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Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina Carlos Eduardo Martins

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Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina

Carlos Eduardo Martins

Sumário

Introdução ......................................................................................................................................1 Testemunho do autor ...................................................................................................................5 Debate ...........................................................................................................................................16

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Introdução

A tese Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina, defendida e aprovada com distinção no Departamento de Sociologia da USP, em maio de 2003, por banca examinadora formada por Sedi Hirano (orientador), Theotônio dos Santos, Octávio Ianni, Ricardo Antunes e Ricardo Musse é parte de reflexões e preocupações que desenvolvo de longa data e que pude aprofundar e sistematizar nos últimos anos.

Elas se iniciam nos anos 80 quando grande parte do Brasil e da América Latina se movem em torno às expectativas de grandes reformas que promovam a redemocratização, o aprofundamento das liberdades políticas, o desenvolvimento econômico e a justiça social. A frustração de grande parte destas expectativas tornam esta década um período de grande radicalização social e política. A maior capacidade de organização popular que se alimenta do processo de redemocratização e ao mesmo tempo o impulsiona se confronta com as resistências das classes dominantes à distribuição da renda, da propriedade e à promoção da eqüidade. O lançamento mundial da ofensiva neoliberal, desde os governos Reagan, Thatcher e Kohl, expõe a fragilidade dos projetos de modernização desenvolvidos na região com o batismo da potência hegemônica. À crise da dívida externa se articulam o incremento da desigualdade, da pobreza, do subdesenvolvimento, da financeirização, da inflação, da criminalidade que tornam a democratização uma experiência com precária substância social. A problemática latino-americana apresenta alta convergência e os sonhos de “milagre” dos anos 70 se desvanecem, criando as condições para uma maior aproximação do Brasil à região. Em minha graduação em Sociologia e Política na PUC-RJ, realizada entre 1984-89, encontrei ambiente estimulante e criativo que me permitiu despertar para importância destas temáticas e dar meus primeiros passos na tentativa de compreendê-las e sistematizá-las. Tive a oportunidade de ser aluno de grandes professores como Theotônio dos Santos, Leandro Konder, José Nilo Tavares, Gisálio Cerqueira Filho, Aluísio Alves Filho, Alberto Noé e Nelson Mello e Souza, para citar apenas alguns. Aproximei-me do pensamento latino-americano e situei a problemática da dependência e do capitalismo periférico como um tema central de pesquisa, preocupação que mantive desde então. Movido pela radicalização da conjuntura brasileira concentrei-me na questão das alternativas para realizar minha monografia de fim de curso, dedicando-me à questão dos projetos para superar a desigualdade e consolidar no Brasil uma democracia socialmente substantiva.

A vitória de Collor de Mello leva a aplicação das políticas neoliberais para o seio do Estado brasileiro. Ele aprofunda a desindustrialização, iniciada na segunda metade dos anos 80, com a brutal recessão de 90-92 e desmonta em grande parte a ofensiva sindical que se acumulava na década anterior. Nesse contexto, ingresso em 1991 no mestrado em Administração Pública da EBAP/FGV e redireciono em parte minhas linhas de pesquisa anteriores. A vitória do neoliberalismo na América Latina com o estabelecimento do Consenso de Washington e a retração do campo socialista com a dissolução da União Soviética restringiu provisoriamente a questão das alternativas e me levou a iniciar uma linha de pesquisa dedicada ao estudo da reorganização mundial

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do capitalismo e seus impactos na América Latina e no Brasil. Para isso iniciei o estudo da reestruturação tecnológica do capitalismo contemporâneo, eixo de sua reorganização, apoiando-me nos conceitos de revolução científico-técnica, paradigmas tecnológicos e organizacionais. Nesta época estabeleci ou solidifiquei contatos que foram decisivos em minha vida acadêmica. Para a análise reestruturação do capitalismo foram fundamentais as participações de Theotônio dos Santos e Ruy Mauro Marini. De Marini recebi orientação para a leitura de O Capital relacionando-o à conjuntura contemporânea. De Theotônio dos Santos a orientação para o estudo dos ciclos longos, da revolução científico-técnica e do sistema mundial, âmbito no qual considerava dever ser inserida a problemática da dependência. Também foi bastante importante no período minha aproximação do Instituto de Economia Industrial da UFRJ. Este era um dos principais centros de oposição às políticas neoliberais no Brasil e tomava como eixo de sua crítica a ênfase nas políticas industriais e na sua reformulação paradigmática. Ali fiz vários créditos ou assisti como ouvinte cadeiras ministradas por Fábio Erber, José Ricardo Tauile, José Luiz Fiori, Luiz Carlos Prado, José Carlos Ferraz, Paulo Tigre e Reinaldo Gonçalves. Minha dissertação de mestrado, sob a orientação de Paulo Emílio Mattos Martins, intitulou-se Globalização e capitalismo: considerações teórico-metodológicas sobre os novos padrões da acumulação de capital e seus impactos nas políticas científico-tecnológicas. Nela mostrava o papel que as políticas de ciência e tecnologia ou industriais cumpriam nos países centrais e nos países dependentes na reestruturação mundial do capitalismo. Sugeria, tomando em consideração o caso brasileiro, que a reestruturação na América Latina sob o signo do neoliberalismo deslocava em grande parte os investimentos em ciência e tecnologia dos setores de maior valor agregado e dedicados ao mercado interno, como bens de capital, para os de menor valor agregado e articulação internacional.

A linha de pesquisa que havia aberto era colossal e seus desdobramentos teóricos e analíticos bastante vastos. Será no doutorado que irei alcançar uma visão mais integrada articulada de seus vários elementos. Para isso diversos fatores irão concorrer. Entre eles está o meu ingresso em importantes redes de pesquisa internacionais como a REDEM (Red de Estudios sobre Economia Mundial) e a REGGEN (Cátedra e rede Unesco/UNU sobre globalização e desenvolvimento sustentável) A REDEM é uma rede ibero-americana sediada em Puebla, na Faculdade de Economia da Benemérita Universidade Autónoma de Puebla, sob a direção de Jaime Estay Reino. Realiza encontros anuais dos quais participei em Puebla (2000), Rio de Janeiro (2001), e Lima (2003). A REGGEN é uma rede mundial dirigida por Theotônio dos Santos, está sediada no Rio de Janeiro e realiza reuniões bi-anuais. Seu primeiro encontro foi realizado em 2003 no Rio de Janeiro. Nesses seminários internacionais pude debater e estabelecer contato com grandes expressões do pensamento científico mundial como Immanuel Wallerstein, Giovanni Arrighi, Samir Amin, Aña Esther Ceceña, Orlando Caputo, Beverly Silver, Anibal Quijano, Julio Gambina, Elmar Altvater, Gao Xian, Manorajan Mohanthy, Andre Gunder Frank, Daniel Olesker, Vladimir Davidov, Sunanda Sen, Francisco Lopez Segrera e Adrián Sotelo Valencia entre vários outros. Na USP, meu orientador, Sedi Hirano, um dos herdeiros do pensamento de Florestan Fernandes, me abriu o espaço

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para a aproximação de importantes representantes da tradição crítica do pensamento paulista como Octávio Ianni, Francisco de Oliveira, Emir Sader, Ricardo Antunes e Luciano Coutinho. Todo este ambiente foi decisivo para o desenvolvimento de minha tese.

Globalização, dependência e neoliberalismo está dividida em sete capítulos. Nos quatro iniciais busco analisar as tendências contemporâneas do sistema mundial, lançando mão de uma análise ao mesmo tempo prospectiva e retrospectiva. Para isso articulo as tendências seculares e cíclicas do que Wallerstein chama de moderno sistema mundial. Neste ponto a tese apresenta uma teoria original da conjuntura contemporânea que está baseada na articulação das principais expressões de sua longa duração: a inflexão nas tendências seculares da acumulação de capital, provocadas pela mundialização da revolução científico-técnica, a nova fase que se apresenta desde os anos 70 nos ciclos sistêmicos, teorizados pelo grupo do Fernand Braudel Center, e o novo período que se apresenta desde 1994 nos ciclos de Kondratiev, teorizados pelo economista russo Nicolai Kondratiev e resgatados pelos teóricos da dependência, sobretudo, por Theotônio dos Santos. Os capítulos 5, 6 e 7 dedicam-se à rearticulação dos países dependentes no âmbito do sistema mundial sob a hegemonia do neoliberalismo, focando o caso latino-americano e, em particular, os de Brasil, Argentina, México e Chile. No capítulo 5 faço uma ampla revisão das diversos enfoques sobre a questão do desenvolvimento produzidos na região ou que sobre ela tiveram grande influência, situando-os a luz da história. Liberalismo, nacional-desenvolvimentismo, teorias da modernização, teorias da dependência, endogenismo, neodesenvolvimentismo, neoliberalismo e teorias do sistema mundial são analisados e as teses de seus principais autores: David Ricardo, Raúl Prebisch, Celso Furtado, Maria da Conceição Tavares, Walt Rostow, Gino Germani, Roberto Campos, José Carlos Mariátegui, Paul Baran, Andre Gunder Frank, Theotônio dos Santos, Ruy Mauro Marini, Orlando Caputo, Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Enzo Falleto, Agustín Cueva, Francisco Weffort, Jorge Castañeda, João Manuel Cardoso de Mello, José Luis Fiori, Antônio Barros de Castro, John Williamson, Lídia Goldenstein, Gustavo Franco, Immanuel Wallerstein e Giovanni Arrighi. Nesse contexto analiso a relação entre o capital estrangeiro e o desenvolvimento periférico e aproximo as teorias da dependência e do sistema mundial para estabelecer alternativas ao neoliberalismo e à dependência. No capítulo 6 busco teorização de uma economia política da dependência e de suas formas atuais. Central para isso será o conceito de superexploração do trabalho, desenvolvido originalmente por Ruy Mauro Marini. Mostro sua pertinência no âmbito da teoria do valor marxista, matematizando-o, e indico suas formas contemporâneas. No último capítulo abordo os efeitos do neoliberalismo sobre o desenvolvimento econômico e social da região, apontando sua dimensão cíclica. Indico um cenário bastante negativo de periferização, desnacionalização, desindustrialização (salvo o caso mexicano), aprofundamento da superexploração e insustentabilidade ambiental e afirmo que a passagem da América Latina a um novo Kondratiev ascensional pouco alterará este quadro, como o demonstram Chile e México, países que nele já teriam ingressado. Permeia diversos capítulos da tese a busca das alternativas tanto no plano do sistema mundial quanto no

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nacional e regional. A retomada desta linha de pesquisa que pretendo desenvolver e aprofundar em outros trabalhos é, em parte, expressão da crise política e econômica do neoliberalismo na região que se desenvolve de maneira mais sistemática a partir de 1998, ano em que ingresso no doutorado.

Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina está sendo atualmente preparada para publicação. Um de seus capítulos foi a base de um ensaio premiado pela CLACSO no concurso “Ensayos (2003): los legados teoricos de America Latina y Caribe”. A tese foi ainda objeto de um artigo de Theotônio dos Santos publicado na Revista Aportes (México) e na imprensa internacional onde o autor afirma que ela representa um “verdadeiro passo no avanço do conhecimento” e que “apresenta novos elementos no enfoque da continuidade teórica e analítica entre as teorias da dependência e do sistema mundial”.

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Testemunho do Autor

Considero realmente importante que se abra espaço para o pensamento acadêmico e que o país retome a reflexão sobre sua relação com a América Latina e a economia mundial. Fomos bem sucedidos quando ousamos tomar essa direção e o seu desmonte tem trazido conseqüências muito negativas para a nossa inserção internacional. É preciso se retomar no Brasil a tradição de pensar autonomamente e não apenas utilizar visões do cenário internacional dadas externamente, algo que limita muito nossa capacidade de nos relacionar com a economia mundial.

A tese se organizou basicamente em duas grandes partes, insinuando-se uma terceira que a atravessa. Na primeira parte propõe-se uma interpretação da conjuntura mundial contemporânea e de suas grandes questões – o que é globalização, o que é neoliberalismo e o porque de sua força apesar de sua crise de legitimidade. A segunda parte se concentra em analisar a maneira como nos inserimos no redesenho neoliberal da economia mundial. Finalmente se ensaiam alternativas. Se nossa inserção internacional é, como avaliada, bastante negativa perante uma globalização neoliberal, o que nos resta fazer? Lamentar ou há possibilidade de se buscar um caminho diferente e de se disputar os caminhos e a direção da globalização? Que força pode ter o processo de regionalização? E o estado nacional é uma instância superada nesse processo de construção de alternativas?

Na primeira parte da tese, foi feito um esforço em buscar uma interpretação própria da conjuntura mundial contemporânea. Para isso dialogamos com outras visões e propomos uma sistematização dos distintos enfoques sobre a globalização, nem sempre tomados em consideração quando se utiliza esta expressão. Uma corrente, que chamamos de globalista, vê a globalização como um fenômeno radicalmente novo, que rompeu com o sistema interestatal e criou uma sociedade fundada em instituições efetivamente globais. As corporações multinacionais e as instituições intergovernamentais se tornaram atores supranacionais e decisivos para a gestão desse sistema, o capital se desterritorializou e tende-se a identificar a forma financeira como sua expressão mais adequada. Podemos dividir os globalistas entre uma corrente que vê a formação desta sociedade global como um processo pacífico e harmônico, que se expressa em autores como Francis Fukuyama e Kenich Ohmae, e outra, de socialistas, que vêem na formação da sociedade global um processo no qual as lutas ainda se desenvolvem e se produzem grandes conflitos. A revolução ainda seria uma possibilidade, entretanto ela não ocorreria mais dentro do Estado nacional e sim no espaço global. Octávio Ianni, talvez seja o grande representante brasileiro dessa visão, mas devemos citar também os trabalhos de René Dreyfuss e no plano mundial os escritos de Toni Negri e Michael Hardt.

Uma segunda corrente teórica é a que defende a tese da hegemonia compartilhada. Entre seus principais autores estão Joseph Nye e Robert Keohane, que discordam dos globalistas ao afirmarem que o Estado nacional ainda tem um papel decisivo na organização da economia mundial, mas vêem na velocidade e amplitude dos fluxos do capital a formação de certas redes, de certas parcerias, entre as próprias corporações

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transnacionais, de onde emerge a necessidade do Estado se adequar a esse formato. A hegemonia não poderia mais se situar no plano exclusivamente nacional e teria que abarcar a construção de redes internacionais, onde ainda poderia ter um papel importante. Nye, por exemplo, ainda vê um papel de muita relevância para os Estados Unidos nas relações internacionais, mesmo que a hegemonia não possa ser exercida de forma unilateral como era anteriormente.

Uma terceira visão seria a dos neo-desenvolvimentistas, que também se dividem em dois grupos: aqueles que apóiam uma reorganização do capitalismo; e aqueles que acreditam que o desenvolvimento só pode ser retomado por meio de um enfoque socialista do sistema mundial. O primeiro grupo, que conta com autores como Maria da Conceição Tavares, José Luis Fiori e Susan Strange e o segundo com autores como Samir Amin e François Chesnais. Ambos coincidem no diagnóstico do capitalismo contemporâneo como um regime de acumulação financeirizado, havendo uma certa aproximação com alguns globalistas, resguardada a fundamental diferença de que, para os neo-desenvolvimentistas, esse regime financeirizado está muito correlacionado à força do Estado nacional, materializada nos Estados Unidos, fundada no poder do dólar e das armas. Segundos esses autores, não há muitas alternativas para o capitalismo financeirizado. Este tende a criar uma trajetória progressivamente depressiva que impediria o crescimento da economia mundial, crescimento este que pôde ser observado de maneira exemplar no pós-guerra. Os socialistas apostam num processo revolucionário que poderia partir de regiões ou Estados nacionais e os teóricos do capitalismo organizado acreditam na possibilidade de se retomar um ciclo de desenvolvimento dentro do capitalismo, desde que haja uma reforma do Estado hegemônico, ainda que não se apresente uma proposta concreta de reforma e que haja muito ceticismo para tal.

Outras duas visões nas quais me apoiei mais são as da teoria da dependência e da teoria do sistema mundial. Ambas se separam dos enfoques que mencionei, principalmente por levarem em conta, em suas análises da conjuntura mundial, a longa duração. Para essas teorias a globalização é um processo ainda em curso. Mas há diferenças entre essas duas visões de longo prazo. A teoria da dependência vê na globalização uma força revolucionária que se expande dentro do sistema capitalista, a partir de um certo momento, ligado a revolução científico-técnica. A revolução científico-técnica faz da subjetividade a principal força produtiva, por meio da ciência, e torna possível a gestão global do mundo. A teoria da dependência, vinculada a um enfoque marxista, tem entre seus principais autores Theotônio dos Santos e Ruy Mauro Marini. Theotônio dos Santos incorpora e desenvolve o enfoque tcheco de Radovan Richta, que coordenou no fim dos anos 1960 o amplo conjunto de estudos que foi à base do livro “La civilización en la encrucijada”, onde se procura mostrar que a revolução industrial estava sendo superada pela revolução científico-técnica que impunha o princípio da automação e iniciava um amplo processo de liquidação dos empregos industriais. Criavam-se então possibilidades amplas para a humanidade, mas as relações sociais que regiam a economia mundial não estavam ainda à altura destas possibilidades. Essas relações sociais eram ainda de natureza capitalista, criadas a partir

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do século XVI, ganhavam amplo desenvolvimento com a revolução industrial, mas eram insuficientes para gerir as novas forças produtivas que advinham da revolução científico-técnica. Cria-se o espaço para uma transição civilizatória. Mas nela desenvolve-se uma luta política dramática entre a tentativa de se apropriar dessas novas forças produtivas conservando-se as relações sociais de produção, com resultados profundamente negativos para o conjunto da sociedade, e a tentativa de ajustar as relações sociais às novas forças produtivas e gerar a nova civilização. O enfoque da teoria do sistema mundial traz o conceito extremamente fecundo de que a longa duração é formada por ciclos. Esta longa duração inicia-se no século XVI, quando se estabelece o sistema capitalista ou o que chamam de capitalismo histórico, baseado na articulação entre uma economia mundial impulsionada por fluxos de capitais e mercadorias e uma superestrutura política específica, que lhe é adequada. Esta superestrutura é o sistema interestatal dirigido, não por impérios, mas por Estados hegemônicos que combinam persuasão, coerção e consentimento. Para que essa hegemonia se materialize é fundamental que esses Estados consigam ser os grandes centros produtivos, comerciais e financeiros do mundo, o que lhes dá a capacidade de convencer outros a implementarem suas políticas. Os ciclos da longa duração seriam ciclos de hegemonia, também chamados de sistêmicos, e apresentam fases de expansão e crise mediadas por períodos de caos, onde desenvolvem-se guerras sistêmicas e mundiais que resultam na afirmação de um novo pais hegemônico que dirige a economia mundial para uma etapa superior de expansão. As análises do sistema mundial situam a gênese do período atual, entre 1967-73, quando teria se iniciado a crise de hegemonia dos Estados Unidos, que coincide com a mundialização da revolução científico-técnica através da generalização do paradigma microeletrônico. A visão desse grupo, onde despontam Immanuel Wallerstein e Giovanni Arrighi, é que em 1945-50 começou um ciclo de hegemonia dos Estados Unidos, que entrou em crise a partir de 1967-73, não havendo a possibilidade de sucessão de um novo Estado hegemônico. Estaríamos rumando para um período de caos sistêmico, no qual despontaria a questão civilizatória e o espaço para se reinventar o sistema-mundo. Outro conceito interessante para se entender a conjuntura atual, utilizado pela teoria da dependência, é o dos Ciclos de Kondratieff. Esses ciclos também são de longa duração, uma duração menor que a dos ciclos de hegemonia, e se referem às mudanças de paradigma tecnológico. Os paradigmas tecnológicos, de forma geral, têm o alcance de cerca de 50 ou 60 anos, período ao fim do qual haveria uma mudança na base tecnológica. Essas transformações tecnológicas exigiriam mudanças nos paradigmas organizacionais. Os períodos onde a ruptura tecnológica encontra uma forma de gestão adequada se constituem em períodos de desenvolvimento, enquanto aqueles nos quais isso não acontece se constituem em períodos de crise. A partir daí poderíamos caracterizar o período de crise que surge a partir de 1967-73 como uma fase cíclica em que não há a disponibilidade de uma base institucional e gerencial para impulsionar o paradigma microeletrônico que, entretanto, deve ser criada.

A partir desta discussão teórica procurei estruturar um enfoque próprio sobre a conjuntura contemporânea. Esse enfoque reúne basicamente três movimentos de larga duração. O primeiro deles é a revolução científico-técnica. Ao meu ver ela situa a

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globalização como uma força revolucionária, pois se confronta fortemente com as relações de produção capitalista. E porque podemos dizer isso? Por uma razão básica: as relações de produção capitalista sempre se basearam na geração de mais valia. O fator motriz do desenvolvimento do capitalismo como sistema mundial foi sua capacidade de produzir de maneira ampliada a mais-valia. Esta dependia de uma diferença fundamental: a diferença entre o valor do trabalho e o valor da força de trabalho. Quanto maior fosse essa diferença maior seria a taxa de mais-valia. Ora, a revolução industrial permitiu de fato uma ampliação muito grande da taxa de mais valia, porque foi criada uma forma de se gerar produtividade na qual a produtividade do trabalho coletivo se desenvolvia a expensas da qualificação do trabalhador individual. O processo de mecanização estabelecido pela revolução industrial é um processo de simplificação do trabalho físico, onde a máquina se torna o grande eixo do sistema produtivo e o trabalhador se converte em apêndice da máquina, tendo suas qualificações progressivamente reduzidas, o que reduz também relativamente um componente fundamental do valor da força de trabalho que é o seu tempo de formação. Nesse sistema a produtividade do trabalho se desenvolvia com grande independência da escolaridade do trabalhador médio que acompanhava com muito atraso e à distância este movimento. Se a revolução industrial criou um processo onde se podia aumentar a produtividade do trabalho desvalorizando a força de trabalho, a revolução científico-técnica ao substituir a mecanização pela automação como processo tecnológico fundamental, transforma o trabalho físico não mais em algo a ser simplificado, mas sim eliminado. Nesse novo contexto a desqualificação da força de trabalho já não pode mais ser a base da produtividade. Produz-se um salto dialético que torna o conhecimento e a qualificação a base da produtividade. A revolução científico-técnica inverte o sistema de geração de produtividades da revolução industrial e estabelece um sistema onde a produtividade depende do aumento relativo do valor da força de trabalho e não de sua redução. Isso cria uma grande dificuldade para o capitalismo incorporar a revolução científico-técnica, pois ameaça a taxa de mais-valia. A incorporação da força de trabalho qualificada passa a exigir então condições muito particulares, como a sua superexploração, que empurra os seus preços para abaixo do valor e a viabiliza. O capitalismo não consegue transformar massivamente o trabalho físico e intensivo em trabalho qualificado, motivo pelo qual uma das expressões dessa transição inconclusa ser o desemprego em larga escala que nivela os preços da força de trabalho abaixo do valor. Uma das expressões mais claras da superexploração no capitalismo contemporâneo é a retração dos salários nos Estados Unidos que são hoje inferiores aos níveis de fins dos anos 1960.

A revolução científico-técnica impulsiona, de fato, um componente fundamental que é a tendência decrescente das taxas de lucro. Marx afirmou que haveria um momento em que a taxa de mais valia avançaria de tal forma que comprometeria a massa de mais valia, derrubando de maneira irrevogável a taxa de lucro. Isso ocorreria porque a automação eliminaria a grande massa de trabalhadores explorados no processo produtivo, em razão dos vínculos das relações de produção capitalistas e de sua civilização com a força de trabalho desqualificada. Mas este cenário seria o ponto

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extremo de uma tendência de substituição da força de trabalho pela maquinaria que se desenvolve através de um longo processo que ainda está em curso. Alguns autores como Robert Kurtz acreditam que o capitalismo não já não pode mais gerar crescimento por ter atingido estes limites. Diferentemente, acredito que essa tendência não criou ainda uma limitação definitiva para a expressão de importantes contra-tendências. Marx ao mencionar as tendências decrescentes da taxa de lucro, sempre ressaltou as suas contra-tendências. As fases expansivas dos ciclos longos são um momento importante de expressão dessas contra-tendências, pois elevam as taxas de lucro. Podemos distinguir na fase expansiva dos Ciclos de Kondratieff, um segundo movimento de larga duração que incide na conjuntura atual. Defendemos que se inicia uma fase A, isto é, expansiva, a partir de 1994. Se, nos anos 1970, desata-se a fase depressiva do ciclo de Kondratieff vinculada ao paradigma microeletrônico, a partir de 1994 observa-se uma clara inversão desta tendência: aumentam as taxas de crescimento da economia mundial e a taxa de lucro nos Estados Unidos sobe radicalmente, aproximando-se dos níveis do pós-guerra, embora apoiada por componentes especiais como a superexploração da força de trabalho, que não são normais no funcionamento dos centros do capitalismo e que têm cumprido um papel importante na geração deste novo Kondratieff. Mas sobre esse Kontradieff incidem movimentos depressivos. Um já mencionado é o aprofundamento da revolução científico-técnica, e outro é a crise de hegemonia dos Estados Unidos que constitui o terceiro grande movimento de larga duração que incide sobre a conjuntura atual. Essa crise está vinculada ao fato de que os Estados Unidos está perdendo capacidade produtiva para o restante da economia mundial, desde o final dos anos 60, e uma das expressões disso é um déficit em conta corrente muito significativo que grande parte da burguesia estadunidense busca neutralizar por meio de uma política neoliberal. O neoliberalismo encontra sua força na condição de instrumento para resolver a crise de hegemonia dos Estados Unidos e conta para isso com apoio de segmentos muito expressivos da burguesia estadunidense. Esse é o motivo da força do neoliberalismo na conjuntura atual. Entretanto, fracassa em sua tentativa e o máximo que consegue é controlá-la a curto e médio prazo às custas de seu aprofundamento e ampliação.

O neoliberalismo está vinculado, de um lado, à racionalização capitalista das novas potencialidades microeletrônicas, que viabilizam a construção de escalas globais de produção e consumo e permitem a construção de um comércio internacional profundamente articulado, sem custos tarifários. Mas, de outro lado, ele também está muito vinculado à crise de hegemonia dos Estados Unidos. Porque? Porque os Estados Unidos têm entre os determinantes de sua crise a elevação de seus custos de produção em relação ao restante da economia mundial. Uma das razões disso é a presença de uma classe operária ativa, e uma das formas de se desmontá-la é utilizar o mercado mundial para nivelar por baixo os salários domésticos. Os Estados Unidos, através de suas frações burguesas mais ligadas aos oligopólios globais, defendem um enfoque favorável à abertura dos mercados, buscando na força de trabalho superexplorada do terceiro mundo um elemento capaz de pressionar para baixo os salários do país. As empresas globais aproveitam essas condições para criar uma nova divisão internacional do

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trabalho, que é sensivelmente diferente de outras estabelecidas anteriormente, pois através dela se utiliza a força de trabalho da periferia para exportar produtos que competem com parte importante da especialização produtiva nos países centrais. No período de hegemonia inglesa, a divisão internacional do trabalho situou a produção industrial nos países centrais e a produção agrícola nos países periféricos. Durante a fase expansiva da hegemonia dos Estados Unidos, havia uma divisão internacional do trabalho na qual os Estados Unidos descentralizaram os segmentos atrasados da sua indústria para países periféricos, dirigindo sua produção, em larga medida, para o mercado interno destes. Mas com as possibilidades de interconexão criadas pela microeletrônica, que permitem que a gestão de uma firma possa ser realizada de maneira global, descentraliza-se para os países da periferia tecnologias bastante sofisticadas que exportam para o mercado mundial, a preços mais competitivos, produtos que são elaborados nos próprios países centrais. As empresas capazes de se organizar transnacionalmente para internalizar esta redução de preços, atingem reduções de custos e elevações das taxas de lucro e beneficiam-se profundamente desta situação. A abertura do mercado dos Estados Unidos é uma forma de diminuir os custos de produção, principalmente nivelando por baixo salários domésticos, destruindo sindicatos, pequenas e médias empresas ou empresas de base nacional e criando uma situação de desemprego crescente. O neoliberalismo também gera uma abertura financeira que possibilita aos Estados Unidos manter um poder para sua moeda, que é extremamente artificial, e com isso cobrir o déficit em conta corrente sem ter necessidade de ajustar o câmbio no plano mais imediato. Isso também permite que a burguesia estadunidense mantenha sua massa de riqueza inflada por um período considerável, algo que não aconteceria se fosse necessário um ajuste mais imediato. Mas essa aventura neoliberal é muito arriscada. A fase de crise do ciclo de hegemonia pressiona para baixo o Kondratieff porque cria no sistema uma bolha especulativa, decorrente do fato de que os Estados Unidos mantêm o dólar num valor insustentável. Nesse aspecto discordo fortemente do grupo neo-desenvolvimentista que afirma que os Estados Unidos podem manter sem problemas a sua hegemonia em razão de sua liberdade para poder fixar o dólar no valor que quiserem. Em verdade não podem. A idéia que dá fundamento a este raciocínio é a de que os Estados podem criar qualquer dívida se possuírem a moeda com a qual as dívidas são pagas. Mas essa é uma idéia que só pode ser manejada em termos virtuais. Se os Estados Unidos começassem a imprimir dólar na proporção necessária para pagar suas dívidas, gerar-se-ia uma corrida mundial violentíssima contra o dólar, que implicaria numa desvalorização descontrolada e brutal dessa moeda. Isto limitaria a possibilidade de uma desvalorização planejada que somada à resistência da burguesia estadunidense em aceitá-la, impulsionaria o paradoxo de que o déficit em conta corrente cresce ancorado ao dólar que se mantém num patamar insustentável a longo prazo. A valorização do dólar cria ainda problemas sérios para o crescimento da economia dos Estados Unidos. Um dos problemas que inviabilizou a continuidade do crescimento econômico durante a gestão Clinton foi o fato de que o dólar valorizado implicou num bombardeio de mercadorias do mercado internacional, a preços subsidiados internamente pelo câmbio, que obrigou os empresários domésticos a manterem seus

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preços em níveis muito baixos. Isto determinou um baixíssimo poder de negociação com suas classes trabalhadoras, pois quando o crescimento econômico reduz substancialmente os níveis de desemprego, a mais leve pressão salarial derruba as taxas de lucro nos Estados Unidos, justamente porque os empresários não têm margem de manobra para elevar preços. Nesse arcabouço macroeconômico os Estados Unidos são um país que não podem gerar inflação e tem suas perspectivas de crescimento econômico bastante limitadas.

Essa aventura neoliberal se torna ainda mais arriscada porque não desponta um sucessor capitalista para resolver as questões advindas da crise de hegemonia, como houve em outras situações. Em outras ocasiões o país em crise de hegemonia, a partir de um certo momento, passou a investir em um sucessor, investimento que garantiu a continuidade do sistema interestatal e garantiu que a posição do Estado em decadência fosse pacífica e não imperialista. Hoje, a ausência de um país em posição de substituir os Estados Unidos está levando uma parte de sua burguesia a flertar fortemente, ou mesmo realizar um projeto de cunho imperialista e fascista. A vinculação entre neoliberalismo e fascismo não é nenhuma aberração e está inscrita como possibilidade no próprio quadro teórico do pensamento neoliberal. Autores como Milton Friedman dizem o seguinte: “Porque somos neoliberais e não liberais? A diferença em relação ao liberalismo do século XIX é que ele partia da liberdade política para chegar à liberdade econômica. Nós fazemos o contrário”. Então, eles podem apoiar ditaduras desde que estas ditaduras criem o arcabouço de funcionamento da economia neoliberal. Isso explica o apoio desse grupo ao Pinochet e a outros representantes de idéias abertamente fascistas. Esse é um dos riscos que presenciamos no sistema mundial. Quais as alternativas para essa crise de hegemonia? As ameaças de retorno do imperialismo e fascismo são parte do desenho do cenário mundial no qual nos encontramos. Mas toda a crise sempre implicou em alternativas. Se verificarmos o que se exigia para que um Estado se tornasse hegemônico, veremos que se tratava de internalizar um diferencial de liderança produtiva, comercial e financeira sem paralelo no mundo. Na formação dessa liderança o poder chave era o poder produtivo. Mas hoje em dia, em relação à produção por exemplo, a própria natureza das novas tecnologias impede uma incorporação similar de poder num Estado nacional, ou numa região, porque um dos grandes problemas da nova base tecnológica para a gestão do capitalismo é que as inovações são profundamente ricas em difusão. Estudos da OECD sobre inovações tecnológicas mostram que os maiores esforços para se criar uma legislação sob patentes estão vinculados ao fato de que o inovador não consegue se apropriar dos principais resultados econômicos de sua inovação. Isto é, a inovação tecnológica hoje tem tal capacidade de gerar externalidades, que alguém que esteja perto da fronteira tecnológica consegue imitar essa inovação sem incorrer nos custos nos quais o inovador incorreu. Vê-se assim que há muita dificuldade em se cristalizar uma outra hegemonia. Então a solução não é outra hegemonia, e se fosse provavelmente teríamos que aceitar a idéia de uma nova guerra mundial em proporções mais vastas que a anterior já que todo o período de caos sistêmico foi regido por guerras de trinta anos – de 1618 a 1648 houve transição da hegemonia espanhola-genovesa para uma holandesa: depois, de 1792 a

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1815, houve a disputa entre França e Inglaterra que decidiu a transição da hegemonia holandesa para a inglesa; entre 1914 e 1945 houve a disputa entre o bloco dos Estados Unidos e o bloco capitaneado pela Alemanha fascista pela sucessão inglesa. Assim, se esse sistema for seguir adiante é possível que a humanidade não sobreviva. Então a solução é um sistema pós-hegemônico. Parece-me que a grande encruzilhada com a qual nos defrontaremos nos próximos anos é que se tende para a construção de uma bifurcação na economia mundial, que segundo cálculos baseados em medições das durações dos ciclos, deve se abrir por volta de 2015. Que bifurcação é essa? Sempre quando se inicia um período de crise hegemônica, se conforma um bloco competidor, antagônico, com vocação pra suceder a hegemonia. Se pensarmos, por exemplo, na crise da Inglaterra, que começa em 1870, veremos que esse é o período no qual surgem as unificações: a unificação alemã; a Guerra da Secessão dos Estados Unidos que reestrutura o país; e a Revolução Meiji. Aí estão se formando as bases políticas dos grandes competidores da hegemonia inglesa. Da mesma forma o período em que estala a crise de hegemonia dos Estados Unidos, 1967-73 é chave para se pensar as alternativas e os termos da bifurcação. Entre 1967-73 o que ameaça politicamente a hegemonia é o grande confronto entre o imperialismo e o antiimperialismo no Vietnã que marca os termos de uma nova bifurcação. De um lado estão as forças pós-hegemônicas, que encontram, em certa medida, seu primeiro sinal, no movimento antiimperialista que reuniu interesses transnacionais, não do ponto de vista das corporações, mas do ponto de vista das populações e que constituiu um poder social e político capaz de derrotar o imperialismo estadunidense. A derrota dos Estados Unidos no Vietnã foi uma derrota política e não militar, afinal ali morreram mais de um milhão de vietnamitas contra 57 mil estadunidenses. Foi uma derrota política. O Vietnã mostra a formação de uma força política alternativa que busca um mundo não mais pautado na competição e na liderança hegemônicas, mas sim pautado na solidariedade entre os povos. Esse espírito reaparece nos fóruns sociais mundiais quando se sugere que é possível uma outra globalização e um outro mundo que não seja o dirigido por um punhado de burocratas e empresários, volta nos movimentos pela paz que ganharam proporções vastíssimas a partir da intervenção dos Estados Unidos no Iraque. No outro lado da bifurcação, está a posição oposta de buscar o protagonismo a partir da dominação territorial e do império. Ela já é claramente desenvolvida no governo Bush que é um governo cuja doutrina de política externa, a doutrina da ação preventiva, é claramente fascista. Se substituirmos onde se lê “terroristas” por comunistas ou judeus, tem-se a doutrina de Hitler, de guerra total contra o inimigo, que deve ser destruído. Então esse é o patamar onde está em curso o destino do mundo. Agora, o que nós da América Latina temos a ver com isso?

Parece-me que a América Latina está jogando um dos piores papéis no mundo de hoje, pois se trata de uma zona de hegemonia regional dos Estados Unidos, que é um país hegemônico decadente. Os Estados Unidos utilizam a América Latina como uma instância regional justamente para prorrogar a decadência da sua hegemonia e a leva a praticar políticas insustentáveis, que são aceitas não por causa da força dos Estados Unidos, mas sim por causa da dependência de nossa burguesia em relação aos Estados Unidos. Isso significa que essas políticas neoliberais, do Consenso de Washington, que

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levam ao desmonte a arquitetura macroeconômica de crescimento da América Latina, na verdade, têm apoio interno na região. Por que podemos afirmar que as políticas neoliberais são insustentáveis e desmontam a arquitetura macroeconômica de crescimento econômico da região? Isso está relacionado com um dos pontos principais dessa tese, que está no capítulo 5 – Dependência e desenvolvimento no moderno sistema mundial –, que é a análise do papel do capital estrangeiro para o desenvolvimento latino-americano. O que representa o capital estrangeiro? Uma poupança externa que impulsiona o nosso desenvolvimento ou um fator de descapitalização? Fiz uma revisão da literatura teórica e dos dados empíricos e percebi que o resultado final é muito negativo. O capital estrangeiro saiu muito mais do que entrou no período de 1950 até hoje, o que em números representa 1 trilhão e 227 bilhões de dólares de remessas de capital enquanto as entradas foram de apenas 989 bilhões, significando uma taxa de lucro de cerca de 25% para os proprietários não-residentes. Isso se desenvolve ciclicamente, pois há períodos de predomínio das entradas seguidos de períodos de saídas que superam as entradas. O capital estrangeiro não é uma força capitalizadora da nossa região, o que obriga a América Latina a ter superávits comerciais estruturais para poder financiar o seu desenvolvimento. O neoliberalismo levou a América Latina, nos anos 90, a ter déficits comerciais violentíssimos. Na tentativa de compensar os custos dessa aventura e gerar novamente superávits, a América Latina avançou brutalmente no processo de superexploração do trabalho, de maneira a promover de fato a redução dos salários. Ruy Mauro Marini que teorizou a questão da superexploração do trabalho, distinguiu três mecanismos pelos quais funcionavam a superexploração. Um era o aumento da jornada de trabalho sem o aumento equivalente da remuneração; outro era o aumento da intensidade do trabalho, novamente, sem o aumento equivalente da remuneração; e por último, havia a redução salarial. Ruy Mauro Marini quando descreveu esses mecanismos concentrou-se nas formas mais abstratas e puras através das quais a superexploração operava. Por isso não se estendeu muito sobre sua combinação com certos elementos históricos como o aumento do valor da força de trabalho ligado ao nível de escolaridade. Ao tomar-se em consideração que a força de trabalho pode ter seu valor incrementado, é factível pensar que a superexploração pode promover um certo aumento do consumo interno se a expansão dos salários for inferior à expansão conjunta do valor da força de trabalho e da intensidade do trabalho. Esta parece ter sido a experiência do período de substituição de importações, mas o que estamos vivenciado é um processo distinto. Ele se caracteriza por uma violação tão profunda da sustentabilidade de nossa arquitetura macroeconômica que exige a superexploração nas suas formas mais dramáticas, isto é, combinando regressão salarial com aumento da qualificação da força de trabalho e da intensidade do trabalho. Isso tem se manifestado brutalmente na juventude latino americana e pode ser percebido ao se observar a taxa de desemprego entre a juventude no Brasil, que está acima dos 30%, enquanto a taxa de desemprego média se mantém entre 10% e 12%. Vê-se, então, que a juventude é o segmento mais superexplorado, com regressão salarial nítida, constituindo-se também na força de trabalho mais qualificada. Tem-se, aí, uma arquitetura econômica de perspectivas muito negativas. O câmbio

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flutuante como mecanismo para manter a economia aquecida, visando resolver o problema do déficit comercial, não é uma saída sustentável. Esta autocrítica do grupo do Consenso de Washington é insuficiente, porque o câmbio flutuante se desvaloriza em momentos de crise, quando o capital está saindo, e combinado com o aprofundamento da superexploração da força de trabalho restabelece um certo equilíbrio macroeconômico. Mas quando se reestrutura a economia e se criam novamente condições para a entrada de capital, o câmbio irá se valorizar e o saldo comercial obtido durante a crise se transformará novamente em déficit. O câmbio flutuante pode ser um instrumento útil num momento de crise para se recuperar uma certa organização econômica, mas num momento de entradas de capital vai alcançar novamente um patamar supervalorizado, e isso é um reflexo de que continuamos dentro de uma arquitetura macroeconômica insustentável, vinculada ao neoliberalismo. Outra conseqüência deste padrão é a que a América Latina está claramente aprofundando sua periferização e se aproximando mais da África que dos países centrais. Neste sentido, estamos repetindo ciclicamente o desempenho das colônias britânicas durantes suas crises – que foram os espaços da periferia de pior desenvolvimento na economia mundial. Uma demonstração disso está no desempenho do PIB per capita da América Latina. Em 1980 representava cerca de 33% dos países centrais e hoje está próximo aos 20%. Por outro lado, a relação do PIB per capita da América Latina com o da economia mundial variou no mesmo período de 120% para menos de 100%. A América Latina tem crescido abaixo da economia mundial e rumando para uma periferização brutal. É curioso se notar que o fenômeno da droga também se repete na América Latina, tal como a Índia, que para se sustentar como uma periferia capaz de equilibrar as contas britânicas, tinha que vender ópio para a China. O fenômeno da droga em escala massiva na América Latina é uma forma de se tentar equilibrar as contas, e mesmo de sobrevivência de parcelas mais desprovidas da população. Seguindo com os efeitos do neoliberalismo para a América Latina, pode-se dizer que ele está destruindo o nosso parque industrial, fazendo com que a industria como um todo tenha seu valor fortemente reduzido perante o PIB, e não se pode atribuir isso simplesmente a revolução científico-técnica, já que as atividades do setor de serviços que mais se desenvolvem aqui não são as relacionadas à alta tecnologia, mas as relacionadas às drogas, a prostituição, etc. O que tem acontecido diante dessa destruição do segmento industrial é que temos nos inserido em segmentos de baixo valor agregado internacional cuja competitividade só pode estar fundada na superexploração da força de trabalho. Estamos ajustando nosso setor produtivo impulsionando a exportação de commodities. No caso brasileiro tem-se feito bastante propaganda do agrobusiness e da importância de se exportar soja, suco de laranja, frango, etc. Mas no Chile há um exemplo terrível das conseqüências de se seguir esse tipo de reestruturação que encontra seus limites na deterioração dos termos da troca. Ali houve uma baixa brutal do preço do cobre em relação aos preços internacionais.

O cenário é bastante negativo. E quais são as alternativas para a América Latina? São alternativas políticas, mas que são freadas por uma dependência que está profundamente ligada ao fato de termos uma burguesia que, parece-me, não tem

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nenhuma pretensão de competir no sistema internacional e que é responsável pela dívida interna nas proporções atuais, sendo ela mesmo a grande beneficiária dessa dívida – 97% da dívida interna está nas mãos de atores nacionais. A nossa burguesia não tem, então, a pretensão de criar um segmento produtivo significativo no mundo, mas tem a pretensão de ter alta rentabilidade, não importando que a origem da renda seja a superexploração da força de trabalho, ou o seu controle monopólico sobre o Estado. Mas é importante dizer que não há apenas a burguesia, há uma parcela do movimento dos trabalhadores que se articulou ao neoliberalismo, formada pelos gestores do fundo de pensão e que é, hoje, um dos principais investidores da dívida pública e que não tem interesse que a taxa de juros caia. Assim, é fundamental romper com a dominação desses grupos, mas não considero que essa seja uma posição defensiva perante a globalização, pelo contrário. O exemplo da China mostra claramente que hoje é possível que um país periférico ganhe projeção na economia mundial a ponto de pretender ser centro, um movimento que não foi possível durante grande parte do desenvolvimento do capitalismo. Isso acontece exatamente porque o capitalismo vive uma crise estrutural profunda, na qual ele não é capaz de se adaptar a revolução científico-técnica, não é capaz de desenvolver totalmente uma nova divisão internacional do trabalho. Os centros do capitalismo têm grandes dificuldades em se apoiarem internamente, de forma ampla, na força de trabalho qualificada e se a periferia lhes puder dar uma força de trabalho qualificada e mais barata poderá ser beneficiada por uma grande migração dos investimentos que concorrerá com a força de trabalho e com as empresas dos próprios países centrais. Se os países periféricos enfrentarem a financeirização do sistema internacional e de seus Estados, se enfrentarem a captação de seus excedentes para pagamento de dívida externa interna, remessas de lucros, etc., com o objetivo de investir na qualificação da sua força de trabalho, na elevação dos salários dessa força de trabalho, podem criar não apenas um padrão econômico internamente exitoso, mas podem atrair o capital estrangeiro para participar deste padrão e gerar taxas de crescimento econômico extraordinárias. O Brasil pode se destacar dentro deste esquema. Um país semi-continental e heterogêneo como o Brasil tem um enorme mercado interno a ser conquistado e poderá fornecer força de trabalho qualificada, bem remunerada diante dos seus padrões históricos e ainda barata em níveis internacionais. Por isso considero leviana a hipótese de nos lançarmos ao neoliberalismo como única alternativa.

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Debate Comentário É difícil se ter uma discussão sobre globalização sem que se faça uma

sistematização do discurso, e você fez isso muito bem, imagino que a tese seja ainda mais interessante pela quantidade e profundidade das leituras incorporadas a ela.

O seu trabalho levanta uma diversidade incrível de temas e sub-temas. Particularmente não considero a decadência do país hegemônico tão evidente, acho que ele tem uma capacidade adaptação e readaptação inédita na história, o que é preocupante para alguns e benéfico para outros.

Pergunta Você traçou um cenário muito preocupante do mundo contemporâneo, diante dele

como ser otimista e acreditar na infância, na juventude e na renovação? Comentário Gostaria de falar sobre a formulação teórica. Entendi que o capitalismo, para você,

é uma totalidade sem um sujeito definido, na qual não se encontra um agente ao qual se possa reportar, seja a corporação transnacional, sejam os movimentos sociais transnacionais, ou mesmo o próprio conjunto de Estados nacionais. Mas nessa visão sem sujeito do capitalismo você se endereça ao Estado nacional, e a partir do Estado nacional ao conceito de hegemonia, especificamente à hegemonia dos Estados Unidos e à utilização que se faz de mecanismos econômicos como o câmbio para manutenção do ciclo hegemônico. Tendo dito isso, gostaria de ponderar o fato de você não ter feito, em nenhum momento, uma separação entre a instância ética e a instância econômica. Existe hoje uma instância ética global que se manifesta na sociedade civil, mas no sistema interestatal essa instância ética era o Estado nacional, o que Marx chamava junta administrativa da burguesia. Uma vez que a economia se torna transnacional, o Estado fica pequeno demais para comportar as transações, então não há uma instância ética multinacional que permita verdadeiramente a reformulação do sistema internacional, mas para que haja isso é preciso se propor teoricamente que o Estado está se modificando, e não encontro isso no seu discurso. Vejo apenas a idéia do capitalismo em processo, mas não vejo a idéia do Estado em processo.

Uma segunda observação é relativa aos mecanismos de manutenção da hegemonia dos Estados Unidos, tópico no qual acho que você não dá a importância devida à União Européia, ou seja, à área do euro, como também não dá importância à idéia de um capitalismo atlântico versus um capitalismo da Ásia-pacífico, que são bem distintos.

Pergunta Gostaria de fazer uma comparação numérica. Você disse que no Vietnã morreram

um milhão de vietnamitas enquanto morreram 57 mil americanos. Minha pergunta é se no Iraque os Estados Unidos já não teriam sofrido também uma derrota política, uma

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vez que morreram cerca de mil americanos e um número desconhecido, mas sem dúvida superior de iraquianos?

Outra questão é a respeito do que você falou sobre a fascistização dos Estados Unidos. Ontem a “Newsweek” divulgou uma reportagem, que foi endossada pelo “Washington Post”, sobre uma tentativa de se encontrar uma forma legal de postergar as eleições de novembro dos Estados Unidos com a justificativa de um possível atentado da Al-Qaeda. Isso não seria um Coup d’État dos neoconservadores para prolongar a administração Bush? Será que a Al-Qaeda faria um atentado anunciado com três meses de antecedência?

Pergunta Também gostaria de fazer comentários sobre o papel que a União Européia tem no

seu trabalho. Em um dado momento você se referiu a uma aliança entre o neoliberalismo econômico e a fascistização do comportamento dos Estados Unidos, com apoio a ditaduras e etc. Tenho a impressão de que isso não é uma novidade, e que não está necessariamente vinculado ao neoliberalismo. Em tempos anteriores, no período do próprio liberalismo de começo do século, viu-se uma recorrência de uma certa preocupação dos Estados Unidos em primeiro lugar com a estabilidade, e em segundo lugar com questões democráticas ou decorrentes desta, preocupações essas possivelmente vinculados ao papel de potência hegemônica. Assim, levanto a questão de porque, sendo a União Européia também capitalista, ela vêm ocupando uma posição tão diferente daquela dos Estados Unidos? Na minha opinião, a União Européia, sobretudo quando consegue agir coletivamente, tem uma projeção externa de um modelo interno no qual se tem determinados princípios ligados a questões da democracia e do capitalismo um pouco diferentes dos princípios neoliberais dos Estados Unidos. Então gostaria que você explicasse qual papel a União Européia ocupa realmente nesse processo, e em que medida um grupo de países também capitalistas e que tem ganhos com o neoliberalismo pode ter uma posição diferente daquela dos Estados Unidos.

Pergunta Gostaria de saber sua opinião sobre as possibilidades de relacionamento entre o

Mercosul e a Comunidade Andina e de que forma isso pode se constituir numa resposta econômica da região.

Pergunta Qual a melhor maneira de inserção do Brasil na economia mundial tal como ela

existe e tal como ela pode existir nesse turbulento século XXI, e quais são as políticas públicas fundamentais que devem ser adotadas para aumentar o espaço de inserção e tirar melhor proveito dela?

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Pergunta Queria fazer uma diferenciação dos momentos, entre o momento dos países de

vanguarda e da crise sistêmica desse capitalismo financeiro e o momento da América Latina. Se imaginarmos um trem no qual a locomotiva está em crise, temos uma saída baseada nesse modelo de antagonismo que você espera para 2015, ou no modelo nacionalista da década de trinta, similar ao que a China promove ou ao que Europa, que está muito preocupada consigo, faz? Qual alternativa você vê para o vagão da locomotiva nesse tumulto? Seria uma reestruturação baseada numa revolução de valor, no qual, talvez, o componente ecológico seja o novo valor a ser mensurado?

Dr. Carlos Eduardo Agradeço as perguntas e vou tentar satisfazê-las minimamente, pois são perguntas

complexas. Comecemos com a questão do otimismo e da ética. Quando exponho essa situação

dramática do sistema mundial não tenho a intenção de desanimar aqueles que buscam alternativas transformadoras, iniciativas que possam levar a humanidade a um lugar sustentável e pacifico. Entretanto, é importante saber que a história não é produto de uma razão e de uma ética que se desenvolva em si mesmo, ela é produto de lutas. Os momentos de reacionarismo já foram bastante significativos para mostrar que podem prevalecer e criar processos de destruição brutais. Wallerstein, um autor que aborda a questão da crise do moderno sistema mundial capitalista, sugere recorrentemente que devemos lutar por um outro mundo, mas sabendo que esse outro mundo não está garantido e que ele depende de lutas. Isso é fundamental para que mobilizemos toda a subjetividade possível para alcançá-lo. Se partirmos do principio de que a história naturalmente desembocará na ética, na paz, etc, estamos dando aos nossos antagonistas a possibilidade de se anteciparem na organização para estabelecerem seus objetivos e isso pode nos ser fatal. Claro, acho que temos que acreditar na infância, nos jovens, nos fóruns sociais cada vez mais expressivos, nos movimentos pela paz, mas há que se fazer mais. Não há dúvida que hoje vivemos um período no qual as forças imperialistas estão muito mais articuladas que as forças antiimperialistas. Mas esse espírito antiimperialista existe e está crescendo rapidamente, e devemos saber que temos que fazer mais do que estamos fazendo, porque o amanhã que desejamos ainda não está garantido.

Em relação ao capitalismo, entendo-o como uma totalidade, mas como uma totalidade contraditória, complexa, na qual existem as empresas transnacionais, os Estados, mas também uma lógica sistêmica. As relações internacionais não são relações entre Estados ou empresas dispersos, mas relações entre Estados e empresas que se dão dentro de um sistema, no qual há lutas para se organizar esse sistema, tanto que cada reorganização sistêmica foi precedida de guerras mundiais nas quais se disputou violentamente a hegemonia. Então, o fato de eu ver o capitalismo como uma totalidade contraditória que funciona com uma lógica sistêmica e objetiva, não significa dizer que esta lógica objetiva não esteja fundada em subjetividades – ela está. Concordo com a idéia de que, para se reestruturar o sistema mundial, deve haver uma força ética transnacional, e me parece que o que falta para isso é justamente a construção de um

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sistema interestatal radicalmente democrático, o que não está a vista e nem tem sido sugerido claramente pelos movimentos sociais, porque estes, em geral, mantêm uma posição muito defensiva, supondo que as organizações internacionais, onde estão os Estados nacionais, são inerentemente negativas. É necessário se avançar além dessa posição defensiva e postular a democratização radical das relações internacionais, fazendo da ONU um organismo democrático e não um organismo que seja expressão de hegemonias e de forças relativas de Estados nacionais. É necessário que as instituições financeiras internacionais sejam expressão da democracia mundial e não das hegemonias nacionais, o que privilegia os Estados Unidos e se expressa na discrepância do poder de voto. Por que isso é possível hoje? Porque, na verdade, falar em controle dos Estados Unidos sobre um organismo internacional não significa falar em algo que beneficie sua população no conjunto. Esse controle é exercido por uma classe social, cada vez mais em confronto com os interesses da maioria da população. Por exemplo, o controle que os Estados Unidos exercem hoje sobre o FMI é feito em beneficio das grandes corporações transnacionais. Isso tem feito com que certos organismos, que sempre estivem atrelados a hegemonia, como o movimento sindical AFLCIO, adotem posições de reformulação dos organismos financeiros internacionais descoladas de posições vinculadas a políticas patrocinadas pelo neoliberalismo estadunidense, buscando utilizar esses organismos como fontes de elevação da renda dos trabalhadores dos países periféricos. Isso acontece porque a divisão internacional do trabalho promovida pelas corporações multinacionais, na qual elas descentralizam tecnologia de ponta para os países periféricos – sem medo de perder o monopólio da tecnologia, já que este está cada vez calcado no conhecimento e não nos equipamento físico – permitindo que eles produzam para os países centrais, nivelando os salários destes países pelos salários da periferia e, portanto gerando uma situação que não interessa as populações dos paises centrais. As centrais sindicais estão começando a perceber isso, e estão estreitando os relacionamentos com os movimentos de trabalhadores e outras organizações da sociedade civil dos países periféricos. Dessa forma, vejo a possibilidade dos Estados reinventarem o sistema internacional, criando algo que o sistema interestatal do capitalismo histórico nunca criou, uma centralização democrática, mas que estará profundamente vinculada a lutas políticas transnacionais. Infelizmente, até hoje, o Estado, apesar de todas as modificações que sofreu e sofre, não fez emergir nenhuma proposta que seja mais efetiva para a criação dessa força ética internacional. Por exemplo, será que propostas recentes, como a de se ampliar o Conselho de Segurança da ONU com a entrada das potencias derrotadas da Segunda Guerra e alguns países periféricos, são realmente tão relevantes e capazes de nos conceder poder? Será que o sistema internacional seria profundamente modificado a ponto de criar uma força ética? Com isso pode-se atribuir algum poder de barganha a mais a alguns paises, mas isso não significa, por exemplo, que haverá uma homogeneização de posições ou um fortalecimento político dos países periféricos. Uma cadeira brasileira no Conselho de Segurança não faz do Brasil porta-voz da política latino americana, podendo ter um efeito adverso no posicionamento brasileiro, fazendo-o defender, como tem feito, a ocupação do Haiti, inclusive mandando suas próprias tropas para substituir as dos

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Estados Unidos. O argumento do governo brasileiro, do Marco Aurélio Garcia, é justamente baseado nisso: se queremos entrar no Conselho de Segurança, como poderíamos nos posicionar contra. Então, essa ampliação do Conselho, assim como iniciativas correlatas, não vão necessariamente criar uma força ética internacional, e por isso creio que a bandeira da democratização deve ser defendida da mesma forma que foi para os Estados nacionais. Se a sociedade civil visse o Estado como instrumento do capital, tal como acontecia durante as revoluções liberais, antes do sufrágio universal, o Estado até hoje seria apenas o comitê executivo da burguesia, como diria Marx. Contudo, o esforço do movimento social exigiu uma ampliação desse Estado, e esse esforço também deve ser dirigido ao plano internacional, mas depende do desenvolvimento das lutas políticas transnacionais.

Sobre a questão da União Européia, da Ásia-pacífico, como forças alternativas, acredito que elas têm um papel importante a desenvolver, mas que depende do tipo de gestão política que ali se exerça. Por exemplo, há uma diferença significativa entre a Espanha do Aznar e a Espanha do Zapatero. A derrota do Aznar tem bastante a ver com a questão do Iraque, com a luta política internacional contra a ocupação dos Estados Unidos, e significou a primeira grande derrota política contundente desse grupo. Então, a União Européia pode vir a ter um papel mais significativo, mas se hoje, ela tem buscado uma formulação de políticas públicas que vão além do neoliberalismo, isso ainda é muito restrito ao plano interno. A verdade é que as relações internacionais da União Européia não têm sido muito contundentes no sentido de criar uma proposta significativamente alternativa à que está presidindo o mundo, e assim, não vejo uma maturidade política que a permita ser uma força contra-hegemônica. Entretanto, na Ásia-pacífico há uma potencialidade contra-hegemônica grande, caso a região resolva assumir uma posição de política externa mais independente, pois é nela onde se sustenta hoje a hegemonia dos Estados Unidos. As grandes divisas da economia mundial estão sob controle da China e do Japão, e é a aplicação dessas divisas em bônus do tesouro, compras de empresas e ações estadunidenses que permite a continuidade desse modelo neoliberal. A partir do momento que essa região decidir não mais financiar o déficit em conta corrente dos Estados Unidos, o modelo neoliberal de políticas públicas patrocinado pelos Estados Unidos entrará em grave crise. Se a Ásia-pacífico assumir um modelo de regionalismo mais avançado, ela passará a representar um questionamento sério à hegemonia estadunidense, pois hoje esta depende bastante de que as fórmulas regionais não avancem suficientemente. Isto tem implicações em relação ao Mercosul: se decidirmos direcionar nossos excedentes de exportação para o nosso próprio desenvolvimento, isso pode se tornar uma ameaça significativa à hegemonia dos Estados Unidos. O Mercosul é possível desde que não represente uma real oposição à arquitetura de políticas públicas internacionais de natureza neoliberal. Mas o Mercosul não tem avançado nisso, tanto que as discussões continuam principalmente no plano do comércio, e não evoluem nas áreas de investimento, de cooperação científica, que devem ser os eixos de um bloco institucionalizado que ultrapasse o neoliberalismo, no qual se discuta aspectos além da abertura financeira e comercial tal como a direção conjunto dos investimentos, e aí o regionalismo tem um papel fundamental. Nesse sentido, o leste

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asiático vem se demonstrando o foco do dinamismo econômico do mundo, e assim tem ocupado o espaço do grande desafiador à economia estadunidense. E qual são as características da gestão dessas economias? Elas são intensivas em nacionalismo e regionalismo, intensivas em controle de capital – a China, por exemplo, não mantém sua moeda conversível ao dólar –, têm uma força de trabalho bem qualificada, com nível secundário completo, conseqüência de investimento em educação, investimento esse que pode ser realizado sem muita demora. Educação, como saúde, são elementos básicos para que haja uma força de trabalho qualificada. Acredito que devemos investir num sistema de ciência e tecnologia poderoso e depositar esforços na cooperação sul-sul, principalmente impulsionando estes pontos e agregando outros, como o planejamento de investimentos conjuntos. A China, a Índia, são países de grande dinamismo na economia mundial e capazes de atrair toda uma rede comercial e de investimentos que pode funcionar sob diretrizes mais cooperativas do que aquelas que a União Européia ou os Estados Unidos querem nos oferecer. Essa é uma iniciativa importante que pode, inclusive, condicionar os países centrais a reformularem suas próprias políticas. Já se pode vislumbrar, nos Estados Unidos, segmentos cuja mentalidade não é unilateral como a do Bush, que estão preocupados com o isolamento do país, havendo inclusive parcelas da burguesia que defendem a tese da hegemonia compartilhada, e era essa uma inspiração da comissão trilateral do Carter que vinha acompanhada da idéia de se manejar o mundo com mais flexibilidade. Livros como “Made in America”, que diz que a hegemonia dos Estados Unidos não tem que estar no mesmo nível do pós-guerra, ainda continuam tendo projeção, e esse especificamente, escrito em 1988 por um grupo de assessores econômicos durante a crise do governo Reagan, foi importante para as políticas do Clinton. Eles afirmam que o natural é os Estados Unidos perderem poder, e que devem se planejar para isso, abandonando a idéia de que podem se manter nessa posição tão excepcional que desfrutaram no pós-guerra, que foi, na verdade, fruto de circunstâncias. A rearticulação dos países derrotados e dos próprios países vencedores os leva forçosamente a uma redução nos diferenciais de produtividade. Então, esse grupo que defende a hegemonia compartilhada, um grupo centrista, vem demonstrando aproximação de uma posição mais democrática, ligada aos movimentos sociais, que pode ser fundamental para que os Estados Unidos venham a ter um papel progressista nessa transição. Não acho que os Estados Unidos estão obrigados a ter um papel fascista no mundo, mas isso acontecerá se o grupo imperialista prevalecer internamente. É importante ressaltar que essa transição não pode ser resolvida predominantemente por meios militares, pois se a proposta é buscar uma força ética transnacional não se pode derrotar a hegemonia por métodos que não os políticos. As forças imperialistas têm que ser isoladas dentro dos Estados nacionais, eticamente e politicamente isoladas, e já há uma iniciativa no mundo nesse sentido. O filme do Michael Moore, que se tornou uma peça chave na campanha eleitoral, demonstra a criatividade da sociedade civil em buscar interconexões, e as tecnologias de comunicação facilitam a disseminação das idéias, a transferência e mundialização de iniciativas que coloquem o movimento social numa etapa mais

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avançada, de maior confiança subjetiva. Assim, vejo com otimismo a possibilidade de construção de uma força ética transnacional.

Falando sobre a questão ecológica, considero-a fundamental, porque é necessário se buscar uma fonte sustentável de energia para a economia mundial. A revolução industrial e a hegemonia dos Estados Unidos criaram uma situação excepcional no mundo que é a fundamentação da energia sobre uma matéria prima não renovável, o petróleo. Dessa forma, a ciência e tecnologia dos trópicos têm papel importantíssimo, pois é uma região do mundo que detém dois componentes fundamentais, a biodiversidade, fonte energética do futuro, e petróleo, fonte energética atual. Se olharmos no mapa mundial, vemos que as regiões tropicais são limitadas, formadas basicamente por ilhas da Ásia, uma faixa na África e nós, uma região que vai do Pantanal até o sul do México, e isso define uma grande necessidade de haver um esforço regional para se resguardar esses espaços geopolíticos e utilizá-los para nossos interesses, do contrário eles vão ser progressivamente internacionalizados e passar ao domínio das forças mundiais que promovem a desigualdade.

Comentário Acho que agora você chegou perto de delinear uma estratégia para o Brasil. Há

países que não estão nem no bloco dos Estados Unidos nem no bloco europeu, são os chamados países baleias como China, Índia, o próprio Brasil, etc. O Brasil tem algumas vantagens perante outros países com tremenda densidade populacional e recursos limitados de produção agropecuária, e pode utilizar essas vantagens, mas não vai ter grandes progressos sem investir na sua população para elevar o nível do seu capital humano e esse é o fundamento do futuro desses blocos regionais.

Comentário Sobre a questão da crise sistêmica, parece-me que política externa brasileira, por

causa dessa crise sistêmica, é muito cautelosa, chegaria a dizer que uma política, talvez intencionalmente contraditória, de não se fazer nada. Um exemplo seria a contradição que há entre os discurso internos e externos sobre a questão agrária, principalmente a respeito dos subsídios. Na parte dos investimentos diretos e captação de recursos, a disciplina orçamentária rígida do nosso governo é completamente contraditória em relação à questão da transparência fiscal, que é eternamente postergada, não passando confiança e segurança ao investidor internacional. Essas contradições me passam a impressão de que o governo evita tomar uma posição externa mais firme justamente por causa da crise sistêmica, com medo de ter sua participação no cenário político mundial ainda mais comprometida.

Pergunta Gostaria que você fizesse um comentário sobre uma reflexão das relações

internacionais. Acho que temos que celebrar sua tese, apesar de todas as críticas, pois representa um esforço de reflexão perante a realidade que muda rapidamente, um esforço da academia latino americana, da academia brasileira, e da academia das

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relações internacionais, uma disciplina que pretende compreender o processo na sua abrangência.

Comentário Ouvindo sua exposição e a discussão, confesso que meu maior problema com a

teoria hoje em dia é que não consigo ver grandes idéias de alternativas ao neoliberalismo, neobobismo, neointeligismo, ou qualquer outro nome e definição que queiram dar. Vejo um debate que quer simplesmente sair desse sistema, mas a verdade é que o sistema é esse, e enquanto estivermos nesse planeta teremos bastante dificuldade. Assim, na inércia disso, creio que há facilidade de se criar algumas ilusões, dentre as quais considero a maior a que fala da Ásia. Supormos que a Ásia pode ser um modelo para nossa convivência mundial, claro que não culturalmente, perece-me um argumento vazio. A China, por exemplo, é o país mais egoísta, mais pragmático, que tem um ministro da agricultura capaz de mandar parar um navio brasileiro no meio oceano para renegociar um contrato, tendo o presidente brasileiro Estado lá apenas duas semanas antes. É um país absolutamente interesseiro, que não respeita nenhuma lei trabalhista, não respeita nenhuma lei ambiental, não respeita, na verdade, nenhuma lei. A China consegue ser comunista e capitalista ao mesmo tempo, e mais o que quer que ela queira, porque ela é um mosaico. Mas a realidade é que há 900 milhões de pessoas completamente excluídas do que identificamos como uma espécie de milagre chinês. Assim, não vejo a China como a representante de um grande paradigma, vejo um país que está rapidamente fazendo o que pode de uma maneira bastante egoísta. Então o problema para mim é justamente a dificuldade de se dizer que há um paradigma que confirme o completo erro do neoliberalismo e apresente a solução, e acho legítimo que seja difícil, porque o fluxo histórico nos levou para uma posição de extrema complexidade. Pode-se até dizer que em 1900 o grau de globalização era maior, e há dados sobre isso, mas hoje o nível de complexidade ao qual chegaram as relações humanas, interestatais, dos movimentos sociais transnacionais, etc., é algo nunca visto na história, e ainda conta com uma intensificação dada a partir do fluxo de informação e do valor dessa informação, seja valor financeiro ou valor moral. Dessa forma, considero legitimo que não haja um paradigma alternativo. Entretanto, ao não ter esse paradigma, ter a ilusão de que haja modelos e de que a China desponta como ícone desse modelo é um completo absurdo, e gostaria que, pelo menos nessa parte do mundo, não tivéssemos mais essa euforia. A China é um país que não tem vocação mundial, tem vocação absolutamente chinesa e já deixou isso claro ao longo dos séculos.

Dr. Carlos Eduardo Uma das grandes questões que permeiam esse debate é justamente a falta de

modelo. A própria idéia de modelo é algo negativo e inaplicável, pois significa se transplantar uma realidade alheia para outra experiência histórica. Modelos realmente só podem ser ilusões, porque as experiências concretas da sua aplicação implicam em reformulações tais que se acaba construindo uma realidade histórica especifica. A respeito da China, não se deve tomá-la como modelo, mas a observação de algumas

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práticas pode trazer algum aprendizado. Há aspectos interessantes na experiência chinesa, obviamente não o autoritarismo ou a desconsideração dos limites ecológicos, mas não se pode ignorar que a China abriga cerca de 30% da população mundial e tem a responsabilidade de alimentar toda essas população, e ainda tem méritos pelo esforço de qualificar a força de trabalho, além do que nós conseguimos, de fornecer um padrão mínimo de saúde, enfim conseguindo, mesmo com a forte vocação chinesa, uma projeção significativa na economia mundial, buscando ainda novos espaços. Então, concordo que não se deve adotar nenhum modelo estanque, até porque, como foi dito, o movimento de reconstrução do sistema mundial é muito complexo e não vai poder se basear somente em Estados ou num Estado específico, será necessário unir Estados, organismos internacionais, movimentos sociais, etc. Esse é um dos motivos para que o Fórum Social Mundial tenha esse formato aberto, havendo, inclusive, uma relação difícil com a categoria Estado, por causa da idéia de que ele é um poder capaz de limitar a capacidade autônoma da sociedade civil de se articular. Estamos no início desse processo, e temos que fazer um esforço na busca de alternativas, e aí se deve visualizar exemplos. Cuba, por exemplo, tem muito que não deve ser tomado como exemplo, mas será que não há algo na sociedade cubana que possa servir como experiência positiva para a América Latina? Um dos pontos chaves nesse processo histórico de reconstrução do sistema mundial é a criação, a novidade, e por isso o modelo não serve, e aí se entra num processo utópico, no sentido positivo do termo, porque utópico é aquilo que ainda não existe, então se trata de construir o que não está em lugar algum, mas que se insinua.

Sobre o que foi dito em relação à política externa, acho que ela tem sido cautelosa, mas menos por medo e mais por determinação interna, porque esse governo está comprometido com o sistema internacional, há forças internas que apóiam políticas do sistema, e isso é o que os leva a nos conduzir assim. Há elementos interessantes da política externa, como por exemplo, a questão de se lidar com um mundo onde as forças neoliberais estão livres, sem se isolar das discussões, porque trazer um paradigma distinto pode causar um isolamento. Nesse sentido há alguns expedientes interessantes na política externa brasileira. O Wallerstein sugere que uma das formas de luta dos movimentos anti-sistêmicos é propor ao centro certos elementos da sua própria doutrina que eles não são capazes de praticar e que deveriam presidir uma sociedade neoliberal, que funciona com livre circulação de mercadorias e capitais, como por exemplo, a livre circulação de mão-de-obra. Um acordo nos termos neoliberais deveria ter isso como disposição, mas provavelmente paralisaria as negociações com os países centrais. Elementos como a questão da abertura dos mercados, do controle dos subsídios, são estratégias interessantes do governo brasileiro para não se posicionar completamente fora das expectativas vigentes e ainda são capazes de fornecer alternativas ao que está paralisado. Essa posição de uma certa ambigüidade perante o neoliberalismo, desde que dirigida por uma concepção alternativa, parece-me razoável e pragmática nesse momento. O problema é que há um descompasso entre uma política externa que tenta abrir caminhos de cooperação e uma política interna de absoluta fidelidade à hegemonia. De um lado há as iniciativas de cooperação e de outro uma política interna

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de superávit primário, comandada pelo FMI, que leva à liquidação das perspectivas de desenvolvimento. A revista Exame publicou dados que dizem que o governo Lula, em 2003, aumentou os lucros das 500 maiores empresas do país em 1048%. Um modelo de crescimento centrado nisso é de uma insustentabilidade total.

Sobre o regionalismo, considero que seja realmente uma alternativa e deve ser buscado, mas depende de como ele é manejado. O Mercosul não é necessariamente uma força contra-hegemônica, mas buscar internalizar os excedentes comerciais para seu próprio desenvolvimento, como podem fazer os blocos asiáticos, é uma característica claramente anti-sistêmica.

Gostaria de falar novamente agora sobre a Ásia. O que é a transferência de dinamismo para a Ásia? É a transferência para um tipo de Estado que nunca foi parâmetro para hegemonia nenhuma. Os Estados hegemônicos sempre tiveram não mais do que 5% da população mundial, como no caso dos Estados Unidos, e agora se está transferindo a hegemonia para uma área onde está cerca de 40% da população mundial, o que revela, desde que essa população se organize, uma possibilidade de controlar politicamente o sistema econômico que nunca foi possível no capitalismo. O que o Wallerstein dizia que era específico do capitalismo era o fato de que se criava um sistema político no qual o econômico tutelava Estados nacionais, então se criava uma economia mundial que atravessava os Estados nacionais, limitados em suas hegemonias, controlando-os com entradas e saídas de capital para que seguissem políticas que lhe fossem favoráveis. Quando se transfere o dinamismo para uma região onde está 40% da humanidade, é muito provável que a gestão política passe a corresponder à vontade desses 40%, e ai está o embrião de uma nova organização internacional, onde o social será muito mais capaz de condicionar o econômico. Todos esse são cenários que vão sendo construídos, que estão em curso e que provocarão transformações colossais.

O CEBRI Tese é uma publicação baseada

na apresentação e no debate, no CEBRI, de teses acadêmicas em relações internacionais e política externa brasileira, elaboradas por brasileiros e defendidas e aprovadas em instituições de ensino superior no Brasil ou no exterior.

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