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6º Encontro da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI) 25 a 28 de julho de 2017 PUC-Minas Belo Horizonte/MG Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais GOVERNANÇA GLOBAL DO CLIMA E AVIAÇÃO CIVIL INTERNACIONAL: FÓRUNS INTERNACIONAIS E ATORES ENVOLVIDOS Veronica Korber Gonçalves Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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6º Encontro da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI)

25 a 28 de julho de 2017

PUC-Minas – Belo Horizonte/MG

Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais

GOVERNANÇA GLOBAL DO CLIMA E AVIAÇÃO CIVIL INTERNACIONAL:

FÓRUNS INTERNACIONAIS E ATORES ENVOLVIDOS

Veronica Korber Gonçalves

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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Resumo

Governança global do clima é uma categoria normativo-explicativa utilizada para se referir ao

conjunto de ações tomadas pelos atores estatais e não estatais para lidar com as mudanças

climáticas. Dá destaque à análise dos atores - com maior ou menor capacidade de influenciar

o contexto político específico-, das escalas de ação, dos arranjos de poder, do

estabelecimento das agendas e dos acordos políticos econômicos e jurídicos em fóruns

diversos. O enfoque do trabalho envolve a governança global do clima e a aviação civil

internacional. A Convenção sobre mudança do clima de 1992 previu que as emissões da

aviação civil internacional deveriam ser tratadas na Organização da Aviação Civil

Internacional (OACI). A OACI tem debatido, há quase vinte anos, formas de regular as

emissões da aviação, sem chegar a um acordo sobre o tema. Porém, nos últimos anos, foi

costurado um consenso para a criação de um mecanismo de mercado envolvendo as

emissões de gases da aviação. O artigo objetiva apresentar o processo de negociações

recente envolvendo as emissões da aviação internacional, analisando as intersecções e

distanciamentos entre o fórum internacional do clima (Conferência das Partes) e da aviação

(OACI). Para tanto, será analisado como o tema da aviação foi tratado nas Conferências do

Clima de 2015 e 2016, e como o tema das mudanças climáticas foi tratado nas Assembleias

da OACI no mesmo período, quais atores são impulsionadores dos debates em ambos os

fóruns e quais as perspectivas predominantes sobre como lidar com as mudanças climáticas.

A análise dos atores e das negociações envolvendo a regulação de gases do efeito estufa da

aviação civil internacional permite compreender, num universo reduzido, como se dá a

governança do clima.

Palavras chave: Mudanças climáticas; aviação civil internacional; OACI; sistema de

compensação de emissões.

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Introdução

Dentre os setores que mais emitem gases do efeito estufa (GEE), destaca-se o

da aviação. As emissões globais da aviação civil, incluídas a internacional e a doméstica,

correspondem a cerca de 2,5% das emissões de GEE do mundo e, se o setor da aviação

fosse um país, suas emissões o colocariam como o sétimo maior poluidor do mundo. As

emissões do setor estão crescendo exponencialmente, e de acordo com a Organização da

Aviação Civil Internacional (OACI, ou na sigla em inglês ICAO – International Civil Aviation

Organization), em 2036 estarão entre 155% e 300% mais elevadas em comparação aos níveis

de 2006 (ICAO, 2016a).

Passaram-se quase vinte anos desde a definição da OACI como fórum adequado

para tratar das emissões provenientes da aviação civil internacional. A OACI, desde então,

produz estudos e realiza debates, porém não havia nenhum acordo específico e vinculante

em relação a padrões e limites de emissões do setor.

Entre 27 de setembro e 7 de outubro de 2016, ocorreu, em Montreal (Canadá), a

39ª Assembleia da OACI, instância máxima da organização, que reúne todos os seus

membros. Havia forte expectativa de assinatura de um acordo específico tratando das

emissões da aviação civil internacional, com metas de redução e compensação. No encontro

foram acordadas duas resoluções: a Resolução A39-2 intitulada “Consolidated statement of

continuing ICAO policies and practices related to environmental protection – Climate change”

e a Resolução A39-3 intitulada “Consolidated statement of continuing ICAO policies and

practices related to environmental protection – Global Market-based Measure (MBM) scheme”

(ICAO, 2016b). A Resolução 39-3, acordada em 2016, é o primeiro acordo internacional

relativo às emissões de GEE da aviação civil internacional, sendo também o primeiro acordo

global abarcando um setor industrial específico. A Resolução contém a estruturação de um

mecanismo de mercado num sistema denominado Carbon Offset and Reduction Scheme for

International Aviation (CORSIA).

O artigo objetiva apresentar o processo de negociações recente envolvendo as

emissões da aviação internacional, analisando as intersecções e distanciamentos entre o

fórum internacional do clima (Conferência das Partes) e da aviação (OACI). Assim, o trabalho

reflete o esforço de se analisar o processo de construção de um acordo internacional a partir

da análise de posicionamento dos principais atores (estatais e não estatais) relevantes para

a formação de consensos ou disputas em torno do tema. O contexto de negociação do acordo

permite compreender seus resultados, de forma a avaliar “avanços” e “limites” não a partir de

um pressuposto normativo, mas diante de um conjunto de relações estabelecidas entre atores

num fórum específico e num período determinado.

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Para tanto, analisa-se como o tema da aviação foi tratado nas Conferências do

Clima (COPs 21 e 22) de 2015 e 2016, e como o tema das mudanças climáticas foi tratado

nas Assembleias da OACI no mesmo período, quais atores são impulsionadores dos debates

em ambos os fóruns e quais as perspectivas predominantes sobre como lidar com as

mudanças climáticas. A análise dos atores e das negociações envolvendo a regulação de

gases do efeito estufa da aviação civil internacional permite compreender, num universo

reduzido, como se dá a governança global do clima.

Governança global do clima pode ser definida, em termos gerais, como o processo

envolvendo atores estatais e não estatais, em âmbito local, regional, nacional ou internacional,

no qual tais atores definem os temas de preocupação, influenciam, exigem ou implementam

regras e programas, agindo (hierárquica ou não hierarquicamente) de forma que sua ação

produza impactos além-fronteiras. Enquanto perspectiva teórico-metodológica, a governança

global do clima permite analisar a existência de atores, ações e fóruns para além das

negociações de tratados internacionais específicos, com enfoques diversos. Assim, a

compreensão da temática das mudanças climáticas nas relações internacionais não poderia

ser reduzida às negociações no âmbito das Conferências das Partes da Convenção do Clima,

e abarcaria experiências de envolvimento e cooperação de atores subnacionais e não

estatais. A governança global do clima, enquanto ferramenta de estudo, permite que a

investigação ultrapasse as fronteiras colocadas pelas regras e instituições formais, abarcando

processos em andamento, mais ou menos constituídos, interesses compartilhados e disputas

entre atores. Nesse sentido, governança é o resultado de um processo político, sendo

importante reconhecer quais variáveis políticas colaboraram para definir o problema global e

quem vai lidar com ele (Avant, Finnemore, e Sell 2010; Okereke, Bulkeley, e Schroeder 2009).

1. Aviação e mudanças climáticas no regime do clima

Em 1992, na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento (Eco-92) no Rio de Janeiro, foi adotada a Convenção Quadro das Nações

Unidas sobre mudança do clima (CQNUMC), a qual entrou em vigor no dia 21 de março de

1994 e que tem como objetivos declarados: “a estabilização das concentrações de GEE na

atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático”

(BRASIL, 1998).

A Convenção prevê no art. 3º os princípios que a norteiam, entre os quais se

destaca o princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas (PRCPD). O princípio

parte do reconhecimento de que grande parte das emissões de gases do efeito era, à época,

proveniente, historicamente, dos países desenvolvidos, e que países em desenvolvimento

contribuíram menos. Assim, O PRCPD norteia-se pela noção de proporcionalidade de

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capacidades e condições para agir em relação à mudança do clima, e envolve valores como

a justiça climática.

Em 1997, na COP-3, realizada no Japão, foi assinado o Protocolo de Quioto da

CQNUMC que objetiva, num primeiro momento, que os países incluídos no Anexo 1i da

Convenção reduzam a emissão dos GEE. O Protocolo de Quioto estabelece no artigo 3º que

as partes listadas no Anexo 1 da Convenção “devem individual ou conjuntamente” assegurar

que as suas emissões de GEE (não controlados pelo Protocolo de Montreal) não excedam o

previsto descrito no Anexo B daquele Protocolo, “com vistas a reduzir esses valores em pelo

menos 5 por cento abaixo dos níveis de 1990 no período de compromisso de 2008 a 2012”

(BRASIL, 2005). O Protocolo entrou em vigor em 16 de fevereiro de 2005.

O sentido do PRCPD cristalizou-se na sua forma mais “dura” no Protocolo de

Quioto. Isso porque estabelece que apenas países do Anexo I tem metas de redução de

emissão, cabendo aos países em desenvolvimento desenvolverem-se de forma sustentável.

Esse foi o resultado de um acordo político entre países em desenvolvimento (especialmente

Brasil, China e Índia) e União Europeia (que no momento entendia que um acordo seria melhor

do que nenhum acordo) para garantir a assinatura do tratado naquele momento. Os Estados

Unidos não concordaram com a divisão e, ao final, não ratificaram o tratado.

Destaca-se que o tratado previu que as emissões da aviação civil doméstica

deveriam constar nos inventários realizados pelos países do Anexo 1. O acordo não abarcou,

porém, as emissões da aviação civil internacional (que inclui transporte de carga e de

pessoas, de curta e longa distância, desde que internacional, e regulares ou de baixo custo),

e remeteu o temaii para outro fórum de debates, a Organização da Aviação Civil Internacional

(OACI).

Nas Conferências das Partes da Convenção e do Protocolo seguintes não foi

acordado no âmbito nenhum documento juridicamente vinculante relativo à aviação civil

internacional.

Em dezembro de 2015, durante a COP-21, na França, foi assinado o Acordo de

Paris, negociado na 21ª Conferência das Partes da CQNUMC – COP-21. Nos documentos de

negociação, foi prevista, em algumas versões, um capítulo relativo às emissões de transporte

internacional, reforçando o papel da OACI como fórum no qual devem ser estabelecidas

medidas concretas para lidar com as emissões do setor. Além disso, União Europeia e Brasil

propuseram a menção à aviação no capítulo relativo ao enfoque colaborativo (mercados de

carbono). Porém, as propostas não se sustentaram nas negociações em razão da

reinvindicação de vinculação da temática da aviação ao PRCPD.

O Acordo de Paris foi considerado uma vitória diplomática, na medida em que se

conseguiu, após mais de vinte anos, formalizar um texto de consenso multilateral em relação

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às mudanças climáticas abarcando os maiores emissores. Mais uma vez, não há menção às

emissões da aviação civil internacional, tendo sido reforçada, no plano diplomático, a OACI

como fórum legítimo para tratar da matéria.

Na COP-22, ocorrida em Marrakesh entre 7 e 18 de novembro de 2016, o tema

da aviação não foi tratado especificamente, tendo a Conferência das Partes (Decisão

1/CP.22) apenas tomado nota das Resoluções A-39-2 e A-39-3, com reserva da Venezuela e

da Índia, cujas razões serão retomadas na seção seguinte.

2. Aviação e mudanças climáticas no regime da aviação civil internacional

Conforme referido, o Protocolo de Quioto remeteu à OACI as negociações sobre

as emissões provenientes da aviação civil internacional. Cumpre, então, apresentar como o

tema das mudanças climáticas foi tratado nas Assembleias da OACI, em especial nos anos

de 2015 e 2016. Antes, porém, é necessário introduzir brevemente a organização.

A OACI foi criada em 1944 pela Convenção sobre a Aviação Civil Internacional

(Convenção de Chicago). É uma Agência Especializada da Organização das Nações Unidas

(ONU), possui estrutura e sistema de financiamento próprio, e compõe o Conselho Econômico

e Social (ECOSOC) da ONU. Tem sede em Montreal, Canadá, e é composta atualmente por

191 países-membro. As Assembleias Gerais ocorrem a cada 3 anos, em setembro, na cidade

de Montreal. Ao longo dessas reuniões, os debates envolvendo as emissões de gases

provenientes da aviação centraram-se em estabelecer metas de redução futuras,

influenciados pelos dados e relatórios produzidos pelo Comitê de proteção ambiental da OACI

(Committee on Aviation and Environmental Protection).

A Assembleia da OACI manifestou em diversas oportunidades o interesse de que

a organização continue exercendo a liderança em relação a todas as questões ambientais

envolvendo a aviação internacional, incluindo as emissões de GEE (como por exemplo no

parágrafo 2 “a” da Resolução A39-2). No entanto, entre 1997 e 2008, pouquíssimos avanços

foram alcançados para a construção de consensos mínimos em relação a um acordo de

redução de emissões.

Diante da dificuldade de se avançar nas negociações na OACI, a União Europeia

estudava incluir o setor da aviação no seu Regime Europeu de Comércio de Licenças de

Emissão (EU ETS)iii, que implementa um instrumento econômico, o cap and trade, para

redução de emissões de carbono. Na Assembleia da OACI de 2004, a UE conseguiu ter

aprovada uma resolução que abria o caminho para o desenvolvimento da sua política: a

possibilidade de adotar esquemas voluntários de comércio de emissões pelos Estados e

organizações internacionais. Porém, tal aprovação abriu o debate sobre a necessidade de se

ter acordo mútuo entre os Estados para se adotar medidas que afetariam terceiros

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(ELSWORTH, ROB; MACDONALD, 2014). Ou seja, desde 2004 o debate colocado era: a UE

pretendia agir unilateralmente diante da inação da OACI, os demais Estados e atores

envolvidos contestavam a legitimidade e a legalidade da ação da UE, tendo em vista ser um

tema de regulação eminentemente transfronteiriça.

Desde esse período, as companhias aéreas, representadas pela International Air

Transport Association (IATA), passaram a se manifestar contrariamente a qualquer tipo de

regulação que não fosse de alcance global (INFLUENCE MAP, [s.d.]), o que significava uma

desaprovação à política europeia.

Em 2009, o High Level Meeting on International Aviation and Climate Change

adotou o “Programme of Action on International Aviation and Climate Change”, o qual previu

metas de redução por meio do aumento da eficiência energética, bem como metodologias

para mesurar os impactos das ações, além de traçar aspectos de um mecanismo de mercado

(market-based measure - MBM). O MBM é uma ferramenta utilizada para alcançar metas

ambientais a um custo, em tese, menor e de maneira mais flexível do que as medidas

regulamentares tradicionaisiv.

No ano de 2009, a União Europeia aprovou a inclusão do setor da aviação no EU

ETS. Entre as razões para a medida, destacou o fato de que o referido setor estar entre os

mais poluentes, sendo uma fonte importantíssima de emissão de GEE. Ou seja, a UE, diante

da lentidão do processo de negociação multilateral, adotou unilateralmente uma medida que

gerava efeitos para terceiros Estados, na medida em que previa que toda aeronave que

pousasse ou decolasse do solo da UE deveria participar do EU ETS.

A medida gerou fortes reações internacionais, tanto no campo político quanto

questionamentos de ordem jurídica. Praticamente todos os Estados não pertencentes à União

Europeia atuantes na OACI manifestaram-se contrários às regras envolvendo companhias

aéreas estrangeiras no EU ETS. Esses Estados alegaram que a medida extrapola sua

competência legislativa, ferindo a soberania de outros Estados, e que a solução para as

emissões do setor deveria ser construída conjuntamente na OACI, não unilateralmente. A UE,

embora desejasse impulsionar, com a medida, a adoção de um acordo na OACI, teve de

recuar de seus objetivos iniciais (por meio da medida conhecida como stop the clock), tendo

as negociações acarretado numa acomodação bem mais modesta de seus objetivos iniciais.

Até setembro de 2016, a Diretiva da Aviação aplica-se a voos domésticos e internacionais

dentro da área do Espaço Econômico Europeu (Estados Membro do EEE e Territórios além-

mar do EEE), independente do país de origem da aeronave, excetuada, portanto, a aviação

civil internacional (GONÇALVES, 2016). Ressalta-se que, apesar de a UE ter recuado em sua

política doméstica, os avanços nas negociações na OACI em relação ao tema das emissões

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de GEE estão bastante vinculados às negociações com o bloco para que fosse suspensa a

previsão de obrigações relativas a aviação internacional.

Entre os atores envolvidos nas negociações até 2012, destaca-se como pusher,

ou principal impulsionador da aprovação de um acordo de regulação das emissões de GEE

para o setor, a União Europeia, e como principais laggards (DEE, MEGAN, 2011, p. 19), ou

seja, atores que trabalham para a não aprovação, os EUA e os países em desenvolvimento,

bem como as companhias aéreas que, embora não tenham assento na OACI, realizam

intenso e eficiente lobby com os negociadores.

A partir de 2012, intensificaram-se as negociações para a criação de instrumentos

econômicos de compensação de parte das emissões de GEE do setor. Isso significa que,

diante de diversas possibilidades de se regular e controlar as emissões do setor, entre as

quais o estabelecimento de metas globais de emissão e previsão de penalidade por

descumprimento (regras de comando e controle), ou o compromisso de que os Estados

adotem nacionalmente formas de regulação das emissões, optou-se pelos instrumentos

econômicos – escolha já feita anteriormente no âmbito do Protocolo de Quioto.

O debate sobre mecanismos de mercado se acelerou após aprovação da Diretiva

da Aviação da UE. Quando se trouxe o tema dos MBMs para a 38ª Assembleia, em 2013, por

impulso da negociação com os europeus, foi aprovada uma resolução aclamada como

“histórica”, tendo em vista as dificuldades de negociação(ICAO, 2013). A resolução decidiu

pela criação de um esquema global de MBM para as emissões da aviação, a ser desenvolvido

até 2016 e posto em vigor a partir de 2020, como parte de um conjunto de medidas que inclui

o desenvolvimento de tecnologias e operações mais sustentáveis, bem como combustíveis

alternativos. Entre os considerandos da Resolução, extrai-se “the importance of avoiding a

multiplicity of approaches for the design and implementation of MBM framework and MBM

schemes” (ICAO, 2013), uma referência ao EU ETS.

A coalizão dos países em desenvolvimento teve sucesso em sua estratégia na 38ª

Assembleia, de 2013. Chineses e indianos, aliados com os russos, conseguiram fazer constar

que o futuro MBM deveria levar em conta o princípio das responsabilidades comuns mas

diferenciadas (um dos princípios da Convenção do Clima - CQNUMC), o princípio da não

discriminação e das oportunidades justas e iguais. Além disso, garantiram a previsão de que

quando os Estados criem MBMs (como o EU ETS), devem engajar-se em “constructive

bilateral and/or multilateral consultations and negotiations with other States to reach an

agreement” (ICAO, 2013).

A UE buscou incluir uma cláusula na Resolução aprovada na 38ª Assembleia que

declarasse a possibilidade de criação/manutenção de mecanismos de mercado pelos

Estados, como o seu EU ETS. A proposta foi derrotada por 97 votos a 39, com nove

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abstenções. A União Europeia apresentou reserva a alguns pontos da Resolução, entre os

quais a inclusão da referência ao PRCPD (EUROPEAN COMISSION, 2014). Entre as

justificativas para a reserva, pode-se citar a compreensão de que essa permitiria excluir os

países em desenvolvimento, responsáveis por uma parcela significativa das emissões, com

tendência de aumento. De forma a exemplificar a fraqueza do acordo final, registra-se que 61

países submeteram reservas ou objeções à Resolução A38-18.

Cumpre, ainda referir o papel desempenhado pelas companhias aéreas. Essas,

em geral, têm alguma preocupação institucional de manter em seus relatórios anuais,

portfólios e páginas eletrônicas (geralmente na seção “meio ambiente”) menções a medidas

adotadas para diminuir o impacto ambiental da atividade. Em relação às emissões de carbono,

defendem a melhoria da eficiência energética e a redução de emissões (AIR TRANSPORT

ACTION GROUP - ATAG, 2013). Na OACI, a postura das companhias aéreas é de defesa de

um mecanismo de mercado que não seja muito oneroso, razão pela qual apoiam a criação de

um mecanismo de compensação (por meio de projetos offset), sem controle rígido em relação

a sua procedência, e desde que não impeça a expansão das malhas aéreas ainda pouco

exploradas. A ATAG defende um acordo global para evitar medidas unilaterais, que tenderia

a afetar a lógica de organização do sistema de transporte. Nesse sentido, seu posicionamento

em 2013 era de defesa de um mecanismo de mercado, desde que seja global e levando em

conta os diferentes tipos de operação (AIR TRANSPORT ACTION GROUP - ATAG, 2013).

Entre 2014 e 2015, os trabalhos ficaram centrados em negociar detalhes do MBM

acordado em 2013. Entre 27 de setembro e 7 de outubro de 2016, na 39ª Assembleia da

OACI, foram acordadas as Resoluções A39-2 e A39-3. A Resolução A39-2 traz metas de

melhoria de eficiência energética, de processos e procedimentosv. A Resolução A39-3 contém

o primeiro acordo global abarcando um setor industrial específico. Dá-se após mais de duas

décadas de negociações, e resulta da conciliação de interesses de diversos atores no âmbito

da OACI, tendo sido conduzido, especialmente, pela União Europeia, pelos Estados Unidos e

pela China – os dois últimos indicando uma importante alteração de postura nas negociações,

tornando-se impulsionadores do acordo.

As reservas apresentadas a algumas partes do texto final por Argentina, Rússia,

China, Índia, Estados Unidos e Venezuela, porém, dão indícios iniciais dos limites do seu

alcance. As reservas dos países em desenvolvimento centram-se na meta de crescimento

carbono-neutro e na ausência de vinculação ao PRCPD.

A Resolução 39-3 contém a estruturação da ferramenta de mercado global

acordado em 2013. O esquema de GMBM é apresentado como uma medida complementar a

outras para se atingir os objetivos de proteção ambiental e do clima, de forma a não impactar

economicamente de forma inapropriada o setor da aviação.

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O mecanismo de mercado está estruturado num sistema denominado Carbon

Offset and Reduction Scheme for International Aviation (CORSIA). O CORSIA entrará em

vigor em 2021, numa fase piloto até 2023, e entre 2024 e 2036 (primeira fase), com caráter

voluntário, tornando-se obrigatório (salvo exceções) apenas em 2027, para a segunda fase,

entre 2027 e 2035. O objetivo do acordo é limitar as emissões de GEE do setor aos níveis de

2020 (ano base). A partir de então, as companhias aéreas dos países participantes precisarão

reduzir ou compensar (por meio do mecanismo de compensação - offset) o excesso de

emissões. A regulação refere-se, portanto, ao excedente emitido após 2021 com base nas

emissões de 2020. Até maio de 2017, setenta países, representando mais de 87.7% da

atividade da aviação, manifestaram a intenção de participar voluntariamente da primeira fase,

ou seja, até 2026 (ICAO, 2017). Entre os países que se manifestaram, destaca-se a China,

os Estados Unidos e países europeus. Entre os que não manifestaram, destaca-se o Brasil, a

Índia, a Argentina, a Venezuela (que formalmente se opôs ao MBM) e a Bolívia.

3. Intersecções e distanciamentos entre o fórum internacional do clima

(Conferência das Partes) e da aviação (OACI)

Apresentado o processo de negociação no âmbito da OACI, cumpre agora refletir

sobre as aproximações e distanciamentos entre os fóruns relacionados. Busca-se, com isso,

ressaltar elementos específicos do processo de governança climática em relação à aviação

civil internacional, de forma a frisar que os fóruns nos quais as negociações se dão colaboram

para definir o resultado, pois são espaços nos quais os atores compartilham determinadas

práticas, símbolos, comportamento, princípios e regras, e nos quais relações de poder

específicas se dão. Nos fóruns do clima e da aviação há atores mais ou menos relevantes e

influentes (que podem ou não ser coincidentes), há lógicas de negociação específicas, há um

conjunto normativo permeando as decisões, etc.

Ao se remeter, em 1997, o debate sobre as emissões da aviação do fórum do

clima para o da aviação, fez-se uma escolha por manter o debate num contexto específico,

com um conjunto de atores relacionando-se a partir de uma lógica de negociação específica,

um conjunto normativo e principiológico próprio, etc. Os princípios implícitos e explícitos que

regem as ações dos atores na OACI justificam-se com base na preservação do setor da

aviação e a garantia da sua expansão – base constitutiva desse fórum de negociação, e não

com base na centralidade do combate as mudanças climáticas – que seria, em tese, a

premissa de trabalho no regime climático.

Dessa forma, o debate em torno de medidas de redução ou compensação das

emissões apresentam-se mais como uma concessão do setor do que uma sensibilização para

o problema das mudanças climáticas permeando o campo da aviação. A OACI é uma

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organização bastante tradicional nas relações internacionais, tendo um histórico de décadas

de procedimentos formais e informais definidos para a tomada de decisão, e seus grupos de

atuação e influência são bastante organizados e consolidados, e o setor da aviação

(englobando aqui fabricantes e operadores de aeronaves) é muito bem sucedido em

influenciar os governos dos seus países de origem.

As companhias aéreas são atores extremamente influentes no regime da aviação

civil internacional, e pode-se apontar como uma das principais razões para a dificuldade em

se firmar um acordo o intenso lobby para barrar as negociações promovido pelas companhias,

representadas na OACI pela ATAG e pela IATA – que congrega mais de 250 companhias, o

que equivale a mais de 80% do setor.

Tem-se, assim, um contexto fortemente nacionalista e soberanista que permeia a

compreensão dos atores estatais e não estatais sobre a aviação, bem como marcado pela

forte articulação do setor em fazer lobby nos diversos Estados. A influência do campo do

clima, para esses atores, poderia ter um custo muito elevado, razão pela qual se organizaram

para repeli-la. Para ilustrar o argumento, destaca-se dos considerandos da Resolução A38-

18, de 2013, que a Assembleia:

urges that ICAO and its Member States express a clear concern, through the UNFCCC process, on the use of international aviation as a potential source for the mobilization of revenue for climate finance to the other sectors, in order to ensure that international aviation would not be targeted as a source of such revenue in a disproportionate manner(ICAO, 2013).

Ou seja, a Assembleia expressou preocupação de que o setor da aviação civil

internacional seja vinculado fortemente com políticas de enfrentamento das mudanças

climáticas. Em outubro de 2015, o Presidente da OACI, Olumuyiwa Benard Aliu, declarou no

Global Sustainable Aviation Summit em Genebra, que “both ICAO and industry have been

strongly united in our position on any proposed use of international aviation as a potential

source for mobilisation of general revenues to finance climate programs in other sectors”

(GREENAIR, 2015). Trata-se de tentar desvencilhar-se do campo do clima (simbolizado pela

CQNUMC), garantindo o fórum e as regras da aviação, ainda que fazendo concessões para

tanto, ou seja, debatendo questões climáticas na OACI.

Por fim, cumpre afirmar que a divisão entre países desenvolvidos versus em

desenvolvimento do regime do clima a partir da sua configuração no Protocolo de Quioto é

fundamental para se compreender o histórico de negociações na OACI. O estabelecimento

ou não de diferenciação entre os países para participação no MBM ou em relação às metas

de melhoria de eficiência energética são pontos de conflito envolvendo a regulação das

emissões da aviação civil internacional.

Globalmente, o mercado de transporte aéreo internacional é dominado pelas

companhas aéreas europeias, que respondem por 38% do voos internacionais, seguidas

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pelas companhias da Ásia-Pacífico, que respondem por 27% dos voos internacionais. Em

relação ao transporte doméstico de passageiros, as companhias aéreas norte americanas

possuem o maior fluxo de voos, respondendo por 47% do total mundial (ICAO, 2014, p. 5).

Nesse contexto tem-se, de um lado, países que defendem que medidas para a

redução de emissão para todos poderiam penalizar países em desenvolvimento que ainda

não consolidaram suas indústrias e suas rotas aéreas (PRCPD), e, de outro lado, países que

defendem que se trata de um conjunto de regulações aplicado aos operadores de aeronaves,

e essas não estão abarcadas pelo PRCPD, que se aplica apenas a países. Logo, a

diferenciação entre empresas geraria discriminação e feriria o regime da aviação civil

internacional.

Trata-se de dois princípios: os princípios da não discriminação e da igualdade de

tratamento, presente no regime da aviação civil internacional, e o PRCPD, proveniente do

regime climático. Em relação ao princípio da não discriminação, o regime da aviação civil

internacional busca assegurar que Estados não adotem medidas arbitrárias de tratamento

diferenciado entre operadores de aeronaves com base na sua nacionalidade. Assim, os

Estados não podem justificar o combate às mudanças climáticas para aplicar regulações

diferentes a operadores que voam a mesma rota.

Já em relação ao PRCPD, havia intenso conflito político na OACI para se

reconhecer ou não o princípio no regime da aviação e, especialmente, de definir seu

significado e seu escopo. Para os países em desenvolvimento, a CQNUMC e o Protocolo de

Quioto, ao remeterem à OACI a tomada de medidas para reduzir emissões da aviação,

vinculam os debates aos princípios do regime climático. Um dos interesses dos países em

desenvolvimento em trazer o PRCPD para o regime da aviação seria o de evitar o precedente

de aceitar metas de redução na OACI e, posteriormente, serem levados a aceitar metas de

redução vinculantes no âmbito da CQNUMC.

Não há, nas resoluções ou outros documentos oficiais da OACI, a definição de

“países em desenvolvimento”, nem uma lista com os referidos países (como há na CQNUMC).

Até 2013, não havia uma cláusula nas resoluções da Assembleia adotando o princípio, que

se restringia a constar nos considerandos (sem, portanto, força vinculante). A diferenciação

entre países constava apenas no princípio das Circunstâncias Especiais e Respectivas

Capacidades dos Países em Desenvolvimento (Special Circumstances and Respective

Capabilities of Developing Countries – SCRCDC), que, no entanto, não substituía o PRCPD,

de acordo com os países em desenvolvimento.

Em 2013, na Assembleia Geral, países em desenvolvimento conseguiram fazer

constar - após intensa negociação, com destaque para a China e a Arábia Saudita - na

Resolução A38-18 o PRCPD. Em síntese, apoiaram o MBM, porém condicionado ao

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reconhecimento da diferenciação. Assim, o Anexo da Resolução, que contém os princípios

guia para a estruturação do MBM prevê, na alínea p, que os “MBMs should take into account

the principle of common but differentiated responsibilities and respective capabilities, the

special circumstances and respective capabilities, and the principle of non-discrimination and

equal and fair opportunities” (ICAO, 2013).

Os países desenvolvidos apresentaram reserva à alínea “p” do Anexo da

Resolução A38-18 (Austrália, Canadá, Japão, Lituânia (em nome dos 28 Estados Membro da

UE e outros 14 Estados Membro da ECAC), Nova Zelândia, República da Coreia e Estados

Unidos). No documento que justifica a reserva da Lituânia em nome da UE, afirma-se que os

princípios da Convenção do Clima aplicam-se nas ações dos Estados, e que sua exigência

para as companhias aéreas geraria distorções comerciais:

As such, this would be in contradiction with the principles enshrined in the Chicago Convention and which govern ICAO's work. Many carriers based in less developed countries are in fact among the largest, the most advanced and the most profitable in the world (LITHUANIA, 2013).

A UE, apesar da reserva ao PRCPD, avaliou que o acordo alcançado na OACI foi

um sucesso diplomático, na medida em que finalmente os países se comprometeram em

adotar um MBM.

Em 2016, a Resolução A39-3, previu, mais uma vez nos considerandos, a

referência ao princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas e respectivas

capacidades, levando-se em conta as diferentes circunstâncias nacionais. O PRCPD foi

levado em consideração, ainda que não interpretado da mesma forma que queriam países

como Índia e Venezuela (ou seja, lista de países com e sem obrigações). Isso explica o

reconhecimento, também nos considerandos, de que a Resolução não cria precedentes para

as negociações no âmbito da Convenção do Clima. Trata-se, portanto, de um arranjo de

estabelecimento de diferenciação entre países com validade apenas no fórum da aviação

internacional.

A Resolução A39-3 prevê diversas exceções ao CORSIA, entre as quais os países

menos desenvolvidos, pequenas ilhas países em desenvolvimento, países em

desenvolvimento sem acesso ao mar, etc. Não é a mesma forma de diferenciação

tradicionalmente pleiteada pelos países em desenvolvimento, o que indica um distanciamento

da interpretação rígida de Quioto (entre países com e sem obrigações de redução) e das

negociações no fórum do clima.

Entre os fatores que colaboraram para a aprovação da ResoluçãoA39-3, destaca-

se três: a não vinculação das negociações em relação à repartições de obrigações no fórum

da aviação com as negociações no fórum do clima (que poderiam levar, em tese, ao

reconhecimento do precedente de afastamento do PRCPD); o fato de se ter uma primeira

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fase do programa cuja adesão é voluntária (o que permite, por um lado, que países com

experiência em mecanismos de precificação de carbono, como os europeus, apoiem a

medida, e que países com receios em relação aos impactos para suas companhias aéreas

não se vinculem ao CORIA caso esse se apresente oneroso nessa primeira etapa); e o fato

de se ter optado por um mecanismo de mercado envolvendo compensação de emissões por

meio de offset projects, que tornam a vinculação ao programa mais atraente especialmente

para as companhias aéreas, que podem contabilizar práticas já realizada de financiamento de

projetos offset como forma de cumprir suas metas.

Com isso, há, no regime da aviação, uma tradução do problema das mudanças

climáticas e das medidas a serem adotados para enfrenta-lo de acordo com os interesses dos

atores mais influentes no regime da aviação, entre os quais, especialmente, as companhias

aéreas e a União Europeia. Assim, dentre o leque de ações possíveis para lidar com as

emissões provenientes do setor, optou-se por um sistema (offset) que apresenta baixo

impacto e baixo custo para o setor, ainda que seus resultados concretos para conter o impacto

da aviação para as mudanças climáticas sejam questionáveis.

4. Conclusão

A dificuldade de se alcançar um acordo que regule e restrinja as emissões da

aviação civil internacional na OACI perdurou por quase duas décadas, quando foi assinado

um acordo que trata das emissões de GEE na 39ª Assembleia da OACI, realizada entre

setembro e outubro de 2016 em Montreal, Canadá. Tal avanço deve ser creditado, ao menos

em parte, à atuação da UE, que adotou uma política interna com efeitos extraterritoriais e

barganhou a suspensão de sua política à aprovação de um acordo na OACI.

Se governança climática não se refere apenas aos processos bem sucedidos de

cooperação, mas as relações mais ou menos conflituosas travadas entre atores mais ou

menos interessados na prevalência de determinada agenda, compreender o sentido de

governança climática implica reconhecer suas falhas, suas fragilidades, bem como os

alcances e fracassos dos atores em ter reconhecida sua agenda. A Resolução A39-3 objetiva

detalhar o funcionamento do CORSIA, sistema offset criado prevendo compromisso de

compensação de emissões por meio da compra de unidade de emissões provenientes da

implementação de projetos em outros setores que não a aviação e localidades que não as de

operação das companhias aéreas. A resposta acordada, traduzida num instrumento

econômico, defendida pela União Europeia e outros atores vinculados as redes transnacionais

de mercados de carbono, ganhou apoio dos demais atores envolvidos nos debates,

especialmente EUA e companhias aéreas, representadas pela ATAG e pela IATA, que

passaram a apoiar o modelo offset como melhor resposta, quando a necessidade de um

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acordo se mostrou mais forte. É a resposta mais “palatável” às companhias, na medida em

que suficientemente flexível e distante da fonte poluidora.

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i O Anexo 1 da Convenção lista os seguintes países: Alemanha; Islândia; Austrália; Itália; Áustria;

Japão; Belarus; Letônia; Bélgica; Lituânia; Bulgária; Luxemburgo; Canadá; Noruega; Comunidade Europeia; Nova Zelândia; Dinamarca; Países Baixos; Espanha; Polônia; Estados Unidos da América; Portugal; Estônia; Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte; Federação Russa; República Tcheco-Eslovaca; Finlândia; Romênia; França; Suécia; Grécia; Suíça; Hungria; Turquia; Irlanda; Ucrânia. ii O art. 2.2 do Protocolo de Quioto prevê “2. As Partes incluídas no Anexo I devem procurar limitar ou reduzir as emissões de gases de efeito estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal originárias de combustíveis do transporte aéreo e marítimo internacional, conduzindo o trabalho pela Organização de Aviação Civil Internacional e pela Organização Marítima Internacional, respectivamente”. iii O Regime Europeu de Comércio de Licenças de Emissões de Carbono (European Union Emission Trading System, o EU ETS) foi criado por meio da Diretiva 2003/87/CE, de 13 de outubro de 2003. É o maior sistema de cap and trade em operação no mundo. Os dois objetivos principais do ETS são os de reduzir as emissões de GEE na UE e incentivar o investimento em produção com baixa emissão de carbono. O sistema limita (caps) o volume total de emissões de GEE de instalações e operações de aeronaves, abarcando em torno de 50% das emissões da UE. As atividades que têm suas emissões incluídas no sistema devem possuir licença para a emissão de GEE, e cada licença dá ao detentor o direito de emitir uma tonelada de gás carbônico. Parte das licenças é distribuída pela UE de forma gratuita, sendo possível adquirir ou vender o restante. É possível negociar os direitos de emissão, os European Union Allowances (EUAs), no mercado. Parte das licenças é leiloada pelos Estados, que decidem o processo de leilão. iv São exemplos de MBM aplicados ao carbono: o imposto de carbono, os sistemas de comércio de emissões (Emission Trading System) e os sistemas de compensação de carbono (offset). v Destaca-se, da resolução A-39-2 o parágrafo 4º: “Resolves that States and relevant organizations will work through ICAO to achieve a global annual average fuel efficiency improvement of 2 per cent until 2020 and an aspirational global fuel efficiency improvement rate of 2 per cent per annum from 2021 to 2050, calculated on the basis of volume of fuel used per revenue tonne kilometre performed”