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360 Revista de Economia Política 28 (2), 2008

A presente obra organizada por Eli Diniz reú-ne uma coletânea de textos que procura refletirsobre temas relevantes pertinentes às relações eco-nômicas, político-institucionais, intergovernamen-tais e de políticas públicas e sociais que fazem par-te da discussão da “nova temática da agendacontemporânea” internacional e, em especial, bra-sileira do período pós-Consenso de Washington ede globalização financeira do capital.

Os 9 capítulos do livro estão divididos emduas partes. Na primeira, constituída de 4 capí-tulos, faze-se uma análise sobre Estado e gover-nabilidade, políticas macroeconômicas e desen-volvimento econômico, experiências de governosde esquerda latino-americanos e processos de in-tegração regional a partir dos anos 1980. A se-gunda parte, dividida em 5 capítulos, centra asatenções no desenvolvimento institucional recen-te do Brasil e nas perspectivas do processo de in-tegração financeira da América do Sul.

O primeiro capítulo, de autoria de Eli Di-niz, ao reexaminar três “eixos fundamentais” dodebate internacional, quais sejam, a globalização,o Estado e a governabilidade, sustenta a idéia deque a estabilidade política, econômica e social alongo prazo dos países latino-americanos e, emparticular, do Brasil passa pela construção de umprojeto autônomo de desenvolvimento que de-penda de “coalizões políticas identificadas comtal objetivo” e da reforma do Estado.

Centrando a atenção na reforma do Esta-do, a autora argumenta que repensar a reformado Estado requer superar três déficits observados

ao longo do tempo: “o déficit da inclusão, rever-tendo os altos graus de concentração da renda ede desigualdade, o déficit de capacidade de pro-duzir resultados socialmente desejados ... e ... odéficit de accountability, reduzindo os graus dediscricionariedade das autoridades governamen-tais” (2007: 53). Concluindo, ao criticar tanto “aestreiteza da abordagem fiscalista” quanto “a vi-são economicista” da agenda neoliberal, pois elasque levam à subordinação do Estado ao merca-do, Eli Diniz argumenta que o referido projeto dedesenvolvimento não pode prescindir da supera-ção de “antigas polaridades Estado x mercado[e] Estado intervencionista x Estado mínimo”(2007: 55). Em outras palavras, Estado e merca-do (em suma, Instituições) importam.

No capítulo 2, Luiz Carlos Bresser-Pereira,ao analisar os motivos que têm levado à “quase-estagnação de longa duração da economia brasi-leira”, segundo ele (e porque não tantos outroseconomistas, dentre os quais o autor desta rese-nha) em grande parte decorrente das políticas ma-croeconômicas recomendadas pela ortodoxia eco-nômica convencional, propõe uma agendanovo-desenvolvimentista para o Brasil, entendi-da “como um ‘terceiro discurso’ entre o populis-mo da esquerda burocrática e o neoliberalismoda ortodoxa convencional” (2007: 68).

Por que a economia brasileira, principal-mente a partir do Plano Real, não possui estabi-lidade macroeconômica, entendida, conformeKeynes (The General Theory of Employment, In-terest and Money, Capítulo 24), como sendo o

evidente, porém, que indústrias com característi-cas distintas implicam estratégias corporativasigualmente distintas, e as observações acima nãovisam diminuir o mérito deste trabalho de Rogé-rio Gomes, mas apenas sugerir uma perspectivacomparada.

Por sua atualidade na presente fase de trans-formações das estruturas corporativas que sus-tentam o sistema capitalista, pela profundidadeem que o autor mergulha no tratamento teórico

do tema e no trabalho empírico dos estudos decaso que analisa, e pela qualidade do texto – aca-demicamente rigoroso, sem prejuízo da boa pro-sa, não tenho dúvidas em afirmar que o leitor temem mãos um excelente livro. Bom proveito!

Wilson SuziganProfessor Colaborador do Departamento

de Política Científica e Tecnológica, Instituto de Geociências, UNICAMP.

Globalização, Estado e Desenvolvimento: dilemas do Brasil no novo milênioEli Diniz (org).Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007

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binômio estabilidade de preços e pleno emprego?Ao responder tal pergunta, Luiz Carlos Bresser-Pereira critica a política macroeconômica imple-mentada pelas Autoridades Monetárias e respal-dada pela ortodoxia econômica convencional.Para o autor, déficit público – diga-se de passa-gem, predominantemente de natureza financeira–, taxas de juros de curto prazo estratosféricas,câmbio sobre-valorizado e liberalização da contacapital, possibilitando, assim, captar “poupançaexterna”, são os principais motivos que levam oPaís a ter, desde metade dos anos 1990, estabili-dade de preços e crescimento econômico à la stop-and-go, com inclusão social marginal.

O que fazer para assegurar a estabilizaçãomacroeconômica para o Brasil? Após analisar aestratégia e os resultados das políticas nacional-desenvolvimentistas do período 1930-1970 e neo-liberais do período pós-Consenso de Washington,Luiz Carlo Bresser-Pereira apresenta um “conjun-to de diagnósticos e idéias que devem servir debase para a formulação, por cada Estado-nação[e o Brasil, em particular], da sua estratégia na-cional de desenvolvimento” (2007: 79). Para tan-to, além de reformas institucionais que fortale-çam o Estado e o mercado, ajuste fiscal parapropiciar poupança pública, redução das taxasde juros de curto prazo, câmbio administrado ecompetitivo e restrições à livre mobilidade de ca-pitais, quando necessárias, devem fazer parte deuma agenda novo-desenvolvimentista para os paí-ses em desenvolvimento (ou emergentes), dentreos quais o Brasil.

Ao concluir, Luiz Carlos Bresser-Pereira for-mula a seguinte pergunta: “Terá o novo desen-volvimentismo condições de se tornar hegemôni-co na América Latina como foi no passado odesenvolvimentismo?” A experiência do novo-desenvolvimentismo dos países dinâmicos daÁsia, a estratégia econômica adotada pela Argen-tina, pós-crises cambial de 2001-2002, e a reno-vação do pensamento, em termos políticos e eco-nômicos, novo-desenvolvimentista na AméricaLatina levam Luiz Carlos Bresser-Pereira a escre-ver que “tudo indica que o tempo do neolibera-lismo e da ortodoxia convencional passou, e quenovas perspectivas estão se abrindo para a re-gião” (2007: 95).

No capítulo 3, José Luis Fiori “olha” paraa esquerda latino-americana tendo como pano defundo as mudanças do pensamento de esquerda,em nível mundial, quando se abandona “o ‘obje-

tivo final socialista’ ... e [se] assume uma posiçãodefinitivamente ‘pró-capital’” (2007:104). Indonessa linha, o autor mostra que o “processo re-visionista” do pensamento de esquerda europeu,que inclusive fez nascer a “Terceira Via”, alicer-çado em reformas políticas, econômicas e sociaisliberalizantes, acabou se espraiando para os paí-ses latino-americanos, uma vez que, na década de1990, a “esquerda” latino-americana converteu-se às políticas preconizadas pelo Consenso deWashington.

Todavia, diante do fracasso da experiêncianeoliberal na América Latina nos anos 1990 –fracasso esse caracterizado pelo pífio crescimen-to econômico e pelo aprofundamento das desi-gualdades sociais na região –, José Luis Fiori con-clui que, “passada a euforia liberal”, a AméricaLatina, no novo milênio, pode estar “vivendo oinício de uma nova etapa de convergência ... ‘vir-tuosa’ entre a ação ‘autoprotetora’, nacional ouregional, dos novos governos de esquerda latino-americanos, e a ação reivindicativa e mobilizado-ra dos movimentos sociais e partidos de esquer-da que lutam na região, contra a desigualdade ea polarização da riqueza e da propriedade priva-da” (2007: 123).

O capítulo 4, escrito por Maria Regina Soa-res de Lima e Marcelo Vasconcelos Coutinho,analisa as condições políticas e econômicas parao processo de integração regional na América doSul, pós hegemonia do “neoliberalismo radicalna região” dos anos 1990. Para tanto, inicialmen-te, os autores mostram que o regionalismo expe-rimentado pelos países sul-americanos na décadade 1990, centrado nos acordos de livre-comércio,na abertura das contas de transações correntes ede capitais do balanço de pagamentos e nas re-formas pró-mercado, “não trouxe prosperidadepara todos [países] , nem o crescimento sustenta-do do passado” (2007: 129). Em seguida, MariaRegina Soares de Lima e Marcelo VasconcelosCoutinho argumentam que o regionalismo naAmérica do Sul deve ser uma resposta à globali-zação, representando, assim, mudanças substan-ciais no modelo de desenvolvimento político, eco-nômico e social dos países. Nesse particular, elesentendem que as recentes vitórias de “candidatu-ras mas à esquerda na região [América do Sul]trouxe de volta o nacionalismo como ideologiaorientadora das ações de governo” (2007: 146).Em conclusão, os autores escrevem que “[a] en-trada da Venezuela no Mercosul e a consolida-

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ção da Comunidade Sul-Americana de nações ...podem caminhar no intuito de constituir uma in-tegração ... sem hegemonismos ... que ... incor-pore ... toda a América do Sul, e estabeleça umacoordenação política colegiada com maior parti-cipação da sociedade” (2007: 148).

No capítulo 5, Fabiano santos, Márcio Vi-larouca e Thaís Mantovani analisam, comparati-vamente, as relações entre os poderes Executivoe Legislativo nos governos Fernando HenriqueCardoso (FHC) e Lula da Silva, primeiro manda-to, tendo como referência a “montagem e o fun-cionamento” de coalizões de centro-direita, go-verno FHC, e de centro-esquerda, governo Lulada Silva. A conclusão dos autores é que pelo fatodo governo FHC ter articulado uma base de apoioparlamentar mais “contígua no espaço ideológi-co”, não houve maiores resistências para a apro-vação de emendas constitucionais e o governoFHC “funcionou de maneira previsível e discipli-nada”. O Governo Lula da Silva, em contrapar-tida, pelo fato da sua base de apoio parlamentarser muito heterogênea, foi “marcad[o] por umequilíbrio mais frágil” (2007: 177).

O capítulo 6, de autoria de Jorge Ruben Bi-ton Tapia, apresenta uma “interpretação sobre osignificado e possíveis desdobramentos do pro-cesso de criação e consolidação do Conselho deDesenvolvimento Econômico e Social (CDES)”,durante o governo Lula da Silva (2007: 181). Oobjetivo é examinar como o modus operandi doCDES foi capaz de articular uma proposição dedesenvolvimento econômico e social para o Bra-sil, alternativa ao capitalismo liberal herdado dogoverno Fernando Henrique Cardoso. Partindode uma taxonomia sobre as possíveis formas de“concertação” e das experiências de CDESs emalguns países europeus, fundamentais para sub-sidiar os argumentos do autor, Jorge Ruben Bi-ton Tapia mostra que o CDES, na gestão TarsoGenro, foi centrado em uma agenda de discussãoe proposições de encaminhamento de reformasinstitucionais, ao passo que na gestão JacquesWagner, o CDES foi caracterizado pela constru-ção de uma Agenda Nacional de Desenvolvimen-to (AND). A AND, por sua vez, acabaria balizan-do as principais propostas do Programa deAceleração do crescimento, lançado em janeirode 2007. O Autor conclui que o CDES represen-ta um “espaço qualificado e representativo de de-bate e formulação de propostas para o governo eo país” (2007: 228).

No capítulo 7, Celina Souza analisa a pro-blemática das regiões metropolitanas do País. Otexto examina a questão institucional metropoli-tana nos seguintes contextos: mudança do regi-me político, a partir da redemocratização do Bra-sil e, principalmente, da Constituição de 1988;sistema federativo; e relações intergovernamen-tais. Partindo de uma análise à la path dependecy,a autora conclui que: inicialmente, a gestão dasregiões metropolitanas, durante os governos mi-litares, foi marcada “pela centralização e pela au-sência de mecanismos de cooperação entre as es-feras governamentais” (2007: 257); no períodoimediatamente após o processo de redemocrati-zação a sobrevivência, em termos de gestão, dasregiões metropolitanas tornou-se quase impossí-vel; e no período pós-Constituição de 1988 e cons-tituições estaduais de 1989, o tema sobre a ges-tão das referidas regiões reapareceu na agendapública, principalmente por se ter “um contextopolítico-institucional diferente, caracterizado porum federalismo que equilibra o poder político etributário dos três níveis de governo ... e que ab-sorva as novas tendências e demandas de um re-gime democrático, do sistema federativo e das re-lações intergovernamentais” (2007: 257-258).

O capítulo 8, de autoria de Marta Arretche,realiza uma análise comparada entre os Estadosfederativos e unitários da América Latina, enfa-tizando as relações entre federalismo e políticassociais. Observando o percentual de gastos so-ciais sobre o PIB para alguns países selecionadosda América Latina, uma das constatações da au-tora é a de que “[o] nível de gasto social dos Es-tados federativos latino-americanos ... é muitopróximo ao da média dos países da OCDE ... [e]mais elevad[o] que a dos Estados unitários naAmérica Latina” (2007: 265-266). No caso doBrasil, a autora conclui que “embora a autono-mia política, a descentralização fiscal e a descen-tralização intrapartidária promovam obstáculosà coordenação nacional de políticas [sociais], elassão compensadas pela legislação federal e pelaconcentração das funções de financiamento e nor-matização na União, ambas centralizando a au-toridade sobre políticas e viabilizando políticashomogêneas no território nacional” (2007: 293).

Por fim, o capítulo 9, escrito por CarlosHenrique Santana e Yuri Kasahara, investiga oprocesso de integração regional da América doSul sob a ótica financeira. Para tanto, as atençõesvoltam-se três aspectos: a internacionalização do

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sistema financeiro entre os países sul-americanos;a criação de linhas de crédito regionais direcio-nadas para o financiamento de investimentos deinfra-estrutura e de operações de comércio inter-nacional; e as recentes iniciativas do governo ve-nezuelano em adquirir títulos da dívida públicade alguns países da América do Sul. O tema dotexto é pertinente principalmente pelo fato de que,a partir da reestruturação do Mercosul, tem-sediscutido, por um lado, a possibilidade de imple-mentação de um mercado comum na América doSul e, por outro, foi criado no final do ano pas-sado o Banco do Sul. Em suma, as questões apre-sentadas pelos autores, as perspectivas em tornode uma integração mais dinâmica da América do

Sul e a criação do referido Banco constituem-se,parafraseando os autores, em “um conjunto dearticulações [que podem ser] responsáveis pelaintegração financeira e comercial da América doSul” (2007:326).

Concluindo, os textos, escritos por acadê-micos e pesquisadores de diferentes áreas dasCiências Sociais, apresentam uma qualificadacontribuição acerca dos desafios políticos, eco-nômicos e sociais com que se defrontam os paí-ses em desenvolvimento.

Fernando Ferrari FilhoProfessor Titular da UFRGS

e Pesquisador do CNPq

A Era da Turbulência Alan Greenspan (org.)Rio de Janeiro: Campus

Instigante. É a primeira idéia que vem a ca-beça de quem teve o prazer de ler as quase 500páginas desta auto-biografia de um dos econo-mistas mais importantes da atualidade. Por umlado, a leitura de “A Era da Turbulência” mos-tra claramente que o seu autor tem uma visão demundo que muitos no Brasil chamariam de neo-liberal. Em alguns trechos, Alan Greenspan fazuma defesa quase que apologética da economiade livre-mercado. Isso certamente irá desagradaras pessoas que acreditam que o futuro da huma-nidade é o socialismo. Por outro lado, o “velhomaestro” é pragmático o suficiente para reconhe-cer não só o seu papel limitado como presidentedo FED para a fase de maior prosperidade na eco-nomia dos Estados Unidos após o colapso do Sis-tema de Bretton Woods, como também o papelnecessário da política monetária como estabili-zador das economias capitalistas modernas.

Um primeiro aspecto que chama a atençãodo leitor de “A Era da Turbulência” é o métodode análise de Greenspan como economista. To-mando como base a discussão feita por Tony Law-son sobre a natureza da economia heterodoxa,podemos afirmar, com pouca margem para dúvi-da, que Greenspan é um bom economista hetero-doxo. Isso porque as suas análises como consul-tor de investimentos na Tonwsend-Greenspan e,

posteriormente, como Chairman do Federal Re-serve não se baseavam na aplicação de métodoseconométricos sofisticados a uma massa de da-dos agregados; mas sim numa análise cuidadosadas séries econômicas a nível desagregado, ex-traindo-se inferências das mesmas tendo comobase apenas a teoria econômica a nível mais ele-mentar e o bom-senso. Sua desconfiança dos mo-delos econômicos e da econometria está apoiadana idéia de que as economias capitalistas são es-sencialmente dinâmicas (não-ergódicas). Dessaforma, a inferência estatística tende a produzirestimativas viesadas dos parâmetros das equaçõesestruturais dos modelos econômicos.

Essa habilidade para extrair informações deuma massa de dados econômicos com o intuitode subsidiar a tomada de decisões foi extrema-mente útil para a condução da política monetá-ria norte-americana na segunda metade da déca-da de 1990. Com efeito, Greenspan relata que nareunião do FOMC de 24/09/1996, os diretoresdo FED estavam bastante receosos quanto ao rit-mo de crescimento da economia norte-america-na. Havia entre alguns diretores a sensação deque a economia dos EUA estava crescendo rápi-do demais e que isso iria, mais cedo ou mais tar-de, causar uma aceleração da inflação, a não serque o FED pusesse o pé no freio por intermédio