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Câmara dos Deputados Praça dos 3 Poderes Consultoria Legislativa Anexo III - Térreo Brasília - DF GOVERNANÇA GLOBAL E CULTURA DA PAZ Lúcio Reiner Consultor Legislativo da Área XIX Ciência Política, Relações Internacionais ESTUDO FEVEREIRO/2000

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Câmara dos DeputadosPraça dos 3 PoderesConsultoria LegislativaAnexo III - TérreoBrasília - DF

GOVERNANÇA GLOBAL E CULTURA DAPAZ

Lúcio ReinerConsultor Legislativo da Área XIX

Ciência Política,Relações Internacionais

ESTUDOFEVEREIRO/2000

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ÍNDICE

© 2000 Câmara dos Deputados.

Todos os direitos reservados. Este trabalho poderá ser reproduzido ou transmitido na íntegra, desde que

citados o(s) autor(es) e a Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados. São vedadas a venda, a reprodução

parcial e a tradução, sem autorização prévia por escrito da Câmara dos Deputados.

1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 32. FIM DE UMA ERA .................................................................................................................... 43. A PROCURA DE UM NOVO PARADIGMA ........................................................................... 54. NECESSIDADE DE UMA NOVA CULTURA UNIVERSAL .................................................. 65. OPÇÕES PARA UMA NOVA SOCIEDADE ........................................................................... 75.1. O CONCEITO DE GOVERNANÇA GLOBAL ................................................................... 75.2. NECESSIDADE DE NOVOS ATORES NO CENÁRIO INTERNACIONAL ................... 85.3. IMPORTÂNCIA DO PODER LEGISLATIVO NA NOVA ORDEM MUNDIAL ............... 96. PARA UMA CULTURA DA PAZ UNIVERSAL ..................................................................... 106. UMA AGENDA PARA A PAZ ................................................................................................ 126.1. REFORMA DAS INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS ..................................................... 126.2. IMPLEMENTAÇÃO DO IMPÉRIO DA LEI – RESPONSABILIDADE DOS

PARLAMENTARES ................................................................................................................ 127. CONCLUSÕES ........................................................................................................................ 13REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................... 14

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GOVERNANÇA GLOBAL E CULTURA DA PAZLúcio Reiner

1. INTRODUÇÃO

O mundo atravessa fase de transição. Toda vez queisto ocorreu na história da humanidade, verificou-se perturbaçãona organização da sociedade e intenso debate de idéias, a respeitode qual o melhor futuro, e como alcançá-lo.

Crenças, idéias, teorias, ideologias diversasparticipam da grande discussão sobre a organização do mundo.No passado, tal evolução era lenta, quase imperceptível,arrastava-se durante séculos. Com a chegada da era moderna oquadro mudou radicalmente. O Iluminismo abriu as portas pararecolocar o homem no centro do debate. Os enciclopedistasfranceses (Diderot, d’Alembert, Rousseau, Voltaire, o barão deMontesquieu) traçaram as bases dos sistemas democráticos degoverno hoje vigentes, o pensador inglês Locke a relação entreos governantes e os governados (“Do Governo Civil”) enquantoseu conterrâneo Hobbes alertava (“O Leviatã”) para os perigosdo Estado todo-poderoso.

A Revolução Francesa marcou o início da era dasrevoluções no mundo moderno. Desde 1789 o mundo não temsido mais o mesmo. Os monarcas de direito divino foramsubstituídos, no mais das vezes traumaticamente, por repúblicasou monarquias constitucionais. As relações entre governantes egovernados passaram a pautar-se pelo império da lei, a separaçãodos poderes, eleições periódicas. Evoluíram para obediência eigualdade de todos perante a lei, sistema de “checks and balances”entre executivo, legislativo e judiciário, sufrágio universal. Emsoma, adentramos na era dos direitos.

Após 1500 anos de tirania e despotismo, voltava-sea cultuar os ideais traçados em Atenas. A Grécia antiga é oberço de nossa identidade cultural, social e política. A recuperaçãodessa memória coletiva iniciou-se no Renascimento, com arecuperação dos conceitos estéticos do que veio a ser chamadode Ocidente, passando-se, depois, à atualização dos conceitospolíticos expressos em Platão e Aristóteles.

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Se considerarmos estes prazos, podemos argumentar que a evolução recente dahumanidade tem ocorrido com dinamismo estarrecedor. Contudo, esta visão histórica não coincidecom a visão prática dos que vivem esta época. Desde o advento da revolução industrial, a noção detempo, de prazo, adquiriu conotação nova. Vivemos em momento de imediatismo, de rapidez, deinstantaneidade. Tal pode ser constatado pelas novas tecnologias que, de certa forma, “viciaram” ohomem em obter resultados em tempo real, ou seja, na hora.

Por isso, parece aos que aqui estamos que o progresso se dá de forma lentíssima, à beirado insuportável. Mais ainda, os dados (outra novidade de nossa época) mostram que o progresso, aocontrário do que se acreditava, não alcança a todos. Ao invés disso, temos um acúmulo de riquezasem progressão geométrica, altamente concentrado, contrastando com o aumento de número dospobres e miseráveis. Como é possível que, após décadas de incessante progresso científico, tecnológico,social continuem a vigorar condições de vida comparáveis às da Idade Média para metade da populaçãoda Terra?

Outras perguntas sufocam as pessoas conscientes de hoje: Onde está o Estado nacional,construído mediante séculos de revoluções, sacrifícios e árduo trabalho, para defender os oprimidos?Que fim tiveram os nobres ideais da Revolução francesa, a liberdade, a igualdade, a fraternidade?Para que serve todo esse progresso, essa riqueza nunca dantes imaginada, se não se reverte embenefício do homem?

2. FIM DE UMA ERA

Por mais dolorosa que seja, temos de aceitar a realidade. O fato, hoje, é que o sistemapolítico e econômico construído ao longo do século XX ao custo de milhões de vidas humanas, estáesgotado. Tanto o socialismo como o liberalismo não foram capazes de resolver os problemas básicosdas sociedades que geriram ou gerem. Aquele suprimiu a liberdade e, malgrado notáveis êxitos iniciaisnos campos industrial, cultural e educacional logo mergulhou na ditadura e na estagnação, deixandopara trás, quando da sua implosão, rasto de estéreis sofrimentos e sacrifícios, ao longo de gerações,em sociedades falidas e atrasadas. Este fracassou duas vezes nos últimos cem anos: primeiro, nãoconseguiu evitar a eclosão da I Guerra Mundial e, após o término desta, não soube organizar nem apolítica (a frágil Sociedade das Nações) nem a economia (abandonando o mercado à sua própriaauto-regulamentação), o resultado foi a grande depressão que durou de 1929 até a II Guerra Mundial.A estes desastres humanos somou-se nova incapacidade em propor sistema de gestão eficiente noscampos social e econômico. É fato que de 1989, quando da queda do muro de Berlim, até este ano2000, o liberalismo tornou-se o sistema praticamente universal para gerir políticas econômicas esociais. O resultado? Em apenas dez anos implodiu todo o sistema bipolar construído após a IIGuerra Mundial, nada tendo a propor em seu lugar a não ser um nebuloso “mercado”. De onde a crisede identidade e, sem dúvida muito pior, a crise social que assola o mundo de hoje.

Portanto, há de se encontrar um sistema mais equilibrado que os anteriores para que o serhumano possa alcançar, em vida, aquilo que as religiões prometem para depois. Capacidade e riquezasnão faltam, carece-se de vontade política para melhorar, de fato, a vida na Terra, tornando-a, assim,humana para todos. As desigualdades de hoje tornam nosso futuro incerto e nosso cotidianoangustiante. Existe um vácuo de idéias a respeito de qual o caminho a ser traçado. Apegados aopassado (no qual, ideologicamente, ainda vivemos) pensadores das ditas esquerdas e direitas propõemfórmulas recondicionadas de modelos fracassados que, no fundo, não convencem mais ninguém.Exemplo típico é a chamada “terceira via” sobre a qual seus mentores não conseguem alcançarnenhum denominador comum, fora a nomenclatura genérica.

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3. A PROCURA DE UM NOVO PARADIGMA

Passada a euforia inicial com o fim da guerra fria, muitos começaram a interrogar-sesobre um novo modelo de organização do mundo. Para a direita, tudo eram vantagens, o liberalismoganhou a guerra, a história tinha acabado, conforme Francis Fukuyama, nada mais havia de ser feitoa não ser deixar que o mercado regulasse as relações internacionais, as sociedades, os indivíduos. Aesquerda perdeu o rumo, uns aderiram à nova onda liberal, tentando um espaço improvável, outros,qual avestruzes, negaram-se a ver a realidade, apegando-se a crenças ultrapassadas pelo dinamismodos fatos e convertendo-se em figuras folclóricas.

Livre da alternativa socialista, as forças liberais deram rédea solta à doutrina. O resultado,mais uma vez, repetiu o desastre do início do século, miséria, tensões, conflitos. O mercado não temvisão de futuro, é imediatista. Sobretudo, é contraproducente deixar que interesses econômicosprevaleçam sobre toda e qualquer decisão em qualquer âmbito. O homem, que, afinal, é a razão deser de tudo, inclusive do mercado, passou para segundo plano. O culto à riqueza pela riqueza substituiu,praticamente, todos os outros valores, qual deus pagão insaciável, sempre à procura de novos sacrifícios.

Uma década de culto desembocou em situação crítica. As tensões no mundo de hoje sãocrescentes, entre Estados, intra-Estados, tanto em países “ricos” como nos pobres. Tamanha é acrise que até organizações insuspeitas de toda veleidade social, como o FMI, lançam alertas e maisalertas acerca do esgotamento do modelo vigente. A fragilidade do mundo atual é patente, basta umaconvulsão social em um país longínquo, para estremecer economias tidas como sólidas e, emdecorrência, afundar milhões de pessoas no desemprego e na miséria, sem causa aparente. Por outrolado, a acumulação de riquezas sem precedentes pouco ou nada tem contribuído para diminuir amiséria, ao contrário, a distância dos mais abastados para os desprovidos aumenta, agora, em progressãogeométrica.

Diante deste quadro, como reagem os poderosos da Terra? Com uma profunda indiferençade fundo, talvez reflexo de sua incapacidade em lidar com problemas complexos. A atual geração delíderes mundiais, talvez seja a mais pobre - intelectual e moralmente - das últimas décadas, comparávelà mediocridade dos anos 20, quando o planeta mergulhou em recessão econômica, possibilitando aascensão do fascismo e, depois, no mais devastador conflito da humanidade. A história não serepete, mas é verdade que, se nada for feito, a situação atual, fatalmente desembocará em seriíssimacrise internacional, conforme já atestam os movimentos xenófobos na União Européia, tendo, inclusive,chegado ao poder na Áustria.

Claro está que surgem vozes, correntes de opinião se formam, diante da gravidade dosfatos. De forma marginal, ridicularizados a princípio pelos arautos do mercado, lentamente vãoconseguindo adeptos, conquistando corações e mentes dos mais esclarecidos. A tarefa é quase umautopia: desenhar uma nova ordem mundial centrada no homem e não mais na riqueza material,retomar os ideais anteriores ao surgimento do mercantilismo, sob uma perspectiva igualitária. Fazerum mundo mais generoso, onde as pessoas não mais sejam consideradas pelo que possuem, mas peloque são, fazer triunfar o Ser sobre o Ter. A maioria considerará isto divagações de ociosos, sonhosestéreis de quem nada entende da realidade. O fato é que, se não mudarmos nossa escala de valores,afundaremos em mundo cada vez mais hostil, em caminho sem futuro. Por isso, urge mudar. Mascomo?

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4. NECESSIDADE DE UMA NOVA CULTURA UNIVERSAL

Dizer que todos somos responsáveis pelo futuro é belo, mas corresponde, na prática, aconfessar que ninguém é responsável por nada. Pretexto para nada fazer, desculpa para o imobilismo.Quando novas teorias surgem costuma haver violenta reação por parte dos defensores do status quo,em sua maioria beneficiários da situação existente, por mais iníqua que seja. Diferente não foi com ospropagadores de nova ordem mundial. É fato que os poderosos possuem pouca margem de manobra,atados que estão a alianças e pactos, por isso não são os mais indicados para implementar mudanças.Contudo, alguém deve começar em algum momento, assim tem sido desde sempre, caso contrário, oprogresso da humanidade não teria ocorrido.

O mundo mudou, o mundo está menor. Fato este que deve ser aproveitado pelos quedesejam mudar a ordem atual. Ultrapassada está a era das revoluções. Medidas de força não podemmais se impor em grande escala, apenas em países isolados que logo serão objeto de condenação ecerceamento pela comunidade internacional. Por outro lado, querer alterar a situação pela força équimérico e suicida, pois os Estados Unidos, única superpotência remanescente, são o principalbeneficiário do mundo atual e possuem poderio militar incontrastável para defender seus interesses.

Mais ainda, os EUA, como modelo de sociedade, são perigoso exemplo. Junto comnumerosos e louváveis virtudes, apresentam características contestáveis. Sociedade nova, ainda emgestação, não adquiriram perfil de equilíbrio adulto e, contudo, já conquistaram a maioridade. Desteparadoxo derivam questões cruciais para o futuro. Um dos pontos é o culto às violência que caracterizaa sociedade estadunidense, herdeira do desbravamento do território, há pouco mais de 100 anos. Écultura que preza a solução de conflitos pela força, posto que sempre foram bem sucedidos nasguerras que empreenderam – com a exceção do Vietnã. Exemplo disso temos na indústriacinematográfica – onde brigas e mortes são banalizados até serem apresentados como coisa “divertida”.Outro exemplo é o verdadeiro culto de que são objeto as armas de todo tipo.

Face a esta realidade podem-se adotar atitudes diversas. Aqui, nesta América Latina,optou-se pelo mimetismo, substituindo-se, no inconsciente das elites e da classe média, o modeloeuropeu, basicamente francês e, em menor grau, britânico, pelo modelo estadunidense. A “Meca”deixou de ser Paris para ser Miami. Em soma, abandonou-se, nas últimas décadas, o conceito decidadão – inerente à Revolução Francesa – em benefício da noção de consumidor, seja ele de serviçospúblicos ou privados. O cerne da questão reside em saber se, no mundo atual, a humanidade secompõe de consumidores ou de cidadãos. Ora, basta uma leitura das notícias internacionais paraconstatar que os Estados continuam sendo os atores principais e que os conflitos étnicos marcameste final de milênio.

Outra falácia é o das empresas multinacionais, que, há alguns anos, foram apelidadas detransnacionais. A mudança de nomenclatura justificava-se pelo fato de as grandes corporações,aparentemente, estarem abandonando o conceito de nacionalidade em benefício de um multilateralismouniversal baseado nas vantagens comparativas de um mundo globalizado – leia-se um mundo deconsumidores, além da ultrapassada noção de pátria. Hoje é nítido que as grandes corporaçõesmultinacionais tem nacionalidade bem definida, conforme atestam os fluxos de repatriação de lucrose a localização dos centros de pesquisa, e muito contribuem para o aumento da dependência tecnológicae financeira das nações em desenvolvimento.

Isto posto, toda tentativa – por parte de um país em desenvolvimento – de aprimorar oatual sistema ou de tentar alcançar os níveis já atingidos pelos países desenvolvidos é estéril. Osmecanismos internacionais de fluxo de capitais, tanto públicos (doações bilaterais Estado a Estado

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ou multilaterais via Banco Mundial, BID, entre outros) como privados (corporações, fundos e atécertas ONGs) estão inseridos em sistema centralizador excludente. É bem verdade que alguns paísestêm – aparentemente – conseguido quebrar essa camisa-de-força, criando a ilusão de que se podepassar ao “clube dos desenvolvidos” seguindo as regras do jogo.

Análise mais acurada desses “países recém industrializados” para utilizar nomenclaturado Banco Mundial, mostra que os exemplos bem sucedidos são escassíssimos e servem mais, aocontrário, como exceções à regra. Por exemplo, Hong Kong e Singapura são cidades-estado e nãopaíses propriamente ditos. Taiwan e Coréia do Sul, talvez os melhores casos, beneficiaram-se defluxo de investimentos em função da Guerra Fria pois eram países da “linha de frente”, além, claroestá, do imenso e bem-sucedido esforço educacional, social e de infra-estrutura empreendido econtinuado por sucessivos governos. Exemplo mais perto de nós temos na Espanha e, em menorgrau, Portugal, fruto de décadas de investimento estatal nas áreas básicas e, também, de repassesfinanceiros da União Européia. Ou seja, em um universo de 192 países, contam-se com os dedos deuma mão os que conseguiram superar o subdesenvolvimento. Óbvio concluir que o mundo atual nãooferece condições de se alcançar níveis de desenvolvimento humano satisfatórios se persistirem osatuais condicionantes.

Resumindo, existe margem estreitíssima para os países em desenvolvimento saírem desua situação de crescente dependência na atual ordem mundial. Ou seja, para a maioria da humanidade,impõe-se mudança nas “regras do jogo” de forma a facilitar o acesso a condições dignas de vida.Esse o grande desafio, tornar um modelo concentrador e individualista em distributivo e social.Mudar as opções de consumo para opções de solidariedade, para que as sociedades voltem a ter umrumo, um ideal compartilhado, ao invés da lei da selva que, a cada dia, ganha mais espaço.

5. OPÇÕES PARA UMA NOVA SOCIEDADE

O quadro parece desolador, mas existem saídas. Aliás, é nos momentos de maior crise eameaça que o ser humano consegue quebrar os paradigmas que ele próprio criou e evoluir. A históriatambém nos ensina que praticamente nunca os detentores do poder conseguem superar suas própriascontradições, alianças e pactos, (segundo eles essenciais para garantir a “governabilidade” face ao“caos”, ou seja deixando os governados face a soluções do tipo “tudo ou nada”, obviamente falsas eempobrecedoras, mas extremamente úteis para se manter o esquema dominante). A mudança costumavir de fora do núcleo do poder, seja de forma radical, seja mediante cooptação de parte da elite.

5.1. O CONCEITO DE GOVERNANÇA GLOBAL

A dificuldade em estabelecer uma Nova Ordem Mundial reside nos interesses criados.Há poucos, porém imensos, beneficiários da ordem atual, são atores poderosíssimos que tudo farãopara impedir, retardar ou desvirtuar toda e qualquer alteração significativa do sistema de poder vigente.A tarefa é das mais árduas pois trata-se de convencer privilegiados a abdicar de seus privilégiosapenas mediante coação moral, posto que o poder econômico, militar e de divulgação a eles pertence.Contudo, é tarefa que deve começar o quanto antes, aliás já começou.

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As bases para uma nova sociedade foram discutidas na obra “Nossa Comunidade Global- Relatório da Comissão sobre Governança Global” publicado em 1996. A Comissão sobre GovernançaGlobal é um grupo independente constituído por 28 líderes e pensadores de diversas nacionalidades,da Alemanha ao Zimbábue destinada a refletir sobre uma nova organização do mundo centrada naspessoas.

O termo “governança” é relativamente novo e merece definição: “trata-se da totalidadedas diversas maneiras pelas quais os indivíduos e as instituições, públicas e privadas, administramseus problema comuns. É um processo contínuo pelo qual é possível acomodar interesses conflitantesou diferentes e realizar ações cooperativas. Governança diz respeito não só a instituições e regimesformais autorizados a impor obediência, mas também a acordos informais que atendam aos interessesdas pessoas e instituições”.

5.2. NECESSIDADE DE NOVOS ATORES NO CENÁRIO INTERNACIONAL

O número de atores internacionais deve ser ampliado consideravelmente, incluindo-seONGs, associações de moradores, sindicatos – de empregadores e empregados –, grupos deconsumidores, enfim todos os interessados em determinado assunto que esteja em discussão. Discussãoque hoje está restrita aos governos e às grandes corporações multinacionais. Ou seja, o Poder Executivoe o poder econômico monopolizam a discussão. Quebrar esse monopólio é a primeira etapa que jáestá em andamento, ainda que com evolução muito lenta e pontual.

O Poder Judiciário, de forma marginal, já participa da governança global. Amparadopelas atribuições constitucionais e legais, o Judiciário atua no cenário internacional seja dirimindoconflitos entre particulares, seja entre Estados. Mas o faz dentro dos estritos limites estabelecidospelos atores dominantes que acordam submeter determinados assuntos à consideração da justiça.Pode o julgamento ocorrer na esfera nacional ou nas Cortes Internacionais, como a da Haia, sendoque, neste último caso, suas sentenças não obrigam o condenado, posto que a Corte não possuimeios coercitivos de implementar suas decisões. A recente aprovação (1999) de uma CorteInternacional de Direitos Humanos, decidida em Roma, não contou, significativamente, com aratificação dos EUA.

Contudo, para tornar o novo sistema de fato abrangente, falta incluir um ator decisivo,que tem sido mantido à parte em todo o processo de tomada de decisões internacional: o PoderLegislativo. Mais ainda, o papel do Poder Legislativo tem sido deturpado propositadamente, comefeito, é comum referir-se às Nações Unidas como “Parlamento Mundial”. Ora, todos os representantesnacionais na ONU são funcionários designados pelo respectivo Poder Executivo. Inexiste eleiçãopara esse órgão internacional. O monopólio das relações internacionais públicas e privadas, ciosamentedefendido por diplomatas e grandes corporações está sendo lentamente questionado. Primeiro, deforma até quixotesca, por pequenas ONGs que, aos poucos foram conquistando espaços, exemplodisso temos no Greenpeace e na Anistia Internacional. Agora por cada vez mais numerosasorganizações sociais que não mais aceitam a ordem estabelecida por uns poucos em beneficio próprio.

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5.3. IMPORTÂNCIA DO PODER LEGISLATIVO NA NOVA ORDEM MUNDIAL

Modificar as relações internacionais significa mudar os atores, ou seja, encenar uma novapeça com novo elenco. Em verdade, o que se propõe é manter os atores tradicionais acrescentandonovos. Desses, o Poder Legislativo deve ser um dos pilares da renovação. Os legislativos têm sidocontidos em sua vontade de ter papel marcante na Governança Global, apenas umas poucas e tímidasiniciativas alcançaram êxito. A mais relevante é o Parlamento Europeu sediado em Estrasburgo, oúnico com eleições diretas, em cada país membro da União Européia, mas com poderes limitados e,inclusive, afastado geograficamente do centro de decisões de Bruxelas. Por aqui temos o Parlatino,composto por parlamentares de todos os países latino-americanos, sem, todavia, contar com nenhumaautoridade supranacional.

Quebrar monopólios é indispensável para implantar uma situação nova. Assim, adiplomacia, feudo dos diplomatas, já está se abrindo para as ONGs, que participam em conferênciasinternacionais. Falta agora o Poder Legislativo assumir um papel relevante nesse âmbito. De fato,sob a perspectiva da Governança Global, a representatividade é fator essencial, e o Poder Legislativoé o que melhor espelha os anseios da população. Hoje, as campanhas políticas para os cargosmajoritários ficam reduzidas a estratégias de marketing, tornando-se mais um referendo da melhorcampanha e não no verdadeiro programa do candidato, que quase ninguém lê. Por isso é importanteque o Parlamento assuma função relevante nos assuntos internacionais.

Há poucas décadas, tal não seria possível, por estarem muitos países sob a férula doautoritarismo. Apenas com o ambiente democrático que hoje vigora em boa parte do mundo é válidocontar com um Legislativo atuante. A tarefa deve começar em nível nacional, ou seja, o PoderLegislativo deve inaugurar uma verdadeira diplomacia parlamentar, tendo presença ativa nos assuntosinternacionais, questionando e sabatinando periodicamente nossos embaixadores e o ministro daRelações Exteriores, acompanhando as negociações dos tratados e acordos, para deixar de ser merocartório de registro das iniciativas do Executivo. Criar, dentro do Congresso, estrutura condizentecom essas tarefas e dotá-la dos meios materiais e humanos necessários para seu bom desempenho.Novas Comissões Permanentes deveriam ser consideradas, assim como diretorias de apoio, de modoa garantir eficiência. Durante longos anos esteve o Congresso a mercê do Executivo e, mesmo apósa redemocratização do Brasil, espelhada na nova Constituição, carece o Parlamento dos meiosnecessários para cumprir com suas funções constitucionais.

Fortalecer o Poder Legislativo em nível nacional é o primeiro passo rumo à inserção dopaís na Governança Global. A seguir, deve-se criar um Parlamento regional com eleições diretas epoder de legislar de forma supranacional, o ideal sendo começar pelo Mercosul que carece, justamente,de instrumentos institucionais. Para tal, é mister emendar a Constituição, possibilitando a aplicaçãode legislação supranacional no âmbito interno.

Passo seguinte seria ou transformar o Parlatino em Parlamento atuante, com eleiçõesdiretas e poder de legislar, ou ampliar paulatinamente o Mercosul. Cumpre, antes de passar ao projetomaior, que seria um Parlamento da ALCA, reunindo todos os países das Américas e do Caribe,consolidar os processos e instituições latino-americanos, sob pena de sermos diluídos em escopolegislativo por demais amplo.

O Parlamentar, face a esses desafios, deve reorientar seu foco, hoje exclusivamentevoltado para os interesses de suas bases. Primeiro, esclarecendo às bases que é necessário ter umaperspectiva maior, com inserção internacional, para obter maiores benefícios. A prosperidade não émais estanque, comunica-se a todos os setores do país e além fronteiras, todos têm interesse em

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melhorar de vida e o conceito de Governança Global implica em não melhorar às custas da misériaalheia, portanto, somos todos sócios, ou melhor, parceiros, rumo ao desenvolvimento sustentável ecom harmonia. De onde novo conceito a ser introduzido no cerne das relações internacionais: a Paz.

6. PARA UMA CULTURA DA PAZ UNIVERSAL

A sociedade internacional contemporânea ainda se rege pelo velho adágio latino “se vispacem, para belum” (se desejas a paz, prepara-te para a guerra). Tal era o lema da “pax romana” de hádois mil anos. Por isso as despesas em armamentos, guerras e pesquisa de novas armas em muitosuperam os investimentos em educação, saúde e desenvolvimento. A título de exemplo, o orçamentoanual de defesa dos EUA é superior ao PIB da maioria dos países do mundo, na América Latina,apenas Brasil, Argentina e México possuem PIB maior que a verba de defesa estadunidense. Estudosda ONU provam que, se as despesas bélicas diminuíssem em 50%, e se essa quantia fosse alocada aosetor social, em duas décadas estaria erradicada a miséria do mundo, nenhum ser humano passariafome, haveria acesso a educação e saúde para todos, moradia e saneamento básico seriamuniversalizados.

Hoje, vivemos a cultura da força, devemos passar para a cultura da Paz. A primeira vista,parece utopia de sonhadores alheios à realidade. Contudo, o impasse de nossas sociedades só seráresolvido mudando-se o eixo motriz. Prova do fracasso do modelo atual é que o homem nunca estevetão perplexo face ao futuro, tão descrente em valores e, pior ainda, nunca esteve tão só e tão infeliz,mesmo possuindo nível de conforto e bens inimagináveis há poucas gerações.

Essa crise de identidade global já provoca reações. Uma das mais significativas é oressurgimento do integrismo islâmico, a partir da revolução iraniana de 1979. Hoje, o islamismo estárevigorado e apresenta-se como opção de poder em vários países, como Paquistão, as antigas repúblicassoviéticas da Ásia Central e no norte da África. É movimento que pretende substituir os valoresocidentais por valores tradicionais naquelas sociedades, em improvável volta ao passado. Contudo,mesmo com essas aparentes contradições, têm conseguido ganhar apoio crescente entre populaçõesdesiludidas com promessas de um futuro que nunca chega, a não ser na publicidade.

Outra reação, mais perto de nós, é o ressurgimento do populismo, tão caro às tradiçõeslatino-americanas. Exemplo temos no Peru, com as sucessivas reeleições da Alberto Fujimori, após“golpe branco” dado no Congresso e no Judiciário e, mais recente, a implosão democrática do sistemapolítico da Venezuela conduzida pelo presidente Hugo Chávez, que governa mediante plebiscito, emnítida postura bonapartista.

Nenhum desses movimentos, sem embargo, representa propriamente uma novidade. Nadamais são do que releituras de experiências passadas apresentadas em outra embalagem como senovidades fossem. Nada acrescentam ao debate essencial de construir uma nova sociedade centradano homem e não no líder, no pretenso salvador da pátria, detentor da sabedoria e da verdade. Mas senada for empreendido a curto prazo, teremos uma séria ameaça populista no horizonte próximo, vistoque a paciência da população está no seu limite, aliada à profunda descrença nas instituições políticasque, bem que mal, têm mantido a coesão social neste país.

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Urge sair do impasse atual. Procurar no passado soluções para o presente de pouco ounada adianta, trata-se de saudosismo que só faz adiar a verdadeira solução do problema, como sefosse possível fazer marcha a ré na história. Tampouco é possível manter o status quo que conduz àtensões internas e externas aprofundando as desigualdades e a miséria sociais, o isolamento e oempobrecimento individuais.

Devemos olhar para o futuro, e fazê-lo de forma generosa. Afinal, todo projeto deve serambicioso em suas origens, caso contrário as incontáveis dificuldades de sua posta em prática oreduzirão a nada. Generosidade que não deve ser confundida com ingenuidade, com fraqueza, játivemos experiências contraproducentes em nosso passado recente nesse particular, quando, em nomede uma mal definida modernidade, atabalhoadamente empreendemos programa de modernização dopaís, que, mesmo sendo necessário, pecou pela falta de reciprocidade de nossos parceiros, colocando-nos na situação desconfortável em que nos encontramos.

O essencial é substituir os valores centrais que pautam a sociedade. Abandonaram-se ospreceitos da democracia clássica, os valores cristãos que floresceram na Idade Média, as propostasdo Iluminismo. O que se tem hoje, é uma releitura mesquinha dos ideais de Lutero e Calvino, tornandoválido o individualismo levado às suas últimas conseqüências. A máquina da sociedade de consumodeturpou os princípios da reforma protestante, em nome de um lucro incessante. A publicidadeencarrega-se de criar, no homem, bombardeado diuturnamente por mensagens tentadoras, uma ânsiade possuir. A economia nos ensina que as necessidades do homem são insaciáveis, sempre se queralguma coisa mais, por mais que se possua. Por isso, esse consumismo é perverso, porque condena ohomem à eterna frustração. Assim vemos como, mesmo possuindo como nunca, as sociedades ricasda Terra possuem legiões de desamparados morais, paradoxalmente isolados em um mundo cada vezmais interligado, de onde altíssimos índices de suicídio, consumo de drogas e depressão.

O consumismo é filho dileto do individualismo e este conduz ao isolamento, a desprezaro outro. Desprezo agravado pelo culto à violência. O outro, é desprezível porque não é como eu,porque não possui o que eu possuo, ou apenas porque é diferente. Assim, a maior riqueza dahumanidade, que é a diversidade racial e cultural, vira arma contra ela própria. Isolar os seres humanosfacilita a dominação, o desenvolvimento da agressividade, separa-os dos valores mais caros que sãoa solidariedade e a fraternidade.

Desmontar essa máquina de frustrações que é o modelo atual é o objetivo. Como substituiros preceitos atuais, vitoriosos, por outros que significam mudança radical de modo de vida, justamenteno ápice do triunfo da sociedade de consumo, com o agravante de ter de fazê-lo de baixo para cima?Ou seja, como enfrentar aqueles que detém o poder sem mais do que idéias e ações pacíficas? Nadaé impossível neste mundo, afinal, há mais de 1500 anos, Átila, rei dos Hunos, chegou às portas deRoma com seu invencível exército que havia estraçalhado todos os seus adversários desde a Germânia.Ia saquear, pilhar e incendiar Roma, como fizera com todas as outras cidades que encontrou pelafrente. O Papa, sozinho, foi ao encontro de Átila, e, sem exército nenhum, convenceu-o a poupar acidade eterna. Isto devemos ter em mente ao empreender a árdua tarefa de conquistar os corações ementes dos poderosos do mundo em prol de um futuro melhor e mais humano.

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6. UMA AGENDA PARA A PAZ

Construir uma sociedade de Paz é tarefa para gerações, mas devemos começar já, antesque os antagonismos e os ódios cobrem mais vidas inutilmente. Retomar as propostas da Comissãosobre Governança Global é ponto de partida consistente para construir uma Agenda para a Paz.

6.1. REFORMA DAS INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS

A estrutura das grandes organizações internacionais, ONU, FMI, Banco Mundial, OMCrefletem o poderio econômico e militar dos vencedores da II Guerra Mundial. Transcorridos 55 anosdo fim do conflito é mais que chegada a hora de democratizar os processos decisórios dessasinstituições, de forma a que a ampla maioria das nações possa debater suas posições para alcançarum consenso em benefício da humanidade. A ONU é um elemento fundamental para começar essatarefa, considerando seu poder de difusão. Para tal, não mais se trata de cooptar membros permanentespara o Conselho de Segurança, mas que esses sejam eleitos pela Assembléia Geral. O processo decisórioda Nações Unidas deve ser modificado para que a maioria possa fazer valer a sua vontade, como emtodo Parlamento ocorre. O mesmo se dá no FMI, onde o poder de voto e de veto é proporcional aonúmero de quotas, ou seja à riqueza de cada membro tal como era nos anos 50, de onde os EUAterem o poder de travar toda e qualquer iniciativa da instituição que julguem contrária aos seusinteresses. Democratizar o capital do FMI é outro passo rumo à Governança Global. Importa quetodas essas instituições deixem de ser clubes fechados, reservados a uma elite que estudou nas mesmasinstituições acadêmicas e compartilha dos mesmos ideais, para serem locais de debate, abertos aoutros importantes segmentos das sociedades que pretendem representar.

6.2. IMPLEMENTAÇÃO DO IMPÉRIO DA LEI – RESPONSABILIDADE DOSPARLAMENTARES

A Lei é a arma dos fracos frente aos poderosos. Estes costumam dissimular sua aversãolegal mediante discursos em favor da “liberdade” de cada um. No passado era a “liberdade denavegação” da Grã-Bretanha, hoje é a “liberdade de escolha” do consumidor conforme os EUA,falácias destinadas a conseguir vantagens para seus interesses. Na lei da selva, o leão sempre levavantagem.

Aos fracos resta a lei. Por meio dela é que essa revolução pacífica em favor da Paz devetambém ser implementada. Para coibir abusos maior poder deve ser outorgado às Cortes Internacionais,como a de Haia, a Corte Interamericana e a mais recente acordada em Roma. Pressão deve serexercida para que os EUA aceitem jurisdição internacional para dirimir conflitos relativos aos direitoshumanos, e entre pessoas de diferentes nacionalidades. A OMC deve se transformar em foro dejulgamento de diferenças comerciais efetivo e aberto a todos os interessados e não apenas restritoaos tecnocratas de sempre.

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As cortes internacionais de justiça abrangeriam os mesmos aspectos tratados no âmbitointerno: penal, civil e comercial. A jurisdição das cortes deve ser compulsória e a escolha dos juízesdeve pautar-se pelos critérios de representatividade e competência, devendo seus nomes seremindicados pelo Judiciário ao Executivo que os encaminharia para aprovação final do Legislativo, emaudiência pública com ampla participação da sociedade organizada.

Passo importante nesse sentido seria a célere implementação de uma Corte Arbitral noâmbito do Mercosul destinada a resolver conflitos comerciais entre os Estados-Membros. Tambémna América Latina, a Corte Interamericana de Direitos Humanos poderia ter sua jurisdição e seuspoderes ampliados, de forma a poder decretar sanções penais contra os condenados. Outro Tribunalpoderia ser criado para responder na área cível nos casos de negação de direitos internos a cidadãosde várias nacionalidades ou, inclusive, de um único país que esteja discriminando parte de suapopulação, como ocorre com a Corte da União Européia.

7. CONCLUSÕES

É possível implementar a Cultura da Paz. É possível modificar a sociedade internacionalpondo em prática a Governança Global. Mais ainda, não só é possível como desejável e necessáriopara o bem comum da humanidade. Mas não é fácil nem rápido transformar a ordem estabelecida.

Deve-se convencer os atores de que a mudança é positiva para todos em tanto que sereshumanos. Um grande debate deve ocorrer em todos os países, procurando obter consensos para porem prática essa nova ordem em benefício de todos.

Os parlamentares têm um papel central nesse processo. São eles os depositários daconfiança popular, expressa na votações que os elegeram. São eles os que mais perto estão dosanseios da população. São eles que devem marcar o ritmo e dar o exemplo, mostrar o caminho.

A idéia da Paz deve deixar os discursos comemorativos e inserir-se na Ordem do Dia.Grupo de Trabalho deve ser constituído para elaborar uma agenda positiva na maior brevidade possível.O Brasil é um dos países mais interessados em implantar o novo paradigma, posto que estamossofrendo todos os males da globalização – ou seja, dos países industrializados – junto com as perversasconseqüências da pobreza e da miséria, resultando uma sociedade em crise profunda e apresentandoníveis crescentes de violência. Por isso temos interesse em mudar, para que tenhamos um futurocomo nação, como seres humanos.

O Parlamento representa foro ideal, constituído que está pelas mais variadas correntesde opinião da sociedade, local de debates e de busca de consensos por excelência. Local, também, demanifestação da sociedade que deve ser convocada para debater o seu próprio futuro. A construçãode uma Agenda para a Paz partindo das bases dará a pauta desta muito mais força, oriunda de suarepresentatividade e poderá, destarte, ser aceita pelo Executivo e pelo Judiciário.

Os Parlamentares brasileiros possuem a chave para um mundo melhor, começando comuma sociedade melhor no país. Necessário é ter a ousadia de inovar, assumir o risco de se expor. Ascríticas serão acerbas, pois muito são os interesses criados, mas a meta vale esses sacrifícios. Pois, emúltima instância, todos sairemos ganhando, ao ficarmos mais ricos não de objetos mas de humanidade.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

NOSSA COMUNIDADE GLOBAL – Relatório da Comissão sobre Governança Global.Ed. da FGV, Rio de Janeiro, 1996. 340p.

BULL, Hedley. The Anarchical Society. Macmillan, 1977.HURRELL, Andrew. Sociedade Internacional e Governança Global. Lua Nova nº46,

São Paulo. 1999.LUPER-FOY, Steven (Ed.) Problems of International Justice. Boulder, Westview, 1988.SERRANO, Jorge. Uma cultura orientada hacia la Paz. Cuadernos Americanos. Vol.

257, nº6, pp15-24. Nov-Dic. 1984.

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