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Page 1: Governança para o desenvolvimento territorial sustentável · Doutor em Sociologia UNESP ... ecológico global e a vida no planeta, fatos ... DESENVOLVIMENTO TERRIT ORIAL SUS TENTÁVEL

Revista Brasileira de Ciências Ambientais - Número 18 - Dezembro/2010 77 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478

RESUMOAbordar o desenvolvimento numa perspectiva ecocêntrica permanece um dos grandes desafios doséculo XXI. Tornar a dimensão técnica da vida humana, algo que não seja um fim em si perfaz umdilema ético que vem nos determinando e que se expressa em parte significativa da agenda acadêmicae administrativa sobre governança pública e sustentabilidade. A proeminência do funcionalismotecnicista racionalmente justificado ainda é constatada, mesmo quando o propósito maior é a boagovernança no complexo contexto da superação dos parâmetros incapazes de sustentar a vida noplaneta. Assim vamos discutindo a democracia e a eficiência na alocação de recursos. Assimdemocrática e eficientemente tornamos nossa existência um desafio planetário. Neste artigo as ideiasde sustentabilidade política e administrativa são tomadas como referenciais que determinam osprocessos de pactuação em favor das escolhas que redundam em políticas, deliberadas ouemergentes, impactantes na vida associada, que determinam o que denominamos pordesenvolvimento. Toma-se como hipótese o fato de que as escolhas políticas determinam este edevem ser consideradas como instâncias políticas e administrativas que o promovem cujasustentabilidade pode também ser observada. A rigor a sustentabilidade do desenvolvimento forma-se também a partir dos processos de agendamento e suas arenas. Conclui-se que, diferenciarsustentação e sustentabilidade por princípios ecocêntricos é a um raciocínio ainda incipiente nas"ciências administrativas".

PALAVRAS-CHAVE: Sustentabilidade Política, Sustentabilidade Administrativa, DesenvolvimentoTerritorial Sustentável.

ABSTRACTThe whole debate about governance on sustainable development somehow marks its considerationson two variables. They either turn to technical aspects of administrative matters by resorting tofunctional or to rational arguments, or on the other hand, they turn to the political issues thatdetermine their possibilities. In general, when talking about sustainability is not alluding to the theoryof sustainable development or eco-development, but the purely technical issues related to resourcemobilization, when supported by a discussion related to democratization and administrativeperformance. The emergence of complex agendas beginning since this century require adifferentiation between mere sustenance and sustainability while making clear that the latter refersto an ethics econcentric and reasoning with which the "administrative science" only recently hasbegun having concerns. This study aims at the discernment on the political decision-making processin favor of eco-development; taking as its main categories of analysis, while qualifiers principles ofgovernance, the ideas of sustainability policy and sustainability management. In summary, the keycontribution was to bolster the understanding that the sustainability of a governance process forthe eco-development has, in the referring decision-making in determinants patterns. Therefore, amanagement process is sustainable, in the first place when it returns to a life project associated onthe bases of sustainability, and not when it contributes wit it in terms of an accident of circumstance.For this reason, previously noted that the mere participation is not enough to have strong decision-making referrals or satisfactory in such project. And secondly, when the decision making processwhich embodies such administrative action are sustained by a fact according to the administrativeprinciples outlined according to the sustainability principles. Ramos gives us the administrative factsprimarily as a social phenomenon scientifically capable of findings. So while as a scientific fact, it isprimarily a methodological abstraction. So it is "less of a material reality, tangible, than empiricallyverifiable statement about the phenomena in terms of a conceptual scheme. It is therefore worththis much referenced by the authors herein used; the existing sustainability principles are based on.

KEYWORDS: Political Sustentability, Adminsitrative Sustentability, Sustentable Territorial Development.

Governança para o desenvolvimento territorialsustentável

Oklinger Mantovaneli Jr.Doutor em Sociologia UNESPProfessor do Programas de Pós-Graduaçãoem Desenvolvimento Regional daUniversidade Regional de Blumenau (FURB)E-mail.: [email protected]

Carlos Alberto Cioce SampaioPós-Doutor em Ecossocioeconomia pelaUniversidade Austral de Chile eCooperativismo Corporativo pelaUniversidade de Mondragón (EstadoEspanhol), Professor Permanente doPrograma de Pós-Graduação emDesenvolvimento Regional da UniversidadeRegional de Blumenau e Colaborador dosProgramas de Pós-Graduação em MeioAmbiente e Desenvolvimento e em SistemasCosteiros e Oceânicos da UniversidadeFederal do Paraná. Pesquisador CNPq.

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Revista Brasileira de Ciências Ambientais - Número 18 - Dezembro/2010 78 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478

INTRODUÇÃO: BREVE RESGATESOBRE A QUESTÃO DASUSTENTABILIDADE

Como já se sabe, e foi exaustivamentedescrito na literatura da área, os desafiosambientais, mais especificamente aquelesdiretamente relacionados à questão dapreservação dos ecossistemas e seusimpactos na vida do homem começaram aser esboçados com maior veemência após adécada de 70. Este momento demarca, nahistória da humanidade, um instante ondepesquisadores, empresários, governos eoutros segmentos sociais passam aprogressivamente incorporar em suasagendas de discussão preocupaçõesdiretamente relacionadas com o crescimentopopulacional, os rejeitos industriais, adiminuição dos recursos naturais renováveise não renováveis, a matriz energética etc.Naquele instante, surge a tese docrescimento zero e torna-se clara a primeiraimportante referência científica a uma idéiahoje fundamental ao debate sustentabilista:o planeta terra, nossa "nave mãe", possuiuma capacidade de carga que efetivamentedetermina as condições capazes de tornarpossível a vida tal qual a se conhece. Nestadiscussão sugere-se ponderar asperspectivas do catastrofismo e do otimismoirresponsável, tanto uma como outra sãoperniciosos para a reflexão e a tomada dedecisões que se requerem para novostempos, denominados por mudançasclimáticas (ACOT, 2005).

A crítica fundamental, portanto, estáno fato de que a sociedade industrial nãopode crescer indefinidamente. As tendênciaspara o crescimento econômico contínuoafrontavam diretamente o equilíbrioecológico global e a vida no planeta, fatosque ameaçavam indistintamente, naçõesdesenvolvidas e em desenvolvimento sejamlá em quais ideologias se apoiavam paradenominar aquilo que convencionavam pelotermo "desenvolvimento" (BRÜSEKE, 1996;VIEIRA, 1995). Obviamente tamanhacomplexidade de elementos e atitudes éobjeto de procedimentos e reflexõesadministrativas. O que remete a umaevidente relação, e mesmo assim por muitosmenosprezada, entre administração edesenvolvimento. Do debruçar sobre as

questões sinteticamente apresentadas nosparágrafos iniciais, surge o conceito deGestão Ambiental, ou seja, aquela faceta daadministração encarregada de cuidar dagestão dos impactos da ação do homemsobre o ambiente que o acolhe e que provêa vida.

Entretanto, o objetivo deste artigonão é exatamente discutir a relação entredesenvolvimento sustentável eadministração por meio do já, vasta eredundantemente debatido tema da gestãoambiental. Busca-se um olhar aindapouquíssimo trabalhado, e os anais dosENANPAD, ANPOCS, ANPUR, CLAD e outrosencontros científicos nacionais einternacionais atestam isso. Trata-se doenfoque processual da gestão ancorado soba ótica ecocêntrica. Algo que não goza destatus privilegiado no campo daAdministração de Empresas ou da CiênciaPolítica, mas que certamente é simpáticoàqueles que investem em uma reflexão maisconceitual e epistêmica da temáticacompreendendo que, do mesmo conjuntoincidental de preocupações, começa a seredesenhar aspectos ainda pouco exploradosna agenda para o debate sobredesenvolvimento territorial sustentável,ancorada na complexidade dos desafios aserem geridos (BORGES, 2003). Esta agendaainda deixa em segundo plano oentrelaçamento entre as temáticas dodesenvolvimento e da gestão.

Este artigo é resultado de umareflexão que não necessariamente secaracteriza por um ensaio, pois a liberdadedas ideias se limita a uma pesquisabibliográfica nas ciências ambientais,humanas e sociais aplicadas, tomando comoreferencial as reflexões e o resultado daspesquisas de campo expressos a partir daobra de Mantovaneli Jr (2001) e Sampaio(2000). A pesquisa bibliográfica realizadaresulta da produção e atividades deorientação dos pesquisadores de dois gruposde pesquisa cadastrados no CNPq, o Núcleode Políticas Públicas (NPP) vinculado aoPrograma de Pós-Graduação emDesenvolvimento Regional da FURB e oNúcleo de Ecossocioeconomia, este maisrecente e se derivando do NPP, associado aoPrograma de Pós-Graduação em MeioAmbiente e Desenvolvimento e ao Setor

Litoral da UFPR.Um conjunto bastante amplo de

elementos empíricos foram consideradosantes que as observações e questionamentosaqui trabalhados fossem escritos. DeMantovaneli Jr. (2001), um balanço daspráticas participativas presentes nosprimeiros dez anos do orçamentoparticipativo de Porto Alegre - RS foiconsiderado, a partir de um referencialprocessual e de uma abordagem aindainédita sobre o tema. De Sampaio (2000) aexperiência acumulada em uma diversidadede atividades de assessoria e pesquisa-ação,e levantamentos de campo em organizaçõesgovernamentais, mercantis e do terceirosetor sobre gestão participativa estratégicae desenvolvimento sustentável. Por fim, esteestudo traduz um primeiro esforço teóricoque balizou um conjunto de levantamentosempíricos e estudos de caso no campo dagestão sustentável e territorial dodesenvolvimento.

Este trabalho procurará contribuircom esta perspectiva explorando o seguinteconjunto de idéias.

Em primeiro lugar são brevementepontuados aspectos gerais do conceito dedesenvolvimento territorial sustentável, ocontexto que o gestou com o objetivo detornar mais preciso o campo conceitual dediscussão em que a temática principal sedesenvolverá.

Segue uma breve argumentaçãometodológica e apresentam-se os conceitosde sustentabilidade política e administrativa,propondo-se um primeiro ordenamento dodebate a eles subjacente. O objetivo é darmaior concretude às categorias, nãosomente para demarcar uma agenda queprecisa ser implementada neste debate, mastambém fundamentar novas referências paraestudos aplicados.

Seguem algumas consideraçõesfinais, entre as quais a principal conclusãose dá com a tese de que osencaminhamentos processuais voltados àgestão do desenvolvimento aindarepresentam um campo pouco explorado. Asfaces política e administrativa dodesenvolvimento territorial sustentávelpassa, como diria Leff (2009), pelareconstrução da racionalidade produtiva damodernidade que, desde já, se base que não

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Revista Brasileira de Ciências Ambientais - Número 18 - Dezembro/2010 79 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478

é tarefa fácil.

DESENVOLVIMENTO TERRITORIALSUSTENTÁVEL ESUSTENTABILIDADE

O ambiente societal que abrigava osprimeiros relatórios sobre meio ambiente edesenvolvimento ainda apresentavam aquestão desenvolvimentista sem ultrapassaros limites estreitos da lógicaantropocêntrica. A tensão básica seestabelecia entre a ênfase econômicaamparada pela ideologia liberal ou neo-liberal de mercado, e a ênfase estatista e outecnoburocrática. Ao se discutir se o objetivoprimordial dos processos dedesenvolvimento deveriam ser ahumanidade, a coisa, ou a reificação do serhumano raramente se ultrapassava oshorizontes antropocêntricos. Em outraspalavras epistemologicamente se formulavauma teoria da vida humana no planeta e suapresença no mundo, acética do ponto devista ecossitêmico. Quase uma existência "invitro". E o conceito base para tanto era"desenvolvimento". Ou seja, a década de 70sinaliza com uma importante condensaçãode elementos absolutamente salutares, quedesde décadas anteriores vinham sendogestados, para a busca de um caminho paraa relativização do antropocentrismoeconomicista no desenvolvimento (SANTOS,1998 e UNGER, 1992).

Como decorrência deste debate, em1973 é cunhado o termo"ecodesenvolvimento" que viriaposteriormente a ser chamadodesenvolvimento territorial sustentável.Utilizado, pela primeira vez pelo canadenseMaurice Strong e desenvolvidogradualmente por inúmeros estudiosos, estetermo constitui-se como expressão de umnovo caminho a ser buscado. Ignacy Sachs,forte crítico da modernização industrial épossivelmente seu maior expoente, sendoum dos primeiros autores a se preocuparcom as questões administrativas nodesenvolvimento e na reinvenção planejadado futuro (SACHS, 1986a e 1986b).

Assim, uma série de estudos,conferências e declarações discutem, comcrescente profundidade, questões como ocaráter dependente do processo de

desenvolvimento, os desafios climáticos epopulacionais, o problema da água, do ar,da agricultura, da perda de biodiversidadee uma gama de outras questões que iriamperfazendo uma nova agenda para odesenvolvimento global. Merece destaquea publicação do "Relatório Brundtland",texto preparatório para a Conferência dasNações Unidas sobre Meio Ambiente, quese realizaria em 1992 no Rio de Janeiro.

Entende-se que esta obra se destacapor três importantes razões. Em primeirolugar pela ênfase no desafio ético que advémdas novas proposições desenvolvimentistas;em segundo por consolidar a questão socialcomo agenda importante, jogando um focode luz sobre os desafios que permeiam o fimda pobreza, da fome e da exploração dohomem pelo homem no mundo; e emterceiro por enfatizar um "novo" contextopara o debate e as proposições. Abandona-se a lógica internacionalista realçando osdesafios à luz de uma lógica globalista. Aglobalização era objetivada (CMMAD, 1987).Ainda que criticado pelo volume de questõescomplexas inevitável e superficialmentetratadas, é ali que são apresentadas ascategorias "sustentabilidade política" e"sustentabilidade administrativa",consideradas neste trabalho.

Sem dúvida é um desafio político etambém administrativo, a construção deuma nova equação capaz de harmonizar oprocesso de mudança social com oprogresso tecnológico e a uti lizaçãointeligente e responsável dos recursosnaturais (ALPHANDÉRY, BITOUN & DUPONT,1992). Assim apresenta-se progressiva eembrionariamente o desafio dagovernabilidade ecológica (Leis, 1995), seusdesafios, possibilidades e a presunçãohumana quando fala da mesma.

Em O Nosso Futuro Comum,desenvolvimento sustentável é visto comoaquele que satisfaz as necessidades dasgerações presentes sem comprometer acapacidade das gerações vindouras desatisfazerem às suas necessidades. O que,anos antes Sachs (1986a) apregoava comoimportante ao conceito de desenvolvimentoterritorial sustentável sob os termossolidariedade diacrônica e solidariedadesincrônica. Os grandes pilares dodesenvolvimento territorial sustentável

seriam expressos sob a tríade prudênciaecológica, eficiência econômica e eqüidadesocial que se concretizariamoperacionalmente destacando-se "anecessidade do amplo conhecimento dasculturas e dos ecossistemas, sobretudo emcomo as pessoas se relacionam com oambiente e como elas enfrentam seusdilemas cotidianos; bem como oenvolvimento dos cidadãos noplanejamento das estratégias, pois eles sãoos maiores conhecedores da realidade local"(Layrargues, 1997, p.03).

A popularização do termo"desenvolvimento sustentável", trouxe,além de uma maior divulgação sobre aquestão ambiental, uma grande profusão deaplicações difusas do mesmo. Profusão queexpressa a luta política dos diversossegmentos sociais, muitos dos quaisdiretamente interessados na perpetuaçãodo atual modelo desenvolvimentista, pelaapropriação de sua significação. Portanto,falar em sustentabilidade política dodesenvolvimento é também considerar arelação entre interesses e percepções, e osatores que as representam. Portanto, o usodo termo "desenvolvimento territorialsustentável" não remete a tantassignificações distintas, ou policemicidade,quanto "desenvolvimento sustentável". Naspalavras de Almeida (1997:22):

"Neste 'guarda-chuva' dodesenvolvimento sustentável seabrigam desde críticos das noçõesde evolucionismo e modernidade adefensores de um 'capitalismoverde', que buscam nodesenvolvimento sustentável umresgate da idéia de progresso ecrença no avanço tecnológico, tendoa economia como centro-motor dareprodução das sociedades. Este'guarda-chuva' também abrigaatores 'alternativos', que buscamum novo modo de desenvolvimentoque seja 'socialmente justo,economicamente viável,ecologicamente sustentável eculturalmente aceito', recuperandotécnicas, valores e tradições".

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Revista Brasileira de Ciências Ambientais - Número 18 - Dezembro/2010 80 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478

De qualquer modo, buscandopropiciar maior objetividade e rigorcientífico ao termo, neste estudo, o conceito"desenvolvimento sustentável" é utilizadoprocurando incutir neste o sentido de"desenvolvimento territorial sustentável" enão meramente tomá-los, de modosimplista, como sinônimos oucomplementares conforme aparentementesugeriu Sachs (1994), mas reconhecendo-seque existem limites históricos e conceituaisem tal proposição (LAYRARGUES, 1997).Portanto, mais que um "novo" modo de seadjetivar o termo desenvolvimento,pretende-se trazer as implicações políticas,éticas, epistêmicas e sobretudo político-administrativas ao seu devido lugar,contribuindo para a redução dapolicemicidade e exercitando adesconstrução de varientes reducionistas epouco críticas no uso dos termos.

Para que se possa adjetivaradequadamento os termos e garantir asignificação adequada às categoriassustentabilidade política e sustentabilidadeadministrativa, entende-se comoimportante clarear onde objetivamente sefunda a relação entre sustentabilidade edesenvolvimento territorial sustentável.Crucial no debate acadêmicio ora emquestão.

O conceito de desenvolvimentoterritorial sustentável descarta as soluçõescientificistas ancoradas na recriaçãocientificista da natureza, e a contrapõe poruma ética de respeito, amparada nassoluções endógenas, de enfrentamento àsconcepções darwinistas dedesenvolvimento, que o situa nas nações dosul. Defende as peculiaridades culturais etecnológicas típicas de cada "ecoregião" eancora nestas a premissa que é dos própriosdilemas cotidianos que brotam as soluçõesapropriadas. Portanto,,é também possívelem cada contexto. Não nega a importânciados intercâmbios, mas não colocando oselementos exógenos e as soluçõesuniversalistas típicas do atual modelopredatório de desenvolvimento (maudesenvolvimento) acima dos condicionantesecológicos e sociais de cada contextoespecífico.

Assim sendo, entende-se que aquestão da sustentabilidade ganha um

sentido que nos interessa quando umanecessária perspectiva de indissociabilidadeentre as questões que compõem o que seconvencionou denominar por agendaambiental (ou agenda verde) e agenda social(ou agenda marrom) se torna hegemônicaou central nos planos político analítico einterventivo. Diferente do meropreservacionismo ambiental biocentrista (obiológico com centro referencial) ou dasalternativas utilitaristas sobre a questão, avertente sustentabilista aqui assumida temno homem um ser que, como qualqueroutra espécie no planeta, precisa se servirda natureza para sobreviver (SANTOS, 1998e UNGER, 1992). Porém servir-seresponsavelmente. Como ser que impactafortemente sobre os recursos planetários,precisa de uma postura diferenciada sobreo ambiente do qual é parte inalienável. E énessa indissociabilidade entre o biológico,o humano e a diversidade civilizacional enatural que se funda a perspectivaecocêntrica.

Uma alternativa sustentabilista,portanto, encerra um conjunto depressupostos capazes de qualificar odesenvolvimento territorial sustentávelcomo um caminho que ganha sentido nocampo da ação, pois, como afirma Sachs(2003, 2004) seu conteúdo torna-sesubstantivo enquanto proposta interventiva,que tem na prática seu sentido maior.Quando da organização de textos revisadosou retraduzidos de autoria de Ignacy Sachs,Vieira (2007) reafirma este pragmatismosustentabilista a partir da denominaçãoecossocioeconomia, o que aproxima doenfoque de desenvolvimento territorialsustentável, elegendo o território comoespaço capaz de iniciar as transformações,onde se encontra uma verdadeiraenciclopédia do cotidiano. A partir dainspiração do conceito deecossocioeconomia, Sampaio (2010)organiza uma série de experiênciassistematizadas por sua equipe depesquisadores, no Brasil e Chile, quepuderam ser compreendidas como deecossocioeconomia das organizações, ouseja, que evidenciaram preocupação com oterritório, constituíram redes de açãosocioambiental e se valem também deconhecimentos locais.

O desenvolvimento territorialsustentável remete a imposição voluntáriade uma limitação às aspirações materiais eà mera aquisição de bens, compensadas poralternativas não materiais de satisfação, taiscomo sugere Max-Neef et al. (1993) naocasião que lança as bases de umdesenvolvimento a escala humana. Porconseguinte, remete diretamente à idéia deresponsabilidade individual e social comopressupostos também nucleares, que estãovigentes ao mesmo tempo em que um agirintencional se concretiza (MANTOVANELIJR., 2001). O desenvolvimento territorialsustentável é enfático, portanto, na rejeiçãoao economicismo, ao darwinismo social, aocientificismo e ao materialismo que presideas relações da sociedade de consumo. Nestesentido, se aproxima do que Harvey (2010)denomina por pós-modernidade, no qualprivilegia a heterogeneidade e a diferençacomo forças libertadoras na redefinição dodiscurso cultural predominante, sugerindoum despertar do pesadelo da modernidade.

Antecipa-se em anos umadiversidade de alternativas sem incorrer, porexemplo, no generalismo e na assepsiaideológica do Relatório Brundtland. Para osecodesenvolvimentistas, a pobreza, emboraseja uma questão fundamental, não seresolve com ciclos constantes eaprofundados de crescimento econômico, ocrescimento econômico não pode serilimitado, ainda que a ciência lhe ofereça asmais sofisticadas soluções tecnológicas. E,por fim, não é possível se desconsiderar ocaráter profundamente oligárquico, desiguale neo-colonial das relações internacionais.E é neste sentido, na perspectiva de umaação compromissada, portanto, que a idéiade sustentabilidade, a partir desta matriz,passa a interessar a este ensaio.

Este debate, desde Estocolmo, nasceamparado pela idéia da possibilidade deantecipação humana e escolha de rumospara o desenvolvimento, portanto naplausibilidade de uma governança capaz deinstituir este encaminhamento. Algo que, noâmbito, por exemplo, das determinaçõesconsideradas pelo Banco Mundial vêmsinalizando para um deslocamento de umeixo interventivo amparado pelo meroreajuste circular burocrático gerencial, paraquestões efetivamente substantivas,

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Revista Brasileira de Ciências Ambientais - Número 18 - Dezembro/2010 81 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478

diretamente relacionadas às possibilidadesde legitimação plural, democrática,descentralizada, endógena e sustentável dodesenvolvimento e suas formas deencaminhamento (BORGES, 2003). É nestecontexto que os termos governança e porextensão, governo, gestão, governabilidadee administração são aqui considerados. Epor extensão, se governança é a capacidadeefetiva de pactuação democrática esustentável que corporifica e, portantoterritorializa os processos de gestão dodesenvolvimento, o administrativo é ofenômeno social que a contém. Agovernança, portanto, é fator determinantedas instâncias de territorialização dodesenvolvimento, tanto no sentido físicocomo amplamente institucional do termo.Por conseguinte, qualquer leitura sobre aidéia de sustentabilidade que abra mão daescolha humana para a definição dediretrizes e ações não pode ser vista comoalinhada à lógica do desenvolvimentoterritorial sustentável. A busca dasustentabilidade na construção de ummodelo de vida associada implica, portanto,em uma reflexão sobre mecanismos quepermitam levar adiante tal desafio. Porconseguinte, a literatura da área consagrano debate argumentos como a defesa doplanejamento e de sua implementação deações e a participação democrática noprocesso decisório para o desenvolvimentoterritorial sustentável. É justamente emfunção desta referência que este artigo temcomo objetivo o discernimento sobre oprocesso político decisório em favor dodesenvolvimento territorial sustentávelcomo fator determinante a ser consideradona agenda deste, elegendo como categoriasprincipais de análise, enquanto argumentosqualificadores, as idéias de sustentabilidadepolítica e sustentabilidade administrativa.

SUSTENTABILIDADES POLÍTICA EADMINISTRATIVA

Diante da complexidade temática,quando o assunto é o desenvolvimentoterritorial sustentável, Sachs (1994) propõecinco categorias (indissociáveis) bastanteúteis objetivando tornar didática acompreensão dos desafios que se impõemà temática do desenvolvimento, quais sejam

as dimensões de sustentabilidade social,espacial, cultural, econômica e ecológica. Asocial, procurando explorar o desafio datransformação dos padrões com que asociedade se interpreta e se transformarumo a uma idéia não materialista eutilitarista do que seria a "sociedade ideal";a dimensão espacial expressa o desafio dareelaboração de uma configuração rural-urbana mais equilibrada, uma melhordistribuição territorial bem como capaz derespeitar as identidades a elas subjacentes;a dimensão cultural ilustra o desafio de seconstruir uma idéia de modernidade oumudança social ancorada em referenciaisendógenos; o debate sobre a dimensãoeconômica situaria o desafio fundamentaldo rompimento com a lógica colonial dossistemas econômicos sobre as demaisesferas da vida associada, ou seja, dareinserção dos sistemas organizativos debase econômica em um sistema mais amplo,no caso o sistema social; por fim, a dimensãoecológica, expressaria o desafio de serelacionar os processos de mudança social,criação e difusão tecnológica com acapacidade de carga da "nave mãe" terra.

Do mesmo modo, Nosso FuturoComum, embora sem maior detalhamentoou aprofundamento, também apresentacategorias de sustentabilidade como recursodidático, analítico e propositivo, das quaisas dimensões de sustentabilidadeadministrativa e política fazem parte. Esteestudo traz, por conseguinte, como uma desuas justificativas teórico-práticas, umacontribuição para a busca doamadurecimento do debate através destascategorias ou dimensões.

Talvez o grande mérito da idéia desustentabilidade política seja oaprofundamento do debate sobre ademocratização nos processos de decisãoque afetam mais diretamente a vida pública,dos quais falam obras como as deFriedmamm (1992), Lamounier (1996),Kliksberg (1988), Nutt e Backoff (1992) eOsborne e Gaebler (1995), dentre outrosautores, porém trazendo um novoingrediente. Qual seja, a idéia de que,embora os processos democráticos detomada de decisão sejam imprescindíveis àbusca do desenvolvimento territorialsustentável, a democratização não implica,

necessariamente em sustentabilidade, jáque é perfeitamente possível se construirdemocraticamente alternativas dedesenvolvimento que não considerem,indissociavelmente, as agendas social eambiental. Os territórios devastados e abiodiversidade exaurida pelas democraciasnorte americana e de diversas naçõeseuropéias ilustram tal afirmação, e nãodiverge da história democrática brasileira.

Esta afirmativa pode ser constatadaobservando atentamente os objetivos docapítulo oito da agenda 21, quando afirma:

"O objetivo geral é melhorar oureestruturar o processo de tomada dedecisões de modo a integrarplenamente a esse processo aconsideração de questões sócio-econômicas e ambientais, garantindo,ao mesmo tempo, uma medida maiorde participação do público.Reconhecendo que os países irãodeterminar suas próprias prioridades,em conformidade com suas situações,necessidades, planos, políticas eprogramas nacionais preponderantes,propõe-se os seguintes objetivos:

a) Realizar um exame nacionaldas políticas, estratégias e planoseconômicos, setoriais e ambientais,para efetivar uma integração gradualentre as questões de meio ambientee desenvolvimento;

b) Fortalecer as estruturasinstitucionais para permitir umaintegração plena entre as questõesrelativas a meio ambiente edesenvolvimento, em todos os níveisdo processo de tomada de decisões;

c) Criar ou melhorarmecanismos que facilitem aparticipação, em todos os níveis doprocesso de tomada de decisões, dosindivíduos, grupos e organizaçòesinteressados;

d) Estabelecer procedimentosdeterminados internamente para aintegração das questões relativas ameio ambiente e desenvolvimento noprocesso de tomada de decisões".(AGENDA 21, cap.8)

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Revista Brasileira de Ciências Ambientais - Número 18 - Dezembro/2010 82 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478

Por conseguinte, na medida em quese analisa a sustentabilidade política de umdeterminado processo de formulação,implementação e avaliação de políticas, oque na realidade se está buscando é acompreensão da capacidade que os sistemasde gestão de políticas possuem de absorverestrategicamente as demandas sócio-ambientais por meio de mecanismosparticipativos e estratégicos, idéia queMantovaneli Jr. (2000) sintetiza sob oconceito de efetividade processual. O termoestratégico, neste estudo, é tomado nomesmo sentido em que o usa, Bryson (1989),Souto-Maior (1994), Sampaio (2000) eMantovaneli (1994), qual seja,primordialmente como sinônimo daquiloque é mais importante aos stakeholders. Oobjetivo geral do capítulo oito da agenda 21,traduz, portanto esta referência.

Sem pretender fazer maioresincursões sobre a teoria da modernizaçãoreflexiva, vale ressaltar que um dos autoresque se preocupa com a questão política,ainda que sem se debruçar explicitamentecom esta dimensão enquanto categoria desustentabilidade, foi Ulrich Beck. Para esteautor a sociedade industrial, nos últimos 50anos, produziu uma realidade onde os riscosgerados pelos mecanismos de produção econsumo material sãodesproporcionalmente distribuídos,caracterizando um quadro de falta depredição e controle sobre as transformaçõesimpostas pelo homem sobre si e o ambientenatural. Em linhas gerais, pode-se afirmarque este quadro de heteronomiascaracterizaria uma "sociedade de riscos"(BECK, 1992; GUIVANT, 2001). Por outrolado, as três últimas décadas do século XXofereceram também um ingredienteespecial, capaz de qualificar aspreocupações em torno do conceito desustentabilidade política, nos termosanteriormente expressos. Este ingredientefoi o surgimento e crescente consolidaçãoda sociedade civil como um sistema depoder capaz de atuar plural eautonomamente, ao lado dos sistemasestatais e econômicos. Mas qual seria arelevância desta constatação e o papel queestes "novos atores" assumiriam em relaçãoàs idéias de sustentabilidade política eadministrativa?

Nos termos sugeridos, por exemplopor Beck (1997), há que se partir de duasconstatações para responder a estasquestões. De um lado historicamente éfundamental a percepção de que ossistemas econômicos empresariais gozaramde certa hegemonia na determinação direta(via mercado) ou indireta (no mínimo viaEstado) do modelo atual dedesenvolvimento. Deste quadrohegemônico é desencadeado ummecanismo de transformação institucionaldo qual a problemática sócio-ambiental nãopode ser desvinculada, e assim sendoapresenta-se como fenômeno complexo, porsi capaz de desqualificar qualquer propostaexplicativa ou propositiva que passe pelaidéia romântica da culpa intencional.Complementarmente, quando asalternativas propostas partem doquestionamento aos resultados e impactosglobais e locais deste papel hegemônico,parece ser natural que estes atores, namesma perspectiva complexa procuremassumir as diversas arenas relacionadas `aprodução dos riscos para que possamcontinuar a se legitimar socio-ambientalmentemente (CRUBELATTE eVANCONCELOS, 2003). E isso vemcaracterizando fortemente o ambientepolítico deste período. Ganha corpo nodebate, a importância de um papelrenovado que a sociedade civil passa adesempenhar nas arenas complexas quedeterminam o desenvolvimento e amudança socioambiental. Não apenascontraditoriamente legitimando certaspráticas, mas também propondo outroscaminhos que fogem aos modelos vigentes.

Dada a ordem de argumentosexpostos por estes autores, não seriaportanto equivocado afirmar que, estesistema de poder expresso pela sociedadecivil, também plural e complexa reconfigura,sobretudo no período pós Guerra Fria, oespectro político institucional e passa arequerer do sistema formal de poder, umaguinada em favor do aprofundamento demecanismos institucionais administrativosvoltados à uma democracia mais de baseparticipativa, como condição à legitimaçãodas instâncias representativas clássicas(Sachs, 1994; Barreira, 1995; Fernandes,1997; Kisil, 1997, Santos, 1998). Obviamente

não a mera participação como valor em si,já que como foi citado anteriormente, ademocracia é também o ambiente políticoem que a sociedade de riscos se legitimou.Mas, como afirma Guivant (2001), se opolítico se reconfigura a partir daperspectiva cotidiana, é inevitável que estatransformação pressione o sistemainstitucional formal a adquirir maiorcapilaridade, apontando para caminhos emque a estruturação em rede, passa a ser umreferêncial institucional emblemático(CASTELLS, 1998).Um fenômeno, portanto, que parece serimpulsinado pela constatação de um outrofenômeno, denominado por Beck comosubpolítica difusa, onde (...)

(...)" mundo das instituiçõespolíticas (parlamentos, partidospolíticos, sindicatos etc.)simbolicamente rico, no qual seidentifica política com Estado,sistema político com carreiraspolíticas full-time, estariacoexistindo com o mundo daspráticas políticas cotidianas,caracterizado por umaindividualização dos conflitos einteresses. Transformaçõescomplexas estariam acontecendono plano da individualizaçãoconjuntamente com os processosde globalização. Tal individualizaçãonão seria equivalente a atomização,isolamento ou solidão, mas aprocessos em que os indivíduosdevem produzir suas biografias(algo equivalente à formulação deGiddens sobre a reflexividade). Aesse tipo de individualizaçãocorresponde um tipo de políticaque ainda coexiste com a anterior,mas esta superposição não implicanecessariamente diálogo entre asduas formas de fazer política.(GUIVANT, 2001, P. 07).

Um dos imensos e constantesdesafios da sustentabilidade política seexpressa no estabelecimento deste diálogo,ou de uma dinâmica de alteridade capaz deconsiderar tais distinções e/ou

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entrelaçamentos no ambiente social.Disto resulta que, mesmo aqueles

autores que buscam na perspectiva declasses uma interpretação para os conflitossociais presentes na alta-modernidade,passam progressivamente a considerar, queclasse, mais que um lugar no processoprodutivo, revela uma identidadehistoricamente construída (CAPELINE, 1993;TOMPSON, 1984). E por traz destemecanismo complexo de identificação eposicionamento social, funda-se umarenovação do (fenômeno) político e tambémdo (fenômeno) administrativo. Nãolinearmente, mas dinâmica ereciprocamente. Já que, como brilhante eprofundamente nos mostra Ramos (1983),o fato administrativo é proeminente nasociedade contemporânea einevitavelmente compõe o ambientesocietal hoje presente. O homem modernose apresenta como um transformadorcontumaz do ambiente natural, social esimbólico, ao ponto de impregnaradministrativamente o seu mundo. Ofenômeno social, em boa medida passa a sefundir com o administrativo, mesmo oadministrativo não sustentável, que gere oatual modelo predatório dedesenvolvimento. Acredita-se que este vigorse aprofunda na sociedade de riscos,forçando a uma reconfiguração dos sistemassociais e políticos que, desde já merece servista enquanto instância de sustentabilidadeadministrativa, na medida em que reflitama tentativa de resgatar o desenhoinstitucional em movimento, direcionando-o a uma perspectiva social sustentável. Oque sugere um encaminhamento ao mesmotempo preditivo, propositivo e intencional.Em outras palavras, o ambiente dereinvenção da política, tanto pode servir aum aprofundamento dos riscosdesigualmente distribuídos, como contribuirpara o resgate, complexo, porém lido comopossível no desenvolvimento territorialsustentável e isso se daráadministrativamente, no sentido maior enão meramente técnico do termo.

Se como afirmam Almeida (1997) eSantos (1996), o Relatório Brundtland nãodefinia uma referência de tempo e lugarespecíficos e muito menos dizia quemseriam os sujeitos que definiriam os

parâmetros de construção deste novocaminho de desenvolvimento, a partir de talconstatação esta seria uma demandainalienável de tal projeto. Portanto, oprojeto da sustentabilidade embute, antesde tudo, uma dimensão política, mesmoporque, como foi visto, múltiplos atores lheinserem uma multiplicidade decompreensões e expectativas sobre o que éo meio ambiente, e esta é uma equação aser enfrentada para que seja possível sepensar e formular políticas públicas capazesde sinalizar para o caminho dodesenvolvimento territorial sustentável:

em dezembro de 1997 (UNESCO, 1999) ondeé realçada a importância da educação, nosentido amplo do termo, como caminhopara a construção de uma consciênciapública sobre a questão.Não são poucos os autores que, buscandouma alternativa crítica à teoria dasorganizações vigente no mundo empresarial,relativizam certas verdades quase queestabelecidas. Druker, por exemplo, chamaa atenção para seguinte fato. Peço licençaaos leitores para um citação um tantoextensa mas elucidativa:

"O projeto de desenvolvimentosustentável é sobretudo umdesafio político e isto se explicitabasicamente de duas formas. Emprimeiro lugar, pelo fato de que oconceito de sustentabilidadequalifica o tipo dedesenvolvimento desejável paradeterminada sociedade; e, emsegundo lugar, por demandar aidentificação dos sujeitos cuja'razão social' seria a constituiçãodo referido projeto. Dessamaneira, antes de se constituir emum desafio teórico, financeiro outecnológico, a sustentabilidaderequer determinação, interessesocial e político, no sentido deinstituir um outra relação entresociedade e natureza;" (Santos,1996:14).

No entanto, como se trata deconceito indissociado de outras dimensões,há que ser um processo de participaçãovoltado a uma lógica de construção devalores eminentemente diferenciadosdaqueles que consubstanciam asalternativas economicistas ou materialistasde desenvolvimento. Este imenso processode edificação de percepções e consciências,ou gestão, no sentido maior do termo,remete ao capítulo trinta e seis da Agenda21, bem como ao documento básico daconferência de Tessalônica - Grécia, realizada

"Num período relativamente curto- talvez desde o final dos anos 40ou início dos 50 - nunca existiramtantas novas técnicas gerenciaiscomo hoje: redução downsising,terceirização, gerenciamento daqualidade total, análise de valoreconômico, benchmarking,reengenharia. Cada uma dessasnovas técnicas é uma ferramentapoderosa. Porém, com exceção daterceirização e da reengenharia,elas foram concebidasprincipalmente para realizar deforma diferente aquilo que já éfeito. São ferramentas de "comofazer".Contudo, o que fazer está, cada vezmais, se tornando o desafio centralenfrentado pelos dirigentes deempresas, em especial das grandesempresas que tiveram sucesso pormuito tempo. (...)A causa básica de quase todas essascrises não é o fato de as coisasestarem sendo malfeitas, nemerradas. Na maioria dos casos, estãosendo feitas as coisas certas - masinutilmente. Qual é o motivo desteaparente paradoxo? As hipótesessobre as quais a organização foiconstruída e está sendo dirigida nãomais se encaixam com a realidade(...). (DRUCKER, 1999, p.5)

Sem entrar no mérito se este autor éou não um ideólogo das organizações quelevam o planeta a uma condição deinsustentabilidade no desenvolvimento, o

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fato é que, a proposição é válida também àgestão de políticas públicas, e também àdinâmica da sustentabilidade. Ou seja, seráque as tentativas de elaboração de agendasXXI e tantas conferências internacionais nãopadecem do mesmo mal? Será que arealidade é adequada e politicamenteconsiderada em suas arenas e agendas, ouo "como fazer", em face de uma cultura doimediatismo, tecnicismos ou democratismostambém aqui parecem ainda presidir osprocessos? Os Relatórios de ImpactoAmbiental e o receituário sobre "GestãoAmbiental" voltam-se mais ao "como" ou ao"o que" ?

Não são poucos os autores econsultores que, procupados com osmodismos editoriais e ideológicos, ouvitimas de uma formação limitada,preocupam-se em tomar o fenômenoadministrativo como uma profusão dereceitas voltadas ao "como fazer". Esquecemque o "como", não prescinde do "o que". Aprimeira questão (como fazer?) sozinhaparte de uma realidade já dada, portantolegitimada. É na segunda pergunta (o que?)que se funda a possibilidade da crítica e donovo, e o "como" se movimenta. Assim adiscussão gerencial sobre as políticas dedesenvolvimento parecem ser desafiadaspela mesma problemática.

Quando a referência do processoadministrativo deixa de ser a simples análisedos resultados das políticas (a eficácia e aeficiência para mensurar o "como"),partindo para alternativas formativas deconsideração. Ou seja, quando o eixoanalítico ou interventivo desloca-se dosresultados para os processos e seuspressupostos, não apenas a dinâmicaestrutural que os consubstancia éfundamental, mas também passam a serfundamentais os atores que os legitimam edão vida, e suas impressões. Neste instante,uma outra dimensão se apresenta aoprojeto sustentabilista, qual seja a dimensãoadministrativa.

Na medida em que os processos sãovistos como determinantes fundamentais dapolítica e seus resultados, estes se tornamtambém alvo privilegiado dos processosdecisórios. Ou seja, os atores começam a sepreocupar com a abordagem aplicada aoprocesso decisório, suas pedagogias, sua

normatividade, suas prerrogativas, suadinâmica, e passam também a deter esteconhecimento e com ele lidar. Esta destreza,segundo Mantovaneli Jr. (2001) é desejávelaos atores e aos processos voltados asustentabilidade. Por conseguinte ecomplementarmente à sustentabilidadepolítica, a idéia da sustentabilidadeadministrativa visa compreender acapacidade que os sistemas de gestãopossuem para se auto-transformarem,atualizarem-se, garantirem uma efetivabusca de alternativas a seremimplementadas e constantementemonitoradas (SAMPAIO, 2000), tomandonão apenas os resultados das políticas, masem primeiro lugar os próprios processosadministrativos como instâncias vivas degestão das necessidades sociais eindividuais, locais e globais (MANTOVANELIJr., 2001). Por conseguinte, um processo degestão ganha maior ou menorsustentabilidade administrativa, conformeseja capaz de institucionalizar, avaliar eajustar os seus processos à luz dasdemandas efetivas da sociedade ou parcelasocial que o consubstancia e abriga.

Ramos (1983) apresenta o debateadministrativo nos seguintes termos: Todaquestão administrativa pressupõe um fatoadministrativo que antecede e conferesentido, portanto indissociavelmente, à açãoadministrativa, esta última vista como umamodalidade de ação social comcaracterísticas bastante específicas. O autorpropõe o fato administrativo como"fenômeno social total". Ou seja, é aexpressão de uma "totalidade aberta [...]"ou "conjunto de elementos e interações,conjunto no qual um aspecto interno e outroexterno são teoricamente distintos mas, defato, se influenciam reciprocamente" (p.25).Fatos administrativos e sistemasadministrativos, para Ramos (1983) sãotermos correlatos, o que permite afirmarque, para ser visto como totalidades devemcompreender: "1) que sua estrutura internaconsta de elementos e camadas distintas,em recíproca relação; 2) que constituemtambém as suas relações externas comoutros elementos sociais" (p.28).

Chega-se, portanto, à seguintedefinição: fato administrativo trata-se de um"complexo de elementos e de suas relações

entre si, resultante e condicionante da açãode diferentes pessoas, escalonadas emdiferentes níveis de decisão, no desempenhode funções que limitam e orientamatividades humanas associadas, tendo emvista objetivos sistematicamenteestabelecidos" (p.28). O que o caracterizaenquanto fenômeno social envolto porgrande normatividade, podendo esta seampliar ou diminuir conforme ascaracterísticas delimitativas específicas dosistema em foco. Por exemplo, sistemaseconômicos de orientação individual, ouorganizações que atuam no mercado,cerceadas por interesses mercantis,possuem maior normatividade. Estanomatividade ampliada se explica porquesão voltadas à maximização de uma dadadimensão racional instrumentalproeminente. Por outro lado, os sistemasmercantis se diferenciam dos sistemas deorientação mais comunitária, como asorganizações da sociedade civil, pelo fatodestas possuírem um caráter maiscontemporâneo. Objetivamente, umaempresa, voltada ao lucro tem objetivosdistintos, por exemplo, de uma associaçãode bairros, de um clube de recreação, ou deuma organização familiar ou de artistas.Sistemas sociais voltados ao lazer, ao lúdicoe à amizade, por exemplo, comportam umadimensão racional substancial maisproeminente, e ainda que comportemtambém uma dimensão instrumental, poistambém detém objetivos, esta última contacom um ponto de equilíbrio instrumental xsubstancial diverso das organizaçõeseconômicas e/ou burocráticas (RAMOS,1989). Consideração que reforça arelevância e o papel renovado que estessistemas sociais têm a oferecer.

Aos leitores não tiveram ainda aoportunidade de conhecer a contribuição deRamos para a sociologia e para a sociologiada administração, e partem da percepçãogeral aqui proposta, por mais que se tenhaprocurado dar coerência às idéiasdesenvolvidas, pode ainda ter a seguintedúvida. Afinal, se a realidade é meraexpressão da ação administrativa, quefunção tem a política afinal de contas?

A política traduz um fenômeno dealteridade, de jogo de poder, de legitimaçãode interesses que se concretizam em

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projetos e intencionalidades ora difusas eemergentes, ora deliberadas que ganhammaior ou menor concretude quandocontrastadas pelo campo social.Evidentemente um maior aprofundamentosobre a questão envolveria debates áridossobre, por exemplo, a validade ou não daexistência de uma ciência política, ou aexatidão das fronteiras que separam osfenômenos políticos e sociais, ou asociologia e a ciência política. O que nãoseria o objetivo deste ensaio. Para aquelesque pretendem se aproximar destadiscussão sugere-se não apenas a leitura dasobras de Alberto Guerreiro Ramos, mastambém as considerações da ComissãoGulbenkian (1996) sobre os grandes desafiosdas ciências sociais.

Sabedores dos limites destadiscussão, mas assumindo o ônus do nãoaprofundamento neste instante, éimportante ressaltar que não é por acasoque o autor, no concernente ao conceito deação administrativa, vai até Weber paraderivá-lo da idéia de ação social relacionadaa fins. O que remete à idéia de ação socialcomo um fenômeno amparadoprimordialmente por uma lógica racionaleminentemente instrumental ou funcional,e, por conseguinte o fato social comoprimordialmente racional substantivo, e aambos como fenômenos indissociáveis1.Ora, se a realidade e, por conseguinte a açãohumana devem ser tomadas comototalidade dinâmica e complexa, aindissociabi lidade entre fato e açãoadministrativa é inevitável e como tal deveser tomada para que não traduza uma falsae reducionista visão da administraçãoenquanto atividade humana em si. Onde porexemplo o "como fazer" se sobrepõe ao "oque fazer", como no exemplo anteriormentediscutido.

Toda ação administrativa estánecessária e indissociavelmente relacionadaa um fato administrativo que lhe conferesentido, e, do mesmo modo, todo fatoadministrativo tem na ação administrativauma complementariedade instrumentalcapaz de conferir-lhe concretude. Por fim,todo fato administrativo é capaz de conferir

sentido a uma dada ação, por se traduzir emtotalidade envolta por uma dinâmica socialpassível de interpretação.

Em outras palavras, se eu interpretoa realidade social como a de uma "sociedadede riscos", ou amparada por uma visão"biocêntrica" ou "antropocêntrica", isso medá uma percepção bastante circunscritasobre as questões a serem geridas, e porconseguinte um leque de ações concretas.Com isso, de modo algum se pretendesimplificar o debate, mas procura-sedemonstrar a plausibilidade didática noentendimento de uma interface entre fatosocial, fato administrativo e açãoadministrativa.

Colocados estes argumentos cumpreindagar, no que tal discussão poderia sersignificativa para a busca dodesenvolvimento territorial sustentável?Para se falar em alternativas sustentáveis deorganização da vida associada, deve-se,antes de qualquer coisa, tomar como pontode partida, a realidade enquanto fatoadministrativo. Ou seja, toma-se odesenvolvimento, antes de mais nada,enquanto processo histórico (PRADO Jr.,1989), dinâmico e total. E é da compreensãode seus aspectos endógenos que todapossibilidade de ação social deverá emergir.Alternativas que desconsideram estasquestões, e tomam a ação comoprerrogativa maior, correm o risco, nãosomente de empobrecer seu objeto deanálise e intervenção como de conduzir aação social como um sistema estéri l,estático, insustentável. O fato administrativoque condiciona a ecodecisão ouecoadministração traz um ingredientebastante particular, capaz de diferenciá-lodiante das demais modalidadesinterventivas. Trata-se de uma lógica que,sobretudo privilegia aos processos,tomando-os enquanto instâncias deengajamento em um projeto desustentabilidade, que prima pela harmoniaentre as agendas ambiental e social dedesenvolvimento. A esta lógica Alphandéry,Bitoun e Dupont (1992) denominam porecocêntrica, qual seja, aquela capaz devisualizar a relação homem natureza como

elementos indissociáveis, onde a referêncianão se encontra em um ou em outro, masem uma totalidade. A visão ecocêntricaampara-se em duas críticas fundamentais.Uma ao antropocentrismo, que determinauma leitura utilitarista do mundo colocandoos interesses materiais do homem comomedida de tudo; e outra à visão biocêntrica,que alimenta o ecologismo radical e colocaa natureza como expressão de algo que nãopode ser tocado, esquecendo-se que ohomem, como qualquer outro ser vivo doplaneta, precisa se servir, com sabedoria, danatureza para que possa sobreviver.

Quando se fala, portanto, emsustentabilidade administrativa, taladjetivação remete à uma visão ecocêntricasobre o administrativo. Nas palavras deMantovaneli Jr. (2001), indo além dasperspectivas funcionalista e estruturalista,esta dimensão de sustentabilidade:

1 Para outros detalhes sobre a questão racional, ver Ramos (1983:37).

"abre o conceito para a noção desujeito e de ator, o que permite quese elabore a idéia de gestãoenquanto um processo histórico,possibilitado única eexclusivamente pela presençaintencional do homem, sua vontadee seus projetos, e o que tornainadiável a visibilidade dosprocessos administrativosenquanto instâncias educativas"(p.276). (...) "Portanto, asustentabilidade administrativa deuma política condiciona-sediretamente pelo grau deengajamento de seus atores em umprojeto também de democraciaprocessual. Seria um modoespecífico de olhar o que Mintzberg(1994) denomina de 'esti locompromissado de gerência'"(p.277)

A ecodecisão, enquanto decisõesadministrativas coerentes e nãoreducionistas, resultam de uma ação socialque guarda uma perspectiva atenta ao fatosocial que a propicia. Em outras palavras, a

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busca da ecodecisão, aquela queprocessualmente se ampara em um projetosustentabilista, traduz, como sugereDansereau (1999, p. 53), uma confluênciaentre as questões essenciais à uma agendabio, eco e sociodiversa, como expressão dacomplexidade dinâmica subjacente àqualquer fato administrativo ouecoadministrativo.

Assim sendo, as questões política eadministrativa, são inseparáveis e em termosdidáticos, são tomadas, neste artigo, comosignificativas e esclarecedoras na análise depolíticas públicas visualizadas sob a ótica dodesenvolvimento territorial sustentável,além de serem um caminho ainda poucoexplorado na literatura sobre administraçãopública, ciência política e desenvolvimentoregional.

Sachs (1986a e 1986b), Vieira (1995e 1999), Leis (1995), Silva (1999) e Sampaio(2000) estão entre os autores preocupadoscom esta questão, tanto que em suas obrasé recorrente o debate sobreecoplanejamento, planejamentoestratégico, gestão estratégica,governabilidade ecológica e ecodecisão. Asdimensões política e administrativa dodesenvolvimento expressam, portanto,mecanismos fundamentais à condução deum projeto de vida associada em basessustentabilistas, e verdadeirosdeterminantes na construção de umdesenvolvimento voltado, não àmaterialidade ou ao mercado, mas aohomem, como ser indissociável da naturezae do cosmos que o abriga e o viabilizaenquanto ser (GUTIERRES e PRADO, 1999;VIEIRA e BREDARIOL, 1998).

A compreensão destes fenômenospode ser de grande relevância para a buscada construção de uma sociedade sustentáveldesde os processos que formam o homeme transformam o ambiente.

CONCLUSÃO

Entende-se que a questão dasustentabilidade é central na promoção dodesenvolvimento territorial sustentável.Diferentemente do mero preservacionismoambiental biocentrista ou das alternativasutilitaristas sobre a questão, a vertentesustentabilista se baseia num conjunto de

pressupostos capazes de qualificar odesenvolvimento territorial sustentávelcomo um caminho que ganha sentido nocampo da ação que é necessário paracorrigir principalmente as distorções sociaisocasionadas pelo modelo dedesenvolvimento neo-capitalista. Mas demodo algum uma ação desprovida desentido e intencionalidade por se tratar demovimento proposto para a concretizaçãode um ideário do qual, as práticas políticas,as pedagogias e estruturas administrativassão concebidas no sentido de oferecer umsenso de compromisso e responsabilidadenas instâncias de desenvolvimento. É dajunção entre ação, sentido eintencionalidade que se aventa apossibilidade de uma "boa governança" parao desenvolvimento territorial sustentável(BORGES, 2003).

Entre as dimensões sustentabilistasapregoadas na revisão bibliográfica(ecológica, espacial, econômica, cultural,social, política e administrativa), asdimensões política e administrativa são asque mais influenciam no processo políticodecisório (entendido como meio). Processoeste expresso em instâncias de concepçãoda realidade, formulação, implementação eavaliação de estratégias contidos emqualquer metodologia de planejamento egestão que se volte intencionalmente àpromoção do desenvolvimento territorialsustentável. As demais dimensões estãomais relacionadas aos resultados (entendidocomo fim) dos planos de desenvolvimento.E quando não, são mediadas pelasanteriores.

As dimensões política eadministrativa fortalecem diretamente àidéia de responsabilidade individual e socialquando o agir intencional se concretiza nosprocessos que visam a sustentabilidade. Asustentabilidade processual (MANTOVANELIJr., 1994) deve privilegiar não apenas asdemandas dos membros participantes(intraorganizacional) do processo deplanejamento ou de gestão mas, também,as pessoas que vão ser afetadas por taisações e que nem sempre estão participandonas tomadas de decisão(extraorganizacional). Na concepção deRamos (1983), isto favorece que o fatoadministrativo seja analisado como um

fenômeno social total, e na concepção deSampaio (2000) e Mantovaneli Jr. (2001), istoé o que caracteriza um critério deefetividade.

Entretanto, não se pretende que acategoria efetividade seja um critério quese sobreponha aos de eficiência(racionalização de recursos e tempoorganizacionais) e eficácia (parametrizadono alcance dos resultados organizacionais),mas se deseja direcioná-los de modo quepossam superar no seu âmbitointraorganizacional o mero cálculo meios-fins utilitaristas, equacionados apenas nadimensão econômica. Dito com outraspalavras, a racionalidade instrumental nãoé uma deformação da racionalidadesubstantiva, ela a complementa, ela age nomundo das ações enquanto a segunda nomundo das ideias, dos valores. O que a tornadegenerativa é na ocasião que esta se tornahegemônica, sob o signo da economia.

Em síntese, a premissa fundamentaldeste trabalho ampara-se na compreensãode que, a sustentabilidade de um processode gestão (ou a boa governança, agovernança responsável) para odesenvolvimento territorial sustentável tem,nos encaminhamentos decisórios, padrõesdeterminantes. Portanto, um processo degestão é sustentável, em primeiro lugar,quando se volta a um projeto de vidaassociada em bases sustentabilistas, e nãoquando contribui com ele em função de umacaso ou circunstancialmente. Por esta razãoque anteriormente ressaltou-se que nãobasta a mera participação para que setenham encaminhamentos decisóriosvigorosos ou satisfatórios a tal projeto. E emsegundo lugar, quando o processo decisórioque consubstancia tal ação administrativaampara-se por um fato administrativodelineado de acordo com princípiossustentabilistas. Ramos nos apresenta o fatoadministrativo antes de tudo comofenômeno social cientificamente passível deconstatação. Portanto, enquanto fatocientífico, é antes de tudo uma abstraçãometodológica. Portanto trata-se de "menosuma realidade material, tangível, do queenunciado empiricamente verificável acercade fenômenos em termos de um esquemaconceitual. É, conseguinte, neste patrimôniobastante referenciado pelos autores aqui

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utilizados, que os princípios sustentabilistasse assentam. E tais princípios divergemdaqueles que presidem o atual modelopredatório de desenvolvimento.

Dada a imensa complexidade destasquestões, não se pretende com este artigo,portanto, definir ou querer propor um pontofinal, mas contribuir para a constanterevitalização do debate sobre odesenvolvimento territorial sustentável esua agenda.

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