquisa-Ação. Como

visto anteriormente, estou envolvida no contexto da arte de rua, como artista e em

especial, estou vinculada como professora de filosofia na instituição escolar onde

foram realizadas as entrevistas. Em relação à abordagem do problema, foi utilizado

o método qualitativo, uma vez que se pretendeu investigar a relação entre o sujeito e

o mundo, isto é, o grafiteiro com a arte de rua e do educando e a sua experiência

com o graffiti dentro do espaço escolar. E para alcançar os objetivos da pesquisa,

isto é, responder nossos problemas de pesquisa, levantamos bibliografias que

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possibilitaram condições de discutir a arte graffiti numa perspectiva filosófica e

educativa. Ainda analisamos os relatos de experiências dos entrevistados, registros

fotográficos presentes e outras imagens que agregam na discussão da pesquisa. De

modo que esses materiais coletados deram suporte para a elaboração da discussão

da pesquisa, na medida em que nos forneceram condições para pensar na reflexão

filosófica que a arte graffiti traz.

Por fim, procuramos conhecer as dimensões políticas e culturais envolvidas

no graffiti em observação a relações sociais que a arte de rua possui com a cidade,

e, sobretudo, na compreensão e observação do fenômeno discursivo e cotidiano

envolvido nesse tipo de arte e de como ela pode se projetar numa perspectiva

popular em educação.

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Capítulo I PROCESSO DE CRIAÇÃO ARTÍSTICO NA RUA

O presente capítulo tem por objetivo apresentar uma breve abordagem

histórica e social sobre o surgimento da arte graffiti no mundo, e como ela se

estendeu para o Brasil. Além disso, visamos explorar algumas compreensões sobre

essa arte enquanto movimento artístico e social, a partir de referências teóricas de

autores que estudaram essa temática, como Anita Rink em “Graffiti: Intervenção

Urbana e Arte”. Também contamos com um material de fotografias e relatos de

grafiteiros, que foram retirados de outras fontes bibliográficas, como artigos,

reportagens e sites. Isto se dá para enriquecer nossa reflexão sobre o graffiti como

um processo de criação artístico na rua. Por fim, contamos como aporte teórico

Michel Foucault em seu livro “A Ordem do Discurso” e Michel de Certeau na obra “A

Invenção do Cotidiano”, para realizarmos uma abordagem filosófica sobre as

inscrições grafitadas e seus respectivos discursos. Dessa forma, pretendemos

contribuir para com o leitor a apresentação do graffiti e a sua inserção na sociedade.

Bem como, oferecer outras análises sobre a arte em questão a partir de reflexões

filosóficas a respeito das suas manifestações artísticas. Por fim, consideramos esse

capítulo imprescindível para a compreensão do que iremos abordar ao decorrer da

pesquisa.

1. Natureza metodológica da pesquisa

A natureza da presente pesquisa utiliza a Pesquisa-Ação como metodologia

qualitativa, pois a pesquisadora está imersa no contexto da arte de rua. Podemos

pontuar esse fato em três situações: como artista de rua, que faz grafitagens e

murais; como professora dos estudantes entrevistados, que participou da atividade

envolvendo arte graffiti na escola; e como professora em atividades de arte de rua

em diferentes instituições escolares. No que se refere às atividades com arte de rua,

foram trazidos registros fotográficos no corpo do texto com a referência “acervo

próprio”, em especial no capítulo dois, para dimensionar a vivência da pesquisadora

enquanto professora e assim fornecer ao leitor melhor visualização de sua trajetória

e da sua ação na pesquisa.

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Dessa forma, através da Pesquisa-Ação buscou-se compreender as

experiências e vivências dos grafiteiros com a arte de rua e dos educandos com a

vivência de trabalhar o graffiti dentro da escola, situando também a trajetória da

pesquisadora, uma vez que este trabalho pretende construir possibilidades de

compreender as práticas educativas presentes na arte graffiti, já que as mesmas

trazem conteúdos educativos explícitos e intencionais. Conforme Thiollen (1984), o

objetivo dessa metodologia não foi de avaliar conceitos apreendidos pelos artistas

de rua e tampouco dos estudantes sobre a arte de rua. A sua intenção se constituiu

basicamente em elencar e roteirizar os saberes de cada grupo distinto e relacionar

às suas vivências enquanto grafiteiros (as). Destaca-se que para o grupo de

grafiteiros, a intenção foi a de pensar junto em conjunto sobre a relação que é

estabelecida com a sociedade. Tendo em vista esse fato, aos estudantes, o objetivo

é basicamente educacional, pois busca compreender em quais medidas a

experiência com a arte de rua na escola se caracteriza como uma prática educativa

e emancipatória.

A partir dessa configuração, o lócus das investigações se deu individualmente

com cada grafiteiro, na rua ou no meio virtual. Com os estudantes, toda pesquisa

ocorreu na própria instituição escolar. Por isso, podemos dizer que os esses dois

grupos estavam conversando com a pesquisadora que trazia em si os papéis de

“amiga”, “professora” e “parceira de arte de rua”, alguém que se reuniu a eles para

abordar uma temática importante, nas quais grafiteiros e estudantes ultrapassam os

papéis de meros participantes, pois participam da atividade como sujeitos reflexivos

que vivenciaram de forma singular a arte de rua. Essa é uma característica marcante

na pesquisa-ação (KINCHELOE e MCLAREN, 2006), na abordagem de uma

pesquisa de prática humana que se apoia numa educação crítica e nega o

reprodutivismo. Dessa forma, a pesquisa é construída por um olhar atento e reflexivo

sobre as possibilidades da arte graffiti ter suas potencialidades educativas na

sociedade, em especial, promovida como um mediador pedagógico no meio escolar

que ajuda a chegar à reflexão filosófica, pois oferece aos estudantes novos

pensamentos sobre a sua produção estética.

Em suma, a pesquisa-ação como metodologia contribui para reforçar a

importância da valorização e do respeito às experiências registradas na entrevista,

pois o sujeito traz consigo, através de sua fala, a dimensão significativa de suas

vivências. Cada indivíduo traz consigo um mundo. E isso permite uma reflexão

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enriquecedora e diversa sobre a arte graffiti. Contudo, pode-se considerar que nem

tudo alcança a clareza da expressividade através da escuta ou da observação, é

preciso considerar além dos relatos orais, as fotografias das inscrições grafitadas e

pichadas por artistas de rua, bem como, o registro de atividades que envolveram a

arte graffiti no espaço escolar. Além da confiança dos sujeitos entrevistados com a

pesquisadora, por meio de diálogos e aproximações sociais, o que possibilitou uma

observação mais profunda sobre as diversas percepções que emergem durante a

construção da pesquisa.

Por fim, é necessário salientar que a metodologia aplicada a essa pesquisa

visa uma necessidade de mudança a partir das práticas pedagógicas tradicionais,

que por sua vez, tem por intuito ampliar novos caminhos a serem trabalhados no

meio escolar. Resultante disso é que no final dessa pesquisa há um apêndice que

propõe uma intervenção educativa no meio escolar por intermédio da arte de rua.

2. Breve percurso histórico: o graffiti e seus principais momentos

Com base na própria história, é possível dizer que a arte e a reflexão

impreterivelmente fazem parte do que chamamos de Humanidade. Já na pré-

história, os primeiros povos, caracterizados por muitos como primitivos, iniciaram as

primeiras produções artísticas, mesmo antes de possuir uma sociedade com

sofisticada organização política. Esses primeiros artistas interagiam intensamente

com os elementos da natureza e refletiam o seu modo de vida, realizando

intervenções gráficas nas paredes das cavernas, expressando os seus sentimentos,

linguagem corporal, estratégias de caça, entre outros hábitos. Esses registros

antepassados foram denominados como arte rupestre. Esta é praticamente a estreia

da criação imaginativa e sensível do ser humano, ou seja, a arte1. Em Souza (2000)

é possível compreender que o retrato ou panorama artístico começa a mudar com

as civilizações da Mesopotâmia e com o Egito, tendo a função não somente de

expressar acontecimentos diários, mas crenças, mitos religiosos, estruturas sociais e

até mesmo decorações que embelezavam palácios e tinham o objetivo de prestigiar

as conquistas de governadores.

1Do latim ars, significa técnica e/ou habilidade.

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Assim, a história da arte é construída e contada constantemente, envolvendo

variações de circunstâncias sociais e culturais, nas quais a participação de agentes

humanos ativos e efetivos responde e corresponde às cores, sons, formas que a

natureza possui, em que é demonstrado o lado contemplativo, mas também

perspicaz de querer dominá-la. Ao longo do tempo e da história as reflexões

resultantes desse movimento humano de enfrentar e admirar a si mesmo e o seu

entorno manteve-se, mas em cenários diversos como na arquitetura e espaços

públicos. Como dito anteriormente, a existência de produções imagéticas iniciou-se

na pré-história com as intervenções gráficas nas paredes das cavernas, e

persistiram na percepção humana sobre o mundo. De acordo com urbanista italiano

Francisco Careri para BBC Brasil São Paulo, no Império Romano foi denominado

pela primeira vez o termo “graffiti”, que remeteu a inscrições feitas na parede através

do uso do carvão para produzir mensagens de protestos, predições o entre outros

temas.

Diante dos fatos históricos mencionados, as inscrições gráficas em muros,

paredes e outros suportes não convencionais registram, através de pinturas,

informações históricas que relatam conjuntos de crenças mitológicas, iconografias,

rudimentos decorativos, arte, política e outros. De acordo com Feitosa (2004), todo

aparato serve de referência para estudos científicos, filosóficos, estéticos,

tecnológicos e até mesmo no conjunto de valores morais e éticos de uma sociedade.

Isto porque as várias manifestações artísticas e seus temas fizeram parte da história

e estão inseridas nas experiências cotidianas, consequentemente, do essencial da

vida humana – abstraindo e refletindo nas inscrições gráficas a sua realidade.

Os graffitis atuais remetem a um sentido diferente dos muros do passado,

pois como foi visto acima, todas as manifestações humanas, em especial a artística,

retratam um contexto histórico e uma realidade distinta. Mas apesar disso pode-se

afirmar que as expressões gráficas possuem uma intenção atemporal e comum: a

comunicação. Sob essa perspectiva, Santos (2010) esclarece que desde inscrições

romanas feitas de carvão até as intervenções urbanas do século XXI houve uma

necessidade de instituir uma comunicação pública, inscrevendo pensamentos e

sentimentos que propiciaram aos seus espectadores uma produção vasta de pontos

de vistas estéticos e manifestações de ideias e pensamentos.

Nesses contextos diferentes se destacaram várias mudanças, uma delas foi

da própria maneira de grafitar, isto é, a técnica de elaborar um graffiti. Verificamos

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essa informação com Rink (2013), quando ela relata que nos anos 1950, durante o

processo de industrialização, houve intensa produção têxtil, automobilística,

alimentar, gráfica, e também a produção da tinta látex, que fez parte dos produtos a

serem comercializados e consumidos. Diante do desenvolvimento empreendedor da

época, consecutivamente houve expansões e aprimoramento de diversos produtos,

entre eles, a tinta látex em spray que foi utilizada para inúmeros fins, inclusive para

grafitar sobre as paredes. Porém, antes mesmo da tinta látex ser produzida em

forma de spray, as intervenções grafitadas eram utilizadas através do piche,

substância que possui um pigmento negro e textura grudenta e resinosa, sendo de

difícil remoção. Foi através deste material que a expressão de “pichação” surgiu e

apesar de ser associado como ato de vandalismo, serviu para as primeiras

intervenções estéticas no espaço urbano da Contemporaneidade.

Rink (2013) ainda reitera que a tinta em spray possibilitou diversas técnicas

de grafitagens através de sua tecnologia de fácil manuseio. Inaugurando novas

maneiras de inscrever as suas expressões artísticas, inicialmente, de maneira ilegal

e informal, através de ações coletivas visando atingir o cenário público presente na

sociedade. Assim, o graffiti foi visto como uma arte criminosa, como exemplifica o

artigo 1632, do código penal, que assegura que os danos causados pelos crimes

contra o patrimônio, isto é, praticar atos danosos como destruir, inutilizar ou

deteriorar coisa alheia, está sujeito a levar uma pessoa à detenção, de seis meses a

três anos, e multa, além da pena correspondente à violência. Porém, apesar da

previsão jurídica, os espaços urbanos foram constantemente apropriados com arte e

sensibilidade pelas intervenções do graffiti.

Durante o processo industrial, a tinta látex passou a ser produzida em larga

escala sob a forma de spray, tornando-se um produto acessível no comércio.

Devido essa nova produção, inscrições de diversas atividades coletivas passaram a

ganhar cada vez mais visibilidade, influenciando a formação dos primeiros grupos e

movimentos contraculturais no ocidente. No final de 1960 apareceram na Europa

pichações inscritas nas paredes como forma de protesto às inclinações

conservadoras da sociedade da época. Pode-se dizer que esse movimento se

iniciou nas ruas francesas em maio de 1968, quando os muros de Paris foram

2 DECRETO-LEI N.º 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. Código Penal do Artigo nº163. Parte

Especial Título II dos Crimes Contra o Patrimônio. Capítulo IV do Dano.

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invadidos por escritos gráficos com palavras de ordem e outros manifestos, servindo

de palco para comunicações coletivas guiadas por multidões que incitavam

protestos e reivindicações, se tornando também fonte de inspirações para aqueles

que visavam transformações sociais.

A partir desse momento, o movimento de contracultura só tendeu a

multiplicação em diversas sociedades, os muros cada vez mais serviam de

interlocução para manifestação de oposição política e insatisfação social. Em Nova

York, artistas e grafiteiros afetados pelo marco francês também inscreveram nos

muros as ruínas sociais e políticas de seu tempo. Um dos artistas a ser destacado é

Jean-Michel Basquiat, que além de manifestar indignações também tinha uma

expressividade muito intensa e diferenciada, o que acabou inaugurando uma

perspectiva de “estética da grafitagem” e da definiçãoo do artista-grafiteiro como

aquele que possui capacidade de produzir conceitos que remetem a ousadas

expressões sociais. Conforme Tânia Lima:

Durante os mornos anos 80, o pintor Basquiat provocou escândalos no mundo dos muros repletos de desenhos e pichações emaranhadas de um colorido agressivo. O pintor da era pós “contracultura”, ao pincelar seus grafites manchados, emprestava suas cores para retratar o vazio de uma época. No jogo de luz e sombra, desenhava de só uma levada suas telas como se pintasse pelo improviso jazzista do instante. Em sua „brincadeira levada a sério‟, fez do grafite de rua uma espécie ícone perene do insustentável mundo contemporâneo. Por outro lado, também soube como nenhum outro artista tirar proveito da fama ao estrear na galeria dos muros e paredes de alvenaria de um subúrbio com cara de classe média dos guetos latinos americanos. Se a arte do pós-guerra deixou os museus europeus para se alojar dentro dos museus americanos, a arte de Jean Michel Basquiat é uma travessia que saiu do meio das ruas para se alojar dentro de galerias e museus de Nova - Iorque. Esse pintor das ruas ao expressar a arte do grafite, em tom de brincadeira, movia-se para o campo das artes gráficas com um trabalho para lá de sério. No víeis [sic. Viés] da crítica social, esse artista plástico nos leva a ver a rua de dentro para dentro dos quadros manchados de uma poesia rebelde. Por ali uma parte da classe média baixa descobre sem modismo no auge dos anos 80: o grafite. (LIMA, 2013)

Basquiat foi um artista estadunidense considerado referência dos movimentos

populares de Nova York e também precursor que influenciou a tendência do graffiti

contemporâneo presente na arte urbana. Através de suas expressões exclusivas de

crítica social acabou fazendo com que o graffiti fosse reconhecido em nível

internacional e ganhasse espaço no âmbito artístico. Além de Basquiat, houve

também o artista Keith Haring que ficou reconhecido pela sua notável arte pop

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influenciada por Andy Warhol, que consistia numa ruptura entre a arte considerada

erudita e pop. Haring foi o primeiro artista a levar a arte de rua para galerias,

museus, bienais marcando ainda mais o seu estilo de romper as barreiras e

contribuindo também para a diversificação técnica de fazer arte urbana. No Brasil,

Keith Haring, teve um papel muito importante na década de 80, quando os primeiros

movimentos de graffiti começaram a surgir nas ruas da capital paulista, sendo

convidado a participar de uma Bienal Internacional de Arte juntamente com outros

artistas-grafiteiros estadunidenses. Em sua vinda ao Brasil produziu dois grandes

painéis grafitados em São Paulo, hoje apagados, mas que servem ainda como fonte

de referência artística para os outros artistas devido as sua forma lúdica, colorida e

excêntrica de grafitar e ainda assim, nunca se abstendo do cunho político e social.

A partir dos relatos sobre os movimentos de contracultura ocorridos na

Europa, pode-se concluir que os grafiteiros foram afetados pelo cenário histórico

cercado de ideias e ideais sócio-políticos de sua época. Segundo Canevacci (2005),

os movimentos de contracultura morreram nos anos 1980, “(...) pois morreu a

política como utopia que transforma o mundo empenhado ao futuro próximo” (p.15).

Para o autor, a contracultura deixa de existir quando há uma cultura dominante,

nesse sentido, os movimentos de contracultura daquela época deixaram de fazer

sentido quando houve a perda de contestação de forma articulada e reflexiva. Diante

dessa perda, da essência contracultural permaneceram movimentos artísticos, como

o graffiti, que resultaram em grupos diferenciados com expressões e intenções

diversificadas de fazer arte no meio urbano.

O graffiti no Brasil não surgiu no mesmo contexto contracultural europeu, mas

durante o período da ditadura militar, podemos verificar essa informação em Soares

(2008), o autor afirma que foram encontradas as primeiras manifestações urbanas

pelos muros contra o regime posto em 1964. Foi um movimento intenso de práticas

como pichações e grafitagens, especialmente a primeira, que foi expressa com

frases de impacto e palavras de ordem que representavam a crítica à opressão do

regime militar. A pichação fora considerada um dos recursos mais práticos e agéis

devido sua técnica, que respondia muito bem a necessidade de se registrar

insatisfações, expressões, ideias, evitando a denúncia naquele período histórico.

Dessa forma, muitos jovens, especialmente de movimentos estudantis, impactaram

as ruas da cidade com pichações nos blocos de concretos da cidades.

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Na década de 1970, em São Paulo, as manifestações urbanas foram também

marcadas pelo graffiti, que começou a ganhar visibilidade pelas imagens figurativas

e poéticas, se somando também com as expressões de crítica social apontadas

pelas pichações e acabou versando além de palavras de ordem, poesias, mas que

remetiam ainda ao contexto político. Além disso, havia naquele momento o “stêncil

art” que também fora muito utilizado para manifestações artísticas e políticas.

Durante o golpe militar de 1964, houve uma tentativa de vários movimentos

artísticos brasileiros de buscar construir, ou ao menos representar, a imagem do

país em seu contexto, por exemplo, a Tropicália e a sua busca pela representação

de uma identidade consciente e objetiva da cena brasileira daquele período.

Partindo desse momento de censura militar de variadas expressões artísticas,

o graffiti emerge e se populariza no país, movido pela busca de mudanças e

representação coletiva. O seu papel dentro da história das artes brasileiras cada vez

mais se fortificou e ganhou legitimidade como status artístico, deixando de ser

reconhecido apenas pelo seu meio urbano e popular. Pode-se afirmar que isso se

concretiza oficialmente na Bienal de 1985, quando foram convidados vários

grafiteiros entre intelectuais e especialistas em arte para participar do evento e expor

os seus trabalhos em suas galerias. Entre os expositores estavam os brasileiros Alex

Vallauri, Waldemar Zaidler e Carlos Matuck. O grafiteiro Vallauri, por exemplo, trouxe

para a exposição a sua influência pop-art americana, em que se refere ao uso de

máscaras de papelão e da técnica de moldes vazados que serviu para os desenhos.

Esse estilo de grafitagem acabou sendo considerada por Alex Gitahy3 como escola

vallauriana, consistindo na transformação de moldes de materiais com textura

flexível em máscara. Outras escolas classificadas por esse autor são os graffitis

ligados ao movimento hip-hop oriundo do estilo americano e também a escola de

Keith Haring, característica do estilo à mão livre, podendo utilizar spray, pincéis,

tintas acrílicas. Diante das referências apresentadas pode-se afirmar que o cenário

do graffiti no Brasil começou a se tornar referência internacional.

Vallauri, Zaidler e Matuck, escolheram o mais anônimo e pouco rentável dos suportes. É neles que os artistas vão exercer a sua intenção maior, a de provocar e instigar as pessoas a tomarem conhecimento de si mesmas. Pois trata-se disto. Observar a individualidade onde menos ela é esperada. Ver reciclados signos aos quais estão habituados. História em quadrinhos,

3 Celso Gitahy considerado um dos representantes da turma pioneira do Graffiti no Brasil. Também

autor do livro “O que é Graffiti?” publicado em 1999 pela Editora Brasiliense.

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marcas do cotidiano até finalmente, marcas psíquicas. É o caso dos signos-fetiches, do mundo mágico e encantado, do sonho infantil. Tudo como uma lição para casa que se encontra em plena rua. O choque do encontro, a invenção de signos, a redescoberta dos signos conhecidos que, pela primeira vez, parecem estar diante de nós. Ardentes, mágicos, generosos, fantasiosos, intencionais, os grafiteiros profissionais são extremamente amadores. É neste amar a dor, neste prazer e intervenção que o seu trabalho adquire foros de maioridade e de diálogo evoluindo na direção do interlocutor anônimo e das possíveis respostas (...) (Jacob Klintowitz In: MURAL Graffiti: Alex Vallauri, Carlos Matuck, Waldemar Zaidler Jr. Texto de Jacob Klintowitz. São Paulo: Galeria São Paulo, 1984.)

Assim, além dos autores expostos na Bienal de 1985, outros artistas

grafiteiros já produziam muitas obras, a diferença é que a sua atuação ainda

permanecia nas ruas, enquanto os grafiteiros Alex Vallauri, Carlos Matuck,

Waldemar Zaidler se deslocavam entre dois meios: ruas e galerias. Entre os

primeiros grafiteiros conhecidos no Brasil está o artista Binho Ribeiro que atua e

contribui para o cenário do Graffiti desde 1984.

Em 2011, foi construído o Museu Aberto de Arte Urbano localizado em São

Paulo na Avenida Cruzeiro do Sul que contou com pinturas de diversos artistas

colaboradores e teve como diretor e tutor, Binho Ribeiro. É possível verificar essa

informação e visualizar as artes, através do curta-metragem “MAAU (Museu Aberto

de Arte Urbana) – 2011”. Outra referência de graffiti para o Brasil, talvez a mais

popularizada, se trata dos “Gêmeos”: uma dupla paulista de grafiteiros que começou

sua atividade em 1986, servindo de referência e inspiração para artistas de todos os

âmbitos, isto pela composição de seus desenhos que representam um imaginário

vasto e colorido, repletos de realismo e ficção. A biografia dos Gêmeos indica que

antes de existir um mercado específico voltado para arte do graffiti, eles utilizavam

tintas de carro, reaproveitavam bicos de desodorante e perfume como material para

moldarem e construírem a própria linguagem. Com o tempo e o desenvolvimento

industrial, os seus desenhos passaram a ser produzidos com mais habilidade

técnica e recursos materiais, contribuindo para a criação de uma identidade de

grafitagem própria que fora requisitada e reconhecida por artistas do mundo todo.

Atualmente, os Gêmeos fazem exposições em várias galerias do mundo, mas ainda

transitam nas ruas expondo a suas artes. Sobre as informações referidas no texto

sobre os Gêmeos, é possível averiguar no site4 autenticado dos grafiteiros.

4 http://www.osgemeos.com.br/pt

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Após o aparecimento dos três brasileiros citados na XVIII Bienal em São

Paulo de 1985, o cenário do graffiti no Brasil cada vez mais se aprimorou e expandiu

com debate sobre arte para além das ruas, trazendo para dentro de escolas e

universidades, colóquios sobre a grafitagem e sua extensão estética, epistemológica

e política. Atualmente está em vigor a lei nº12408/2011, sancionada pela então

presidente Dilma Roussef, que afirma que “a prática do grafite é realizada com o

objetivo de valorizar o patrimônio público e privado mediante manifestação artística”.

Rink (2013) afirma que atualmente muitos grafiteiros realizam projetos sociais

de forma independente e até mesmo em parceria com o governo. Os desígnios

dessas intervenções seguem de forma ampla, variando entre fornecer capacidade

de desenvolvimento pessoal, oficinas artísticas até trabalhos que contribuem para a

qualificação profissional, proporcionando aprendizagem de competências básicas. A

autora ainda destaca que todas as ações realizadas pelos grafiteiros geralmente

possuem o objetivo de afastar crianças e jovens, independente de suas classes

sociais, da marginalidade e do envolvimento com as drogas. Dessa forma, pode-se

dizer que o graffiti não só possui um papel importante na contribuição estética e

histórica, mas também na sociedade. Vale ressaltar que as oficinas artísticas

usualmente ocorrem junto a ONGs e escolas, oferecendo aos participantes a

possibilidade de conhecerem a dimensão dessa arte e a expressarem em paredes e

muros da cidade. Também leva para exposições em galerias, camisetas, painéis,

entre outras formas em que o graffiti pode ganhar espaço. Ademais, os participantes

tomam contato com outras manifestações artísticas, o que contribui para o

aperfeiçoamento dos seus conhecimentos culturais.

Rink (2013) explana que o envolvimento entre os grafiteiros e a cidade remete

a uma relação estética e revigorante, pois os desenhos grafitados nas ruas

demonstram um cenário com cores e movimentos que repelem a constância dos

locais com a criatividade e a imaginação dos grafiteiros. Dessa forma, as

uniformidades das ruas se rompem quando ganham temas provocadores e

irreverentes com nuances diversos produzidos por meio do graffiti. Essa produção

representativa e subjetiva por meio de signos comumente é conduzida por utopias,

anseios e expectativas que compõem imagens pintadas nas paredes e muros da

cidade. A partir disso, podemos compreender que a cidade está repleta de intenções

que se somam e multiplicam, revelando um lugar de experiência para uma arte

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como o graffiti, possibilitando a produção de uma nova percepção espacial, que visa

também uma interlocução coletiva.

A ação de grafitar resulta na delimitação de um espaço que pode ser

preenchido de forma imaginativa, singular, mas, sobretudo, de reinventar e criar

novos significados para os locais urbanos. É possível estabelecer que o desejo do

grafitar faz com que o artista narre e compartilhe a sua realidade, isto é, cria

experiências que remetem a emoções, imaginações, estéticas e valores. Além disso,

há a intenção de se comunicar coletivamente. As experiências subjetivas grafitadas

proporcionam um acesso público e popular, no qual todas as pessoas que transitam

nas ruas podem compartilhar da informação que o grafiteiro quis proporcionar na

sua narrativa sensível.

Em suma, é possível afirmar que os graffitis fornecem um conjunto de

elementos e formam um cenário coletivo e imaginário, que ao serem assistidos pelos

espectadores urbanos podem provocar uma experiência estética coletiva que

influencia nos modos de significação dos acontecimentos da própria cidade. Por

consequência, o grafiteiro e suas inscrições acabam exercendo uma função social,

ultrapassam a uniformidade e revigoram a produção subjetiva urbana, quebrando

imposições convencionais estéticas e acadêmicas, proporciona assim, através de

sua arte livre e simbólica, uma contextualização metropolitana marcada com novas

interpretações e signos.

Após a composição de processos históricos, sociais, políticos e artísticos no

cenário do graffiti, no tópico seguinte foi investigado o conceito de cotidiano e

discurso contido nas inscrições grafitadas a partir da cultura em massa de Michel de

Certeau e da filosofia política de Michel Foucault.

3. Discurso, Cotidiano e Graffiti

3.1 Discurso Estético na Arte Graffiti

Suponho, mas sem ter muita certeza, que não há sociedade onde não existam narrativas maiores que se contam, se repetem e se fazem variar; fórmulas, textos, conjuntos ritualizados de discursos que se narram, conforme circunstâncias bem determinadas; coisas ditas uma vez e que se conservam, porque nelas se imagina haver algo como um segredo ou uma riqueza; Em suma, pode-se supor que há, muito regularmente nas sociedades, uma espécie de desnivelamento entre os discursos: os

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discursos que “se dizem” no correr dos dias e das trocas, e que passam com o ato mesmo que os pronunciou; e os discursos que estão na origem de certo número de atos novos de fala que os retomam, os transformam ou falam deles, ou seja, os discursos que, indefinidamente, para além de sua formulação, são ditos, permanecem ditos e estão ainda por dizer. (FOUCAULT, 2012, p.21)

No presente tópico foi trabalhado o conceito de discurso em Foucault, para,

em seguida, fazer uma investigação sobre a experiência artística contida nas

inscrições grafitadas. Partindo disso, se fez necessário compreender que a

linguagem do graffiti, que participa de uma conjunção de formas sociais políticas,

ideológicas que se encontram e que surgem como inquietações que investigam a

área de conhecimento, para compreender a constituição das relações entre saber e

poder do sujeito. Dessa forma, foram apontados os procedimentos de controle e

exclusão do discurso em Foucault, especificamente os procedimentos externos que

se fundamentam em três processos: Interdição, Separação e Loucura, Vontade de

Verdade.

O conceito de discurso em Foucault destaca uma sociedade de exclusão.

Parte-se do princípio de interdição que restringe o direito da fala, isto é, não se pode

dizer qualquer coisa em qualquer circunstância. Tal interdição revela no discurso

uma assimilação entre o desejo e o poder, cuja manifestação ultrapassa o seu

significado. Deste modo, o discurso não se resume pelo que ele traduz, mas pelos

motivos que impulsionam a sua tradução. É através do movimento dessa

manifestação que o discurso assimila o desejo de apoderamento do poder. Portanto,

todo discurso ao ser enunciado, independente de seu caráter, possui uma

intencionalidade de incorporar a relação entre desejo e poder.

Além do procedimento de interdição, outro princípio excludente segue de uma

separação e de uma rejeição. Parte de uma dualidade histórica da Idade Média

entre a loucura e a razão, sendo o discurso louco considerado aquele que não

possui a permissão de ser circulado como normal ou até mesmo impedido de ser

pronunciado, pois era considerado nulo e suspenso. Dir-se-á que a definição de

loucura mudou. Na atualidade, o discurso do “louco” não participa mais de uma

separação que afasta da razão, isto porque, muitas vezes expressa um sentido

aproximado de uma observação atenta, na qual mobiliza a busca de sentido por

aquilo que foi pronunciado.

É partindo do procedimento anterior, que sucede o último: a vontade de

saber. Ora, para Foucault todo discurso implica num desejo de conhecer as

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verdades contidas nele. Essa vontade de saber está assentada na antiga concepção

grega de discurso verdadeiro, inicialmente caracterizado como o único que poderia

pronunciar a justiça, logo, o único que detinha o poder. E não surpreendentemente,

pertencendo apenas àqueles que tinham direito a fala. Dessa forma, o discurso

verdadeiro foi considerado como referência de submissão despertando o sentimento

de respeito e terror. Porém, esse cenário grego mudou com Hesíodo e Platão,

distinguindo o discurso verdadeiro do discurso falso. Portanto, o discurso verdadeiro

não é mais aquele que está ligado no exercício de poder, mas uma vontade de

saber. Em contrapartida, lançam-se na modernidade variadas formas de vontade de

verdade. Segundo Foucault, essa nova vontade se alicerça assim como outros

sistemas de exclusão no suporte institucional, que controla e decide a maneira de

como ser fortalecida e reconduzida, e o modo como o saber é partilhado, valorizado.

Ou seja, para Foucault a vontade de verdade está apoiada em uma instituição que

exerce um poder de imposição e restrição de saberes. Sobre essa relação e o direito

de fala, podemos verificar na figura 1, um discurso que emite valores de mudança

social.

Figura 1: Grafitti em Cuiabá/MT

Fonte: Site Olhar Direto 5

5 <http://www.olhardireto.com.br/conceito/noticias/exibir.asp?id=10206&noticia=mato-grossense-e-

selecionado-para-encontro-internacional-de-grafite-e-vai-representar-o-estado> Acessado em 02/05/2017 às 16h34.

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No graffiti acima, podemos interpretar que houve uma intenção de retratar um

senhor simples, de feição gentil, mas com palavras muito profundas que exigem da

sociedade a mudança necessária à cidade e caso ela não aconteça, é melhor sair

da cidade. Isso traduz para a presente pesquisadora, que a situação nela

representada parte de um contexto emergencial alertado por um cidadão comum

sobre a necessidade de transformar as situações já postas na cidade. Como pode

ser observado, o conceito de Discurso em Foucault investiga, sobretudo, os modos

da atuação do sujeito nas relações acerca do poder. O mesmo atua como um modo

de ação sobre a ação de outro sujeito livre, sendo este capaz de contestar ou aceitar

as regras normatizadas pela sociedade. Desse modo, transpondo as inscrições

urbanas do graffiti para a concepção foucaultiana, pode-se considerar que este se

configura como uma ameaça aos discursos já pré-estabelecidos. Visto que, para

Foucault há uma luta discursiva que envolve um cuidado social em controlar,

elaborar e distribuir os discursos. Além desse conflito, existe uma tentativa de

controle através de meios discursivos para normatizar a vida de cada indivíduo,

como observado na Figura 2.

Figura 2: Meios discursivos no grafitti.

Fonte: Site Augusta SP6

6

http://augustasp.com/ruaaugusta/05/osgemeos-protestam-contra-prefeitura-de-sp-apos-grafite-apagado/. Acessado em 02/05/2017 às 14h33.

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Na figura 2 o grafiteiro combinou dois meios diferentes para diversificar o seu

discurso, a pichação e o graffiti, mais conhecido como grapixo. Pode-se observar

que os dizeres inscritos direcionam para uma manifestação de inquietação político-

social, pois alude uma crítica às remoções de manifestações sociais e da produção

cultural através da arte urbana. Dessa forma, através da consonância entre os

dizeres e o desenho, o graffiti reforça a legitimidade do seu direito de expressão

gerando um reforço do mesmo através do seu discurso singular. A partir disso, o

grafiteiro se objetiva como um sujeito social portador de uma voz em que profere

uma reação contra os discursos dominantes que pregam hegemonização cultural,

propagando a desumanização, alienação e as ações pautadas em interesses

econômicos.

Sobre a análise de um discurso estético sob a perspectiva filosófica em

Michel Foucault, verifica-se no documentário “TV de Quinta(L) entrevista Grafiteiros

Cuiabanos”, realizado por Cidadão Cultura, a presença de uma materialidade

linguística que se posiciona socialmente. Isto se faz possível através dos relatos dos

grafiteiros contido no documento, por exemplo, o grafiteiro Neto diz que a arte de rua

é livre, ela existe independente dos estigmas sociais e discussões sobre a sua

legalidade. Já o grafiteiro Gora, afirma que a arte de rua se faz como um instrumento

de guerra, pois ela existe em função da necessidade de modificação da sociedade.

Ele frisa que ela modifica o caminho das pessoas e a cidade. É pela arte de rua ser

livre em sua natureza, que o grafiteiro Babu, diz que o graffiti não existe apenas para

ser apreciado positivamente, ele se envolve com a história e existe para despertar

sensações nas pessoas, ou seja, é para ser gostado ou não. Além disso, o artista

acrescenta que se sente como um “super herói” quando sai para pintar na cidade,

pois realiza uma atividade artística marginal num horário noturno com uma máscara

no rosto para se proteger contra as toxinas do spray. E para concluir, o artista SIQ

alega se sentir feliz e completo por saber que lugares inutilizados da cidade estão

sendo ocupados pelo graffiti, frisando que a arte de rua é acessível a todos que

querem realizá-la; por ser uma atividade artística positiva para a juventude; e por

servir como ferramenta de expressão de ideias que devem ser projetadas nos

espaços públicos.

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Em meio a essa normatização, o ato de grafitar repercute numa ação que se

opõe aos padrões discursivos. A irrupção de seus desenhos e dizeres no cenário

urbano se torna uma tentativa de inserção de novos modos de produções de

discurso, e ao mesmo tempo, se coloca em um papel de resistência ocupando os

meios vetados pelo discurso padrão para a formação da sua expressão artística.

Diante disso, o graffiti estabelece uma nova forma de interlocução e diálogo com a

sociedade, como dito, reagindo contra as regras normatizadoras. Estas, por sua vez,

também respondem as novas variáveis grafitadas, impondo novas normas que

participam da área de desobediência civil. Há um conflito de discursos. Como

destaca Foucault:

[...] não há relação de poder sem resistência, sem escapatória ou fuga, sem inversão eventual; toda relação de poder implica, então pelo menos de modo virtual, uma estratégia de luta, sem que para tanto venham a se sobrepor, a perder sua especificidade e finalmente a se confundir. Elas constituem reciprocamente uma espécie de limite permanente, de ponto de inversão possível. Uma relação de confronto encontra seu termo, seu momento final (e a vitória de um dos dois adversários) quando o jogo das reações antagônicas é substituído por mecanismos estáveis [...] (FOUCAULT, 1995, p. 248).

3.2 A Invenção Cotidiana presente na arte graffiti

A invenção do cotidiano corresponde a uma atividade social de utilizar meios

sutis, determinados e resistentes por meio de compostos de sujeitos que trabalham

para distribuir a linguagem popular e instaurar seu espaço com as características de

movimento e combate. Certeau (1994), em análise das criações linguísticas no

Brasil, observa a produção de discursos resistentes pelos fiéis dentro das

instituições religiosas, através de ritos e cantos, de forma sincera e ativa sob as

condições de miséria e desigualdade. Esse uso popular da religião ganha um corpo

diferenciado devido às historicidades vivenciadas por aqueles religiosos e que sob o

manto divino de uma organização que realiza manutenção de uma conjuntura

política predominante, ocorre à metamorfose de anseios populares através de

preces, dialetos e linguagens por povos que aparentemente estão seguindo o

condicionamento e o padrão instituído.

Dessa forma, Certeau (1994), com a sua particularidade de pesquisa e

sutileza, traz uma abordagem empática de enxergar a invenção do cotidiano de

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forma que os campos de pesquisas científicas não saberiam compreender o

fenômeno e tampouco trazer resultados honestos.

Uma formalidade das práticas cotidianas vem à tona nessas histórias, que invertem frequentemente as relações de força e, como as histórias de milagres, garantem ao oprimido a vitória num espaço maravilhoso, utópico. Este espaço protege as armas do fraco contra a realidade da ordem estabelecida. (idem, p.85)

As variações culturais presentes no cotidiano são representadas através da

arte ao servir de voz àqueles que retratam o seu tempo, considerando os fenômenos

históricos que os atingem. Essa prática se apropria dos cenários normativos pelas

brechas que os mesmos fornecem, sendo manipuláveis pela população, mas, como

alerta Certeau (1994), com arranjos bem articulados e por uma lógica própria de

fomentar fenômenos e cultura. De tal forma, que enriquecem essas práticas

cotidianas e as tornam complexas para serem enxergadas. As historiografias

narradas através de contos populares inspiram coragem e resistência para continuar

e conquistar novas vitórias.

É através desse estratagema sutil que Certeau (1994) identifica a arte de

dizer como um jogo lógico, aquilo que está sempre pautado em uma ordem

temporal, sendo possível localizar os acontecimentos que afetam a historicidade dos

sujeitos sociais. O jogo aborda essa variabilidade de fenômenos que correspondem

à racionalidade de práticas de espaços, consistindo numa linguagem que combina o

pensamento e a ação, resultando em uma recriação da arte de dizer popular que se

eterniza na memória de uma cultura. O autor exemplifica esse jogo mutável,

trazendo a sucata como objeto final oriundo de apropriações dos resíduos

produzidos pela sociedade industrial, trazendo à tona diversas reinvenções

passíveis de transformações.

O sujeito comum vê a partir desses restos uma alternativa de produzir outros

elementos, pela necessidade rudimentar de criação. Isto é, o objeto sucata não

ganha sentido apenas para uma alternativa reciclável movida ao capital, mas pela

criatividade dos agentes ordinários que enxergam nela novas possibilidades de

recriação de uma cultura popular. A reutilização de materiais descartáveis

produzidos pela indústria acaba ganhando um movimento singular na sociedade de

consumo, proporcionando um novo caminho dentro de um espaço em que há um

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modelo econômico predominante. Dessa maneira, a livre criação significa uma

maneira alternativa de reagir.

Nessa mesma linha de pensamento, Certeau (1994) utiliza ainda a sucata

como uma metáfora a ser executada no campo de pesquisa científica, enxergando

os pesquisadores que se preocupam a analisar e estudar a produção de saber

residual da sociedade como combatentes, visto que, fogem da lógica do lucro da

pesquisa voltada para o desenvolvimento industrial. Os pesquisadores que

trabalham com a sucata estão inseridos num movimento de criação e invenção, e

não voltados para uma fábrica científica que está demandada por um modelo

econômico predominante nas instituições do saber.

Em influência contínua em Foucault, as práticas cotidianas para Certeau

estão ligadas ao um complexo conjunto de estratégias de procedimentos e técnicas

discursivas, que estão suscetíveis ao procedimento de controle voltado para a

manutenção de determinada tecnologia disseminada, tanto no campo social quanto

no científico. Essa objeção abordada de forma conceitual em Foucault indica que a

sociedade possui meios e métodos seletivos de proliferar determinadas práticas

culturais e conjunto de saberes, porém, alerta Certeau (1994), que a análise do

filósofo não contempla todo conjunto de táticas e estratégias construídas na

sociedade. Isto é, compreende-se o lado historiográfico das funções desses

procedimentos e dispositivos tecnológicos em filtrar produções de discursos, mas

qual a acepção dos mesmos a serem desenvolvidos? Onde as produções

discursivas que não foram enquadradas na configuração de discurso se encontram e

porque as mesmas não foram observadas numa sistematização tecnológica? Tais

indagações são despertadas em Certeau ao se deparar com a historiografia de

Foucault sobre a sociedade de exclusão, a partir delas, o autor se refere às práticas

de cotidianos que existem nas manifestações culturais de uma sociedade de

consumo, seja como combate e/ou comodidade.

Uma sociedade seria composta de certas práticas exorbitadas, organizadoras de suas instituições normativas, e de outras práticas, sem número, que ficaram como “menores”, sempre no entanto presentes, embora não organizadoras de um discurso e conservando as primícias ou os restos de hipóteses (institucionais, científicas), diferentes para esta sociedade ou para outras. É nesta múltipla e silenciosa “reserva” de procedimentos que as práticas “consumidoras” deveriam ser procuradas, com a dupla característica, detectada por Foucault, de poder, segundo modos ora minúsculos, ora majoritárias, organizar ao mesmo tempo espaços e linguagens. (idem. p.114)

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Em vista da introdução conceitual de Foucault em procedimentos e

tecnologias instituídas num campo normatizador, se mostra a Certeau, uma

possibilidade de investigar os outros procedimentos indefinidos, que não foram

privilegiados historicamente, mas que exercem ações na rede de tecnologias

instauradas socialmente. As práticas cotidianas e as suas respectivas invenções.

Nesse prisma, o autor se inspira em Bordieu e seus escritos etnológicos, uma via de

pesquisa que se aproxima do objeto estudado, detectando as suas particularidades

e a função que emprega em determinada teoria.

Essa perspectiva traz uma percepção de estratégias que devem ser

aplicadas para filtrar a lógica da prática, gêneros e propriedades, abordando um

novo meio de estudar as reservas de práticas cotidianas que não foram

contempladas na teoria de procedimentos de exclusão em Foucault. As

necessidades de estratégias junto com as táticas fazem parte de um conjunto

complexo de práticas em que o capital está inserido, em que Bordieu, destaca a

existência de procedimentos essenciais que formam uma transgressão simbólica

que lesa a predominância linguística.

Enfim essas práticas são todas comandadas por aquilo que eu dominarei

uma economia do lugar próprio. Esta recebe, na análise de Bourdieu, duas

figuras igualmente fundamentais mas não articuladas: de uma parte, a

maximização do capital (os bens materiais e simbólicos) de que se constitui

essencialmente o patrimônio; de outra parte, o desenvolvimento do corpo,

individual e coletivo, gerador de duração (por sua fecundidade) e de espaço

(por seus movimentos). (IDEM. p.123)

Com a articulação de discurso de Foucault e Bordieu sobre as práticas não

discursivas, Certeau vai construindo a sua teoria da arte de fazer refletindo sobre a

privação de uma linguagem desconhecida que engloba saberes práticos e perpetua

de forma inculta no olhar da ciência. A arte da invenção do cotidiano que nem

sempre nasce de uma reflexão, da contemplação e assimilação consciente de seu

cotidiano. O fato, é que para Certeau, ela existe e de alguma forma, resiste em seu

meio, pois mesmo colocada de forma ausente no foco das pesquisas científicas, ela

se encontra viva: são constantes inscrições de práticas cotidianas originadas da

criatividade de pessoas comuns que preenchem os espaços sociais, algumas com

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cunho político e social, outras de sobrevivência ao meio a sociedade de consumo.

Para Certeau, as existências dessas práticas também correspondem a uma

construção história, em que a arte de contar e de se fazer se mantém diversas,

mesmo o discurso erudito da ciência delimitando os seus espaços. A arte do saber-

fazer das práticas do dia-a-dia existe na história, mesmo sem reconhecimento.

As práticas de espaços, para Certeau, remetem às representações cotidianas

de alterações espaciais, inscrições de ações e conjunto de operações que

constroem as maneiras de fazer. Aqui, ele vê a cidade como uma figura metafórica,

que se constitui por três operações: a ocorrência da produção de um espaço próprio

– organização racional que inibe qualquer interferência que possa comprometer o

discurso utópico e urbanístico; o senso de temporalidade “não tempo” – para

possibilitar a contínua significação nas opacidades da história; e enfim, a criação do

sujeito universal – que produz a cidade à maneira autêntica, oferecendo capacidade

de formar um espaço a múltiplas formas de modificação e criação de discursos.

Essas definições fazem parte do conceito operatório de Certeau, onde a cidade se

torna um conceito operatório, em que ocorrem as tríplices operações voltadas às

transformações, invenções, apropriações de objetos e seus respectivos atributos.

Os lugares são histórias fragmentárias e isoladas em si, dos passados roubados à legibilidade por outro, tempos empilhados que podem se desdobrar, mas que estão ali antes como histórias à espera e permanecem no estado de quebra-cabeças, enigmas, enfim simbolizações enquistadas na dor ou no prazer do corpo. (IDEM, p. 189)

A prática do espaço traça uma linguagem cotidiana e um conjunto simbólico

de metáforas de lugares, que mesmo ocorrendo a disciplinarização dos corpos em

seu espaço, essas ações insistem em transcrever os cenários urbanos com

movimentos comuns que reforçam a diversificação da arte de fazer. A atividade da

narrativa organiza um espaço de lugar praticado, em que as enunciações trazem

uma nova concepção episteme do saber popular.

A Invenção do Cotidiano em Certeau permite observar a relação entre os

processos de poder com a produção de saberes nos espaços urbanos. Essa

conexão instaura a possibilidade de compreender a sociedade e as suas divisões:

de um lado, uma organização social normatizadora que emite discursos dominantes,

impossibilitando e reprimindo quaisquer manifestações de oposição ao seu domínio;

e do outro lado, um conjunto social que caminha em contraposição ao discurso

dominante, construindo articulações de resistência e contestação.

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Dessa maneira, a obra de Certeau, serve como referência preponderante

para compreender o fenômeno discursivo instituído nas inscrições grafitadas e as

suas respectivas ramificações, saber e poder, que se fazem presentes no meio

urbano. Em consideração a isso, é pertinente observar a existência contínua de

resistências em oposição à normalização e disciplinamento em sociedade. Sempre

haverá conjuntos sociais que entram em contraposições com os poderes

estabelecidos e que resultam em uma variação imensurável de manifestar e

protestar. Essa variabilidade se ramifica em vários setores da sociedade, entre eles,

a própria cultura.

Há de se compreender que o graffiti ultrapassa definições simbólicas como

“ato de vandalismo” e até da determinação do que é a própria arte. Ele se estende

para uma necessidade social, que envolve a relação entre o sujeito com a própria

vida. Ele nasce de uma cultura ordinária, em que os grafiteiros e a cidade remetem a

uma relação estética e ao mesmo tempo revigorante, pois os desenhos grafitados

nas ruas demonstram um cenário com cores e movimentos, que repelem a

constância dos locais com a criatividade e a imaginação dos seus artistas. Dessa

forma, as uniformidades das ruas se rompem quando ganham temas provocadores,

irreverentes com nuances diversos, produzidos nesse meio.

Nessa perspectiva, o grafiteiro, o sujeito ordinário – o sujeito comum na

Invenção do Cotidiano, se objetiva como um narrador social portador de uma voz em

que profere uma reação contra os discursos dominantes que pregam

hegemonização cultural, propagando a desumanização, alienação e interesses

econômicos. Em meio dessa normatização, o ato de grafitar repercute numa ação

que se opõe aos padrões discursivos. A irrupção de seus desenhos e dizeres no

cenário urbano se torna uma tentativa de inserção de novos modos de produções de

discurso e ao mesmo tempo em que se coloca em um papel de resistência

ocupando os meios vetados pelo discurso padrão para a formação da sua expressão

artística.

Como visto no início desse tópico, Michel de Certeau (1994) fornece uma

leitura dos acontecimentos do dia-a-dia de forma singular, em que é possibilitado

enxergar as manifestações artísticas contidas no graffiti, a construção de

significações a partir da relação entre o sujeito e a própria vida e consequentemente,

a existência de um transcurso semiótico na produção de exposições grafitadas. Isto

posto, devido a abertura do conceito de cotidiano de Certeau, a busca em

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compreender tanto a linguagem verbal quanto não verbal contida nos veículos de

comunicação. Podemos observar na figura 3 a linguagem do graffiti materializada

em valorização aos elementos culturais da capital de Mato Grosso.

Figura 3 – Grafitti com elementos culturais de Cuiabá-MT.

Fonte: Página do Facebook 7

Na imagem acima percebemos a sensibilidade e a valorização dos artistas

representarem cultura popular cuiabana através do graffiti. Nota-se que na imagem

há a palavra “Crew” do lado direito e do lado esquerdo “CPA”, isso significa que foi

um grupo de artistas de rua da região do bairro CPA na cidade de Cuiabá que

produziram essa arte. Dessa forma, torna-se um conceito em que se propõe a

7

< https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1256162264504924&set=pb.100003334881550.-

2207520000.1494184639.&type=3&theater> Acessado em 07/05/2017 às 17h19.

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acompanhar as realidades culturais e seus respectivos contextos, viabilizando a

compreensão do graffiti não apenas como um fato e um objeto, mas como um signo

que age através da semiose, provocando reações pela sua produção de significado

e conhecimento. Diante disso, a Invenção Cotidiana contribui de forma significativa

para a compreensão do graffiti e a sua composição de linguagem peculiar.

Figura 4 - Arte Graffiti feita na trincheira Jurumirim em Cuiabá

Fonte: G18.

Na figura acima, a presente pesquisadora interpreta que o menino negro

grafitado observa com atenção e estreiteza o movimento da avenida. A sua

presença não é totalmente revelada, mas o seu olhar atento e até mesmo curioso

sobre os acontecimentos que o cercam, torna a sua presença marcante nesse

cenário urbano. Com o esboço do seu olhar, ele se insere no ambiente, mesmo que

a sua face não seja vista. Como visto, o grafiteiro possui em sua expressão a

intenção de organizar e utilizar elementos para a composição do seu graffiti. O

sujeito interpretante (e espectador) examina os signos emitidos e decifra a

8

< http://g1.globo.com/mato-grosso/noticia/2015/01/apos-grafite-em-obras-governo-de-mt-quer-regulamentar-arte-de-rua.html> Acessado em 02/05/2017 às 16h29.

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intencionalidade do grafiteiro através de seu exercício intelectual e cognitivo. A partir

disso, o sujeito interpretante capta os signos e identifica o uso social e ideológico

exposto na arte. Esse percurso semiótico entre o produtor e o interpretante, contribui

para a percepção do graffiti como forma discursiva que se enuncia em espaços

coletivos, que interfere na comunicação local e que acompanha o campo social e

político do meio interferido.

Tal mobilidade pretende estabelecer um diálogo que afeta a circulação de

indivíduos que cercam determinada parte grafitada na cidade. Dessa forma, é

possível afirmar que esse discurso social e informal acaba participando da

sociedade, da sua história e de sua cultura. Por fim, em Michel de Certeau,

conseguimos compreender que em toda invenção do cotidiano há uma necessidade

social, que muitas vezes parte de uma reação de resistência e da vontade, do

indivíduo, de construir práticas culturais que protagonizam determinado povo.

Valorizar as invenções do cotidiano é reconhecer que as massas populares também

possuem suas táticas e estratégias para resistir à cultura dominante.

A partir das intervenções constantes de desenhos coloridos, letras e frases

inscritas nos espaços públicos, desde muros a viadutos, demarcam visivelmente a

rotina de pessoas que transitam nesse meio urbano. Através desse contexto, a

pesquisa prosseguiu analisando a arte graffiti, como intervenções que trazem

inscrições cheias de significações e representações sensíveis, mas numa

perspectiva educativa. Dessa forma, o próximo capítulo tratou sobre a potencialidade

educativa e dialógica que o graffiti traz, a partir de uma leitura sobre a concepção de

educação libertadora em Paulo Freire.

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Capítulo II

A PRESENÇA DA DIALOGICIDADE NA ARTE GRAFFITTI

Vimos no capítulo anterior sobre o surgimento do graffiti e seus impactos

sociais, para compreendermos as suas potencialidades educativas como

experiência dialógica, emancipadora e parte de uma cultura popular. Sendo assim,

buscamos em Paulo Freire a necessidade assimilar a defesa pela luta de uma

educação humanizadora contida na obra Pedagogia do Oprimido, que se torna

essencial para o desenvolvimento teórico do presente capítulo.

Dessa forma, na utilização da obra em questão serão tecidas as principais

ideias de um novo trabalho educativo que almeja uma pedagogia da libertação, em

diálogo com as possibilidades de compreender o graffiti como ferramenta

pedagógica. Para tanto, em cada referência conceitual freiriana abordada no texto

foi realizada uma tentativa de aproximação com a arte graffiti dentro do espaço

escolar, visto que a mesma possui o propósito de educação libertadora. Isto é, uma

educação que valoriza a vivência e experiência dos educandos e busca emancipá-

los através da afetividade e dialogicidade. Além disso, trazemos nesse capítulo

registros fotográficos de atividades que ocorreram com esse tipo de arte, entre

esses, algumas em que a pesquisadora participou. Essa presença será destacada

na análise das imagens inseridas. Também contamos com contribuições de outros

pensadores que nos ajudam a compreender o graffiti como manifestação social,

cultural e parte de uma educação popular. Entre os autores, destacamos Maria da

Glória Gohn em “Movimentos Sociais na Contemporaneidade”, Renato Ortiz em

“Cultura Brasileira e Identidade Nacional” e Marilena Chauí em “Cultura e

Democracia”.

1. As Potencialidades Educativas na Arte Graffiti através da concepção da

Pedagogia do Oprimido

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Com a finalidade de compreender as potencialidades educativas da arte

graffiti na concepção de educação como prática de libertação em Freire, devemos

de início ressaltar que as práticas da arte graffiti já carrega consigo o caráter

educativo. Tanto na sociedade, quanto inserido no espaço escolar. Para

fundamentar essa afirmação, buscamos suporte em Gohn (2011) quando ela diz

sobre a apropriação do uso do espaço público por organizações e movimentos

coletivos, no nosso caso, manifestação da arte de rua por grafiteiros.

Além disso, a autora também aborda a concepção de “educação não

formal”, isto é, aquela que ocorre fora das instituições de ensino. Para ela, esses

encontros sociais geram aprendizagens e saberes que se configuram como uma

prática educativa. A cerca disso, vimos no capítulo anterior que a arte graffiti esteve

presente em movimentos políticos, como na época da ditadura militar no Brasil, além

de estabelecer ligação com projetos sociais nas cidades. Portanto, quando

mensuramos as potencialidades educativas da arte graffiti, estamos nos referindo às

suas dimensões discursivas estéticas, impactos sociais e finalidades políticas. E

como parte do objetivo principal dessa pesquisa, estamos interessados em quais

caminhos essas potencialidades se desenvolvem e como podemos abordar essa

arte como experiência educativa e emancipatória dentro do meio escolar, isto é,

dentro da educação formal.

Realizando as considerações iniciais, precisamos compreender a concepção

libertadora freireana em relação ao estado de opressão. Sendo assim, Paulo Freire

traz uma configuração social dividida em duas classes: o opressor e o oprimido. O

primeiro é aquele que detém o poder sobre o meio de produção e explora tudo que

lhe é subjugado. Em relação à educação, o opressor pode ser o sistema educacional

e em especial, a atuação opressora do próprio professor/a em sua sala de aula

quando exclui a escolha de fala dos estudantes. Já o oprimido é aquele que se

encontra numa condição de exploração e dominação, em que não detém os meios

de produção e tampouco espaço de diálogo nos meios sociais. Traduz-se naquele

estudante que é impedido de participar de forma autônoma de seu sistema escolar,

com currículo, conteúdo e métodos avaliativos.

O grande problema está em como poderão os oprimidos, que “hospedam” o opressor em si, participar da elaboração, como seres duplos, inautênticos, da pedagogia de sua libertação. Somente na medida em que se descubram “hospedeiros” do opressor poderão contribuir para o partejamento de sua pedagogia libertadora. Enquanto vivam a dualidade na qual ser é parecer e

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parecer é parecer com o opressor, é impossível fazê-lo. (FREIRE, 2016, p.65)

A partir dessa dicotomia entre opressor e oprimido, Paulo Freire busca de

forma incessante superar essa relação social através da concepção de uma

educação libertadora, em que tanto opressores quanto oprimidos partilham dessa

liberdade. Para isso, se faz necessário compreender a propagação dessa dicotomia

e de como a mesma afeta as relações sociais. Dessa forma, Freire aborda que

tanto os opressores quanto os oprimidos vivenciam uma circunstância de

desumanização, onde ocorre uma distorção da vocação do ser mais pelo roubo da

humanidade. A prática de desumanidade se dá quando um sujeito ocupa um papel

de superior em que a sua função é submeter o outro como posse, numa condição

em que o submetido se configura como inferior. Numa próxima situação, aquele que

ocupou o papel de inferior reproduzirá a relação de submissão sofrida por aquele

que era tido como superior. Essa relação de dominação quando se repete,

transforma-se numa prática de desumanização. Quanto maior o exercício de ações

desumanas, mas desumanos os sujeitos se tornam. Da mesma forma, quanto maior

as práticas humanas, mais humanidade terá. Para Paulo Freire, a presença de

desumanização significa ausência de liberdade e possibilidades de novas

conquistas.

A violência dos opressores, que os faz também desumanizados, não instaura outra vocação – a do ser menos. Como distorção do ser mais, o ser menos leva os oprimidos, cedo ou tarde, a lutar contra quem os fez menos. esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao buscarem recuperar sua humanidade, que é uma forma de cria-la, não se sentem idealista opressores, mas restauradores da humanidade em ambos. E aí está a grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos – libertar-se a si e aos opressores. (FREIRE, 2016, p.63)

A busca pela liberdade, segundo Paulo Freire, representa muitas vezes para

os oprimidos uma ameaça a sua condição cômoda, o que resulta no medo de se

libertar de toda configuração desumanizadora, tornando-se oprimido e incorporando

o sentimento de incapacidade de buscar novos desafios através da ameaça de

repressão por tentar assumir novos riscos. Os oprimidos, pelo estado de imersão à

condição que estão inseridos, não conseguem romper o ciclo da realidade opressora

e tampouco possuem disposição de lutar pela liberdade. A partir desse contexto, o

autor diz sobre aquele que consegue buscar a liberdade e superar a contradição

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entre opressores e oprimidos e que se torna um “ser humano novo” dando também

um novo lugar para a libertação com a consciência de si. Mas para tal, é necessário

um processo de conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar pela

libertação, onde todos possam participar juntos da transformação da realidade.

Os oprimidos, que introjetam a “sombra” dos opressores e seguem suas pautas, temem a liberdade, na medida em que esta, implicando a expulsão desta sombra, exigiria deles que “preenchessem” o “vazio” deixado pela expulsão com outro “conteúdo” – o de sua autonomia. O de sua responsabilidade, sem o que não seriam livres. A liberdade é uma conquista, e não uma doação, exige uma permanente busca. Busca permanente que só existe no ato responsável de quem a faz. (FREIRE, 2016, p.68)

A negação dos opressores resulta uma violência que inibe a busca do direito

de ser do oprimido, que vive entre o desejo e o temor de ser livre. Por isso, para

Freire, a libertação é como um parto doloroso que necessita que o opressor e o

oprimido libertem-se da sua própria contradição e nasçam novamente, mas como

sujeitos livres. A liberdade promove a possibilidade de opções, voz, poder de fala,

transformação, de criação e recriação. Dessa forma, é preciso que haja uma

inserção de consciência crítica sobre a necessidade de mudança e da condição em

que o sujeito está vivendo. Para que esse processo ocorra é preciso dialogar com as

massas populares sobre as suas ações, de forma reflexiva e através de trabalhos

educativos, em que elas sejam atuantes e narradoras de suas próprias histórias.

A partir da concepção libertadora na obra Pedagogia do Oprimido de Paulo

Freire, podemos aproximar o graffiti - uma arte popular e autêntica da rua - como

uma mediação para trabalhos educativos de cunho libertador dentro da escola. Na

medida em que arte possibilita aos educandos atribuir e recriar novos significados

com base na sua realidade de um jeito criativo e autônomo, além de uma nova

forma de expressão. Essas características podem ser vistas nas considerações de

Gohn (2008) como parte de uma referência de inovações e matrizes geradoras de

saberes, que são estabelecidas a partir um contexto social-político. Visto que o

movimento da arte graffiti não ocorre de uma forma isolada, ocorre na cidade, retrata

sobre o seu lócus e afeta o cotidiano das pessoas. Nesse sentido, Gohn (2008),

defende que a educação está relacionada com o movimento social a partir das suas

práticas de grupos e manifestações.

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Seguindo a Pedagogia do Oprimido, o educador deve fornecer condições

reflexivas e materiais para que os educandos possam participar de um trabalho

educativo com consciência e emancipação sobre as suas realidades sociais.

Vejamos abaixo:

Educador e educandos (lideranças e massas), cointencionados à realidade, se encontram numa tarefa em que ambos são sujeitos no ato, não só de desvelá-la e, assim, criticamente conhecê-la, mas também no de recriar o conhecimento. Ao alcançarem, na reflexão e na ação em comum, este saber da realidade, se descobrem como seus refazedores permanentes. Deste modo, a presença dos oprimidos na busca de sua libertação, mais que pseudoparticipação, é o que deve ser: engajamento. (FREIRE, p.101, 2016)

A educação deve ser praticada por uma pedagogia humanizadora em que

educadores e educandos podem procurar estabelecer uma relação dialógica com os

educandos a fim de construir uma consciência popular ligada ao pertencimento de

mundo e de uma libertação em comunhão. Os educadores devem articular o

diálogo, reflexão e comunicação com os educandos para a ação libertadora. Dessa

forma, a utilização da arte graffiti com os educandos não pode ser a partir de uma

pseudoparticipação, faz-se necessário que o educador siga o método da consciência

e compartilhe com os educandos que a arte em questão tem um contexto histórico,

uma prática com diferentes finalidades na sociedade contemporânea. E por fim, que

ela possui um valor artístico e epistemológico relevante no cenário urbano. A partir

disso, o educador pode promover junto com os educandos uma experimentação

prática e efetiva do manuseio da arte graffiti, proporcionando autonomia para que

eles possam narrar e inscrever os elementos sociais da própria realidade vivenciada

dentro da escola. Até mesmo, porque a arte graffiti possibilita isso para todos

aqueles que buscam nela, um meio para expressar as suas angústias, mazelas

sociais, resistências, contestação, entre outros sentimentos que assolam sujeitos em

condição de marginal e excluído da sociedade.

Para citar experiências educativas com a arte em graffiti em Cuiabá, entre

elas, o projeto social chamado “FavelAtiva – a comunidade mudando a sua

realidade”9, que existe desde 2007 e desenvolve projetos e atividades voltadas para

a educação cultural e valorização do ser humano, nos bairros periféricos. Em

especial, no Jardim Vitória pela organização de Dj Taba e Ligia Viana. De diversas

ações que o grupo já promoveu, pode-se destacar a aula de stêncil que ocorreu na

9 É possível consultar mais sobre esse projeto através do site http://favelativa.blogspot.com.br/

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Escola Municipal Senhorinha. Nesta ação, os estudantes expressaram através do

graffiti a denúncia de crime racial, a valorização da identidade negra e o amor pelo

movimento Hip-hop. Essa informação pode ser verificada no acervo de registro de

atividades do blog da Favelativa 10 , bem como, no perfil pessoal do grupo no

facebook11. Sobre esse projeto educativo de Cuiabá, podemos considerar a partir da

leitura da Pedagogia do Oprimido em Paulo Freire, uma ação libertadora,

emancipadora e revolucionária, pois os estudantes inscreveram a sua realidade no

próprio espaço escolar. Construíram uma representação imagética a partir de suas

vivências e tiveram a possibilidade de inscrever naquele meio a sua vivência. Essa

representação pública caracteriza o movimento da arte de rua, isto é, exprimir para

todo o incômodo social. (figura 5).

Figura 5 – Ação realizada na Escola Municipal Senhorinha.

Fonte: Foto cedida pela grafiteira Luane Brandão.

A respeito do conteúdo da manifestação dos educandos acima, podemos

citar Ortiz (2003), quando ele discute a Cultura Brasileira e a Identidade Nacional,

investigando que o campo cultural participa de uma pluralidade de identidades, se

distinguindo por grupos sociais e seus respectivos momentos históricos. Tendo

culturas populares ditas no plural e de forma fragmentadas, correspondendo a uma 10

http://favelativa.blogspot.com.br/ 11

https://www.facebook.com/favelativa

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memória coletiva relacionada a vivências de grupos sociais. Nessa perspectiva,

podemos compreender pelo registro fotográfico acima como exemplo de cultura

popular no plural, pois o projeto Favelativa, como organização social, proporcionou

ao grupo de estudantes, a oportunidade de manifestar um discurso estético étnico-

racial naquele espaço escolar. Este último grupo também participa como uma

organização social, que exercita a sua prática de cultura popular. Sobretudo, porque

o “rap” destacado pelos estudantes, segundo Teperman (2015), surgiu na Jamaica

na década de 60 como gênero musical, que se traduzia em “ritmo e poesia”.

Segundo o autor, há registro de negros de algumas cidades do Estados Unidos que

utilizou o rap como jogos verbais de improvisação, tendo significado de “bater” ou

“criticar”. E apenas na década seguinte, o gênero musical ganhou um caráter de

protesto social e racial sendo apropriado pelos grupos marginalizados da sociedade,

como negros e latinos. Dessa forma, assim como o graffiti, o rap, faz parte da cultura

de rua, em especial ao movimento do Hip Hop. A partir disso, podemos ampliar

nossa reflexão sobre a cultura estar ligada aos movimentos sociais e suas

conjunturas sócio-políticas.

1.1 O Graffiti como Prática Educativa Problematizadora

No que diz respeito à desumanização da concepção bancária da educação,

Paulo Freire realiza uma abordagem significante das relações entre educador e

educandos, tanto dentro quanto fora da escola. Entre elas, ele destaca que há um

caráter marcante nesses vínculos que predomina as ações narradoras e

dissertadoras de conteúdo. Essa prática enrijece o conhecimento, pois não oferece

condições para os educandos enxergarem a sua própria realidade, narrarem os seus

próprios valores e elementos culturais, deixando-os desconectados de suas próprias

experiências de mundo. A partir disso, o educador torna-se o único narrador da

realidade, cuja função se torna sobrecarregar conteúdos narrados aos estudantes.

Esse tipo de educação é denominado de dissertadora, onde prevalece “sonoridade”

da palavra e não o valor transformador. A narração única do educador resulta em

memorização mecânica aos educandos, em que eles não participam da narração e

tampouco refletem sobre os conteúdos transmitidos pelo educador. A partir disso,

Freire traz a abordagem de uma concepção “bancária”, em que há um depósito de

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conteúdos transferidos pelo educador e há o depositante, o educando, que recebe

tais transferências de forma passiva e dócil, sem nenhuma interferência sobre tais

narrativas depositadas.

Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção “bancária” de educação, em que a única margem da ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guarda-los e arquivá-los. Margem para serem colecionadores ou fixadoras das coisas que arquivam. (FREIRE, 2016, p. 104-105)

Na perspectiva da educação bancária não há espaço para criatividade e

transformação na relação entre educadores e educandos, pois o saber possui um

valor de transferência e a educação ocupa um espaço rígido. Esse processo reduz a

autonomia dos educandos perante as expressões instrumentais da ideologia da

opressão – em que educador se aliena na ignorância de que é o único detentor do

conhecimento, que emite afirmações irredutíveis e absolutas.

Para Freire essa relação se traduz numa “cultura do silêncio” em que há uma

condição alienante para o educando, que por sua vez, se comporta passivamente

como um sujeito que não produz saber. Além disso, algo que se faz necessário é

observar nessa educação a existência de uma relação estática da realidade,

deixando-a compartimentada e pronta, sem possibilidades de experiência, tampouco

a percepção da mesma pelos educandos. Dessa forma, a educação bancária reflete

a sociedade opressora, que comporta sujeitos passivos e obedientes na “cultura do

silêncio” onde não há espaço para transformação, visto que, sujeitos são

massificados a depósitos adaptáveis ao seu estado de opressão a fim de sustentar

os interesses opressores através de uma educação que minimiza os educandos e

aniquila a sua criticidade.

O exercício da criticidade dos educandos possibilita não só enxergar o

mundo em diversas perspectivas, mas como de estimulá-los a transformação, pois

para Paulo Freire, a partir do desenvolvimento de uma consciência crítica se faz

possível a inserção do sujeito como transformadores do mundo. Dessa forma,

quanto mais são criadas barreiras para que a criticidade ocorra, mais os educandos

estarão presos numa condição de ingenuidade, parcialidade da própria realidade.

Onde há um vínculo composto de narrativas ou dissertações que dominam o

educando, sendo o educador o único detentor de conhecimento. Nessa perspectiva

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de educação, podemos encontrar na arte graffiti uma forma de subversão às práticas

bancárias e dissertativas, visto que, eles possibilitam uma forma de revelação de

mundo a partir das experiências dos educandos, onde expressar também a sua

reflexão sobre as realidades que os cercam. Essa suposta subversão se aproxima

da concepção de educação problematizadora em Paulo Freire, a qual se

compromete com a libertação e diálogo. É possível entender a diferença entre a

educação bancária e problematizadora, a partir da citação abaixo:

A primeira “assistencializa”; a segunda, criticiza. A primeira, na medida em que, servindo à dominação, inibe a criatividade e, ainda que não podendo matar a intencionalidade da consciência como um desprender-se ao mudo, a “domestica”, nega os homens na sua vocação ontológica e histórica de humanizar-se. A segunda, na medida em que, servindo à libertação, se afunda na criatividade e estimula a reflexão e ação verdadeiras dos homens sobre a realidade, responde à sua vocação, como seres que não podem autenticar-se fora da busca e da transformação criadora. (FREIRE, p.125 - p.126, 2016)

Dessa maneira, torna-se possível encontrar na experiência da arte de rua,

seja através do stêncil, lambe-lambe ou até mesmo o grafismo, uma produção

artística que envolve uma gama problematizadora em que o artista se coloca como

narrador de sua própria realidade e locutor de seu mundo, pois é ele quem identifica

a necessidade da sua expressão e de como a mesma será produzida. E como visto,

tais manifestações artísticas tem caráter diverso e criativo e surgem de questões

provocantes ligadas ao contexto social daquele artista. Portanto, se a educação

problematizadora, em Paulo Freire, é aquela que estimula a reflexão e transforma a

realidade com protagonismo dos educandos, pode-se dinamizar a arte graffiti, como

uma ferramenta pedagógica de cunho problematizador, pois possibilita que o

educando possa interagir a sua compreensão de mundo e intervir nele de forma

reflexiva. Visto que, a arte de rua traz consigo o questionamento de fatores sociais

que envolvem a cultura, como a desigualdade social, de gênero, racial, entre outras

enfermidades que, em geral, atingem a sociedade brasileira.

Freire (2016) aponta que o principal agente da promoção da educação

problematizadora é o educador, isto é, o professor se faz necessário no

fornecimento das atividades que tragam resultados que incentivem a formação

consciente e crítica para com seus educandos, a fim de, alcançar em qualquer

experiência educativa o objetivo problematizador. Como exemplo desse tipo de

atividade, o registro trazido na figura 6.

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Figura 6 - Estudantes da Escola Estadual Francisco Dom Aquino escrevendo sobre a preservação do meio ambiente.

Fonte: da autora.

A atividade acima foi conduzida pela presente pesquisadora, como professora

de Ensino Religioso dos estudantes destacados na figura. A proposta foi

confeccionar cartazes com frases desenhadas como letras de graffiti através do uso

do spray. Essa produção foi exposta e apresentada no projeto interdisciplinar da

escola sobre a comemoração do meio ambiente e seus respectivos cuidados.

Diferente da proposta da arte graffiti, parte da educação problematizadora na

concepção bancária que o papel do educador atua como sujeito exclusivo que

distingue a autoridade do seu saber para transmitir aos seus educandos, de forma

arbitrária, em que antagoniza a liberdade dos mesmos, como se estes fossem

apenas sujeitos que precisam ser ordenados a responderem conforme o

pressuposto estabelecido pelo educador. A educação nesse caso é desimaginativa e

conservadora, a ação do pensar autônomo se torna sinônimo de perigo, pois

ameaça a configuração do opressor e oprimido. A concepção “bancária” institui a

opressão e a afinamento de alternativas educativas, em razão de que o educador é

colocado como dominador por controlar toda a ação e pensar do educando.

No entanto, quando o educador bancário supera a contradição de acreditar

que apenas ele é o detentor da sabedoria, se permite aprender junto com os

educandos, tanto quanto os alunos aprendem com ele. Dessa forma, o papel do

educador estaria a serviço da libertação e não mais da opressão, isto é, se

encontraria na concepção de educação problematizadora. Resultando na

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humanização autêntica do processo do aprendizado, pois não se submete ao

método de enxergar sujeitos como depósitos, mas de práxis, em que a ação e

reflexão caminham junto para transformação do mundo. Em suma, a educação

bancária alimenta a contradição entre educador-educando, já a problematizadora

rompe com essa hierarquia de saber, proporcionando possibilidades criativas de

diálogo e construção de conhecimento no aprendizado.

A concepção e a prática “bancárias”, imobilistas, “fixistas”, terminam por desconhecer os homens como seres históricos, enquanto a problematizadora parte exatamente do caráter histórico e da historicidade dos homens. Por isto mesmo é que os reconhece como seres que estão sendo, como seres inacabados, inconclusos em e com uma realidade que, sendo histórica também, é igualmente inacabada. Na verdade, diferentemente dos outros animais, que são apenas inacabados, mas não são históricos, os homens se sabem inacabados. Tem a consciência de sua inconclusão. Aí se encontram as raízes da educação mesma, como manifestação exclusivamente humana. Isto é, na inconclusão dos homens e na consciência que dela têm. Daí que seja a educação um quefazer permanente. Permanentemente, na razão da inconclusão dos homens e no devenir da realidade. (FREIRE, p.126, 2016)

O educador participa de uma nova relação na concepção de educação

problematizadora através do diálogo com seus educandos, ele educa e é educado,

visto que ambos trilham uma nova comunicação em mediatização pelo mundo. Isto

permite que ambos possam partilhar entre si, as vivências e conhecimentos que

cada um possui sobre determinado assunto. Para Paulo Freire, isso é reconhecer

que cada sujeito possui uma história e ela está sendo construída de forma

inacabada, por isso são legítimos os diferentes saberes que cada um traz consigo.

Para expressar essa diversidade de assimilação do mundo é necessário estar em

diálogo com o outro, em razão disso, o educando também educa. Essa partilha

resultado da mediatização pelo mundo oferece a consciência dos sujeitos de sua

inconclusão, o que gera como manifestação própria dos homens e das mulheres, a

educação por ela mesma.

1.2 A arte graffiti como prática de Liberdade e Dialogicidade

A teoria da dialogicidade como prática da Liberdade em Paulo Freire,

trabalha a importância do diálogo no desenvolvimento de uma educação libertadora,

que se opõe ao método bancário de transmissão de conhecimentos adotados por

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educadores tradicionais. Em tal processo destaca-se o conceito de dialogicidade,

abordado por Freire com muita ênfase para uma construção educativa que valoriza a

ação e reflexão.

A dialogicidade permite ao educador/a e aos seus educandos uma vivência

de práxis, cujo diálogo afetivo está ligado a um anseio profundo por transformar os

sujeitos e o mundo. Dessa forma, a palavra diálogo é essencial para uma prática

libertadora na educação, vista como um direito a todos de praticá-la e um caminho

único de romper a condição de opressão dos oprimidos. Freire (2016) reitera que se

o educador/a não cultiva o diálogo com os educandos, prospera uma situação

cômoda em que não há estímulo para despertar uma consciência crítica dos

oprimidos e tampouco, uma ação que denuncia o sistema dos opressores. Não é

possível modificar o mundo, sem exercer a práxis do diálogo. Esta que se

dimensiona em ação, reflexão e ação transformadora, mas, sobretudo, com o

compromisso amoroso, humilde e dialógico. Sem o diálogo, não se faz possível o

escutar e nem compreender o outro. Sendo assim, quando o educador/a trabalha o

diálogo em sua sala de aula, ele permite que seus educandos partilhem os

conhecimentos, experiências e necessidades que eles possuem em suas relações

com o mundo. O/a educador/a retira a sua visão unilateral e superior e se coloca

disposto a partilhar saberes e identificar como os conhecimentos podem ser

trabalhados com a sua turma de educandos.

Porque é encontro de homens que pronunciam o mundo, não deve ser doação do pronunciar de uns a outros. É um ato de criação. Daí que não possa ser manhoso instrumento de que lance mão um sujeito para a conquista do outro. A conquista implícita no diálogo é a do mundo pelos sujeitos dialógicos, não a de um pelo outro. Conquista do mundo para a libertação dos homens. (FREIRE, p.136, 2016)

Esse conceito de diálogo desenvolvido por Paulo Freire não é só essencial

para uma prática libertadora na educação, mas também no trabalho pedagógico com

o graffiti no espaço escolar. Para proporcionar esse encontro artístico entre

estudantes, se faz necessário dialogar sobre a sua compreensão por essa via de

expressão e o que esperam alcançar com ela. Visto que a arte de rua parte de um

local público, isto é, de um cenário urbano, onde são possíveis todas as pessoas se

manifestarem sobre a sua vivência de mundo, em especial, as sua relação com as

respectivas realidades sociais.

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Dessa forma, construir um diálogo sobre a arte graffiti com os educandos é

possibilitar a eles uma vivência afetiva e efetiva, através do conhecer por vias da

prática da liberdade um novo modo de ressignificação da vida. Em contrapartida,

aquele/a educador/a que não está passível de dialogar, está disposto a exercer o

papel de opressor, no qual apenas a sua pronúncia de mundo importa, sem se

interessar para as diferentes visões que o outro pode proporcionar. Com esse

desinteresse e ausência de diálogo, é impossível construir uma visão de mundo

juntos e muito menos transformá-lo. Quando o diálogo existe, não há mais relação

de opressão, mas uma relação entre pessoas que através da comunhão buscam a

consciência do mundo e a ação de transformação do mesmo. A palavra diálogo só

gera confiança se estiver alicerçada em ação, caso ao contrário, é uma palavra sem

conteúdo, pois não estimula confiança entre seus pares. Sendo assim, a sua prática

precisa estar alçada em buscar saber juntos, acreditar uns nos outros para uma

verdadeira educação libertadora.

Sem ele não há comunicação e sem esta não há verdadeira educação. A que, operando a superação da contradição educador-educandos, se instaura como situação gnosiológica, em que os sujeitos incidem seu ato congnocesnte sobre o objeto cognoscível que os mediatiza. (FREIRE, p.141, 2016)

Como visto, o diálogo é um elemento crucial para uma prática de educação

libertadora. Para que isso ocorra por vias pedagógicas, Freire desenvolveu uma

metodologia que assimila o diálogo e o aprendizado mediado pelo estudante. Para

tal, é imprescindível a presença de temas geradores provocados por uma

necessidade de investigação cognoscível dos homens. O tema gerador é um

elemento espontâneo, que surge de momentos como reflexão sobre as realidades

sociais que assolam cada sujeito no mundo, por isso é acompanhado de

investigação e busca de saber. Esse acontecimento em sala de aula ocorre quando

o/a educador/a inicia o processo dialógico com seus educandos, pois abre o

caminho para que possam ser indagados os elementos da realidade e discutir sobre

os mesmos.

A partir desse processo dialógico cria-se o tema gerador, com o conteúdo e

os seus respectivos caminhos de investigação. Isto possibilita que os educandos se

percebam entre si e conheçam as variadas observações que cada um carrega sobre

o mundo vivido. Esse processo é essencial para uma pedagogia libertadora, tanto

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quanto, trazer ao encontro dos educandos a arte graffiti para dentro do espaço

escolar.

É importante levar a arte de rua em sua historicidade e propósito social, mas,

sobretudo, no oferecimento aos educandos da possibilidade de expressarem a sua

consciência sobre a realidade em que estão inseridos, ou seja, dar-lhes condições

de projetar nas paredes concretas do ambiente escolar, os seus respectivos temas

geradores em processo de investigação. Esse recurso favorece um encontro

pedagógico libertador, mas, sobretudo de reflexão e criação de novos modos de

conhecer. Pois o tema gerador para Paulo Freire surge com propósito dos

educandos investigarem as dúvidas e questões que atingem a realidade deles. É

preciso que eles, em diálogo com o educador/a, sejam capazes de criar uma nova

forma de assimilação ao cenário ou fato investigado.

Para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição – um conjunto de informes a ser depositado nos educandos –, mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada. (FREIRE, p.142, 2016)

Em Freire, a preocupação como é realizada a construção dos conteúdos

deve-se ao cuidado em não cair num método conteudista, em que o educador traz

para a sala de aula o tema pronto a ser discutido, bem como, a sua maneira

inflexível de trabalhá-lo. Esse método entraria na concepção de educação bancária,

e só reforçaria uma relação de opressor entre oprimidos, educação essa que não

permite que os educandos envolvidos possam aprender conteúdos que não fazem

parte do seu domínio de vivência e experiência, isto é, não fazem sentido no

processo de aprendizado para os educandos.

O/a educador/a não pode depositar o conteúdo pautado em sua visão

unilateral e já estabelecido, silenciando os educandos “investigadores”, afinal, para

Paulo Freire, não se deve lutar pelo outro e ditar-lhes maneiras de como conhecer

as coisas, mas de lutar com ele e construir juntos novas formas de conhecimento.

Dado a isto, o diálogo é fundamental para a criação de uma educação como prática

de liberdade e emancipação.

O/a educador/a deve observar e coletar as máximas informações sobre o

grupo de educandos que ele vai trabalhar a fim de restituí-lo com condições

aprimoradas para problematização, debate e criação. Dar-lhes a oportunidade de

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fala para a construção do conteúdo programático, é promover um espaço dialógico

na sala de aula, em que cada um apresenta a sua experiência como sujeito no

mundo e suas percepções individuais. Isso é possibilitar que surjam indagações e

procuras por respostas de forma espontânea, pois elas estão associadas à

necessidade de compressão que os educandos trazem consigo. Quando os

conteúdos estão ligados aos temas geradores propostos pelos educandos, e não

impostos pelo educador, eles se apresentam com significado pela busca ao

aprendizado, pois quem fomenta a problematização e investigação são os próprios

educandos. Mas é preciso salientar, que em Paulo Freire, a construção do tema

gerador deva estar ligada a práxis – a prática – dos educandos. É preciso

problematizar, investigar, procurar respostas e agir. A ação não deve estar

associada apenas à parte intelectual, mas também para a transformação.

Numa visão libertadora, não mais “bancária” da educação, o seu conteúdo programático já não involucra finalidades a serem impostas ao povo, mas, pelo contrário, porque parte e nasce dele, em diálogo com os educadores, reflete seus anseios e esperanças. Daí a investigação da temática como ponto de partida do processo educativo, como ponto de partida de sua dialogicidade. (FREIRE, p.170, 2016)

Quando os temas geradores partem do processo de investigação, os

envolvidos, educadores e educandos, passam a servirem de propulsores de novos

diálogos, pois utilizam do pensamento e da linguagem para a construção de uma

comunicação investigativa. Isso ocorre pela troca de experiências de suas

percepções resultantes da relação com o mundo, fazendo-lhes refletir sobre a

vivência do outro e de suas respectivas realidades e problemas.

Nesse processo dialógico, todos os envolvidos se comunicam de forma

reflexiva, para resolverem as problematizações lançadas por meio do diálogo. Dessa

forma, para a libertação do oprimido é importante à pronúncia da palavra, a reflexão

e a ação perante a práxis. O/a educador/a que se baseia numa educação

libertadora, permite o diálogo entre todos, pautado na reflexão do cotidiano de cada

um, e desafia os envolvidos a conhecerem a realidade percebida.

A partir da busca por temas geradores e da dialogicidade, é possível construir

um material-didático, que parte de temas delimitados de um vasto conjunto

mencionado pelos educandos, sem deixar perder o valor da diversidade do todo.

Essa delimitação se constitui como unidade de aprendizagem, que segue de forma

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sequencial e faz referência particular de cada área de conhecimento. A dialogicidade

também deve ser realizada entre os educadores, para que os mesmos possam

sugerir outros temas, os quais são denominados por Paulo Freire como “temas

dobradiça”. Além disso, o material pode conter fotografias, slides, fragmentos de

textos de leitura, desenhos, filmes, entre outros. E nos é possível acrescentar, que a

arte graffiti também poderia participar dessa proposta didática, em assimilação aos

temas geradores levantados pelos educandos e pelos temas dobradiços propostos

pelos educados. O graffiti serviria como uma ferramenta pedagógica que contribui

para o pensamento de uma educação libertadora e emancipadora.

Em suma, o material didático se constrói em base do diálogo com todos,

sendo um aparato educativo identificável pelos educandos, visto que a partir da

relação com os educadores se constitui os temas educativos do material didático.

Entre os temas apresentados, o material didático sugere que o conceito

Antropológico de cultura deva ser inserido como um tema central, pois permite que

novos temas sejam levantados a partir da consciência de realidade de cada um,

sendo assim, o tema central propicia através do diálogo outros temas a serem

debatidos.

Ademais, Freire (2016) reforça que existem elementos cruciais para esse

processo dialógico, como: a colaboração, a união, a organização e a síntese cultural.

A colaboração está envolvida com o diálogo na ação de compreender o outro e

respeitá-lo pela a sua vivência. A união refere-se à massa oprimida estar unida pela

busca da transformação social. A organização é crucial para que o processo

revolucionário da classe oprimida ocorra, onde a pronúncia do mundo é dita por eles

e não ao contrário. E por fim, a síntese cultural que fundamenta a importância do ser

humano em se reconhecer como ser existente no mundo, onde é passível de

compreender a permanência e a mudança da estrutura social.

1.3 A ação antidialógica presente na repressão social com as artes de rua

Paulo Freire busca refletir sobre a importância da práxis sobre a vida

enquanto ser humano como ser pensante, bem como, ressaltar a importância da

“ação dialógica” para a luta de rompimento com as manipulações impostas pela

classe opressora. Dessa forma, objetiva-se discutir neste tópico, o que trata a teoria

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da ação antidiálogica refletida por Freire, a fim de contribuir para a compreensão da

necessidade do campo educacional dialógico que converge com a proposta de ter o

graffiti como uma experiência emancipadora dentro da escola.

Para tanto é preciso compreender a existência da Teoria da Ação

Antidialógica, com o propósito de identificar as suas características conceituais,

finalidades e consequências da mesma nas relações sociais. Além de pontuar, que a

mesma faz parte da educação bancária, devido estar expressa nos modos

opressores atuantes na esfera política, pois a ação Antidialógica objetiva ao ser

humano, a sua conquista através da dominação e meios para adequá-lo no mundo.

Nesse sentido, ela corrobora para a coisificação do sujeito como um objeto a ser

obtido, impondo sob ele uma mitificação da realidade adquirida em diferentes

perspectivas. Como, por exemplo, a ideia de que não existem desigualdades sociais,

onde todos podem ser ricos, bastando apenas à força de vontade. Da propriedade

privada, onde apenas as pessoas privilegiadas podem ter acesso. E até mesmo o

mito de que a dominação opressora se importa com os direitos humanos e de que

existe a máxima expressão de liberdade para todos. As existências desses mitos

são cultivadas na manutenção da lógica opressora de dominação, no intuito de

enraizar no cotidiano das pessoas conceitos estereotipados que vão reforçar a sua

continuidade. Para tal, a mídia faz um papel crucial como instrumento de conquista,

em divulgar essas verdades míticas através de slogans, marketing e pelos meios de

comunicação de massa. Ela introduz de forma sutil nos espaços de relações sociais,

a dominação opressora, como valores orientativos culturais.

Não se é antidialógico ou dialógico no “ar”, mas no mundo. Não se é antidialógico primeiro e opressor depois, mas simultaneamente. O antidialógico se impõe ao opressor, na situação objetiva de opressão, para, pela conquista, oprimir mais, não só economicamente, mas culturalmente, roubando o oprimido conquistado sua palavra também, sua expressividade, sua cultura. (FREIRE, p.215, 2016)

Como abordado anteriormente, as atitudes antidialógicas anulam a

manifestação cultural em sua expressividade dos oprimidos, deixando-lhes sem

história e características próprias. Alicerçado na ideia de Paulo Freire, podemos

destacar neste trabalho, um exemplo de como as mídias atuam aos intercessores

dos opressores, estimulando a extinção da identidade cultural de um povo. No dia 22

do mês de janeiro do ano de 2017, o prefeito de São Paulo João Dória do Partido da

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Social Democracia Brasileira, realizou uma medida autoritária na capital, apagando

graffitis da Avenida 23 de Maio, considerada o maior mural a céu aberto de

grafitagens da América Latina.

Estima-se que os graffitis da famosa avenida foram produzidos por cerca de

200 artistas com técnicas e perspectivas diferentes sobre o mundo, resultando numa

riqueza artística irreverente. Essa medida ocorreu porque, segundo o prefeito, as

pichações devem ser combatidas. A maioria dos graffitis apagados continha

pichações ou estava danificada, salvo apenas sete obras deixadas na avenida, pois

estavam “íntegras”.

A ação de Dória virou manchete nos principais veículos de comunicação do

país, porém, a maioria das matérias reportadas apenas registrava o ocorrido com

fotos, entrevistas do próprio prefeito justificando a ação autoritária ou indicando de

forma enfática que existem projetos normativos que condenam as pichações e

classificam qual o local de expressividade da arte graffiti. Por outro lado, poucas

matérias abordaram o acontecido sob a perspectiva dos artistas de rua e da

população local, aqueles que o fizeram traziam apontamentos de que tal avenida é

considerada uma referência única de arte de rua em todo o mundo.

Dessa forma, a medida adotada por João Dória causou impacto não só na

capital de São Paulo, como no país todo. Houve manifestações sociais criticando a

medida do prefeito nas redes sociais da internet e até mesmo, através da criação de

novos graffitis e pichações no mural apagado. Tais impactos soaram de forma

negativa para a imagem política de Dória, sendo alvo de crítica não apenas de

pichadores e grafiteiros, mas da sociedade em geral. Em meio à repercussão, o

prefeito anunciou no dia 26 de janeiro do ano de 2017 através das mídias, que criará

um programa que irá valorizar e promover grafiteiros e muralistas, permitindo que

determinados espaços possam receber sua arte. Para participar, os artistas serão

escolhidos através de uma comissão organizada pela Secretaria Municipal de

Cultura, que irá observar o currículo de cada candidato e selecioná-lo para grafitar

no espaço autorizado pelo poder público. Tal matéria, assim como a anterior citada e

a maioria das reportagens disponibilizadas na mídia sobre o tema, apenas valorizou

o enunciado político do prefeito, colocando o seu projeto de lei como uma notícia

positiva ou uma boa desculpa pela sua ação anterior, sem registrar como a

comunidade do graffiti enxerga a situação.

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Como vimos no início desse trabalho, a arte de rua é espontânea, reflexiva e,

sobretudo, não pede permissão para existir. As paredes e os muros que cercam os

grupos sociais sempre serão alvos de manifestações criativas e expressivas

carregadas pelo graffiti. A essência do graffiti é rebelde. Existe para denúncia social

e o despertar reflexivo. Contudo, vimos em Paulo Freire que uma das táticas

antidiálogicas é a conquista da classe dominante para os dominados. Isto se trata de

manipular os oprimidos para enxergar o mundo de uma forma direcionada e de

aniquilar a sua expressividade própria de refletir o mundo a partir das suas

experiências particulares. Abaixo, na figura 7 vemos os fatos mencionados a partir

de três reportagens divulgadas pela internet, bem como, a reação das pessoas que

a leram:

Figura 7 – Reportagem sobre o apagamento dos grafittis na Avenida 23 de maio.

Fonte: Jornal O Globo.12

.

12

<https://oglobo.globo.com/brasil/doria-apaga-grafites-em-avenida-cria-polemica-em-sp-20815081> Acessado em 01/03/2017 às 18:04.

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Figura 8 – Reportagem sobre o projeto de lei de João Dória sobre pichação e graffiti.

Fonte: Jornal A folha. 13

Figura 9 – Reportagem sobre anúncio do projeto de lei do Museu de Arte de rua.

Fonte: Notícias Uol.14

13

<http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/02/1860352-doria-sanciona-lei-anti-pichacao-e-veta-ate-grafite-nao-autorizado.shtml> Acessado em 01/03/2017 às 18:04h.

14

< https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2017/01/26/apos-apagar-grafite-e-pichacao-doria-anuncia-museu-de-arte-de-rua.htm> Acessado em 01/03/2017 às 18:04h.

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Acima dos exemplos atuais sobre o uso das mídias em favor aos que detém

poder público, a primeira característica da Teoria da Ação Antidialógica se inicia com

a conquista das massas, através de táticas de dominação, como a criação de mitos

que subordinam as suas crenças para determinadas situações na sociedade e da

“sloganização” que contribui para o condicionamento da consciência dos homens ao

mundo, interferindo nas suas atitudes e enfrentamento social para a transformação

da realidade oprimida.

Outra característica importante da Teoria da Ação Antidialógica consiste na

divisão das massas populares para a manutenção da opressão. O ato de dividir

implica na separação das lideranças populares com as comunidades, a fim de

prejudicar a organicidade entre eles. Essa divisão ocorre através de um rompimento

com os oprimidos por meio de “treinamento de líderes” que visa articular a

comunidade por capacitação de lideranças, que envolvem uma visão localista dos

problemas e não de sua promoção do todo. Isto dificulta a percepção crítica da

realidade e inviabiliza que a comunidade seja representada por suas aspirações e

necessidades.

Dessa forma, os líderes treinados, são percebidos como desconhecidos entre

os moradores e exercem a divisão da comunidade. Ademais, outra maneira de

fortalecer a opressão das massas, é condicionar uma visão de todos, numa

perspectiva focal, visando apenas o problema latente, desconsiderando a sua

origem, causas e consequências. Problema que poderia ser compreendido por uma

temática geradora, buscando entender a totalidade da situação, ao invés de

estagnar a compreensão numa visão parcial e particularizada da temática. Mas

Paulo Freire alerta, que com a ação cultural, os líderes populares e a comunidade

são envolvidos juntos como parte de um mesmo processo inserido numa visão total

da realidade, visto que a cultura é resultado de um processo de transformação,

pensamento crítico e reflexão.

A necessidade de dividir para facilitar a manutenção do estado opressor se manifesta em todas as ações da classe dominadora. Sua interferência nos sindicatos, favorecendo certos “representantes” da classe dominada que, no fundo, são seus representantes, e não de seus companheiros; a “promoção” de indivíduos que, revelando certo poder de liderança, podiam significar ameaça e que, “promovidos”, se tornam “amaciados”; a distribuição de benesses para uns e de dureza para outros, tudo são formas de dividir para manter a “ordem” que lhes interessa. (FREIRE, p.223, 2016)

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A organicidade e a comunhão entre as massas populares representa combate

às táticas de opressão. Tornando a comunidade resistente e unida, logo, uma

ameaça aos opressores, visto que a união significa uma prática necessária para a

ação libertadora da condição de oprimido. Além da tática de dividir para conservar a

opressão, a outra característica da Teoria da Ação Antidialógica é a manipulação,

cujo objetivo é alienar as massas a se conformarem e aceitarem as imposições

feitas pela elite. Para tal, são utilizadas duas táticas de opressão, o populismo e o

assistencialismo.

O populismo consiste no caráter romântico de determinada figura política em

relação às massas, onde o líder populista configura um falso diálogo com a

população alvo, impregnando-lhes um falso interesse em suas aspirações e

atendendo os benefícios da classe opressora. Dessa forma, essa impostora relação

dialógica com caráter nacional, manipula as massas a apoiarem ideias e noções

originárias dos interesses burgueses. Na qual a manipulação realizada por essas

elites envolve a massa popular num processo de engodos e promessas, e ao final,

aplica um intenso golpe de opressão.

Nesse sentido, para Paulo Freire, o líder populista só representa

verdadeiramente uma liderança popular quando está aliado integralmente aos

interesses do povo, isto é, no momento em que ele supera a ambiguidade de estar

entre dois polos distintos – opressor e oprimido – para estar entregue ao trabalho de

organização e revolução das massas. Apenas com o rompimento do intermédio

entre as elites e o povo, o líder dialoga com as massas e atua como uma autêntica

liderança. Igualmente, há o assistencialismo, que não se difere em finalidade do

populismo, remete a uma aparente generosidade das elites para com as massas,

ludibriando-lhes sobre os seus direitos como cidadãos. É uma forma de apaziguar

qualquer transtorno ou repúdio social através de discursos e programas que não

visam a atender efetivamente as necessidades da população. Sobretudo, de

fortalecer a conquista das massas.

O antídoto a esta manipulação está na organização criticamente consciente, cujo ponto de partida, por isto mesmo, não está em depositar nelas o conteúdo revolucionário, mas na problematização de sua posição no processo. Na problematização da realidade nacional e da própria manipulação. (FREIRE, p.229, 2016)

Esse papel paternal que o líder populista assume por intermédio de ações

assistencialistas, acentua a característica de manipular as massas, retira a

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observação do povo diante dos problemas da realidade e as suas respectivas

causas, tanto quanto a busca de elucidações concretas sobre eles.

Há, contudo, uma ressalva positiva abordada por Freire à vontade incessante

das massas de quererem ser assistidas, tanto aqueles que já são assistidos quando

aqueles que ainda anseiam receber a atenção assistencialista, dessa forma, as

massas ficam na expectativa de receberem mais. Essa inquietação causa incômodo

às elites, pois o objetivo e a capacidade delas não possibilita o atendimento a todos.

Por fim, a última característica da Teoria da Ação Antidialógica a ser tratada e

aberta as aproximações da discussão sobre o graffiti servir como ferramenta

pedagógica de caráter libertador e revolucionário, intitula-se como Invasão Cultural,

cuja está objetivada a inibir a criatividade popular e desvalorizar as suas produções

culturais. Isso ocorre através da imposição de valores e costumes do opressor para

os oprimidos, a fim de aniquilar a identidade que cada povo possui. Para contribuir

com a reflexão sobre cultura, buscamos em Marilena Chauí (2008), no seu trabalho

“Democracia e Cultura” a relação que os diversos significados da palavra “cultura”

com movimento intelectual e político. Através das análises e investigações

ideológicas que a autora traça sobre a temática cultural, ela verifica que a

dominância de uma cultura sobre a outra, se dá por uma exploração econômica,

exclusão social e soberania político. Mas ao mesmo tempo, nesse local de cultura

dominante, há a cultura popular, produzidos pela classe trabalhadora e excluídos da

sociedade, que se organizam popularmente e contestam a cultura vigente.

É bem sabido, que cada sociedade cria seus costumes, crendices, hábitos,

comportamentos e saberes populares, e que esse apanhado de criações faz parte

da sua identificação cultural no mundo. Verificamos o que Marilena Chauí diz sobre

a cultura contrária à dominante:

Se, por um instante, deixarmos de lado a noção abrangente da cultura como ordem simbólica e a tomarmos sob o prisma da criação e expressão das obras de pensamento e das obras de arte, diremos que a cultura possui três traços principais que a tornam distante do entretenimento: em primeiro lugar, é trabalho, ou seja, movimento de criação do sentido, quando a obra de arte e de pensamento capturam a experiência do mundo dado para interpretá-la, criticá-la, transcendê-la e transformá-la – é a experimentação do novo; em segundo, é a ação para dar a pensar, dar a ver, dar a refletir, a imaginar e a sentir o que se esconde sob as experiências vividas ou cotidianas, transformando-as em obras que as modificam por que se tornam conhecidas (nas obras de pensamento), densas, novas e profundas (nas obras de arte); em terceiro, numa sociedade de classes, de exploração, dominação e exclusão social, a cultura é um direito do cidadão, direito de

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acesso aos bens e obras culturais, direito de fazer cultura e de participar das decisões sobre a política cultural. (CHAUÍ, p. 61, 2008)

Porém, esses traços criativos de cultura se abalam quando se defronta com a

indústria cultural, aquela que tende a ser repetitiva, reprodutiva, de massa e para o

consumo. Podemos compreender essa abordagem de Chauí, como a invasão de

outras perspectivas culturais que não faz parte naturalmente daquela sociedade, e

sim, de uma estratégia ideológica de alienação do sistema capitalista. Paulo Freire

domina essa ação, de invasão cultural. Os invasores possuem o caráter da elite

dominante e os invadidos, como as massas populares. O ato de invadir o espaço do

outro, sempre carrega um caráter de violência, no qual contribui para determinada

cultura perder a sua originalidade e espaço de criatividade. Isso significa que a bruta

evasão das noções culturais eminentes àquela sociedade, passa a hospedar outra

visão de mundo. Essa hospedagem ocorre de forma imposta, onde os invasores são

autores e atores da cultura, e os invadidos são meros objetos manipuláveis. Os

invasores tem a liberdade de escolha e modelam às ações, os invadidos são

assediados a seguir as opções definidas pelos invasores e são modelados de

acordo com o seu interesse.

Como não a nada que não tenha seu contrário, na medida em que os invadidos vão reconhecendo-se “inferiores”, necessariamente irão reconhecendo a “superioridade” dos invasores. Os valores destes passam a ser a pauta dos invadidos. Quanto mais se acentua a invasão, alienando o ser da cultura e o ser dos invadidos, mas estes quererão parecer com aqueles: andar como aqueles, vestir à sua maneira, falar ao seu modo. (FREIRE, p.236, 2016)

A partir desse sentimento de desejo de pertencimento dos hábitos e

costumes dos invasores, a invasão cultural serve de instrumento antidialógico para

fortalecer a opressão e conservar a tática de conquista, em consequência de

constituir uma sociedade ambígua, dual, reflexa e invadida na utilização de

elementos indispensáveis para alienar as massas populares e subjugá-las a uma

visão de mundo, no interesse de dominar fatores econômicos, sociais e culturais.

Tendo informação sobre as implicações da invasão cultural, é possível aludir

essa reflexão para dentro da sala de aula, em situações em que o/a educador/a

possa assumir um papel antidialógico, ao impor a sua visão de mundo e valores

individuais ao restante dos educandos. Mesmo que esse papel seja assumido de

forma ingênua, sem a intenção de empurrar a sua perspectiva sobre os outros. Por

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exemplo, quando o/a educador/a diz para o educando que determinado gênero

musical é ruim e que não deva ser escutado. Nesse momento, o educador/a poderia

abrir um diálogo com o educando e compreender o gosto musical, iniciar uma

problematização do que pode ser considerado bom ou ruim no universo musical ao

invés de delimitar o bom x ruim.

Enfim, a invasão cultural pode ser permeada de diversas formas em nosso

cotidiano, visto que ela se torna tão prosélita no modo de ser dos indivíduos, que

acabam reproduzindo as imposições que sofreram. O modo de se libertar dessa

subjugação, se faz possível pelas vias dialógicas, quando o invadido se conscientiza

da sua necessidade de libertação. Quando o oprimido passa a sentir a necessidade

existencial de renunciar a ação opressora e vivenciar a ação dialógica. Só assim, é

possível transmutar a perspectiva de “estrangeiros” para companheiros. Para haver

essa mudança, é necessário que ocorra a “revolução cultural” a partir da ação

cultural dialógica, onde o povo tenha o seu espaço e tempo para expressar de forma

consciente a sua liberdade e criatividade. E, sobretudo em uma realidade em que

ultrapassem o papel de secundários e assumam o de protagonistas de sua própria

história, na busca da conscientização por uma práxis verdadeira.

Para contrapor a ação Antidialógica, Paulo Freire apresenta três

características essenciais para compor uma ação cultural dialógica. A primeira se

denomina como Co-laboração, cuja se apresenta com o diálogo, sem interesse de

conquistar ou dominar o outro, mas de fundir a liderança e as massas para um ação

revolucionária. Essa fusão se dá através da comunhão e comunicação entre os

homens, de forma afetiva e libertadora. A união entre os sujeitos, em co-laboração,

promovem a restauração e transformação do mundo opressor x oprimidos, através

do diálogo e da problematização da realidade vivida. Para tanto, Freire aponta que

a liderança deve confiar nas massas, a sua capacidade de compreender a agir, mas

estar atento à possibilidade do “opressor” estar hospedado nelas para não prejudicar

a transformação do mundo. Além da co-laboração, existe outra característica

importante que fomenta a ação cultural dialógica: Unir para libertação. A união é

crucial para organizar as estruturas das relações de liderança-massa, pois consiste

estar em comunhão com todos, de forma una e não dividida. Como pode ser visto no

trecho abaixo:

Se para manter divididos os oprimidos se faz indispensável uma ideologia de opressão, para a sua união é inprescendível uma forma de ação cultural

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através da qual conheçam o porquê e o como de sua “aderência” à realidade que lhes dá um conhecimento falso de si mesmos e dela. É necessário desiologizar. (FREIRE, p.269, 2016)

A união defendida por Paulo Freire precisa haver liberdade e sem dirigismo

por parte da liderança. Dessa forma, outra característica importante para teoria

dialógica, é a Organização. Na qual para existir, é necessário disciplina, diálogo,

objetivos, tarefas, mas jamais a ação de coisificar as massas e tampouco restringir a

sua participação no processo de transformação.

A atuação da liderança revolucionária precisa ser contrária ao manipulador,

pois ela expressa diálogo, amor e confiança com as massas populares. A

organização implica o aprendizado de todos para uma pronúncia de mundo, que

contém aprendizado verdadeiro, respeito mútuo e comunicação. Por fim, a ação

política que contém co-laboração e organização, desenvolve uma Síntese cultural,

última característica relevante para o contexto dialógico. Como visto anteriormente,

a invasão cultural corresponde a uma atitude antidiálogica e acrítica aos saberes das

massas.

Por outro lado, a síntese demanda abertura de diálogo, não possui

estratégias determinadas na relação entre lideranças e massas. Em analogia, com o

educador-educando, na educação problematizadora a síntese cultural trabalha para

o desvelamento e as recriações do mundo. Possibilita as massas reconhecerem por

um olhar crítico de seu estado de opressão e oferecerem condições para o seu

engajamento de superação. Nessa perspectiva libertadora e dialógica, liderança e

povo, a ação cultural se serve para a emancipação das massas populares. Não atua

com “transmissão” e “ensinamento”, mas de conhecimento e aprendizado em

conjunto.

Dessa forma, a síntese cultural implica a superação das estruturas

estabelecidas anteriormente pelo modelo de opressão, isto é, da própria cultura

alienada e alienante. Esse rompimento se dá por uma ação cultural que utiliza da

história e da investigação de temática significativa do povo, gerando conteúdos

programáticos, que envolvem a problematização, reflexão e criatividade para

desenvolver a síntese cultural. Por fim, a invasão cultural serve a teoria

Antidialógica, com táticas de manipulação e conquista. Já a síntese cultural serve a

teoria dialógica, possibilitando a libertação através da organização.

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Em suma, o referido capítulo objetivou promover um estudo sobre obra

“Pedagogia do Oprimido” de Paulo Freire em diálogo com a arte graffiti, realizando

uma reflexão sobre as possibilidades de romper, bem como, a sua constituição de

relações opressoras contidas na estrutura social, pontuando as suas características

e conceitos. Para tanto, foi necessário esmiuçar as principais ideias abordadas por

Paulo Freire, visto que a intenção central foi desenvolver uma interlocução com o

caráter educativo trazido pelo graffiti, tanto no cenário educador-educando, quanto

na sociedade. Desse modo, se fez necessário compreender a perspectiva de

Educação que Paulo Freire trabalha na obra “Pedagogia do Oprimido”, assim como

de enxergar as possibilidades de considerar uma arte de rua com caráter

emancipatório, libertador e revolucionário. Logo, a fim de retomar a afirmação do

título do presente capítulo e deixar de forma precisa às considerações do mesmo,

será resumida a justificativa da pedagogia proposta por Freire, como subsídio teórico

da percepção da arte graffiti como uma experiência pedagógica engajada com as

adjetivações de ser emancipadora e revolucionária.

Esse estudo possibilitou refletir que a atuação da educação vai muito mais

além do espaço escolar, visto que ela também existe nas relações cotidianas. Em

consideração a essa livre movimentação, vale ressaltar que a educação para Paulo

Freire, tem um compromisso com a revolução consciente, naquilo que o autor diz

sobre liberdade, autonomia e emancipação. Isso nos permite enxergar a arte graffiti

não apenas como uma ferramenta pedagógica que possa ser utilizada para auxiliar

na investigação de temas geradores, ou na produção de intervenções didáticas e

interdisciplinares, mas também de reconhecer uma arte que gera conhecimentos.

Uma arte com caráter educativo, pois revela expressões do ser, a historicidade dos

acontecimentos da cidade, reflexões sociais e inclusive, sentimentos de curiosidade,

rejeição ou admiração.

O graffiti, bem como a educação em Paulo Freire, pode ocorrer em todos os

espaços, porque a sua finalidade é ser acessível a todos e está em consonância

com a intencionalidade de transformação. O graffiti transforma a cidade pálida e

cinzenta para colorida e cheia de vida. Ele apresenta ao mundo através do seu

caráter subversivo, as diversas realidades de diferentes sujeitos sociais. A educação

em Paulo Freire visa à transformação social, através do aprendizado em conjunto,

da criticidade e da liberdade. Ela valoriza a cultura que cada educando traz consigo

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para dentro do espaço escolar e permite que o conhecimento seja construído a partir

da dialogicidade entre todos.

Além disso, é preciso ressaltar que a relevância proposta de educação em

diferentes campos sociais abordada por Paulo Freire, se configura na discussão da

filosofia latino-americana em relação à educação no Brasil, em função disso, a

necessidade por emancipação por vias educativas é latente nos planos de discussão

sobre a libertação das garras opressoras. Tão logo, sobre a sua argumentação de

uma sociedade estar repleta de ideologias de caráter dominante, que diverge a

classe opressora entre a classe oprimida. Em combate a subjugação de valores e

costumes ideológicos da cultura dominante, a educação precisa ocorrer tanto no

espaço escolar, quanto nas relações de educação informal e não formal. Dessa

forma, uma educação popular apoiada no projeto da pedagogia do oprimido,

simboliza um ato de resistência, especialmente àqueles educadores que trabalham

esse método crítico de Paulo Freire, pois compreender a totalidade – contexto

histórico, político, social e cultural – da sociedade brasileira, permite aos educandos

fazer a sua leitura de mundo e serem sujeitos de sua própria história.

Como vimos anteriormente no início dessa pesquisa, o graffiti também surgiu

com propósitos de resistência e se desenvolveu como um instrumento artístico das

periferias para se manifestarem contra imposições dominantes. Em leitura a Paulo

Freire, essa arte foi e é ainda um movimento cultural, que denuncia a opressão

sofrida e que expressa afetividades. Nessa perspectiva, as grafitagens representam

um meio de dar voz àquele que é oprimido, emancipá-lo através da livre expressão.

Por isso, conclui-se que o graffiti é uma experiência emancipadora, porque

possibilita aos educandos o exercício de sua autonomia e liberdade. E

revolucionário, porque transforma os cenários urbanos, interfere nos trajetos

cotidianos com provocações críticas e reflexivas e, sobretudo, modifica a perspectiva

de que os oprimidos estão sempre silenciosos e ocultos.

O graffiti, bem como a educação popular de Paulo Freire, provoca no povo a

ação de reflexão sobre a opressão e as suas causas, gerando uma ação

transformadora através da práxis da liberdade. No próximo capítulo sobre as

entrevistas realizadas com os artistas de rua e educandos que tiveram a experiência

com o graffiti dentro da escola, pode-se compreender de forma qualitativa a relação

que essa arte guarda com a teoria dialógica de Freire, sobretudo na dimensão da

humanização e libertação.

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A figura 10 abaixo se refere ao registro fotográfico da Escola Paulo Freire,

localizada em Santa Maria no Rio Grande do Sul, na qual contou com a participação

do projeto Subsolo Art para realizar um mutirão de graffiti na instituição no ano de

2015. Esse projeto conta com vários artistas de rua e visa compartilhar com toda

população da cidade as manifestações culturais oriunda do graffiti, em especial aos

estudantes da instituição referida.

Figura 10 - Aniversário de 06 anos do SubsoloArt - Oficinas de Graffiti e Stêncil da Escola Paulo Freire.

Fonte: Site Subsoloart.15

.

Na figura 11 pode-se perceber outro registro de manifestação artística

inserida no meio escolar, mas realizada apenas por grafiteiros:

Figura 11 – Grafite homenageando Paulo Freire, na Diretoria Regional de Educação Pirituba-Jaraguá da rede municipal de ensino da cidade de São Paulo.

15

<http://subsoloart.com/blog/2015/05/evento-de-aniversario-de-6-anos-subsoloart/aniversario-subsoloart-6-anos-oficinas-de-graffiti-e-stencil-escola-paulo-freire-13/> Acessado em 07/03/2017 às 11h18h.

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67

Fonte: André Turra.

16.

16

<https://andredutra.wordpress.com/a-gestao-de-paulo-freire-na-sme-em-documentos/> Acessado em 07/03/2017 às 11h28h.

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Capítulo III

TRILHANDO UMA INVESTIGAÇÃO: EXPERIÊNCIA DE ARTISTAS DE RUA DE

MATO GROSSO E EDUCANDOS QUE VIVENCIARAM A ARTE GRAFFITI NA

ESCOLA

Neste capítulo foram apresentados resultados da pesquisa de campo, com o

enfoque na compreensão das entrevistas realizadas com os artistas de rua de Mato

Grosso, buscando colher informações sobre a relação da sua arte com a sociedade.

E, também, almejou-se analisar as práticas educativas da arte graffiti a partir de

entrevistas realizadas com estudantes que vivenciaram tal arte como atividade

pedagógica no meio escolar. Dessa forma, a coleta de dados trabalhada nesse

capítulo possui o propósito de valorizar a experiência local com a arte de rua e

ainda, fornecer materiais significativos para compreender o graffiti como uma arte

emancipatória e de potencial pedagógico. Portanto, espera-se contribuir para novos

para conhecimentos e ampliações de possíveis caminhos de estudo para a arte de

rua.

1. Contexto da pesquisa: cenário e participantes

Foram selecionados quatro artistas de rua de grande referência na produção

de graffitis, stêncil e lambe-lambe. E quatro estudantes que tiveram a experiência te

ter contato com a arte de rua dentro do espaço escolar. Ambos os grupos de

entrevistados fazem parte da região de Cuiabá. A escolha pelos artistas foi realizada

com base em três critérios: o engajamento social com a arte de rua; a contribuição

com a produção da arte de rua para a baixada cuiabana e o fato dos artistas

possuírem representações imagéticas e vivências distintas um dos outros com o

graffiti. Em relação aos estudantes, a escolha foi realizada com base em dois

critérios: relatar a vivência pessoal com a arte graffiti dentro do espaço escolar e

assimilar a compreensão que cada um carrega sobre a arte de rua na sociedade.

A partir das escolhas dos artistas de rua, foram entrevistados dois homens e

duas mulheres. Estas foram escolhidas a fim de valorizar o protagonismo e a

representatividade das mulheres no cenário da arte de rua na cidade de Cuiabá.

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Entretanto, vale ressaltar que todos os artistas participantes dessa pesquisa

possuem identidades artísticas diferentes, isto é, conteúdo e modo de produção

distinta no trabalho da arte de rua. No quadro abaixo consta as técnicas artísticas

diferentes que cada artista de rua trabalha, bem como, as tags que utilizam para se

identificar no espaço urbano:

Quadro 1 – Modos de produção de arte de rua com cada participante entrevistado, bem como, os seus perfis referenciados pelas suas respectivas tags.17

Fonte – Da autora.

A partir da análise do quadro podemos evidenciar que cada artista trabalha

com modos de produções diferentes para a arte de rua, mas ressaltamos que o

quadro não evidencia qual modo o artista mais utiliza em suas criações. Apenas

apresenta o envolvimento com os diferentes tipos de produção, que ele já se

envolveu e/ou se envolve. Além do mais, é possível verificar a experiência que cada

um traz com a arte de rua em geral. A artista Nana, por exemplo, é a única entre os

três, que trabalhou com todas as categorias artísticas já referidas anteriormente na

presente pesquisa. Por outro lado, o John, em seu relato de experiência, dentre as

quatro opções, o graffiti foi a única técnica que ele relatou ter contato. Há outros

relatos de práticas como arte de rua citadas pelos entrevistados que não estão no

quadro comparativo, como o muralismo e a pichação.

Em relação à escolha dos estudantes, foram selecionadas quatro

adolescentes na faixa etária entre 13 a 14 anos, denominadas por elas mesmas

nessa pesquisa como “Jujuba”, “Naju”, “Najara” e “Nah”. No que diz respeito à

instituição escolar, chamaremos de “Colégio da Curiosidade”. Nomeado dessa

forma, porque a instituição solicitou sigilo para a presente pesquisa. Além dessas

informações, a presente pesquisadora ocupa o papel na relação com os estudantes,

17

As consistências dessas técnicas estão explicitadas no glossário do presente trabalho.

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como professora de filosofia que trabalhou de forma interdisciplinar com a

professora de artes, a ideia de promover um estudo sobre a arte graffiti, ficando a

pesquisadora, responsável por trabalhar com os estudantes a parte prática.

1.1 Procedimentos de coleta e análise compreensiva das informações

As entrevistas ocorreram durante o período de setembro de 2016 a abril de

2017 e se deu a partir da realização de observação participante e entrevista com

questões abertas. O período estendido da coleta justifica-se à disponibilidade e

dificuldade da pesquisadora em ir ao encontro dos artistas, assim como, a

disponibilidade dos mesmos em realizar a entrevista. Além disso, para entrevistar as

educandas, foi necessário aguardar o dia em que a atividade pedagógica com a arte

graffiti seria realizada. Como foi dito no tópico metodológico do primeiro capítulo, a

presente pesquisadora é professora das estudantes e participou da atividade

realizada. Portanto, apenas depois da data da atividade, pode-se realizar a coletar

dos relatos de experiência.

As entrevistas ocorreram de diferentes maneiras, com o artista John ocorreu

através de vídeo conferência pelo facebook, pois o mesmo atualmente está morando

fora do país. Sendo assim, a entrevista foi gravada pela pesquisadora e teve a

duração aproximada de 45 minutos. De forma semelhante ocorreu com a artista

Nana, onde a entrevista foi gravada por meio virtual através do aplicativo do

whatsapp, cuja teve duração aproximadamente de 30 minutos. Ademais, as

entrevistas com Amarelo e Lua, ocorreram através do facebook por mensagens

privadas, onde os mesmos responderam o roteiro de questões trabalhadas pelos

outros artistas. O primeiro porque não reside mais na cidade de Cuiabá e a artista

Lua pelas dificuldades de disponibilidade e locomoção. Além disso, salientamos que

a presente pesquisadora é amiga e parceira dos percursos com arte de rua, isto é, já

trabalhamos juntas fazendo graffitis e murais. Em relação ao John e Amarelo, a

pesquisadora não teve ainda a oportunidade de fazer arte com eles, mas nas

práticas da arte de rua, quase todos se conhecem e sabem que podem contar com a

parceria um do outro. Sobretudo, quando o assunto é trazer o graffiti numa

perspectiva cultural.

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Em relação aos educandos, todas as entrevistas foram previamente

agendadas pela coordenação da instituição escolar e gravadas, a fim de abranger

todas as informações relevantes.

As perguntas realizadas foram elaboradas no intuito de compreender a

relação entre a arte de rua para cada grafiteiro, a fim de observar como o graffiti se

encontra a partir dos contextos históricos e sociais levantados no início da pesquisa,

bem como, a relação dos educandos com o graffiti se constituiu sob condições

pedagógicas no espaço escolar. Dessa forma, as questões foram produzidas a fim

de obter espontaneamente a compreensão de cada entrevistado sobre as suas

respectivas experiências com a arte de rua pelo questionário de perguntas abertas.

Além disso, as entrevistas acompanham fotografias das artes produzidas pelos

artistas e pelos educandos, com a finalidade de registrar também a representação

imagética que cada um construiu.

O roteiro de entrevista se resumiu em duas etapas, a primeira destina-se

apenas aos artistas locais e a segunda para os educandos. A divisão foi realizada de

acordo com a finalidade dos dados que visava obter. Ambas as etapas foram

realizadas com o consentimento de todos os envolvidos, assim como, a divulgação

dos registros fotográficos. As apresentações dos artistas se deram pelas suas

próprias tags, como já ilustrado anteriormente e quanto aos educandos, eles

mesmos escolheram as suas identificações. Essas representações pessoais existem

para não expor os entrevistados e deixá-los confortáveis em responder as questões

de forma espontânea.

Na primeira etapa do roteiro de entrevistas foram levantados dados que

caracterizam os tipos de artes utilizadas por cada artista de rua, a sua compreensão

sobre o graffiti nas relações sociais, bem como, a sua relevância na baixada

cuiabana. Essa entrevista fora construída com a intenção de valorizar a

representatividade local da arte de rua em Cuiabá, possibilitando que o artista

compartilhe a sua vivência e conhecimento sobre o graffiti (como no roteiro da

entrevista no anexo 01).

A segunda etapa diz respeito à entrevista com os educandos, que teve como

finalidades principais identificar a experiência de aprendizagem por intermédio da

arte graffiti, a compreensão de significados da arte de rua tanto no espaço escolar

quanto na sociedade e verificar como foi desenvolvida a experiência artística dentro

da própria escola. Além dessa busca por dados a serem compreendidos, a segunda

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etapa também objetivou valorizar a representatividade de cada educando na

vivência com o graffiti, bem como de buscar compreender as suas assimilações e

anseios em relação à arte de rua, e, sobretudo, de averiguar a possibilidade de

emancipação e empoderamento dos educandos através da expressão artística do

dessa arte(Roteiro da entrevista no anexo 2).

A investigação compreensiva das informações foi realizada de acordo com os

resultados gerados pelo instrumento de pesquisa. Desse modo, as informações

obtidas pelas entrevistas gravadas foram transcritas na íntegra e aquelas que

ocorreram por meio virtual – comunicação digitalizada – foram demonstradas por

completo. Logo após, portou-se uma leitura detalhada e dedicada de todo o

conteúdo do material, a fim de valorizar as informações que respondiam às questões

levantadas inicialmente nessa pesquisa. Outro aspecto importante sobre a

compreensão dos dados obtidos pelas entrevistas foi à busca da relação com a arte

graffiti na sociedade pelos grafiteiros e de seu caráter educativo dentro do espaço

escolar com estudantes. Para tal, as compreensões foram feitas relacionando a

partir da vivência dos artistas e educandos e as literaturas já existentes acerca do

mesmo tema pesquisado.

A seguir foram descritos de forma esmiuçada os procedimentos de análise

compreensiva dos dados obtidos pelas etapas das entrevistas. Na primeira, onde diz

respeito aos artistas de rua, como já mencionado anteriormente, foi utilizado o uso

da mídia social (facebook) e o aplicativo virtual (whatsapp) como intermédio para a

realização das entrevistas. Entre elas, destacamos o uso do meio da web com o

grafiteiro John através da ligação de vídeo que permitiu que a conversa tivesse sido

gravada e transcrita posteriormente. Da mesma forma ocorreu com a artista Nana.

Em relação aos outros, foi utilizada a conversação da web digital publicado em

ambiente digital no espaço denominado pelo facebook de “inbox”.

Apesar das diferentes condições de coleta de dados não permitir a

comunicação face a face, segundo Recuero (2009, p.119-120) a conversa por

intermédio do computador, facilita o anonimato dos entrevistados e abre outras

oportunidades, devido o distanciamento físico. Diferente da primeira etapa, todas as

entrevistas foram realizadas e gravadas presencialmente. Em consideração as duas

etapas, os procedimentos de análise não teve diferenciação, por se tratar de

questões abertas em todos os casos, além de que todas remetiam as experiências

individuais sobre a arte de rua, especificamente com o graffiti. Nesse sentido, foi

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realizado um agrupamento de ideias similares que contribuem para a compreensão

da arte de rua e atende a necessidade do objetivo geral da presente pesquisa. Essa

estrutura foi construída de trechos retirados das transcrições das entrevistas

realizadas com a compreensão dos dados por inferências da pesquisadora,

baseadas nos campos teóricos da arte de rua e educação popular.

1.2 Compreensão do resultado das entrevistas

No presente tópico são manifestados e discutidos os resultados da entrevista

no sentido de responder os problemas formulados no início da pesquisa, entre eles:

como compreender a partir de uma reflexão filosófica os meios de comunicação e

discursiva que a arte de rua estabelece com a sociedade; Como o artista de rua

relaciona a sua arte com a sociedade; Quais os potenciais educativos que o graffiti

traz para a sociedade; E por último, se a arte de rua pode proporcionar práticas

educativas dialógicas e emancipadoras dentro do meio escolar. Para tanto, esta

etapa de apresentação foi dividida em dois momentos: no primeiro, são

apresentados os resultados relativos às perguntas abertas do questionário para os

artistas de rua, onde o caráter das questões está voltado para a relação que eles

estabelecem entre a arte com a sociedade. E, por último, são apresentados dados

resultantes do questionário aberto respondido por estudantes que participaram da

experiência com a arte graffiti, para sabermos se essa atividade resultou práticas

educativas para eles.

Dessa forma, a divisão ocorreu devido à natureza das questões norteadoras

da pesquisa, como vimos, a segunda e a terceira pergunta problematizadora está

estritamente ligada à vivência dos artistas de ruas. Enxergamos nessa pesquisa-

ação, que apenas aqueles que protagonizam o seu papel na cultura de rua,

possuem condições de nos oferecer relatos convergentes à questão. Em

contrapartida, apenas os estudantes possuem circunstância de nos responder a

relação que eles tiveram com a arte graffiti dentro da escola. São estes que vão nos

dizer se a atividade apresentou uma experiência educativa e significativa na vivência

escolar deles. Mas é claro, que enquanto pesquisa-ação, a compreensão dos relatos

de experiência será analisada a partir de nossos referenciais teóricos e vivência da

pesquisadora, uma vez que a mesma está inserida como sujeito participante, tanto

na arte de rua quanto educadora.

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Para cada pergunta, iremos abreviar por “P”, sendo ela acompanhada com

numeração, onde nos ajuda a localizar a ordem das questões. As respostas serão

denominadas de “R” seguido do nome do entrevistado. Além disso, os grifos serão

marcados em negrito para maior clareza e compreensão da entrevista de

questionário aberto realizada.

GRUPO UM: ARTISTAS DE RUA

A primeira questão foi realizada com o intuito de conhecer os meios de

produção artística dos nossos entrevistados. Entre eles, podemos elencar: o

muralismo, o graffiti, a pichação, o lambe-lambe, o stêncil e o sticker. Tais narrativas

contribuem para o desenvolvimento dessa pesquisa, no quesito de conhecermos

que a arte de rua possui diferentes modos artísticos. Em Certeau (1994)

compreendemos esses tipos de arte de rua como parte de uma produção cultural

realizada por sujeitos ordinários que criam a sua própria forma de se relacionar com

o seu meio. Observamos as respostas abaixo:

1P - Qual o tipo de arte de rua que você trabalha?

JHON - R: muralismo, graffiti e pichação.

LUA - R: Chamo de Street Art. Trabalho com Lambe Lambe também.

AMARELO - R: trabalho com graffiti, mas também já fiz stencil e lamb-lamb.

NANA – R: Eu trabalho com o lambe-lambe e também pixo. Eu também fiz sticker art, só que apenas durante alguns meses, porque é meio caro assim pra fazer. A quantidade de sticker e a de lambe-lambe que dava para fazer era bem diferente. Então, acabei deixando de fazer o sticker art. Já flertei com o graffiti só que parei, porque infelizmente eu acho que a cena não é muito amigável para as mulheres. E também eu não me sinto segurança em grafitar tarde da noite ou grafitar sozinha. Quando eu e minha parceira de pichação pichamos, a gente vai de carro. Enquanto uma picha, a outra fica observando o movimento da rua. Sempre tentamos fazer o mais seguro possível.

Todas as experiências acima em seu modo único de existir passam pela

experimentação diversa de modos de produção artística no contexto da arte de rua.

Mesmo o graffiti sendo popularmente o mais conhecido, vimos que há outros modos

que fazem parte da cultura de rua. Verificar que o artista local teve um contato com

uma forma de expressão considerada crime é apreender que a arte de rua faz parte

de uma cinesia cultural que possui diversas linguagens e modos de comunicação.

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Entretanto, vale observar a dificuldade que a Nana possui na inserção da arte

graffiti, bem como, a posição de sua parceira como observadora. Esse quadro nos

remete aos impactos sociais de uma cultura de violência contra a mulher, na qual, a

mesma está sujeita a sofrer assédio e agressões.

De acordo os dados compilados no Dossiê Violência contra as Mulheres18

ocorrem 05 espancamentos a cada 02 minutos, 01 estudo a cada 11 minutos, 179

de relatos de agressão por dia, entre outros casos. Isso significa que todas as

mulheres brasileiras estão vulneráveis a essa pavorosa cultura machista. Portanto,

entendemos que quando a Nana coloca essa situação sobre o cenário do graffiti não

ser amigável a ela, é no sentido de acessibilidade e condições seguras para uma

mulher realizar uma atividade artística e marginalizada nas ruas de uma grande

capital. Isso se comprova ao fato de ela se sentir protegida quando há presença de

outra mulher na atividade, na qual esta cumpre o apoio mútuo de observar a

movimentação da rua para sua parceira realizar a sua arte. Em outras palavras, a

parceira que observa verifica se ocorrerá a aproximação suspeita de algum ser

humano para cometer esses crimes de violência contra a mulher e ao mesmo tempo,

de algum policial com a intenção de repreender a atividade.

Vejamos abaixo as respectivas experiências com arte de rua:

2P - Como você começou a trabalhar com a arte de rua?

JHON - R: a primeira vez que eu pintei com spray foi no México com um

artista mexicano, foi um mural. Eu comecei a escolher viver disso, eu saia

de noite de bicicleta com o spray na bolsa. Teve uma vez que fui pra rua

sozinho, foi com olho e coragem. Isso ocorreu em Cuiabá. Foi numa

construção. Levei o rolo, o balde. Fui levado pelo impulso de que queria

fazer aquilo. Fui preparado com as minhas armas, de que se alguém

aparecesse, daria uma desculpa do tipo „ei, caralho, desculpe... foi mal‟. Eu

acho engraçado essas coisas. Nas primeiras vezes, eu tinha muito medo,

olhava para os lados. Passava uma, duas vezes nos lugares que eu ia

fazer. Checava tudo certinho e fazia rápido. Depois com o tempo, eu acho

que fiquei sem senso. Eu fazia onde achava bom e não estava mais me

importando com quem estava à volta.

Na resposta de John percebemos que o artista teve em suas primeiras

experiências com a arte de rua, receios e medos. Relacionamos esse sentimento

com o fator da proibição e criminalização que tal arte sofre no campo normativo e

18

Acesse essas informações nesse link: http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossie/violencias/cultura-e-raizes-da-violencia/

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social, questões essas que foram mencionadas no início dessa pesquisa. Para

compreendermos numa discussão ampliada sobre o sentimento de medo e

vigilância desse artista, recorremos aos históricos confrontos entre a polícia e

artistas de rua19, como vimos ao longo do trabalho, o graffiti não pede autorização ou

curadoria, ele ocorre como arte transgressora e marginal. Para tanto, a polícia,

vigilante do estado, está atenta para reprimir qualquer situação que afete a relação

dominante da política. Além do mais, os grafiteiros ainda sofrem preconceito da

própria sociedade. E é coerente o artista ter o sentimento de revisar o local antes e

verificar se não há nenhuma ameaça a sua integridade física e em sua atividade

artística. Como vimos em Freire (2016), os sujeitos acabam reproduzindo o discurso

do dominante pelas condições opressoras em quais eles estão inseridos, isso

implica dizer, que além da repreensão policial, outros cidadãos podem servir de

vigília do Estado.

Isso nos faz relembrar Foucault (2012) quando ele diz sobre os meios de

exclusão que determinados discursos sofrem na sociedade. Nem tudo o que é

pensado pode ser dito, pois ameaça as estruturas dos discursos dominantes que

regem no campo normativo. E por isso deve haver meios para combater qualquer

tipo de ação discursiva. Observemos as outras respostas:

LUA – R: eu pinto camisetas há oito anos e um ano atrás veio à vontade de

expor nas ruas as estampas das camisetas, ou seja, levar a arte para fora.

Comprei tintas e comecei pintar primeiro nos eventos e só depois fui para as

ruas.

AMARELO – R: comecei através de amigos que faziam pichação na

adolescência na cidade de Campo Grande em Mato Grosso do Sul.

NANA – R: eu comecei a trabalhar com lambe-lambe no final de 2015 e

Sticker Art até o final de 2016. Eu fiz algumas modificações na forma como

eu apresentava os meus lambes lambes, aproximando mais da exposição

de galeria, mais para o povo, o que eu acho mais interessante.

Nas respostas acima se pode observar à apropriação da arte para uma

manifestação no contexto de rua, mesmo ela sendo criminalizada, como é o caso de

Amarelo. Em Certeau (1994) tais apropriações podem ser lidas como as práticas

ordinárias do cotidiano. Onde os sujeitos comuns produzem a sua própria cultura

19

Confira mais sobre os confrontos nesse link: http://vaidape.com.br/2017/02/entrevista-com-pixador-sabot/

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numa necessidade em serem inseridos no seu espaço e história. Aprofundemos

esse assunto na pergunta a seguir:

3P – Qual a relação da sua arte com a sociedade e o sentimento de

liberdade?

JHON - R: Com certeza você tem coisas que não gosta na vida e quer

expressar aquilo. O quão seria legal se você pudesse se expressar naquele

lugar. Você precisa ter coragem para isso. Tomar a decisão de fazer isso e

ir. É uma experiência muito grande pra vida. Você aprende muita coisa.

Você quebra preconceitos com você mesmo. Você vê o mundo de uma

forma diferente. Então, eu acho possível o graffiti ser uma forma de

expressão. A rua, eu acho que é essencial para qualquer pessoa.

AMARELO – R: acho que de certa forma o meu trabalho acaba sendo uma

forma de entretenimento e manifestação artística, que proporciona reflexões

sobre a cidade e o próprio ser. Da realidade à fantasia.

LUA – R: o graffiti é uma forma de uma pessoa que mora na periferia se

expressar na cidade. Eu mesma encontrei na arte uma forma de me

comunicar com a sociedade. Ainda mais um meio que vivemos onde tudo é

tão corrido. A arte é melhor forma de chamar atenção pra algum

determinado assunto.

NANA – R: em 2016 eu fiz algumas modificações na forma como eu

apresentava meu lambe, isso se deu após o falecimento da minha mãe. Eu

me senti muito estagnada criativamente falando, porque minha mãe era

minha maior inspiração. E ela morreu do nada. Então eu comecei a pensar

novas formas de apresentar o meu lambe-lambe, em expressar a gratidão a

minha mãe, mas também a sociedade. É da sociedade e da comunidade

que eu vivo, tiro a inspiração e o desenho. Principalmente nas mulheres.

95% dos meus desenhos são mulheres. Mulheres cuiabanas, mulheres da

minha família e mulheres do meu convívio. Então eu decidi expressar uma

forma de gratidão. Vivemos num país, numa sociedade, que a apesar da

maior parte dos museus serem gratuitos e tudo mais, ainda é muito

estigmado que museu é para gente rica. A arte é pra gente rica. Sem

acesso ao pobre.

As quatro respostas convergem na importância da expressividade contida na

arte de rua, isto é, no papel exercido na inserção de identidades e expressão de

sentimentos. Vimos que todos os artistas destacam a rua como um espaço de

criação, de reflexão e inspiração. Isso retoma as práticas cotidianas pensadas por

Certeau (1994), onde os indivíduos através das maneiras de se comunicar podem

desenvolver novas mensagens. Nas quais problemas pessoais, sociais e políticos,

tornam uma arte expressa nas paredes públicas da rua. Essa bricolagem, também

pode servir para enfatizar naquele meio determinado discurso, o qual Foucault

(2012) consideraria como excluído.

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Em andamento com o resultado das entrevistas, a pergunta a seguir foi

realizada na intenção de compreender a pichação, visto que ela participa da cultura

de rua. Percebemos abaixo que cada artista de rua possui uma forma distinta para

falar sobre esse assunto. O que devemos destacar é que entre as falas há o

consenso de que assim como graffiti, a pichação faz parte do contexto da

manifestação de rua. Vejamos as respostas abaixo:

4P - O que você compreende sobre a pichação?

JHON - R: o pixo é diferente, mesmo sendo da mesma vertente do graffiti.

O graffiti e o pixo estão na mesma linha de expressão de rua, porém, cada

uma no seu quadrado. Eu até picho, mas não sou do movimento. Para um

cara ser pichador, precisa nascer lá e entender para saber. Esses que

picham só por pichar, só pra dizer que é pichador, não faz parte da essência

do pixo. Existe uma rixa entre pichadores se a pichação é arte ou não, mas

isso sempre vai existir, assim como existe no cenário da música ou como

formas de se expressar. Isso é do ser humano.

NANA – R: eu até enxergo a pichação como arte. Mas eu entendo mais a

pichação como manifesto. É uma forma de comunicação. Enquanto

comunicadora, eu vejo a pichação dessa forma. Enquanto pichadora, eu

também vejo a pichação dessa forma. Cada um tem seu estilo. O meu pixo

chega a ser fofo. Eu faço com a minha letra mesmo. E como eu fiz muita

caligrafia enquanto criança fica uma coisa meio bonitinha. Mas enfim, cada

um tem seu estilo. Tem coisas que, enfim, a gente precisa comunicar de

alguma forma pra não ficar dentro da gente. E eu utilizo a pichação pra

comunicar essas coisas. Mesmo que a pichação na verdade seja uma

pichação de uma música brega. Ela comunica algo de dentro do meu ser.

Nas respostas acima percebemos que a pichação revela uma maneira

diferente ao se mostrar na sociedade, no qual pode conter estilos diferentes em sua

composição. Mas em todos é possível denotar a finalidade de comunicação naquele

território. Em Foucault (2012) essas comunicações criadas em um universo

particular podem ser traduzidas em uma linguagem que participa de uma disputa de

discursos. Estes ocorrem dentro dos espaços sociais, no caso da pichação, em

espaços territoriais também. Enfim, sob uma leitura foucaultiana consideramos que a

pichação é mais uma forma discursiva produzida para contestar e/ou se expressar

humanamente.

Além disso, é importante destacar que a vontade da comunicação e da

produção de discurso, parte de um contexto de silenciamento que os jovens das

periferias são submetidos. É pela existência desses sujeitos e reflexão dos mesmos,

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que a cultura de rua20 surgiu. De acordo com Gohn (2011) os movimentos sociais

existem não apenas como um modo reativo as opressões que assolam o cotidiano,

mas também promovem práticas que refletem sobre as suas próprias experiências.

E como diria Sabotage, principal cantor de rap do movimento Hip Hop Nacional, “Se

há controversa dispare/ reage ou fique calado / Porque a cultura aqui é nossa/

Mexeu com nós é roça/ Rap é compromisso, é como o míssil que destroça/ É Cosa

Nostra, da favela abrindo a porta/ Só periferia que domina tal proposta”. Podemos

considerar que a juventude periférica, da favela, dos subúrbios, denuncia a opressão

e rompe com o silêncio.

Observemos as outras respostas:

LUA – R: Vejo como arte da mesma forma que o graffite. A diferença é a

estética. O picho geralmente é assinatura e símbolo e o graffiti traz

desenhos protestando algo ou trazendo amor, cores para cidade. Mas os

dois são proibidos.

AMARELO – R: eu não gosto quando acho de mau gosto, mas confesso

que gosto de algumas coisas e já fiz também. Até um graffiti que muita

gente aprecia pode ser classificado como pichação, se ele for feito sem

autorização prévia. E quando é denunciado por alguma pessoa, podendo

gerar muitos problemas para o grafiteiro.

Os artistas Lua e Amarelo apresentam similaridade em suas respostas ao

enxergarem a pichação como uma expressão artística de arte de rua, e que pode

ser vista como crime. Da mesma maneira quando o graffiti é realizado sem

autorização prévia. Tal similaridade retoma o que foi desenvolvido ao longo dessa

pesquisa, de que o graffiti ainda é pouco compreendido como arte e sofre

criminalização, tanto no âmbito normativo quanto social. Além disso, mesmo que

ambas as expressões passem pelo crivo da proibição, elas existem no que Certeau

(1994) denomina como táticas criadas para contrapor algo imposto como dominante.

Prosseguimos para a próxima pergunta:

5P - Você acha que o graffiti contribui em algo socialmente?

JHON - R: posso fazer uma flor dentro de uma mão, que tenha um

significado. Então aquilo vai fazer com que a tua cabeça pense numa

solução de resposta para você ficar confortável. Você vai olhar praquilo todo

20

É possível verificar essa informação no artigo “O negro drama do rap: entre a lei do cão e a lei da selva” de Bruno Zeni. Acesse: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000100020

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dia e se indagar „ah, já sei, aquela mão quer dizer que isso e aquilo. E

aquela flor, não sei‟. Então é essas coisas essenciais que eu vejo no

contato com as pessoas da rua, isso seja no graffiti ou no picho. É uma

ferramenta de espelho, isto é, de bate-volta. Isso é o essencial. Fazer

cutucar com aquilo que você sempre viu que estava branco. Essas coisas

são a maior experiência da rua e é por isso que está na rua, porque é onde

não existe a zona de conforto de ninguém.

A partir do relato de experiência do artista acima, vemos que tanto a pichação

quanto o graffiti estão na mesma situação, na qual não parte de uma comodidade.

Visto que eles estão no cenário urbano para problematizar e apontar a existência

das mazelas sociais. Dado a isso, são manifestações que causam desconforto, por

isso dado como uma arte reflexiva e transgressora. Vejamos os outros relatos:

LUA – R: Contribui muito socialmente. Em Cuiabá aconteceu o projeto “Hip

Hop Contemporâneo” no bairro Jardim Vitória. Nele ensinamos para os

alunos a técnica de grafite e os outros voluntários ensinaram o break, rap,

curso de DJ e locução de Rádio. São crianças sem acesso nenhum a esses

elementos. A ideia é socializar e ocupar nossas crianças com atividades

que não são ensinadas na sala de aula. Ocupá-las com arte e não deixa-las

nas ruas perto de drogas etc.

AMARELO – R: acredito que o graffiti muitas vezes valoriza e humaniza o

ambiente, tornando as pessoas mais felizes. Elas ficam mais integradas

com as artes em seu dia a dia, visto que muitas pessoas não podem ir a

galerias e espetáculos artísticos.

NANA – R: eu acho que o graffiti contribui muito socialmente. A arte de rua

em geral contribui, porque para frequentar uma escola de arte é caro. O

artista de rua não precisa passar por todos os estágios do artista tradicional,

porque a arte é muito cara. E isso acaba elitizando a arte, enfim, para mim a

arte de rua serve como uma forma de mudar um pouco essa história. Eu

acho que a parte mais bela é que nós estamos levando a arte para

população. Ela não ficará presa dentro da sala de um milionário, ou para

dentro de um museu que a maior parte da população não frequenta. Enfim,

o graffiti leva a arte para todas as pessoas, tornando-a popular e acessível.

Em unanimidade as respostas convergiram com afirmativa sobre o graffiti

refletir contribuições sociais. Mas cada artista trouxe diferentes informações para

conhecermos essa assertiva, entre elas, o uso do graffiti como ferramenta de

reflexão e humanização na cidade, também como meio educativo e de emancipação

para os jovens da periferia, e por fim, como meio de popularização da arte para a

sociedade.

Tais elementos levantados nas respostas acima auxiliam no compreender a

arte graffiti por uma perspectiva dialógica de educação em Paulo Freire (2016), na

medida em que ela possibilita uma arte humanizada e reflexiva. O graffiti criado

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surge de uma relação do grafiteiro com o seu meio. Aquela arte exposta ao

concreto, desperta nas outras pessoas uma vontade de assimilar o que foi projetado.

Esse processo gera uma reflexão espontânea sobre o que foi grafitado e por

consequência, novos significados. É sobre a arte graffiti ser feita para a interação na

sociedade e seus indivíduos, que enxergamos a dialogicidade de Freire. Sobretudo,

identificamos a educação popular sendo construída a partir da afetividade e

preocupação social dos artistas para com o envolvimento da sua arte com a

população. Ainda sobre os impactos sociais que o graffiti causa, observemos a

próxima pergunta e as suas referentes respostas:

6P - Você considera o graffiti como um meio de resistência? Por quê?

JHON - R: antes era muito mais fiscalizado, eu não vivi essa época de

quando era criminalizado. Eu vivi, digo, viver no exercer do graffiti, uma

época em que já tinha uma aceitação maior. O graffiti em si dos anos 90 e

80, era mais bomb, mais letra, era mais em lugares específicos. Hoje em

dia, chega o graffiti de várias formas, por exemplo, passo no meu trabalho

ou na lanchonete e de repente tem um graffiti lá dentro. Não sei qual que é

a expressão do graffiti hoje. Será que as pessoas entendem o graffiti como

uma forma de expressão ou técnica?! Ou só porque muita gente tem uma

lata de spray na mão já é considerado graffiti?! Há uma confusão. No meu

caso, eu vivo de uma forma relacionada ao que eu faço. Buscando sempre

ir a contra das coisas que pensei que eram certas. Eu não tenho

preocupação em propagar a minha arte, em questões de aceitação, eu faço

isso da minha vida e vendo meu trabalho na rua pra me manter. Geralmente

vendo quadros na rua para amigos que me conhecem, que conhecem a

minha vida. Não tenho muito interesse em participar de galeria e de todas

essas outras coisas de festivais. Acontece de eu participar, mas não é meu

caminho a percorrer. Eu acho que eu tenho que ficar aqui, com a rua. Eu

acho muito prazeroso, você se colocar acessível por tudo que é gente, por

tudo que é lado. Então a rua dá isso, onde lugares como galerias e

preocupações com exposições, não proporcionam esse acesso.

Na narrativa de Jhon, a rua é o seu local de labor, bem como, da sua

expressão de existência. A sua busca de ir contra as coisas que ele achou certo,

permite compreender que a sua forma de viver e de se relacionar com a arte de rua

foi e é construída a partir de um sujeito reflexivo e crítico sobre suas práticas, mas

que também resiste a arte convencional, dada como erudita e elitista. Essa

percepção assemelha com a de cotidiano em Certeau (1994), na perspectiva em

que a cotidianidade concreta se faz presente na memória do entrevistado. A sua arte

de rua está intrinsecamente ligada às suas práticas rotineiras e ao seu modo de

vivenciar o mundo.

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LUA – R: sem dúvidas, o graffiti é um meio para expressar. Não é só algo

estético e bonito. Por trás, a pessoa que fez, tem uma história e

sentimentos. Tudo isso é transferido para a arte. Então, eu vejo como um

meio muito forte de resistência. A arte no geral é uma ferramenta forte para

comunicação.

AMARELO – R: o graffiti é um meio de resistência desde seu surgimento.

Foi considerado como um ato marginal e mais tarde tratado como obra de

arte em galeria. Ele também é resistência por sua liberdade de expressar

ideias de diferentes conteúdos. Como sentimentos e revoltas que muitas

pessoas gostariam de falar, mas que não podem ser ouvidas.

NANA – R: é um meio de resistência do artista que não é rico, que não faz

parte da elite. É a voz do artista que representa a voz da sua comunidade. É

uma forma de levar o olhar do marginalizado. De que não pode ser artista

tradicional, como todo mundo conhece. Não só o graffiti, como a arte de rua

em geral. A arte geral é uma comunicação. A arte de rua especialmente

leva esse sentimento de resistência, de valores ligados a movimentos de

luta. No meu caso, o movimento feminista. No caso da minha parceira de

pichação, o feminismo negro. Enfim, é uma forma de esfregar na cara das

pessoas que as nossas lutas existem. Por mais que elas não queiram nossa

existência. Digo isso enquanto mulher não branca.

Nas três respostas acima conhecemos o graffiti como um meio de resistência

através de um uso de comunicação, onde é utilizado como forma de expressão

estética e social. Lembremos mais uma vez a disputa de discursos em Foucault

(2012), na qual em Certeau (1994) a vontade da comunicação do povo em assimilar

a sua autonomia de fala e saber na recriação de seu meio traz um olhar de

ressignificação e ao mesmo tempo de resistência. Pois mesmo o povo sofrendo

medidas de uma sociedade de exclusão, recria no seu cotidiano novas linguagens e

formas de relação que participam de uma cultura popular. Contudo, chamamos

atenção para o relato da artista de rua Nana, que traz em sua fala a questão de

gênero e racial. Para compreendermos essas temáticas, buscamos Carneiro (2003),

na qual ela relembra que as mulheres negras, além da luta pela superação do

sexismo, precisam romper com o silenciamento, invisibilidade e estigmas que os

seus corpos sofrem. A pensadora aponta que para romper com essa opressão, é

necessário haver um feminismo negro que dê contas dessas particularidades que

afetam essas mulheres. Além disso, essa é uma via de movimentação política

oferece a mulher negra o seu papel legitimo de novos sujeitos políticos, que está

engajado numa luta antirracista no Brasil, contra o sexismo e atuante nas questões

que assolam as suas vivências. Ainda sobre isso, Carneiro, diz que atentar-se as

demandas específicas é afirmar que existem diversos grupos com diferentes

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necessidades, como a de mulheres indígenas. Essas particularidades não devem

ser olhadas sob uma única óptica de compreensão sócio-político. Devemos ampliar

a concepção e o protagonismo do feminismo.

Dado a essa discussão sobre o papel da mulher negra nos movimentos

sociais, interpretamos que Nana, utiliza da sua arte para denunciar os problemas

sexistas e racistas presentes num contexto cultural machista e racista. Ainda mais,

por ela vivenciar essas mazelas no seu cotidiano. Ainda sobre cultura, o contexto da

arte de rua em Cuiabá é avaliada de forma positiva pelos entrevistados no quesito

de sua produção, mas há considerações diferentes que podemos observar nas

respostas abaixo. Vejamos:

7P - Como você avalia a cena da arte de rua em geral em Cuiabá?

JHON - R: boa parte pela propagação do graffiti além dos artistas de Mato

Grosso, foram os eventos culturais que vieram crescendo pela cidade, como

sarau, movimentos em festivais, em praças públicas. Isso difundiu e teve

mais acesso para outras pessoas verem o graffiti e esses movimentos pela

cidade. E acho que Cuiabá tem uma abertura muito boa para esse tipo de

expressão artística, até pelo peso cultural que existe na cidade pelos

artistas dos anos 60 e 70, que teve propagação tanto nacional quanto

mundial, vindo de Cuiabá. Também teve muitos murais pintados por artistas

consagrados, como Sodré, Gervane de Paula e vários outros que eu

poderia citar. Acho que a cidade tem uma abertura diferente. Já aceita um

pouco mais. Mas tem o outro lado da moeda também. Ainda há uma

repressão muito grande. Hoje, há outros artistas à frente no graffiti em

Cuiabá que fazem expandir o nome da cidade nessa vertente artística pelo

Brasil inteiro e por questões muito boas e de visões políticas atuais.

No momento em que o artista Jhon menciona a existência do outro lado da

moeda por tanta abertura, compreendemos essa afirmação em base da entrevista

completa, que talvez ele se referir numa possível perda de identidade da própria arte

de rua, da mesma forma como pode se referir a vulnerabilidade dos artistas à

censura policial.

LUA – R: então, em Cuiabá agora que galera está saindo mais para grafitar

nas ruas. Comparando a outras cidades acho Cuiabá tranquila ainda.

Na resposta da artista Lua é possível perceber que há um novo momento no

cenário da arte de rua, onde as pessoas estão cada vez mais se abrindo para a

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prática do graffiti. Mas que ainda estamos com poucas produções de arte de rua

com representatividade local.

AMARELO – R: acredito que a cenário está muito bom, apesar dos problemas para aquisição de material e dificuldades que novos artistas sofrem para manifestarem as suas artes. Mas apesar disso, enfrentam as dificuldades e se esforçam para tornar a cidade um lugar melhor, mais colorido e bom para se viver.

A partir da resposta acima, entendemos que os problemas em adquirir

materiais correspondem especificamente às latas de spray e demais acessórios.

Observando que na capital existe pouca variação de tintas em aerossol com a

finalidade artística. Em relação às dificuldades que os novos artistas sofrem, é

possível compreender a partir do mesmo ponto levantado por John no relato

anterior, a condição da repressão social. Percebemos nas entrevistas que mesmo

havendo a lei nº12408 abordada no início dessa pesquisa, ainda há uma

criminalização social da manifestação do graffiti como produção artística. Ou seja,

mesmo havendo uma regra normativa que tal arte possa ser trabalhada no espaço

urbano sob autorização do proprietário do imóvel, ainda há muitas incompreensões

e preconceitos por parte da sociedade sobre a arte graffiti. Sobretudo, porque ela é

inata de uma cultura marginalizada, que sempre se inscreveu na marginalidade,

independente da alforria das autoridades. Vejamos os próximos relatos:

NANA – R: enxergo cenário da arte de rua na baixada cuiabana de forma frutífera, onde surgem cada vez mais novas pessoas. Mas ainda é um cenário extremamente masculinizado. Mais voltado para homens. Porque falta a união entre as artistas mulheres. Por vários motivos. Eu mesma não faço graffiti porque me sinto insegura. E quando digo insegura, não é insegura pela minha arte, porque eu sei que ela tem valor. Eu me sinto insegura de segurança, de sobrevivência. Eu não vou sair de noite para grafitar, pois sei dos riscos que as mulheres sofrem só pela condição de serem mulheres. A arte de rua, infelizmente assim como o designer, assim como a cidade, assim como quase tudo no mundo, ela foi criada para o homem. Às vezes eu sinto tudo isso quando estou mais pra baixo, porque eu acho que a arte de rua ainda não é um modo perfeito para mulher se expressar. Qual modo seria esse? Eu ainda não sei.

Na fala de Nana, é possível conhecermos a presença do machismo no

cenário de arte de rua em Cuiabá, tendo em visto que a artista enxerga as suas

dificuldades para a realização do graffiti nas ruas cuiabanas através de uma

perspectiva de questão de gênero. E de fato, essa preocupação é relevante. Quando

há produção de manifestação artística nas ruas ou em algum evento público é

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comum à abordagem de homens nas artistas com assédio e até mesmo com

comentário desvalorizando o trabalho delas. Fora que, em Cuiabá, a popularidade

do graffiti com as mulheres não possui uma dimensão forte ao ponto de outras

mulheres se encontrarem e fortalecerem nos percursos urbanos. É muito comum ver

homens organizados enquanto artistas, já com as mulheres isso não se faz

presente.

De acordo com Leal (2012) em seu trabalho sobre desigualdade de gênero

sobre as mulheres artistas do século XXI, ela apresenta dados que demonstram as

desigualdades e dificuldades que a mulher tem vivenciado na trajetória social e

artística durante séculos. Como hipótese, ela propõe a existência de políticas

públicas voltadas para as mulheres artistas, a fim de que elas se insiram de forma

igualitária em relação aos homens no cenário cultural. Dado a isso, compreendemos

a discussão que Nana aborda sobre questão de gênero na arte de rua, através de

Leal, na qual irá dizer que é preciso refletir sobre essa temática, valorizar mulheres

artistas silenciadas pela cultura patriarcal e valorizar as que estão vivenciando no

presente século com a arte.

A cerca das experiências relatadas por cada grafiteiro, afirmamos que o

graffiti faz parte da arte de rua, como meio engajado com organização social. Na

qual, parte da intenção de denunciar as mazelas sociais, refletir sobre a própria

experiência e revigorar o espaço urbano através de uma estética marginalizada.

Também percebemos que o graffiti, bem como, todos os tipos de arte de rua citadas

pelos grafiteiros, possuem práticas educativas, pois promovem a oportunidade do

sujeito oprimido, novas condições de se enxergar dentro da cidade. Essa nova ótica

ocorre pelo desejo de transformação social e por uma via dialógica, pois a arte de

rua necessita da interação do outro para fazer sentido. Em suma, concluímos que os

artistas de rua enxergam a arte de rua para canalizar o desejo de mudança do

estado de opressão para libertação. E que essa produção artística constitui para

mais uma prática de cultura popular desenhada por sujeitos afetivos, que desejam

humanizar os espaços urbanos e suas respectivas relações cotidianas.

Em sequência do roteiro de entrevistas, prosseguimos com os relatos de

experiência das educandas no tópico a seguir.

GRUPO DOIS: EDUCANDOS DO COLÉGIO CURIOSIDADE

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As educandas entrevistadas – Jujuba, Naju, Najara e Nah – participaram de

uma atividade interdisciplinar entre artes e filosofia com a arte graffiti no Colégio

Curiosidade. Essa atividade passou por duas fases, na primeira, os educandos do

8ºano pesquisaram e apresentaram trabalhos sobre arte graffiti nas aulas de artes, e

em seguida, realizaram uma oficina de dessa arte dentro do espaço escolar com a

professora de Filosofia, que é a pesquisadora em questão. Como já foi mencionada

no início da pesquisa, a metodologia utilizada é pesquisa-ação, pois a pesquisadora

está inserida no campo investigado. Dado a isso, a inserção da pesquisadora nesse

grupo de entrevistados, está como uma educadora participante na atividade com a

arte graffiti, bem como, de intermediadora. Como também existe há ligação com a

arte de rua, a pesquisadora-educadora durante a atividade explicou como deveria

ser manuseado os sprays e tintas para compor o graffiti. Dessa forma, as

experiências aqui relatadas são de duas educandas parte do mesmo contexto

educacional, mas que apresentam informações e vivências distintas sobre a

atividade realizada dentro do Colégio Curiosidade. Vejamos a primeira pergunta:

1P - O que você compreende por arte de rua?

JUJUBA – R: Eu acho que a arte de rua não é só o que a gente vê nela. Por exemplo, graffiti e pichação, especialmente porque são artes que a gente sempre vê. Mas eu acho que a dança também, porque trabalhamos isso na aula de artes. Enfim, a arte de rua é um pouquinho de tudo.

NAJU – R: é as pessoas se expressando em forma de arte nas paredes. São as pessoas saindo para a rua com o objetivo de se expressar com arte. Por exemplo, no que elas sentem. E a arte de rua acontece na rua porque deve ser um modo para todas as outras pessoas verem.

NAJARA – R: quando me falam de arte de rua, eu penso muito em artes que foram criadas na rua por pessoas de certa região. Elas foram para rua e começaram a criar um tipo de arte. Por exemplo, o hip hop.

NAH – R: eu acho que arte de rua é toda e qualquer mensagem ou desenho passado e feito nas ruas mesmo, ao longo das cidades.

Nas narrativas acima, percebemos que todas as educandas demonstraram a

assimilação de arte de rua como uma produção artística manifestada nos espaços

públicos da cidade. É interessante avaliar esse conhecimento, pois provavelmente

ele se dá pelas experiências fora da escola. Elas reconhecem a arte de rua na

própria rua. Isso se dá pela observação atenta das estudantes, mas também, pela

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característica da arte de rua afetar todos em sua volta. Queira ou não. Em algum

momento os olhares esbarrarão nas cores e frases.

2P - Qual o significado do graffiti dentro da escola?

JUJUBA – R: quisemos passar para todas as idades que não é diferente ser diferente. Todo mundo está ali. Cada um com as suas características. Não é relevante a cor da sua pele ou o jeito que é seu nariz. Nós desejamos mostrar isso tanto para os pequenos quanto para os maiores.

Na narrativa acima, a educanda demonstra o cuidado com a criação artística

de modo que seja entendida por todos os outros educandos da escola. Isso nos

relembra Paulo Freire (2016), quando o autor trata sobre a afetividade que uma

educação humanizada precisa haver no meio pedagógico. A educanda estar

preocupada na reflexão que aquele graffiti geraria, apresenta que houve em seu

meio um processo de ensino-aprendizagem significativo. A sua experiência com a

arte de rua foi construída através de uma reflexão ativa. Também percebemos a

presença de um discurso racial, onde a educanda demonstra o interesse em

proporcionar no ambiente escolar a importância das diversidades étnicas existentes

na sociedade, com o propósito de serem valorizadas desde as crianças pequenas

quanto aos adolescentes do grupo estudantil. Vejamos as próximas narrativas:

NAJU – R: as diversidades das pessoas. Tem pessoas negras e pessoas de cabelos enrolados. Mostra para as outras pessoas que não é todo mundo que tem cabelo liso. Ter cabelo enrolado também é muito bonito. Talvez até mais bonito. E a frase que colocamos no graffiti, fala sobre racismo. O tempo que as pessoas perdem ao ficarem se importando com a cor de pele e não se importa pelo o que a pessoa é de verdade.

NAJARA – R: eu acho que a nossa arte representa principalmente a diversidade. A arte que a gente faz no graffiti tem que ter um pouquinho da gente. E eu acho que teve muito de nós nessa arte, porque a nossa turma em geral sempre foi contra qualquer tipo de preconceito. E naquele graffiti tão diversificado e lindo, nós colocamos muito de nós.

NAH – R: fizemos sobre o racismo. Foi uma forma de passar uma mensagem e de falar sobre esse assunto. Foi muito importante e um modo nosso de se expressar.

Percebemos que a educação humanizada identificada na narrativa da

educanda Jujuba foi partilhada pelas demais educandas. Esse dado significa para a

nossa pesquisa uma contribuição positiva numa perspectiva de uma experiência

pedagógica emancipadora com a arte graffiti. Visto que em Paulo Freire (2016) a

educação dialógica, a educação para a liberdade, permite que os educandos se

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expressem a partir das suas mediações com o mundo, isto é, como eles o

enxergam. E como vimos nas diferentes narrativas, as educandas construíram uma

arte com sentimento de autonomia na intenção de manifestar uma mensagem ao

ambiente escolar, que despertasse reflexão acerca do racismo e da diversidade

étnica. Analisemos a próxima pergunta:

3P- Você gostaria ter mais experiências com a arte de rua dentro do espaço escolar? Por quê?

JUJUBA – R: com certeza sim, porque eu acho que é uma coisa que a gente se sentiu. Não é uma percepção só minha, mas da turma inteira. Sentimos livres mesmo, sabe. Para poder se expressar na escola. Entramos em conjunto um consenso sobre o que fazer. Foi uma experiência muito boa. Pensamos na gente fazendo aquilo e quem veria aquilo. Eu gostaria mais de trabalhar isso na escola. Foi uma coisa relevante. Para todas as pessoas envolvidas. É importante e é uma maneira da gente se expressar da nossa forma.

NAJU – R: eu gostaria de ter mais experiências, porque eu acho legal mostrar coisas diferentes para os alunos. Não ficar só em pintura em tela.

NAJARA – R: sim, eu gostaria muito na verdade. Porque não só o graffiti, mas a dança de rua, o HIP HOP. Nossa, seria muito bom ter isso na escola. Por exemplo, na aula de artes nós nunca falamos nada sobre a arte graffiti. É uma coisa muito fechada, apenas tela todo o ano todo.

NAH – R: sim, além de ser uma coisa divertida, é uma forma de expressão. Eu acho que isso é uma coisa muito importante para mim.

A partir das narrativas acima verificamos o sentimento de liberdade

vivenciado pela educanda na atividade com a arte graffiti em consonância com o

desejo de se expressar mais vezes de forma autônoma e livre no seu ambiente

escolar. Mas destacamos o comentário de Naju e Najara ao se referirem de forma

negativa às aulas de artes do Colégio Curiosidade. Entendemos essa questão por

meio de Paulo Freire (2016), quando ele diz sobre a educação bancária, aquela que

é depositada para os educandos, de forma passiva, sem reflexão. Isso significa que

para as educandas as aulas de artes, em específico, as pinturas em tela, não

trouxeram um aprendizado verdadeiro. Elas repetem a dinâmica da aula sem o

interesse relevante. Diferente da atividade com a arte graffiti, na qual elas se

sentiram envolvidas na ação pedagógica trabalhada dentro da escola. Ainda sobre

aprendizagem, observemos a próxima pergunta:

4P - Você acredita que podemos conhecer e aprender as coisas do mundo através da arte de rua? Como você sabe disso?

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JUJUBA – R: sim, por experiência, de estar lá e de estar ouvindo. No nosso caso, a gente teve você, que estava lá explicando como era feito. Nós guardamos muito aquilo. Também tivemos trabalho escolar na aula de artes para falar sobre o graffiti. Eu acho que isso não foi tão legal, porque não tivemos aquela parte prática. Sabe? Foi mais uma coisa teórica, onde tivemos que apresentar um trabalho. Mas foi legal para aprendermos sobre as pessoas que fazem graffiti, na forma que elas trabalham e como buscam para se expressar.

Na narrativa acima, vemos que a atividade com a arte graffiti foi trabalhada de

forma interdisciplinar, na qual poderíamos enxergar, através da concepção teórica

de Paulo Freire (2016), a união de duas áreas distintas para trabalhar um mesmo

assunto. Isso reflete uma educação interdisciplinar que foi pensada e

contextualizada para acontecer no ambiente escolar. Vejamos as outras narrativas:

NAJU – R: a gente pôde conhecer o que as pessoas pensam e aquilo que estão sendo expresso do mundo. Elas expressam o que elas estão achando sobre ele. Mas eu não vejo uma arte de rua falando tipo „x é igual a tanto‟, matéria de escola, essas coisas acho que não.

NAJARA – R: com certeza, porque tipo, quando a pessoa faz qualquer tipo de arte, a pessoa está se expressando. Então a gente está conhecendo a pessoa e a realidade dela, entendeu? O que é muito da hora! Isso é muito bom.

NAH – R: na arte de rua, tem desenhos que eles são feitos mais para estética mesmo. Mas a maioria, eles querem passar uma mensagem. Por exemplo, a pessoa que fez a arte está insatisfeita com alguma coisa e ela expressa isso através do desenho ou de uma frase. Isso é uma forma de aprender sobre o que ela está sentindo.

A partir dos relatos acima verificamos o potencial educativo que a arte graffiti

traz ao ser tratada como uma produção estética que possui um conteúdo

epistemológico e requer reflexão para ser entendido. O ato dos educandos

perceberem o significado da arte através de suas experiências nos remete

novamente ao que Paulo Freire (2016) denomina como uma educação ativa, na qual

faz sentido para os educandos não apenas no seu meio escolar, mas em suas

vivências em geral. Vale ainda destacar sob a ótica “freireana”, que o olhar da

educanda Naju sobre a impossibilidade do graffiti trabalhar disciplinas da escola

formal, se relaciona com a sua vivência de uma educação bancária. Na qual se

encontra no modelo de uma escola tradicional, onde os educadores ocupam um

papel de reproduzir conteúdos para os educandos, e estes por sua vez, receber

esse ensino sem serem atores de sua própria aprendizagem.

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5P - O que você aprendeu com a experiência trabalhar uma

arte de rua (o graffiti) para dentro da escola?

JUJUBA – R: a minha sala conseguido entrar em um consenso sobre o que falar através da discussão e também pelo fato da pensarmos sobre as outras pessoas que veriam a arte. Então foi um pouco de tudo. Até como as pessoas trabalham para fazer o graffiti. E por fim, que ele tem sentido.

NAJU – R: na experiência que tivemos na escola de fazer o graffiti, eu aprendi a manusear o spray. Achei legal e bem difícil. Tipo, controlar o jato. É bem dificinho mesmo. Aprendi também em sala de aula que muitas pessoas criticam o graffiti. E que ele mostra as coisas do mundo, como a desigualdade social e o racismo.

NAJARA – R: eu aprendi que o graffiti é muito mais do que simplesmente ir lá, pegar o spray e começar a fazer um monte de rabisco. Entendeu? Tem toda uma coisa por trás. As pessoas acham tão simples e querem criminalizar. Tá ligado? É uma arte muito maravilhosa. E quando tu tá fazendo, você tem que colocar um pouco de ti naquilo. O graffiti é muito mais o que as pessoas acham normalmente o que é.

NAH – R: eu achei muito legal. É uma pequena manifestação. Na aula de artes a gente já tinha comentado sobre a arte graffiti, mas foi estudado bem por cima. E eu nunca tinha feito. Isso foi uma experiência nova e marcante, porque além de ter diversão, a gente também pôde passar uma mensagem através do desenho.

As narrativas acima apresentam similaridades no eixo de conceber uma

prática escolar “freireana”, na qual possibilita uma pratica educativa emancipadora e

interdisciplinar. Mas, especialmente, que desenvolve autonomia aos educandos e

uma percepção crítica-reflexiva da sociedade. Ainda sob essa perspectiva educativa

de Paulo Freire (2016) compreendemos a experiência com o graffiti para os

educandos, uma arte humanizadora que permite tematizar assuntos sociais, bem

como, promover a problematização.

A próxima questão é importante para a presente pesquisa, no intuito de

conhecer quais outras manifestações artísticas as educandas identificam como arte

de rua. Esse conhecimento é interessante para a compreensão da entrevista

completa com as educandas sobre a experiência das mesmas com a arte graffiti.

Observemos abaixo as respostas:

6P - Quais tipos de arte de rua você conhece?

JUJUBA – R: uma dança com latas, a capoeira, o graffiti e a pichação. E junção do graffiti com pichação, o Grapixo. Acredito que só, sabendo desse jeito por nome.

É muito valorosa a perspicácia da educanda, de incluir a capoeira como parte

da cultura da arte de rua. Tal menção trouxe uma reflexão pessoal na pesquisadora

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sobre a origem da capoeira e como ela se estende atualmente. E se olharmos por

um viés de Certeau (1994), a resposta da educanda faz todo sentido, visto que a

capoeira é uma prática de resistência criada pelos africanos escravizados contra a

opressão e violência dos colonizadores portugueses.

NAJU – R: Graffiti, Funk, Hip Hop e o Rap.

NAJARA – R: Hip Hop, Rap, Graffiti. Quando falam para mim de arte de rua, eu penso também em Pichação. Mas enfim, não sei.

NAH – R: Eu só conheço o graffiti. E a pichação, mas não sei se ela é arte.

Na mesma perspectiva que Certeau foi citado anteriormente, utilizamos a sua

concepção de práticas cotidianas para compreender o Hip Hop, Rap, Funk, e

Pichação. São manifestações oriundas da cultura de rua, criadas por sujeitos

comuns, que criaram novos significados e símbolos estéticos em seu dia a dia.

Analisemos a próxima pergunta e narrativas:

7P - Se você pudesse deixar uma mensagem a todos os grafiteiros de Cuiabá e a todos os professores que trazem para dentro da escola experiências com a arte de rua, o que você diria?

JUJUBA – R: eu diria para não terem receio. Há muita gente criticando. E isso vale muito para os grafiteiros, de rua mesmo. Aqueles que são chamados de vagabundos e ouvindo que não sabem o que estão fazendo. Mas tem um sentido. Os grafiteiros fazem críticas. Eu acho eles incríveis. Eu realmente acho. Não tenham receio, continuem fazendo. E aos os professores, que seja que nem você mesmo, que tomaram essa atitude. Porque foi muito legal para todos nós.

NAJU – R: eu falo para os grafiteiros e professores que eles continuem, porque é muito bom. Eu gostei da experiência na escola. E eu acho muito bonito. Eu acho que os grafiteiros devem continuar. É uma arte que mostra a realidade, que mostra tudo do mundo. Não tem porque os grafiteiros serem criminalizados pelas artes deles, eles não estão fazendo nada de errado. E os professores devem continuar trazendo arte de rua para escola. E aqueles não trazem deviam trazer, porque é um jeito dos alunos se expressarem e deles conhecerem outras realidades. Fazer o graffiti dá maior liberdade, podemos expressar nossa identidade na escola.

NAJARA – R: para os grafiteiros, não pararem, por favor. Pode não parecer, mas faz toda diferença. Por exemplo, quando alguém tá estressado no trânsito, olha pra sua arte e para. Tiram uns minutos para refletir sobre a sua arte. Além de deixar a cidade mais bonita, né? Para os professores, bom, alguns não têm ideia da diferença que fazem para as pessoas, crianças, adolescentes da escola. Só que é muito importante. Tem pessoas que nem sabe a diferença entre graffiti e pichação. Eu mesma não sabia a não ser pela minha irmã eu também não saberia. E saber sobre isso é extremamente importante. Antes de eles virarem adultos e ficarem julgando as pessoas, tem que conhecer um pouco. Mas para aqueles que já fazem isso, primeiro, obrigada, né?! E segundo, eu falo por quase todos que vocês

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marcaram positivamente nossas experiências. Eu particularmente, eu não tive nada com o graffiti. Não tinha tido nenhuma experiência se não fosse essa com a professora Alana. Isso foi um marco muito positivo pra mim. Então, obrigada.

NAH – R: eu falaria para continuar, porque eu acho um movimento muito bacana e movimento de muita força. Eu acho que ele carrega muita coisa, não simples desenhos ou mensagens. Tanto pra fora quanto pra dentro da escola, o graffiti é uma coisa muito legal. Eu admiro bastante. Porque dependendo do assunto ou uma mensagem que você quer passar, você pode fazer o aluno, ou até mesmos os pais e professores, receber uma mensagem sobre um determinado tema. Pode ser preconceito, homofobia, racismo, fascismo, tanto faz, depende do tema que você escolher fazer. E eu acho que isso pode ajudar o aluno a criar uma visão diferente sobre alguma coisa. Ter uma visão diferente de mundo.

Notamos que as narrativas acima avaliam o contato com a arte graffiti dentro

da escola por um viés educativo, no qual reconhecem a necessidade de ter mais

experiências onde educandos possam se expressar e exercer a sua autonomia e

liberdade no processo de ensino e aprendizagem. Verificamos também a relevância

que a presente pesquisadora ocupou como educadora para esses estudantes, pois

vemos atribuições positivas relacionadas ao seu papel de promover para dentro do

ambiente escolar, uma atividade artística que possibilita os estudantes de

manifestarem e refletirem sobre as suas experiências no mundo. Percebemos

também nas referências para os grafiteiros, o olhar solidário, mas crítico das

educandas ao deixar-lhes uma mensagem de incentivo e respeito. Por fim,

examinamos que o graffiti pode promover conhecimentos de visões diferentes sobre

determinado assunto no meio escolar. Através disso, compreendemos que essas

últimas narrativas deixam-nos pistas sobre o papel educativo que o graffiti pode

ocupar no que entendemos como uma educação libertadora dentro da escola em

Paulo Freire (2016). Isto é, o graffiti se faz possível ser parte de uma experiência

libertadora e emancipadora dentro do meio escolar. Mesmo sabendo que a natureza

artística do graffiti é transgressora e marginal e a escola participante de um projeto

político institucional, que visa atender as ordens da ideologia capitalista e opressora.

Porém, através das nossas leituras realizadas nessa pesquisa e a partir das

experiências escutadas dos entrevistados, vemos que há meios e estratégias da

comunidade escolar e seus envolvidos, trabalharem práticas autônomas, dialógicas,

emancipadoras e transformadoras. No nosso caso, entre uma pluralidade de

possibilidades pedagógicas, tratamos a arte graffiti como proposta de educação

popular para ser trabalhada no meio escolar. Provavelmente não na medida em que

gostaríamos, devido as estruturas dominantes que nos assolam, mas ao mesmo

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tempo, não justifica a ausência de resistência e criação de alternativas que podem

possibilitar aprendizados significativos. Se partirmos de uma educação inspirada em

Paulo Freire, mesmo as nossas condições materiais estarem pautadas numa

relação de exploração e dominação, se deve enquanto pesquisadores-educadores

procurar, assim como a própria arte graffiti propõe, a transformação e humanização

dos nossos meios sociais. Que ao menos no mínimo, a escola, seja para os

estudantes o espaço que eles possam se identificar, representar e explorar

investigações sobre as suas vivências do cotidiano.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa de dissertação de mestrado assumiu como objetivo

proporcionar ao campo da educação um objeto de investigação pouco explorado: a

possibilidade de a arte graffiti contribuir como proposta pedagógica dentro do

ambiente escolar. Assim como, de compreender essa arte de rua em seu

desenvolvimento estético, histórico, educativo e seus respectivos impactos sociais

no cenário urbano. Para tanto, esta investigação apoiou-se em materiais que

possibilitaram entender o processo de criação e político da arte graffiti e das

possibilidades de como ela pode ser trabalhada como uma experiência educativa de

caráter emancipatório dentro do ambiente escolar.

A pesquisa realizou-se em primeiro lugar como um estudo qualitativo sobre o

desenvolvimento da arte graffiti na sociedade, observando-a como foi dado o seu

surgimento, o seu desenvolvimento no Brasil e como é vista no contexto normativo e

social na atualidade. Além de compreender tal arte numa abordagem filosófica a

partir de distintos autores que viabilizam uma leitura reflexiva entre suas correntes

teóricas ao o objeto investigado. Como visto,

em Michel Foucault utilizamos a obra “A ordem do discurso” para verificarmos

a existência de narrativas estéticas produzidas a partir das grafitagens, onde foi

emitido um conjunto discursivo direcionado à sociedade. A produção material

construída pelos grafiteiros, a partir de Foucault, possibilita entendê-la como parte

de um jogo de interesses sociais e políticos que envolvem o desejo de poder e

direito de fala. Já em Certeau, foi possível estabelecer uma nova compreensão

sobre as inscrições grafitadas, considerando-as como parte de uma cultura ordinária

que se reinventa cotidianamente, cujo caráter se traduz em cunho popular e símbolo

de estratégia de resistência dentro do espaço urbano.

Em seguida, utilizamos Paulo Freire em sua concepção de educação como

prática libertadora para compreender se os momentos pedagógicos a arte graffiti

pode ser considerada como uma prática emancipadora no ambiente escolar. Para

isso, olhamos com atenção os caminhos teóricos percorridos na Pedagogia do

Oprimido, os quais permitiram verificar o conceito de dialogicidade presente nas

inscrições grafitadas. Isto na perspectiva em que o graffiti se insere como uma arte

de rua que necessita ser apreciada pelo outro para ser compreendida. Esse

processo artístico necessita ser olhado, sentido e refletido. Além do mais, o graffiti

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se insere nos espaços urbanos para ser visto por todos, sem distinção de público.

Em suma, compreendemos o conceito de dialogicidade através de uma leitura

“freireana”, na qual entendemos que a arte graffiti está aberta ao diálogo, pois ela

democratiza o seu acesso e permite uma relação humana e educativa com todos

que circulam em sua volta.

Na continuidade da pesquisa, ocupou-se por último o desenvolvimento

qualitativo e empírico através da prática de pesquisa-ação sobre a arte de rua, em

especial o graffiti. Essa investigação ocorreu com dois grupos: grafiteiros locais e

educandos que vivenciaram tal arte dentro da escola. A partir das entrevistas,

conhecemos dimensões políticas e culturais envolvidas no graffiti, bem como, as

relações sociais que a arte de rua em geral estabelece com a cidade. Também

conseguimos verificar a partir de uma leitura das entrevistas com os grafiteiros e

educandos, a presença do fenômeno discursivo e cotidiano envolvido na arte graffiti

e de como ela pode se projetar numa perspectiva educativa na escola.

Com os artistas de rua foi possível perceber a legitimidade que a arte

proporciona como forma de expressão estética, assim como, a denúncia às mazelas

sociais. Ainda foi possível verificar a ligação social que a arte graffiti carrega dentro

da sociedade, desde seu convite à reflexão social para uma educação informal,

onde para os entrevistados significa uma oportunidade de canalizar sentimentos e

angústias nas construções urbanas. E, sobretudo, uma preocupação dos mesmos

em estar junto de um movimento de arte popular, em que o graffiti seja acessível

para toda população. Para a pesquisadora deste trabalho esse dado revela ainda

mais o traço de uma arte humanizada e dialógica que o graffiti em seu contexto de

rua.

Nos resultados coletados a partir das entrevistas das educandas, vale

destacar que foi possível perceber que a arte graffiti oferece uma nova via educativa

de problematização e críticas aos problemas políticos e sociais da cidade, assim

como, oportunizar um meio afetivo das educandas ao se apropriarem do seu espaço

escolar através da manifestação artística referida.

Também foi constatada a necessidade das alunas entrevistadas a terem mais

experiências que envolvem outras formas de expressão, não apenas com a arte de

rua. Por fim, devemos destacar que é a partir do grupo das educandas, que

conseguimos enxergar o graffiti como uma ferramenta pedagógica no espaço

escolar, por via educativa emancipadora. Percebemos junto com as entrevistas

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realizadas e a observação prática da atividade, o aprendizado significativo

construído junto aos educadores. Constatamos que a arte graffiti pode ser uma

prática libertadora dentro do ensino formal de aprendizagem, isso significa que

podemos explorá-la como um meio interdisciplinar de aproximar o educador ao

educando de forma humana e verdadeira. Dado a isso, afirmamos que é possível a

arte graffiti servir como ferramenta pedagógica no meio escolar.

Em síntese, a partir das práticas da arte de rua subsidiados pelas teorias dos

autores da pesquisa, apropriamo-nos da história oral e mediante entrevistas

realizadas conseguimos compreender que o graffiti é uma arte de resistência, pois

desde sua criação foi feita para contestar discursos da classe opressora. É uma arte

popular, pois é produzida por uma cultura de rua, em especial aos interesses

daqueles que sofrem as mazelas sociais causadas por uma estrutura econômica

pautada na desigualdade e exploração da força de trabalho. É uma arte

humanizada, pois tem a dialogicidade e afetividade para aqueles que a compõe e

para os outros que a apreciam. E por fim, é uma arte educativa, que desperta

reflexões através de suas intervenções urbanas e também pode ser utilizada como

ferramenta pedagógica dentro do espaço escolar, uma vez que ela pode facilitar o

aprendizado dos educandos.

Há muitas reflexões e investigações a se fazer sobre a arte graffiti, em

especial na perspectiva em compreendê-la como parte de uma criação cultural de

resistência às imposições sociais dominantes. Sobretudo também, por sua natureza

criativa e subversiva. Afinal, compreender uma arte urbana que transita pelo crivo

normativo de legalidade e pela apreensão de legitimidade como cultura popular, nos

traz uma gama de reflexões sobre as reinvenções cotidianas de nossa cidade.

Dessa forma, consideramos que essa pesquisa contribuiu para refletirmos sobre

inscrições grafitadas que nos cercam nos espaços urbanos, mas entendemos que

há muito a ser estudado e investigado. Esperamos dessa forma, não só cooperar

nas reflexões acerca da cultura de rua, como estimular outros pesquisadores a

investigarem nessa temática tão vasta e rica.

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GLOSSÁRIO

Arte de Rua Todo tipo de arte produzida no cenário urbano, predominante criado em

periferias e subúrbios da cidade.

Graffiti Desenhos ou rabiscos realizados nos muros da cidade, através de spray e

outros materiais para a sua criação. Popularmente as pessoas reconhecem o

graffiti apenas como desenhos coloridos, mas há outros meios de sua

produção, como stêncil, lambe-lambe, grapixo. O graffiti é utilizado para

transmitir mensagens no espaço público e é comumente usado como uma

arte de protesto social.

Grapixo É uma vertente do graffiti, que mistura a pichação com o graffiti. O resultado

geralmente são frases, letras e desenhos juntos.

HIP HOP É um gênero musical desenvolvido pelas comunidades, latinas e afro-

americanas da cidade de Nova Iorque na década de 1970. Mas ele também é

considerado como uma cultura popular, que engloba as práticas do graffiti, do

rap, do break-dance, da discotecagem, entre outros. Ele é utilizado para

denunciar as mazelas sociais e protestar de forma política os anseios da

comunidade. Dessa forma, é muito comum referenciar o graffiti como parte do

movimento Hip Hop.

Lambe-Lambe É uma forma de graffiti, onde a intenção de colar desenhos e divulgar

pensamentos para a sociedade. É aplicada em paredes públicas, como,

dentro das universidades, muros urbanos, postes e etc.

Muralismo É uma técnica artística que produz pinturas murais sobre temas populares,

como educação, política, cultura, entre outros. O seu modo de produção

comumente é feito por tinta fresca com cores diferentes diluída em água e

aplicado em muros urbanos.

Pichação Ato de escrever ou rabiscar nos meios públicos da cidade, como, paredes,

prédios, metros, fachadas de edificações, etc. Atualmente, há um debate

característico dos pichadores e artistas de rua em denominar a pichação

como um meio do graffiti e até mesmo em defini-la como arte, o único

consenso majoritário sobre o seu espaço é que ela faz parte da cultura de

rua.

“Picho” ou “Pixo” É uma referência que os artistas de rua fazem ao mencionar uma pichação.

Serigrafia É um modo de produção arte graffiti, no qual é realizado por um processo de

tinta vazada que é transferida em tecidos e outros materiais. É usado para

divulgar desenhos e mensagens.

Stêncil É uma forma rápida de produzir um graffiti. Utiliza moldes vazados para a

figura ou frase para ser pintados em uma superfície. Geralmente é aplicada

nos muros da cidade.

Sticker art É uma arte parte do graffiti, que visa criar adesivos para serem colados em

edificações públicas, lojas, muros urbanos, etc. Geralmente é criado para

transmitir uma mensagem.

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Tag É o nome ou assinatura do artista de rua. É muito comum todo arte graffiti

produzida ter o referencial do seu autor.

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APÊNDICE

O GRAFFITI COMO UMA POSSÍVEL FERRAMENTA PEDAGÓGICA NO MEIO

ESCOLAR

Essa parte da pesquisa refere-se ao material que a presente pesquisadora

criou, com a finalidade de ser trabalhado por educadores e por outras pessoas que

possuem interesse em levar a arte de rua como atividade pedagógica no meio

escolar. Dessa forma, apresentamos de forma didática as variações da arte graffiti,

os seus modos de produção e sugestões de serem trabalhadas. Dessa forma,

consideramos que este apêndice faz parte da praticabilidade pesquisa, pois visa o

seu uso como prática educativa no cotidiano escolar. A estrutura desse apêndice se

divide por tópicos referentes as técnicas de arte de rua. Vale considerar que o termo

“técnica” não corresponde no sentido utilitarista e reducionista da arte em questão, e

sim, como tipo que tem elaboração específica.

Ademais, Nesse material há tutoriais acerca disso, o graffiti como proposta

pedagógica, em que possa ser utilizada nas aulas das diversas disciplinas e

também, como experiência para a comunidade escolar, desenvolvendo um meio de

transdisciplinaridade, isto é, um caminho educativo para abordar junto com outros

professores uma unicidade de conhecimento, que trabalha elementos sociais e

culturais incluídos na realidade do aluno.

O graffiti pode servir de sensibilização, utilizado como recurso propulsor de

um tema a ser problematizado. Através da investigação de problemas, alunos

buscam compreender a indagação através de observações cotidianas e análises

textuais, para, enfim, chegar à elaboração de um conceito, um intermédio a

possíveis resoluções de questões que afetam a comunidade escolar. Além disso, o

graffiti pode servir de síntese imagética para a investigação do problema levantado,

isto é, na elaboração de um produto final exposto no ambiente da escola. Acima

disso, podemos assimilar o graffiti como ferramenta pedagógica, que serve como

base para a criação de uma imagem conceitual que corresponda a toda experiência

filosófica dos alunos e a uma arte emancipadora, que vista reinventar o cotidiano de

todos que fazem parte da escola de forma inspiradora e incentivadora às

transformações no processo de aprendizado e inclusão social.

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Técnica Stêncil na escola:

O stêncil é uma arte muito utilizada no contexto do graffiti. Sua aplicação se

dá através de transferência de imagens, desenhos, fotografias em paredes que

participam do cenário urbano. Tal arte de rua geralmente é apropriada para protestar

mensagens de cunho político, estético e até publicitário. Todas sempre com o

propósito de compartilhar informações com as pessoas que transitam o local em que

arte está exposta. Além disso, o stêncil contém um caráter artístico acessível, não

apenas na sua visibilidade urbana, como também em sua produção material,

podendo ser feita em casa. E também por ser uma arte considerada como uma das

técnicas de graffitis mais rápidas de ser realizada. A partir dessa breve

apresentação, o stêncil pode ser utilizado em sala de aula com o propósito de

ilustração e manifestação artística, que possam ser projetadas em paredes,

camisetas, cartazes e/ou em outros materiais escolares. O educador pode utilizar o

stêncil para ilustrar determinados conteúdos e até mesmo trabalhar a manifestação

do estudante por meio da arte de rua. É importante ressaltar que o stêncil é trabalho

muito pelo viés imagético e quando discursivo, ele é composto geralmente por frases

ou curtas composições linguísticas.

A cerca do que foi exposto acima, aprendemos os passos para aprender

fazer o graffiti de stêncil com os demais educadores e educandos no espaço escolar.

Materiais necessários: imagens em contraste de stêncil, cartolina grossa, navalha ou

estilete, tinta spray e fita adesiva ou fita crepe. Passos para grafitar o stêncil: a)

escolher uma imagem ou frase para ser impressa ou desenhada na cartolina grossa,

lembrando que ambas devem estar com contraste nítido entre partes brancas e

pretas; b) o molde deve ser criado a partir do recorte com navalha das partes pretas

da imagem; c) segure o molde em uma superfície prendendo-o com fita adesiva,

certificando que todas as partes do stêncil estejam firmes na superfície; d) aplique o

spray sobre stêncil de forma uniforme, com uma distância entre 12 cm a 15 cm, para

garantir uma aplicação adequada de tinta; d) retire o molde do stêncil e reutilize em

outro local.

O molde para produção do stêncil não precisa ser necessariamente em

cartolina grossa, pode ser em prato de isopor, vinil, radiografia, entre outros. O

critério é de que o material seja resistente à tinta spray e maleável para cortar.

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A imagem abaixo corresponde a uma prática da técnica graffiti em stêncil na

Escola Estadual Ferreira Mendes, em Cuiabá, no ano de 2014, organizado pelos

professores Juarid Campos de Filosofia, João Almeida de Geografia e pelo

Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) de Filosofia da

Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). A atividade extraclasse e

transdiciplinar uniu dois professores de áreas diferentes para proporcionarem aos

estudantes do ensino médio um contato com a arte de rua, com intuito de ofererecer

uma nova possibilidade dos estudantes expessarem seus pensamentos e ideias no

ambiente escolar. Além disso, essa experiência artística resultou em uma prática

frequente dentro da escola, cuja aplicação está ligada ao processo de ensino e

aprendizagem do aluno.

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Técnica Lambe-Lambe na escola:

O lambe-lambe também faz parte de uma manifestação artística do Graffiti, a

sua técnica é muito utilizada para espalhar pelas ruas da cidade imagens/ou

palavras que se referem a ideias e até mesmo poesias. É através deste conteúdo

característico que a arte lambe-lambe se difere dos panfletos e cartazes publicitários

colados pelos meios urbanos. Tal arte não tem cunho comercial e é considerada

uma intervenção de rua que traz a legitimidade para qualquer cidadão se expressar

e se manifestar artisticamente. Além disso, como toda arte de rua, é considerada

pública e acessível a todos que estão na travessia urbana. Por isso, o lambe-lambe

também chama atenção da sociedade, pelas suas cores vibrantes e conteúdo

crítico, proporcionando um convite cotidiano para reflexão e apreciação artística.

Ademais, essa arte é semelhante a um adesivo, de fácil produção e aplicação,

sendo colada em espaços públicos, como: paredes, postes, pontos de ônibus,

metrôs, lixeiras, entre outros lugares que carregam a cinza da metrópole. Tal fato,

cativa diversos artistas, especialmente aqueles que atuam nas ruas, a praticar a

técnica graffiti em lambe-lambe.

Com a simplicidade de preparação, essa arte de rua pode vir a ser uma boa

ferramenta pedagógica no espaço escolar, onde os estudantes junto com os

educadores possam trabalhar em conjunto e espalhar lambe-lambe pela escola. É

uma técnica fácil e divertida, que contém um propósito de expressão artística muito

intensa para aqueles que anseiam explorar novos meios de protesto e estética no

espaço social. Os educadores devem articular o propósito da arte lambe-lambe com

as demais necessidades internas das realidades locais dos estudantes, visto que o

lambe-lambe necessita ter um conteúdo crítico ou poético, mas sempre em

demanda às necessidades sociais.

Os materiais necessários para realizar o lambe-lambe são papéis de

gramatura baixa, como sulfite e no tamanho A3 ou A5, cola escolar líquida, rolinho

de espuma ou pincel e um pano limpo. A preparação ocorre em quatro passos: a)

preparar a cola, dissolvendo-a em água, na proporção de uma cola branca para

duas partes de água; b) coloque a cola preparada em um pote de sorvete ou outro

recipiente que caiba o rolinho de espuma; c) espalhar a cola em todas as superfícies

do papel e pregar na superfície desejada; d) passar uma mão de cola em cima do

papel já colado, para finalizar a fixação o lambe-lambe; e) limpar com pano

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umedecido com água os excessos de cola que possam surgir entorno do lambe-

lambe.

O lambe-lambe produzido não precisa ser necessariamente fixado com cola

escolar líquida, pode ser elaborado de forma caseira com polvilho doce ou farinha de

trigo com vinagre e água. Vale lembrar que os próprios estudantes podem elaborar

os desenhos ou poesias a serem coladas, porém, a arte também pode ser impressa

e utilizada para o lambe-lambe.

A imagem abaixo se refere a uma atividade intraclasse na aula de Ensino

Religioso, trabalhada pela Profª Alana Chico, cujo objetivo foi oferecer aos alunos

essa experiência.

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Técnica de Sticker na escola:

A técnica “Sticker art” é um modo de produção artística pós-moderna

iniciada em Nova York, popularizada por grupos de rua na década de 1990, que tem

como base o uso de etiquetas adesivas coladas em diversos cantos da cidade. No

Brasil, essa técnica começou ser a utilizada no meio comercial e residencial, como

adesivo decorativo para fachadas de lojas e decoração em residências.

Posteriormente, os stickers foram utilizados, em especial na grande metrópole São

Paulo, com a intenção de intervir artisticamente na cidade, com adesivos que

continham desde desenhos às mensagens de manifestação. Em suma, o Sticker art

em inglês significa arte do adesivo, surgido do contexto do graffiti, pois a sua

utilização foi apropriada por artistas de rua, que fizeram o seu uso para compartilhar

ideologias, desejos, angústias e ideias nos cenários urbanos. E dada as suas vias

de uso, assim como a pichação, no Brasil, o sticker art é proibido, sendo

considerado crime por violação de patrimônio público. Mas assim como a pichação,

stêncil e o lambe-lambe, a arte de adesivos persiste nas grandes cidades, insistindo

ser visualizada por todos os habitantes que percorrem as ruas.

Em semelhança ao lambe-lambe, o sticker popularmente contém figuras e

mensagens coladas pela cidade, mas com uma técnica de produção e aplicação

bem diferente. Como vimos anteriormente, o lambe-lambe pode ser utilizado por

papel e colado nas paredes por cola branca, o sticker pode ser colado não apenas

em paredes, em todos os lugares, até mesmo nas calçadas. Além disso, ele possui

três maneiras de ser produzido. A primeira técnica de produção denomina-se

serigrafia ou “silk-screen”, cujo processo de impressão exige uma tela preparada

para receber a tinta vazada através de um rodo puxador. O sticker através da

serigrafia é considerado pelos artistas de rua, um modo de produção em modalidade

profissional, devida a sua técnica exigir conhecimentos específicos e requerer

materiais pouco acessíveis. Por outro lado, existe um meio mais popular e simples

para criar um sticker art, apenas utilizando um papel adesivo ou vinil transparente

(adesivo plástico) e o stêncil. Nesta opção, o artista de rua deve produzir o seu

molde de stêncil e aplicar spray (nas cores que desejar) em cima do papel adesivo,

em seguida, aguardar em média de 15 minutos para aplicar na superfície que

desejar. Por último, o sticker pode ser produzido através da mão livre, isto é, pode

ser desenhado manualmente através de canetas coloridas com duração permanente

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e a prova d‟água no papel adesivo. Não precisa aguardar a secagem, pois a

aplicação da caneta é de rápida absorção no papel, sendo assim, o sticker criado

precisa ser recortado com uma tesoura e pode ser colado a qualquer momento.

Considerando essas diferentes técnicas de produção do sticker art para o

contexto escolar e suas diversas realidades, podemos acrescentar outra opção

interessante e mais econômica para a produção dos adesivos com cores. Os

stickers podem ser produzidos no papel adesivo à mão livre com uma caneta

permanente na cor preta e colorido por lápis de cor escolar. Após a finalização da

produção do adesivo (imagem ou mensagem), colar por cima da figura um papel

contact transparente para proteger da água e dar maior durabilidade ao sticker.

Dessa forma, os estudantes podem produzir seus stickers arts com uma maior

diversidade de cores e a instituição escolar pode facilitar a oportunidade da

experimentação da arte de rua com qualidade. Todavia, a escolha do modo de

produção do sticker art fica critério do/a educador/a e dos estudantes. O importante

é que esse encontro pedagógico com a arte sticker, pretende estimular a criatividade

e reflexão sobre a mensagem que o artista quer compartilhar com a sociedade.

Nas ilustrações a seguir, é possível visualizar os três meios de produção de

sticker art, assim como, os materiais que serão utilizados:

a) Serigrafia

Fonte: site decalcor. 21

21

http://www.decalcor.com.br/loja/image/data/imagem-passoapasso.jpg <acessado em 17/01/2016 às 16h39>

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b) Sticker em Stêncil

Fonte: sticker tutorial by Barto22

c) Sticker à mão livre

Fonte: Tutorial de como fazer seu sticker (Dabbie Olivieri).23

.

22

<https://www.youtube.com/watch?v=YHxxbfDlJ44 acessado em 17/01/2017 às 16:44> 23

<https://www.youtube.com/watch?v=AWTrSHzrX_I acessado em 17/01/2017 às 16:55>

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Como fazer um Sticker

Fonte: youtube.24

Técnica de Grafismo na escola:

O grafismo dá a origem ao graffiti, por ser uma arte que se atreve a compor

os espaços com repetições, cores, conceitos e movimento. A partir disso, conotamos

a palavra “grafismo”, a fim de diferenciar das demais técnicas vistas nesse trabalho,

que fazem parte do cenário do graffiti. Lembrando que tal palavra pode ser utilizada

em outros campos artísticos, como poesia e literatura, para expressar a presença de

cores e movimento. Dessa forma, utilizamos o grafismo para expressar que a técnica

utilizada do movimento graffiti, é aquela que faz parte da arte de rua, sendo

popularizada como “grafite” desde o Império Romano pelas suas inscrições nas

paredes.

Sendo assim, a arte em questão faz parte de uma técnica que está

visualizada nas construções da cidade, com a característica de ser inscrita de forma

imprevisível e singular. Como visto desde o início do trabalho, o graffiti expressa às

mazelas sociais, o desejo de liberdade, as reflexões culturais e uma comunicação

estética irreverente. Tal movimento se desenvolveu na década de 70 em Nova York

até chegar ao Brasil no mesmo período, com outros desdobramentos e conotações

artísticas. Além disso, é importante ressaltar que o cenário do graffiti se desenvolveu

como parte da movimentação do Hip-hop, sendo considerado como um dos pilares

cruciais para o movimento. Isto se deu, porque o graffiti compunha os cenários que

ocorriam as práticas culturais de rap, breakdance e o DJing. O movimento surgiu

24

<https://www.youtube.com/watch?v=NxoT4U5gLgQ acessado em 17/01/2017

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com comunidades latinas, afro-latinas e jamaicanas, que vivenciavam situações de

violência, extrema pobreza, tráfico de drogas e racismo.

O graffiti surge do gueto de negros e latinos que viviam em Nova York na

década de 70, dessa forma, foi através do movimento hip-hop, incluindo o graffiti,

que os moradores do subúrbio resistiram ao meio hostil. Até hoje, todo esse

movimento e as suas respectivas artes de rua, representam essa resistência nos

centros urbanos. Mesmo com várias vertentes do uso do graffiti, ele é comumente

referenciado em território brasileiro, como uma arte de protesto e de manifestação

política, e não apenas, como um uso decorativo ou de caráter estético irrelevante.

Assim como as outras técnicas vistas, o grafismo do graffiti deve ser

apresentado aos estudantes, a sua definição e finalidade, a fim de que o encontro da

arte de rua para dentro do espaço escolar seja vivenciado com eficiência e tenha

assimilada a sua proposta pedagógica. Em especial, por que é o graffiti que inspira

todas as outras artes de rua a se manifestarem nos paredões de concreto da cidade,

de forma tão espontânea, criativa e combativa. Esse conjunto de técnicas artísticas

faz parte de uma denúncia, sem armas e opressão, mas de cunho libertador e

reflexivo. O graffiti é uma arte nativa da periferia e é por ela, que ele existe. Faz

parte da cultura brasileira, mesmo muitos ainda negando-a, ela dá voz e expressa às

realidades da rua.

Devido a toda essa representatividade social e cultural, a arte graffiti precisa

ser apresentada no contexto escolar com informação e ser compartilhada de uma

forma em que os estudantes possam se sentir conscientes e dispostos em se

apoderar dela como manifestação artística no espaço escolar. A arte graffiti sem

estar acompanhada de reflexão, perde o seu caráter genuíno, por isso é necessário

que ela esteja em consonância com a proposta pedagógica do espaço escolar. Em

vista disso, a arte graffiti pode ser trabalhada em todas as áreas de conhecimento,

desde Linguagem às Ciências Humanas, porque ela se encontra em assimilação a

todos os movimentos sociais, culturais e políticos, que venham a surgir na

sociedade. Cabe ao educador/a saber trabalhar as múltiplas expressões que essa

arte carrega nas narrativas urbanas dentro da sala de aula ou em qualquer outro

espaço que a escola possa oferecer. Para tanto, será explicado nesse tópico como o

graffiti, na sua forma de expressão mais reconhecida, isto é, expresso em paredes

públicas, pode ser criado em conjunto por educadores e estudantes.

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O material de composição do graffiti pode ser diverso, além do uso de latas

de spray em sua maior parte de produção, pode ser utilizado também giz de cera,

tinta própria para parede, canetas coloridas com a duração permanente, enfim, entre

vários outros materiais. Mas o que denota um graffiti de uma simples arte Muralista,

é a sua intenção rebelde, despreocupada se aquela expressão está sendo vândala

ou não e de ser acessada desde pessoas de classe alta à classe baixa. O graffiti

possui os traços fortes, que combinam as cores com a necessidade de exteriorizar

as vozes das ruas. Já o muralismo é produzido em sua maior parte por pincel e tinta

própria para parede, tendo em seu conteúdo, uma narrativa histórica. Além de que, a

sua produção pode ser em qualquer espaço, sem necessariamente ser expressa

nos concretos da cidade.

Mesmo a arte mural tendo começado com o movimento revolucionário dos

mexicanos no século 20, por sede de manifestar a opressão à ditadura de Porfírio

Diaz, ela se difere no caráter artístico, técnico, histórico e ideológico. O graffiti possui

gírias, códigos, linguagem específica, grupos e técnicas, além disso, está

estritamente ligado ao uso de espaços públicos. Portanto, para qualquer arte ser

expressa, o graffiti precisa ser esboçado previamente antes de ser projetado no

muro. Como esse material trabalha com a arte de rua em encontro ao espaço

escolar, é aconselhável que o conteúdo a ser grafitado seja planejado em conjunto

com os estudantes e educadores/as, além de ser manualmente esboçado em uma

folha em branco. Isto porque, o graffiti é trabalhado com um material permanente e

precisa ser dimensionado em proporção ao esboço traçado anteriormente. Acima do

caráter do conteúdo a ser criado é preciso frisar, que o graffiti serve para uma

necessidade de expressão muito latente e que essa evasão artística seja expressa

em caráter público. Por isso, é importante respeitar a autonomia e a liberdade dos

estudantes nesse momento tão especial quando em contato com a arte graffiti, essa

experienciação deve permitir o empoderamento deles e não, para um despejo de

uma ideia já fechada e indiscutível.

Para a produção do graffiti, é preciso inicialmente reconhecê-lo na cidade e

perceber os diferentes estilos que existem. Se não for possível, realizar o

reconhecimento presencial pode ser feito via imagens disponíveis na internet. O

importante é que os estudantes percebam as diferentes características que cada

graffiti traz consigo. Em seguida, é preciso que o/a educador/a se reúna com o grupo

de estudantes participantes para essa experienciação e dialogue com eles, sobre o

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conteúdo a ser manifestado na parede escolar. Quando o conteúdo pensado estiver

definido, é preciso que o grupo se reúna para a construção do esboço do desenho e

o mesmo esteja atento com o espaço disponível para a realização da arte. Após

período de reflexão e decisão sobre a arte, é preciso que o esboço no papel seja

esboçado na parede, pode ser utilizado com carvão ou giz de cera. Após esse

momento, basta preencher o desenho com spray e/ou com a tinta própria para

parede.

Para facilitar a primeira experiência com o graffiti, o contorno da imagem em

vez de ser por spray, pode ser por caneta grossa permanente, e em seguida,

preenchida com tinta através do manuseio de um rolo próprio para pinturas em

parede. Em suma, os materiais básicos a serem utilizados para a produção do

graffiti são: latas de spray na cor escolhida pelos estudantes para preencher e

contornar; tinta branca com os pigmentos nas cores escolhidas para ajudar a

preencher os espaços; canetas de ponta grossa com durabilidade permanente para

fazer contornos; rolos próprios para pintar paredes para serem utilizadas com a tinta

branca pigmentada; carvão ou giz de cera para fazer o esboço na parede; muita

disposição e cuidado na produção da arte. Uma dica é realizar um exercício com os

estudantes para produzirem a sua própria tag, isto é, assinatura. Esse exercício

pode ocorrer no próprio caderno, lembrando que as letras devem ser espaçosas,

para serem preenchidas depois. É recomendado o formato grande para as letras, a

fim de proporcionar maior domínio sobre o contorno das mesmas. Em seguida, eles

podem acrescentar os detalhes desejados no fundo e no preenchimento da letra.

Na imagem abaixo um registro de experiência com o grafismo do graffiti na

instituição privada, denominada como Colégio Portal na cidade de Cuiabá em Mato

Grosso. Essa atividade foi organizada pela professora de artes Rita Ximenes e pela

Professora de Filosofia, Alana Chico, em conjunto com os estudantes do 8º ano da

turma de 2016. Eles tiveram aulas sobre a arte graffiti, fizeram pesquisas, debates e

apresentação de trabalho sobre a arte em questão. Após esse processo de estudo

teórico, decidiram entre eles elaborar um graffiti que expressasse respeito,

diversidade e representatividade étnica no espaço escolar. Os materiais utilizados

para realizar essa arte foram latas de spray e tinta de artesanato.

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Fonte: foto de acervo da autora.

A partir da apresentação das diferentes técnicas existentes no universo do

graffiti, é importante ressaltar que a arte de rua não é um método a ser seguido

como uma receita pronta. O que foi dissertado neste capítulo diz respeito à

identidade de cada arte, seu modo de produção e de como ela poderá ser

trabalhada dentro do espaço escolar. Para mais, o universo do graffiti não pode ser

expresso desvinculado de uma necessidade verdadeira de narrar à sociedade e às

vontades subjetivas do artista de rua. Além disso, os conjuntos de técnicas artísticas

relacionados fazem parte da cultura, pois eles assimilam crenças, costumes,

padrões, conhecimentos, entre outros elementos partes da sociedade. Afinal, a arte

de rua ela só faz sentido à sua identidade, porque o seu pertencimento é público e

está engajada nas expressões urbanas.

Portanto, trazer o graffiti como ferramenta pedagógica no espaço escolar é

possibilitar os estudantes e a equipe pedagógica novas experiências de conhecer a

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sua própria cidade. É possibilitar um olhar múltiplo para a sociedade e as suas

organizações sociais. É visualizar a geografia das ruas à reflexão filosófica sobre o

local em que se vive. É conhecer a existência de uma linguagem própria das ruas e

ver que elas também possuem narrativas complexas. É calcular que para cada lata

de tinta de spray representa um milhão de vozes. Enfim, a arte graffiti como um

possível encontro pedagógico no espaço escolar, tende auxiliar numa construção de

aprendizagem significativo para os estudantes, além de despertar a criatividade,

reflexão empoderamento.