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Racismo ambiental e lutas por reconhecimento dos povos de floresta da Amazônia Environmental racism and struggles for recognition of people in the Amazon forest Alessandro de Oliveira dos Santos Gustavo Martineli Massola Luís Guilherme Galeão da Silva Bernardo Parodi Svartman Universidade de São Paulo Palavras-chaves: Psicologia Comunitária, racismo ambiental, lutas por reconhecimento, Amazônia. Keywords: Community Psychology, environmental racism, struggles for recognition, Amazon Autor Biografias: Alessandro de Oliveira dos Santos: Professor do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo onde é responsável pela área de Intercultura e Raça-Etnia. Professor visitante do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Rondônia, onde ministra a disciplina Pesquisa Psicossocial das Desigualdades na Amazônia. Tem experiência nos temas: relações interculturais e étnico-raciais; desigualdades; direitos humanos; religiosidade; comunidades tradicionais; conflitos socioambientais; turismo de base comunitária; planejamento em saúde. Gustavo Martineli Massola: Gustavo Martineli Massola é professor de Psicologia Ambiental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e editor da revista Psicologia USP. Atualmente, pesquisa a relação entre enraizamento territorial e participação política, especialmente em comunidades tradicionais brasileiras e áreas de ocupação na cidade de São Paulo. Luís Guilherme Galeão-Silva: Professor Dr. do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de São Paulo. Pesquisador nas áreas de Teoria Crítica da Sociedade, Psicologia Comunitária e Reconhecimento. Atualmente desenvolve pesquisa sobre conflitos, violência e memória em ocupações urbanas irregulares na cidade de São Paulo. Bernardo Parodi Svartman: Professor de Psicologia Social e Psicologia Comunitária no Instituto de Psicologia da USP. Atualmente investiga os temas da reificação e do desenraizamento, abordando também a forma pela qual os movimentos sociais da cidade de São Paulo desenvolvem estratégias de resistência a esses problemas psicossociais. Citar: Oliveira dos Santos, A., Massola, G.M., Galeao da Silva, L.G., and Svartman, B.P. (2016). Racismo ambiental e lutas por reconhecimento dos povos de floresta da Amazônia. Global Journal of Community Psychology Practice, 7(1S), 1-20. Retrieved Day/Month/Year, from (http://www.gjcpp.org)

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Racismo ambiental e lutas por reconhecimento dos povos de floresta da Amazônia

Environmental racism and struggles for recognition of people in the Amazon forest

Alessandro de Oliveira dos Santos

Gustavo Martineli Massola

Luís Guilherme Galeão da Silva

Bernardo Parodi Svartman

Universidade de São Paulo

Palavras-chaves: Psicologia Comunitária, racismo ambiental, lutas por reconhecimento, Amazônia. Keywords: Community Psychology, environmental racism, struggles for recognition, Amazon

Autor Biografias: Alessandro de Oliveira dos Santos: Professor do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo onde é responsável pela área de Intercultura e Raça-Etnia. Professor visitante do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Rondônia, onde ministra a disciplina Pesquisa Psicossocial das Desigualdades na Amazônia. Tem experiência nos temas: relações interculturais e étnico-raciais; desigualdades; direitos humanos; religiosidade; comunidades tradicionais; conflitos socioambientais; turismo de base comunitária; planejamento em saúde. Gustavo Martineli Massola: Gustavo Martineli Massola é professor de Psicologia Ambiental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e editor da revista Psicologia USP. Atualmente, pesquisa a relação entre enraizamento territorial e participação política, especialmente em comunidades tradicionais brasileiras e áreas de ocupação na cidade de São Paulo. Luís Guilherme Galeão-Silva: Professor Dr. do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de São Paulo. Pesquisador nas áreas de Teoria Crítica da Sociedade, Psicologia Comunitária e Reconhecimento. Atualmente desenvolve pesquisa sobre conflitos, violência e memória em ocupações urbanas irregulares na cidade de São Paulo. Bernardo Parodi Svartman: Professor de Psicologia Social e Psicologia Comunitária no Instituto de Psicologia da USP. Atualmente investiga os temas da reificação e do desenraizamento, abordando também a forma pela qual os movimentos sociais da cidade de São Paulo desenvolvem estratégias de resistência a esses problemas psicossociais.

Citar: Oliveira dos Santos, A., Massola, G.M., Galeao da Silva, L.G., and Svartman, B.P. (2016). Racismo ambiental e lutas por reconhecimento dos povos de floresta da Amazônia. Global Journal of Community Psychology Practice, 7(1S), 1-20. Retrieved Day/Month/Year, from (http://www.gjcpp.org)

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RacismoambientalelutasporreconhecimentodospovosdeflorestadaAmazônia

Resumo

O racismo é uma ideologia, uma forma de opressão e de violência. A categoriaanalítica raça-etnia tem se mostrado um indicador eficaz nas ciências humanasparaavaliaroacessoaosrecursosnaturaispelaspopulações,odirecionamentodepolíticaspúblicaseaalocaçãoderesíduos.NaAmazônia,osrecursosnaturaiseasexternalidadesnegativasproduzidasnoambiente têmsidodistribuídosao longodo tempo conforme a raça-etnia das populações que vivem na região,estabelecendo uma relação inexorável entre acesso ao patrimônio ambiental,problemasecológicosedesigualdadessociais.Nesteartigo,discutimosaslutasporreconhecimentodedireitos territoriais epelomanejodeprincípiosativos (água,gás natural, pedras preciosas, entre outros) pelas populações tradicionais daAmazônia (indígenas, ribeirinhos, quilombolas), sob a perspectiva do racismoambiental.Defendemosqueanoçãoderacismoambientalforneceumalinguagemcompatívelparacompreenderosconflitossocioambientaisemcursonaregião,aomesmo tempo emque se configura comoum instrumentodeadvocacy capaz deinfluenciarnaformulaçãodepolíticaspúblicasqueefetivemegarantamosdireitosdospovosquevivemnafloresta.

EnvironmentalracismandstrugglesforrecognitionofpeopleintheAmazonforest

Abstract

Racismisanideology,a formofoppressionandviolence.Theanalyticalcategoryrace-ethnicity has been an effective indicator in the human sciences to evaluateaccesstonaturalresourcesbypopulations,thedirectionofpublicpoliciesandtheallocationofwaste.IntheAmazon,naturalresourcesandthenegativeexternalitiesproduced in the environment have been distributed over time according to therace-ethnicity of people living in the region, establishing an inexorable linkbetween access to environmental heritage, ecological problems and socialinequalities. In this article,wediscuss the struggles for recognition of territorialrights and the management of active ingredients (water, natural gas, preciousstones, among others) by traditional Amazonian populations (indigenous,riveraine,maroon), fromtheperspectiveofenvironmentalracism.Wearguethatthenotionofenvironmentalracismprovidesaconsistentlanguagetounderstandthesocio-environmentalconflictsunderwayintheregion,whileitisconfiguredasan advocacy instrument capable of influencing the formulationof public policiesthatenforceandguaranteetherightsofpeoplelivingintheforest.

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IntroduçãoAPsicologiacomociênciadedica-se,entreoutraspossibilidades,àinvestigaçãodoscondicionantesedapsicodinâmicadocomportamentoeàproduçãodemétodosetécnicasdeintervençãosobregruposeindivíduos.Comoprofissão,surgiuatreladaàaplicaçãodetestesvoltadosàdetecçãodaanormalidade,dadoençaedodesvioecomomododedefinirosparâmetrosdanormalidade,dasaúdeedaordem.AinvençãodanormaviatestepsicológicofoiopontodepartidaparaoestabelecimentodaPsicologiacomotecnologiaderegulaçãodocomportamentohumanoedapresençadepsicólogosemdiversosespaçosdavidasocial(grupos,organizações,comunidades)ondesefaznecessáriaaadministraçãodepessoas(Rose,2008).EmtermosgeraisaPsicologiatemrefletidoamplamenteumaexpressãodeepistemologiaseurocêntricas,nãosóporsuaorigem,masporseupapelnasjustificativasdadominação–comoimposiçãoehegemoniadeumúnicosistemaprodutivoedeinterpretaçãodemundo–pormeiodareduçãoenaturalizaçãodosproblemassociaiscomoproblemasindividuaiseparticulares(Tassara&Darmegian,1996).Essadescontextualização,cultural,históricaepolítica,desuasteoriasepesquisastemajudadoaendossarasdesigualdadespersistentesnoplaneta.Nocasodaspopulaçõesautóctonesoutradicionais,aquidenominadaspovosdefloresta(indígenas,ribeirinhos,quilombolas),auniversalidadeabstratadoconhecimentopsicológicotemcumpridoumduplopapeldenegar-lhes,aomesmotempo,

reconhecimentocomosujeitosdeconhecimentoededireitos.Dessemodo,mesmoaspolíticaspúblicasambientaismaiscríticasvoltadasaessaspopulaçõestêmseapresentado,notadamente,apenascomoferramentasdecontroledasexternalidadesnegativasedasconsequênciasproduzidaspelarazãohegemônicanaexploraçãodoambiente.Destarte,nobojodaprópriaPsicologiatambémtêmsedesenvolvidoreflexõesqueproblematizamseupapelnamanutençãodaordemsocialvigenteequeapontamparaapossibilidadedequeessaciênciaeprofissãocontribuamparaoenfrentamentodaopressãonadireçãodaemancipaçãodeindivíduosegrupos.UmexemploocorrenaprópriaformaçãodocampodaPsicologiaComunitárianaAméricaLatina,cujosprincipaisautoresapontamanecessidadedaproduçãodeumconhecimentocapazdeoferecerrepostasecontribuiçõesparalidarcomosproblemasdaregiãoesuperaraalienaçãodeseuspovos.Montero(2005)eMartin-Baró(1986/2009)defendemquealongahistóriadeescravidãoecolonizaçãodevesertomadaemconsideraçãocomoocontextosocialquealimentoueaindainfluisobreosmecanismosideológicosepsicossociaisquemantêmaopressão,oracismoeahegemoniadasepistemologiaseurocêntricasnaregião.ParaMartin-Baró(1986/2009),porexemplo,umaPsicologialatino-americanaqueresolvesseoproblemadesuafaltaderelevânciasocialseriaaquelacapazdedesenvolverumconhecimentoquepudesseajudaroprocessodelibertaçãodosdiversosgruposoprimidosaolongodahistória

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docontinente.EssaPsicologiaprecisariadesenvolvera“recuperaçãodamemóriahistórica”dessespovos(p.195),algoquepermitiriacompreendercomosuastradiçõeseidentidadesformamumcorpodeconhecimentofundamentalnodesenvolvimentodeprojetosefetivosderesistênciapolítica.Oestudoeavalorizaçãodesseconhecimentoseriam,porconseguinte,ascaracterísticasfundamentaisdessaPsicologiaenraizadanadiscussãodosproblemasatuaiserelevantesdaAméricaLatina.Nessesentido,aPsicologiaComunitáriaapresentanecessariamenteumnúcleohistóricoeregionalaolidarcomproblemaspolíticoscontextualizadosnoespaçoenotempo.Aindaassim,apesardadiversidadequecaracterizaocampoequeédeterminadapeloseupróprioobjetodepesquisaeatuação,pode-seafirmarqueumdoselementosqueconfereidentidadeàdisciplinaéoestabelecimentodeparceriascomcomunidadesparapromoverprocessosdetransformaçãosocial,visandomuitomaisatuarsobreasraízeseasestruturassociaisqueproduzemeperpetuamasinjustiçasdoquesimplesmentepromoverumamelhordistribuiçãoderecursosexistentes(Hale,2014).Oprincípioéticodadisciplinarevela-senoobjetivoexplicitamentedelimitadodeseestudarosfatorespsicossociaisqueapoiamedesenvolvemaauto-organizaçãodascomunidades,levando-asaidentificarseusproblemaseaconstruirsuasestratégiasdeaçãopolítica.Nessesentido,privilegia-seatuaçõesquetenhamefeitosnãoapenasimediatos,locaiserestritos,masquepromovammelhoriasdemédioelongoprazoe

quearticulemadimensãolocalcomumadimensãopolíticamaisampla(tantonacionalcomointernacional).Objetivosquesópodemseralcançadosquandoasaçõesdascomunidadessãocapazesdeinfluenciarefetivamenteaspolíticaspúblicasrelacionadasaosproblemasenfrentados(Wolff,2013).Portanto,asrelaçõesentreorganizaçõescomunitárias,poderpúblicoeformulação/execuçãodepolíticaspúblicasconfiguram-secomoumdostemasfundamentaisdocampodeatuaçãoepesquisadeumaPsicologiaComunitáriadeorientaçãocrítica.NaAméricaLatinaaPsicologiaComunitáriasurgenoperíododasditadurascivil-militares,conduzindoalgunspsicólogosadiscutirocontextodenegaçãodosdireitospolíticoseaestabelecerformasdepesquisa-açãoligadasaosmovimentossociaiscontestatóriosdoperíodo(Lane,1996;Sawaya,1996;Montero,2008).Apartirdaredemocratizaçãodospaíseslatinosnadécadade1980,novosdesafiossurgemparaaPsicologiaComunitárianaregião(Gohn,2007).Senoperíododasditadurascivil-militares,aspolíticaspúblicasnãoseapresentavamcomoumcampodeatuaçãoepesquisa,vistoquenãoestavampreocupadasefetivamentecomademocratizaçãodoacessoadireitossociaisepolíticos,operíodoposteriorabriuespaçoparanovasrelaçõesentreaPsicologiaComunitáriaeaspolíticaspúblicas(Gonçalves&Portugal,2012).Dessemodo,emváriospaíses,aolongodadécadade1990,aPsicologiaComunitáriafoiconvidadaarefletirsobrecomoosmovimentossociaisecomunidadesorganizadaspodemparticipardodesenhoegestãodepolíticaspúblicaselutarporseus

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direitos.Adiscussãosobrecomoparticipardodesenvolvimento,implantaçãoemanutençãodessaspolíticasequaisfatorespolíticosepsicossociaispodemfavoreceressaparticipaçãotorna-seumimportantetemaparaocamponoséculoXXI(Inzunza&Constanzo,2009).Entretanto,assimcomoemoutroscontinentes,osestadoslatino-americanosestãoinseridosemumcontextodecapitalismoglobalizadoeneoliberal.EénestaarenaqueaPsicologiaComunitárianaatualidadetemreveladoaimportânciadaslutasporreconhecimentodasnovasorganizaçõescomunitáriasemovimentossociaisnadireçãodeumaefetivademocratizaçãodaspolíticaspúblicas.Naatualidade,muitosdessesconflitosestãolocalizadosnasáreasrurais,eseexpressamquandoascomunidadestradicionaissãoameaçadascomaperdadeseusdireitosterritoriaiseculturaisemfunçãodaexpansãodeatividadeseconômicasligadasaograndemercado,comooturismodemassa,asatividadesdemineraçãoeoagronegócio,visandoaexploraçãoderecursosnaturaisdessesterritórios.Asdiversasformaspelasquaisascomunidadestradicionaisseorganizampormeiodeassociaçõesdemoradoresououtrasinstânciasderepresentaçãoebuscamenfrentarasinjustiçaseasameaçasaseumododevida,estratégiasqueenvolvemalutajurídicaepolíticaporreconhecimentodeseusdireitosterritoriais,representamhojeumaimportantedimensãopsicossocialdosconflitossocioambientaispresentesnoterritórioruralbrasileiroeemespecialnoterritórioamazônico.

Nesteartigoteórico,produzidocombaseemrevisãobibliográficanãosistemáticadaliteraturadePsicologia,emsuaespecificidadedePsicologiaComunitária,enaanálisededadosdefontessecundárias(pesquisas,reportagensdejornais,siteseletrônicoserevistas)sobreaAmazôniabrasileira,discutimosaslutasporreconhecimentodedireitosterritoriaisepelomanejodeprincípiosativos(comoágua,gásnatural,pedraspreciosas,entreoutros)pelaspopulaçõestradicionaisdaAmazônia(indígenas,ribeirinhos,quilombolas),sobaperspectivadoracismoambiental.BuscamosapresentarumacategorizaçãodosconflitossocioambientaispresentesnaAmazônia,descritostantonaliteraturacientíficacomoemfontessecundárias,comoobjetivodeestabelecerrelaçõesentreanoçãoderacismoambientalelutasporreconhecimentonocampodaPsicologiaComunitáriacontemporânea.Defendemosqueanoçãoderacismoambientalforneceumalinguagemcompatívelparacompreenderosconflitossocioambientaisemcursonaregião,aomesmotempoemqueseconfiguracomouminstrumentodeadvocacycapazdemobilizarascomunidadesedeinfluenciaratorespolíticosinstitucionaisnaformulaçãodepolíticaspúblicasqueefetivemegarantamosdireitosdospovosquevivemnafloresta.

RaçaeracismoFoiapartirdasegundametadedoséculoXIXatéaprimeiraGuerraMundialqueotermo“raça”ganhoudestaqueinseridoemumprojetodediferenciaçãodepovos,naçõeseculturas.Suautilizaçãonesteperíodofoifrutodeinúmerosfatores,entreos

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quais“areaçãoconservadoraeanti-igualitáriaatodoumconjuntodevaloresemtornodarevoluçãofrancesa”e“oromantismoinspiradoporautores,sobretudoalemães,comênfasenumarelaçãoestreitaentrenação,povoeculturaeaconsolidaçãodosimpérioscoloniais”(Sansone,2014,p.394).ArelaçãoentreestedebateeasestratégiascoloniaiseescravistasnasAméricas,asquaismarcaramprofundamenteoterritórioaquiestudado,édefundamentalimportância,especialmenteseconsiderarmos,seguindoQuijano(2005,p.228),que“aideiaderaça,emseusentidomoderno,nãotemhistóriaconhecidaantesdaAmérica”.ApósastragédiasdaSegundaGuerraMundial,assistiu-seaumesforçodosestudiosos,tantonaPsicologiacomnasdemaisciênciashumanas,paraextinguirotermoraça,desautorizandoseuusocomocategoriaanalítica.MasoiníciodaGuerraFriaedosprocessosdedescolonizaçãodepaísesafricanoseasiáticossomadosàpersistênciadoapartheidracialnosEstadosUnidosenaÁfricadoSul,mantiveramaatualidadedotermo.ParaSansone(2014)foi-secriandoumapolifoniadesentidosparaotermoraçaaolongodahistóriademodoqueumainterpretaçãosocioculturalfoisubstituindooutradecunhomaisfísico-biológico,residindonesteuso“dealgumaformaadaptáveldotermoraça,suaforçaetenacidadeaolongodotempo”(p.397).Araça,porconseguinte,permanececomoumconstructosociológico,efeitodediscursos,equesófazsentidoemumdeterminadocontextohistórico,articuladoaumateoria.Trata-sedeumaconstruçãosocial

queremeteadiscursossobreasorigensdeumgrupocombaseemtraçosfisionômicos,transpostosparaqualidadesmoraiseintelectuais.Tambémseincorporamdiscursossobreolugardeorigemdogrupoemquestão.Nestecasosãodiscursosqueremetemàetnia,ouseja,aoconjuntodeindivíduosquehistóricaoumitologicamentetemumancestral,umalínguaemcomum,amesmareligiãoeculturaecompartilhamomesmoterritório(Guimarães,2003).NoBrasil,utilizarapenasotermoetniaparadesignarosnegroseindígenaspareceinsuficientevistoqueelesnãotêmomesmoancestralcomumeseusantepassadosvieramdeváriosterritóriosquesemisturaramnopaísconfigurandoumverdadeiro“caldeirãoétnico”.Poroutrolado,éotermoraçaquemelhorpermitefalardasdesigualdadesnopaís,evidenciandodiferentesexperiênciasdenascer,viveremorrerconformeopertencimentoracialdapopulação.Porisso,nesteartigo,semprequepossível,optou-seporutilizarosdoistermosjuntos,ouseja,étnico-racial.EntendemosracismoaquiconformedefineSansone(2014),ouseja,trata-sedouso“daraciologia(umcredopopularoupopular-científico)porpartedeumdeterminadogrupoparadiscriminaroutrogrupoporsuadiferençasupostamenteancoradanabiologia”(p.404).Oautorchamaatençãoparaasespecificidadesdoracismooperantenospaísesdecolonizaçãoportuguesa,oqualdenominade“versãocatólico-latinadoracismo”(p.404),ecujaforçaestácentrada“nacombinaçãointensadeintimidade-proximidadeeviolênciamaisquenobinômiosegregação-discriminação”,(p.405)demaior

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prevalêncianospaísesdecolonizaçãoanglo-saxônica.Amanifestaçãosocialdoracismoéadiscriminaçãoracial,ouseja,todadistinção,exclusãoourestriçãobaseadanaraça-etniaecapazdepôremriscoasliberdadesfundamentaiseosdireitosemquaisqueresferas.Amanifestaçãoindividualdoracismoéopreconceitoracial,ouseja,refere-seàspercepções,atitudesejuízospreconcebidosarespeitodepessoasougruposdedeterminadaraça-etniaequenãosãofacilmentemodificáveisporapresentaçãodeevidênciacontrária(Santos,2012).

Racismoambientalxjustiçaambiental

Oracismoéumaideologia,umaformadeopressãoeviolênciaeosustentáculodeumsistemadeprivilégios.Acategoriaanalíticaraça-etniatemsemostradoumindicadoreficaznasciênciashumanasparaavaliaradistribuiçãodeacessoaosrecursosnaturaispelaspopulações,odirecionamentodepolíticaspúblicaseaalocaçãoderesíduoselixotóxico.Oconceitoderacismoambientalsurgiunofinaldadécadade1970nosEUAapartirdamobilizaçãodapopulaçãonegradoCondadodeWarrennaCarolinadoNortecontraumdepósitoderesíduostóxicos.Entre1978e1982constatou-sequetrêsquartosdessetipodeaterroestavamlocalizadosemlocaishabitadospelapopulaçãonegra,emboranaregiãoessapopulaçãorepresentasseapenas25%doshabitantes(Pacheco,2006).OsativistasdecombateaoracismoambientalnosEUApassaramentãoadesenvolvernasdécadasseguintesestudosparamostrarquearaçaeraumbomindicadorgeográficode

cargaambiental.Porexemplo,asmultasimpostasporviolaçõesàsnormasambientaisemáreashabitadaspelapopulaçãonegraeramsignificativamentemenoresdoqueasaplicadasnosbairroshabitadospelapopulaçãobranca(Alier,2007).NosEUA,oracismoambientalrevelaconflitosarespeitodalocalizaçãodeincineradoreseadisposiçãodedejetostóxicos(nucleares).Acreditamosqueanoçãoderacismoambientalpodeserampliadaparatodasasminoriaspolíticasétnico-raciaisdoplanetaquelutamcontraadistribuiçãodesigualdeacessoaosrecursosnaturaiseaexposiçãoadiferentesformasderiscoambientalnasáreasemquevivem.Equetalnoçãoécapazdeestimularummovimentoglobaldessasminoriaspolíticasemdireçãoàjustiçaambiental,interpelandoaeconomiaaumaadequaçãoecológicaeasociedadeàbuscaporumamaiorigualdadesocial.ComodizHerculano(2008):

Osvazamentoseacidentesnaindústriapetrolíferaequímica,amortederios,lagosebaías,asdoençasemortescausadaspelousodeagrotóxicoseoutrospoluentes,aexpulsãodascomunidadestradicionaispeladestruiçãodosseuslocaisdevidaetrabalho(...)configuraumasituaçãodeinjustiçasocioambiental,quevaialémdaproblemáticadelocalizaçãoderejeitosquímicosedeincineradoresdaexperiêncianorte-americana.(Herculano,2008,p.5)

OquedefatoécomumentreosEUAeoBrasiléqueemambosospaíseso

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contráriodoracismoambientalsignificajustiçaambiental,ouseja,umconjuntodeprincípioscapazdeassegurarquenenhumgrupoétnico-racialsofraoefeitodesproporcionaldosimpactosambientaisnegativosderivadosdasoperaçõesdocapital,daspolíticaseprogramaspúblicosoudasuaausência.Dessepontodevista,racismoambientalnãoserefereapenasàsaçõescomintençãoracistaexplícita,mastambémàquelasquetenhamefeitosobreosgruposétnico-raciaisindependentedaintençãoquelhesdeuorigem(Pacheco,2006;Herculano,2008).Ora,sabemosqueosconflitossocioambientaisserãocadavezmaisfrequentesdevidoaoaumentodatensãopeloacessoaosrecursosnaturaisequeaproduçãoecirculaçãodemercadoriaséograndevetordedisputapelousodanatureza.Entretanto,essamesmaproduçãodemercadoriasoperasobreumabasematerialquenãoseexpandeeestádistribuídapeloplanetacommaiorconcentraçãonospaísesdohemisfériosul(Ribeiro,2010).Poroutrolado,nosconflitossocioambientaissãopossíveisdiversosdiscursosdevaloração.Háosdiscursosdesenvolvimentistascompredomíniodocrescimentoeconômicocomoremédioàpobreza.Háosdiscursosdecompensaçãodasexternalidadesnegativasbaseadosemanálisesdecusto-benefício(ecoeficiência).Eháodiscursoqueclamaaosdireitoshumanos,aosdireitosterritoriaiseàsacralidadedosespaçosdevida.Todossãodiscursossocialmenteválidos.Mas,quemtemopoderdesimplificaresacrificarinteressesevaloresimpondoumúnicodiscursode

valoração,comotemocorridocomodiscursoeconômico?(Alier,2007).NaAmazônia,osrecursosnaturaiseasexternalidadesnegativasproduzidasnoambientetêmsidodistribuídosaolongodotempoconformearaça-etniadaspopulaçõesquevivemnaregião,estabelecendoumarelaçãoinexorávelentreacessoaopatrimônioambiental,problemasecológicosedesigualdades.Anoçãoderacismoambientalpodeauxiliarliderançascomunitárias,ativistasepesquisadoresdaAmazôniaasairdoembateentrepreservacionismo(noqualasatividadesantrópicassãoresponsabilizadaspeladegradaçãodossistemasecológicos)versusconservacionismo(noqualasatividadesantrópicassãoconsideradasfundamentaisparaconservaçãodossistemasecológicos),emdireçãoaumdebatemaisdensosobrejustiçaambiental.Poisoqueestáemjogoécomodefenderosdireitosdospovosdeflorestaameaçadosatualmenteporgrandesobrasdeinfraestruturaepropostasdereformasdosmarcosregulatóriosqueosprotegem.Sãopovosque,apesardopoucoespaçoambientalqueocupam,têmgerenciadosistemasagrícolaseagroflorestaissustentáveisecujasobrevivênciaestáameaçadaporindústriaspoluidoras,grandescomplexosenergéticosemonoculturasdestrutivas.Essespovostêmmelhorespossibilidadesdedefenderseusinteressesnocampodonão-econômico.Aoenfatizaroracismoambientalcomoinstrumentodeadvocacynosaliamosaomovimentoglobalporjustiçaambientalquepriorizaaincomensurabilidadedevaloresnarelaçãoserhumanoeambiente.Porexemplo,seumamineradoraé

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responsávelpelacontaminaçãodeumacomunidadequilombolacomchumboelapodeaplicaroprincípiodopoluidorpagadorecompensarfinanceiramenteodanoprovocado.Mas,oquesignificainfligirtalgolpeàdignidadehumanadeumgrupoaolançarmãodeumaagressãoambientalconfiguradapormeiodadiscriminaçãoracial?Pagarumamultanessecasonãodáodireitoderepetirtalcomportamento.Issoporquenãoexisteumacompensaçãoreal,vistoqueodinheiroeadignidadehumananãosãoequiparáveis,oupelomenos,nãodeveriamser.Conflitossocioambientaiscomo

expressãoderacismoambientalnaAmazônia

AAmazôniaéamaiorfontedebiomassarenováveleamaisimportantebaciadeáguadocedoplaneta,alémdepossuirincalculáveisrecursosagroflorestais,icitiofaunísticosebiotecnológicos(Lira,Costa,Fraxe,&Witkoski,2014).OhistóricodeocupaçãodaAmazôniabrasileiradesdeoperíodocolonialestáligadoaosconflitosétnico-raciais.Inicialmente,entreportugueseseindígenasparaimposiçãodomercantilismoportuguêscombasenamãodeobraescravaameríndia.Emseguida,duranteasegundametadedoséculoXIX,porcontadaeconomiagumíferadeexploraçãodolátex,queatraiumigrantesdeváriasregiõesdopaís,sobretudodoNordeste,cujaprimazianaocupaçãodeterrasdesencadeouinúmerosconflitoscomospovosdefloresta.NasegundametadedoséculoXX,porsuavez,aAmazôniapassouarecebergrandesprojetosintervencionistasdaditaduracivil-militarbrasileirasemnenhum

respeitopelospovosdeflorestaouconsideraçãopelavocaçãodaregião.Nesseperíodoogovernopatrocinouaaberturaderodovias,projetosdeexploraçãomineraledeinstalaçãodefazendasagropecuáriasemonoculturasagrícolas.Talfaltaderespeitoeconsideração,reflexodeumahistóriadeocupaçãoligadaàescravidãoesubjugaçãodospovosdefloresta,fizeramdaregiãoumpalcodeconflitossocioambientaisedeagressõesaseushabitantes.Emtodosessesmomentoshistóricoscitadosépossívelnotarcomoaexploraçãoeconômicaeadominaçãopolíticanaregiãoesteveeaindaestáatravessadapeladimensãoétnico-racial:aclassedominantelocaléherdeiradiretadosprocessosdecolonização,emuitasvezesaspolíticaspúblicasforamexecutadasdeformaaatenderseusinteressesefacilitarsuaperpetuaçãonopoder.Osgruposexploradosquesofremosimpactosdessadominaçãoestãorepresentadosnasdiversasetniasindígenasautóctones,nascomunidadesquilombolasqueresistiramàescravidãoenascomunidadesribeirinhasformadasbasicamenteportrabalhadoresepequenosagricultoresqueserecusaramaparticipardoagronegóciocomomão-de-obracontratadapelosgrandesproprietáriosdeterras.Apesardasenormesdiferençasentreessesgrupos,pode-sedizerquedesenvolveramumaculturacomunitáriaderesistêncialigadaàmanutençãodesuastradiçõesedeumespecíficomanejodosrecursosnaturaisnoterritório.Maisrecentemente,comaintensadisputapeloterritórioepeloacessoaosrecursosnaturais,novamenteosconflitosétnico-raciaisestãoempauta,dessavezcomaretomadade

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laçosétnicoseaauto-atribuiçãodeidentidadesprotagonizadaspelospovosdefloresta.Ora,desdeoperíodocolonialaAmazôniaétomadacomofontedematérias-primas.Eparamelhorvendê-laeexplorá-latemsidoapresentadacomohabitadaporpopulaçõesnãobrancasdevotasdoextrativismodosrecursosnaturais.Essavontadedemanterospovosdeflorestaregredidosaoextrativismorevelamaisosanseiosdaindústriafarmacêuticaebiotecnológicainternacional,doquepropriamenteacapacidadedessespovosdesedesenvolversemincentivodomercadoouassistênciadopoderpúblico.ComodizSouza(2002):

ocertoéque,seoextrativismonaAmazônianãoestámorto,deveserdefinitivamenteerradicadoporqualquerplanoquerespeiteoprocessohistóricoeavontaderegional.MesmoporqueaAmazônianãodeveserreservadenada,nemceleiro,nemestoquegenéticoouespaçodorústicoparadeleitedosturistaspós-industriais.(Souza,2002,p.35)

Atualmente,alémdapressãopeloextrativismoaAmazôniabrasileirafiguracomoregiãodeenormepotencialhidrelétricoeparaexpansãodoagronegócioedamineração.Emseuinteriorfaltamempregos,oportunidadesderenda,serviçoseequipamentospúblicos,expressandoumdesequilíbrioentreomeioruraleurbano,ocampoeacidade,noacessoàspolíticaseserviços,semelhanteaodeoutrasregiõesbrasileiras.Emtermosgerais,trata-sedeumaregiãocom

“moderada”ocupaçãohumanae“escassa”atividadeeconômica.Emborasejaprecisolevaremcontaqueemfunçãodesuaenormeextensãoterritorialeseupassadorecente,tenhaumaocupaçãoextremamentediferenciadainternamente(Witkoski,Fraxe,&Cavalcante,2014).ÉnointeriordaAmazôniaquevemosalutadospovosindígenas,quilombolaseribeirinhosparamanteremsuasterrasfrenteàpressãopelaexploraçãominerale/ouinstalaçãodehidrelétricas.Aironiaéqueforamessespovos,aomanteremummanejoadequadodoambiente,quepermitiramaconservaçãodafloresta,demodoquehojemuitoscommoditieseprincípiosativos(água,gásnatural,pedraspreciosas,entreoutros)seencontramemseusterritórios.Porisso,defendemosqueoracismoambientalécapazdefornecerumalinguagemcompatívelparacompreenderosconflitossocioambientaisnointeriordaAmazônia.Issoporqueosmecanismoseprocessossociaispostosemmarchapeloracismoambiental,aonaturalizarashierarquiassociais,inferiorizamosgruposétnico-raciaisaopontodetomarcomoespaçosfísicosvaziososterritóriosocupadosporessesgrupos.ComodizBullard(2004):

Oracismoéumpotentefatordedistribuiçãoseletivadaspessoasnoseuambientefísico:influenciaousodosolo,ospadrõesdehabitaçãoeodesenvolvimentodeinfraestrutura.(Bullard,2004,p.57)

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Osconflitossocioambientaispodemsercategorizadosdeváriasmaneiras,tomandocomocritériodesdeafonteouorigemdoativoemdisputa,comoterras,minérioouaculturadeumpovo(nocasodeiniciativasdeconversãoreligiosa,porexemplo),atéotipodedanocausadoaogrupoafetado,quepodeenvolversuasaúde,suaidentidadeétnico-racialoumesmosuasobrevivência.UmapercepçãodifundidasobreosconflitossocioambientaisnaAmazôniatomacomocritériodecategorizaçãoaatividadeeconômicageradoradadisputa,eindicaque,atualmente,aregiãoapresentaconflitosemtornodetrêsgrandeseixoseconômicos:geraçãodeenergiahidrelétrica,agronegócioemineração.Osgrandesprojetosdeconstruçãodeusinasparaageraçãodeenergiahidrelétricaganharamdestaqueemtodoomundoaoobrigaremodeslocamentodegrandescontingentespopulacionaisemudaremosciclosdosriosemsuasfasesdeenchente,cheia,vazanteeseca.NoestadodeRondônia,porexemplo,asusinasdeJiraueSantoAntônioproduziramamaiorcheiadahistóriaem2014destruindomaisde50comunidadesaolongodoRioMadeira–oquetemlevadoaspopulaçõestradicionaisdosEstadosdoAcre,ParáeRondôniaaseorganizarempararesistirataisprojetosfrenteaumadiretrizpolíticadegovernoquetemtransformadoosriosdaAmazôniaemmáquinasdeproduçãodeenergia.Noqueserefereaoagronegócio,porsuavez,éconhecidoofatodequepartesignificativadaperdadecoberturavegetaldaAmazôniadeve-senasúltimasdécadasàexpansãoda

pecuáriaedeatividadescomoasojicultura.Ademais,hámuitosanos,amineraçãopraticadaemescalaindustrialouartesanalvemsendoacusadapeladegradaçãodeimensasáreasnointeriordaflorestaepelocomprometimentodomododevidadepopulaçõestradicionais.UmadecisãorecentedaJustiçaFederalem2014,porexemplo,suspendeu500processosdepedidodeautorizaçãoparaexploraçãomineralemterrasindígenasnoEstadodoAmapá.OpedidodoMinistérioPúblicoFederal,acatadopelaJustiça,argumentavaquenãohavialegislaçãoqueregulasseestaatividade.Mesmoassim,oDepartamentoNacionaldeProduçãoMineralmanteveaanálisedospedidos,agorasuspensa,numaaçãoqueafrontavadiretamenteosistemajurídiconacional.SeestacategorizaçãoassimdefinidapodeserútilparaacompreensãodemuitosconflitosnaAmazônia,nãodeixadeserparcial.AlistadosconflitossocioambientaisenvolvendodeumladoosinvestimentoseconômicosoudopoderpúblicoedeoutroospovosdeflorestadointeriordaAmazôniaéimensaevariada.Comoexemplo,relacionamosaseguiralgunsconflitosnosEstadosdoAcre,AmazonasePará:faltadeatendimentoàsaúdedaspopulaçõestradicionais;tráficodecocaínaalterandoomododevidaindígena;grilagemefaltaderegularizaçãofundiáriadeterritóriosdepopulaçõestradicionais;projetosturísticosdemassaedepescapredatóriaqueafetamindígenaseribeirinhos;implantaçãodegasodutos,obrigandoaodeslocamentodepopulaçõestradicionais;biopirataria(Porto,Pacheco,&Leroy,2013).

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Nota-sequeocernedosconflitosresidetipicamentenanecessidadedeexpansãodograndecapital,queprecisafazerusodosrecursosencontradosemáreasprotegidasouhabitadasporpopulaçõestradicionais,asquaissecolocamcomoobstáculosaestaexpansão.Paralelamente,asnecessidadesgeopolíticasdogovernobrasileiro,vinculadasaograndecapital,implicaminvestimentosmassivosquelevamàalteraçãonomododevidademuitaspopulações.Nestecenário,aAmazôniaseoferececomofontederecursosparaaproduçãodemercadoriasque,distribuídasnomercadoglobal,tornaautilizaçãoeconômicadosrecursosnaturaisprovenientesdaregião,hoje,umfenômenodecarátertransnacional.Emoutraspalavras,nãosepodeidentificarecompreenderosconflitossocioambientaisnaAmazôniacomoumfenômenomeramentelocal.Osconflitossocioambientaistêmhojecaráterglobal,especialmenteemummomentonoqualaglobalização,tomadacomoadifusãoparatodoomundodacosmovisãoedasinstituiçõesdacivilizaçãoocidentaldebaseeurocêntrica,impõe-serapidamentesobreasalternativaspolíticaslocaisexistentes.Estaglobalizaçãohegemônica,queapresentaumavisãodemundoparticularcomotendovalidadeuniversaleprocuranaturalizá-la,estabelecedistinçõeshierárquicasentrepovosoupaísescentrais–aquelesqueestãonaorigemdesteprocessodeexpansãoglobal–epovosoupaísesperiféricos–queacolhemestaexpansãoaocustododesaparecimentodasalternativasculturaislocaisrepresentadasporpopulaçõestradicionaiscujahistóriaecujacosmovisãoéaniquiladano

contatocomasinstituiçõesculturaisdominantes.ProcessoqueBoaventuradeSousaSantoschamadeepistemicídio,oua“mortedeumconhecimentolocalperpetradaporumaciênciaalienígena”(SousaSantos,2005,p.22)equeconfigurataisconflitossocioambientaiscomomarcadamentecentradosemdisputasgeopolíticasenvolvendoculturascentraiseculturasperiféricas.Ocaráterétnico-racialdosconflitossocioambientaisnãoéfortuito,podeserconsideradoumaconsequênciadiretadesuaconfiguraçãogeopolíticaemummundoglobalizado,etemsidoenfrentadoemnívelglobal,entreoutrasformas,portentativasdecriaçãoderegrasinternacionaisparaprotegerospovosnãocentraisfrenteaestaaçãohegemônica.Aexpressãosocioambientaldestetipodedesigualdadefoicombatida,porexemplo,pelaConvenção169daOIT(OrganizaçãoInternacionaldoTrabalho),queprotegeoterritóriodaspopulaçõesindígenas,epelaConvençãodaBasileia,queproíbeaexportaçãoderesíduostóxicosparaÁfrica.Estefenômenoqueoperaemnívelglobaloperatambémemnívellocal,comosterritóriosocupadosporculturasepovostradicionais,cujaformadeproduçãoeconômicadistingue-sedaquelaqueregeaexpansãodograndecapital,sendodesigualmenteatingidosporatividadeseconômicaspredatóriasoupeladesapropriaçãodireta,comaexpulsãodeseushabitantes.Nãosetratanestecasodedenunciaraausênciadecompensaçãopelasexternalidadesambientaisexpropriadasdessespovos,masdeapontarqueháummarcado

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componenteétnico-racialnaprópriaaçãodeexpropriação.Nosestudosclássicossobreoracismoambiental,foi-seconstituindoumforteargumento,calcadoemsignificativasevidênciasempíricas,queconcluipelaexistênciadeumdeslocamentogeográficotantodasfontesderecursos,buscadascadavezmaisnosterritóriosocupadosporgruposétnico-raciaisdefinidos,quantodasáreasdedescartederesíduos.Oreconhecimentodaexistênciadoracismoambientalemoutroslugarespodemuitobem,poroutrolado,tornarmaiscomplexaadescriçãodofenômeno.NocasodaAmazônia,odiscursoqueexplicitaoracismoambientalofazsobabandeiradosdireitosterritoriaisindígenas,quilombolasedaspopulaçõesribeirinhas.Aganânciaeopreconceito–ingredientesessenciaisaoracismoambiental–tratamoterritóriocomoseelefossedesertodevidas.Comoseterra,águaefloresta,ostrêshabitatsquedelimitamosespaçosdevidaetrabalhodaspopulaçõestradicionaisnaAmazônia(Witkoski,2010),nãofossemocupadosporsereshumanosquealinasceramecujosascendentesaliconstituíramsuasmoradias,seusmeiosdesobrevivência,suastradições,seuslaçosdeparentescoedeamizade.Emalgunscasos,essaexpropriaçãosedádeformarelativamentepacífica.Afaláciadodesenvolvimentoedoprogresso,aliadaaooferecimentodeempregostemporários,transformaoassaltoemumaformadesuicídio:asprópriaspopulaçõestradicionaissãoconvencidasacolaborarnodesmatamento,nadestruiçãodafloresta,atémesmonogarimpoqueenvenenarásuaságuas.Cumpridaessaúltimapartedesua“função

social”naóticadocapital,essas“sub-raças”podemser“dispensadas”,oquenocasoésinônimodeexpulsãosumária.Quandoresistem,osmétodosmudam.Eirãodesdeousodaviolênciaedos“jagunços”,àcompraderegistroseautoridades,numausurpaçãodedireitosqueéumverdadeiroescárnioàconcepçãodejustiça(Porto,Pacheco,&Leroy,2013).Lutasporreconhecimentodos

povosdeflorestaOmanejodoterritórioedosrecursosnaturaiséoprincipalmeiodemanutençãoereproduçãomaterialesimbólicadospovosdefloresta.Anegaçãodissoconstituiumaafrontaàsuacapacidadedesobrevivênciaeumadesconsideraçãoprofundadesuacondiçãocomosujeitosdeconhecimentoededireitos,vistoqueabiodiversidadeedemaisriquezasdaAmazôniaderivamdiretamentedomanejoseculardessespovossobreaterra,aságuaseafloresta(Lira,Costa,Fraxe,&Witkoski,2014).Taispovosnãosãoincapazesdesedefender,pelocontrário,combaseemumaperspectivaqueassumeaidentidadeétnico-racialcomosíntesedeforçaspolíticasesimbólicasqueseproduzememumadeterminadaterritorialidade(Miguez,Fraxe,Souza,&Witkoski,2014),elestêmprocuradoreverteracontradiçãoentreidentidadedominanteeidentidadeoprimida,pormeiodaafirmaçãodesuadiferençaedaconstruçãodeumaidentidadecomoprojetopolítico(Castel,1997),retomandoantigoslaçosétnicoseseauto-atribuindodenominaçõescomoquilombolasouribeirinhos,porexemplo.Aidentidadehegemônicaéconstituídaapartirdeideologias

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comooracismo,quejustificamaconcentraçãoderecursosmateriaisesimbólicosemdeterminadogruposocialidentificadoaatributosvalorizadosabstratamente.Ouseja,atributoscomocordapeleouorigemocidentalpassamaserapresentadoscomopelebrancasuperiorapeleescuraeorigemocidentalsuperioraorigemindígena.Esseprocessosósecompletanainstituiçãodeumaidentidadeoprimida,objetodepreconceitoeestereotipia.Aconstruçãodeumaidentidadepolíticacomoreaçãoaissoconsideraasingularidadeforçadapeladesigualdadecomofatordereuniãodeforçascontra-hegemônicas.Ésomenteapartirdaíqueteminícioumalutaporreconhecimentodedireitosparaalémdeumaigualdadeabstrata,ouseja,considerandoanoçãodeequidade.Assim,anoçãodereconhecimentoarticulaadiferençaeaigualdadedemodosdistintosconformeocontextopolítico.Valedizer:afirmaajustiçadadiferençaondeaigualdadeabstratasustentaainjustiçaeafirmaajustiçadaigualdadeabstrataondeadiferençasustentaainjustiça(SousaSantos,2004,2007).Porexemplo,aigualdadeabstratadetodospoderemcomprarterrasnaAmazôniaéinjustacompovoscujapossedaterranãoestárepresentadanomercadoounoestadoocidental.Osindígenastêmumdireitoàdiferença,àsterrasdemarcadas,paraalémdomercadocapitalistadacompraevendadeterras,bemcomotêmumaposseancestraldaterraquenãoérepresentadanoscartóriosimobiliáriosdosestadosbrasileiros.Poroutrolado,adiferençadapossedemeiosdecoaçãoeagressãoporpartedegrileirosdeterrasnaAmazôniaexigeamanutençãoda

igualdadedosdireitoshumanosàvidacomvistasàproteçãodosindígenas.

Dessemodo,alutaporreconhecimentodospovosdeflorestadaAmazôniarevelaumaimportantedimensãopsicossocialeindicaaimportânciadesseassuntonocampodapsicologiacomunitáriacontemporânea:aomesmotempoemqueumgrupoampliasuavisibilidadeeinserçãopolíticanatotalidadesocial,ofazàmedidaemqueelaboraeseapropriadesuaespecíficahistóriaderesistênciaàdominaçãopolíticaeexploraçãoeconômica.Aspesquisasnessecampopodemajudaracompreenderosdiversosprocessospsicossociaisepolíticosnosquaisaelaboraçãodahistóriadedominaçãoededesigualdadecomopontodeapoiodaidentidadenãotermineporisolarogrupoouconstruirformasxenófobasdepertencimento,maspelocontrário,permitatrabalharadialéticaentreparticulareuniversalconduzindoaumainserçãosocialquerespeiteasingularidadeculturale,aomesmotempo,garantaauniversalidadedosdireitosdopontodevistadegruposhistoricamenteoprimidos.Ouseja,apartirdomomentoemqueessespovospassamacaminharnadireçãodaconquistaoumanutençãodeseusdireitossociaisepolíticos,obrigamaesferapúblicaalidarcomumaformaconcretaeparticulardeafirmaçãodauniversalidadedosdireitoshumanos.

Aessadialética,repletadecontradições,soma-seapossibilidadedequeosprojetoséticos,políticoseespirituaisdessesgrupossejamrespeitadosevalorizadoscomopossibilidadesderedefiniçãodasformasviolentaspelasquaisogrande

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mercadotemassimiladoterritóriosocupadostradicionalmenteeancestralmente,configurando-secomoumimportanteelementoconstituintedosnovosprocessosdeparticipaçãoedeco-gestãodepolíticasdepúblicas.

Consideraçõesfinais

NesteartigoexpusemosdoisfatosfundamentaisarespeitodospovosdeflorestadaAmazônia.Primeiramente,asprincipaistransformaçõessociaiseeconômicasvividasporessespovosdelineiam-seapartirdesuastentativasderesistênciaaosprocessosdedominaçãopresentesnaocupaçãodeseuterritórioeàprogressivaassimilaçãopredatóriadosrecursosnaturaisàeconomia-políticanacionaleinternacional.Emsegundolugar,aspolíticaspúblicasformuladas,comrarasexceções,nãoconsideraramoprocessohistóricoeosdireitosdessespovos,expressandobasicamenteumacontradiçãoentre“proteger”ou“deixarmatar”essaspopulações.Essesdoisfatossãocomplementaresedeterminamocampodeconflitosnoqualospovosdeflorestaelaboramsuaslutasporreconhecimentoecontraoracismoambiental.Essesdoisprocessossãoopressoresnamedidaemquenãoexprimemoconjuntodeforçasvivasdoterritórioeimpedemospovosdeflorestadeinfluirsobreasdecisõesquantoaousodosrecursosnaturais(Miguez,Fraxe,Souza,&Witkoski,2014).Anoçãoderacismoambientalpodeserumvaliosoinstrumentodeadvocacynalutaporreconhecimentodospovosdafloresta,aopermitirumconfrontodiretocomaspropostasdesenvolvimentistasoudedefesade

compensaçãoambientalcomoformaderetribuiçãojustapelosdanoscausadosàspopulaçõestradicionais.Emcontraposiçãoataispropostas,anoçãoderacismoambientalapontaparaaincomensurabilidadedevalorespresentesnarelaçãoentreserhumanoeambientee,porconseguinte,àimpossibilidadeético-políticadequebenefícioseconômicospossamequivalersobqualquerformaadignidadeeavidahumana.OsvaloresimplícitosàspropostasdesenvolvimentistasoucompensatóriasvêmditandoasinterpretaçõessobreosconflitossocioambientaisnaAmazônia,articulando-seapolíticaspúblicasquedesconsideramasvidashumanasquealidesenvolveramsuahistóriapessoalecoletivae,muitasvezes,promovendoacooptaçãodasprópriascomunidadeslocaisemaçõesquedegradamolocaldoqualdependesuaexistênciadigna.Poroutrolado,anoçãoderacismoambientalforneceumalinguagemquepermitearticularpoliticamenteaspopulaçõeslocaisdaAmazônia,emumaaçãodeadvocacydecaráterinternoaessasprópriaspopulações,capazdefomentarseuprotagonismopolítico,edeformacoerentecomahistóriarecentedaPsicologiaComunitárialatino-americana.Issoporque,permiteexpressarcomprecisãoumaconcepçãodejustiçaquetomaemconsideraçãoasdesigualdadessociaisnaelaboraçãodepolíticaspúblicas,vinculandodiferençasmateriaiseigualdadeformaldedireitos–oque,segundonosparece,constituiosentidomaisprofundodaideiadereconhecimento.Recentemente,aPsicologiaComunitárianaAméricaLatinacomeçouainvestigarasrelaçõesentreformasdeparticipaçãopopular

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edefiniçãodepolíticaspúblicas.Alémdisso,aPsicologiaComunitáriatambémcomeçouatematizaremsuaspesquisaseprogramasdeformaçãocomoaslutasdeorganizaçõescomunitáriasserelacionamàdiscussãodequestõesambientais,comoapreservaçãodecertosterritórioseousosustentávelderecursosnaturais(Watkins&Ciofalo,2011).Nocasobrasileiro,ahistóriadaPsicologiaComunitárianopaís(Lane,1996;Gonçalves&Portugal,2012),revelaqueadisciplinadedicou-seinicialmente,sobretudo,àinvestigaçãodeproblemasurbanos,problemassurgidosemtornodaslutasdeumconjuntodemovimentossociaispelodireitoàcidadeepelaredemocratizaçãopolítica,fazendocomqueaatençãodadaàscomunidadesruraiseaospovosdaflorestatenhasidomenorsecomparadacomaproduçãodepesquisasemtornodasquestõesurbanas.Noentanto,aexpansãodoagronegócioeaintegraçãodeterritóriosocupadosporcomunidadestradicionaisaomercadoglobal,aliadoapolíticasdeestadocomgrandeimpactoambientalesocialemáreasruraisapartirdadécadadenoventa,tornouatemáticacadavezmaisrelevanteparaestaáreadeconhecimento.Estanovaconjunturapolíticadarelaçãoentreespaçorural,comunidadestradicionais,mercadoglobaleEstado,assimcomoosurgimentodenovosmovimentossociais(principalmentearticuladospormeiodeassociaçõesdemoradoresdessascomunidadestradicionaisquelutamcontraessesprocessosdedominação),colocamnovosdesafiosparaaPsicologiaComunitária,quecomeçamagoraaserenfrentados,nosentidode

fortaleceroBrasileascomunidadestradicionaisqueaquivivememdireçãoaumdesenvolvimentohumanoesocialquepermitasuperarasdesigualdadespersistentesnopaís.Defendemosnesteartigoqueumdosdesafiosatuaisencontra-seemincentivaraparticipaçãodessascomunidadestradicionaisnaconstruçãodepolíticasdegarantiadedireitossociaiseterritoriais,aomesmotempoquetaispolíticasreconheçamodireitoàdiferençaedeproteçãofrenteàsameaçasligadasaosinteressesdeexploraçãoeconômicadaregião.ParaqueaPsicologiaComunitáriapossaoferecercontribuiçõesfaz-senecessárioqueospsicólogosinvestiguemcommaisprofundidade:amaneirapelaqualascomunidadesincentivamaparticipaçãodeseusmembrosemlutaspolíticasparadefesadoterritórioedesuaculturafrenteàsameaçasadvindasdograndemercado;comopromovemumdiálogoentresuastradiçõeseocorpodeconhecimentoligadoaodireitoeàparticipaçãopolíticainstitucional;ecomodesenvolveramemantêmformasdemanejodosrecursosnaturaisquepreservamoterritórioquehabitam(valedizeratravésdeformascompletamentedistintasdemanejoemrelaçãoàlógicadoagronegócio).ApesquisadesteconjuntodetemaséessencialparaodesenvolvimentodoconhecimentoeatuaçãonocampodaPsicologiaComunitárianocontextopolíticoatualenoqueserefere,emparticular,aoterritóriodaAmazônia,apontandograndesdilemassobreosquaisaPsicologiaComunitáriadevesedebruçar,comoalutapelosdireitosdascomunidadestradicionaispelousodosrecursosnaturaiseo

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papeldaAmazonia,comofontederecursos,nomundocontemporâneo.OdesafioqueseapresentanessecontextoéodeseproduzirumaPsicologiaquesejafrutoelegitimamenteinteressadanobemestardapopulaçãocomoumtodo,enãoapenasemumapequenaparcelaqueconcentraosrecursoserepresentaoscolonizadorestantoporidentificaçãocomoporaçõesquetransferemriquezasdapopulaçãoparaaacumulaçãointernacional.Énecessárioestarcomacomunidadeemposiçãodeigualdadecomossabereslocaiseestarpreocupadocomofortalecimentodoprotagonismolocalecomaslutasemancipatóriaspropostasporseusatoresenãoporumaescaladevaloresaparentadaaumuniversalismoabstrato.Esteprocessonãopodeserrealizadosemumdiálogoquerespeiteaculturaeastradiçõesdessesgrupos.Aoadentrarnessascomunidadesopsicólogocomunitáriodevevalorizaressesconhecimentos,natentativadeconstituirumcampodecomposiçãoentreossaberespopulareseespecializados,capazdeintegrarleiturasdemundo,darealidadeedosproblemasvivenciadosnascomunidades(Santos,2016).Ésobessaperspectivaquesuaatuaçãosetornapossíveldiantedoracismoambiental:promovendoaarticulaçãoentreindivíduoseorganizaçõesdopoderpúblicoedasociedadecivil.Talatuaçãodevepropiciarumambienteformadorparatodososenvolvidos,quepermitaatrocadeexperiências,facilitequeasaçõessejamelaboradasapartirdacompreensãodarealidadelocalemostreosganhosparaosmunicípiosecomunidadesdese

investiremaçõesdeidentificaçãoecombateaoracismoambiental.Porconseguinte,umaPsicologiaComunitáriaengajadanaemancipaçãopsicossocialdeindivíduosegruposoprimidosprecisamarcarumadiferençaradicalnaepistemologiaquerepresenteasuperaçãodajustificativadaopressãopormeiodaciência.UmanovaciênciadeveabarcarasepistemologiasdoSul,ouseja,iraoencontrodeformasderesistênciaeconhecimentoqueseoponhamàdominaçãopresentenasperiferiasdoplaneta.Somentedestemodo,oreconhecimentodaepistemologiaedasubjetividadedospovosdeflorestapodeseconfigurarcomoumaformadejustiçaambiental.

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