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Gotham Writer`s Workshop Escrevendo Ficção ficina Prefácio e tradução: Henry Alfred Bugalho

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Gotham Writer`s Workshop

Escrevendo

Ficção

ficina

Prefácio e tradução:Henry Alfred Bugalho

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Gotham Writer`s Workshop

Escrevendo

Ficção

ficina

Prefácio e tradução:Henry Alfred Bugalho

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Esta obra está protegida pela Licença Creative Commons de Atribuição-

Uso Não- Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5. Para

ver uma cópia desta licença, visite:

http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.5/br/

Capa e design: Henry Alfred Bugalho

Oficina Editora

www.oficinaeditora.com

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Prefácio

Não se iluda, nenhum curso o tornará um escritor.

A escrita é basicamente um percurso solitário, realizado no silêncio de seu quarto, diante de uma folha em branca, lutando contra a preguiça, con-tra outras coisas para fazer, tendo de escolher a melhor palavra, a melhor descrição, ou o melhor diálogo. A escrita o tornará um escritor, somente isto.

No entanto, há várias décadas, os norte-americanos já descobriram que a escrita é como qualquer outro ofício artístico, a prática conduz à perfeição. Assim como um músico precisa estudar escalas, notas musicais, harmonia, ritmo, ou como um pintor precisa conhecer perspectiva, cores, combinar luz e sombras, um escritor também pre-cisa conhecer as técnicas para se escrever melhor.

Depois de munir-se deste conhecimento básico, resta-nos julgar como utilizá-los da maneira mais eficiente possível para contar nossas histórias, torná-las mais atraentes e cativas nossos leitores.

Este curso do Gotham Writer’s Workshop foi realizado no site da Barnes & Nobles em 2006. Na

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circunstância, eu era o único não-americano par-ticipando destas discussões e das atividades. As oficinas literárias online ainda não havia virado moda no Brasil e poucos escritores davam o braço a torcer para este tipo de curso.

Ao ver a quantidade de oficinas e cursos de es-crita criativa nos EUA, rapidamente percebemos o porquê deste país ser uma potência cultural. Exis-te milhões de leitores, que admiram e consomem Literatura, e também existem milhares de escri-tores, best-sellers, artísticos, de vanguarda, ou comerciais, que produzem narrativas para todos os tipos de leitores.

Um curso do Gotham Writer’s Workshop não é destinado apenas para quem deseja se tornar o próximo best-seller. Não existe regras nem lógica para se vender bem, como também não existe um regra inviolável para se escrever bem. Na escrita, estamos lançados num mundo que exige talento e sorte, mas, com a mãozinha de um certo conheci-mento técnico, podemos dar uns passos adiante.

Em 2007, resolvi traduzir e disponibilizar todo este curso no Blog do Escritor (http:// blogdoescritor.oficinaeditora.com) e, desde então, qualquer um pode lê-lo ou baixá-lo gratuitamente.

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Sem dúvida, se você está dedicando seu tempo a estudá-lo e perfazer seus exercícios, já está de-monstrando comprometimento e um desejo ge-nuindo de aperfeiçoar-se.

O principal ato de humildade de qualquer autor é reconhecer que sempre tem algo a aprender, seja através da aquisição de novas técnicas narrativas, seja através da leitura de grandes obras da Litera-tura.

Jamais podemos nos estagnar na ilusão que já adquirimos um estilo, que temos pleno domínio do que queremos dizer ou como os nossos leitores vão nos compreender.

Somos todos aprendizes desta Arte, todos cami-nhando pela longa estrada do auto-aperfeiçoamen-to.

Espero que este curso possa ajudá-lo a compre-ender melhor sua escrita e instigá-lo a experimen-tar novas técnicas.

Henry Alfred Bugalhojulho de 2011

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Lição 1: A Verdade sobre Ficção

Apresentação:Nesta lição, você compreenderá como os

personagens são, geralmente, o aspecto mais mar-cante duma obra de ficção e, por isto, aprender e dominar a criação de personagens ficcionais é vital para qualquer escritor de ficção.

Tempo Estimado:Aproximadamente, 1 hora e 40 minutos para

completar esta lição.Objetivos:Após haver concluído esta lição, você poderá:- compreender o que impele as pessoas a lerem

ficção;- compreender que personagens são, geralmente,

o aspecto mais marcante duma obra ficcional;- compreender que personagens são a origem de

tudo que se sucede numa obra ficcional.Atividade:Durante esta lição, você completará a seguinte

atividade:- Atividade de Reflexão Pessoal: Avaliando

Personagens Marcantes

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Dissertação e Debate

Lição 1: A verdade sobre Ficção

Introdução

No curso de escrita de Ficção no Gotham Writer's Workshop, não é necessário, na primeira aula, perder muito tempo definindo o que é ficção. A resposta é bastante óbvia: ficção são histórias inventadas, narradas em forma de prosa. Ficção é composta de romances, novelas e contos. Assim, definiu-se ficção. Fácil demais.

Mas é útil para escritores de ficção compreen-der o porquê de as pessoas lerem ficção. Se você possuir algum entendimento sobre o assunto, terá, então, idéia de como safisfazer seus leitores quando chegar o momento de conceber sua pró-pria ficção. Mergulhemos, assim, nesta questão, e vejamos quais pérolas de conhecimento nós encon-traremos.

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Razões para ler

Por que, então, lemos ficção? De fato, a resposta para isto não será tão simples. Na verdade, há, provavelmente, tantas razões quanto há leitores. Contudo, nós poderemos indicar algumas razões predominantes.

Muitos de nós lemos para sermos transportados para diferentes épocas e lugares, para a Londres do século XIX de Charles Dickens ou para a Terra Média de J. R. R. Tolkien. Por acaso você já foi literalmente "transportado" por um livro, a ponto de se esquecer onde você estava, perdendo a pa-rada do ônibus ou deixando a comida queimar no forno?

Outros lêem para se aperfeiçoarem, para expan-direm seus conhecimentos do mundo e como ele funciona. Se você quiser entender como era a vida no front, durante a Primeira Grande Guerra, você pode ler Adeus às Armas de Ernest Hemmingway. Se você tiver curiosidade sobre a extinta indústria baleeira na Nova Inglaterra, você pode navegar através do Moby Dick de Herman Melville.

Algumas histórias oferecem, é claro, diverti-mento escapista. Pense em O Parque dos Dinos-sauros de Michael Crichton, com seus dinossau-ros fazendo a terra tremer, ou as aventuras de

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tribunal de John Grisham. Apesar de estas histó-rias parecerem ser um fenômeno contemporâneo, literatura escapista existe há muito tempo. No sé-culo dezenove, A Ilha do Tesouro de Robert Louis Stevenson era uma popular trama escapista. Você já ouviu falar de A Odisséia? Homero oferece um penentrante vislumbre da natureza humana neste poema épico, mas também nos proporciona aven-turas, arrepios e reviravoltas proverbiais.

As melhores histórias nos oferecem algo a mais, independentemente das razões pelas quais as lemos. Este algo a mais é intensidade. "Que fasci-nante!", nós pensamos, concordando com nossas cabeças, maravilhados, enquanto viramos páginas após páginas. Ou: "Nossa! Isto é tão estimulante." Ficção pode nos fazer rir, chorar, ir checar se a porta está trancada — apesar do fato de ser "fazer de conta", e de nós sabermos disto.

É por isto que não conseguimos largar os livros que amamos. Não queremos abandoná-los por causa de seus mundos intensos, em contraposição com nossa monótona vida diária — dirigir para o trabalho, pagar as contas ou polir o carro.

A vida real pode ser, certamente, muito inten-sa (às vezes, intensa até demais), mas mesmo assim, ela costuma não ter organização nem foco. Ela é ilógica, deixando dezenas, talvez cen-

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tenas, de pontas soltas através dos anos. A vida é bagunçada. Uma história bem contada, porém, tem um começo, um meio e fim definidos. Este foco faz a experiência da leitura duma história muito mais intensa.

Ainda assim, é bastante plausível escrever um história que possua todas as características acima e ainda fracassar como narrativa. Você já deve ter lido uma história assim, ou, pelo menos, começou, não aguentou, fechou e colocou-a de novo na pra-teleira ou devolveu-a à Biblioteca. Todas as partes da história pareciam estar no lugar, mas, mesmo assim, você, o leitor, não se importou. E sobre a ficção que nos importa?

A resposta é simples: personagens.

Nós nos importamos com os personagens

Personagens são, literalmente, o elemento humano no interior das histórias — a parte que vive, respira, ri e chora. Não existe uma história que não possua, pelo menos, um personagem, mesmo que este seja um cavalo, como no conto de Bruce Jay Freedman, Post-Time, ou o computador HAL, de 2001: Uma Odisséia no Espaço de Arthur C. Clarke.

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Quando nos apaixonamos por uma história, na maioria das vezes, apaixonamo-nos pelos per-sonagens, não por detalhes do enredo, diálogos brilhantes ou o estilo original do autor. O que nos lembramos das histórias são os personagens, e é por causa deles que voltamos a ler. Nós nos como-vemos com a condição fundamental deles, porque ela é também a nossa. Eles são pessoas, e nós somos pessoas. Nós nos relacionamos.

Talvez a melhor razão para lermos ficção seja para conhecermos personagens. Ao lermos sobre pessoas em ficção, nós vislumbramos a natureza humana. Estranhamente, a ficção pode nos ofertar tais vislumbres com maior propriedade do que a vida cotidiana.

Por exemplo, o comportamento de sua colega de trabalho pode não fazer sentido para você, pois você não sabe, exatamente, como ela cresceu, muito menos o que ela está pensando em determi-nado momento. Todavia, é possível compreender um personagem complexo, como Sethe, na obra Beloved de Toni Morrison, exatamente porque nos é dado acesso ao passado dela e à sua vida inte-rior. Este vislumbre pode, por outro lado, ajudar-nos a compreender melhor e a nos comover com nossos próximos, humanos de carne-e-osso. Até mesmo compreender aquela intrigante colega de trabalho.

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Você já leu o romance O Apanhador no Campo de Centeio de J. D. Salinger? Você se lembra dele? (É claro que sim. É um dos mais idolatrados livros de todos os tempos.) Tudo bem, agora, do que você se lembra do romance? Você pode resumir o enre-do? Provavelmente não. Você consegue descrever Holden Caulfield? Sim! Talvez, você se lembre de seu chapéu vermelho de caça (ele o usa virado para trás) ou como ele chama tudo de “enrolação” (phony). Você se lembra como ele se relaciona com a irmã pequena, Phoebe, e o intenso sentimento de solidão de Holden, expressado por sua identifica-ção com os patos do Central Park? Muitos leitores sentem como se houvessem conhecido, de fato, um dia, Holden Caulfield,. Talvez você também tenha sentido isto.

Mesmo que você tenha lido O Morro dos Ventos Uivantes duas ou três vezes, pode ser que você tenha se perdido em tudo que acontece, especial-mente na complicada segunda parte. Mas você nunca, nunca se esquecerá do ardente amor entre Catherine e Heathcliff.

Já mencionamos Dickens antes. Ao lado do dramaturgo Shakespeare, ele é, provavelmente, responsável pelo maior número de personagens marcantes em língua inglesa. Pense na Sra. Havisham de Grandes Esperanças, assombrada

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pelo malfadado dia do casamento, ou na Madame Dafarge, notoriamente tricotando enquanto a Revolução Francesa nascia, em Uma História de Duas Cidades.

Esta atração pelos personagens é o motivo pelo qual escritores bem-sucedidos de romances poli-ciais trazem novamente o protagonista várias ve-zes. Esquecemo-nos rapidamente do enredo intrin-cado de qualquer romance de Mistério, mas nós nos lembramos de Sam Spade, Kinsey Millhone e Easy Rawlins — e queremos passar mais tempo na companhia deles.

O Grande Gatsby de F. Scott Fitzgerald agra-da de várias maneiras, mas, para a maioria dos leitores, o aspecto mais marcante e divertido deste grande romance são os personagens. Nos primei-ros três capítulos, há um desfile de personagens dos quais você pode gostar ou não, mas dos quais dificilmente você se esquecerá tão cedo.

Há Jay Gatsby, um dos mais inesquecíveis per-sonagens em toda a Literatura. Se você conseguiu chegar ao capítulo 3, há grande chance que este homem tenha gravado uma forte impressão em você, mesmo que você tenha tido acesso a pou-cos vislumbres sobre dele. Ao continuar lendo o romance, perceba quão dimensional e fascinante este personagem se torna, capítulo após capítulo.

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Ele é simpático, mas de algum modo trapaceiro. Ele é ricamente descrito, mas nunca completa-mente conhecível. Ele é muito humano, e muito maior que a vida. Podemos encontrar Gatsby no mundo ao nosso redor. Ele é uma lenda americana — o self-made man. Hoje, é difícil não pensar em Gatsby quando se ouve sobre celebridades como Ralph Lauren, Martha Stewart ou Bill Gates.

Mesmo após você terminar de ler o livro, Gats-by não será esquecido. Ele se debruçará sobre a memória, de pé no gramado, abrindo os braços em direção à luz verde no fim do cais, sonhando sobre as infinitas possibilidades do futuro.

Personagens são a fonte

Contudo, o propósito deste curso não é devanear filosoficamente sobre a ficção. Estamos aqui por-que queremos aprender a escrever esta joça, não é? Então, mãos à obra.

Diz-se que há três elementos aos quais devemos prestar atenção acima de tudo. Aqui estão eles:

- Personagem.- Personagem.- Personagem.

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Esta é a verdade: ficção é sobre pessoas. Se você puder escrever sobre pessoas interessantes, há grandes chances de você poder escrever ficção in-teressante. É (quase) simples assim.

Não apenas são os personagens o aspecto mais marcante numa ficção, mas tudo numa história — enredo, ponto de vista, cenário, descrição, voz, etc. — emana das pessoas. Você pode dizer que os personagens são a fonte da ficção, a coisa da qual tudo mais se origina.

Se você perguntar a dez ficcionistas como come-çar a escrever uma história, nove deles lhe respon-derão, “Eu começo com um personagem.” Não está escrito em pedra que você deva fazer assim, mas, inegavelmente, é uma grande maneira — talvez a melhor — para se começar.

Discussão

Após a leitura, tente responder alguma ou todas as questões seguintes:

1. Por que eu gosto de ler ficção?2. Você concorda que os personagens são, ge-

ralmente, o aspecto mais marcante duma obra de ficção?

3. Por que você quer escrever ficção? Você já

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escreveu ficção anteriormente ou isto é algo novo para você?

Atividade de Reflexão Pessoal

Lição 1: A verdade sobre FicçãoApresentaçãoNesta atividade, você identificará quais perso-

nagens ficcionais são mais marcantes para você e refletirá quais são os ingredientes para se fazer um personagem ficcional.

Tempo EstimadoLevará algo em torno de 20 minutos para com-

pletar esta atividade.Refletindo sobre Personagens MarcantesDica de Escrita: Muitos escritores acham útil

manter um diário ou caderno para concentrar sua escrita. Você pode querer armazenar o resultado dos exercícios deste curso num caderno ou num arquivo no computador.

Vamos testar nossa teoria de que personagens ficcionais são o aspecto mais marcante da ficção.

1. Pense em três ou quatro de suas obras de ficção favoritas.

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2. Para cada uma, diga o personagem que você acha ser mais marcante.

3. Escreva alguns aspectos que fazem deste per-sonagem marcante.

Discussão

Após completar a atividade, responda algumas ou todas as perguntas seguintes:

1 . Quais histórias você escolheu, quais persona-gens, e o que você gosta neles?

2. Você acha que aquele personagem é a razão principal pela qual aquela obra lhe agrada tanto?

3. Você poderia pegar aquele personagem e es-crever uma outra história com ele?

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Lição 2: É quem você conhece

Visão geralNesta lição, você compreenderá como persona-

gens ficcionais derivam de pessoas reais, de carne e osso — e como você pode transformar pessoas reais em personagens ficcionais.

Tempo EstimadoLevará umas 2 horas para completar esta lição.ObjetivosApós haver completado esta lição, você:- compreenderá como personagens derivam de

pessoas da vida real.- compreenderá como autores famosos basearam

seus personagens em pessoas da vida real.- compreenderá como utilizar pessoas que você

conhece como base para personagens ficcionais.- terá compilado uma vasta lista de pessoas que

você conhece que podem servir como personagens ficcionais.

AtividadeDurante esta lição, você completará a seguinte

atividade:

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- Atividade de descoberta: Pessoas que você conhece

Dissertação e Debate

Lição 2: É quem você conhece

Se você seguir o exemplo de nove em dez escrito-res, você começará a escrever suas obras ficcionais elaborando personagens. Mesmo se você for como o inusitado décimo deles, e preferir começar por outra coisa — enredo, cenário, tema, etc. — você precisará de personagens, em algum momento. Sempre há personagens em ficção. (Ou você conse-gue pensar em alguma exceção?)

Então, a próxima questão lógica deveria ser: de onde vêm os personagens ficcionais? Mais exata-mente: de onde seus personagens ficcionais virão?

Personagens vêm de pessoas

Esta é fácil. Personagens virão, na sua ficção, de pessoas da sua vida.

Mas, você se pergunta: e todos aqueles grandes personagens da literatura, que os grandes autores simplesmente inventaram do nada? Personagens que simplesmente se materializaram na página desde o vácuo, como se fossem convocados pelo

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estalar de dedos de David Copperfield? E estes personagens? Tais personagens não existem na vida real.

Pense um pouco sobre isto. Mesmo se um perso-nagem ficcional não seja inspirado diretamente e conscientemente num único indivíduo conhecido do autor, o personagem provavelmete agirá, inte-ragirá e reagirá como outras pessoas. Se fosse de outro modo, nós não acreditaríamos nele ou nela, portanto, não acreditaríamos na história.

Em outras palavras, não importa quão diferen-te, quão original, quão único um autor queira que seu personagem seja, mesmo assim, este persona-gem deve se comportar de maneira reconhecida-mente humana. E o único modo como um escritor atinge isto é, em algum âmbito, se inspirando em pessoas que ele tenha observado na vida real.

Então, não fique pensando que o sucesso dos grandes autores é uma questão de poderes cria-tivos que você não possui. Jane Austen, as Irmãs Brönte, Dickens, Vitor Hugo, Henry James, Edith Wharton, Raymond Carver e Toni Morrison, todos eles trabalharam com a mesma matéria-prima.

A matéria-prima é a raça humana. Indepen-dente de serem extraordinários, se Heathcli-ff e o Corcunda (de Notre Dame) não fossem

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essencialmente inspirados em pessoas, se não fossem, mesmo que de longe, parecidas com as que conhecemos, nós não nos interessaríamos o bas-tante por eles para prosseguirmos na leitura. Mes-mo os cidadãos quadrúpedes de A Revolução dos Bichos são inspirados em pessoas identificáveis. Na verdade, os porcos no livro de George Orwell são caricaturas de figuras históricas bem especí-ficas: Stalin, Trotsky, entre outros envolvidos na Revolução Russa.

A Origem dos Personagens em O Grande Gatsby

E sobre F. Scott Fitzgerald? Ele também buscou os personagens de O Grande Gatsby em pessoas da vida real? A resposta é um energético "SIM".

Nick Carraway é inspirado no próprio Fitzgerald, um rapaz do centro-oeste que vem para a costa Leste, para frequentar a liga univer-sitária, e é arrebatado pela excitação e glamour da Era do Jazz. No entanto, Fitzgerald não vende títulos, nem retorna ao Centro-Oeste, como Nick faz no final do romance. Entretanto, suas reações ao que testemunha são muito semelhantes às do autor. Como suas anotações sugerem, Fitzgerald respondia aos excessos dos anos 20 de um jeito

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parecido com o de Nick: desaprovação, mesclada com a admiração e apreensão de um rapaz inte-riorano numa grande cidade. (O prefácio do livro revela algumas informações interessantes sobre Fitzgerald.)

Daisy Buchanan parece haver sido inspirada parcialmente em Zelda, esposa de Fitzgerald. Nascida Zelda Sayre, ela era a bela filha de um proeminente juiz da Suprema Corte do Estado, em Montgomery, Alabama. Fitzgerald a conheceu quando ele era um soldado, aos dezoito anos de idade, aquartelado nas proximidades, durante o fim da Primeira Grande Guerra. Por ele não ser rico nem socialmente bem-relacionado, Zelda se recusou a casar-se com Fitzgerald. Somente após a venda do primeiro romance dele, Este Lado do Paraíso, que ela concordou em se casar.

Se você leu o capítulo 5, você deve estar per-cebendo algo interessante aqui. Não houve um rompimento amoroso entre Gatsby e Daisy? Por que Gatsby está tão desesperado, tentando im-pressionar Daisy com sua coleção de camisas? Sim, parece que Jay Gatsby também foi inspirado, em algum nível, em Fitzgerald. Pense nisto: um homem sem dinheiro ou conexões sociais conhece uma bela senhorita sulina, aquartelado nas proxi-midades durante tempo de guerra. Já que ela não

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quer se casar com ele, ele mergulha no mundo e se transforma num sucesso em sua área (Este Lado do Paraíso foi um grande bestseller), antes de re-tornar para conquistar o amor da mulher que, um dia, o desprezou.

Obviamente, os personagens deste romance fo-ram inspirados por algumas pessoas muito próxi-mas do lar de Fitzgerald, ou, mais exatamente, em seu lar.

Você também conhece pessoas

Se este foi um método bom o suficiente para o grande Fitzgerald, então também é bom para você. Olhe para o mundo ao seu redor à procura por per-sonagens, ou por personagens potenciais, porque é lá que eles estão, à sua volta. Inúmeras pessoas. Todo santo dia.

Considere as seguintes opções:- Pessoas que você conhece bem- Pessoas que você não conhece bem- Pessoas que você viu apenas uma vez- Pessoas que você gostaria de conhecer- Pessoas que você nunca conheceu

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- Pessoas que você viu à distância- Pessoas que você viu na TV- Pessoas sobre as quais você leuAs possibilidades são inesgotáveis.

Com certeza, você já conheceu alguém intrigan-te numa festa. Provavelmente, esta pessoa não de-via chamar você de “old sport” (velho camarada), como Gatsby chama Nick, mas talvez tal pessoa tenha usado outra expressão de afeto ou invertido a ordem das palavras numa frase de modo que pudesse inspirar um personagem.

Talvez você já tenha se sentado num restauran-te cheio e percebido um sujeito “sombrio” reali-zando negócios, num canto afastado. Você pode não descobrir que esta pessoa esteja dando um jeito nos resultados do Campeonato de Beisebol, como fazia Meyer Wolfsheim, mas deve haver algo naquela pessoa que possa ser útil para um perso-nagem.

Porém, se você não tem saído muito de casa ulti-mamente, bem... olhe-se no espelho.

Como Fitzgerald fez, tome notas de si mesmo, e do amor da sua vida. Olhe para sua família e amigos, e para os amigos deles, e mesmo para a

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mulher que você vê todo dia no ponto de ônibus.Cada um deles é interessante, marcante, pelo

menos em um aspecto específico, provavelmente em muitos deles. Cada um é potencialmente uma fonte de inspiração para um personagem.

Como usar pessoas em Ficção

Funciona mais ou menos assim: vejamos a mulher que você encontra todo dia no ponto de ônibus. Todo dia, ela está lendo um livro diferente. Isto surpreende você. Será que ela acaba de lê-los todos, em pausas furtivas durante o trabalho, devorando páginas, ao invés da sopa ou salada do almoço, então, lendo à noite, até que ela atinja, en-fim, a última página? Ou talvez ela apenas comece a ler os livros, perdendo o interesse antes que o dia acabe.

Talvez, ela nem leia os livros de fato, apenas os segure abertos diante dela, esperando que algum estranho puxe conversa sobre Carrie, a Estranha ou sobre A Letra Escarlate. Ela é incrivelmente tímida, não conhece ninguém na cidade, acabou de chegar do interior. Ela trabalha numa livraria e lá eles permitem que os funcionários emprestem livros, para que assim se tornem vendedores que conhecem o que vendem.

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Um dia, um elegante homem mais velho a inter-roga sobre o livro que ela está segurando: Os Nus e os Mortos de Norman Mailer. Como os persona-gens do livro, ele diz a ela, ele serviu no Oceano Pacífico, durante a Segunda Guerra Mundial, po-rém, não era como Mailer descreveu. Gaguejando, no começo, ela lhe diz que, apesar de gostar, ela não costuma ler muito.

Este já parece ser o começo para uma boa his-tória, não é? Você não ficou curioso sobre esta mulher? Na última lição, aprendemos que perso-nagens são a fonte da ficção, aqui, estamos com-provando isto. Uma pequena observação duma pessoa real, mesclada com um pouco de imagina-ção, deu origem ao que poderia ser uma maravi-lhosa história.

E isto tudo começou com alguém que faz parte da sua vida.

Debate

Após ler a dissertação, tente responder uma ou todas as questões seguintes:

1 - Você olha para estranhos e imagina qual poderia ser a “história” deles?

2 - Você consegue imaginar alguma outra razão para que a mulher do ponto de ônibus leia um

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livro diferente todo dia?3 - É importante que os personagens sejam cati-

vantes?

Atividade de Descoberta

Lição 2: É quem você conhece

Visão geralApós completar esta atividade, você terá compi-

lado uma vasta lista de pessoas que você conhece, das quais você pode extrair personagens ficcionais.

Tempo EstimadoLevará uns 30 minutos para completar esta

atividade.

Pessoas que você conhece

Desde que você nasceu, você conheceu e viu incontáveis pessoas, das quais você pode extrair personagens. Mesmo se você escrevesse milhares de histórias, ainda assim elas não se esgotariam. Por que não escrever, então, sobre alguma destas pessoas? Assim, você possuirá uma lista donde extrair personagens, sempre que precisar. Tente este exercício:

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- Faça uma lista com todo mundo que você já conheceu. Inclua pessoas que você conheça bem, e aquelas que você só avistou à distância. Ponha os nomes. Pare após haver preenchido duas páginas, listando os nomes em colunas. Se você não souber o nome destas pessoas, escreva algo como “a me-nininha que vive na outra quadra”. Todo mundo nesta lista é uma inspiração possível para um personagem.

- Pegue uma das pessoas desta lista e escreva um breve trecho sobre como esta pessoa lhe im-pressionou.

Debate

Após realizar esta atividade, responda a uma ou todas as questões seguintes:

1 - Divida conosco o trecho que você escreveu sobre a pessoa que lhe impressionou.

2 - Você se lembrou de alguém em quem não pensava há muito tempo?

3 - A pessoa que você escolheu daria um perso-nagem interessante? Por quê?

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Lição 3: O método composto para criação de personagens

Visão GeralNesta lição, você aprenderá como criar perso-

nagens ficcionais através de composição — combi-nando características de várias pessoas reais.

Tempo EstimadoLevará umas 2 horas para completar esta lição.ObjetivosApós completar estas lição, você:- compreenderá os riscos de se usar pessoas

reais tais como elas são, numa obra ficcional.- aprenderá como você construir, com sucesso,

personagens compostos.AtividadeDurante esta lição, você completará a seguinte

atividade:- Atividade de escrita: criando um personagem

composto.

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Dissertação e Debate

Lição 3: O Método composto para criação de personagens

Na última lição, falamos sobre como basear seus personagens ficcionais em pessoas reais, aquelas que estão no mundo ao seu redor. Agora, nosso en-redo está prestes a ficar intrincado. Este processo está prestes a se tornar mais complexo.

Você verá que, geralmente, não basta apenas catar uma pessoa real e jogá-la nas páginas de sua história. Mesmo se um personagem for inspirado numa pessoa de fato, ele ainda precisa se tornar um personagem ficcional — algo bastante diferen-te de um ser humano verdadeiro. Personagens são realistas, mas ainda assim eles não são reais.

Consequentemente, ao escrever ficção, você deve criar personagens. Para a maioria dos escritores, a maior parte deste ato de criação ocorre antes que a escrita da história comece de fato. Isto pode soar um pouco como lição de casa... Bem, mas é! Porém, geralmente, o resultado vale o esforço.

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Os Riscos de Fotocopiar Pessoas

Primeiro, vejamos algumas razões por que per-sonagens devem ser ficcionalizados. (Sua lição de casa será mais prazerosa se você entender o pro-pósito e a necessidade dela).

Falando bem a verdade, há inúmeros riscos de se fotocopiar pessoas, isto é, lançando pesso-as reais numa história sem ficcionalizá-las. Um deles, você pode perder alguns amigos. Mas esta não é a única razão.

Pessoas reais vivem vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, e tanta coisa se passa em suas vidas e dentro de suas cabeças que é lite-ralmente impossível capturar tudo no papel, dum modo que seja verdadeiramente realista. Simples-mente, há muito material. Personagens ficcionais exigem muito mais foco do que pessoas da vida real. Senão, os leitores, isto para não mencionar o próprio escritor, se perderão.

Além disto, é difícil — na verdade, impossível — acessar o íntimo de alguém além do seu próprio. A despeito de quão bem você conheça alguém, você nunca terá certeza absoluta sobre o que ele ou ela está pensando, sentindo, almejando e temendo. E estas são coisas que você, o escritor, desejará saber sobre a maioria de seus personagens.

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Reflita sobre Jay Gatsby. A princípio, ele é um mistério total para nós e para nosso narrador, Nick. Gradativamente, começamos a descobrir o que está por detrás do aparentemente impene-trável exterior. No capítulo 6, nos é desvelada a verdade sobre a humilde proveniência centro-oci-dental de James Gatz — uma verdade que é bem diferente da verdade que o próprio Gatsby revela. Em certo sentido, Gatsby é duas pessoas. No final deste capítulo, temos um vislumbre da apresenta-ção, que muda a vida dele, entre Gatsby e Daisy, revelada no rapsódico trecho, que começa com "Numa noite de outono...". Descobriremos ainda mais sobre Gatsby nos capítulos subsequentes. Se você for inspirar seus personagens em pessoas reais da sua vida, você terá de conhecê-las tão bem quanto Fitzgerald conhecia Gatsby. Muitos de nós não conhecem as pessoas bem deste modo.

Mas se você estiver pensando, nesta altura, "Eu conheço alguém muito melhor do que Fitzgerald conhecia Gatsby. Eu me conheço. Eu inspirarei um personagem, vários deles, em mim mesmo. Isto será fácil!"

Ah é? Você acha que se conhece tão bem? Hum, talvez. Mas pense um pouco sobre isto. Seu conhe-cimento sobre si mesmo é subjetivo, isto é, você se conhece apenas interiormente, não pode se ver a

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si mesmo desde fora. Você não possui objetividade sobre quem você é e sobre o que você faz. Escre-ver ficção totalmente autobiográfica é um empre-endimento muito imprevisível. Isto é algo que vemos, de tempos em tempos, nas aulas de ficção na Gotham Writer's Workshop. Personagens inspi-rados no próprio autor são, comumente, sempre os mais planos, os menos distintos e os menos con-vincentes.

Paradoxicalmente, é também possível conhecer algumas pessoas bem demais. Ao escrevermos sobre nós mesmos, nossos parentes ou melhores amigos, possuímos a tendência de pressupor boa parte das informações. Você sabe que seu pai levou você, seu irmão e sua irmão, de Anaheim a Orlando várias vezes, quando vocês eram crian-ças, porque ele era obcecado pelo Mickey Mouse. Talvez você saiba disto tão entranhadamente que se esquece do contar aos leitores.

Por fim, um personagem inspirado num indiví-duo próximo do escritor dificilmente o surpreen-derá, tampouco agradará o leitor. Uma das me-lhores coisas, durante a escrita de uma história, é quando os personagens levam o escritor a direções inesperadas. Eles se mantém fiéis aos fatos, ao invés de simplesmente seguirem os mandatos ou as orientações da história.

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Você se lembra da Mulher Misteriosa da última dissertação — aquela que aparece no seu ponto de ônibus com um livro diferente em mãos todo dia? E se ela fosse, ao invés duma estranha, uma cole-ga de trabalho ou amiga casual? Então, você sa-beria porque ela está com um livro diferente todo dia. Você saberia que ela está fazendo um curso de leitura dinâmica e, assim, ela pode devorar um romance de 350 em pouco mais de uma hora.

Se você se apegar demais a quem a pessoa é de verdade, dificilmente você teria inventado o apra-zível cenário que criamos, no qual a mulher de fora da cidade finge ler um livro diferente a cada dia, na esperança de conhecer um estranho. Não lhe ocorreria que a razão fosse algo diferente do que leitura dinâmica. Ao ficcionalizar a pessoa, você abre um leque de possibilidades interessan-tes para escolher.

Complicado, não é? Nada disso. Aqui, há uma solução simples para todos os problemas discuti-dos acima.

Pedaços de Pessoas

Talvez o modo mais eficiente para se fazer a transição entre pessoas reais e personagens ficcio-nais é compô-los. Este modo realiza duas coisas: 1) força você a ficcionalizar, e 2) permite você moldar

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pessoas que se encaixem nas necessidades especí-ficas da sua história.

Ao utilizar o método de composição, você cria personagens que são, na verdade, a mistura de várias pessoas diferentes que você conhece ou que ouviu falar. Você junta as partes de várias pesso-as, duma maneira bastante parecida com a qual Dr. Frankenstein criou seu famoso monstro.

Por exemplo, você pode criar um personagem que possui a personalidade do seu melhor amigo, mas com a aparência de seu primo. Ele pode falar como seu chefe, possuir o cheiro do seu pai e co-mer como aquele nojento que você viu no jantar, na noite passada. Repare que tudo isto foi inspi-rado em pessoas reais do mundo ao seu redor; isto não mudou. Mas o modo como estamos utilizando a matéria-prima é mais envolvente, mais ativa e mais criativa — e, em última instância, servirá melhor para a história.

Já falamos como a situação de Jay Gatsby man-tém algumas semelhanças com a do jovem F. Scott Fitzgerald. Gatsby é um homem sem status que se apaixona por uma moça sulina socialmente proeminente, e direciona toda sua energia para se transformar em alguém que ele pensa ser merece-dor do amor dela.

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Mas esta não é toda a história sobre a criação de Jay Gatsby.

Pesquisadores descobriram que um homem chamado Max von Gerlach enviou um bilhete, uma vez, a Fitzgerald na qual aparecia a expres-são “velho camarada” (old sport). Este von Gerlach tinha uma porção de identidades conflitantes; ele era reputado como sendo um barão, um contra-bandista de bebidas e um negociador de carros em Flushing, Queens — o local do “Vale de Cinzas” em “O Grande Gatsby”. Parece familiar? Muitos acreditam que Fitzgerald conheceu von Gerlach em Great Neck, em Long Island, durante a década de 20 (acredita-se que Great Neck e Manhasset Neck correspondem a West e East Eggs, no ro-mance).

Em outras palavras, Fitzgerald combinou uma situação autobiográfica com algumas característi-cas de um homem peculiar, aos qual ele não de-veria conhecer tão bem assim. Ele provavelmente também deve ter adicionado detalhes obtidos de outras pessoas que ele conhecia ou observou. O resultado: um personagem brilhante.

Ou pense em Daisy. Dissemos, anteriormente, que ela foi provavelmente inspirada em Zelda, a esposa de Fitzgerald. Entretando, há algumas coi-sas de Daisy que não valem para Zelda. Apesar de

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ser socialmente proeminente, a família de Zelda não era, na verdade, rica. Daisy era muito, mas muito rica mesmo — tão rica que mesmo sua voz era “cheia de dinheiro”. A Sra. Fitzgerald veio do Alabama, não do Kentucky. Ela também não traiu o marido com um cara como Gatsby ou atropelou a amante do marido com seu carro. Tais detalhes vieram, provavelmente, do comportamento de ou-tras pessoas, testemunhado pelo escritor.

Ou pense na Mulher Misteriosa. Talvez você tenha apanhado um pedaço de alguém com a qual você trabalha — o fato de ela ler um livro diferen-te a cada dia. Mas outros pedaços dela vieram de outros lugares. Talvez seu irmão seja extrema-mente tímido, então, você empresta esta caracte-rística dele. Talvez sua colega de faculdade seja do interior, então você empresta esta informação dela. Brincando de Dr. Frankenstein e compondo, você criou uma extraordinária personagem ficcio-nal, disposta a ir onde sua imaginação quiser que ela vá. Quem sabe o que ela fará?

Uma última observação, reflita sobre isto: o primeiro romance de Fitzgerald, Este Lado do Paraíso, mantém-se muito próximo dos fatos da vida de Fitzgerald, muito mais do que O Grande Gatsby. Apesar de ter sido um grande sucesso quando foi lançado, Este Lado do Paraíso não é

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nem de longe tão bom quanto O Grande Gatsby. E os personagens também não são tão marcantes quanto Gatsby, Daisy, Nick e o restante daquele maravilhoso elenco ficcional.

O método de composição funcionou bem com Fitzgerald, e também pode funcionar com você.

Debate

Após ler a dissertação, tente responder uma ou todas estas questões:

1. Você consegue pensar em outros problemas ao se colocar um personagem numa história sem ficcionalizar a pessoa que lhe deu origem?

2. Este conceito de composição parece ser inte-ressante para você? Parece ser intrigante?

3. Você está mais interessado em criar persona-gens que são semelhantes ou diferentes de você?

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Atividade de Escrita

Lição 3: O Método Composto de Criação de Personagens

Visão GeralApós completar esta atividade, você terá criado

um personagem utilizando o método composto.Tempo EstimadoVocê levará algo em torno de 30 minutos para

completar esta atividade.InstruçõesTente criar um personagem usando o método

composto.1. Crie um personagem inspirado em 3 pessoas

diferentes. Se esta instrução for vaga demais, ins-pire seu personagens em seu pai ou mãe. Mas use um “pedaço” da personalidade deles. Então, use um “pedaço” de alguém daquela lista compilada na Lição 2.

2. Dê um nome ao personagem ficcional e escre-va uma breve descrição dele. Sua descrição pode variar de um parágrafo até várias páginas. Se você achar mais fácil imaginar seu personagem agindo — fazendo algo — sinta-se livre para fazê-lo.

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Debate

Após completar esta atividade, responda a uma ou todas as questões seguintes:

1. Foi estranho criar uma “pessoa”, compondo-a assim?

2. Você acha que você criou um personagem mais interessante usando o método composto?

3. Você conseguiu encontrar um nome apropria-do para o personagem?

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Lição 4: Usando Perfis para C onhecer seus Personagens

Visão GeralNesta lição, você compreenderá como encorpar

seus personagens utilizando um perfil — uma lis-ta detalhada de características do personagem.

Tempo EstimadoLevará mais ou menos 2 horas e 30 minutos

para completar esta lição.ObjetivosApós completar esta lição, você:- compreenderá os tipos básicos de característi-

cas de personagens — física, social e pessoal.- compreenderá a diferença entre personagem

plano e redondo.- compreenderá como compilar perfis detalhados

dos personagens.- terá construído um perfil detalhado dum perso-

nagem.

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AtividadeDurante esta lição, você completará a seguinte

atividade:- Atividade de Escrita: Fazendo o perfil dum

Estranho

Dissertação e Debate

Lição 4: Usando Perfis para Conhecer seus Personagens

Se você for criar grandes personagens para suas histórias, você precisará conhecer bastante sobre eles. Talvez não tão profundamente, como debate-mos na lição anterior, mas você terá que conhecer um bocado sobre eles. Na verdade, personagens são como icebergs. Apenas algumas pontas dos personagens são visíveis para o leitores, mas a parte sob a superfície é que dá peso e estabilidade a cada personagem.

Conhecer personagens é parte da etapa de cria-ção, e muito deste trabalho é feito antes da escrita de fato da história. Tenha em mente, porém, que alguns escritores preferem simplesmente come-çar escrevendo e ver para onde os personagens os levam. Isto também é legal.

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Muitos escritores experientes fazem, frequen-temente, a "lição-de-casa" deles intuitivamente, enquanto escrevem suas histórias. Em ambos os casos, em algum momento, o escritor precisa co-nhecer bem seus personagens.

Aspectos dos Personagens

Um método altamente eficiente para conhecer seus personagens é construir perfis de persona-gens. Você faz isto simplesmente pensando e, talvez, escrevendo, todo tipo de informação sobre seus personagens. Por exemplo:

FísicoQuais são as características físicas do seu per-

sonagem? Logicamente, isto ajuda os leitores a visualizarem aquela pessoa com a qual passarão seu tempo. Você não pode julgar um livro pela capa, mas o físico pode afetar como uma pessoa é. As loiras têm mais graça? Não necessariamente. Mas, se alguém tingir o cabelo dum loiro platina-do a la Marilyn Monroe, isto revela algo sobre ela — sobre quem ela é e sobre quem ela quer ser. A deformidade afeta, inegavelmente, a personalida-de do Concurda de Vitor Hugo.

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SocialE sobre as influências sociais? Mesmo se você

não for um freudinano linha-dura, você provavel-mente concordará que a formação duma pessoa ocorre, principalmente, durante a infância. Se seus pais era ambos alcoólatras, isto deve ter tido algum efeito sobre você. Se você cresceu pobre no Nordeste, você será diferente do que se houves-se crescido rico no Morumby. Religião influencia profundamente a visão de alguém em relação à vida. Se um personagem é casado ou não, se tem filhos ou não: tudo ajuda para formar quem este indivíduo é.

PersonalidadeA personalidade é, basicamente, uma função

das duas categorias anteriores. (Por outro lado, gêmeos nascem, às vezes, com personalidades diametralmente diferentes; a natureza sobrepuja a criação.) Personalidade é onde a verdadeira ação acontece, e ela que afetará a maioria das coisas que o personagem fizer na história.

Em breve, nós segmentaremos estas categorias ainda mais. Mas se você for um dos que está pen-sando: "Meu Deus, eu vou ter que fazer tudo isto para cada um dos personagens?" — então, faremos um pequeno desvio.

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Personagens Planos versus Personagens Redondos

O fato é: você não precisa dedicar a mesma quantidade de tempo para fazer o perfil de cada personagem em suas histórias.

Pense em O Grande Gatsby. Alguns persona-gens (Nick Carraway) aparecem página após página no romance, enquanto outros (Meyer Wofshiem) menos frequentemente, e alguns quase não aparecem e são rapidamente esquecidos pelo leitor (o homem que dá indicações a Nick para chegar em West Egg). Uma história que desse atenção igual a cada um de seus personagens seria muito longa, ou muito superficial, ou extre-mamente chata.

Dito isto, há duas categorias básicas de persona-gens, numa história bem contada:

Personagens PlanosPersonagens planos não são muito diferentes

duma mobília, e não devem ser. Eles fazem exata-mente aquilo que se espera deles (no caso mencio-nado acima, dar indicações a Nick para chegar em casa) e nada mais. Nas palavras do grande escri-tor inglês E. M. Forster (em seu livro Aspectos do Romance), eles são "planos" — unidimensionais.

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Então, não procure no homem que dá direções para West Egg, ou para muitos dos convivas nas festas de Gatsby, por riqueza ou complexidade de personalidade. Fitzgerald manteve estes persona-gens planos de propósito, sabendo que, se de outro modo fosse, eles diminuiriam a importância dos personagens principais. A maioria dos persona-gens secundários devem ser planos.

Personagens RedondosPersonagens redondos são, como a maioria das

pessoas reais, complexos. Eles possuem mais de uma dimensão. Geralmente, isto resulta em con-tradições internas nestes personagens. Caso você ainda não tenha notado, as pessoas se contradi-zem quase todo o tempo. Na verdade, de acordo com E. M. Forster, um personagem é redondo se ele ou ela puder fazer algo surpreendente, a qual você aceita e acredita porque o personagem é dimensional. Uma boa orientação para quando for criar personagens.

Você vai querer que os personagens principais em sua história sejam redondos, dimensionais, contraditórios e completamente humano.

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Fazendo uma Lista de Perfis

Como você pode imaginar, conceber personagens planos é bastante fácil. Basta oferecer aos leitores a informação necessária e esperada, e está feito! Um garçom anota os pedidos, traz a comida, deixa a conta — ponto final. Um avô é sábio e bondoso. Um investidor jovem é igualmente ambicioso e viril. Quer dizer, se você souber que o papel do seu personagem será pequeno, você não precisa se esforçar muito em fazer o perfil dele.

Mas quando se trata de personagens redondos, às vezes ajuda criar perfis elaborados para eles. Alguns escritores fazem uma lista, à qual eles preenchem com várias características dos perso-nagens. Aqui está uma lista que talvez seja útil para você.

Características FísicasGênero:Idade:Etnia:Altura:Tipo corporal:Cor dos cabelos:

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Cor dos olhos:Características faciais:Vigor físico:

Características SociaisLocal de nascimento:Pais:Família:Infância:Trabalho:Renda:Religião:Inclinação Política:

Características de PersonalidadeHábitos:Melhores Qualidades:Piores Defeitos:Comidas Favoritas:Destinos de férias favoritos:

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Esportes favoritos:Filmes/Programas de TV favoritos:O que o faz feliz?O que o deixa triste?O que o enfurece?O que ele mais ama?O que ele mais odeia?Do que ele mais se orgulha?Do que ele mais se envergonha?Qual é seu segredo mais negro?

E sobre a Mulher Misteriosa?

Retornemos à nossa Mulher Misteriosa, aquela do ponto de ônibus. Se você a estiver usando como personagem numa história, você pode terminar revelando uma infinidade de informações sobre ela até o fim da história até que ela se torne, bem... um livro aberto. Ou você pode seguir por outro caminho, mantendo-a misteriosa durante toda a história.

Nos dois casos, você apenas se beneficiará ao conhecê-la o melhor que puder. Mesmo que você não revele muito sobre ela no decorrer da história,

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você estará mais apto para escrever melhor, mais completamente, mais convincentemente, se você, o escritor, souber quem ela é.

Suponhamos que você tenha de dar um nome a ela? Que tal — Maria Rialto. Ah, a personagem foi batizada. E você já começa a vê-la com mais deta-lhes. Imagine, então, quão melhor você a conhece-rá se puder responder algumas ou todas as ques-tões da lista de perfil acima.

Construir um perfil é, na verdade, um método seguro para conhecer seus personagens.

Debate

Após ler a dissertação, tente responder algumas ou todas as questões seguintes:

1. Esta técnica de fazer perfis parece ser útil para você?

2. Ou você prefere criar os personagens enquan-to escreve?

3. Quais características da lista de perfil você acha ser mais esclarecedora? Você consegue pen-sar em alguma característica importante que não tenha sido incluída na lista?

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Atividade de Escrita

Lição 4: Usando Perfis para Conhecer seus Personagens

Visão GeralApós completar esta atividade, você terá criado

um perfil detalhado dum personagem ficcional, ba-seado numa pessoa completamente desconhecida.

Tempo EstimadoLevará mais ou menos uma hora para completar

esta atividade.Fazendo o Perfil dum desconhecidoVamos dar uma chance para a técnica do perfil.

Muito escritores acham esta ferramenta muito útil para conhecer seus personagens.

1. Saia de casa e encontre um completo desco-nhecio que pareça ser, de algum modo, interes-sante. Você pode conversar com ele, se quiser. Ou pode simplesmente observar a pessoa por algum (ou muito) tempo.

2. Dê a esta pessoa um nome ficcional e pense nela como base para um personagem ficcional.

3. Preencha a lista de perfil deste personagem, semelhante à lista citada na dissertação.

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A informação que você colocar no perfil deve ser, ao menos parcialmente, inventada. Não hesite em criar quase tudo. O desconhecido será apenas o ponto de partida para seu personagem ficcional.

Debate

Após completar esta atividade, responda a algu-mas ou a todas as questões seguintes:

1. Conte para a gente sobre o desconhecido que você utilizou como personagem.

2. Você achou fácil ou difícil preencher o perfil desta pessoa? Por quê?

3. O personagem que você criou se daria bem numa história ficcional?

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Lição 5: Como Revelar ao Contar

Visão GeralNesta lição, você compreenderá como revelar os

personagens "contando" — o que o narrador conta e o que os personagens contam.

Tempo EstimadoLevará algo em torno de 2 horas para completar

esta lição.ObjetivosApós completar esta lição, você:- compreenderá o conceito de revelar gradual-

mente os personagens.- compreenderá como narrador conta sobre os

personagens.- compreenderá as várias maneiras como perso-

nagens contam sobre personagens.AtividadeDurante esta lição, você completará a seguinte

atividade:Atividade de Pesquisa: O que as pessoas contam

sobre si mesmas

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Dissertação e Debate

Lição 5: Como Revelar ao Contar

Então, até agora você criou um ou mais perso-nagens ficcionais. Talvez você os tenha baseado diretamente em pessoas que você conheça bem, ou não tão bem. Talvez você tenha combinado as ca-racterísticas duma variedade de parentes, amigos, conhecidos e desconhecidos. Talvez você até tenha montado perfis.

Em outras palavras, você fez sua lição-de-casa. E agora? Como relevar esta informação cuidadosa-mente observada, compilada e registrada aos seus leitores? Como fazer seus personagens se torna-rem seres viventes, respirando, nas páginas?

Revelar Gradualmente

Bem, você pode simplesmente mostrar aos lei-tores sua lição-de-casa. Assim que o personagem aparecer, você põe as cartas da mesa, revelando aos leitores tudo que você sabe sobre o persona-gem. Este método seria certamente eficiente, para não dizer fácil.

Porém, ele não resultaria em boa ficção. Imagi-ne se Fitzgerald houvesse seguido este caminho

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fácil. Você se lembra da cena na qual Nick conhece Gatsby numa das suas suntuosas festas? Bem, su-ponhamos que, neste momento, Fitzgerald houves-se apenas nos dado um perfil semelhante ao que vimos na última lição. Você com certeza estaria se questionando o porquê de este livro ser considera-do um clássico.

Na vida real, nós não descobrimos tudo sobre alguém assim que o conhecemos. Nós temos a pri-meira impressão, e só. Leva tempo para conhecer uma pessoa. Do mesmo modo, leva algum tempo para conhecer os personagens, especialmente os redondos. É também mais divertido se os leitores tiverem de juntar as peças por conta própria, ao invés de receberem o quebra-cabeça todo montado.

O modo como Gatsby é gradualmente revelado ao leitor — partindo duma tênue silhueta até uma pessoa totalmente acabada — é um dos maio-res encantos da história. Este tem sido um tema recorrente em nossa análise de O Grande Gatsby e, na verdade, o personagem de Jay Gatsby é uma obra-prima de relevação gradual.

Pense no narrador em Catedral de Raymond Carver. Nós recebemos alguma informação sobre ele no começo da história, mas nós não o conhe-cemos profundamente até que a história acabe. É claro que há coisas que nunca saberemos sobre ele, o mesmo vale para Gatsby. Mas refletir sobre

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este homem, então compreendê-lo aos poucos — talvez ser surpreendido pelo que ele faz — isto é parte do fascínio desta história.

Via de regra, você vai querer fornecer aos pou-cos o material que você preparou sobre seu per-sonagem redondo, de certo modo imitanto o modo como pessoas nos são reveladas na vida real.

Narradores Contam

Mas como você fornece aos poucos esta informa-ção? É aqui que as coisas começam a ficar interes-sentes pra valer. Como escritor, você pode revelar seus personagens através de dois modos funda-mentais:

- Contando- Mostrando.Vamos nos concentrar em "contando" agora, e

em "mostrando" na próxima lição.Contar é uma maneira perfeitamente legítima

para revelar personagens. Você está, em última instância, contando uma história. Contar sobre um personagem pode ser feito pelo autor/narrador, ou por um personagem. Isto pode ser feito através de descrição narrativa ou diálogo.

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Em Catedral, o rapaz que vive na casa serve como narrador, contando a história em Primeira Pessoa. (O interessante é que ele nunca nos diz seu nome e, também interessante, ele se refere a Robert apenas como "o homem cego". O que isto indica sobre o narrador?) O narrador está frequen-temente contando sobre outros personagens. Aqui ele está nos contando sobre Robert:

"Este homem cego estava na casa dos cinquenta anos, constituição pesada, careca, ombros caídos, como se carregasse um grande peso. Ele vestia calças marrons, sapatos marrons, camisa marrom-claro, gravata, um casaco esporte. Ajeitado. Ele também tinha uma espessa barba."

Aqui, ele está contando sobre sua esposa:"Ela está sempre tentando escrever um poema.

Escrevia um poema ou dois por ano, geralmente após algo importante ter acontecido a ela."

Perceba que Carver não está dramatizando esta informação, como um dramaturgo ou roteirista faria — talvez fazendo com que Robert dissesse, "Eu acabei de completar quarenta e sete anos", ou mostrando a esposa intencionalmente trabalhando num poema. Carver (através do narrador) apenas nos diz o que precisamos saber.

Podemos presumir que todas estas informações são precisas. Não há razão alguma para que o

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narrador minta sobre a idade ou a vestimenta de Robert, ou sobre os hábitos poéticos da esposa. Geralmente, o narrador da história está dando ao leitor informação fidedigna. Porém, precaução. Nem sempre este é o caso. Especialmente se o narrador for também um personagem na história, como no caso de Catedral.

Personagens Contam

Personagens em ficção estão frequentemente contando sobre outros personagens. Mas persona-gens não são sempre confiáveis quando se trata de contar a verdade. Afinal de contas, eles são apenas humanos (ou uma espécie de). Por isso, eles po-dem nos contar algo sobre os outros personagens da história que não seja exatamente preciso. Até mesmo narradores podem ser culpados disto.

A certa altura de Catedral, o narrador conta sobre a esposa tardia de Robert, Belulah:

“Então, me encontrei pensando sobre a vida mi-serável que esta mulher deveria ter. Imagine uma mulher que jamais poderia ser vista pelos olhos de seu amado. Uma mulher que seguiria dia após dia, sem nunca receber nem mesmo um elogiozinho de seu amado.”

Isto é verdade? Provavelmente não. Pelo que descobrimos sobre Robert, parece que ele é o tipo

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de pessoa que enche a mulher de elogios, mesmo que não possa vê-la. Podemos supor que Robert seja um marido afetuoso e que, na verdade, deve fazer sua esposa muito feliz. Talvez o narrador não consiga entender isto por ele próprio não ser um marido exemplar. O leitor sente que Robert pode “ver” Belulah bem melhor do que o modo como o narrador “vê” sua esposa.

No exemplo acima, conta-se através de narração. Mas personagens também podem contar sobre outros personagens no diálogo. O que eles dizem é sempre verdade? Às vezes, sim; outras, não. Assim como na vida real, não há jeito fácil de se saber.

Quando Robert diz:— Bub, eu sou um escocês de verdade.Nós temos a impressão de que ele está contando

a verdade sobre suas preferências com relação a bebida. E quando ele diz:

— Querida, eu tenho duas TVs. Uma colorida e outra uma relíquia em preto-e-branco. O engra-çado é que, quando eu ligo uma TV, e eu sempre a ligo, eu ligo a colorida. Engraçado, não acha?

Isto é um pouco mais difícil de se acreditar — como ele consegue saber a diferença? Porém, após descobrir um pouco sobre Robert, temos a

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impressão de que esta também é uma informação precisa.

E sobre esta discussão acalorada entre o narra-dor e sua esposa:

— Eu não tenho amigo cego algum — ele diz.— Você não tem amigo algum — ela diz. — E

ponto-final.A esposa está falando a verdade absoluta so-

bre o marido? Bem, podemos imaginar que este homem não tenha muitos amigos, que ele não é o cara mais amigável da cidade. Ela deve ter passa-do de raspão. Mas ele deve ter alguns amigos, pelo menos um ou dois que sejam tão bitolados e mise-ráveis como ele. A esposa deve estar exagerando um pouco quando ele diz que ele não tem amigo algum. Ela está brava naquele momento e tentan-do ficar por cima da carne-seca. Você sempre conta a verdade sobre as pessoas que você conhece? Hum, talvez não.

A falibilidade do que os narradores e persona-gens “contam” sobre outros personagens ajuda a aumentar o nível de interesse duma obra de fic-ção. Ao invés de receber na boquinha a verdade pronta, o leitor precisa tirar suas próprias con-clusões sobre o que está sendo contado. Em tais situações, também estamos aprendendo sobre os

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personagens que estão contando, além daquele que está sendo o objeto. Se é verdade ou não, pode-mos sentir a frustração e o ressentimento, quando a esposa proclama:

— Você não tem amigo algum. E ponto-final.

Contando como Contar

Talvez esta técnica de contar esteja começando a parecer complicada, mas não é nada que você não possa dominar em sua própria ficção.

Voltemos aos nosso personagem, Maria Rialto (antigamente conhecida como Mulher Misteriosa). Se você a estiver usando numa história, você pode contar sobre ela de vários modos.

Você, como narrador, pode escrever algo assim:“Apesar de Maria Rialto possuir uma boa dose

de gentileza, ela era uma tímida incurável. Quan-do criança, ela era expansiva e jocosa, mas, por volta dos onze anos, ela se tornou tímida, o que, através dos anos, se acentuou drasticamente.”

Bom, você nos contou bastante sobre Maria, e de mareira bastante eloquente.

Outros personagens também pode nos contar algumas coisas sobre Maria também. A mãe dela diz:

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— Meu bebê não é tímida, ela é apenas quieta.Um colega da livraria na qual ela trabalha diz:— Maria é tão grossa. Ela nunca me dirige a

palavra.Outra pessoa pode dizer:— Que esquisitona!Quem está certo? Talvez todos eles, talvez ne-

nhum. Lembre-se, quando outros personagens estão contando, não é muito fácil saber onde jaz a verdade. Você também pode perceber que desco-brimos algo sobre cada um dos personagens pelo que eles dizem, ou contam, sobre Maria.

O que Maria contaria sobre si mesma? Se você estiver realmente curioso, talvez você possa inda-gá-la.

Debate

Após ler a dissertação, tente responder algumas ou todas as questões seguintes:

1. Há um meio mais poderoso para revelar os personagens além de contar sobre eles?

2. Você prefere uma história contada pelo escri-tor ou por um narrador em primeira pessoa (que é um personagem na história)?

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3. Quando as pessoas contam sobre elas mes-mas, como você determina se deve ou não acredi-tar nelas?

Atividade de Pesquisa

Lição 5: Como Revelar Contando

Visão GeralApós completar esta atividade, você terá refleti-

do sobre o espaço que há entre o que as pessoas (e você) contam e não contam sobre elas mesmas, ao explorar anúncios pessoais e criar um para você. Isto pode conduzir à criação de vários personagens ficcionais.

Tempo EstimadoLevará em torno de 45 minutos para completar

esta atividade.O que as Pessoas Contam sobre Elas

MesmasSempre há um espaço entre o que dizemos aos

outros sobre nós mesmos e a verdade. Às vezes, não somos cientes deste espaço, outras vezes, somos.

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1. Procure por anúncios pessoais em jornais, revistas, internet (digite “anúncio pessoal” num buscador e você receberá várias respostas). Anún-cios pessoais estão por todo lado, hoje em dia.

2. Leia o que as pessoas dizem para se promove-rem. Talvez estas coisas sejam verdadeiras, tal-vez não. O que resta? Tenha em mente que todas estas pessoas podem ser usados como base para personagens ficcionais.

3. Escreva 3 ou 4 coisas que você diria para se promover num anúncio pessoal.

4. Escreva 3 ou 4 coisas que você omitiria (ou talvez mentiria, caso este assunto surgisse num primeiro encontro). Você pode aprender algo sobre si mesmo que possa ser utilizado num persona-gem.

Debate

Após completar esta atividade, dê a resposta para algumas ou todas as questões seguintes:

1. Você questiona a verdade do que você lê sobre outras pessoas?

2. Você vê alguma diferença entre o que você diria ou não diria sobre si mesmo? Caso sim, que tipo de vislumbre isso lhe dá sobre o que as pesso-as dizem delas mesmas?

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3. Você descobriu algo em algum anúncio pesso-al (seu ou de outros) que tenha despertado a idéia para algum personagem interessante?

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Lição 6: Como Revelar ao Mostrar

Visão GeralNesta lição, você compreenderá como revelar

personagens "mostrando" — fisicamente, diálogo, ação.

Tempo EstimadoLevará algo em torno de 2 horas para completar

esta lição.ObjetivosApós completar está lição, você:- compreenderá o conceito de mostrar persona-

gens, deixando o leitor "vê-los".- compreenderá como revelar personagens

através do físico.- compreenderá como revelar personagens

através do diálogo.- compreenderá como revelar personagens

através de suas ações.- terá aprendido sobre um de seus personagens,

vendo-o em ação.

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AtividadeDurante esta lição, você completará a seguinte

atividade:- Atividade de Escrita: O que seu personagem

faria?

Dissertação e Debate

Lição 6: Como Revelar ao Mostrar

Da última vez, discutimos o "contar" sobre per-sonagens. Não importa quão eficiente o método de contar seja, mostrar é sempre melhor. Mostrar significa apresentar ao leitor os personagens em primeira-mão, à queima-roupa. Isto permite aos leitores "ver" (e ouvir, e, algumas vezes, tocar e até mesmo cheirar) os personagens.

A maioria das amostras será compartilhada através de cenas: palavras-imagens escritas mais ou menos em "tempo real". Pense numa peça de teatro, na Broadway ou num outro palco qualquer. As cortinas se abrem e tchan!

Imediatamente, nós começamos a descobrir sobre os personagens encenados pelos atores da peça. Ninguém nunca os descreve ou os explica

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para nós. Simplesmente olhamos, ouvimos e en-tendemos.

Há quatro métodos básicos para mostrar perso-nagens:

- Ação- Fala- Aparência- PensamentoUma obra de ficção deve misturar e combinar

estes métodos.

Ação

Ações são frequentemente a maneira mais pode-rosa para revelar personagens. Como diria Jean-Paul Sartre: "Nós somos os nossos atos".

Ações podem ser coisas pequenas, como o jeito que o personagem trata um caixa songo-mongo no mercado. Algumas pessoas são pacientes neste tipo de situação, enquanto outras se tornam am-plamente hostis. Outros irão reclamar, mas segu-rando a onda. Cada um reage diferente diante das exigências ordinárias do cotidiano.

Em Catedral, descobrimos sobre ânsia de vida de Robert através de todas as coisas que ele faz,

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que corrobora com as expectativas do narrador em se tratando de cegos. Robert bebe Scotch e entope o cinzeiro com bitucas de cigarro. Ele come "como se não houvesse amanhã". Robert fica doidão, então "assiste" TV — ele não tem um, mas dois aparelhos de TV em casa. A despeito de sua defici-ência física, Robert devora com gosto o mundo ao seu redor.

Ações também podem ser grandes coisas, tais como os personagens reagem em momento de cri-se. Há uma razão por que as dinâmicas de grupo em empresas começam designando uma difícil tarefa coletiva, como escalar um muro sem escada ou corda. Tal desafio é, na verdade, uma crise ar-tificial e ela ilustra, imediatamente, quem é quem num grupo — quem é o líder, quem fica reclaman-do, aquele que cuida dos outros, etc.

Os personagens principais de sua história serão, provavelmente, testados por situações difíceis. É aí que descobrimos quem eles são — através do que eles fazem nestes momentos.

O narrador em Catedral parece estar na defen-siva, chegando a ser hostil, no começo da história. Não é claro se ele é capaz de ser generoso, nem mesmo que ele possua inclinação para isto. Mas ele passa por uma situação estressante (para ele) — ter um cego em sua casa durante a noite. No

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final da história, a situação estressante trouxe uma mudança em seu comportamento. Quando o observamos fechando os olhos e movendo a mão do cego através do papel, descobrimos que ele possui grande potencial de calor humano e gentileza.

Nós entendemos muito sobre personagens aos vê-los agindo (e interagindo e reagindo). O que eles fazem e como eles fazem isto? O que eles não fazem? Mostrar a ação fornece o mais pró-ximo que há duma informação objetiva sobre os personagens. Como resultado, contar sobre estes personagens torna-se dispensável.

Fala

A fala refere-se ao que o personagem diz, seu diálogo. Aqui há um exemplo de mostar através da fala em Catedral:

— Você teve uma boa viagem de trem? — eu per-guntei — Falando nisto, em qual lado do trem você se sentou?

— Que pergunta é essa, que lado! — minha espo-sa respondeu — Que importa qual lado?

— Só estou perguntando. — eu disse.— Do lado direito — o cego disse — Fazia quase

quarenta anos que eu não entrava num trem. Des-

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de quando eu era menino. É muito tempo. Quase me esqueci da sensação. Tenho até inverno na barba — ele disse — Bem, é que o me disseram. Eu pareço ser distinto, querida? — o cego perguntou à minha esposa.

- Você parece ser distinto, Robert — ela respon-deu - Robert, é tão bom vê-lo.

Muito é mostrado através deste diálogo. O tre-cho nos revela que, apesar do narrador e de sua esposa estarem extremamente nervosos com a presença do cego em sua casa, Robert está tran-quilo. Além disto, nas primeiras duas linhas, há um vislumbre de animosidade entre marido e esposa. Por fim, há um toque poético em "inverno na barba". A esposa do narrador e Robert são poé-ticos, enquanto que o narrador não.

Agora, Carver poderia simplesmente ter nos contado esta informação. Mas é mais dinâmico se nós pudermos descobrir por nós próprios, neste caso, através do diálogo.

Finalmente, preste atenção às entrelinhas — o sentido oculto — do diálogo. Novamente, a linha "Que pergunta é esta, que lado!" dá intensidade à tensão entre marido e esposa em Catedral, quando Robert vem visitá-los.

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Aparência

Aparência refere-se a alguns ou a todos os as-pectos físicos dos personagens. Aparência é, geral-mente, “contada” pelo narrador e, assim, recai na categoria “contar”. Mas aparência também recai no mostrar do personagem, pois aparência literal-mente nos mostra como é o personagem.

Como um exemplo, voltemos à descrição física de Robert em Catedral:

“Este homem cego estava na casa dos cinquenta anos, constituição pesada, careca, ombros caídos, como se carregasse um grande peso. Ele vestia calças marrons, sapatos marrons, camisa marrom-claro, gravata, um casaco esporte. Ajeitado. Ele também tinha uma espessa barba.”

O físico também pode se estender aos gestos e ações físicas. Por exemplo, Robert é um cara amis-toso e podemos vislumbrar isto apenas pelo modo como ele cumprimenta:

“O cego deixou sua valise e ergueu a mão.Eu a acolhi. Ele apertou com força, segurando

minha mão, e então a liberou.”Contudo, escritores deve tomar cuidado para

não confiar demais na descrição física. O físico fornece frequentemente um vislumbre superficial

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sobre a pessoa, assim como a capa fornece apenas um vislumbre do livro. Em Catedral, curiosamen-te, temos uma ampla visão do narrador e de sua esposa, mesmo que não nos seja dada praticamen-te descrição física alguma deles.

Pensamento

Em ficção, comumente temos acesso à mente de certos personagens. Obviamente, um dos melhores meios para conhecer alguém é entrever seus pen-samentos mais íntimos.

O narrador em Catedral não é o tipo que revela seus pensamentos, mas ele acaba revelando um pouco deles no decorrer da história. Por exemplo, este homem não é autoconsciente o bastante a ponto de saber que é um tacanha. Mas nós, leito-res, apreendemos isto quando o pegamos pensan-do coisas como esta:

Um cego em minha casa não era algo que eu esperava.

Posteriormente, nós descobrimos que o narrador não está completamente em paz consigo mesmo através deste pensamento:

Quando vou dormir, eu tenho estes sonhos. Às vezes, eu acordava por causa de alguns deles, meu coração disparado.

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Em pensamento, personagens costumam revelar coisas que eles nunca revelariam abertamente a outros personagens, e isto concede ao pensamento uma profundidade especial dentre as categorias de “mostrar”.

Mostrando como Mostrar

Isto está parecendo muito complicado? Esta é uma técnica fácil para um mestre como Carver, mas é um pouco além das suas capacidades? Bes-teira! Veremos quão possível isto pode ser.

Voltando à nossa personagem, Maria Rialto. Se você a colocar num ponto de ônibus, lendo um novo livro todo dia, você já estará mostrando Maria através de suas ações. Ela espera no ponto de ônibus, lê um livro, cada dia um livro diferente. Isto são ações. Na verdade, cada uma delas revela um pouco sobre Maria.

Mas você pode mostrar Maria com ainda mais clareza. Você cria uma imagem física, dando a ela reluzentes cabelos negros, uma silhueta volup-tuosa e roupa estilosa. Talvez ela se vista sensu-almente, mas se comporte de maneira recatada. Hum, isto é interessante porque é uma contradi-ção. Parece que Maria está se tornando um perso-nagem redondo para nós.

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Se um personagem cumprimentar Maria, di-zendo “Olá”, talvez você conseguisse ouvir Maria falar. E isto certamente nos mostraria ainda mais sobre ela, independente do que ela dissesse. Se ela responder um mero “Olá” e depois voltar a ler o livro, isto é uma coisa. Se ela pôr o livro de lado e dizer, “Bem, é um prazer conhecê-lo”, isto é algo completamente diferente.

Você perceberá que mais ações estão brotando através do físico e do diálogo. A escolha por vestir roupas sensuais é uma ação, assim como a esco-lha de continuar lendo ou, talvez, de pôr o livro de lado. Se algum desconhecido passar uma canta-da em Maria, nós descobriríamos bastante coisa sobre ela pelo modo como ela lidaria com isto. Se o ônibus estivesse indo pela rua, fizesse uma ma-nobra brusca para desviar dum gato, derrapando para um dos lados, possivelmente machucando os passageiros, o que Maria faria?

Então, não é tão difícil mostrar seus persona-gens. E, ao fazê-lo, você os estará trazendo à vida nas páginas, tornando-os pessoas tridimensionais a partir de nada mais do que as vinte três letras do alfabeto.

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Debate

Após ler esta dissertação, tente responder a algumas ou todas as questões seguintes:

1. Por que você acha que ações pode ser o modo mais poderoso para revelar os personagens?

2. Você acha importante saber como um perso-nagem se parece? Isto afeta quem a pessoa é?

3. Dê nome a um personagem ficcional que você “veja” claramente na sua mente. Como é este per-sonagem que você “vê”?

Atividade de Escrita

Lição 6: Como Revelar ao Mostrar

Visão GeralApós completar esta atividade, você se aprofun-

dará em um de seus personagens ao pô-lo numa situação estressante e vendo como ele/a reage.

Tempo EstimadoVocê levará algo em torno de 45 minutos para

completar esta atividade.O que seu Personagem faria?Uma grande maneira para descobrir sobre

seus personagens é colocá-los numa situação

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estressante e vendo como eles agem. Este exercício pode lhe dar um vislumbre de seus personagens mesmo que estas situações não sejam eventual-mente utilizadas na história.

1. Pegue um personagem. Até agora, você deve ter coletado alguns personagens bem interessan-tes graças a estas atividades. Sinta-se livre para usar um personagem inspirado pela atividade an-terior ou, se preferir, basear um personagem em alguém da lista de pessoas que você fez na lição 2.

2. Imagine este personagem numa situação estressante. Você pode escolher qualquer uma que lhe agrade. Se não puder pensar em nada, que tal se seu personagem estiver perdido em algum lugar? Talvez na selva, ou numa grande cidade? Ou, talvez, ele tenha um prazo impossível para cumprir no trabalho.

3. Escreva uma cena mostrando o personagem nesta situação. Não precisa preparar muito a situação. Jogue-o apenas no meio dela e comece a escrever. Você deverá se concentrar principalmen-te nas ações do personagem. Mas sinta-se livre para dar algumas descrições físicas. E sinta-se livre para incluir outro personagem e diálogo, se quiser.

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Debate

Após completar esta atividade, responda a algu-mas ou a todas as questões seguintes:

1. O que você descobriu sobre seu personagem ao colocá-lo nesta situação?

2. O personagem agiu diferente de como você reagiria?

3. Você conseguiu “mostrar” seu personagem?

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Lição 7: A História é uma Busca

Visão GeralNesta lição, você compreenderá como colocar seu

personagem no enredo da história. Você verá como a força motriz por trás da maioria dos enredos é um protagonista, um forte desejo, e vários confli-tos bloqueando este desejo.

Tempo EstimadoLevará algo em torno de 2 horas para completar

esta lição.ObjetivosApós completar esta lição, você:- compreenderá a necessidade dum protagonista.- compreenderá como dar a seu protagonista um

desejo concreto.- compreenderá como injetar conflito na história.- compreenderá como estes elementos motivarão

o enredo.- começará a desenvolver o enredo de sua pró-

pria história.AtividadeDurante esta lição, você completará a seguinte

atividade:

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- Atividade de Escrita: Encontrando um Protagonista/Desejo/Conflito

Dissertação e Debate

Lição 7: A História é uma Busca

Personagens são cruciais em ficção. Na verdade, eles são o elemento mais crucial. Mas já sabemos isto. Contudo, ficção não sobrevive apenas de personagens. Muitos outros elementos adentram a criação duma história, e um deles é o enredo. Se os personagens são aquilo que nos fazem amar uma história, o enredo é aquilo que nos segura página após página.

Enredo é um tópico intrincado e poderíamos facilmente dedicar várias lições a este tópico. Por enquanto, vamos explorar como personagens po-dem nos levar a um bom enredo. Nós nos concen-traremos em O Grande Gatsby nesta dissertação, enquanto que a tarefa de leitura desta semana apresentará um desmembramento detalhado do enredo de Catedral.

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O Protagonista

Geralmente, uma história possui apenas um personagem principal, ou protagonista. Um único protagonista é frequentemente o melhor para os leitores se identificarem com um personagem — para verem o mundo através, e emprenderem esta jornada, daquela pessoa. Sim, há exceções para esta regra de protagonista único. Elas estão pre-sentes nas duas histórias que temos examinado. O narrador sem nome é o protagonista de Catedral, e Jay Gatsby é o protagonista de O Grande Gatsby (mesmo que o narrador da história seja Nick).

O protagonista da história deve ser um persona-gem redondo, quanto mais redondo melhor. Como os melhores personagens, e como pessoas reais, o protagonista não deve ser completamente bom nem completamente mal. Ele ou ela deve ser em-pático; devemos conseguir vincular o protagonista a um ser humano. Mas o protagonista não deve ser uma pessoa perfeita, esta é a fórluma certa para torná-lo tedioso.

Tanto Jay Gatsby quanto o narrador de Catedral cumprem bem este papel. Apesar de Gatsby ser um homem cortês e decente, ele é repleto de falhas. Ele é obcecado por uma mu-lher casada, Daisy, que não é merecedora de toda a esperança e desejo que ele empreende para

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conquistá-la. Ele também mente para aumentar sua posição social e suas transações comerciais não aparentam estar dentro da Lei. O narrador de Catedral é ainda mais falho. Ele é tacanha, desprovido de ambição, ligeiramente maldoso, e seus únicos passatempos parecem ser TV, bebida e drogas. E, mesmo assim, ele não é inteiramente antipático e, gradualmente, nós vemos seu desejo oculto de fugir da rotina se manifestar.

Desejo

Desejo é o que move um protagonista. É habi-tual numa história que o protagonista tenha um desejo principal — necessidade, vontade, ou como você queira chamar. Na verdade, é a partir disto que surge o enredo. No decorrer da história, o pro-tagonista está tentando conseguir algo que queira e, no final na história, ele/a conseguirá ou não obter. Chame isto de uma busca, semelhante às buscas impostas aos heróis e heroínas dos mitos antigos.

Jay Gatsby tem um desejo muito evidente. Ele quer Daisy Buchanan. Ele dedica sua vida intei-ra a esta busca e nunca titubeia através do livro. Ele ganha dinheiro para impressionar Daisy, ele constrói uma mansão dentro do campo de visão da

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casa de Daisy, assim ele pode vigiá-la e ela pode ver sua riqueza. Ele se torna amigo de Nick, primo de Daisy, assim Nick pode dar um jeito de ele se encontrar com Daisy. E assim por diante. O desejo de Gatsby por Daisy dá à história um foco defini-do, que é, como vimos na primeira lição, um aspec-to importante da narrativa.

Este foco também faz com que seja mais fácil escrever. Assim que você conhecer seu protagonis-ta e seu desejo, você já terá um caminho traçado para percorrer.

Contudo, comumente há mais no desejo dum personagem do que os olhos podem alcançar. Suspeita-se que Gatsby deseja Daisy porque ela representa "classe" e "sucesso". No fundo de seu coração, Gatsby anseia por ser aceito e admirado pela elite. Talvez ele queira isto por que ele ame de fato Daisy. De certo modo, ela é um meio para um fim. Assim, geralmente, em ficção há um dese-jo por detrás do desejo.

Isto não faz as coisas ficarem mais complicadas do que o necessário? Bem, não, isto pode fazer com que as coisas ficam mais simples de serem escri-tas. É difícil construir um enredo sobre alguém perseguindo um desejo abstrato como "classe" ou "sucesso". Como se obtém "classe" ou "suces-so"? Isto não são coisas que você pode pegar com

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a mão ou capturar ou escrever cenas sobre isto. Na verdade, é mais fácil tornar o desejo imediato algo específico e concreto. Um sábio enredo, Daisy Buchanan funciona bem como um objeto de dese-jo. Ela dá ao mais profundo desejo de Gatsby um rosto humano.

Esta é uma fórmula simples e que você pode seguir. Pegue um protagonista, dê-lhe um desejo específico e concreto. Se houver camadas de signi-ficado sob este desejo, melhor ainda, mas mante-nha o protagonista focalizado neste objetivo tangí-vel. Certifique-se de que ele/a queira isto com todo o coração. Então, faça com que conseguir isto seja difícil pra caramba.

Conflito

Suponha que quando Gatsby se encontra com Daisy, para tomar um chá na casa de Nick, Daisy diga a Gatsby que ela nunca deixou de amá-lo e que ela deixará imediatamente seu marido. E suponha que ela cumpra a promessa, indo morar com Gatsby no dia seguinte. Estas seriam novi-dades gloriosas para Jay Gatsby, mas não dariam uma boa história. Algo grandioso estaria faltan-do, e isto é o conflito. Sem conflito, uma histó-ria está destinada a ser muito curta ou tediosa,

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provavelmente os dois. Não há alternativa para isto, conflito é essencial.

O Grande Gatsby possui uma porção de confli-tos. Sim, Daisy parece possuir algum afeto por Gatsby e ela rapidamente se entrega a ele. Mas ela também tem um marido maldoso e vingativo bloqueando seu caminho. Além disto, Daisy é eli-tista o suficiente para reconhecer que seu marido, apesar dum grosseirão, é um “socialite”, enquanto Gatsby faz parte duma classe menos atrativa, um “emergente”. E o pior de tudo, falta coragem e de-cisão para que Daisy termine seu casamento. Não importa quão longe Gatsby vá para conquistar Daisy — e ele percorre um longo caminho — ele está lutando uma dura batalha. Esta dificuldade, este conflito, é parte daquilo que faz a história tão irresistível. Não sabemos se Gatsby será bem sucedido nesta jornada ou não. Temos que con-tinuar lendo para descobrir. Complementando, nada ilumina melhor um personagem do que uma boa luta.

Apesar dum progatonista dever estar concen-trado num único desejo, não há limite de conflitos para interferir neste desejo. Quanto mais, melhor (ao menos para o leitor). A luta eterna entre dese-jo e conflito é parte do que faz uma história dra-mática e que mereça ser lida, não importando se

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uma história é trágica, cômica ou algo no meio do caminho.

Por fim, assim como deve haver conflito, este conflito precisa ser, em algum momento, resolvido. Em outras palavras, no final da sua história, seu protagonista deve alcançar um objetivo concreto, ou não. Você não pode escrever uma conclusão para sua história que deixe seus leitores coçando a cabeça, divagando sobre o que pode ter acontecido. Afinal de contas, quando um leitor começa a ler uma história, eles o fazem com a noção de que o escritor concluirá a história que está sendo conta-da. E isto significa resolução, para melhor ou para pior.

Um Teste de Direção

Apesar de não ser algo simples construir o en-redo duma história, isto se torna bem mais fácil após você ter aprendido como pôr em movimento o esquema protagonista/desejo/conflito.

Suponhamos que você queira usar Maria Rialto como protagonista de sua história. Uma boa ma-neira para começar a imaginar o enredo da sua história pode se descobrir qual é o grande desejo dela. Voltemos à nossa teoria de que ela queira fazer amigos e carrega um livro novo todo dia na

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esperança de que alguém puxe conversa com ela, perguntando-a sobre o que ela está lendo. Bom. Ela quer fazer amigos. Este é um ótimo desejo. Veja, este nem chega a ter camadas subjacentes de significado e ainda assim é excelente.

Agora, qual é o conflito? Primeiro, ela é terrivel-mente tímida. Sua timidez deveria, sem dúvida, contar como um conflito. É um obstáculo direto e muito forte entre seu objetivo de ter um amigo. Na verdade, comumente, os conflitos mais fortes são internos, aqueles que vêm de dentro do persona-gem, em contraposição a conflitos externos, aque-les que estão fora da pessoa, tal qual um carro quebrando.

Suponha que no começo da história Maria co-nhece alguém e realiza os primeiros passos para iniciar uma amizade. Mas esta pessoa se mostra perturbada e perigosa e, infelizmente, Maria está tão desesperada por amigos que ela não enxerga os defeitos desta pessoa. Agora, você possui um conflito externo (a pessoa perturbada e perigosa) e mais alguns conflitos internos (o fato de ela não exergar os defeitos). Nada disto é bom para Maria, mas é muito bom para a história. Um enredo esti-mulante começa a tomar forma.

A partir daqui, o enredo pode se enveredar em inúmeras direções. Você pode ter alguma idéia do desenvolvimento e da resolução antes de começar

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a escrever, ou você pode apenas pôr o pé na estra-da e ver aonde vai parar. De qualquer modo, você irá para algum lugar interessante, porque você criou um personagem marcante, deu a ele o desejo e o conflito necessários para se tornar uma histó-ria de primeira categoria.

Você não torce para que tudo dê certo para Maria? É bastante plausível que você passe a se preocupar com ela!

Debate

Após a leitura da dissertação, tente responder algumas ou todas as questões seguintes:

1. Pense num de seus protagonistas ficcionais favoritos e nos diga o que você pensa ser o desejo dele.

2. Desejo é que dá combustível aos personagens ficcionais. Isto também vale para pessoas reais?

3. Você acha que uma história pode ser interes-sante sem um forte conflito?

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Atividade de Escrita

Lição 7: A História é uma Busca

Visão GeralApós completar esta atividade, você terá criado

um protagonista com um claro desejo e numerosas fontes de conflito — um dilema que pode conduzir este personagem através da história inteira.

Tempo EstimadoLevará algo em torno de 40 minutos para com-

pletar esta atividade.Encontrando um Protagonista/Desejo/

ConflitoPersonagens são a origem da ficção. E o protago-

nista é a origem do enredo da história.1. Escolha um protagonista. Sinta-se livre para

usar um personagem da sua sempre crescente co-leção, criada neste curso, ou criar alguém novo. Se quiser utilizar Maria Rialto, vá em frente.

2. Imagine que este protagonista estrelará na história que você vai escrever. Desenvolva um for-te desejo para este personagem. Anote-o.

3. Detalhe pelo menos cinco fontes de conflito — obstáculos que estão impedindo o protagonista a

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conseguir o que ele quer. Tente fazer pelo menos uma destas fontes um tipo interno de conflito.

4. Para cada obstáculo que você detalhou no Passo 3, explique como seu protagonista tentaria sobrepujá-los.

5. Faça com que o protagonista explique o que ele quer e por que ele quer isto. Você pode conse-guir isto ao fazer seu protagonista escrever um trecho num diário ou deixando-o “falar”, através dum diálogo. De qualquer maneira, você deve ten-tar acessar o interior do protagonista e escrever com a “voz” dele.

Debate

Após completar esta atividade, responda a algu-mas ou a todas as questões seguintes:

1. Você acha que o protagonista, o desejo e o conflito que você criou comporiam uma história interessante?

2. Você concebeu um desejo concreto (em oposi-ção a um abstrato)? Conte-nos sobre isto.

3. Você acha que planejar deste jeito fará com que a história seja mais fácil de ser escrita?

4. Você descobriu algo ao “ouvir” o que seu pro-tagonista tinha para dizer?

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Lição 8: Mais Elementos de Ficção

Visão GeralNesta lição, você será apresentado a outros

elementos importantes da ficção, que surgirão graças a seu personagem e sua história e que os suportarão.

Tempo EstimadoLevará algo entre 2 a 6 horas para completar

esta lição.ObjetivosApós completar esta lição, você:- compreenderá como utilizar a ambientação.- compreenderá como criar descrições eficientes.- compreenderá os fundamentos do ponto de

vista.- terá escrito uma história ficcional.AtividadeDurante esta lição, você completará a seguinte

atividade:- Atividade de Escrita: Escreva uma História- Atividade de Plano de Ação: Fazendo da

Escrita de Ficção Parte de sua Vida.

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Dissertação e Debate

Lição 8: Mais Elementos de Ficção

Na última lição, aprendemos como colocar em movimento um enredo, ao criar um protagonis-ta com forte desejo e um bocado de conflitos. Há muitos outros elementos técnicos na composição duma boa história, todos os quais envolvem perso-nagens, dum modo ou de outro. (Lembre-se, perso-nagens são a fonte.) Vamos dar uma breve exami-nada em alguns destes elementos.

Ambientação

Ambientação é o lugar e tempo nos quais a his-tória acontece. É útil para os leitores saber onde e quando os personagens estão. O Grande Gatsby ocorre em Long Island e Nova York, na década de 20. Mas ambientação é muito mais específica do que isto. Perceba como Fitzgerald revela a magia da mansão de Gatsby:

Havia música na casa do meu vizinho, nas noi-tes de verão. Em seus jardins azulados, homens e garotas vinham e iam como mariposas por entre o burburinho, o champanha e as estrelas.

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E aqui Fitzgeral revela uma ambientação bem menos glamourosa:

Este é um vale de freixos — uma fantástica fa-zenda onde freixos crescem como o trigo cresce nos cumes e colinas, e jardins grotescos, onde freixos assumem o aspecto de casas e chaminés com ascen-dente fumaça, e, por fim, num esforço transcenden-te, de homens que se quase não se movem e que já ruem através do ar poeirento.

Em ambos exemplos, nos é dado uma sensação tangível de lugar. O primeiro exemplo também indica tempo, e, um pouco depois, no segundo exemplo, é-nos dito que se trata de "à tarde". Estas duas ambientações não apenas nos diz onde e quando nós estamos, mas também aperfeiçoa a paisagem emocional do livro, que lida com os efei-tos do dinheiro.

Algumas histórias possuem várias ambienta-ções, outras, poucas. Geralmente, histórias mais longas utilizam mais ambientações que as curtas. Catedral, por exemplo, ocorre na casa do narrador durante uma única noite.

Independente de quantas ambientações você utilize, você desejará dar aos leitores a sensação de que eles estão lá. E isto pode ser atingido com maior eficácia através da descrição.

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Descrição

Descrição é quando o escritor discute algo em detalhes, ao invés de apenas indicá-lo. Em vez de apenas escrever: "Gatsby tinha música e convi-dados toda noite", Fitzgerald vai um pouco mais longe, ao conclamar os poderes da descrição. Bem feita, a descrição pode fazer a história se tornar vívida na mente dos leitores.

Veja esta descrição em Catedral:À primeira vista, seus olhos se pareciam como

os olhos de qualquer outra pessoa. Mas se você olhasse atentamente, havia algo diferente com eles. Branco demais na íris, e as pupilas pareciam se mover nas órbitas sem saberem disto e sem serem capazes de parar. Medonho. Enquanto eu o en-carava, eu vi a pupila esquerda se voltar para o nariz, enquanto a outra se esforçava para ficar no lugar.

Um dos segredos para uma descrição eficiente é ser específico. Perceba quão específico Carver é com o movimento (ou a falta dele) dos olhos dum cego. Carver tende a ser bem econômico com descrições, mas quando ele precisa delas, ele sabe exatamente como torná-las vivas.

Outro segredo da boa descrição é como elas atraem os sentidos. Todos os exemplos dados

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empregam o sentido da visão. Mas os outros sen-tidos também contam. Na descrição da mansão de Gatsby, podemos ouvir a "música" e o "burburi-nho" na noite. Na descrição de Fitzgerald do vale de freixos, quase podemos sentir, cheirar e até mesmo degustar os freixos e a fumaça. Você quer tomar um banho após ler este trecho do livro. É quase como se nós estivéssemos dirigindo através desta área desolada, e, por um lado, isto acontece porque estamos ouvindo a história através do pon-to de vista de Nick.

Ponto de Vista

Ponto de vista refere-se, num nível mais funda-mental, a quem está narrando a história e o que esta pessoa sabe. A maioria das obras ficcionais é contada no ponto de vista da Primeira Pessoa ou da Terceira Pessoa.

No ponto de vista da Primeira Pessoa, a história é narrada por um personagem da história, usan-do a voz “eu”. Ele vale para O Grande Gatsby e Catedral.

O narrador em Primeira Pessoa é limitado a contar aquilo que ele pensa ou observa, assim como as pessoas na vida real. Aqui está Nick nar-rando um encontro com Gatsby:

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Ele me olhou de esguelha - e eu sabia por-que Jordan Baker havia pensado que ele estava mentindo. Ele acelerou a sentença “educado em Oxford”, ou a engoliu, ou se engasgou com ela, como se ela já o houvesse incomodado antes. E com esta dúvida, toda sua asserção desmoronou e eu imaginei se não havia, no final das contas, algo sinistro sobre ele.

Aqui, nós vemos Gatsby através do olhos de Nick. Ele tem dificuldade para saber se Gatsby está sendo honesto ou não, porque ele não tem acesso direto à mente de Gatsby. Por ser Gatsby o protagonista da história, este contexto apresenta vários desafios a Fitzgerald. Ele tem de descobrir um meio astuto para contrabandear certas in-formações sobre Gatsby, tal como quanto Jordan conta a Nick a história do cortejo de Daisy por Gatsby. (É preciso destacar, no entanto, que o nar-rador em primeira pessoa é, comumente, o prota-gonista. Gatsby é uma exceção neste aspecto.)

No ponto de vista da Terceira Pessoa, a história é narrada diretamente pelo escritor, que não é um personagem na história. Sem usar a voz “eu”, o escritor se refere aos personagens como “ele” ou “ela”. Este é o caso de Por Quem os Sinos Dobram, de Ernest Hemingway, que começa assim:

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Ele se deita no chão marrom, espinhento da flo-resta, seu queixo sobre os braços dobrados, e alto, sobre sua cabeça, o vendo sopra na copa dos pi-nheiros. A colina se inclina gentilmente onde ele se deita; mas, abaixo, é íngreme e ele pode ver o negro da estrada oleosa serpenteando pela passagem.

Neste trecho, o narrador está vendo através dos olhos do protagonista, Robert Jordan. Mas no ponto de vista da Terceira Pessoa, o escritor pos-sui alguma amplitude sobre o que o narrador pode ou não saber. Em algumas história, o narrador em Terceira Pessoa estará confinado aos pensamentos e observações dum único personagem, assim como em Primeira Pessoa. Em outras histórias, a Ter-ceira Pessoa terá acesso aos pensamentos e obser-vações de vários personagens, assim como em Por Quem os Sinos Dobram.

Na grande maioria das vezes, os escritores farão uma escolha sobre como utilizar o ponto de vista e a manterão durante toda a história, seja a Primei-ra Pessoa, ou alguma variação da Terceira Pessoa.

Como você sabe qual método funcionará melhor em sua história? Bem, esta não é uma decisão fácil. Frequentemente, é uma boa idéia testar os pontos de vista e ver qual método fica mais confortável ou ilumina melhor sua história. Em Catedral, por exemplo, o leitor se aprofunda mais

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ao experimentar a história diretamente através dos olhos dum narrador tacanha. Mas este ponto de vista não funcionaria tão bem em Por Quem os Sinos Dobram, porque Hemingway precisa se mo-ver com fluidez entre as mentes de vários persona-gens diferentes.

Ponto de vista é algo traiçoeiro para compreen-der, mas é importante porque afetará quase todos os aspectos de sua história.

Outros Elementos

Nós já falamos um pouco sobre diálogo. Histó-rias sem diálogo tendem a ser planas, entendian-tes e silenciosas demais. Diálogo é uma grande maneira de dar vida à sua história e é também uma ferramente eficiente para caracterização. Quando bem feito, o diálogo soa realista, mas re-alizado de tal maneira que fornece um vislumbre sobre cada personagem que fala.

Então, há a voz. Com certeza, você deve ter percebido como os escritores que lemos nestas lições utilizam a linguagem de maneiras diferen-tes. Provavelmente, você não confundiria uma frase de Raymond Carver com uma de F. Scott Fitzgerald. Isto porque os escritores possuam uma voz diferente, há um som diferente na narrativa deles. Você deve aspirar o desenvolvimento de sua

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própria voz única, sendo que o melhor é apenas escrever do jeito que lhe ocorre naturalmente. É claro que, no ponto de vista da Primeira Pessoa, a voz precisa se adequar ao personagem que está narrando.

E há ainda mais elementos para a composição de uma boa história ficcional. Na verdade, escre-ver ficção é um pouco como fazer um guisado. Você joga vários ingredientes, então cozinha e mexe até que a história esteja tão boa quanto você consiga fazê-la. Agora, é apenas uma questão de ir para a cozinha e cozinhar algumas belas histórias.

Debate

Após ler a dissertação, tente responder alguma ou todas as questões seguintes:

1. Você já conhecia algo sobre ponto de vista anteriormente?

2. Uma história precisa duma ambientação?3. Você prefere descrições abundantes ou espar-

sas?4. Agora que você está ciente de alguns elemen-

tos dum bom trabalho de ficção, você se sente me-lhor equipado para começar a escrever sua própria história? Ou está mais intimidado?

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E agora?

Parabéns! Você percorreu um grande caminho nestas oito lições. Neste curso, você aprendeu que personagens são a fonte da ficção e que eles sur-gem das pessoas ao seu redor. Você criou e deu forma a vários personagens interessantes, des-cobriu como trazer à vida personagens no papel e aprendeu como jogar os personagens no mundo da história. Você tem agora vários personagens e idéias para poder delinear a escrita duma história, ou talvez de muitas. Acima de tudo, você experi-mentou o que é ser um escritor de ficção. Deu o passo inicial para um belo começo. Você deve estar se perguntando: E agora?

Assim como você deve estar imaginando, há ainda muita coisa sobre escrever ficção para ser explorada. Quando autores de sucesso são inda-gados por novatos por conselhos, sobre como eles podem se aperfeiçoar como escritores, eles geral-mente aconselham o seguinte:

- Escreva. Escreva sempre.- Leia. Ao ler e estudar as obras de outros auto-

res, você se aprofunda e se inspira.- Estude as técnicas. A escrita é uma técnica,

assim como a carpintaria, e o conhecimento das técnicas o tornará um escritor melhor.

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Atividade de Escrita

Lição 8: Mais Elementos de Ficção

Visão GeralApós completar esta atividade, você terá escrito

o rascunho duma história ficcional, combinando tudo que aprendemos neste curso.

Tempo EstimadoLevará algo entre 1 e 5 horas para completar

esta atividade.Escreva uma HistóriaVocê já aprendeu bastante até agora. Chegou a

hora de escrever uma história. Você já preparou o alicerce.

Usando o cenário de protagonista/desejo/conflito que você criou na última atividade, escreva uma história utilizando tais elementos.

Algumas Dicas

- Se você achar que precisa mudar algo um pou-co, ou muito, enquanto estiver escrevendo, beleza!

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Apesar de planejamento ser útil, você deve ser flexível quando escrever ficção.

- O protagonista/desejo/conflito conduzirá a his-tória. A história deverá ser sobre o protagonista tentando obter o que ele deseja. E você deve lançar o maior número possível de conflitos no caminho. Quanto mais o protagonista desejar o objetivo, e quanto mais formidáveis forem os obstáculos, melhor a história.

- As possibilidades são: você precisará de outros personagens para sua história. Não hesite em em-prestar personagens dentre aqueles que você criou neste curso. Se você não encontrar o personagens aqui, bem, agora você sabe como criar mais outros.

- Você também terá de escolher um ponto de vis-ta — Primeira Pessoa ou Terceira Pessoa. E não se esqueça de fornecer algumas boas descrições.

- Você se sairá melhor ao escrever um conto, que pode ter a extensão duma página. Se sua idéia se enquadrar melhor num romance, então se concen-tre em escrever, por enquanto, um único capítulo.

- Não se preocupe em fazer uma história perfei-ta. Por ora, o objetivo é conseguir completar um rascunho. Então, se você quiser, você pode revisar a história quantas vezes quiser.

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Você saber o que fazer. Mãos à obra, meu filho. E boa sorte!

Debate

Após completar esta atividade, responda a algu-mas ou a todas as questões seguintes:

1. Enquanto você escrevia sua história, você achou que havia muitos elementos entrelaçados, duma só vez?

2. Qual parte da história foi mais fácil para você escrever? E a mais difícil?

3. Você se sente disposto a continuar trabalhan-do nesta história?

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