gotas de poesia - rafael arrais

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GOTAS DE POESIA RAPH’97-02 http://dndworld.com/tpr Copyrighted©. Rafael Arrais 1997 (2002). Rio de Janeiro, Brasil. Registrado na Biblioteca Nacional.

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Poesias espiritualistas de Rafael Arrais.

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Page 1: Gotas de poesia - Rafael Arrais

GOTAS DE POESIA

RAPH’97-02 http://dndworld.com/tpr

Copyrighted©. Rafael Arrais 1997 (2002). Rio de Janeiro, Brasil.Registrado na Biblioteca Nacional.

Page 2: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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Prefácio

A mais ou menos cinco anos atrás, pouco antes do Natal, escrevi minha primeirapoesia (ao menos pelo que eu me lembro). Ela surgiu meio de repente, pensava que iriaescrever mais um pequeno conto, quando me vi escrevendo em estrofes curtas e de finaisrimados. A poesia em questão foi entitulada como Harmonia, e daí então não mais pareide escreve-las...

Elas surgem nas horas mais impróprias, mais geralmente tenho conseguido mantê-lasem minha mente até que possam ser colocadas no papel ou computador (verdade que nãoforam poucas as vezes que escrevi-as logo depois de ir dormir, tendo que levantar eescrever morrendo de sono, mas essas foram as que mais valeram a pena).

Umas são sobre a vida, outras sobre a fé, outras sobre o amor, outras sobre a loucura, emesmo algumas sobre as sombras, mas o que sei é que são poesias... Difícil avaliar se sãoboas ou ruins, porque nunca havia sido poeta antes (pelo que eu me lembro), e deveria terlido um pouco mais de Tagore ou Pessoa para poder avalia-las. Como isso é um prefácioao meu próprio livro, será melhor que você mesmo se decida...

Organizei-as por ordem cronológica (graças ao computador), tirando a primeira, quedá título ao livro, e a última, que achei ser merecedora de ser a última. Há também umconto poético inacabado, e uma espécie de rascunho para um outro livro, tambéminacabado, esses se encontram na parte final do livro.

É estranho escrever poesia, nunca sabemos se estamos falando mesmo a verdade. Masquando percebemos que outras pessoas se identificam com elas, tememos queestivéssemos realmente falando a verdade. E esse temor me fascina, e me faz descobrirmais sobre mim mesmo... Porisso continuo escrevendo.

Rafael Arrais, 27/02/2002

Índice

Gotas de Poesia (82 poesias) 3O Lenhador e a Árvore 96Entrevistando Arrais 103

Page 3: Gotas de poesia - Rafael Arrais

3

Gotas

Gotasque caemno oceano.

Gotas…Límpidas, porém cálidas.Caem…Em infinitos oceanos.

Muitas gotas.Gotas sem rumo.Caem ao acasoem um lindo vasoque guarda o ser humano.

Quantas gotashão de cairpara ante a verdade,evaporarem de volta aos céus,e finalmente encontraremum caminho a seguir?

(Tantas quantas lágrimaso Criador puder chorar…)

Page 4: Gotas de poesia - Rafael Arrais

4

Harmonia

Harmonia, harmonia… Não posso te esquecer.

Antes perder-me da alegria, antes perder-me da tristeza, do que perder a harmonia.

Pois quem age demais a noite, age menos de dia.

E quem não vê o fio do meio, perde o fio da meada.

E quem quer demais lá fora, esquece o muito que possue.

Então, peço-lhe, harmonia, que force a minha carne, mas que deixe a alma macia.

Page 5: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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O que posso dizer?

O que posso dizer? Ó criador, de um espírito tal… Teve aqui uma oportunidade de estudar a verdade. Mas, por coisa pequena, tornou-se um enganador.

Não procurou saber aonde veio, para onde vai, e aqui o que faz.

Não procurou sentir o amor que fez, que poderia fazer, e que um dia lhe fará sorrir.

Não olhou para o mundo… Mal sabe que um e um segundo não fazem dois, mas o antes e o depois.

O que posso dizer? Ó criador, desse pobre diabo… Buscou tanto o querer, que esqueceu-se do saber. E tornou-se um mal-amado, uma vida sem ter o que fazer.

Page 6: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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Entre um e outro beijo

Um beijo… Te amo. Outro beijo…

No rosto, pescoço, na boca… O gosto!

Eu gosto. Contato, paixão, tesão!

Porêm… Me esforço a lembrar… Que importa é amar.

Penso nisso, penso muito. Mas, é entre nossos beijos que percebo…

Não importa pensar, imaginar é rascunho. A vida é amar!

Então vejo: A verdade vem entre um e outro beijo.

Um beijo… Te amo. Outro beijo…

Page 7: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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Poema sem final

Vida.Uma importância

de coisas sem importância.

Nascer.Algo tão belo

quanto crescer.Morrer.

Algo tão necessárioquanto renascer.

O mundo.Vasto, maravilhoso

e moribundo.O tempo.

Implacável, misterioso…O que acontece num segundo?

O viajanteé um nômade

e um sedentário.Evoluir

com o sabernão deixa o espírito ruir.

Verdade e ilusãomisturam-se

na sublime canção.Início e fim.

O que importa?Siga as asas do Serafim…

Siga o caminhodo Universoao Universal.Viva a vida!Não perca

essa oportunidade sem igual.

As coisas vem e vão,mas foi o amor

que iniciou esse verão.O Sol brilha.

Sua luz

Page 8: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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aponta a trilha.

E, longe disso tudo,alguém zela por você.

Sortudo…Pois esse é um poema sem final.

Além do beme do mal.

Vida.Uma importância

de coisas sem importância.

(continua…)

Page 9: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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A história da História

Me dê A e B e eu crio um mundo para você. Um único quark no vácuo quântico será mais que suficiente para iniciar meu cântico.

Nessa sublime canção dançaremos sempre juntos, você e eu… Até que um dia você consiga provar, por A mais B, que eu criei você.

Para tal ainda sofrerás. Terás que olhar o mundo, amar o que vê, observar cada canto do segundo, não se deter com a neblina… Ela queima, como gás.

Não procure o querer, queira é saber. Antes de tudo, pense na riqueza do ser. Esqueça a matéria, nem queira toca-la… Fuja dessa miséria.

E, no final do caminho, verás o primordial, entenderás o Universal. Pois, vários deuses existem, mas lá havia apenas eu… No primeiro ninho.

Portanto, meu filho, só mesmo a mim cabe a suprema glória de ter composto a música, visto a escuridão, e então poder lhe contar a história da História.

Page 10: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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Sempre a voar

Você diz que eu sou bom. Uma pérola, um iluminado. No entanto, o pouco que faço é deixar o mundo de lado, para me dedicar apenas ao som.

Som da vida. Doce melodia. Não há esforço, e sim incomparável prazer, em ouvir tal sinfonia.

A música ecoa. Toca em cada estação, em toda a criação. As vezes posso senti-la afagando meu coração.

Pois eu lhe digo: Não sou bom, apenas amo a harmonia. Em você vejo um amigo, na vida, procuro o tom.

Aprenda comigo, meu caro, a trocar ódio por amor, ilusão por verdade. A ver que o ser não tem maldade… E, no fim, não haverá mais dor.

Serás livre! Livre como um pássaro. Acima da angústia do mundo, sempre a voar… E com um glorioso futuro a te esperar.

Page 11: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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É para lá que eu quero ir

É para lá que eu quero ir… Onde a brisa sopra mais suave. Onde o rio desce mais claro. Onde o Sol brilha sem queimar. E tudo o que poderei ouvir será o alegre cântico da ave, que voa pelo alto do céu, corta todo o horizonte, para se esconder atrás do mar.

Ah! É para lá sim… Lá eu quero estar. Lá serei sempre feliz, andarei a cantarolar. Cantarei para quem mais amar. Para lá levarei quem puder levar. E quando eu chegar, lá quero ficar.

Para lá quero ir… O caminho é longo, a viagem cansativa, mas estarei sempre a sorrir. Pois de lá eu vim, e para lá quero voltar. Um lugar repleto de esperança. Um lugar guardado na lembrança… Apenas um lugar.

Uma terra magistral, onde o início não tem fim, e o fim é sempre igual. Andarei, correrei, suarei… Sim, farei o que for preciso. Darei tudo de mim para lá chegar. E um dia, um dia estarei lá… Meu único e verdadeiro lar.

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Minha dor

Ignorância,ódio,ilusão…As lágrimas me vemassim que ouço a humanidadeentoar sua canção.

Quando?Quando, humanidade?Quando você despertarápara a verdade?Quando você sairáda caverna?Quando finalmente veráa realidade?

A vidanão é um sofrimentonem um divertimento…A vida é um aprendizado.Busque amar, saber,brincar, rir, chorar…Apenas viva.Não se preocupeem ser julgado.

Seja livre,livre de si mesmo.Seja simples,pois simples é a vida.Seja sincero,sinta a arte a sua volta.Seja!

Veja o mundo.Veja as coisas.Veja os seres.Veja!

Ouça o pio dos céus.Ouça o murmurar dos rios.Ouça a luz do relâmpago.Ouça!

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Alivie minha dor, humanidade.Ajude a si mesma…Ninguém vai mudar o mundose não mudar a si mesmo.Alivieessa dor…

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Rima rápida

Uma rima rápidaé como um trovão de poesia:O retoar atordoa,e a luz se propaga com maestria.

Page 15: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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Meu par

Foi logo no primeiro olhar,meu par,que eu soube: Iria te amar.Bastou me tocarpara meu coração ribombar.Minha mente virou mar,e meu corpo passou a te esperar…

Desde esse encontrar,passei a te procurar.Oh, meu par…Eu quis desejarficar contigo, sempre a dançar.Construí para ti um altar,e lá passei a lhe venerar…

Então, de repente, meu par,senti-lhe escapar.Algo em mim começou a chorar,nosso amor começou a destoar.Não havia nada a falar,tivemos que voltarcada um para nosso lar…

Nossa rimaficou fracae se quebrou…

Quando olhei para o que restou,percebi,você não era mais meu par…O olhar não tinha maisaquele brilho peculiar.Uma pena, meu par,pois juro que pude te amar…

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Mundo de palavras

Me lembro aindado dia em que entrei a primeira veznaquele mundo de palavras.Palavras que se unem a palavras,formando frasesávidas por sentimento.Lembro de tudo aquilo que fezpara me agradar, me encantar…Não sei como foi,de quem foi a intenção.Mas o fato é que naquele mundo,onde a imaginação transcende as palavras,eu pude ver você, sua perfeição.Pude me apaixonar…Ah, pobre coração!

A vida é dura.Ao invés de a enfrentarmos,sempre estamos fugindo.Buscando algo lá fora,alguma coisa que possa ajudar.Aquele mundo,com seus seres perfeitos,era uma promessa de cura.Mas eu me enganei,de repente me vi caindo…

A realidade chegou de trêm.Implacável, insensível…Me atropelou de tal formaque eu não pude ir além.

Mas isso foi ontem,hoje eu aprendi.Me reergui.Com a força de quem tem um grande coração,e espera ávido por uma paixão.Agora espero tranqüilo,calmo e sereno, dentro de mim.Pois infelizmente a vida é assim…Não posso depender dos outros,apesar dos outros dependerem de mim.

Page 17: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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Tudo isso foi sempre assim…

Até quando lamentaremospor essa vida que levamos?O tempo passa, a vida voa.Não conseguimos agarra-la.Necessitamos de um descanso…Será que um dia o conseguiremos?

Até quando sofreremossem saber o que somos ou fazemos?Com vergonha, muita vergonha…Sufocados numa caverna egoísta.Querendo tudo, sabendo nada.Será que um dia de lá sairemos?

Até quando negaremosque nosso interior é o caminho?O materialismo pune o insensível,que sente-se pequeno contra o mundo.Para se entender basta um segundo…Um momento que custa a chegar.Será que um dia o veremos?

Até quando viveremostristes em meio a alegria?Cegos num bosque sublime.Fortes e incapazes de seguir em frente.Simples numa terra que a tudo complica.Será que um dia de lá fugiremos?

Afinal, meu Deus…Que mal faz a humanidade a si mesma?Qual a doença incurável?Quem um dia quis ser doente?Qual o caminho sem final?Confiemos em você então…Pois tudo isso foi sempre assim,sempre tão igual!

Page 18: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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No futuro

Lá no futuro,longe a se perder de vista,um pequeno garotorecebeu um presente obscuro…Algo que nunca havia visto.

Pegou-o das mãos do avô,olhou-o atentamente,tentou aperta-lo, chaqualha-lo…Nada ocorreu.Afinal que diabos seu avô lhe deu?

A mãe tentou ajuda-lo.Pegou o objeto e abriu-o,dentro haviam inúmeras folhas.Mostrou algumas, todas marcadas com tinta…Então devolveu-o.

O pequeno garoto abriu o objeto,passou os olhos e leu: “Platão”.Virou as folhas, cheirou-as…Depois, perguntou com emoção:“Mãe, o que é isso?”

“Um livro, meu filho…”O pequeno garoto abraçou o presente.Sua mãe e seu avô sorriram.Um livro!

Num futuro daqueleo pequeno garoto podia brincar de tudo:Som, vídeo, jogos, realidade virtual…Mas nada podia substituir aquele objeto.Algo que podia tocar, manusear, ler.Algo que lhe ensinaria muitas coisas.Algo que lhe traria sabedoriae muitos, muitos caminhos para se viver.

É um futuro mesmo distante.Como saber o que lá haverá?No entanto, mesmo lá teremos certezaque o livro ainda existirá…

Page 19: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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Eu aqui

A música lá e eu aqui.As estações me passaram a muito.As pedras, os fungos e outros seres.As plantas e os insetos.Os animais, até mesmo o homem.Tudo passou...E eu fiquei aqui nesse silêncio.Afinal para onde eu vou?

A música lá e eu aqui.Todos do outro lado da cerca.Brincando, vivendo.Enquanto eu fico aqui adoecendo.Cercado de seres desprezíveis.Nunca houve luz para mim.E aqui nesse lugar, ela só mesmo chegapelas asas do serafim.

Venha comigo, ele me diz.Não há castigo.Todo ser é um aprendiz.Tu já erraste bastante.Não há sentidoem ser tão arrogante.Venha, aceite minha ajuda,peque minha mão...Vamos retornar enfim.Ouvir uma vez mais a canção,a música tão querida.

Não! Vá embora...Deixe-me com minha vergonha.Eu quis ter poder.Achei que o mal iria vencer.Tanto caos e sofrimento.Como eu poderia acreditar na luz?O mal teria de vencer...Teria, como não?Ao menos, é claro,que o mal fosse aliado da canção...

A música lá e eu aqui.Fui enganado, ludibriado.

Page 20: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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O mais medíocre dos seres veio a mim.Me disse de sua guerra.Convenceu-me que o mundonão tinha salvação.Fez o que sempre fez.Eu fui o iludido da vez.

Agora eu sei, serafim.Não a guerra não.E tudo, tudo mesmo,segue a sublime canção.Ainda não posso ouvi-la...Estou surdo, doente.Mas aguarde-me meu caro.Eu não pedi para ser assim,e mesmo eu posso escapar.Não custa esperar.Pois aposto que lá no fim,mesmo eu,mesmo eu estarei lá.

(Do outro lado da cerca.Onde há música...)

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Dona da Sabedoria

Dias passam.Vidas vem e vão.A harmonia é mantida.Tão suave, tão sutilquanto uma brisa de verão.

A verdade aí sempre esteve.Não é segredo, não é mistério.Nem todos a percebem.Nem todos vêemo que é etéreo.

As vezes, o grande bem é oculto.Como ouro encrostado no chão.Não há garimpeiroque vença sem suar duro,como quem ganha uma competição.

Enquanto a humanidade sofrepor querer seguir a ilusão,complicar o que é tão simples…Os anjos descem para ajudar,mostrar o caminho, dar a solução.

Sinceramente eu não seise sou anjo ou não.O que isso me importa?Quero é saber, quero é amar.Sei que existe salvação…

Nesse mundo tão belo,lindo como uma clara aquarela,os seres sofrempor estarem cegos…Enjaulados em sua própria cela.

Portanto, se você viesse,cortando o espaço,respondendo minha prece,eu ficaria aliviado…Com imensa alegria!

Page 22: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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Felicidade de te ver,ó Dona da Sabedoria…Descer a Terrapara uma vez maisfazer o que ninguém faria.

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Coisa séria

Poemas, poesias e coisas assim…Tudo isso, tudo o que o homem faz;Tudo o que cria, procura…Isso é a vida.Tanto para você quanto para mim.

A vida é uma coisa á toa.Não encuque, não tente achar a saída.Não há solução para tudo.Não há salvador, juiz, nem executor…Pois, no final, tudo destoa.

As crianças sempre querem brincar.Pular, cantar, jogar, correr e sorrir.Depois, elas crescem.Passam a brincar de ler jornal, de trabalhar…E ficam achando que tudo isso é muito sério!

Sério? Isso não existe!Estaríamos sempre brincando, sempre sorrindo,se o mundo não fizesse a questão de nos impedir.Complicando, corrompendo, denegrindo…O mundo vem para deixar tudo triste.

O mundo é dos homens sérios.Frios, carrancudos, sempre insatisfeitos.Aqueles que querem sempre algo,mas nunca sabem o que.Passam a vida procurando, sem nunca entender.

Brincadeira? Coisa de criança…Sério? Sério é o trabalho, o dinheiro.O dinheiro é sempre sério, importante, imponente.Quanto mais o possuem, mais o querem…E tudo isso, tudo isso é muito sério!

A vida não é uma caçada, um julgamento sumário.(Os fortes sobrevivem, os fracos padecem.)Besteira! Não somos mais animais.Porêm, ainda assimbrincamos menos que eles.

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Até o mais sanguinolento dos gatos selvagensobserva a natureza a sua volta.Espera, cauteloso, seu melhor momento.E quando ele vem,ataca com inteligência, sem arrependimento.

Mas chega disso tudo…Eu queria apenas alertar a você, leitor:Não caia nessa armadilha.Não confie na lei dos homens.Faça a sua lei, ouça seu coração.

Ame. Brinque de amar.Perdoe, brinque de perdoar.Faça a caridade, brinque a melhor das brincadeiras…

Nada disso, nada mesmo,é, nem nunca foi sério.Seriedade está nos olhos sem brilho do banqueiro.Alegria? Felicidade? Contentamento?Estão na alma daquele que sabe brincar.

Brincar de viver,observar o mundo,entender os seres, as coisas,e se encaixar no tempo.Brincar de ser artista, mesmo que não faça arte alguma…

Como essa poesia por exemplo.Ela não é coisa séria, porisso não rima…Graças a Deus.

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Assim assado

O deficiente, em sua cadeira de rodas,anda, luta, corre atrás…A cadeira não o impede, não o limita.Porisso ela tem rodas.E o deficiente olha a sua volta,vê o caminho, calcula a distância…Segue sua vida, sempre contente.

O excepcional tem problemas mentais.Ele vive, mas será que pensa?Será que sofre? Será que ama?Quem sabe? Quem pode saber?Ele não controla seu corpo como deveria.Mas, ainda assim, ele abre os olhos,vê o caminho, e continua na via.

O doente terminal, em seu leito,luta, a cada segundo, por um sopro de vida…Está prestes a morrer. E daí?Enquanto estiver aqui, ele saberá o que fazer.Saberá da importância de seu ser,e seguirá, lutando bravamente,vencendo cada segundo, na ânsia por viver.

E você, já parou para pensar nisso?Você que tem saúde, inteligência, boa vida…Você que sempre teve alguém a cuidar de você.Para que tivesse uma boa educação,e pudesse vencer os obstáculos, ganhar a competição…Você aí, você mesmo!Já pensou, de verdade, nisso?

Talvez seja a hora de você também cuidar de alguém.Talvez você possa amar alguém, perdoar alguém,ajudar alguém, adotar alguém…Talvez você possa mesmo largar sua TV, seu telefone,e sair… Sair, viajar, conhecer o mundo!Se dar conta de quantas oportunidades de ser bom,realmente bom, você tem.

E porque tudo isso?Para curar o mundo? Mudar o mundo?Ser um herói? Um santo?

Page 26: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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Nada disso! Não queira ser ninguém.Não queira nada em troca,pois a própria troca será sua recompensa.Troca de amor por mais amor!

Daí…Daívocêverá!

Verá porque é preciso ser assim.Descobrirá a simples e oculta solução da vida.Abrirá os olhos, e mostrará seu sorriso…Finalmente entenderá o porque disso tudo.A razão de todos termos de ser assim.Pois esse é o final de todos os caminhos,porque é preciso ser assim assado.

Porque é preciso ser assim assado…Porque é preciso ser assim assado…Porque é preciso ser assim assado…

Page 27: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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Lá dentro

Me lembro de quando era luz,pura e simples energia,vagando pelo espaço que nos conduz,sentindo a mais profunda alegria.

Mas a existência não é só isso…É muito, muito mais!Portanto não hesitei em meu compromisso,queria saber do que era capaz.

Desci dos astros, como um trovão.Nasci num berço belo e inocente.Tive uma educação muito decente.Agora me preparo para a missão.

Uma tarefa não só minha,mas de todos nós, conhecedores da verdade.Temos de enfrentá-la sem temeridade,com a consciência de quem sabe como se caminha.

Amar, para ser amado.Realizar a felicidade, para ser feliz.Saber se encontrar perdoado.Beber da doce água do chafariz.

Não agir muito, nem pouco…Agir com determinação,escapando da simples indignação.Discernir o poeta do louco.

Entoar a canção.Seguir na reta direção.Ser fiel ao próprio coração,e esperar o nascer do verão…

Época maravilhosa,de música leve e melodiosa.Sustentada pelo sol que lá no alto brilha,para com sua luz apontar a trilha.

Seguiremos todos então…Nos elevaremos, por cima das montanhas,purificados até as entranhas,para podermos contemplar toda a criação.

Page 28: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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Pois um dia…Ah! Um dia certamenteencontraremos a terra prometida.Nosso único e eterno paraíso.Lá dentro, lá dentro…Onde a alma arde forte e macia.

Page 29: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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Em todo lugar

As vezes a vida é dura,dura de doer…As vezes é difícil encontrarum rumo para se viver.

A consciência se esvai.O conhecimento se perde.A fé em si mesmo,ante a matéria, cai…

Então, o que fazer?Para onde ir?Que caminho tomar?Isso… Isso é bom saber.

Bom entender as respostas,dominar a ilusão…Deixar todas as cruzes para tráse levar só o amor nas costas.

Saber que em todo lugar,desde o átomo ao asteróide,desde o céu ao mar,em todos os cantos da criação,a cada lágrima do oceano,a cada segundo da canção…

Em todo lugar!

Toda pequena parte dessa imensidão,para qualquer lado que queiras observar:Norte, sul, leste ou oeste…Em todo lugar há alguém a te esperar.

Em todo lugar!

Talvez mesmo sem saber.Mesmo sem lhe conhecer.Ainda assim, estará lá,sempre lá…

Em todo lugar!

Page 30: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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Olhe para esse alguém,esse ser talvez desconhecido.Continue fitando-o,com um sorriso no olhar.Continue, mesmo que ele te estranhe,até que teu coração tenha lhe vencido…

Até que tua alma lhe tenha embevecido.Até que ele possa enfim retribuir teu sorriso.E tal sorriso será tua recompensa,a moeda que tu nunca conseguirá gastar…

Pois em todo lugartu haverá de encontrar alguém para amar.

Page 31: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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Os três tempos do amor

Penetração de um lugar sensível.Sangue quente que incha e invade.Terminações nervosas parentes do invisível.Ondas elétricas que excitam a mente.Medo de tudo ser mera maldade.Despertar do sentimento que vive dormente.Paixão que se eleva ao limite do impossível.

Cérebro ativo busca a felicidade.Instinto primal vem garantir a sobrevivência.Corpo suado busca retribuir a generosidade.Amantes tentam entender a física da atração.Matéria que atrai matéria com tanta simplicidade.Afinal aquilo que se complica surge da emoção.Porêm entender isso depende de nossa sapiência.

Page 32: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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Almas livres dançam em harmonia.Não se questionam o que são noites ou dias.Deixaram de julgar o que se torna moribundo.Preconceitos vencidos com todo o louvor.Seres que bailam acima do mundo.Auras brilhantes e sempre macias.Bem-aventurados os que lutam pelo verdadeiro amor.

Page 33: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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Almas que rimam

Eu rimo.Tu rimas.Ele rima.Nós rimamos.Vós rimais.Eles rimam.

Todos esperam pela poesia…Esqueceram-se de que esta vem da rima.E toda rima nasce do coração.

Almas que rimam…Almas enfim livres.Grandes almas.

Page 34: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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Pára-quedas

Cair das alturas…Deixar o prazer para trás.Cumprir meu dever.Lutar pela paz.

Cair das alturas…Chegar até aqui.Viver meu martírio.Continuar a seguir.

Cair das alturas…Sem nada poder fazer.Curar minha doença.Ouvir a canção falecer.

Serei só eu?

Eu serei…

Só!Tão só…

Eu levanto.Encaro as alturas.Eu peçopelas almas futuras.

Eu choro.Lágrimas junto ao chão.Eu tentocompor minha canção.

Page 35: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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A música renasce…Cresce gigante,rumo as alturas.Percebo que não estou só…E isso, isso é o bastante!

(Das alturas, trouxe meu pára-quedas…)

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Homem

Homem… Por favor, não ame a dor. Não prenda-se na cela. Doe, mesmo que uma parcela.

Não ame a fruta apenas,mas toda a árvore também.Aprenda a enxergaraquilo que a tudo mantêm.

Homem… Ame por amar. Viva para amar.

Faça por merecertoda a riqueza de ser.

Page 37: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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O Ar

Como artista, eu observo o mundo…Como filósofo, eu procuro aprender com o que vejo…Como poeta, me sinto docemente impelido a passar minha sabedoria ao próximo…Até que o próximo se torne eu, e eu seja o próximo.Só então me sentirei digno de retornar ao pó,me espalhar com os ventos, e me juntar ao Ar.

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Minha arte

Minha grande arte é minha vida.Minha inspiração sempre expirará…Se meu ar é puro, e minha alma atenta,só Deus dirá.

Page 39: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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Filosofia do Surfe

Enquanto estiver aqui navegandopelas ondas do mar,prefiro ser um surfista,sem nada a esperar…

Quando subir no alto da ondapara descer surfando,nunca me enganarei,saberei o que estará me esperando…

As ondas vão e vem.São maravilhosas, é verdade…Mas nunca se esqueçaque nesse mundo nada se mantêm.

Aquele que não gosta do oceanoe amaldiçoa a falta de ondas,não vê a natureza,não dá valor a sua beleza.

Quero ser sempre surfista, irmão.Pois sei que as ondas sempre vierame sempre virão…Mas sei também que alguma coisa,alguma coisainiciou esse verão…

(A Filosofia do Surfe pode não ser culta; Mas, como todas as outras, a Grande Canção escuta!)

Page 40: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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Assim à toa

Existe uma luta,uma luta eterna,entre o bem e o mal.

Pois bem…Um dia fomos ao campo de batalha.Vimos os anjos,sempre belos!Vimos os demônios,monstros abomináveis!

Daí então veio o narrador.Era um homem muito culto…Nos explicava cada passo daquela guerra.Mas começamos a cansar de assistir.Nada mudava, tanto o bem quanto o malpareciam que nunca iriam cair.

Perguntamos ao narrador qual seria o final…"O final, meus filhos?""Ahahah… Não existe final.Isso é um 'Telecatch',será sempre igual!"

Então nos cansamos daquela besteira toda,fomos cuidar da nossa vida,e nunca mais ficamos assim à toa…

Page 41: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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Não poderia

Ventos que sopram pura magia.Aves que flutuam na pauta da harmonia.Árvores que meditam na calmaria.Núvens que embelezam a cada dia.Astros que ditam nossa sintonia.Crianças que sorriem para a alegria.Homens que nos trazem a sabedoria.Alma que mantêm a vida macia.Terra que por nada mais trocaria.

Não poderia…Não poderia ficar mais um segundo em tua companhiasem reconhecer que o Tudo é de tua autoria,sem regozijar com tua profunda sinfonia,sem jurar que para sempre te amaria!

Page 42: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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Rezas inúteis

Guerra santaSanta guerraNada plantaNada altera

E o que vejo em tua mão?A adaga e a maldade,ou o crucifixo e o sermão?São de mesma utilidade…Já que tua liberdadebrotará do coração.

Guerra santaSanta guerraNada alcançaNada encerra

Felizes os homensque lutam na paze curam na guerra.Esses são os taisque herdarão essa terra.

Page 43: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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Algo a mais

Uma vida…Um caminho…Uma direção…

A grande trilha espera, na esperança de ser percebida.

Do alto das colinas observamos as pegadas que rumam ao ninho.

Os embaixadores da manhã lutam com toda alegria pela magia da canção.

Uma vida a ser percebida.Um caminho rumo ao ninho.Uma direção até a doce canção.

Um universo voraz. Um todo único, e algo a mais…

Page 44: Gotas de poesia - Rafael Arrais

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Gatos em noites de lua cheia

Miauuuuuuuuuuuuuuuuuuuu…

É dia de lua cheia…E os gatos estão sós…Tristes…Miando para o mundo que os rodeia…

Quem sabe isso não pode mudar?

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A Bicicleta

Se a vida é pedalar,desafiar a tristeza,alcançar o Evereste polarcom ciclos de certeza;Prefiro uma bicicleta velha,de cinza enferrujadoe visão eclética,do que essas novas...De uso manjadoalcance limitadoe visão ergométrica.

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Festa da Amizade

Amizade...Claridade...Sinceridade...Sonoridadede linda canção.

Gostaria de poderouvir a todas,mixadas num só hitde nosso DJ universal.

Porque não ouvi-las?Em uma batida mundial...Do hip-hop da pazao techno sentimental.

Porêm insistem em acabar...Perder o ritmo...Preconceitos e desleixosde dança amoral.

Ignorância...Hipocrisia...Orgulho...Heresias que não irãomanchar tal benção.

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Poções Mágicas

I

Quando estou aqui,perdido em teu olhar,esquecido do próprio tempo em si,rezo para poder ficarapenas a te observar...

Uma centelha de alegria ecoaem cada canto de meu coração!Vou continuar aqui,à toa, ouvindo aos sinos da solidão...

II

Ventos perdidos me carregampara o fundo de teu olhar.Sufocado de amor soupelo som de teu cantar.Poções mágicas me dilaceramcom o sabor de teu beijar.

Não sei mais onde estou,levado pelas ondaseu vou, estou na proa do Luar...

Pode um homem morrer de tanto amar?

III

Amor...Plumas leves que posam sem fazerem-se notar.Força que te leva a sofrer em eterno torpor.Energia que pode tua vida impregnar.E o único meio de escapar com louvor é ater-me fixo em teu olhar.

Pois só quero aqui ficar,e lutar até eternamente lhe amar...

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Dany

E então aqui estou eu.Fazendo poesia pela poesia...Para poder lhe mostrarum lado meu.Um lado a mais...Que lutou, descansou,riu e chorou.Mas nunca lhe esqueceu...

Estamos longe,e só esse mundo de palavrasnão nos basta.Queríamos, teríamos...De estar lado a lado.Ao menos uma vez.Para enfim descobrirmosse foi você que me conheceu,ou fui eu que esquecique já te vi...Antes de saber que era eu.

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Obrigado

Obrigado...Obrigado pelas brisas matinaisque insistem em mostrarque dias vem e vão;São únicos, nunca iguais.

(Obrigado pelas formigas que fazem fortalezas em centímetros de chão e nos fazem olhar para o solo e te enxergar.)

E obrigado pelo verãoque acalenta essa pedra fria,ilumina nosso coração,e deixa a alma macia.

(Obrigado pelos condores que voam pela cúpula de azul enevoado e nos fazem olhar para o alto e te observar.)

Obrigado...Obrigado pelos olhares singelos,os corpos sinuosos,e as juras de amorque mantêm nossos elos.

(Obrigado pelas árvores que meditam eternamente em paz e nos fazem olhar para nós mesmos e te adentrar.)

Mas sobretudo obrigadopelo bom gradode lhe ter bem servido,e pelo teu infinito navegado.

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Ego

Vagando.Dos montes distantesaté a beirada do mar.Só.Sentindo ondas constantesde melodias delirantes;Me comendo, me roendo...Tão devagar...Sou o homemque ninguém pode tocar.

Atropeladopelas palavras sem sentido.Esmagadopelo mundo a despencar.Tenho ido...Sou o homemem que ninguém deve pensar.

Observandocrianças a brincar,casais a namorar,sábios a ensinar;Sempre só.Venho cantarolando,assim devagar,uma música que não quer me deixar...Sou o homemque quer a todos amar.

Assassinadopor aqueles que irão se suicidar.Tal ando a correrpara o tempo elucidar...E, se nada tenho a perder,sou o homemque tudo pode alcançar.

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Amor de Isopor

Veja bemNão sei quem esbarrouMas alguém apontouNo outro um amorAlém da profunda dorDa verdade verQuando em verdadeNada nessa realidadeNos fará parecerTão belosQuanto essa luzQue estranha conduzAquilo que ninguém vêPara doces elosAo som dos violoncelosEternos

Mas nessa nossa idadeTal nobre cançãoParece adoecerCom essa vã temeridadeDe incrível imensidãoNos fazer verE vendo esquecerEsse amor de isoporQue um dia ousamos ser

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Insano

Nesses dias de noite solidãoDe leve raiar da esperançaQue o sol amor enfim apareçaPenso como seria bomTer alguém para em mim seguirVer através dessa poeira espessaAndança atrás de andançaPelo chão que há de surgirAinda mesmo que não mereçaPor mais estranho que possa parecerQuero algo de deliciosamente insanoPara que humano eu possa ser

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Infinito

Estava sóEu, o barco, e o marInfinito

Sua água cristalinaComo um espelhoRefletia os raios do céuDe tal maneiraDoceE assustadora

Pois eu estava láNaquele marCom turbilhões de peixes a nadarDebaixo do céuCom exércitos de pássaros a voarDentro daquele barcoCom milhares de formigas a marcharMesmo assimEstava sóEu, o barco, e o marInfinito

Mas então os raios pareciam aumentarVinham com tal luzQue mesmo lá dentro podiam iluminarLá dentroOnde é escuro demais

Mas tive a coragemDe lá me enfiarAncorei o barco no caisE diante daquela planícieDe verde sem fimCaminheiE ao infinito abracei

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Sonhos

Não possoNão posso maisViver e sofrerNesse mundo tão complexoNuma vida sem vidaOnde até o amorFoi morto e enterrado

Não posso crerQue o ser humanoVá mesmo mudarRenascer e entender

Mas posso ainda sonharE sonhando viUma TerraQue era apenas uma terraOnde os homensEram somente homensVivendo por viver

Um dia sonhei o paraísoE nunca maisAh! Nunca maisParei de sonhar

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Alguma Simplicidade

Demorou algum tempoApós aqui nascerPara finalmente saberQue não tenho nomeNacionalidade ou corQue nada tenho a fazerNada a provar, nada a julgarDemorou para perceberQue sou apenas um grãoEnvolto nessa grande explosãoComo a criança a brincarNo mastro da embarcação

Quero subir bem altoChagar a casa do ventoQuero mais nada nãoQue com isso me contentoTal o enorme prazerDe ao tempo poder esquecerE aquiSimplesmente viver

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Ecos na imensidão

Lágrimas Escorrem pelo rostoAquele sabor salgado...Conhece-o muito bemEstá assustadoAcha estar Sozinho nesse mundoPara sempre derrotado...

Mas continua Firme em teu postoObservando essa confusãoQue assola a humanidadeE, certo de tua sobriedadeEspera com ansiedade Um novo despertar...Uma outra chance de pagar

Ah mas atenta!Que ainda há muito a aguardarPois não é essa terra Que irá mudarMas tua própria visão delaEntão pare a escutar...Os ecos na imensidão Que trarão a chave de tua cela

(Amor... Amor... Amor... )

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Hoje

Hoje somos só você e euHoje o tempo não contaO mundo já não nos castigaO amor pode ser meuPode ser teuA música pode tocar

É dia de viajarBasta que me sigaA velejar na imensidãoSem medo ou dessaborAcreditando na doce paixãoUm poder tão meuQuanto teuUma fonte a escaldarPara a todo terror elucidar

Hoje já sabemos viverQue já o ego não importaQue já nos vemos crescerEscolhendo qual porta entrarQual nota teclarPara enfim poder cantarCompondo nossa sinfoniaDeixando lá dentro nascerA mais profunda alegria

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Regressões

Hoje foi um daqueles diasEm que você vê a si mesmoEnfim vivo, e nisso acreditaComo quem já se bastaE a todo esse inferno suporta

Ah! Porque quem regridePela trilha infinitaNão pode dizer ao certoSe foi ou voltouApenas sabe que viveu

Pois o tempo é como o amorQue parece existirMas ninguém pode provarA não ser o próprio serEm sua ânsia por saber

(O que vem a ser amar?)

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O Condado do Coração

Esse tempoEsse ritmo desenfreadoNão para nem cessaAs vezes mal sei ao certoSe estou longe ou pertoDe teu CondadoAs vezes mesmo não seiSe fui educadoPara viver acordado

Meu alentoÉ saber que ainda há sonhoPara ser sonhadoAinda há caminhoPara ser trilhadoE um paiPara ser amado...

Nessa nave de imaginaçãoViajo a teu ladoSempre aflitoPor ainda não verO que é certo ou errado

Mas em toda essa imensidãoAlguma luz sempre guiou-mePara a Terra do Coração

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Que dessa vez seja

Ah! Nem sempre é bom sonhar...Mas digo que tal me foi impostoQuando perdi-me em teu olharImaginando, de longe, teu gostoTeu abraço a me sublinharPensando na visão de teu rostoNuma cena de encantar

As vezes me aceito a sonhar...E mesmo te perguntoSe tens idéia da tua beleza( Tua sublime natureza... )

Não mude de assuntoDiga-me o que estás a pensarDe mim, do mundoDa leveza do amorDa aspereza das sombras...Diga-me enfimQual será o meu fim!

Ah! Que não agüento mais sonhar...Não tenho mais aquela idadeE os sonhos insistem em manterTal peculiaridadeDe sempre enganarem o serFugindo da verdade...

Nem sempre é bom sonhar...Mas que dessa vez seja!Pelo Deus, pelo amorPela eterna felicidadeQue ao menos uma vezEle seja realidade

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A Fada

Vinha andando pela mataCom minha serraAngustiado em meio a tanta belezaEnfim perdido na guerra

Vinha andando pela mataSem conhecer uma única certezaAfinal humano eu souE essa é minha natureza

Ah! Que o vento nunca me tocouO sol nunca me fascinouA música nunca me fez dançarTudo que podia fazer era andar...

(dê tempo ao tempo)

Vinha voando pela mataSer delicado e cintilanteIluminado pela própria luzQue toda energia conduz

Vinha voando pela mataNão pude ir mais adianteDar sequer mais um passoSem ser enfeitiçado

Ah! Que aquela pequena arteEra minha eterna amadaComo é sublime tal sorteDe encontrar uma fada...

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Dia dos Amados

Hoje a lua nasceu diferenteAs ondas quebravam contentesE mesmo esta cidade dementeNão nos impediu de aqui estarFrente a frente...

Hoje somos só nós doisSentindo essa brisa que incendeiaDeixemos o resto para depoisTodos os erros do mundoEspalhados pela areia...

Ah, que sempre fomos tão ligadosE esse amor tão incertoEnfim pôde quebrar o concreto...Amanha então, seremos amigosMas hoje é dia dos amados!

Hoje seremos loucosQue se amam alucinados E se beijam como poucosQue salivam o imortal E se perdem desacordadosNuma terra especial

(Muito além do bem e do mal...)

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Sempre há um talvez...

E aqui estouEnquanto os astros voamA afirmar a mim mesmoO que souEm frases que destoam

Com medo eu vouTentando sorrirAmar...E ainda saberOnde tudo isso vai dar

Vale a pena?Viver ou sorrir ou...Amar?Sempre...Sempre há um talvez

Que a chuva vem e vaiÁguas que sãoVez benção, vez destruição...

Também o homem vem e vaiSem saber bem o porqueMas com uma certeza...

Felizes o sãoAqueles que não calamAo próprio coração

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O doce sabor da maça

Não importa se estás cegoPois hoje sou a beleza

Não importa se estás surdoPois hoje sou a música

Não importa se estás mudoPois hoje sou a compreensão

E se o mundo a volta É tão artificialHoje sou a natureza

E se lhe agridem Com palavras friasHoje sou o amor

Não importam nem mesmo ontem Ou o amanhã...Hoje sou todo o tempoHoje sou teu alento E trouxe-lhe esta maça...Para lhe provarQue sua esperança não era vã

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Dentro do casarão

Nas noites friasTempestuosasDentro do casarãoNem as cruzesAfastam as sombras

Em pleno invernoDentro do casarãoNão sabemos o que fazerTrovão após trovãoNão iremos nem correr

Nas noites gélidasTrovejantesDentro do casarãoNem as precesAfastam as sombras

Mas uma certeza temosDentro do casarãoQue onde há sombraTambém há imensidãoDa mais pura luz

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Para cada um de nós

As horas custam a passarEnquanto que lá dentroSombras se remexendoDeixam-nos angustiadosSem poder nem chorar

Alguma coisa pedimosSem saber o que nem porqueFicamos na espera

Até que os ventosVentos da primaveraAcariciam nossa faceVindos de algum lugarVêem os ventosDetrás do horizonteTentando nos consolar

E o nosso medo é talQue ignoramos a brisaVagando a lamentarNum mundo desigualSem poder nem amar

No entantoFoi a ave quem disseEm seu canto celesteQue para cada um a chorarCada um a amarPara cada um de nósHaverá um anjo a velar

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Belzebu

Tenho sonhado,talvez mesmo acordado,com devaneios perdidos...Desprovidos de sentido.

Quando me dou conta,fica apenas a recordaçãode não ter sido eu,porém outro alguém...

Poderia eu ter sido a vítima?Ou o acusado?Poderia ser o vingador,ou o vingado...Um rei ou camponês.Um artista.Uma prostituta.Poderia ser quem for,contanto que não fosse minhatoda essa culpa...

Dos dias nos fazerem sofrer,não conseguindo veresperança em meio ao caos,não encontrando luzdentro de nosso próprio ser.

Há de ser plano mesquinhode alguém mais...Esse maldito Belzebuque não nos deixa em paz.

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Saudades

SaudadesDo roçar das sandáliasAo solo lamacentoDo jeito de caminharE a maneira de ensinarNos dando alento

SaudadesDo olhar distintoQue nos dissecavaVia em nossa consciênciaQuem se julgava alguémE quem alguém amava

SaudadesDa determinaçãoA palavra doceO gesto firmeE os lábios proféticosApontando a direção

Pois que foi aqueleSozinho em meio ao desertoQue encarou ao fogo sem medoPois que via-se neleEntendera toda liçãoE abrira todo coração

SaudadesDo reiQue se fazia reiPor demais saberE demais amar

(volta logo, volta logo...)

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Gruta

Difícil explicar as ondasCheias de siInsistem em quebrar nas rochasSaem machucadasDeixando sua casa para trásMorrendo nas enseadas

Mal sabem que são parte do marFilhas do oceano Muito melhor afundar Fundo bem fundo Nadar e nadar E achar aquela tal Gruta

Aprender a amarAceitar o gosto da fruta Vivenciar cada momento Cada brisa marinha Evaporar e evaporar Até o fim do vento

Muito mais fácil se encherDe luz doce dos céusAté não mais suportarE chover gotas de amorDando sabor a vida daquelesQue ainda não sabem mergulhar

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Festa cigana

Quando os ciganos dançamSaias e lenços vermelhosBailam pelo arEstamos no mesmo passoNo mesmo ritmoTodos a amar

Sob a proteção da SaraDos astrosE do marDestinados a felicidadeBanhados pela luzDe um tênue luar

(Vamos cantar até o fim... Glórias ao vinho, glórias a uva! Festejemos tal curta vida... Pois que doce é vive-la!)

Nesse meio de noitePodemos observarNossa falta de visãoQue evapora pelos céusNos dando oportunidadeDe voltar a brilhar

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Os pássaros da manhã

Quando fores feliz,Não haverá de serPelo giro do mundo,Mas pela luz matinal.Batendo tua janela,Libertando-te;Tal que tua almaNão mais fique presaNessa cela.

Verás o pássaroQue ali sempre voou,Seguindo o raiar do sol.PerceberásQue seu pio divinoEm cada dia teuEcoou:

“Esqueça essa culpa!Cala-te e ouça,Em paz, a minhaTênue e eternaMelodia...”

...

Pois ouça bem:Quando fores feliz,Saberás o ser.

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Das Arcádias

Ah, ò Sábio!Que destoa do humanoE entoa o divino...Podemos mesmo ouvirTal profunda harmoniaBrotar de tua almaDoce... Macia...

Mas há outros...Que fogem do ensinoAtirando-se sem reflexãoNos porões do vício e da paixão.

Como poderão entender?Que detrás de tua aparente palidezHá sim o fogo eternoDo saber e do amor ao saberQue te move e moveráAcolhendo-te todo o serNas Arcádias do Céu...Donde outros além de tiNão tardarão a renascer...

Ah, ò Sábio!Conta-lhes teus contos de sabedoriaDiga-lhes da verdadeMostra-lhes a realidadeFaça-os entender...Pois que já vamos cansadosDe tanto por eles sofrer.

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Pedras

Atira uma pedra ao lagoE observa este engoli-la...Deixando círculos concêntricosNavegando a superfícieAté deixarem de existir...

O lago reflete ao céuEste retribuí emanando luzAcalmando suas águasTrazendo-lhe profunda paz

***

Atira uma pedra ao homemE observa este esquivá-la...Embrutecendo-se ferozmenteAtirando-se ao ataqueAté ter a sombra vingada...

O homem não vê ao céuCom tal alma cegaAfasta-se de sua luzPerde-se no próprio caos

***

O lago lamenta pelo homemO céu, reflete e chora...As chuvas purificam as sombrasO sol aparece a brilharE as pedras, estas são postas de lado...

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Dádivas

Ah Pai, o que é estar assimApós tanto tempo?Flutuando nas brisasVívidas e generosasDe teu Ser, de tua CasaTão maravilhosa,Tão grandiosa...

Ah Pai, nesse momentoEu finalmente seiO que andei perdendo.Mas se devo lamentar,É para comigo mesmo.O sol sempre brilhouE eu não via...

Mal percebiaO que fazia ou não fazia.Ignorar a própria consciência,Eis a grande fatalidadeDo homem...

No entanto basta arriscar-seA olhar dentre a paliçadaPara ver tua Luz,Que lá sempre esteve,Apontando o futuro...

Sabedoria (para entender-me).

Amor (para guiar-me).

Paz (para realizar-me).

***

Ah Pai, você me deuA dádiva da Vida.Eu quero lhe retribuirCom a minha dádivaDe bem vivê-la...

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A Primeira Bactéria

3,6 bilhões de anos se passaram...E continuamos aqui vivosGirando sob a terceira pedra do sol.

3,6 bilhões de anos se passaram...E continuamos sem saberDonde tudo isso veio e aonde vai.

3,6 bilhões de anos se passaram...E quem é você?Rei? Nobre? Burguês?Qual o seu valor?

3,6 bilhões de anos se passaram...E talvez não valhamos nada maisDo que aquela Primeira Bactéria...

Ainda assim,Provavelmente valhamos muito maisDo que todo valorQue um diaOusamos sonhar...

***

(a 3,6 bilhões de anos, surgia na Terra o primeiro ser vivo,e nós só chegamos a 50 milhões de anos...)

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A Tanto Tempo

Andava o profetaPelos largos bosquesQue rodeiamO mundo dos homens

Em sua ânsia por saberDo ser e seu presenteO ancião observavaLá bem de longe...

Não era sóPois penetrava as casasE as idéias de todosCarregado pelo vento

Mas os cidadãos não percebiamTão pouco sabiamViviam a lamentarPela falta de seu mestre...

Até que o inverno passavaE a primavera despontavaTrazendo do horizonteUm filho para uma mãe

E o jovem cresceriaPara relembrar ao povoTudo o que já foi ditoA tanto tempo...

Assim correram as estaçõesAté hoje:Dia de colheitaE nova semeadura

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Longa espera

Que não sejam apenas coresDe fogos de artifício a queimarAnte nosso olhar atento;Mas antes benções de luzA nos apontar o tênue caminhoDentro de nossa escuridão,Que não conhecemos,E tememos...

Que não seja só essa festaGloriosa e glamurosa,Falsa e passageira,Mas sim uma mudançaNa direção de nossas vidas;Um novo alento para os miseráveis,Um novo ano para aquelesQue não agüentam mais sofrer.

Que não juremosApenas rezas vazias,Mas frases plenas de convicção;Fé defronte o perigoE a responsabilidadeDe não apenas mudar essa terra,Mas muito mais,De mudar a nós mesmos...

Que esse tal despertarNão seja mais uma profeciaNão realizada,Mas a pura verdade,O puro fatoDe admitirmos,Que antes de tudo,Havia algo a mais.

Que nessa praia maravilhosaSeja selada a carta de pazPara o início de uma nova era;E que os sábios possam enfimTerminar sua longa espera...

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Longe de mim

Não suporto ver você assim...A sofrer, por não saber nem porqueDói tanto viverTão só,Tão longe de mim...

Pode achar que só pensoNo que eu mesmo desejo;Ter você por perto,Sempre assim,Tão perto de mim.

Ah, mas veja, querida;Que vai achar aí dentoAlguma coisa brilhanteA espelhar você mesma,Tão igual a mim...

E pelos bosques, andaremos! Pelas alvoradas, bailaremos! Ao por do sol dormiremos... ...e sonharemos!

Se formos um só ser,Esse amor que nos uneRefletirá em mim e voltará,Cobrindo-lhe as mágoas,Angústias e desesperos;Apagando o medo da vida...Nos guiando para aqueleQue só pôde nos quererTão bem viver.

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Amor Maior

Nem aqui,Nos montes distantes,Acima do véuA cobrir a ignorância,Consigo deixar de pensarEm ti, teu corpo,E tua fragrância...

Pois juro que tenteiAchar outro alguém;Lutei e lutei...Até perceberQue de nada adiantaAmar ao corpoE desdenhar do ser...

Não quero maisSer o mais feliz dos homens,Sem saber se mereçoTer meu amor,Maior amor,Junto lado a ladoNas trilhas da dor...

Até hojeInsisti por tal caminhoLargo e iluminado;Amanhã terei coragemDe lá no fundo,Dentro de mim,Explorar...

Mas nem aqui,Longe da ilusão,Longe das lutas,Das estradas tortuosasE do medo,Estarei por um só momentoLonge do meu amor,Maior amor...

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Outonos e Primaveras

Já faz muito tempoQue vejo outonos e primaveras.E o caminhar dos homensJá cansados de tanto ódioE desilusão...

Sozinhos eles estão,Enclausurados nas próprias celas,Em meio a multidão,Sem nada entender.

Mal sabem eles,Que inimigos mortais,Um dia se abraçarão.Assassinos e vítimas,Um dia se perdoarão.E mesmo os suicidasAprenderão a viver...

Nada é mais vazio que a escuridão.Mas eis que também há alvoradasE entardeceres...De tanto os homens errarem,Hão de enfim acharA chave para todo o saber.

Hão de amar.Hão de sorrir.Hão de amadurecer.

Então, confesso-me ansiosoPor descobrir onde acabaToda essa história.Pois que hoje eu seiQue a ausência é sim o maior dos males,E para ela só há o esquecimento...O mais triste dos remédios...

(Outonos hão de passar, mas é na primavera que iremos viver nossa esperada vitória...)

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Mundos de carne e de luz

Eu vi o mundo dos homens,E vi também o mundo espiritual.Me perdoe Pai,Pois não sei qual o mais bonito.

Andei pelas cavernas com fome,Singrei mares e continentes,Viajei sem saber até o infinito...Cavalguei pelas batalhas sangrentas,E nas diligências do velho oeste...Hoje sigo sob edifícios e sinais,Vendo o que sempre vi...

A beira das estradasEstão os homens.A beira das estrelasEstão os seres de luz.A beira da ilusão e da ignorância,Vão-se os seres perdidosDo amor que clama desesperadoPor sua volta...Ah Pai, como tu há de ser amado!

Como os pássaros enjauladosEsquecem de cantar,Muitos de nósEsquecem de viver...Esquecem da coisa mais preciosaDe todo esse universoDe mundos de carne e de luz:Aquele que lá do alto,Do centro de cada coração,Pai de todo amor,Toda essa energia conduz...

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Fiat Lux

Há muito tempo atrás,Ouviu-se um estrondoQue ecoou por épocas remotas,Desde o caldo quânticoIncandecente berço de inteligênciasAo distante vácuo sideral...Gélido, de novas e supernovas,Cortado por asteróides,Habitado por homensEm planetas sem fim...

A luz te tal explosãoQue ocorrera antes de tudo maisAinda se reflete em nós...No brilho dos olhos,Nas linhas da mão,E nos sótãos da consciência.Como as estrelas,Serve para nos guiarEm meio a tantas odisséiasPor mares sem fim...

Assim como a pedraPrecisa antes ser atirada para voar,Também o Universo inteiroFoi arremessado do nada,Crescendo e dando luzA vidas e mais vidas,Tantas facetas e personalidadesDe seres sem fim...

Quiseram os homens voltar atrás, Com lunetas e telescópios, Desvendar tal mistério...Outros, ocultos, desejavam Que pudessem apenas ouvir O som do grande turbilhão inicial Gritar em meio a bilhões de graus:Amor, Amor, Amor... Um amor sem fim!

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Ondas e sereias

Dentre alguns verões e primaverasTenho visto casais a se beijarAndando pelos bosques e a beira marSem se preocupar com o amanhãOu a chuva e o ventoQue sempre aparecem sem avisarNessa época do ano

Eu já tive tanto medoDe perder meu coração para sempreLevado por lábios e perfumeDas deusas de cada estaçãoOu das ninfas dos campos sem fimQue sempre aparecem sem avisarNessa época da vida

No entanto agora é minha vezDe também sofrer quase eternamenteE me alegrar com a dorA vez de me perder nos confins do oceanoLevado por ondas e sereiasQue sempre aparecem sem avisarNessa época do amor

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Vontade e entrega

Era um homem sofridoQue sempre reclamara a DeusMais sabedoria, mais amor,Mais felicidade...

Qual não foi a surpresaAo se ver repleto de tudo:Tudo o que havia pedido,E muito mais...

Ajoelhou-se e agradeceu.E pediu por favorPara que não deixasse nuncaEsquecer o que passou.

Hoje tinha mais do que antes;Mas conservava o medoDe se acomodar, e reclamar,E não mais viver...

Medo de achar que nada podeSe não tiver ajuda de Deus...Pois que tudo o que temVem da vontade e da entrega.

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Nunca mais

Eu não me vejo livre de vocêNunca maisEu deixarei de te tocarSentir sua pele de leiteSeu cheiro de alfazemaE seus beijos de mel

Eu não me vejo livre de vocêNunca maisQuero seguir sozinhoEm meio aos dias cinzentosDas chuvas e dos sinosCelebrando a solidão

Eu não me vejo livre de vocêNunca maisPois a minha felicidadeDoce vida de criatividadePode não durar ate o horizonteDo próximo nascerMas você é meu sol nascenteNunca poenteNunca maisMe verei livre de você

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Lembrar

Eu choro...

Pela imensa dor de amarE fingir ser meu amorApenas uma poesia mentirosaUma canção melodiosaHino de loucura e ilusão...

Ah! Como houveram vezesEm que desejei dizer a verdadeAo mentir com sobriedade...

Uma linda borboletaÉ linda pelo seu amorCores e asas de imensa belezaCintilam por toda natureza...

Lá do alto do céuEla ama também a larvaQue rasteja pela terra e pela dorCega, em meio ao próprio rancor...

E serei eu a borboleta?E serei eu a larva?Ou antes ambas, e mais além?

Antes uma parte da terra e da dorDa canção e do amorQue tecem as copas da florestaAs flores da primaveraE os dias e noitesDa próxima era

Antes uma centelha de vidaQue se vê refletidaNas centelhas divinasDo vácuo infinitoE que choram tambémAo lembrar...

Oramos todos no mesmo altar

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Aqui

Impossível amar assim,Na pauta dos concertos de luz,No ritmo do vôo dos anjos,Perseguindo sempre ao fimO doce sorriso, e a palavra branda,De um serafim.

Que tal amor não foi feito para aqui.E portanto eu sei sim,Sei que há de se partirComo o gelo do longínquo norte,Que se dobra e se derreteAnte cada nova manhã.

Como o leão famintoSabe que um dia também será a caça,Eu também o seiQue um dia verei o sol,E a dança das estrelas da noite,Sem você, sem você...

Ah! E quando eu te perder,Juro minha eterna amada,Não amaldiçoarei a vida nem o tempo...Não me perderei ao relento...Não lamentarei uma única lágrima,Ou um único beijo...

Antes terei de me ajoelhar;Agradecer por tão bem merecerQue você tivesse a mim,E eu agasalhasse vocêDos ventos frios, tão frios,Do inverno da vida.

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Irei escutar ao serafimAté a última estrofe do poemaDe dor e amorQue sempre assim definiu:Nesse tão sofrido,Tão maravilhoso,Aqui...Uns dias se chora e lamenta,E noutros se amaE sorri.

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Esquecer tudo de novo

Porque amar, para perder tudo de novo?Para que a dor e o desentendimento?Para que a ignorância de mim, e dela?Se o amor é meu objetivoMinha razãoMinha vida

Porque viver, para amar tudo de novo?Para que se apaixonar e entoar poemas?Para que habitar meu coração, e o dela?Se a vida me traiMinha paixãoMinha razão

Porque pensar, para complicar tudo de novo?Para que racionalizar e teorizar?Para que ler aos contos e as parábolas?Se é a simplicidade que desejoMinha harmoniaMinha paz

Porque brigar, para tentar tudo de novo?Para que reatar o que nunca esteve uno?Para que ensinar da luz as pedras?Se o mundo é tão diferenteMinha prisãoMinha terra

Porque chorar, para esquecer tudo de novo?Para que fugir da dor?Para que desistir do amor?Se o ser é a eternidadeMinha esperançaMinha felicidade

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O raiar do dia

Amar é viver.Esquecer é morrer.

Amar e esquecer,É viver, e então morrer.

Mas eis que há um amorDo qual não se pode nunca esquecer...

Vive sempre a morrer,Morre, para então poderEsquecer de si próprio,E deixar o raiar do diaGuiar o seu viver...

(A cada novo raiar tu há de encontrar alguém para amar!)

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O sangue que cai

Não sou o mais forteDos que se lamentam.Não sou o mais sábioDos que erram.Não sou o mais espertoDos que se iludem.

Então porque essa cargaTão pesada, tão pesada?Porque dentre tantosEu tinha que amar assim,Sempre assim?Sofrer e sofrer e sofrer...Sempre assim,Sempre assim.

Serei mesmo euQue subirei ao cume do mundo,E brandirei a todos abaixoO espelho que reflete a vida?

Serei mesmo euQue de tanto procurar,Acabarei encontrandoA bela sereia do mar?

Serei mesmo euQue de tanto te amar,Finalmente encontrareiMeu espaço em teu altar?

Palavras são só palavras...Mas eu sei, ó dono da criação,Que existe a alma, e a dor...Que doa então, até parar...Que viva, até estancar...O sangue que caiAnte olhares que nada dizem,Nada vêem,Ou sentem...

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Ontem hospedou-se em minha casa uma mulher

Ontem hospedou-se em minha casa uma mulher.Sua pele de leite fez-se rubraCom as chamas de meu ávido olhar.Seus cabelos negros de sedaDesgrenharam-se ao roçar de minha mão,E com seus sorrisos de timidezEle adentrou fundo em meu coração...

Meu sangue ágil e quenteDeu forma ao meu amor.Lentamente, trocaram-se carinhos e carícias,Até que a água que dá a vidaBrotou como um raio de meu serPara calar-se repentinamenteEm sua gruta de eterno prazer...

Fosse essa a nossa intenção,Outro de nós poderia ser gerado.Um filho muito amado,Para celebrar o baile da natureza,Que gera eternamenteA sua própria beleza.

***

Mas hoje meu amor se foi...Deixou apenas uma pérola,Brilhante como mil estrelas na escuridão.Com ela irei afastar as sombras,E esperar por seu retornoNa próxima estação...

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A Semente

Foi mesmo sem saberQue meu amor plantou a sementeNa doce alma de minha amada;E o que antes era muda pequena,Cresceu a tal macieira frondosa,Farta de frutos deliciosos,Rubros como meu amor.

Mas como saberSe de tais frutos brotará a verdadeOu os vermes da ilusão,Que a toda fraternidade negam,Levando nosso pobre serAs fronteiras do egoísmo,E as terras da paixão...

Ah! Que nem todo saberPode ser suficientePara alentar aquele que quer amar,Quando sua árvore jaz distante,Plantada a muitas léguas;E seu corpo nessa cidade,A sofrer sem trégua.

Importa é querer saber,Para enfim entenderQue no mundo do amor,De almas e de sonhos,Nem o jardineiro nem sua florEstarão longe um do outro...Seja em noites de céu estreladoOu lua minguante,Irão se encontrar,Se amar como seres livres,Para só então,Só então acordar...

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Levante e sorria

Existem pessoas tão boas nesse mundo;Não deveriam, não mereciamPassar por isso...

A luz das estrelasDe certo não foi criadaPara se perder em buracos negrosOu nas trevas dos corações brutos...

O que pensavam eles?Que a beleza em pessoa seria maculadaPor correntes de abraço frioE olhares gélidos de terror?

Não! Que a beleza é muito mais que isso;Não é chama que morre com o vento,Não é flor que murcha com o outono...É antes a beleza que não poderiam matar.

A cortina pôde se fechar para o sol,Mas você soube que lá foraSeus raios ainda estavam lá.O amor ainda estava em toda parte!

E se por acaso se desesperou,Se viu a vida com maus olhos,Foi só por breve momentoQue se passou...

Olha! Levante e sorria!Que os mares estão com sua saudade,As ondas caem e reclamamPor te esperar...Olha que a beleza da naturezaDeseja a beleza do seu ser...Olha! Levante e sorria!

(Existem pessoas tão boas nesse mundo;E você sempre será uma delas...)

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A grande Galera Etérea

As vezes me pego assim...Meio que solto no tempo...Meio ontem... Meio amanhã.Meio no início... Meio no fim.

Então sou pura solidão.Pura poeira cósmica.Que pulsa e vibrano centro dessa explosão...

Mas sós não estamos.E toda essa imensidão percebemos.E mesmo aqui em presente vivemos.Nunca fomos... Nada seremos.

Que afinal fazemos?Pergunto-me quando traçoessas linhas sem compassono espaço sem espaço...

Energia... Transcende a matéria.Antares, Capela, Terra...Tantas foram... Tantas maisesperando pela Galera Etérea.

E não sou rápido o bastantePara ser o antes do depois...Ou depois... Ou antesdesse ciclo constante...

Portanto se o tempo intervêm,aceito-o tranqüilo...Pois já vi lá do alto do mastroquanto tempo ele tem.

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O Lenhador e a Árvore (incompleto)

I

O homem avistou a enorme floresta…Com suas plantas e seus bichos…Seus troncos e limos… Sempre belos, sempre lindos, bailando numa eterna festa.

Viam-se pássaros no lençol das abóbadas de sol, regidos pela orquestra…

Viam-se cachoeiras a escaldar dos rios até o além-mar, guiadas pela sua mestra…

Viam-se dias e noites, e noites e dias, e o tempo que a tudo infesta…

Mas o homem não se encantou,não ouviu o tear da seresta,e então avançou pela terra…Ligou sua serra, apagou seu farol e clamou sua guerra…

II

Na imensidão da floresta...

TUCANO

Ò grande árvore,centelha milenar,dos céus trago triste notícia...

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Em nossa florestao homem acaba de adentrar.

ÁRVORE

Não há notícia triste meu caro.Tente enxergar um palmo adiantede teu bico radiantee verás que tudo o que acontececontribuí para aquele que prevalece.

TUCANO

Entender-te não é fácil tarefa.Mas eu enxergo longe, rasgo os céus...Eu conheço o homem.E quando ele aqui chegar,vou para o banco dos réus,orar para que um dia possa retornar.

ÁRVORE

Tu julgas o homem,mas ele não difere nada de ti,e nem tu diferes coisa alguma do homem.Nem mesmo eu posso me julgar alguém especial.Todos aqui somos mera poeira sideral,grãos que ecoam pela criação,compondo uma canção universal.

TUCANO

Lá vens tu com tal crençade que tudo é perfeito e bom.Digo-te adeus.Vou saindo de fininho.Dessa canção, nunca ouvi o som.

ÁRVORE

Podes voar para onde quiseres.És livre para explorar o mundo...Mas mantenhas teu olhar atento,e tentes enxergar ao que é realmente profundo.Ouça o eco de cada estação,de toda a criação;

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Para finalmente poder ver teu próprio interior,voar até as profundezas de teu ser,e redescobrir-te com todo o louvor.

TUCANO

Sim, tu podes estar certa.Podes ter encontrado o segredo do viver.Mas, ainda assim eu necessitodas coisas lá fora para sobreviver.

A ave de bico reluzente balança suas asas e voa... ...até sumir acima da cúpula de folhas.

III

E o homem penetrou na floresta... ...com passos largos e descuidados...

SERPENTE (Oculta)

Sss... Sss...Ora, o que vejo aqui?Um humano e sua arma,prontos para a tudo destruir.

HOMEM

Quem está a me zombar?Queira aparecer por favor.Não pretendo lhe machucar,não há sentido em tanto pavor.

SERPENTE (Desce pelo largo tronco da árvore que lhe ocultava)

Pavor?! De um humano?Sss... Ah, ah, ah... Sss...Nunca ouvi algo tão insano!

HOMEM

Foi tu mesma quem disse:Eu e minha serra

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podemos dizimar tua terra.

SERPENTE

Pare com tal idiotice.Falei apenas o que tu pretendes realizar;Pretensão e realidade são coisas difíceis de juntar.Tu não sabes o que faz,portanto de nada posso me preocupar...

HOMEM

Pois eu aqui vim pela madeira.Com minha serra cortarei cada árvore,até que tenha devastado a floresta inteira!Nossas cidades crescem a toda velocidade,precisamos de casas, móveis, e coisas mais...É triste, mas é verdade.

SERPENTE

O que sabes de tristeza?O que sabes da verdade?Sss... Sss...Tua ignorância só me dá uma certeza:Meu reino ainda terá muita prosperidade.

HOMEM (Afastando-se)

Estou cansado de tuas charadas.Adeus, tenho trabalho a realizar...Quando tudo terminar,todas as árvores serão marcadas.

SERPENTE (Triste)

Sss... Sss... Sss...

Observando o homem a andar, a serpente deixa escapar uma única lágrima.Gota que molha o solo da infindável floresta, alimentando a semente de uma linda macieira.

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IV

ÁRVORE

Oh! O homem está a chegar;E devo lhes agradecerpor me darem essa oportunidadede ao homem falaro pouco que sei da verdade.Assim espero fazer por merecernascer árvore,e árvore morrer.

Com um rangido de galhos secos partidos, o homem revela sua presença...

HOMEM

Ora, mas que bela árvore!Imensa, gigante, majestosa.Terás a honra de ser a primeira a tombar,ao menos por hora...

ÁRVORE

Não há honra em tal fim.Se tu, homem, me cortar,seremos dois, juntos, a tombar.Pobre, pobre de mim!

HOMEM (Surpreso)

Então não são só as serpentes,mesmo as árvores deram para falar.Ao menos poderiam ser mais contundentes.

ÁRVORE

E achavas que nós éramos mudas?Pois fomos assim somente enquanto mudas.Mas com um pouco d’água, tudo muda...

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HOMEM

Você fala por charadas,mas se esquece que sou homem.Com charadas mesmo,alterei o curso de rios, queimei florestas,e construí estradas.

ÁRVORE

Sim, meu querido,a vida é feita de mistérios.Mas tome cuidado para não a complicarcriando tantos critérios,ou só poderá a tudo isso decifrarmuito após terdes morrido.

HOMEM

Vejo que é um sábio.Penso agora em lhe poupar,procurar outro tronco para cortar.Pois sou um lenhador,e estou aqui para lenhar.

ÁRVORE

Tu podes me matar, ò lenhador.Minha dor em morrernão se compara a ver uma irmã falecer!

LENHADOR (Homem)

O que está a suceder?Árvore que faz sua a dor que não era sua dor.Deve conhecer muito do amor,como gostaria disso aprender...

ÁRVORE

Pois deixe-me contardes uma estória,de alguma forma tentar lhe ensinar.Então, ao menos quando me for,restará algo meu em tua memória.

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LENHADOR

Prometo-lhe muito mais:Se puder me mostrar o amor,não terá que temer a morte jamais.

ÁRVORE (Sorridente)

Eu não temo a morte, nem a vida.Tampouco abomino morrer,já que nada é mais belo que renascer...Sente-se e deixe-me lhe apresentara vida além morte, e a morte além vida.Vou por final lhe mostrar o que háapós cruzar a linha infinita do mar.

Acomodou-se sobre uma pedra de pouco limo, com um olho a observar e outro a desconfiar...

V

Tal notícia logo se espalhou...Levada pelo ventoa cada canto de mata,os seres encantou.E quem tinha tempo,logo foi saberse aquela árvore chatapodia ao lenhador convencer.

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Entrevistando Arrais (incompleto)

-Muito bem, aproveitando esse tempo que dispomos, vamos iniciar logo essaentrevista... Começarei com uma pergunta bem simples então...

Quem é você?

-(arregala os olhos surpreso) Essa é a sua idéia de pergunta simples? -Qual o problema com ela? Basta responder seu nome, o que faz, onde mora...Coisas assim... -(sorri) Quer dizer que por saber tais coisas você poderá me dizer quem eu sou? -Hmmm... Se quiser pular essa não tem problema. Eu já sei quem você é dequalquer jeito. -Para você saber quem eu sou, antes teria de saber quem é você mesmo, e porconseqüência, quem são todos os outros. -Tudo bem, eu não sei sobre os outros, mas seu nome é... -(interrompe) Não, não é meu nome quem lhe dirá quem eu sou. Não é meu nomenem meu sobrenome, muito menos meu signo, tampouco minha data de nascimento, oumesmo o lugar onde nasci. Não será minha casa, nem meus pais, nem meus amigos, nemmeu cachorro, nem minha agenda ou plano de saúde. Minha carteira de identidade nãolhe dará muitas pistas, e todos esses outros códigos que presumem nos resumir a umareles seqüência de números também não lhe serão de nenhuma utilidade... -Entendi o que quer dizer, apenas seu interior me dirá quem você é. O coração, aalma, coisas desse tipo não? -Talvez lhe dêem uma pequena pista. Talvez se você me ouvir por mais algunsanos, prestando atenção em tudo o que falo, faço e penso. No que gosto e no que nãogosto, no que acredito e no que amo... Talvez depois de anos você tenha uma pista dequem eu sou de verdade. E então achará uma pista sobre quem é você da mesma forma. -Depois de anos? Então só quem vive junto pode conhecer um ao outro? -Claro, mas em realidade todos vivemos juntos, estamos juntos nesse planeta amilhares de anos, estamos muito próximos, o suficiente para podermos observar uma aooutro e aprender com isso sobre nós mesmos... Quem somos, o que fazemos ou ao menoso que deveríamos fazer. O que procuramos? Poderemos achar? E se acharmos o que vemdepois? Até onde, ou até quando penetraremos no mistério da vida? -(sorri com leve ironia) É, você está começando a me convencer que não era umapergunta tão simples afinal... -As perguntas nunca são simples como achamos que são, apenas as respostas o são,mas quando não sabemos as respostas, tendemos a complicar as perguntas também.Como saber o que somos, se não sabemos do que somos feitos exatamente, muito menosde onde viemos, ainda menos quanto tempo temos. Só se pode definir alguma coisa

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depois de se ter domínio total sobre ela... Antigamente achávamos que os raios que caiamdo céu nos dias chuvosos eram lançados por deuses raivosos, hoje usamos esses mesmosraios para ver tv, ligar lâmpadas, acessar a internet, e tantas outras coisas... Talvez aindavenhamos a utilizar esses raios para outras coisas mais, isso porque nós temos apenasuma pista do que vem a ser um raio, e não podemos prever até onde ele nos levará. Eu sótenho uma pista sobre mim. Eu sei que eu acordo geralmente de manhã, e só as vezes me lembro do queaconteceu comigo enquanto dormia, e mesmo quando me lembro acho tão estranho quenão consigo associar com minha realidade. Mas eu continuo tentando, sabendo que vousentir fome algumas vezes ao dia, sabendo que vou desejar alguma coisa, que vou amar eaté mesmo odiar, que vou sorrir e infelizmente chorar, que vou sobretudo aprender, masnunca será o bastante, e quando a lua vier e me obrigar a me distanciar da minharealidade de novo, ainda não farei a mínima idéia do que irá acontecer. Acredito, eestudo, muitas coisas, muitas formas de se pensar esse mundo, essa realidade que nos éapresentada, mas são muitos os caminhos, e nunca sabemos quantos são e para ondeexatamente nos levam... Portanto eu não posso mesmo lhe dizer quem sou, pois eu não sei para onde estouindo, apenas sei que tenho de caminhar, pois essa questão é exatamente o que me impelea seguir sempre em frente, e a tentar o melhor caminho. Eu não sei quem sou, mas dariatudo, aliás, estou dando o máximo de mim para saber. Porque se um dia eu finalmentedescobrir, talvez não tenha mais de caminhar, e talvez possa ainda ajudar os outros emseus caminhos... Mas até lá talvez ainda falte muito, e o que me preocupa nesse momentonão é chegar, mas saber caminhar da melhor maneira. Então quem serei eu? Rei oumendigo? Santo ou devasso? Amado ou odiado? Como eu posso saber? Que diferençaisso faz? -Sim, concordo com o que diz... Mas você me deixa um tanto confuso quandoafirma que se descobrir quem é, saberá quem eu sou, e quem são todos nós... -Talvez não saiba, talvez saber não venha a ser a questão... Talvez ser seja o verboindicado. Porque saber que estou vivo aqui nesse planeta, que sou um cidadão e devo mededicar a auxiliar o progresso de meu país não me diz muita coisa. Na verdade todospensam da mesma forma, todos estão aqui para isso, e tentam viver suas vidas da melhorforma... Mas então, porque todos não somos iguais? Porque uns roubam e outros doam?Porque uns são chefes e outros subordinados? Porque uns querem ser artistas e outrosmédicos? Acho que apesar de tudo isso todos continuamos a ser profundamente iguais.Acho que nossa profissão ou sexo, ou cor da pele, ou o que for, não nos diferenciará nemum pouco. Talvez diferencie uma virgula, mas todos somos livros extremamente iguais,extremamente bem escritos, o problema todo vem da nossa incompetência para leitura denós mesmos. Nós vemos que alguns livros tem uma vírgula fora do lugar, ou uma frase com opredicado antes do sujeito, e nos convencemos de que somos histórias diferentes. Masnossas histórias sempre se repetem, com os mesmos inícios e finais, os mesmos temas eelementos, as vezes até os mesmos personagens... No entanto poucos se dão conta disso,então cada um passa a viver isolado em sua própria história, em seu próprio mundo. Nóstemos apenas um planeta, e mais ainda, temos apenas uma raça pensante nesse planeta.Somos só nós aqui, os seres humanos, e somos todos personagens do mesmíssimo livro, amesma história sempre...

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Talvez uns sejam mais cômicos, outros mais poéticos, outros mais voltados para oterror, mas a história é a mesma, e quem a está escrevendo somos nós. Não podemosdeixa-la chata e repetitiva, temos de descobrir novos caminhos, novas formas denarrativa, talvez até novos personagens para ela. E será mesmo muito difícil conhecer elatoda, porque quando chegamos ela já estava no meio, então só nos resta escreve-la omelhor que pudermos. Mas uma coisa é extremamente importante compreender: Nossahistória tem muitos, muitos personagens, e estão errados aqueles que acreditam ser osúnicos personagens de sua história... Uma história de um personagem só pode ser muitomonótona, quando não algo pior, mas a nossa história, a história do ser humano, é umconto maravilhoso, um livro que não me canso de folhear, e é exatamente por isso queestou aqui vivo, apesar de não fazer idéia do porque.

Você ama?

-Claro que amo. Agradeço todos os dias por isso. -(sorri) Eu adoraria pular para a próxima pergunta e poupar tempo, mas aindapreciso saber... O que você ama? -Ora, se eu amo, amo o tudo. Amo tudo o que existe... -Era o que eu temia... -Tudo bem, eu também não estou habituado a encarar o amor dessa forma. Talvezpor ser assustador, infinito. Mas se eu sinto que amo, e isso só mesmo eu posso dizer,posso apenas amar ao tudo, já que essa é a finalidade do amor. -Então você não odeia ninguém, ou nada? Nem os políticos corruptos outorturadores de guerra? -Uma coisa não leva a outra... Mas eu posso dizer que não tenho nada contra eles, eaté me dedico a gostar deles. Mas gostar de sua essência, que é a mesma presente emcada um de nós. Não posso amar o que eles fazem, naturalmente, pois seriaextremamente contraditório. Amar ao todo significa amar a essência que é o universo, cada um de nós. É amar aenergia que molda e move a existência a cada segundo de nossas vidas. No que cada umde nós usa tal energia vai de acordo com nossa liberdade, mas não importa o quefaçamos, seremos sempre seres maravilhosos e dignos de amor... Uns estão sujos de tantaignorância e brutalidade, mas outros são leves e cintilantes, da mais pura beleza. -Tudo bem, o seu amor é uma espécie de amor religioso... Mas você não acha queprecisamos de mais do que isso para compreender e aceitar as pessoas? -(ri) É fácil para você enquadras as coisas e classifica-las, afinal esse é o seutrabalho, não o culpo. Acontece que meu amor não é apenas religioso, pois eu não gostosó de um velhinho que mora no alto do céu e dita a existência... Esse arquétipo nãoexiste, o que existe é a ignorância das pessoas para com essa energia que criou o tudo, econstantemente se mostra presente em nossas vidas, a cada segundo, como já disse. O que eu amo é aquilo que criou e moldou nosso mundo, que rege as leis danatureza, que mantém nossos átomos unidos e não nos deixa simplesmente dispersar

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numa nuvem caótica de anti-matéria... É o algo mais que estava aqui antes mesmo doaqui existir. É a inteligência máxima, que não quis que fossemos robôs e nos deu o direitode escolher nosso próprio rumo. Que nos deu o direito de observar o mundo, amar,aprender e evoluir por nossos próprios passos... E além disso tudo, é também a folha quecai anunciando o outono, a criança que brinca e nos faz recordar e sorrir, o criminoso quese regenera e nos faz ter esperança de dias melhores, ou mesmo o sábio, que no fim davida ainda encontra forças e determinação para ensinar, e aliviar nosso medo do penosofim. Isso tudo, mais ou menos, é o que eu amo. -Bonito, bonito... Mas você disse a pouco que odiar não era uma conseqüência denão amar... -Sim, claro... Odiar não é exatamente o oposto de amar, acho eu. Quero dizer, vocêpode odiar as ações de certo alguém, mas não o alguém em si, já que todos somos livrespara errar e aprender, corrigindo a nós mesmos. Não poderemos cometer todos os errospossíveis, muito menos alcançar todos os acertos, porisso mesmo é tão vital que amemosnão só as pessoas, mas nossa própria história, para que aprendamos com nossos acertos eerros, visando não repetir os últimos, e evoluir com os primeiros... -Hmmm... O que seria o oposto de amar então? (confuso) -Veja bem, amando ao tudo, estaremos transportando energia, conhecimento, emuitas outras coisas que não podemos explicar ao certo ainda, para nossa memória, ounosso ser. Quando você olha para uma árvore sob a luz da manhã, poderá se encantarcom aquele cilindro de madeira que sustenta pequenas gotas de verde que se agitam paralá e para cá quando as brisas passam... Retornando a mesma árvore a noite, vocêperceberá que o brilho verde deu lugar a uma penumbra semi-prateada, refletindo a lua, eque o tronco está tão escuro que mais parece um arauto negro de aspecto retorcido...Você pode preferir a árvore da manhã, ou a da noite, mas de qualquer jeito a árvorecontinuará sendo somente uma árvore. Você só poderá saber qual das duas prefere seobservar com carinho e atenção, se gostar do que vê, se lhe interessar o que aprendeu danatureza visível da árvore. E quando você tiver observado o suficiente para entender issotudo e amar o que viu, ainda lhe restará uma infinidade de outras coisas para aprender,pois que viu somente uma das faces da árvore... Imagine quanta coisa não poderá descobrir mais de uma árvore? Quantos segredosnão lhe reservam essa empreitada? Isso é uma árvore, amar todas as árvores, econsequentemente transporta-las para o seu próprio ser, para que quando você estivernuma cidade de puro concreto, ou sob o sol punitivo de um deserto, você possa recordardo ar puro e da sombra fresca, características das árvores... Se fizer direito, poderá sesentir realmente feliz na cidade ou no deserto, tal que sabe que existem coisas tão belas,coisas que ama, dentro de si próprio. Melhor ainda seria amar a areia e a imensidão do deserto, ou os arabescos e muroscinzentos da cidade, já que daí se encontraria maravilhado em qualquer lugar. Agora,odiar a areia ou os muros não lhe fará deixar de lembrar das árvores... Portanto você podeainda não entender que o tudo e produto da mesma energia e inteligência, e pode mesmoacreditar que ama uma parte e odeia outras, quando na verdade se ilude totalmente. O oposto do tudo é o nada absoluto, o grande e abominável nada. O oposto do amortalvez seja melhor encontrado na indiferença ou mesmo na ignorância do mundo a volta,posto que quando não nos interessamos por nada, não nos sensibilizamos com as árvoresnem gostamos de cidades ou desertos, seremos poços de imenso vazio, angustiados e

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profundamente solitários, sem nada nem ninguém dentro de nós mesmos a nos confortar,a nos auxiliar em nossa evolução e aprendizado, que necessariamente irá nos colocar aprova no decurso de nossas vidas. Não amar é estar morto em vida, mas talvez mesmo nopoço mas negro, mais profundo, ainda exista um pouco dessa energia que faz o mundogirar, e a civilização crescer.

Você se considera alguém esperançoso?

-Como assim? No sentido de ter esperança em que? -Na vida, no mundo, nas coisas em geral... -Ah sim... Pois bem, neste sentido posso dizer que não tenho esperança alguma,pelo menos não como as outras pessoas tem...

-Ora, mais uma resposta enigmática, como era de se esperar...-Você gostaria que eu explicasse melhor? (sorrindo)

-Claro! E não se preocupe porque temos bastante tempo ainda.-(sorri mais uma vez) Eu estava querendo dizer que as pessoas me parecem terem

muita esperança, muito mais do que eu tenho por assim dizer... Elas tem por exemplo aesperança de serem amadas, bem sucedidas e felizes, mas para isso contam mesmoapenas com sua esperança. Elas querem ser amadas sem se preocuparem em amar a elasmesmas, ou a sua vida e seus amigos, ou a quem quer que seja. Querem receber carinho,mas desde cedo aprendem que demonstrar carinho é uma coisa vulgar, que demonstra suafraqueza, e as impede de serem bem vistas pelos homens que criaram tais regras. Elas naverdade não estão nem aí para tais regras, elas querem é ser amadas, mas como elas temtanta esperança, seguem as regras porque acham que vão ser amadas de qualquer jeito. Porque seguindo as regras elas tem a esperança de serem bem sucedidas, de teremum grande imóvel, os melhores carros, os companheiros mais bonitos ou famosos, e depoderem viajar para onde quiserem uma vez ao ano pelo menos... Elas acreditam queconseguirão isso apenas seguindo as regras, e que além de conseguir tudo isso, aindaserão amadas, muito amadas, e portanto felizes. Elas tem tanta esperança que acham quetudo isso irá verdadeiramente cair do céu em cima delas. Não se preocupam em fazer o que gostam, nem em desenvolver um gosto pessoal,elas apenas seguem as regras, e fazem o que quer que vá transforma-las em pessoas bemsucedidas, gostam do que tem que gostar para serem tais pessoas, e incrivelmente, tem aesperança de serem muito felizes, e ainda muito amadas, vivendo dessa maneira. -Sim sim, você está querendo dizer que os meios de comunicação, aliados a lei doconsumo capitalista e ao que é considerado politicamente correto, escraviza as pessoasem vidas sem rumo pessoal ou sentido próprio? -Meu Deus, eu não quero dizer nada disso! Veja bem, eu não estou querendo serirônico, e as pessoas não estão escravizadas! Ora, é muito fácil pensar assim, que algumaelite multi-milionária simplesmente controla toda a forma ocidental de pensar. Não énada disso... As pessoas vivem assim porque querem realmente, porque estãoacomodadas e com medo de tentar algo novo, como sempre... Na realidade, esse algo

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novo é muito antigo, a verdade da vida sempre esteve disfarçada dentre o mundo, e sãomuito poucos os que conseguem desmascara-la. -A verdade está atrás de uma máscara? -Claro, não só a verdade do mundo, mas a nossa própria verdade. Quantos de nósnão usam máscaras para se adequarem ao mundo que nos é apresentado, escondendonosso amor, nossa criatividade, nossa vontade de dançar, para sermos consideradoshomens normais? A verdade está mascarada porque as pessoas não se preocupam em retirar suamáscara, não porque tenham medo da verdade... Alguns até tem medo, mas acredito quea grande maioria esteja mesmo é acomodada. Sabe porque? Porque a grande maioria temmuita esperança! Esperança de que essa máscara caia sozinha, sem que eles tenham quese arriscar a desvendar a si mesmos, e ao mundo... Quando andamos pelas ruas movimentadas das cidades grandes, queremosconversar com as pessoas, mesmo que não sejam tão bonitas, sempre encontramosalguém que nos chame a atenção, num bar, na praia ou no ônibus... Pensamos diversascoisas, como seria aquela pessoa? Será que não poderíamos ser bons amigos? Ao menosviajar juntos ou conversar por algumas horas... Porque as cidades são mesmo um caos, mas somente porque nos sentimos sozinhosmesmo em meio a uma multidão. Nas escolas não aprendemos a nos comunicar, não nosfoi ensinada uma boa maneira de conversar, trocar idéias e comentários. O que importa édefender nossa opinião, 99% do tempo fazemos isso... Se gostamos de um filme é bomque as pessoas também gostem, para termos certeza de que o filme é realmente bom. Seas pessoas não gostam, talvez o filme não seja tudo aquilo que imaginamos afinal... E portanto ficou entendido que não devemos nos comunicar com qualquer um,principalmente pelas ruas e caminhos da vida. Vai que a pessoa não concorde com nossaopinião? -Você está dizendo que as pessoas não se comunicam porque tem medo de quediscordem de sua opinião? -Não exatamente, elas não tem medo de que discordem de sua opinião, elas temmedo do novo! Tem medo de que sua definição da vida seja falsa, e que alguém na rualhes convença disso. Elas não tem medo dos que discordam de sua opinião, pois aí vãocontinuar se divertindo, defendendo sua própria opinião, muitas vezes sem nem ouvir oudar crédito a opinião alheia... Elas dão valor as opiniões mais populares, mas bem aceitasna sociedade, nas regras do que é correto, e se mascaram atrás delas. Se as pessoasdivergem de sua opinião, ela pode então discutir, brigar, guerrear com elas, até que suaopinião impere sobre as outras. Mas elas não tem problema nenhum com isso, pois em verdade estão duelandoprotegidas por suas máscaras maravilhosas, que as mantém longe do desconhecido, doque é novo. Na realidade as pessoas tem mais problemas em se comunicar com aqueleque aceita qualquer opinião, elas não entendem esse alguém, pois ele está olhando, efalando, com a pessoa verdadeira, aquela por detrás da máscara... E isso tudo é muitonovo para elas, muito provocativo e original, e elas não querem entender isso, pois achamque já entendem de tudo. -Então as pessoas tem mesmo é a esperança de que essas tais máscarasmaravilhosas as protejam para sempre do novo, e portanto não tem nunca que encarardesmascaradas ao desconhecido?

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-Me parece que é isso... Elas não querem encarar a verdade. Talvez não seja nemculpa delas, mas de tantas outras que viveram antes de nós, e criaram tais regras brutais.Mas enfim, as pessoas parecem ter mesmo muita esperança, pois acham que vãoconseguir enxergar ao mundo inteiro com sua visão tão curta, e ainda por cima encobertapor uma máscara! -Interessante, interessante... (pensa por algum tempo) Mas agora eu tenho umaúltima pergunta: Se a esperança não serve de nada a essas pessoas, o que será do futuro? -Não! Desculpe se não soube me explicar... (preocupado) Na verdade estava maispreocupado em não parecer irônico... Ai ai, eu não quis dizer jamais que a esperança nãoserve de nada, apenas que somos nós mesmos que construímos a esperança. Eu explico: A humanidade se tornou uma especialista em padronizar as coisas. Eladiz que esperança é ter fé em algo melhor, numa vida melhor. Daí ela inventa a palavra“esperança” e publica em seus dicionários monstruosos que esperança é isso que foi ditoacima. Mas esquece-se de que tem de ensinar as crianças sobre tais verdades, pois senãocorre o risco de que elas interpretem tais definições de dicionário ao pé da letra, e entãopadronizem a coisa toda... Por acaso as pessoas sabem o que é ter fé? Então como vão saber o que é teresperança? Ora, a gente não nasce com fé, ou pelo menos se nascemos com ela, nãovamos conseguir mais fé num shopping center ou comprando com cartão de crédito. Nósconstruímos essa fé, e consequentemente nossa esperança, ao nos dedicarmos a achar averdade pelo mundo... Porque a verdade foi massacrada por tanta ignorância através dostempos, e sua única saída foi se esconder também, pois essa foi a única maneira de nãoser totalmente arruinada pelos preconceitos e inquisições patrocinadas pelos homensmascarados, distantes de si mesmos... Mas a verdade não foi embora, e portanto ainda existem caminhos a seremseguidos, e portanto ainda existe esperança. Mas veja bem: Só se conquista e esperançaao desbravar o desconhecido, ao ter a coragem de seguir tais caminhos por onde tãopoucos passaram, mais por onde todos um dia inevitavelmente terão de passar. A cadapasso sua esperança irá aumentar, a cada recuo, ela irá se abalar, mas em realidade vocênunca terá esperança! A esperança não é uma moeda que se perde ou ganha, ela é umaforça poderosa destinada a nos levar daqui para mundos muito melhores. Você não ganhaesperança, mas pode correr para ela, sem medo, sem máscaras, e abraça-la de coração! Irá abraçar a si mesmo, e depois a todos aqueles que passam angustiados pelasruas, e mostrar para eles que o homem pode sim jogar a máscara fora, e então se prepararpara aceitar toda a verdade, todo o amor, toda a felicidade decorrentes de tal ato.

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Copyrighted©. Rafael Arrais 1997 (2002). Rio de Janeiro, Brasil.Registrado na Biblioteca Nacional.