gorelik buenos aires de martinez estrada

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A Buenos Aires de Ezequiel Martínez Estrada Adrián Gorelik Tradução de Ana Cristina Arantes Nasser 1 Todas as grandes cidades produzem esse gênero de literatura ensaística, que denominamos de “indagação sobre a metrópole”, pois, desde sua forma- ção, a grande cidade moderna tem aparecido como um importante enigma da vida social – um artefato sofisticado e complexo que revoluciona inces- santemente as formas de relação tanto na esfera pública como privada, mas que, ao mesmo tempo, é naturalizado quase imediatamente pela sociedade urbana, graças a essa capacidade da cidade de plasmar as formas sociais em matrizes espaciais da cotidianidade: ruas e praças, edifícios e monumentos, então convertidos em indícios materiais de uma dimensão simbólica da vida moderna, que a cidade, simultaneamente, produz e encarna. Talvez essa seja uma das razões pelas quais ela sempre figurou no imaginário social como um território denso e supersignificado, povoado de chaves que se apresentam ao deciframento como uma trama policial; um território que, de um lado, constitui um dos fatores primordiais do desencantamento do mundo – o próprio mundo do desencantamento realizado –, mas cuja for- ça simbólica e textura cifrada de seu espaço social parecem produzir, de outro lado, um reencantamento que incita à interpretação. Por algum tempo relegado pela área do pensamento urbano, esse gênero de indagação tem sido revalorizado nas últimas décadas, com a importância

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ARTÍCULO SOBRE EL IMAGINARIO ENSAYISTICO DE LA CIUDAD DE BUENOS AIRES

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A Buenos Aires de Ezequiel Martnez EstradaAdrin GorelikTraduo de Ana Cristina Arantes Nasser1Todas as grandes cidades produzem esse gnero de literatura ensastica, quedenominamosdeindagaosobreametrpole,pois,desdesuaforma-o, a grande cidade moderna tem aparecido como um importante enigmada vida social um artefato sofisticado e complexo que revoluciona inces-santemente as formas de relao tanto na esfera pblica como privada, masque, ao mesmo tempo, naturalizado quase imediatamente pela sociedadeurbana, graas a essa capacidade da cidade de plasmar as formas sociais emmatrizes espaciais da cotidianidade: ruas e praas, edifcios e monumentos,entoconvertidosemindciosmateriaisdeumadimensosimblicadavidamoderna,queacidade,simultaneamente,produzeencarna.Talvezessa seja uma das razes pelas quais ela sempre figurou no imaginrio socialcomoumterritriodensoesupersignificado,povoadodechavesqueseapresentam ao deciframento como uma trama policial; um territrio que,de um lado, constitui um dos fatores primordiais do desencantamento domundo o prprio mundo do desencantamento realizado , mas cuja for-asimblicaetexturacifradadeseuespaosocialparecemproduzir,deoutro lado, um reencantamento que incita interpretao.Por algum tempo relegado pela rea do pensamento urbano, esse gnerode indagao tem sido revalorizado nas ltimas dcadas, com a importnciaVol21n202.pmd 21/12/2009, 19:06 35Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 21, n. 2 36A Buenos Aires de Ezequiel Martnez Estrada, pp. 35-59conquistada pela dimenso cultural no debate sobre a modernidade, identi-ficandonasreflexessobreametrpoleumadesuasprincipaisfontescomo o atesta o renovado interesse por uma figura como Georg Simmel:provavelmente, o primeiro autor que explorou conscientemente as afinida-des entre um modo de pensamento figural, como o propiciado pelo ensaio, euma realidade material, como a da cidade pletrica de configuraes simb-licas por meio das quais possvel interrogar os fatos sociais, convertendo-seem pea fundamental entre o ensaio cultural e a teoria social1.Sob esse ponto de vista, seria possvel notar a alternncia de dois ciclos,nas perspectivas de questionamento da cidade ao longo do sculo XX: se,nos trs primeiros quartos do sculo, o pensamento urbano parece avan-ar do ensaio cultural teoria sociourbana (a partir da extraordinria lei-tura feita de Simmel pela Escola de Chicago, por meio de combinaes ereposiestericasradicais,desenvolvidasemlinhasbemdiversificadasecologiaurbana,antropologiaespacial,economiadalocalizaoetc.,embora coincidentes na busca por uma sistematizao cientfica crescente);em contrapartida, no ltimo quarto do sculo, todo esse progresso parecetersedesfeitoemumretornosfontesculturalistas(umretornoque,novamente, colocou no centro Simmel e toda uma constelao de pensa-dores que dele procedia, especialmente Walter Benjamin).Ao menos, foi desse modo que o debate ps-moderno o apresentou, nadcada de 1980. Na realidade, se examinarmos mais atentamente outras di-menses do pensamento sobre a cidade, poderemos notar que desde a dcadade 1950 vinha ocorrendo uma irrupo de perspectivas culturalistas enfoques semiolgicos, histricos, polticos , que se traduziram em grandescorrentes de reflexo urbana: produto da crise das convices modernizado-ras no espao (a cidade) em que elas impuseram mais devastadoramente seusprincpios durante as reconstrues do ps-Guerra, o que comeou ento ase romper foi um tipo de relato modernista que relacionava, mecanicamente,a cidade e o progresso, abrindo-se, assim, a caixa de Pandora das abordagenspossveis sobre a temtica urbana, que coexistiram, durante um par de dca-das, com os enfoques cientificistas, mas se destacaram no momento em queestes entraram em sua crise terminal.No caso do ensasmo sobre a cidade, essa relevncia baseou-se em umduplo reconhecimento: o das dificuldades intrnsecas de uma teoria da cida-de, j que a pluralidade transbordante do urbano converte a cidade em umobjeto escorregadio e impermevel sistematizao terica; e o reconheci-mento da riqueza do ensaio cultural, no s por sua capacidade de captar1. Tomoaexpressopen-samentofiguraldeFrancoRella(1984,pp.27e31),que seguiu o fio deste pen-samentonacrtica,naarteenaliteraturacentro-euro-peiadasprimeirasdcadasdo sculo. Analisei essa cor-rente de pensamento em re-laocidadeemGorelik(1999a).Vol21n202.pmd 21/12/2009, 19:06 3637 novembro 2009Adrin Gorelikprocessos de produo simblica da cidade que so, inclusive, fundamen-tais para a compreenso da dinmica sociourbana , como tambm por suacriatividadeconfiguradora,suainventividadeparaapresentarfigurassim-blicas que atuam no imaginrio social traduzindo a cidade, convertendo arealidademetropolitanaemconhecimentosocial.Precisamenteoaspectomais combatido da produo ensastica, sua capacidade metafrica essaeconomia ficcional que produz um constante deslocamento de sentido, doliteral ao figurado , acaba sendo reconsiderado em relao ao conhecimen-to da cidade, no s por sua acuidade perceptiva, mas tambm por sua efic-cia performtica.Certamente, essa heterodoxia das ltimas dcadas, em relao avalia-o da produtividade das diferentes vias de interpretao do social, no exclusiva do ensasmo urbano: todas as cincias sociais empenharam-se emrevisaraliteraturaproduzidamargemdaprincipalteoriasociolgicae,alm disso, validaram um novo procedimento de leitura dos clssicos, esta-belecendoumaconciliaocomadimensolricadesuaescrita,oque,indubitavelmente,jconstituiumnovocaptulonahistriadaterceiracultura, conforme denominao dada por Wolf Lepenies ao pensamentosociolgico, sempre vacilante quanto atrao/oposio entre cincia e li-teratura2. No entanto, as limitaes epistemolgicas das tentativas de abor-dagem cientfica da cidade produziram uma certa irrupo culturalista, deconsequnciasprovavelmentemaisradicais:tudooqueacinciaurbanapareceterperdidoaoreconhecerairredutibilidadedacidadeteoria,oensaio cultural parece ter ganho em graus de liberdade para abord-la.2Ezequiel Martnez Estrada o primeiro nome que surge quando se pen-sanatradiodoensasmoargentino;assimcomoumdosprimeirosquando se pensa no ensasmo latino-americano3. Exatamente por isso, suafigura tem sido muito estudada, e tambm foi objeto de mltiplas inter-pretaes o seu estilo de ensaio ontolgico intuicionista esse compositumhistrico-filosfico, segundo Altamirano e Sarlo, que rene vrios dos lu-gares-comuns do pessimismo filosfico com uma tica abstrata e um in-conformismomoralista(1983,p.120).Entretanto,umdeseusensaiosmais famosos e, certamente, o mais conhecido entre os que foram escritossobre Buenos Aires,LacabezadeGoliat.MicroscopadeBuenosAires,de1940, no recebeu muita ateno, sobretudo comparativamente a outros2. Ver Lepenies (1994); so-bre as leituras dos clssicos,ver Nisbet (1979).3. Sobre Martnez Estrada,ver o artigo de Carlos Altami-rano, neste mesmo Dossi.Vol21n202.pmd 21/12/2009, 19:06 37Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 21, n. 2 38A Buenos Aires de Ezequiel Martnez Estrada, pp. 35-59dois ensaios que completam sua trilogia clssica: Radiografa de la pampa,de 1933, o de maior impacto e ao qual se dedicou a maior quantidade deestudos, e Muerte y transfiguracin del Martn Fierro, de 1948, que o proje-tou entre a gerao parricida da dcada de 1950, no mais como inspira-o para o denuncismo, mas sim como um inovador da crtica literria4.Aqui, propomo-nos a analisar La cabeza de Goliat como um reservatriode correntes muito diversas na literatura sobre Buenos Aires como umprecipitado de figuras da metrpole , tentando entender, por meio dessaobra,comoseformamedeondeprovmasrepresentaesdacidadee,finalmente, como se deram entre ns as batalhas da terceira cultura natemtica do urbano.La cabeza de Goliat , certamente, um livro muito difcil de apreenderem esquemas interpretativos consistentes, devido sua estrutura episdica(uma coleo de instantneos, como o denominou David Vias, em umadas raras caracterizaes realizadas), que o torna muito mais frgil do queRadiografa de la pampa, ainda que se mantenham os traos principais daescrita martinezestradiana: esse fluxo de paradoxos e inverses lgicas, me-tforasluminosaseanlisessagazes,geralmenteperdidosnoturbilhodeuma argumentao exclusivamente sustentada por sua capacidade lrica (cf.Vias, 1993, p. 413). Entretanto, esse carter fragmentrio tambm tornaLa cabeza de Goliat e esta uma das principais hipteses que organizamnossa leitura uma obra muito mais porosa, ideologicamente, do que Ra-diografa de la pampa. O livro apresenta-se como um close-up sobre BuenosAires,emdiretacontinuidadecomashipteseseosmodosdeleiturajestabelecidos em Radiografa..., como se sublinha nos seus prprios ttulos,conectados pelo jogo de metforas da observao cientfica. Ou seja, estonovamente presentes tanto o fatalismo racialista dos positivistas argentinosda virada do sculo, como o simbolismo dos alemes intensos confor-meadefinioformulada,nosemdeboche,porJorgeLuisBorges,aoresenhar o primeiro dos ensaios (cf. Borges, 1933, p. 5). Borges menciona-va a presena, em Radiografa de la pampa, do estilo interpretativo de OswaldSpengler, Hermann Keyserling e Waldo Frank, englobando uma constela-o de autores reconhecida por todos os comentaristas, e cuja importnciana cultura argentina, nas dcadas de 1920 e 1930, excedia amplamente aspreferncias estilsticas de Martnez Estrada: Spengler usufrua de seu mo-mento de maior celebridade internacional, devido s recentes tradues daRevistadeOccidente,dirigidaporJosOrtegayGasset,quejuntamentecomKeyserlingeFrankcompunhaotriodeviajantesque,nofinalda4. O crtico uruguaio EmirRodrguez Monegal chamoude gerao parricida o gru-po reunido em torno de H. A.Murena, e depois, na revistaContorno, na dcada de 1950;Martnez Estrada foi um dospais com os quais se produ-ziu a relao mais ambgua econflitante (a revista reivindi-cava para si uma atitude de-nuncista, tambm encontra-da no autor de La cabeza deGoliat); ver Monegal (1956).Vol21n202.pmd 21/12/2009, 19:06 3839 novembro 2009Adrin Gorelikdcadade1920,realizouumasriedeinterpretaesdaArgentina,emtorno da qual gravitaria boa parte do ensasmo local na dcada posterior5.OprprioMartnezEstradaapresentariaumelencoaindamaisale-mo: At o mais mope [...] teria conseguido perceber que a configuraode Radiografa de la pampa deve a Spengler, por sua leitura simblica dosfatos, a Freud, por sua anlise das perturbaes da psiqu social, e tambm aSimmel, por seu mtodo configuracionista [...] mestre de mtodo e de pro-sa(Estrada,1969,p.134).Almdisso,emLacabezadeGoliat,pode-seencontrar,sobopontodevistaqueaquiimporta,opensamentofiguraletambm a matriz espacial nas explicaes sobre a sociedade e a cultura, ele-mentos decisivos na indagao sobre a metrpole, que se traduziam comouma metaforizao da cidade e do territrio6.H expressiva continuidade entre os dois primeiros ensaios de MartnezEstrada. De fato, no primeiro deles, Buenos Aires j era uma protagonistaquase excludente, dentro de uma tradio interpretativa de denncia da des-proporcionalidade entre a cidade-porto e o pas, e tambm no mbito deuma representao dessas relaes capitais na histria nacional, segundo aqual toda a Argentina encontrava sua desembocadura natural no Prata, e,portanto, no pampa e em Buenos Aires, igualados em sua qualidade de con-densao das chaves nacionais. La cabeza de Goliat oferece novamente umafbrica de metforas para essa relao entre a cidade e o pampa, embora oprprio ttulo aponte a importncia, naquele momento primordial, da tra-dio de denncia sobre as relaes entre Buenos Aires e o pas: oriunda dacrise do projeto modernizador do final do sculo XIX, tal denncia ficardefinitivamente cristalizada na imagem da cabea de Goliat, ratificando,mais uma vez, o talento figurativo de Martnez Estrada.J nas primeiras pginas do livro, retomam-se os dois argumentos cen-trais da acusao contra Buenos Aires. De um lado, suas tendncias isola-cionistas um antigo argumento, ao qual Jos Mara Ramos Meja dedi-cou,em1907,umcaptuloimportanteemRosasysutiempo,buscandoexplicar,pormeiodotemperamentomercantil,individualista,conserva-dor e extremamente baseado no localismo da cidade (o termo com o qual oqualifica patriotismo urbano, muito explorado em La cabeza de Goliat),o apoio que, em sua poca, Rosas encontrou na elite de Buenos Aires. E, deoutro lado, o argumento sobre o carter artificial da cidade, apontandoque a origem e o desenvolvimento de Buenos Aires baseavam-se em razesemecanismospoltico-institucionais(acentralizao,comtodasassuasimplicaes ulteriores: o monoplio do porto, o traado da ferrovia, a atra-5. MaraTeresaGramuglioanalisouacontinuidadedadiscusso com os trs viajan-tes num ensaio da dcada de1930. Ver Gramuglio (2001).6. Sobre ainterpretao doimaginrioespacialdeSpengler, em Radiografa de lapampa, ver Gorelik (2004a).Sobre a referncia a Freud porMartnez Estrada, Hugo Ve-zzetti (2007, p. 2) apontouuma dimenso simblica se-melhante: uma apropriaodo freudismo como herme-nutica do latente.Vol21n202.pmd 21/12/2009, 19:06 39Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 21, n. 2 40A Buenos Aires de Ezequiel Martnez Estrada, pp. 35-59o da populao imigrante etc.), e no em genunas potencialidades geoe-conmicas, seguindo uma posio proveniente da antropogeografia, apre-sentada na Argentina por Juan lvarez, em seu livro Buenos Aires, de 1918.Apartirdessesargumentos,MartnezEstradaconstriboapartedeseuconjunto de teses, expostas como juzos apodticos e paradoxais: BuenosAires uma grande mquina, que [...] absorve brutal e cegamente a riquezadointerior,devorapressupostosfantsticos,ecome,comotodogigante,pelabocadesuacabeacortada.Alimenta-sedamisriaedoatraso,daignornciaedasolido.BuenosAiresummuronohorizonteurbano,impedindo que se olhe o interior (Estrada, 1983, p. 84)7.3 Mas, se esses so os pontos de partida comuns entre a Buenos Aires deRadiografa de la pampa e a de La cabeza de Goliat, fica evidente que unica-mente com base na tradio de indagao e denncia Martnez Estrada nopoderia ter escrito um livro sobre a cidade: o close-up (o microscpio) prome-te um ponto de vista diferente no s mais prximo, como interno me-trpole. Para obt-lo, La cabeza de Goliat utiliza um recurso retrico: con-verte o paradoxo relacional fundamental Erguemos uma grande cidade,porque no soubemos erguer uma grande nao [p. 153] em um instru-mento analtico, sob o argumento de que sobre cada um dos temas de Bue-nos Aires seja preciso confrontar duas perspectivas de juzos contrastantes: aurbana e a nacional. Para o livro, essa dupla perspectiva importante, numsentido estratgico, para desfazer os mal-entendidos gerados pela observa-o focada na cidade (pois, vendo-se Buenos Aires sem o pas, acredita-seque ela um portento de poder e vitalidade, e se esquece de que sua riquezaprovm do interior e que ela agiu com essas contribuies sagradas paraengrandecer-se como urbe, e no como Capital da Nao [p. 21]); mas, almdisso, ela , sobretudo, taticamente importante para conferir certa autono-mia a uma anlise interna de Buenos Aires como a grande metrpole, quetambm o . Assim, Martnez Estrada encontra em seu prprio sistema figu-rativo um recurso analtico que lhe serve para se dedicar sem perder devista os juzos gerais sobre o pas, aos quais sempre retorna ao exame dasquestes especificamente urbanas, organizando todo o livro sobre esse du-plo andarivel.Por exemplo, o fato de que a ferrovia continue sendo uma de suas met-foras favoritas para denunciar um progresso nacional que s beneficiou a7. Todas as citaes do livroderivam desta edio, e seroaqui assinaladas entre colche-tes, com o nmero da pginacorrespondente ao final.Vol21n202.pmd 21/12/2009, 19:06 4041 novembro 2009Adrin Gorelikcidade-porto(emseupapeldeintermediriadosinteressesingleses,quedesenharamosistemaferroviriocomoumateiadearanhaquetecesuasredes sobre o pas) no o impede de tambm analis-la como meio de trans-porte de Buenos Aires, onde assume um papel metafrico oposto, j que,em contraste com a velocidade muito superior dos mais modernos nibusurbanos e dos metrs (o meio de transporte que melhor simboliza a vidamecanizada da urbe), o trem constitui uma tecnologia decadente, cuja len-tido passa a representar aquela do pas [pp. 37ss.]. O certo que essa duplavisolhepermitetomaroutrorumoemrelaoatemastosensveisnocontexto de seus juzos mais gerais sobre os papis da cidade na nao, bemcomo desenvolver, sem cair em contradies aparentes, outro tipo de argu-mentaocomonopresentecasosobreostransporteseasdiferentesvelocidades da metrpole.Demodomaisgeral,essaduplavisolhepermiteaindaabordarumaquesto fundamental em La cabeza de Goliat, bem como em qualquer in-dagao sobre a metrpole: a prpria modernidade. Isso porque, na pers-pectiva nacional de Buenos Aires, Martnez Estrada no se preocupa com amodernidade em si, mas com os efeitos paradoxais de sua imposio artifi-cial sobre um territrio refratrio a ela, que tergiversa as supostas virtudesdo progresso em novas mscaras sob as quais pode dissimular hbitos an-cestrais. Assim, em Radiografa de la pampa que a modernidade constitui,nachavespengleriana,altimadaspseudoestruturasqueforamaplicadassobreopas,obstruindooseudesenvolvimentoorgnico:umdispositivoortopdico que deforma o territrio unicamente em benefcio de sua explo-rao. Nesse sentido, Buenos Aires constitui o principal instrumento dessaimposio ortopdica, uma fbrica de representaes falsas sobre o progres-so e a modernidade, que funcionou entre os intelectuais do sculo XIX Sarmiento,principalmentecomoumtranstornoimaginrio(Estrada,1993, p. 254).EssaperspectivasemantmnosprimeiroscaptulosdeLacabezadeGoliat, embora lentamente se produza a mudana radical para a perspectivaurbana propriamente dita, que apresenta uma modernidade muito diferen-te; uma modernidade que, na vereda de Simmel, Martnez Estrada v no sintensificada na cidade, mas tambm como fundamento ltimo dos meno-resobjetosdapaisagemurbanaedoscomportamentosconvencionaisdeseus habitantes: a metrpole como coisificao da modernidade. O captulodetransioentreasduasperspectivasintitula-se,significativamente,Tempo americano de la ciudad, no qual aparece, por exemplo, um moteVol21n202.pmd 21/12/2009, 19:06 41Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 21, n. 2 42A Buenos Aires de Ezequiel Martnez Estrada, pp. 35-59constante em todo o livro: o da neurose das grandes cidades [p. 34], e queMartnez Estrada coloca entre aspas para indicar, como poderamos pensar,maisdoqueumadvidaterica,asuaextensocomolugar-comum,em1940. Trata-se de um captulo de transio, pois se baseia na convico dequeareferidaneurose,apesardediagnosticadaprimeironasmetrpoleseuropeias mais exatamente, em Berlim , especfica da Amrica, o con-tinente do movimento e da velocidade [p. 34]; em nossas cidades, a simplesaparncia acompanhada pela fugacidade, configurando um crculo de pre-cariedade e decadncia. Assim, para estabelecer a ponte entre a aparncia deprogresso da Buenos Aires nacional e a neurose da Buenos Aires metropoli-tana, Martnez Estrada declina um lugar-comum j utilizado por Borges otempo passa mais rpido nas cidades sem histria , e que plasmaria Lvi-Strauss em seu conhecido dictum sobre as cidades americanas que passamdo vio decrepitude, sem nunca terem chegado a ser antigas.A partir desse ponto do livro, vo surgindo todos os temas da moderni-dade urbana, em um conjunto heterogneo, que pode derivar tanto de Sim-mel a vida mecanizada e racional (com o relgio como corao da cida-de [p. 48]), o nomadismo do habitante metropolitano e sua personalidadefragmentada , como de Weber a cidade como manifestao extrema docrceredeferro[p.56],emboracomumardereprovaoantiurbanamuito mais prximo de Spengler. Ou, melhor, assim como no livro se pro-duz uma aclimatao da neurose simmeliana, tornando-a uma caractersti-ca especificamente americana, h tambm uma moralizao das anlises dasociologiaalemdamodernidade,convertendoavidametropolitanaemalgo execrvel, uma inveno diablica [p. 52]. Por isso o tom spenglerianoao denunciar a mercantilizao do lar como sinal de decadncia [p. 62], aoexplicaraexistnciadoprdiodeapartamentospeloutilitarismodoses-trangeiros(aaspiraodohspedequenoamaopas[p.64]),ouaoidentificar o comer fora com o adultrio [p. 60].Trata-se de uma moralizao das anlises sobre a modernidade, que aca-ba por introduzir uma explicao ideolgica completamente diferente entrea perspectiva nacional e a urbana. Isso porque, em Radiografa de la pampa,o amlgama ortopdico entre modernidade e tradio criou uma nova reali-dade na qual civilizao e barbrie eram uma mesma coisa; uma verdadeprofunda que devia ser trazida conscincia, para que se desvanea e possa-mos viver unidos na sade (Idem, p. 256), conforme a conhecida frase quefinalizava o livro. Por sua vez, em La cabeza de Goliat, enquanto se trata daperspectiva nacional, a modernidade segue a mesma linha de anlise; embo-Vol21n202.pmd 21/12/2009, 19:06 4243 novembro 2009Adrin Gorelikra, na perspectiva metropolitana, seja confrontada com uma alternativa re-paradora:longedefazerpartedeumaverdadenica,quesimplementepreciso compreender e aceitar para que tenha incio o processo teraputicoda superao, a modernidade , ento, considerada a partir de uma nostal-gia antimetropolitana, que encontra consolo tanto nas recordaes da cida-depr-moderna,comonavidaextraurbana,naqualinclusiveopampapode aparecer sob uma luz celebradora: o pampa tambm movimento,mas no pessimismo e desalento, e sim exerccio e sade [p. 114] esclare-ce Martnez Estrada em resposta aos crticos de Radiografa...4A essa altura, possvel formular a hiptese de que as referidas mudan-as de registro ideolgico entre Radiografia de la pampa e La cabeza deGoliat no podem ser compreendidas como transformaes no pensamen-to de Martnez Estrada, j que em obras posteriores ele mantm posiesmuito prximas de Radiografia..., a no ser como uma imposio da tem-tica urbana: a dupla perspectiva que torna retoricamente possvel a inda-gao sobre a metrpole (o close-up sobre Buenos Aires) leva Martnez Es-trada a uma chave de explicao dualista da realidade, que no se verificaem seus outros trabalhos e que abre La cabeza de Goliat para outras linhasdo pensamento sobre Buenos Aires.De fato, a ausncia de modelos binrios pode ser apontada como umadas principais caractersticas deRadiografadelapampa,diantedeoutrastradiesdoensaio;porexemplo,adoregeneracionismodoCentenrio,que havia invertido a frmula sarmientiana, situando a barbrie na babel defbrica em que a modernizao convertera Buenos Aires, e tambm identi-ficandonasprovnciasafontedecivilizaoautnticaemqueradicavaacultura nacional; ou ento a derivao mais contempornea dessa tradio,que expressava na ideia das duas Argentinas uma espcie de impugnao cultura urbana, com base na dicotomia maurrasiana entre pas falso/pasverdadeiro,denotveldifusonadcadade1930,eumadecujasencarnaes mais clebres organiza todo o ensaio rival aRadiografa de lapampa: a oposio entre o pas visvel e o invisvel, em Historia de unapasin argentina (cf. Maella, 1937)8. Mas se Radiografa... no oferecia nenhuma contrapartida positiva aosmales do pas visto que nesse relato no poderia haver um pas verdadeirooposto a um falso, j que Buenos Aires a constitua a expresso mais defi-8. SobreotemadasduasArgentinas,verGorelik(1999b).Vol21n202.pmd 21/12/2009, 19:06 43Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 21, n. 2 44A Buenos Aires de Ezequiel Martnez Estrada, pp. 35-59nitiva de ambos, sendo que nesse emaranhado, que a tudo contamina, resi-dia seu caos e sua condenao , La cabeza de Goliat, em contrapartida, estpermanentemente permeada por vises muito mais reconciliadas com opas interior, e apresentadas como contraste da metrpole, assumindo, talqual o regeneracionismo, uma ideia de interior que refora a ligao espi-ritual entre autenticidade e profundidade diante da mera aparncia, superfi-cial e enganosa, da cidade-porto. Assim, Martnez Estrada encontra terraadentro no s a anttese de Buenos Aires como seu antdoto, o remdiopara os males que a cidade Capital inflige ao restante do pas e a si mesma.Essa atitude consoladora se dar na dimenso propriamente urbana daanlise, por meio da oposio passado/presente, em uma variante nostlgi-ca tambm anmala em relao forma de argumentao de Radiografa...,j que a a histria no era seno uma cadeia ininterrupta de catstrofes queremontava mesma configurao geolgica do pampa. Por sua vez, La cabezadeGoliatmuitosensvelatudooqueBuenosAirespareceterperdidodurante a sua modernizao ou a tudo o que consegue continuar contra-dizendo-a.Porexemplo,emumcaptulosobreasdemolies,critica-sequeBuenosAirescareadememria,vivaconstantementefugindo,des-truindonocaminhoumpassadoarquitetonicamentemuitopobre,masque tinha um grande significado histrico, j que o passado a unidadecidad [pp. 78-79].Seria como se o foco sobre a cidade impusesse a Martnez Estrada umaperspectivasuperada,levando-osuaprimeirafasedepoeta,comaqualRadiografa... buscara cortar qualquer vnculo aquela fase em que sua par-ticipao na cultura oficial integrava-o ao crculo dos argentinos de velhacepa [...] ideologicamente identificados com o passado heroico ou rural an-terior imigrao (Sigal, 1993, p. 373)9. E eis que em La cabeza de Goliat oreferido retorno se apresenta sob a forma que melhor retrata aquele ncleoideolgico na literatura sobre Buenos Aires, o memorialismo gnero cer-tamente consubstancial por excelncia com a metrpole, visto que sempreaparececomoreaodiantedaaceleraodastransformaesproduzidasem toda modernizao urbana, quando se assiste, em uns poucos anos, aodesaparecimento de qualquer paisagem familiar qual se retorna com esp-rito descritivo e testemunhal, declinando um mote fundamental em tododecadentismo: o progresso material acompanhado da misria espiritual.EmBuenosAires,atradiomemorialistateveinciocomoliteraturadas elites portenhas, exatamente no momento de afirmao da moderniza-o por elas projetada; ou seja, em 1880, ano em que a cidade finalmente se9. Sigal quem melhor esta-beleceu as relaes entre a vidae a obra de nosso autor, emuma tese de 1982 (MartnezEstrada et le milieu argentin delapremiremoitiduXXsicle), na qual duas partes po-dem ser lidas em Itinerario deun autodidacta e La radio-grafa de la pampa: un saberespectral, que so os captulosde sua autoria na supracitadaedio.Vol21n202.pmd 21/12/2009, 19:06 4445 novembro 2009Adrin Goreliktorna capital federal, solucionando uma crise que, durante grande parte dosculo XIX, impedira a consolidao institucional do Estado-nao; e tam-bm poca em que o memorialismo descobre a cidade criolla condenada extino,ebuscaretrat-laamorosamente:BuenosAiresdesdesetentaaosatrs, de Jos Antonio Wilde, em 1881; La gran aldea, de Lucio V. Lpez,em 1884; Las beldades de mi tiempo, de Santiago Calzadilla, em 1891, soalguns de seus ttulos mais emblemticos. Em La cabeza de Goliat, o me-morialismo aparece de dois modos: como declinao de um tom melanc-lico, nas mil variveis do ubi sunt, com essa conexo tipicamente memorialistaentre a perda da infncia individual e a perda de uma infncia da metrpole(dessaforma,porexemplo,queMartnezEstradaconsideraocarnaval:Na minha infncia, o carnaval impunha respeito e algumas mscaras ate-morizavam [...]. Mais tarde, o esprito festivo e religioso se perdeu, e teveincio a decadncia [p. 313])10; como recurso de periodizao, j queLacabeza de Goliat encerra a histria da cidade, em 1880, estabelecendo aum divisor valorativo sob o qual se estende homogneo o presente em queescreve, no final da dcada de 1930. Isso se enuncia desde o incio do livro,quando se explica o carter de Buenos Aires pela superposio estratigrficadequatroerasurbanasirresolutas:adaprimeirafundao,em1536(acidade do medo e da solido); a da segunda fundao, em 1580 (a da valen-tia);adaemancipao,em1810(acidadedosprceres,anicacidadenossa); e a da modernizao, em 1880 (a cidade de todos e de ningum,persistenteedechumbo)[pp.17-19].Acidadedetodosedeningum:poucas definies expressam mais claramente o desgosto da elite portenhafinissecular com a federalizao de Buenos Aires, considerada como aliena-o inevitvel condio-chave da unificao nacional e da afirmao doprojeto modernizador , mas nem por isso menos ultrajante.5 No entanto, a recusa de La cabeza de Goliat modernidade metropoli-tanavaibemmaisalmdaambiguidadememorialista,instalando-seempleno clima ideolgico do Centenrio, j que sua valorizao dualista con-sidera que a cidade de 1880 no apenas a que indiferente ao interior eolhaparaaEuropa[p.19],mastambm,particularmente,aquelaemque a alma envelheceu e as pessoas se misturaram e se impregnaram, reci-procamente,comaescriatrazidadospaseseuropeus[p.169].EmLacabea de Goliat, a presena contundente dos antemas contra a imigrao10. OcaptuloBuenosAires, de Radiografa de lapampa,tambmtinhaumapndice intitulado Carna-val y tristeza, mas a a relaoeravistacomoestruturalatoda a histria do carnaval crio-llo, pensado como expressono s da tristeza do carter ar-gentino, como da crueldade,do desespero e da hostilidade;esse apndice termina comumepisdio,contadoporSarmientoarespeitodeuma mscara que, na provn-cia, fora queimada pelo pbli-co , e que Martnez Estradav novamente acontecer cemanos depois, em um carnavalem Buenos Aires. Ver Estrada(1993, pp. 165 ss.).Vol21n202.pmd 21/12/2009, 19:06 45Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 21, n. 2 46A Buenos Aires de Ezequiel Martnez Estrada, pp. 35-59impactacomumefeitoanacrnico,comoseolivrotivessesidoescritovinte anos antes de Radiografa de la pampa.Certamente, a questo da imigrao tambm estava presente nesse pri-meiro ensaio de Martnez Estrada: ela constitua uma das variveis inevi-tveis no repertrio dos males nacionais, o carter aluvial da popula-o. Mas, alm de certos juzos comuns sobre os efeitos da condioimigratria individualismo, provisoriedade dos vnculos com o pas, ob-sesso por fazer fortuna , bem como das crticas j convencionais s pol-ticas do sculo XIX, que pretenderam modificar radicalmente a popula-o, o ncleo de Radiografa... se situava em outra parte: no combatedesigual perdido de antemo entre a solido csmica da natureza dopampa e todo projeto humano; diante do pampa onipotente e inspito deRadiografa..., os homens que habitaram esta terra se sentiram sempre es-tranhos a ela, estrangeiros em um sentido existencial; e a preocupao ti-picamente positivista com a promiscuidade das raas estava focada mui-to mais na mestiagem do que na imigrao europeia ltima cena, emtodo caso, de um drama de sculos.Contudo, em La cabeza de Goliat, o surpreendente a propsito de qual-quer tema so as constantes acusaes imigrao, de uma forma que extra-pola o argumentativo para converter-se em adjetivao denegridora, como,por exemplo: a investida de um automvel no trnsito consiste em umaraiva de gringo [p. 37]; os entregadores de mercadorias regularmente es-trangeiros do um tratamento brutal a seus cavalos, smbolo do portenhoem extino [p. 41]; a multiplicao dos prdios de apartamentos, emble-mas do anonimato metropolitano, deve-se, conforme j mencionado, aosgostos da imigrao e aos hbitos do hspede que no ama o pas [p. 64] porm, mais comum que o crescimento vertical da cidade seja explicadopela imigrao, porque o estrangeiro se multiplica para cima e o nativo parao campo, e isso se expressa, por antonomsia, no centro da cidade, onde ariqueza comercial e o conforto foram gerados por aerlitos de naes estra-nhas que se alojaram nesta terra [p. 86] ; a explicao para que tantos edif-cios histricos sejam demolidos o sentimento estrangeiro de vergonha fi-lial que acomete os vereadores [p. 79]; ou, ento, Guillermo EnriqueHudson uma das figuras mais admiradas por Martnez Estrada deixou opas quando os imigrantes principiavam sua obra destruidora [p. 243]; eainda poderamos continuar enumerando dezenas de exemplos. A identifi-cao criollista do autor tal que ele at cai na artificialidade de contrapor aogosto atual do portenho mecnico e cosmopolita o paladar nacionalVol21n202.pmd 21/12/2009, 19:06 4647 novembro 2009Adrin Gorelikdo cardpio de nossos avs [p. 119], sendo ele, como nenhum leitor podiaignorar, filho de imigrantes.AssimcomoocorreemquasetodosostemasabordadosporMartnezEstrada, sobre os quais possvel encontrar afirmaes antitticas em ummesmo pargrafo, tambm La cabeza de Goliat contm passagens de com-preensomaisobjetiva,emboraexcepcionais:atnicadominanteadaimpugnao aos estrangeiros como uma das principais razes do mal mo-derno metropolitano, em uma identificao clssica do Centenrio argenti-no, quando a combinao entre modernizao e imigrao aparecia como afonte de um diagnstico dilacerado, pois, mesmo sendo um dos primordiaismotivos da grandeza de Buenos Aires a se celebrar, demonstrava, simulta-neamente, as carncias constitutivas de histria e identidade (uma cidadeque se refez sobre si mesma nos ltimos vinte anos, e em que mais da metadeda populao era estrangeira). Trata-se, aqui, do argumento da ptria comoperdadolorosamenteencarnadanacidadeCapital,cosmopolitaealheia,quepossvelencontrarnostextosdeManuelGlvezouRicardoRojas,expoentesprincipaisdoregeneracionismo,aindaqueseparadospelooti-mismo de Rojas sobre a capacidade inclusiva de uma restaurao nacionalis-ta,igualmentedirigidasmassasimigrantes(cf.Glvez,2001;Rojas,1971). Muito mais prximo do nacionalismo aristocrtico de Glvez (e deLeopoldoLugones,citadoabundantementeemLacabezadeGoliat),doquedaapostadeRojasemumcultomacioideiadeNao,MartnezEstrada novamente propor o referido argumento quase sem alteraes, em1940, quando a questo da definio do carter e da identidade de BuenosAires e seus habitantes parecia completamente resolvida.Com efeito, a crnica jornalstica vinha registrando, desde antes da d-cada de 1920, o fenmeno da mistura nacional e social vertiginosamenteproduzidanosnovosbairrospopulares;enempoderiatersidodeoutraforma, j que essa nova realidade sociourbana tinha gerado a expanso dopblico que explicava no s a prpria existncia desses jornais modernos,como tambm o novo protagonismo, na poltica da cidade, de um progres-sismo constitudo nas duas foras destinadas a representar a populao dobairro,osocialismoeoradicalismo.Assim,porvoltade1918,obairropopularcujaexistnciaapenasseesboavanapocadascelebraesdoCentenrio, alguns anos antes ganha uma presena decisiva na vida pol-ticaeculturaldacidade;efetivamente,asduasexpressesculturaismaissignificativas de Buenos Aires, o tango e o futebol, nasceram nesses bairrose, j na dcada de 1930, conseguiam vencer qualquer resistncia aristocr-Vol21n202.pmd 21/12/2009, 19:06 47Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 21, n. 2 48A Buenos Aires de Ezequiel Martnez Estrada, pp. 35-59tica, impondo-se como o trao distintivo da cidade. No se pode esquecerque, nos anos de 1920, o bairro o cenrio em que se integram culturasestabelecidas e marginais, velhas e novas, por meio de mil fios sutis, que,como assinalou Jos Luis Romero, acabaram criando uma trama comum,naBuenosAiresde1930(Romero,1970,p.323).Asguas-fortespublicadas por Roberto Arlt no jornalEl Mundo,a partir de 1928, so omelhor registro dessa nova trama, assim como de um novo tipo de indaga-osobreametrpoleherdeiradoscronistasfinisseculares,comoFrayMocho, mais etnogrficos do que introspectivos , no qual a mistura sociale nacional do bairro constitui a base naturalizada sobre a qual transcorremhistrias que tm esse novo pblico metropolitano no s como destinat-rio, mas tambm como protagonista11.Por outro lado, essas mudanas tambm permaneceram registradas nareflexo que algumas figuras das vanguardas literrias desenvolveram sobre aidentidade de Buenos Aires, na dcada de 1920 fato esse duplamente sig-nificativo para o nosso argumento, j que bem se sabe da importncia que odilema introduzido pela imigrao teve para as vanguardas argentinas, queresponderam a ele com um exacerbado nacionalismo cultural12. Mas, mes-mo assim, notrio que ao longo da dcada buscaram-se vrias frmulas denegociao com a heterognea realidade social e cultural, conforme se verifi-ca nos poemas e nos ensaios de Jorge Luis Borges, um dos vanguardistas maispreocupados com a fundao (mitolgica) de um carter criollo para a cida-de. Com efeito, os escritos do jovem Borges, na dcada de 1920, buscavamexplicitamente a essncia criolla de Buenos Aires, para nela radicar aepopeia capaz de dar forma a uma identidade cultural para a cidade, mes-mo encontrando-a nos arrabaldes, onde no s se misturavam a cidade e opampa, como, particularmente, mesclavam-se todas as nacionalidades dasociedade popular formada nos bairros suburbanos.A vanguarda contribui para processar culturalmente essa integrao, pormeio de diferentes narrativas. Por exemplo, ao identificar nas humildes casi-nhas suburbanas dos imigrantes um sabor classicista (produto de um sa-berartesanaldosconstrutoresitalianosquetrouxeramemsuabagagemumainconscientematrizlatina),quealinhavaessascasinhasdespojadascom a branca e sbria Buenos Aires criolla, tal qual aparecia nas gravuras dosculo XIX; ou seja e esta seria a frmula dos ensaios e poemas de Borges,assim como das fotografias de Horacio Coppola, seu companheiro de cami-nhadaspelosubrbio,ascasinhasalvejadas,comseusmodestosptios,assim como as ruas retas e a extenso plana do arrabalde, permitiam recupe-11. Sobre a Buenos Aires dasguas-fortes de Arlt, ver o es-tudo introdutrio de SylviaSatta(1993).12. Apontou-semuitasve-zesqueumdosobjetivosprincipaisdasvanguardasliterriasargentinasfoiainveno de um idioma na-cional, capaz de neutralizarosacessosdococolicheimi-grante. Ver a clssica anlisede Beatriz Sarlo (1983). [Co-coliche o jargo usado porimigrantes italianos na regiodo Prata (N. T.).]Vol21n202.pmd 21/12/2009, 19:06 4849 novembro 2009Adrin Gorelikrar uma patricialidade perdida na cidade tradicional, afetada pela moder-nizao urbana13. Ou ento, ao postular, com uma espcie de telurismo oti-mista muito comum nas vanguardas locais, que o esprito da terra doqual, mais tarde, zombaria um de seus cultuadores, Leopoldo Marechal, nadesopilante excurso ao bairro de Saavedra de Adn Buenosayres produziaefeitos de aclimatao cultural traduzidos na rpida criollizao do imigran-te; como tambm a frmula que pode ser encontrada em El hombre que estsolo y espera, o bem-sucedido ensaio de Ral Scalabrini Ortiz, publicado em1931.Eaindaumaversointerpretativaqueseconsolidaem1936(naavalanche de publicaes e comemoraes impulsionada pelo Quarto Cen-tenrio da Primeira Fundao da cidade), e que continuar sendo reprodu-zida j convencionalmente na literatura sobre Buenos Aires empenhada emmostrar que a miscigenao j se produziu com xito, por ter dado forma auma cidade pujante e original constatao que surge nitidamente em li-vros como a Geografa de Buenos Aires, de Florencio Escard (1945), ou aBiografa de Buenos Aires, de Pablo Rojas Paz (1951). 6A Buenos Aires de La cabeza de Goliat imune a essas convenes oti-mistas, estando novamente povoada por um mal-estar em relao imigra-o, que, mesmo em seu anacronismo, parece capaz de sintonizar um novomal-estar, completamente diferente, embora anlogo quele. Uma das prin-cipaisrazesparaaconsolidaodasversesquedavamporencerradaafasedeinstabilidadesocialeculturalnacidaderesidenofatodequenasegunda metade da dcada de 1930 comeara um novo processo imigratrio,que produziria a segunda revoluo demogrfica de Buenos Aires, desta vezcom migrantes internos (das provncias e dos pases limtrofes) assentadosem novos subrbios ao redor da cidade Capital (o conjunto de bairros de-nominadoGrandeBuenosAires).Umanovaheterogeneidade(terraadentro),que,opostamente,estabeleceraautorrepresentaohomog-nea(europeia)dacidadeCapital,comaconstruodamodernaviadecircunvalao,aavenidaGeneralPaz,quecomeouaserconstrudaem1936 e fechou a cidade para a Grande Buenos Aires provinciana.Trata-se de um fenmeno que, como tal, passou despercebido por quasetodos os observadores, at o incio dos anos de 1940; mais simbolicamente,at 17 de outubro de 1945, quando irromperam, na Praa de Maio, aquelasmassas obscuras que se aglomeravam na entrada da cidade nos anos ante-13. Para uma anlise dessanarrativa de vanguarda, verGorelik (2004b).Vol21n202.pmd 21/12/2009, 19:06 49Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 21, n. 2 50A Buenos Aires de Ezequiel Martnez Estrada, pp. 35-59riores,estabelecendo,desdeento,umaligaoindescritvelcomopero-nismo. Insistindo em um mal-estar antigo que tratava de combinar comsua anlise mais contempornea sobre a monstruosa fisionomia passionalgerada pelos consumos culturais das multides as massas disformes, mon-tes de escombros humanos que locupletam os estdios e os parques, aosdomingos , La cabea de Goliat parece mais aberta a novas vises de umasociedade fragmentada do que aqueles diagnsticos otimistas, que simples-mente reforavam por omisso a nova ciso social e urbana entre a capital ea Grande Buenos Aires14.AprpriaexistnciadaGrandeBuenosAiresgera,nolivro,umdes-compassotemporalsimilar,jqueMartnezEstradatambmfalamuitopouco sobre essa novidade urbana inocultvel na segunda metade da dca-da de 1930: ele reclama de uma expanso ilimitada da cidade, que fagocitouas localidades suburbanas em um macio contnuo [pp. 76-77] emboraabstratamente, como na dcada de 1910. De fato, em La cabea de Goliat,segue-sedefinindoaestruturageogrfico-culturaldacidadenosmesmostermos de Radiografa de la pampa, por meio do antagonismo entre o lestee o oeste; isto , entre o porto e o pampa (entre a Europa e o interior), mastambm entre o centro tradicional e os novos bairros-fronteira.Emoutraspalavras,trata-sedeumadefinioquediantedasleiturasconservadoras do Centenrio, que restringiam toda a problemtica de Bue-nos Aires ao velho centro da cidade (e assinalavam o principal antagonismoentreosul,antigoemalocado,eonorte,maisrecenteearistocrtico),tinha a virtude de reconhecer o surgimento conflituoso dos novos bairrospopulares, embora indo a reboque, como vimos, de todo o debate poltico,urbano e cultural da dcada de 1920, que j havia recentralizado a cidadepopular. E o melhor exemplo de que La cabeza de Goliat retoma uma ques-to j resolvida na dcada anterior o de que uma das maneiras com quevolta a metaforizar esse antagonismo entre leste e oeste se d pela confron-taoentreFloridaeBoedocomosesabe,osnomesdasduasruasque,nosanosde1920,situaramtopograficamenteaprincipalpolmicaliterria, mostrando, de passagem, a centralidade das representaes da ci-dade na cultura portenha do incio do sculo XX.A polmica era entre os escritores da margem, que acreditavam encon-trarnosarredoresdaruaBoedoumbairropopulartpicodamisturasocial,duranteaprimeiraexpansodeBuenosAiresoambienteidealparaseuprogramadeboemiaproletria,almdetambmdefenderemorealismosocialdiantedasexperinciasdavanguardamartinfierrista,que14. Nos captulos Estadiose Regreso, Martnez Estra-da faz uma anlise das massasurbanas, parecendo antecipara viso brutal sobre o peronis-mo, apresentada por Borges eAdolfo Bioy Casares, no con-to La fiesta del monstruo(Crnicas de Bustos Domecq,1967). O espetculo despor-tivo visto, por Martnez Es-trada,comopurgaodaenergia e da hostilidade atvi-ca da sociedade, repetindonovos rituais no estdio ou noparque: tumores dominicaise festivos, conglomeraesadventcias que se espalhampela cidade em caminhes,com gritos, atitudes vocifera-das e jogadas na cara dos tran-seuntes, baforadas de ances-trais hlitos da caverna. Essesgrupos podem polarizar porqualquermotivoanlogo.So os que tambm engros-sam as manifestaes polticasem multides que entoam osmesmos estribilhos [...] (pp.303-304).Vol21n202.pmd 21/12/2009, 19:06 5051 novembro 2009Adrin GoreliktinhasuasedenaFlorida,aruaelegantedocentrodacidade.Ocarterartificial da polmica j era notado na segunda metade dos anos de 1920, eBorges,martinfierrista,emboracultordosbairrospopulares,expressou-ocomo ningum: Eu preferiria estar no grupo de Boedo, pois estava escre-vendo sobre os subrbios e a tristeza e os entardeceres. Contudo, fui infor-mado por um dos conjurados que eu j estava designado para as hostes deFlorida e que era demasiado tarde para trocar de lado15.Portanto, se em Radiografa de la pampa, no incio da dcada de 1930,ainda podia fazer sentido desenvolver um sistema metafrico da cidade e dacultura,apartirdapolmicaFlorida/Boedooreformismoaindaestavabuscando o reconhecimento urbanstico da nova centralidade real, j exis-tente nos bairros como Boedo a situao muito diferente, por volta de1940:oqueerasubrbio,nasdcadasde1910e1920,deixoudes-lo;Boedo j no mais um bairro-fronteira, mas sim um tpico bairro pro-gressista de classe mdia, e surgira uma nova margem, em um oeste mui-to mais distante, fora dos limites da cidade Capital, pela qual La cabea deGoliat no demonstra maior sensibilidade.Mas, tambm no que se refere a essa temtica, Martnez Estrada parececapazdeemseuanacronismointerpelarzonasmaiscontemporneasdopensamento sobre a cidade. evidente que sua retirada da cidade das dca-das de 1910 e 1920 se baseia em sua recusa expanso metropolitana, para aqual ele apresenta trs significados: como sinnimo de crescimento de Bue-nos Aires s expensas do pas; de extenso da neurose da cidade grande sobretranquilas populaes suburbanas; e de colonizao artificial do campo. Aomesmo tempo, no resta dvida de que essa recusa era uma opo ante osdebates do urbanismo: por exemplo, em La cabeza de Goliat, cita-se mais deuma vez Werner Hegemann, urbanista alemo que esteve em Buenos Airesem 1931, fundando as posies do reformismo urbano e do socialismo pol-tico ao defender uma viso favorvel expanso. Embora Martnez Estradao mencione em tudo o que diz respeito s anlises sobre o nvel de adensa-mento permitido pelo Cdigo de Edificao na cidade Capital, ele excluiqualquer referncia soluo encontrada pelo urbanista alemo, no proces-so de expanso natural da metrpole sobre o territrio. Por sua vez, emLewis Mumford outro autor de grande impacto nessa poca, e logo intro-duzido em Buenos Aires pela revista Sur que ele encontra o argumentoterico da impugnao ao crescimento da cidade, que se presta magnifica-mente s metforas socioespaciais e indignao moral contra o tumor daurbanizaocontemporneatambmexpressascomressonncias15. AcitaodeBorgesposterior e j foi utilizada semreferncia de data por Hora-cio Salas, em seu estudo pre-liminar para a Revista MartnFierro 1924-1927, edio fac-similar, Buenos Aires, FondoNacional de las Artes, 1995,p. XII. No entanto, em seuclssico estudo Boedo y Flo-rida, Adolfo Prieto cita outrafrase semelhante de Borges,de 1927; ver Prieto (1969, p.43).Vol21n202.pmd 21/12/2009, 19:06 51Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 21, n. 2 52A Buenos Aires de Ezequiel Martnez Estrada, pp. 35-59spenglerianas , ainda que suas crticas tenham a contrapartida de um pro-jeto regionalista que encorajava um uso humanista da tecnologia e do terri-trio, e que, literalmente, teria obrigado Martnez Estrada a ver de outromodo a expanso suburbana da Grande Buenos Aires16.De qualquer forma, para alm das sutilezas, possvel notar que o espri-to antiurbano de La cabeza de Goliat se articula plenamente com uma linhadecrticamodernistadocaosmetropolitano,capazdereunirasanlisesracionalistas de Le Corbusier tambm feitas sobre Buenos Aires, quandode sua visita em 1929 com o carter organicista imposto no pensamentourbano nos anos de 1930, por meio da hegemonia do regionalismo anglo-saxo. O melhor exemplo internacional dessa articulao se expressava, em1941, com Can our cities survive?17, a anlise catastrofista sobre a metrpoleapresentada nos Estados Unidos por Jos Luis Sert, cujas ideias gozariam degrande popularidade durante as trs dcadas posteriores; j o exemplo localmais imediato seria o do Estudo do Plano de Buenos Aires (EPBA), o traba-lho de planejamento que um grupo de discpulos de Le Corbusier realizouentre1947e1949nogovernodacidade,propondoimplantarumareocupao radical do ncleo central da cidade18. O EPBA lanava um pro-grama de moralizao da grande cidade, muito semelhante ao de MartnezEstrada, cujo princpio elementar poderia ser reduzido a uma restaurao doequilbrio (cidade/natureza, passado/presente) perdido devido irracionali-dade tecnolgica do industrialismo, que converteu a cidade em um orga-nismo monstruoso. Como dizia Eduardo Sarrailh, em um eplogo de 1955 publicao do EPBA, j plenamente inserido no dualismo encontrado emLa cabeza de Goliat, o urbanismo devia propiciar a recuperao dos valoresperdidosnabuscadeumaimperiosanecessidadedeordemurbana19.Anostalgia como impulso tico e esttico de um programa de renovao urba-na: o livro de Martnez Estrada figura na publicao do EPBA, no mbitode uma bem seleta bibliografia, mostrando um jogo de espelhos, muito fre-quente desde ento, entre o ensasmo e o urbanismo unidos por um conjun-to de princpios: a busca da autenticidade, do equilbrio e da ordem comosuperao das lgicas metropolitanas.7At hoje, sempre abordamos La cabeza de Goliat em suas relaes com aliteratura sobre Buenos Aires, destacando seus saltos temporais na percepoda cidade: um livro que em alguns temas fundamentais parece atado a uma16. VerMumford(1960),em que um dos captulos seintitula,emclaraalusoaSpengler,opresentepseu-domrfico.17. Canourcitiessurvive?(Cambridge, Harvard Uni-versity Press, 1942) constituia reelaborao das conclusesdo IV Congresso Internacio-nal de Arquitetura Modernaestabelecidas em 1933 em umbarco entre Marselha e Ate-nas, e cujo modo didtico deapresentao do caos metro-politano deu ampla populari-dade a suas hipteses (aindadesse IV Congresso surgiria aclebre Carta de Atenas, feitaanonimamente por Le Cor-busier: La Charte dAthne,Paris, 1943, com prlogo deJean Giraudoux).18. A proposta do EPBA se-guia as diretrizes do planeja-mento que os arquitetos ar-gentinos Jorge Ferrari Hardoye Jorge Kurchan realizaram,juntamente com Le Corbu-sier, em 1937, em Paris. Entreoutras coisas, ela concentravaa edificao na zona central dacidade, promovendo um des-povoamento radical dos arre-dores,queficariamcomozona de chcaras extraurba-nas; sobre esse tema, ver a an-lise de Anahi Ballent (2005).19. A publicao da anlisedo EPBA se deu, durante aqueda do peronismo, em doisnmeros consecutivos da Re-vista de Arquitectura, a publi-caooficialdaSociedadeCentral de Arquitetos: Evo-lucin de Buenos Aires en eltiempo y en el espacio, n.375(1955)en.376-377(1956). O eplogo de Sarrailhfoi publicado na segunda par-te, pp. 115ss.Vol21n202.pmd 21/12/2009, 19:06 5253 novembro 2009Adrin GorelikBuenos Aires de duas dcadas antes de sua realizao a Buenos Aires queMartnez Estrada teria conhecido recm-chegado da provncia? , mas que,por vezes, parece sintonizar enfoques contemporneos e, at mesmo, anteci-par outros. Mas, talvez, essa combinao entre anacronismo e iluminaesantecipatrias seja uma caracterstica do ensaio introspectivo sobre a cidade,como se a prpria composio estratigrfica dos tempos da cidade, que sem-pre sucede por combinaes entre o mais antigo e o mais novo, encontrasseuma rplica no pensamento figural, que tanto pode fixar-se em cenas origin-rias do passado, como pode dar lugar a uma dimenso projetvel. Para empre-gar a definio de Aldo Rossi, seria como se o ensasta produzisse uma cida-de anloga: uma figurao urbana que reordena todas as temporalidades dacidade, dispondo-as em uma cena imaginria estabelecida pela memria pes-soal, mas que, nos casos em que a escrita consegue captar significados maisabarcantes, capaz de transcender em memria social, disponibilizando umconjunto de representaes passveis de constante interpretao20. La cabezade Goliat parece funcionar como um livro que discute em tempo presentecom Sarmiento, os viajantes do Centenrio, e Ortega y Gasset, abrindo-se sleituras como um ba de alfaiate no qual cada um pode encontrar o retalhoque mais lhe convm.Efetivamente, vimos que ao lado da predominante reposio anacrnicade temas, tambm possvel encontrar outras dimenses no livro podendo-seaquimencionaroutraspassagensemqueMartnezEstradacombinaaperspectiva etnogrfica de Arlt e o encantamento potico de Borges (o ca-ptuloCallesdeBuenosAires);emqueidentificaquestesaindahojefundamentais para a reflexo urbanstica (o captulo quase pastoral sobre aCostanera,Lomslejano);ouemquecriadefiniesdeBuenosAires,que parecem insinuar noes dos estudos da urbanizao dependente (aoassinalar,porexemplo,queotamanhodacidadedevesercompreendidoemfunodesuaposionomercadomundialdefrutosemercadorias[pp.24-25]).Mascertamenteseuprincipalinsightresidenafelicidadepolissmica do ttulo: ao encontrar a denominao para o problema capi-taldaArgentina,apartirdosculoXIX,MartnezEstradaacabouno-meando uma caracterstica da urbanizao latino-americana, que a sociolo-giaurbanabatizariamaistarde,ecommenosventuradoqueoensasta,como a questo da primazia urbana.De qualquer forma, no se pode dizer que a sociologia urbana como taltenha registrado impactos importantes de La cabeza de Goliat. Na realida-de, o livro foi publicado no momento de maior prestgio do gnero ensastico20. Para uma anlise da fi-guradacidadeanloga,proposta por Aldo Rossi, verGorelik(1999a).Vol21n202.pmd 21/12/2009, 19:06 53Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 21, n. 2 54A Buenos Aires de Ezequiel Martnez Estrada, pp. 35-59(em1940,ningumduvidavadequeconstitusseumgneroadequadoparaquestionararealidadesocialecultural),introduzindoadcadademaior produtividade e repercusso de seu autor, que, desde ento, encon-trarianosumpblico,comoumncleodeintelectuaisjovensqueoidentificariam como mestre21. Entretanto, j no final da dcada de 1950,configura-seumnovocampodeestudosurbanos,quesedistanciariadoensasmo, apostando em um enfoque demogrfico e socioeconmico, con-templado no ttulo do primeiro trabalho de Gino Germani (1959) dedica-do ao tema: o processo de urbanizao22. Trata-se de uma perspectiva quebuscava considerar as transformaes urbanas como encarnao territorialdosprocessosresultantesdaindustrializaoedodesenvolvimento.Talenfoque generalizado, durante esse perodo, em todo o Ocidente, e emparticular nas cidades da Amrica Latina, que se viam como especialmentepropensasaosaltomodernizadorapareciacomogarantiadaconversodos estudos urbanos em uma disciplina cientfica com condies de, sob aaparncia tecnocrtica do planejamento, contribuir para a epopeia moder-nizadoradapoca,comumotimismodesenvolvimentistaqueasindaga-esproduzidaspeloensasmosobreametrpoledificilmenteconsegui-riam alimentar.No mbito da terceira cultura, essa poderia ser considerada a batalhamais rdua empreendida entre ns sobre as interpretaes da cidade, aindaque ambas as tradies partissem de um ncleo de ideias bsicas comuns,oferecido pela sociologia alem da modernidade. De igual modo, Germani um nome ao qual sempre se recorre para exemplificar uma tentativa de im-plantao das cincias sociais que precisou combater o ensasmo para estabe-lecer um pensamento moderno em consonncia com uma sociedade que sepretendia modernizada (em um continuum entre tipos de sociedade e tiposde habitus sociolgico taxativamente cristalizado)23. Porm, ao menos narea dos estudos urbanos, fcil comprovar que, mais do que uma batalhacontra o ensasmo, o que predominou foi a indiferena mtua: quase no hregistro de referncias crticas explcitas e, menos ainda, de debates. Por ou-tro lado, os estudos centrados em uma verso cientificista de seu objeto vigo-raram por breve tempo (o perodo clssico no se estende alm de meadosdos anos de 1970), no chegando a empanar o prestgio cultural do ensas-mo, nem a impedir a sua expanso. O urbanismo que se poderia dizer, noque se refere ao planejamento, apresenta uma relao anloga estabelecidaentre o ensasmo e a sociologia urbana tambm manteve uma presena dedestaque na reflexo sobre a cidade, apoiando-se, para tanto, na base ideol-21. Nadcadade1940,MartnezEstradapublicaSarmiento (1946), Nietzsche(1947), Las invariantes hist-ricasdelFacundo(1947)eMuerte y transfiguracin delMartn Fierro (1948); e suaobra comea a ganhar proje-o na Amrica Latina, comoodemonstraaedioporFondo de Cultura de Mxicodesse ltimo ensaio e tam-bm de seu livro sobre Gui-llermo Enrique Hudson, de1951, alm do fato de ele terse tornado um colaboradorregular de Cuadernos Ameri-canos. Em 1948, publica-seReflexiones sobre el pecadooriginal de Amrica, o arti-go escrito por Hctor lvarezMurena, que constitui o pri-meiro exemplo de que a obrade Martnez Estrada alcan-ou descendncia e conexocom a nova gerao.22. AfiguradeGermani(1911-1979), de indiscutvelcentralidade na tradio socio-lgica argentina, foi objeto derenovada ateno nos ltimosanos; cabe destacar o livro deAlejandro Blanco, Razn y mo-dernidad. Gino Germani y lasociologaenlaArgentina(2006), que o mostra comoumafiguraculturalmentemuito mais complexa do quea de difusor da sociologia fun-cionalista, sob a qual ficou es-tigmatizado. Ainda resta rea-lizar, contudo, uma anlise dopapel de Germani no desen-volvimento dos estudos urba-nos na Argentina, e sobretudoa importncia e os efeitos daaproximao urbana na pr-pria trajetria de Germani.23. Sigoaanliserealizadapor Beatriz Sarlo em La ba-talla de las ideas, 1943-1973(2001, pp. 80ss.), em que elacita o trabalho de Gino Ger-mani(1958).Vol21n202.pmd 21/12/2009, 19:06 5455 novembro 2009Adrin Gorelikgica proveniente do ensaio. E, por fim, cabe lembrar que inclusive no inte-rior do grupo de vanguarda dos estudos urbanos surgiram vozes alternativasque imprimiram uma valorizao diferencial tradio do ensaio.Detenhamo-nos, para finalizar, nesta questo: preciso recordar a pre-coce reivindicao do ensaio como chave para uma teoria da cidade latino-americana, feita por Richard Morse, uma figura indubitavelmente margi-nal ao esprito modernizador dos estudos urbanos latino-americanos, massem a qual difcil imaginar seu desenvolvimento como campo especializa-do.Jdesdeadcadade1950,Morsepropsarecuperaodealgumasnoesclssicasdatradioensastica,comoadecidadeartificial,vistaemLacabezadeGoliat,valendo-sedeumelencomuitoheterogneodeautores, de Jorge Basadre a Martnez Estrada. Tratou-se, certamente, de umuso bastante criativo dessa tradio, ao apresentar como verdade sociolgi-ca imutvel em outras palavras, a existncia de uma matriz catlico-ibri-caresistentemodernidadeanglo-saxaquiloquenamaiorpartedosensastas era motivo de denncia, realizando uma inverso ideolgica quedefine,demodoespecularedeslocado,comparativamenteaGermani,arelao entre tipo de sociedade e tipo de pensamento social: se a uma socie-dade moderna corresponde a sociologia cientfica, Morse afirma que o en-saio,ento,maisapropriadonoparaumasociedadetradicional,maspara uma sociedade (como seria o caso da latino-americana) que teria nas-cido ps-moderna (cf. Morse, 1957, 1971)24.Entretanto, esse clamor por uma nova legitimidade do ensaio no se res-tringiu a essa inflexo ideolgica, como se pode ver no seu uso intenso, masnotoriamente diverso, feito por Jos Luis Romero, em meados da dcada de1960, em seus trabalhos sobre a cidade latino-americana, nos quais dialogacom uma linha mestra do ensasmo argentino, que vai de Sarmiento a Mar-tnez Estrada (cf. Prieto, 1989). Na realidade, o prprio Romero havia for-madosuabagagemintelectualnasmesmasfontesdapocaquetambmimpactaram o ensasta: Simmel e, mais em geral, o vitalismo e o historicis-mo alemo introduzidos pela Revista de Occidente e por seu irmo algunsanosmaisvelho,FranciscoRomero,filsofoecompanheirodeMartnezEstrada em diversas atividades intelectuais e manteria sempre um ncleoduro de fidelidade a essa matriz, em seu prprio trabalho historiogrfico (cf.Altamirano, 2001). Mas, da mesma forma que no havia nada de tradicio-nalista na reivindicao do ensaio feita por Morse, mesmo quando tentavareposicionar ideologias tradicionais da Amrica Latina, tampouco se podecompreender bem o uso do ensaio por Romero, sem lembrar que, ao mes-24. Para uma anlise da posi-o marginal e, ao mesmotempo, fundamental de Mor-senodesenvolvimentodarea de estudos urbanos naAmrica Latina, ver Gorelik(2002).Vol21n202.pmd 21/12/2009, 19:06 55Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 21, n. 2 56A Buenos Aires de Ezequiel Martnez Estrada, pp. 35-59mo tempo, ele estava cumprindo um papel fundamental na renovao dahistria sua ctedra de Histria Social foi uma das chaves da moderniza-o universitria, a partir de 1955 e, principalmente, na transformao dapesquisa social na Argentina, como o atesta sua parceria com Germani, noprojeto de pesquisa sobre imigrao, no final da dcada de 1950. Na realida-de, essa dupla situao permite que Romero apresente uma posio singularsobre a cidade latino-americana, ao identificar na melodia modernizadoraoriunda dos estudos sobre urbanizao inspirados na Escola de Chicago astonalidades comuns sua formao ensastica: uma agenda de temas quepoderiamserreduzidosaoproblemabsicodaduplatransio(tradio/modernidade, campo/cidade), mas que, assim como Martnez Estrada, eleprefere situar no registro sarmientino de civilizao e barbrie e no restadvidadequesuacapacidadecomohistoriadornorteiafirmementeessaexplorao pela literatura e pelo ensaio, resultando numa obra sobre a cida-de muito mais slida do que La cabeza de Goliat.Ser que isso significa que, em nosso caso, no seja adequada a periodi-zaosobreavignciadoensaio,traadanoinciocomohiptesemaisgeral? Tudo indica que no momento de maior radicalidade da viso cienti-ficista sobre a cidade, assim como a partir do campo de estudos que a alen-tava, manteve-se entre ns uma tradio de leitura dos fenmenos urbanosque tornou mais simples do que alhures a reabilitao acadmica do ensaiona dcada de 1980. E, talvez, isso permita explicar o impacto e a prpriapossibilidade de realizao de uma obra como La ciudad letrada, de ngelRama, que novamente recolocou os termos do debate sobre a terceira cul-tura no polo da literatura.Referncias BibliogrficasALTAMIRANO, Carlos (org.). (1999), La Argentina en el siglo XX. Buenos Aires, Ariel._____. (2001), Jos Luis Romero y la idea de la Argentina aluvial. Prismas. Revistade historia intelectual, n. 5, Buenos Aires, Universidad Nacional de Quilmes.ALTAMIRANO, Carlos & SARLO, Beatriz. (1983), Martnez Estrada: de la crtica a MartnFierro al ensayo sobre el ser nacional. In: _____. Ensayos argentinos: de Sarmientoa la vanguardia. 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Alm disso, busca compreender como se formam e onde se origi-nam as representaes da cidade, e tambm como se manifestaram, no meio argentinoenatemticaurbana,asbatalhasdaterceiracultura,nadefiniodadaporWolfLepenies ao pensamento sociolgico, sempre vacilante quanto atrao/oposio en-tre cincia e literatura. A indagao sobre a metrpole, como subgnero, traz para oprimeiro plano as afinidades entre um modo de pensamento figural, como o proporci-onado pelo ensaio, e uma realidade material, como a da cidade pletrica de configura-es simblicas por meio das quais possvel interrogar os fatos sociais.Palavras-chave: Ensaio; Estudos urbanos; Ezequiel Martnez Estrada; Buenos Aires.AbstractThe Buenos Aires of Ezequiel Martnez EstradaThe article proposes to interpret La cabeza de Goliat. Microscopa sobre Buenos Aires, anessaybyEzequielMartnezEstradafrom1940,asareservoirofextremelydiversecurrents in the literature on Buenos Aires, containing many different figurations of thecity. It also seeks to comprehend how the representations of the city were formed andfrom where they originated, as well as the ways in which the battles of the third cul-ture in Wolf Lepeniess definition of sociological thought, forever wavering in theattraction/opposition between science and literature were manifested in the contextof urban Argentina. As a subgenre, the inquiry into the metropolis foregrounds theaffinitiesbetweenamodeoffiguralthought,likethatprovidedbytheessay,andamaterial reality, like the city with its plethora of symbolic configurations through whichit is possible to examine social facts.Keywords: Essay; Urban studies; Ezequiel Martnez Estrada; Buenos Aires.Textorecebidoeaprovadoem27/8/2009. Adrin Gorelik professorda Universidade de Quilmese pesquisador do Conicet. autor, entre outras publica-es, de Miradas sobre BuenosAires: historia cultural y crtica(BuenosAires,SigloXXI,2004)eDasvanguardasaBraslia: cultura urbana e ar-quitetura na Amrica Latina(Belo Horizonte, Editora daUFMG, 2005). E-mail: [email protected] 21/12/2009, 19:06 59