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SUPLEMENTO INTEGRANTE DA REVISTA UNIVERSO VISUAL EDIÇÃO 111 - MAIO 2019 GLAUCOMA

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suplemento integrante da revista universo visual edição 111 - maio 2019

GLAUCOMA

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GLAUCOMA

suplemento é parte integrante da revista universo visual, edição 111 - maio 2019

Sumário

N este suplemento especial da revista Univer-so Visual (edição 111), novamente aborda-mos o tema “Glaucoma”, em que apresen-tamos novos tópicos com a participação

de renomados especialistas desta área da Oftalmologia. O editor clínico deste novo suplemento é o oftalmolo-gista Paulo Augusto de Arruda Mello, professor titular de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina/UNI-FESP e os temas aqui discorridos são: Papel do OCT no diagnóstico e acompanhamento de pacientes com glau-coma; Tomografia do segmento anterior; Tratamento clínico do glaucoma; Cirurgias angulares; e Glaucoma e Telemedicina.

Esperamos que gostem do resultado!

Marina Almeida e Jéssica Borges Dois Editorial

Apresentação

Expediente

Editora Marina Almeida Reportagem Flavia Lo Bello Diretora comercial e marketing Jéssica Borges Diretora de arte e projeto gráfico Ana Luiza Vilela Importante: A formatação e adequação dos anúncios às regras da Anvisa são de responsabilidade exclusiva dos anunciantes. Impressão Gráfica Piffer Print Tiragem 16 mil exemplares. As opiniões expressas nos artigos são de responsabilidade dos autores. Nenhuma parte desta edição pode ser reproduzida sem autorização da Dois Editorial. Este material é destinado a classe médica.Dois Editorial Av. Paulista, 2028 – cj. 111 (CV56) – 11º andar – Bela Vista - São Paulo/SP – [email protected] www.universovisual.com.br

05 Papel do OCT no diagnóstico e acompanhamento de pacientes com glaucoma

08 Por que tomografia do segmento anterior?

12 Desmistificando otratamento clínico do glaucoma

15 Cirurgias angulares

23 Glaucoma e telemedicina

Prezados leitores,

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colegas,

PAULO AUGUSTO DE ARRUDA MELLO

A população mundial atual é mais longeva. Hoje na Europa ocidental estima-se que a criança ao nascer deverá viver aproximadamente 81 anos. Muitos podem ter maior sobrevida.

No Brasil, o processo de envelhecimento está ainda mais acelerado quando comparado com os países desenvolvidos. Segundo o IBGE, entre 2012 e 2016, o grupo de idosos (pessoas com 60 anos ou mais) cresceu 16%, enquanto o de crianças (entre 0 a 13 anos) caiu 6,7%.

Doenças antes consideradas extremamente letais, como por exemplo sarampo, caxumba, rubéola, varíola, já não representam grande ameaça. Porém, outras se tornaram de alta prevalência nos nossos dias. Assim, o glaucoma é atualmente um grande problema de saúde publica.

A doença glaucoma, que parecia ser um simples dese-quilíbrio entre a produção e a drenagem do humor aquoso, tornou-se agora uma condição muito complexa graças à acelerada pesquisa moderna.

A disfunção vascular é um dos mecanismos sugeridos como causador do dano glaucomatoso. Talvez num futuro próximo, os novos topógrafos (OCT angiography) cola-borem com nossos conhecimentos sobre a patogênese e a progressão do glaucoma.

Há, sem dúvida, impressionante progresso científico na tentativa de prevenirmos a cegueira pelo glaucoma. Cami-nhamos muito.

Atualmente fazemos diagnósticos mais precoces, bem como controlamos mais apropriadamente a sua evolução. Temos melhor arsenal clínico e cirúrgico para o seu trata-mento. Contudo, muito sobre a doença permanece obscuro.

Glaucoma é ainda um grande desafio! Apesar de tudo, nem sempre é fácil responder quando

o paciente questiona: “Doutor, o que posso fazer para não ficar cego pelo glaucoma como a mamãe?”

Existem inúmeras publicações médicas sobre o tema glaucoma. Chegamos até ao ponto de encontrar dificul-dade para acessar o universo dessas publicações e também dificuldade para selecionarmos aquilo que é aplicável na nossa prática médica.

Mesmo com o advento das novas modalidades de pu-blicações, as revistas médicas continuam tendo a maior relevância no cenário geral da comunicação. Elas geram importantes informações para o seu público alvo, no qual o editor ou corpo editorial têm a responsabilidade de pre-servar a qualidade de cada edição.

Com a intenção de trazer à comunidade oftalmológica resumos práticos de problemas atuais na condução de casos de glaucoma, a Revista Universo Visual criou o presente suplemento. Foram convidados colegas voluntários que sem “anedotismo e/ou achismo” trouxeram as melhores condutas para os brasileiros portadores dessa doença.

Boa leitura!

PROF. DR. PAULO AUGUSTODE ARRUDA MELLO

Professor Titular do Departamento de Oftalmologia

da Escola Paulista de Medicina/

Universidade Federal de São Paulo

Caros

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E m entrevista a este novo Suplemento de Glau-coma, o médico oftalmologista Tiago Prata, professor afiliado e da pós-graduação do De-partamento de Oftalmologia da UNIFESP/

EPM, fala a respeito do tema “Papel do OCT no diag-nóstico e acompanhamento de pacientes com glauco-ma”, no qual aborda a propedêutica de avaliação dos pacientes, a função do OCT no diagnóstico e acompa-nhamento dos indivíduos glaucomatosos, as limitações deste exame, além das perspectivas futuras em relação à melhoria do OCT. Leia, a seguir, a entrevista completa com o especialista.

Suplemento de Glaucoma - Antes de abordarmos especificamente o papel do OCT no paciente glauco-matoso, poderia falar um pouco a respeito da prope-dêutica geral da avaliação do paciente com glaucoma ou suspeita da doença?

Tiago Prata - É importante salientar que quando es-tamos falando de glaucoma, falamos do paciente com glaucoma e não do olho com glaucoma. Dessa forma, a propedêutica leva em consideração tanto aspectos do paciente como um todo quanto aspectos oftalmológicos. A propedêutica vem desde a avaliação geral do paciente, como a raça, idade, presença ou ausência de comorbidades

de pacientes com glaucoma

Papel do OCT no diagnóstico e acompanhamento

TIAGO PRATAProfessor Afiliado e da Pós-Graduação do

Departamento de Oftalmologia da UNIFESP/EPM.

Doutorado e Pós-Doutorado em Oftalmologia e

Ciências Visuais pela UNIFESP/EPM.

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sistêmicas e histórico familiar, que são pontos importantes antes de se partir para a avaliação oftalmológica. Após um exame oftalmológico completo, partimos para a propedêu-tica do glaucoma em si. Pensando mais especificamente na avaliação anatômica, o OCT tem se tornado um exame complementar cada vez mais importante. Embora o OCT apresente hoje diversos parâmetros quantitativos, com boa acurácia diagnóstica e reprodutibilidade adequada, ele ainda não substitui os demais exames que integram a avaliação anatomo-funcional (campimetria, retinogra-fia/estereofoto de papila) do paciente com glaucoma ou suspeita da doença.

S. G. - E por que o OCT é um exame importante em pacientes com glaucoma (ou suspeita de glaucoma)?

Prata – O OCT não é um exame novo, ele possui mais de 20 anos de uso na oftalmologia. É um tipo de teste que tem centenas de estudos, vários deles trazendo dados que hoje justificam a sua utilização na propedêutica do pa-ciente com glaucoma ou suspeita da doença. No paciente com suspeita da doença, utilizamos o exame na avaliação diagnóstica, ou seja, naquele paciente que tem um disco óptico suspeito de glaucoma e, muitas vezes, nessa fase, os exames funcionais, como a campimetria, ainda estão normais ou com alterações muito precoces e pouco con-clusivas; dessa maneira, a tomografia de coerência óptica (OCT) vem auxiliar para confirmar a suspeita ou afastar glaucoma nesse momento. Esse é o chamado uso transver-sal do OCT na avaliação diagnóstica do glaucoma. Ain-da nesse paciente suspeito, uma vez afastada a doença, o OCT passa a ser utilizado de maneira seriada ao longo do tempo, assim como os outros testes (campimetria e retinografia). Nesse modo de avaliação longitudinal, o diagnóstico é feito na vigência de alguma mudança sig-nificativa nos exames.

S. G. – Agora pensando, então, no paciente que já tem o glaucoma, qual a função do OCT?

Prata - Nessa situação, o OCT é uma ferramenta muito importante de documentação de progressão da doença. Do mesmo modo que utilizamos a retinografia e a campi-metria e fazemos comparações ao longo do tempo, usamos

a tomografia como uma ferramenta de avaliação anatô-mica de diferentes parâmetros relacionados ao glaucoma e buscamos por mudanças significativas no decorrer do tempo. Importante ressaltar que podem ocorrer mudan-ças nos parâmetros do OCT não relacionadas à piora do glaucoma em si. Existem, por exemplo, mudanças rela-cionadas à idade e variações relacionadas à variabilidade teste-reteste do aparelho. Sendo assim, o que buscamos são mudanças consistentes nos diferentes parâmetros do OCT ao longo do tempo, que excedam àquelas esperadas pela idade e pela variabilidade entre os testes que os aparelhos costumam apresentar.

S. G. – De um modo geral, como o senhor vê, então, o uso do OCT na prática diária?

Prata - Resumindo, pensando no uso do OCT como uma ferramenta diagnóstica, ele pode ser utilizado em uma primeira avaliação de maneira transversal para con-firmar ou afastar uma suspeita de glaucoma, e ao longo do tempo de maneira longitudinal, seja para avaliação diagnóstica daquele paciente suspeito para buscar mu-danças, seja em um paciente com glaucoma para buscar progressão da doença (ou seja, para avaliar a estabilidade ou não da doença em um paciente que já tem glaucoma). Pensando na prática diária, portanto, podemos utilizar o OCT para diagnóstico em casos suspeitos, no qual a avaliação qualitativa do disco óptico seja sugestiva de neuropatia óptica glaucomatosa e, principalmente, em casos em que a avaliação funcional ainda não nos forneça achados significativos (situação relativamente comum no glaucoma inicial). Como ressaltado anteriormente, é comum nas fases mais precoces da doença os testes fun-cionais se apresentarem normais ou pouco conclusivos.

Em muitas situações, utilizamos também o bom valor preditivo negativo do teste a nosso favor. Isto é, apesar de termos um paciente suspeito, acreditamos, com base na nossa avaliação propedêutica inicial, que ele não tem glaucoma e optamos por segui-lo. Nesse momento, ao solicitarmos um exame de OCT e nos depararmos com um resultado muito normal, ficamos mais tranquilos em não tratar esse paciente e só acompanhá-lo ao longo do tempo.

O que buscamos são mudanças consistentes nos diferentes parâmetros do OCT ao longo do tempo, que excedam àquelas esperadas pela idade e pela variabilidade entre os testes que os aparelhos costumam apresentar

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S. G. – Que achados importantes do OCT o oftalmo-logista precisa estar atento?

Prata - Quando usamos o exame de OCT, tanto para diagnóstico quanto para o acompanhamento do pacien-te com glaucoma, logo que recebemos o exame, ficamos tentados em partir para análise dos valores numéricos, ou seja, da comparação dos resultados obtidos (das me-didas dos diferentes parâmetros) com o banco de dados normativo do aparelho, para saber se está dentro ou fora do normal. Mas antes disso é importante saber se aquele exame é confiável e para isso nos baseamos, principalmen-te, em dois parâmetros que devem ser verificados assim que recebemos o resultado do exame. Em primeiro lugar, a intensidade do sinal, que é um índice de qualidade do exame; é importante conhecer os valores mínimos aceitá-veis de intensidade de sinal para cada diferente aparelho, uma vez que não existe um valor único comum a todos.

Além da intensidade do sinal, é muito importante examinar o padrão das imagens de captura do OCT em busca de artefatos, uma vez que a presença de artefa-tos pode influenciar diretamente nos valores obtidos de cada parâmetro. Uma vez que se trata de um exame confiável, aí então partimos para análise dos parâmetros fornecidos pelo OCT, que em geral se resumem àqueles relacionados à topografia da cabeça do nervo óptico, da avaliação segmentada da espessura macular e da medida da camada de fibras nervosas da retina peripapilar. O modo como cada aparelho mede e apresenta esses parâ-metros pode variar de equipamento para equipamento. Dessa maneira, mais uma vez é importante conhecer o modo como esses parâmetros são fornecidos por cada tipo de aparelho de OCT. Por fim, para cada um desses parâmetros, iremos verificar se estão ou não dentro dos valores de normalidade.

Importante ressaltar, pensando no diagnóstico, que nem todo exame fora do limite de normalidade implica em glaucoma e nem todo exame com valores dentro da normalidade implica em ausência da doença. Sendo as-sim, o OCT será analisado em conjunto com outros exa-mes, uma vez que existem casos de falso positivo e falso negativo do teste. Pensando em avaliação de progressão, a regra é a mesma, com a ressalva de que devemos sem-pre estar atentos para a intensidade do sinal e a qualidade das imagens para garantir uma boa reprodutibilidade dos exames seriados.

S. G. – Quais são as limitações do OCT?Prata – A primeira limitação desse exame é que o OCT

não é aplicável a todos os pacientes, ou seja, existem con-dições oculares que limitam a sua utilização, uma vez que as informações obtidas passam a não ser mais tão confiá-

veis, como por exemplo olhos com alta miopia, presença de doenças retinianas, discos ópticos com Tilt acentuado e também opacidade de meios (catarata, doenças da cór-nea etc). Todas estas são condições que limitam o uso do OCT. Mas independente das condições oculares serem adequadas ou não, o exame em si de OCT possui outras limitações. Podemos pensar, primeiro, no custo do apare-lho e é por isso que nem todo local possui o equipamen-to. Outra situação seria a dificuldade que muitos colegas encontram em realizar o OCT sempre no mesmo tipo de equipamento. Isso é muito importante porque as medidas do OCT não são intercambiáveis.

Dessa forma, quando o paciente realiza o exame em um centro diagnóstico e o exame seguinte em outro local, se os equipamentos forem diferentes não conseguiremos comparar os exames. E uma última limitação do OCT que considero importante mencionar é que às vezes a tecno-logia evolui mais rápido do que a doença...daí nos vemos obrigados a trocar de aparelho e começar o acompanha-mento do “zero”. Dessa maneira, acho imprescindível não abrir mão da documentação do disco óptico da camada de fibras nervosas através da retinografia.

S. G. – Para finalizar, o que poderia melhorar no OCT, na sua opinião, para ele se tornar uma ferramenta auxiliar ainda mais útil no manejo do glaucoma?

Prata – Creio que o OCT poderia ter uma melhor per-formance diagnóstica nas fases mais precoces da doença. Hoje o que verificamos no OCT é que ele possui uma performance diagnóstica melhor quanto mais avançada é a doença; entretanto, quando a doença já está muito avan-çada, não necessitamos do OCT para saber se o paciente tem ou não glaucoma. Embora seja uma boa ferramenta diagnóstica, o OCT não é tão bom nas fases mais preco-ces da doença, seja no glaucoma pré-perimétrico ou no glaucoma ainda em uma fase muito inicial.

Pensando também em avaliação de progressão, gosta-ríamos que houvesse uma menor variabilidade teste-re-teste entre as medidas, de modo que talvez precisássemos de menos exames para saber se aquele paciente está de fato progredindo ou está estável. Isso facilitaria muito o acompanhamento do paciente ao longo do tempo. Além disso, o ideal é que a tecnologia fosse um pouco mais ba-rata para se tornar mais acessível e, embora no momento pareça utopia, gostaríamos que os aparelhos pudessem se comunicar entre si. E a última questão, que seria algo mais a longo prazo, é que quando conseguirmos incorporar as medidas obtidas com o OCT dentro de um contexto de inteligência artificial, seja para diagnóstico ou detecção de progressão da doença, a performance do equipamento irá melhorar consideravelmente. l

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N a opinião do oftalmologista Bruno Espor-catte, professor substituto de Oftalmologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Representante Regional no Rio

de Janeiro da Sociedade Brasileira de Glaucoma (SBG - gestão 2017-2019), a investigação de um indivíduo com suspeita de glaucoma é desafiadora. Segundo ele, uma anamnese detalhada, o exame oftalmológico completo e a solicitação consciente de exames complementares são imprescindíveis para um diagnóstico correto e prescrição do tratamento adequado.

Para o médico, em muitas situações, esta definição não é imediata e demanda ao paciente um acompanhamento regular com seu oftalmologista. “Por definição, o glauco-ma é uma neuropatia óptica. Logo, é fundamental que o disco óptico seja avaliado de maneira minuciosa quanto

à presença de sinais sugestivos de lesão glaucomatosa, como por exemplo aumento da relação escavação/disco com quebra da regra ISNT, afinamentos localizados na rima neural e/ou camada de fibras nervosas peripapilar, visualização da lâmina cribriforme, hemorragia de disco, entre outros”, ressalta o especialista.

Esta análise, conforme explica Esporcatte, inicialmente é feita pela biomicroscopia sob midríase do polo poste-rior, podendo ser documentada através de uma estereofo-tografia ou retinografia simples do polo posterior. “A to-mografia de coerência óptica com análise de disco, cama-da de fibras e complexo de células ganglionares macular é uma ferramenta importante que fornece informações qualitativas e quantitativas que auxiliam no diagnóstico precoce da doença”, salienta o professor, enfatizando que, além do defeito anatômico, é fundamental quantificar o

do segmento anterior?

Por que tomografia

BRUNO ESPORCATTEDoutorando em Oftalmologia pela Universidade

Federal de São Paulo (UNIFESP). Professor

Substituto de Oftalmologia da Universidade

Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Representante

Regional no Rio de Janeiro da Sociedade Brasileira

de Glaucoma (SBG - gestão 2017-2019).

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Figura 1 – Determinação do esporão escleral (EE). O EE aparece como uma protrusão interna da esclera onde se inserem as fibras longitudinais do músculo ciliar (seta amarela – A), porém, por vezes, a sua identificação não é simples. Após a determinação da posição do EE, é importante avaliar qualitativamente a distância entre a íris e a parede córneo-escleral. Em B, observa-se o contato entre estas estruturas.

Figura 2 – Observação da relação da íris com a parede do ângulo e o cristalino. É importante ter atenção quanto à posição da inserção da íris, que pode estar localizada mais próxima à cabeça do corpo ciliar (A) ou mais próxima à parede escleral (B). Além disso, é importante observar a espessura da íris próxima a sua base e se há contato desta com a região trabecular. A curvatura da íris e os pontos em que está em contato com o cristalino também devem ser observados. Em B, é possível notar o toque entre a íris e a lente próximo à borda pupilar (seta) com abaulamento do tecido iriano em direção à câmara anterior.

Figura 3 – Relação do cristalino com a câmara anterior. Lens vault é a distância entre a face anterior do cristalino com a linha traçada entre os esporões esclerais. Quanto maior o volume lenticular maior é o valor do lens vault (B > A). Além disso, é importante notar a profundidade da câmara anterior (A > B).

Figura 4 – Mecanismos de fechamento angular. A análise qualitativa dos parâmetros angular permite a diferenciação entre os mecanismos que podem levar a um fechamento do ângulo da câmara anterior. O bloqueio pupilar (A) resulta em uma íris convexa com reduzida profundidade de câmara anterior. Já a íris em plateau (B) pode estar presente em virtude da inserção da íris em processos ciliares mais anteriorizados (C). Devido ao aumento do volume cristaliniano, pode haver fechamento angular devido ao componente angular resultante de um lens vault aumentado (D). O fechamento do ângulo também pode ser provocado por uma espessura aumentada da íris próxima à sua inserção.

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defeito funcional no campo visual do paciente através da perimetria visual computadorizada.

De acordo com oftalmologista, o principal fator de risco relacionado ao aparecimento e progressão da neuropatia óptica glaucomatosa é a pressão intraocular (PIO) aumen-tada. “Além disso, a única forma de tratamento eficaz do glaucoma é através do controle da PIO. Preferencialmente, sua medida deve ser feita com o tonômetro de aplanação de Goldmann. Como a espessura da córnea pode influen-ciar a leitura do tonômetro, é importante obtermos esta medida através da paquimetria”, observa.

Para ele, diversos são os mecanismos que provocam a elevação da PIO e consequente lesão no nervo óptico. “A adoção de um correto tratamento passa necessariamente pela avaliação do sistema de drenagem do humor aquoso. É primordial que o seio camerular seja avaliado quanto à abertura angular e outros dados que deem pistas sobre a patogenia de cada glaucoma sejam pesquisados”, orienta, esclarecendo que para a avaliação do ângulo da câmara anterior, pode-se utilizar a gonioscopia, a tomografia de coerência óptica de segmento anterior (AS-OCT, do in-glês anterior segment optical coherence tomography) e a biomicroscopia ultrassônica (UBM).

Ângulo da câmara anteriorSegundo Esporcatte, o método padrão ouro da ava-

liação do seio camerular é a gonioscopia. “Este exame consiste em encostar uma lente com espelhos no olho do paciente, após anestesia tópica, para verificar as es-truturas visíveis do ângulo, permitindo inferir abertura angular em toda a circunferência da câmara anterior”, revela o médico. Ele explica que se classifica um ângulo como fechado caso haja impossibilidade de se observar a porção pigmentada da malha trabecular em 180 graus ou mais, sem manobras complementares, e em posição primária do olhar.

“Na vigência deste cenário, deve-se realizar manobras, como indentação, para diferenciar um fechamento apo-sicional de um fechamento provocado por sinequias”, diz o oftalmologista, salientando que este exame tam-bém permite detectar sinais de contato irido-trabecular prévios (imprints), pigmentação exacerbada, depósitos de material pseudo-esfoliativo, neovasos e embriotoxon posterior. “Já a AS-OCT é uma técnica de exame que utiliza o princípio de interferometria de baixa coerên-cia para obter imagens em corte transversal da câmara anterior do globo ocular”, destaca.

Segundo o especialista, a AS-OCT é um exame rápi-do, não operador-dependente, semi-automático e que apresenta boa reprodutibilidade, e as imagens adqui-ridas são de fácil interpretação e podem dar pistas so-

bre o mecanismo de fechamento angular. Com relação à UBM, o especialista esclarece que este é um exame que utiliza ondas sonoras emitidas por uma sonda de alta frequência (50 MHz) para a aquisição da imagem. “Neste exame, necessariamente há contato do equipa-mento com o olho e o procedimento depende de um examinador treinado”, informa.

Conforme salienta Esporcatte, a gonioscopia é um pro-cedimento barato e toda a conduta em pacientes com fechamento angular é baseada nos achados deste exa-me. “O bom manuseio da lente e a correta execução de manobras durante o exame permitem ao oftalmologista levantar hipóteses sobre o mecanismo do fechamento do ângulo. Com a indentação, por exemplo, é possível diferenciar se um ângulo está fechado por uma sinequia ou se as estruturas estão apenas aposicionadas”, esclarece.

O médico enfatiza que o perfil da íris durante a inden-tação também é elucidativo em alguns casos, como por exemplo em pacientes com íris em plateau que apresen-tam o sinal da dupla-corcova durante a indentação. Além disso, ele revela que outros tipos de glaucoma têm o diag-nóstico orientado por achados gonioscópicos, como o neovascular (neovasos na malha trabecular), o glaucoma pigmentar (pigmentação excessiva do trabeculado em um ângulo aberto), o glaucoma pseudo-esfoliativo (pig-mentação linear acima da linha de Schwalbe) ou mesmo o glaucoma por aumento da pressão venosa episcleral (presença de sangue no canal de Schlemm).

Vantagens da AS-OCT e UBMA AS-OCT, segundo o especialista, tem papel elu-

cidativo, em especial quando o paciente não permite a realização do exame gonioscópico, visto que utiliza a luz como meio de aquisição da imagem. “Uma grande vanta-gem da AS-OCT é a documentação dos achados através de imagens, permitindo orientar o paciente de manei-ra didática sobre a conduta que será adotada”, revela o professor, salientando que ao contrário da gonioscopia, o exame fornece medidas quantitativas do ângulo, sendo útil na realização de protocolos científicos. “Além disso, a criteriosa análise da imagem auxilia no diagnóstico do mecanismo do fechamento angular e permite avaliar o posicionamento de implantes de drenagem na câmara anterior”, completa.

Já a UBM, na opinião do oftalmologista, é a melhor fer-ramenta para a avaliação de detalhes retroirianos devido à utilização de energia ultrassônica para a aquisição da imagem. “Com este exame, é possível detectar cistos ou tumores de íris e avaliar implantes de drenagem posicio-nados via pars plana”, avalia, destacando que nos pacientes com glaucoma por bloqueio ciliar, é um procedimento

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importante para a visualização de anteriorização dos pro-cessos ciliares, desaparecimento do sulco ciliar e rotação do diafragma iridolenticular.

Esporcatte explica que a curva de aprendizado para a boa realização da gonioscopia não é rápida e, por vezes, um oftalmologista não especialista em glaucoma não domina a técnica correta do exame. “O uso de exames de imagem como a AS-OCT pode auxiliar este profis-sional a estabelecer o diagnóstico e decidir o tratamento do fechamento angular, evitando o desenvolvimento do glaucoma primário de ângulo fechado em um percentual significativo de indivíduos”, aponta. Ele diz que a avaliação do ângulo da câmara anterior com o OCT se inicia com a localização do principal marco anatômico, que é o espo-rão escleral, o que irá permitir a intepretação correta da imagem (figura 1). Opcionalmente, a linha de Schwalbe também pode ser utilizada com esta finalidade.

O segundo passo, de acordo com o professor, é a obser-vação criteriosa da íris (figura 2). “Primeiramente, obser-ve o local de inserção da íris em relação ao corpo ciliar. Por vezes, a íris pode estar inserida mais alta na parede córneo-escleral ou junto à base do processo ciliar”, relata. Após esta avaliação, ele diz que é importante observar a distância da íris da junção córneo-escleral e se há toque entre estas estruturas. “Além disso, observe a espessura do tecido iriano próximo à base e a curvatura da íris em relação ao cristalino”, orienta.

Outro parâmetro importante a ser avaliado, segundo o especialista, é o lens vault (figura 3), que é a distância da face anterior do cristalino até a linha que comunica o esporão escleral dos quadrantes observados na imagem. “Por fim, caso a imagem de toda a câmara anterior esteja disponível, é importante avaliar a profundidade da câ-mara anterior”, observa, ressaltando que a análise destes parâmetros pode auxiliar o oftalmologista a entender os diferentes mecanismos no processo de fechamento angular em cada paciente (figura 4). “Nem sempre é possível isolar e atribuir o fechamento do ângulo a um único mecanis-mo, visto que pode haver uma sobreposição de fatores em vários pacientes”, afirma.

Perspectivas futurasO oftalmologista comenta que os primeiros equipa-

mentos utilizando a tecnologia de domínio de tempo (TD – do inglês time domain) são capazes de adquirir 2000 A-scans por segundo, gerando uma resolução axial de imagem em torno de 18 – 25 μm. “Os aparelhos de tecnologia de domínio espectral (SD – do inglês spectral domain) apresentam uma velocidade de aquisição de 26.000 A-scans por segundo e resolução axial próximo a 5 μm”, informa. Já os aparelhos de fonte oscilatória (SS,

do inglês swept source), de acordo com o médico, apre-sentam alta velocidade de aquisição (maior que 30.000 A-scans por segundo), resolução axial menor que 10 μm e capacidade de reconstruir imagens circunferenciais.

Esporcatte diz que os aparelhos TD, como o Visante® (Carl Zeiss Meditec Inc., Califórnia, Estados Unidos), mesmo possuindo limitações, permitem a boa iden-tificação de detalhes do ângulo em 70-80% dos casos e, apesar da sua menor resolução, é possível visualizar todo o segmento anterior em uma única imagem. “Já os equipamentos SD, como o RTVue® (Optovue, Fremont, Estados Unidos), permitem a visualização de segmento anterior em secções, porém fornecem informações mais precisas em relação aos componentes de menor tama-nho da câmara anterior, com detalhes anatômicos que não podem ser vistos por meio de outros métodos de imagem”, esclarece.

Segundo o especialista, os novos aparelhos de AS-OCT com a tecnologia SS conseguem realizar cortes axiais com maior velocidade e em maior quantidade. Assim, aumentando o número de cortes adquiridos, aumenta-se a sensibilidade quanto à detecção de áreas de fechamento angular e, a depender do número de cortes realizados, será possível fazer a reconstrução 3D de toda a câmara anterior. “Desta forma, será possível quantificar a abertura do ângulo em toda a extensão circunferencial e não mais apenas em pontos isolados, permitindo que a análise do fechamento angular seja feita de maneira semelhante à avaliação gonioscópica”, analisa.

Na opinião do especialista, é pouco provável que o OCT de câmara anterior substitua a gonioscopia. “A goniosco-pia ainda é insubstituível na propedêutica do glaucoma. Detalhes como padrão e grau de pigmentação da malha trabecular ou presença de neovasos não são detectados pela tomografia de coerência óptica”, avalia o médico. Além disso, ele diz que ainda não há disponível um mé-todo de adquirir a imagem do segmento anterior durante a manobra de indentação. “Outro fator limitante é o custo do equipamento”, acrescenta.

O médico afirma que alguns tomógrafos permitem a avaliação do polo posterior e para a aquisição da imagem do segmento anterior basta acoplar um módulo com um conjunto de lentes apropriadas, como o Spectralis® (Hei-delberg Engineering, Heidelberg, Alemanha), o Cirrus® (Carl Zeiss Meditec Inc., Califórnia, Estados Unidos) e o RTvue®. “Entretanto, outros aparelhos são de uso ex-clusivo do segmento anterior e talvez, do ponto de vista econômico para a prática clínica diária, o investimento na tecnologia não seja justificável, como o Visante® e o CASIA® (Tomey Corporation, Nagoya, Japão)”, conclui Esporcatte. l

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G laucoma é a principal causa de cegueira irre-versível no mundo, atinge cerca de 2% a 3% da população acima dos 40 anos e a prevalência aumenta com a idade, chegando a dobrar a

cada década. Trata-se de uma neuropatia do nervo óp-tico, cujo principal fator de risco é a pressão intraocular elevada, seguido por outros fatores de risco, como o his-tórico familiar de glaucoma, principalmente de paren-tes de primeiro grau, espessura da córnea fina, miopia e afrodescendência.

O glaucoma pode ocorrer mesmo com pressão intrao-cular baixa e é o caso do glaucoma de pressão normal. A doença normalmente se comporta na sua fase inicial de forma assintomática, o que dificulta bastante o diag-nóstico precoce, que só é possível após um exame oftal-mológico minucioso. Essa investigação, normalmente, é associada a exames complementares, correlacionando os achados estruturais pela retinografia e tomografia de coerência óptica da camada de fibras nervosas peripapi-

lar e macular com a perda funcional pela campimetria. A única forma de tratamento com eficácia comprovada cientificamente é a redução da pressão intraocular, que inicialmente pode ser feita com colírios ou trabeculo-plastia a laser.

O tratamento do glaucoma tem como objetivo princi-pal interromper ou retardar a perda de visão, comprome-tendo o mínimo possível a qualidade de vida do paciente. Deve-se evitar o uso desnecessário de colírio, por exem-plo, em casos suspeitos com baixo risco para conversão para glaucoma, assim como o excesso de medicações. É de fundamental importância reavaliar o tratamento com base na evolução do glaucoma; os efeitos colaterais po-dem frequentemente causar mais transtornos à qualidade de vida do paciente que a própria doença.

O tratamento deve ser instituído após a confirmação diagnóstica do glaucoma ou nos casos suspeitos de alto risco. Nesses pacientes, deve-se definir a pressão intrao-cular alvo considerando o estadiamento da doença, ve-

do glaucoma

Desmistificando o tratamento clínico

VESPASIANO REBOUÇAS-SANTOSResidência de Oftalmologia na UNIFESP-EPM.

Fellowship de Glaucoma Adulto e Pediátrico na

UNIFESP-EPM. Preceptor de Glaucoma do Hospital

Santa Luzia, Salvador-BA.

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locidade de progressão, espessura da córnea e a expec-tativa de vida do paciente. Quanto mais grave e maior a expectativa de vida, mais agressivo deve ser o tratamento.

Consenso sobre glaucomaA Sociedade Brasileira de Glaucoma recomenda a

utilização da campimetria para definir a gravidade do glaucoma pelos critérios de Hodapp-Parrish-Anderson (Figura 1). O quarto consenso da Sociedade Europeia de Glaucoma recomenda a realização de seis campos visuais nos dois primeiros anos após o diagnóstico de glaucoma, para que os pacientes consigam realizar exames de boa qualidade e seja possível calcular a velocidade de pro-gressão da doença.

A pressão alvo pode ser calculada através da redução de 20% a 30% da pressão inicial do paciente sem colírios; nos pacientes já tratados que apresentam progressão, a recomendação é uma redução adicional de 20% a 30%. Uma outra forma de calcular a pressão alvo é pelo valor absoluto da pressão a depender da gravidade: glaucoma leve significa pressão menor que 18mmnHg, glaucoma moderado, menor que 16mmHg, glaucoma avançado, menor que 14 mmHg.

Todas essas formas apresentam críticas e o recomen-dado, atualmente, é individualizar esse cálculo e manter acompanhamento regular, buscando sempre detectar de forma precoce a piora do glaucoma. Importante ressaltar que toda progressão deve ser confirmada com a repetição dos exames em curto espaço de tempo.

Uma vez definida a pressão alvo, o próximo passo é a escolha da medicação. Todos os esforços devem ser mo-bilizados para permitir que o paciente consiga a redução

pressórica desejada, com menor quantidade de drogas, boa tolerância, mínima posologia e menor custo, para que o paciente consiga manter uma boa aderência ao tra-tamento. Deve-se dar preferência pelas medicações com elevada potência e boa comodidade posológica.

E sempre levar em consideração condições sistêmicas, como asma, bloqueio atrioventricular, gravidez, entre outras que podem contraindicar determinadas classes de medicamentos, como betabloqueadores, nessas situa-ções. Histórico de alergias e de efeitos colaterais às drogas precisam ser inqueridos e analisados de forma cuidadosa para evitar eventuais transtornos e perda de seguimento pelo paciente.

Importância da aderência ao tratamentoO glaucoma é uma doença crônica e sem cura, que

pode levar à cegueira. A aderência ao tratamento é um dos principais entraves para um controle adequado. Estudos identificaram que o não-compromisso com o tratamento é comum entre os pacientes com glaucoma: as estimativas variam de 5% a 80%. Os principais fatores que influenciam são pouco conhecimento sobre a doença, falta de treina-mento no uso correto dos colírios, frequência de uso e quantidades de medicações.

Umas das formas de melhorar a aderência é sugerir ao paciente que atrele o horário da medicação às atividades da rotina diária, além de monitorar os efeitos colaterais e verificar tolerância ao tratamento. Em pacientes idosos, com comprometimento da coordenação motora ou baixa importante da visão, solicitar, se possível, que outra pessoa coloque os colírios - uma boa forma de avaliar isso é pedir ao paciente que instile o colírio na frente do médico.

Figura 1

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Outro ponto importante é orientar que após aplicar o colírio o paciente deve fechar os olhos, sem fazer força excessiva e comprimir os pontos lacrimais por cerca de três minutos; essa técnica aumenta o tempo que o colírio fica em contato com a superfície ocular, otimizando sua absorção e reduzindo os efeitos colaterais sistêmicos. Pa-cientes que utilizam múltiplos frascos de colírios precisam espaçar as instilações de 10 a 15 minutos para que um dos colírios não lave o outro e prejudique a absorção.

O ideal é iniciar com monoterapia e avaliar o efeito da medicação dentro de 15 a 30 dias, exceto em algumas situações mais extremas, em que a redução da pressão tenha que ser feita com urgência. Drogas que promovem

a redução da pressão inferior a 10% devem ser substituí-das por serem consideradas ineficazes nesse paciente. Em casos de reduções de 10% a 20%, o recomendado é subs-tituir ou acrescentar mais uma droga. Reduções maiores que 20% normalmente são consideradas boas, portanto a droga deve ser mantida se bem tolerada e acrescentar uma medicação se a pressão alvo ainda não foi atingida. A utilização de curva tonométrica e teste de sobrecarga hídrica para avaliar a eficácia do tratamento não é consen-so na literatura, mas é amplamente empregada na prática clínica de muitos serviços de referência no Brasil.

As drogas normalmente preferidas para início de trata-mento são os análogos de prostaglandina, seguidos nessa ordem pelos betabloqueadores, alfa2-agonistas e, por úl-timo, inibidores da anidrase carbônica, baseado no per-centual teórico de redução e na comodidade posológica. A redução teórica dos análogos de protaglandinas varia de 28% a 33%; betabloqueadores, de 20% a 27%; alfa2-a-gonistas, 18% a 25%; e inibidores da anidrase carbônica, 17% a 22%.

Em 40% dos pacientes são necessários dois ou mais medicamentos para atingir a pressão alvo. O uso de múl-tiplos frascos de colírios simultaneamente deve ser evitado sempre que possível, pois reduz a aderência ao tratamen-to. Nesses casos uma boa opção é o uso de combinações

fixas. Essas associações também diminuem a exposição a conservantes dos colírios, reduzindo a incidência de efei-tos colaterais. Atualmente no mercado brasileiro existem diversas combinações duplas e mais recentemente surgiu uma combinação tripla, permitindo ao médico assistente muitas opções para otimizar o tratamento.

Trabeculoplastia a laserUma alternativa muito bem descrita na literatura é

a trabeculoplastia a laser como tratamento inicial dos glaucomas de ângulo aberto com alguma pigmentação, incluindo glaucoma primário de ângulo aberto, pseu-doesfoliativo e pigmentar. A trabeculoplastia pode ser

seletiva, a qual permite a repetição após seis meses; a não seletiva não pode ser repetida, outra opção é a trabeculoplastia com laser micro-pulsado, que parece ter boa eficácia, no entanto carece de estudos bem desenhados e com número relevante de participantes.

Uma vez atingida a pressão alvo, o paciente deve permanecer em acompanhamento para avaliar ade-rência ao tratamento, perda de efe-tividade das drogas por taquifilaxia,

tolerância e alergias. A pressão alvo deve ser constante-mente reavaliada, podendo ser reduzida se o paciente apresentar piora clínica ou elevada se o paciente per-manecer estável por longos períodos e se o tratamento estiver interferindo na sua qualidade de vida.

O tratamento do glaucoma deve ser individualizado, de forma a assegurar a interrupção ou desaceleração da perda visual. Os pilares do tratamento são ajuste cons-tante da pressão alvo, de acordo com a condição clínica e expectativa de vida do paciente, o controle da aderência com base na orientação de pacientes e familiares, assim como pela monitorização dos efeitos colaterais.

Referências Bibliográficas1- Terminology and Guidelines for Glaucoma. European Glauco-

ma Society 4th Edition.2- World Health organization. September 2016.3- AGIS. Am J Ophthalmol 2000;130:429–40. 4- CNTGS. Am J Ophthalmol 1998;126: 487–97.5- World Glaucoma Association.

Available at:www.worldglaucoma.org/6- Allingham, R. Rand. Shields Textbook of Glaucoma,

6th Edition, 20117- Terceiro Consenso Brasileiro Glaucoma Primário de Ângulo

Aberto. Sociedade Brasileira de Glaucoma, 2009. l

A aderência ao tratamento é um dos principais entraves para um controle adequado. Estudos identificaram que o não-compromisso com o tratamento é comum entre os pacientes com glaucoma: as estimativas variam de 5% a 80%

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O Glaucoma permanece em primeiro lugar no ranking como principal causa de cegueira irreversível no mundo, segundo dados da OMS1. Os índices dessa neuropatia progressi-

va estão em constante avanço: em 2020 podemos chegar a uma população de 80 milhões de indivíduos afetados1.

São conhecidos, há muito, os desafios apresentados pelo tratamento tópico, seus efeitos adversos e a baixa adesão dos pacientes ao uso crônico dos colírios.1 A tra-beculectomia (TREC) continua sendo a cirurgia filtrante padrão-ouro no glaucoma, por sua efetividade em baixar a PIO2. No entanto, assim como os tubos de drenagem, apresenta complicações decorrentes tanto do procedi-mento cirúrgico quanto da necessidade de bolha filtrante subconjuntival3,4, sendo reservada aos casos refratários ao

tratamento clínico, em pacientes que apresentam elevada velocidade de progressão ou naqueles com necessidade de atingir pressões alvo muito baixas5.

Em resposta ao desafio de aumentar a eficácia, pro-movendo redução da PIO de forma mais segura do que com procedimentos cirúrgicos penetrantes e depen-dentes da bolha filtrante1,6, no início dos anos 2000, iniciou-se o desenvolvimento de cirurgias para redu-ção da PIO através de uma microincisão sem romper a conjuntiva: as cirurgias de glaucoma minimamente invasivas (MIGS).

Hoje temos no arsenal cirúrgico do glaucoma uma grande variedade de MIGS, que, apesar de menos efi-cientes em baixar a PIO que a TREC, apresentam perfis de segurança mais favoráveis. Essa troca de eficácia por

angularesCirurgias

ANA CLÁUDIA ALVES PEREIRA Professora Adjunta da Universidade Federal

de Mato Grosso do Sul/MS. Diretora Clínica e Chefe

do Setor de Glaucoma do Hospital de Olhos MS.

Preceptora da Residência em Oftalmologia da

Santa Casa de Campo Grande e UFMS/MS.

ANA PAULA GOMES DE MIRANDA Médica Oftalmologista pelo Hospital São Julião.

Fellowship em glaucoma pelo Hospital

São Julião – Campo Grande/MS.

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segurança é apropriada em várias situações, principal-mente em casos de pacientes com glaucoma inicial, na-queles com controle “borderline” da PIO e naqueles que desejam reduzir o número de medicações tópicas em uso3. Assim, os procedimentos microincisionais “ab-in-terno” são minimamente traumáticos, eficientes, com bom perfil de segurança, de rápida recuperação e índi-ces de complicações reduzidos, permitindo a indicação cirúrgica mais precoce e, desta forma, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes7.

As cirurgias minimamente invasivas disponíveis no momento podem ser classificadas em:

• Cirurgias de drenagem subconjuntival: XEN gel implant (Allergan Inc., CA, USA), EX-PRESS glaucoma filtration device (Alcon, Fort Worth, TX) e InnFocus microshunt (InnFocus Inc.) 5, 8.

• Cirurgias de drenagem supracoroidiana: Cypass (Alcon, Fort Worth, TX) e iStent Supra (Glaukos Inc. San Clemente, EUA)8.

• Cirurgias de bypass trabecular: iStent (Glaukos Inc. San Clemente, EUA), iStent Inject (Glaukos Inc. San Clemente, EUA) e Hydrus (Ivantis Inc. Irvine, EUA) 8.

• Cirurgias de ablação trabecular: ABIC (Ab interno canaloplasty), GATT (gonioscopy-assisted transluminal trabeculectomy), GATT modificado por fio, Trabeculo-tomia Kahook Dual Blade (New World Medical, Rancho Cucamonga, CA) e Trabectome (NeoMedix Corp., San Juan Capistrano, CA) 8.

Cirurgias de drenagem subconjuntival XEN Gel Implant (Allergan Inc., CA, USA)

É um tubo de material gelatinoso derivado do co-lágeno que, associado ao glutaraldeído, torna-se não biodegradável e previne a reação de corpo estranho. Apresenta-se com 6mm de extensão e a versão disponí-vel comercialmente, Xen45, apresenta lúmen de 45 µm9 (Figura 1a).

O Xen Gel Implant é indicado para os glaucomas de ângulo aberto, sendo liberado seu uso em GPAA, glaucomas pseudoesfoliativo e pigmentar que não res-pondem à terapia máxima tolerada e glaucomas refratá-rios, com insucesso no tratamento cirúrgico anterior8. O dispositivo cria um bypass à rota normal do humor aquoso, drenando-o para o espaço subconjuntival com o objetivo de ultrapassar a resistência trabecular e redu-zir a PIO. Devido ao tamanho do dispositivo, o melhor caminho para implantação é subconjuntival (3mm), intraescleral (2mm) e 1mm na câmara anterior, para evitar extrusão ou contato endotelial, e o túnel escleral de 2mm fornece resistência para evitar a drenagem ex-cessiva. As variações na colocação do implante podem

levar a complicações de realocação ou reimplantação intra ou pós-operatória9 (Figura 1b).

Essas particularidades aumentam a curva de aprendi-zado, sendo o passo mais desafiador a criação do túnel escleral. Para um cirurgião experiente em MIGS, são ne-cessários cerca de seis a dez casos para um procedimento mais familiarizado8. O agulhamento é um procedimento comum e deve ser realizado para remover mecanica-mente as aderências entre a esclera e a conjuntiva, caso a PIO aumente, a bolha esteja plana/fibrótica ou o paciente apresente alto risco de falha9.

Xen45 tem-se mostrado um dispositivo seguro e efe-tivo em baixar a PIO. Pérez-Torregrosa et al.(2016) 10, em seguimento de 12 meses após o implante de Xen45, observou uma redução média da PIO de 30% nos olhos avaliados e o número de medicações tópicas caiu 94,6%. Foram descritas melhora na acuidade visual e algumas complicações, como encapsulamento da bolha e um caso de hemorragia subconjuntival que impediu o implante efetivo do dispositivo.

Mansouri et al.(2018)5, em seu estudo, comparou a implantação isolada do Xen45 e combinada com a fa-coemulsificação. Em ambos os grupos, houve poucos eventos adversos (14,7%), porém a redução da PIO foi maior (40%) no grupo do procedimento isolado do Xen em relação ao combinado com a faco (22,9%). Observou-se também uma taxa de reoperação de 6%. Já Heidinger et al. (2019)2 observou redução da PIO de cerca de 22,3% do baseline após um mês de pós-operatório, valor que permaneceu estável até os 12 meses de seguimento. No entanto, nos pacientes em que foi realizado o implante de Xen isolado, houve uma menor redução da PIO (17,8%) em comparação aos pacientes em que o implante esta-va associado à facoemulsificação (25,2%). As principais complicações pós-operatórias observadas foram: hipo-tonia transitória (8%), hifema de regressão espontânea (3,5%), direcionamento errôneo do aquoso e um caso de endoftalmite pós-operatória tardia. Fernández-García et al. (2015)11 relatou um caso de expansão exagerada da bolha, causando ectrópio mecânico.

A eficácia de Xen, no entanto, ainda depende do fun-cionamento da bolha subconjuntival; por isso, a taxa de agulhamento varia de 37% a 43%, podendo ser realizada ainda no primeiro mês de seguimento. O agulhamento pode ser repetido mais de uma vez. Observou-se que, em olhos com histórico de cirurgia prévia de glaucoma, hou-ve taxas de agulhamento mais altas (54,6%) que aqueles sem cirurgia prévia de glaucoma (33,3%)8.

Xen45 tem-se mostrado um dispositivo seguro e efi-ciente em abaixar a PIO e reduzir o uso de medicações tópicas com uma baixa taxa de complicações2. No en-

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Figura 2b – CyPass Micro-stent posicionado no espaço supracoroidal apresentando os anéis de retenção próximos à face do corpo ciliar24. Obs: As setas azuis demonstram a direção do fluxo do aquoso13.

Figura 1b – XEN Gel Implant (Allergan Inc., Allergan, CA). Visualização gonioscópica do dispositivo ao final da cirurgia, mostrando 1 mm do dispositivo posicionado na câmara anterior5.

Figura 1a – XEN Gel Implant visível na agulha do injetor9.

Figura 2a – CyPass Micro-stent implantado, visível ao nível do trabeculado13

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tanto, considerando-se que o glaucoma é uma doença crônica, as evidências ainda são limitadas e são neces-sários estudos de seguimento a longo prazo para avaliar eficácia, custo-benefício e as indicações mais adequadas, de forma a maximizar a utilidade deste dispositivo12.

Cirurgias de drenagem Supracoroidiana CyPass Micro-Stent (Alcon, Fort Worth, TX)

Trata-se de um dispositivo de poli-imida não-ferro-magnético com 6,35 mm de comprimento e 510 µm de diâmetro externo, com 300 µm de lúmen que cria um conduíte permanente entre a câmara anterior e o espa-ço supraciliar. Na saída proximal, existe um colar e três anéis de retenção. O restante do implante apresenta 64 fenestrações de 76 µm cada, que permitem o fluxo de humor aquoso do lúmen ao espaço supraciliar 8,13 (Figs 2a e 2b).

Os estudos demonstram que o implante de CyPass foi, em sua grande maioria, seguro e bem tolerado, não apresentando complicações relacionadas ao dispositivo que ameaçassem a visão3.

Grisanti et al.(2018)³ mostrou, em follow-up de três

anos, que os olhos implantados com Cypass apresenta-ram uma redução estável da PIO de 16% a 20%. Houve uma redução média de colírios de 0,5 a 1 no seguimento de 12 meses, sendo que com 36 meses, a redução média da PIO era 4,5mmHg (16,9%). Observou-se também que a redução da PIO foi mais significativa em olhos com PIO basal mais elevadas (≥21mmHg), enquanto que a redução de colírios foi igual nos dois grupos. Não houve eventos adversos graves; foram descritos obstrução do dispositivo (10,2%), elevação da PIO ≥10mmHg (8,9%), complicações retinianas, incluindo progressão da DMRI e edema macular cistoide (4,4%) com perda maior que duas linhas de BCVA(2,7%) nestes casos. Além disso, 31,6% dos olhos necessitaram de novo procedimento para controle do glaucoma.

O COMPASS Study14 demonstrou que, em seguimento pós-operatório de 12 meses, apenas 82% dos pacientes permaneciam com redução da PIO ≥ 20% sem medi-cações tópicas, após 24 meses, essa taxa caiu para 77%. A redução numérica da PIO foi de 7,9mmHg em 12 meses e 7,4mmHg após 24 meses. Após 12 meses, 89% dos pacientes não necessitavam de colírios para redu-ção da PIO, e em 24 meses esse número caiu para 85%.

Figura 3b – Visualização cirúrgica do correto posicionamento do iStent (snorkel) na malha trabecular. nstrumento.

Figura 3a – Visualização cirúrgica do correto posicionamento do iStent (snorkel) na malha trabecular.

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Figura 3c – Observa-se a parte interna do iStent dentro da malha trabecular, com os anéis de retenção cobertos por ela.15,16

As complicações observadas foram: baixa da acuidade visual (88%), irite (8,6%), progressão de defeito de cam-po visual (6,7%), picos hipertensivos transitórios (4%) e hipotonia transitória (2,9%).

Dentre os efeitos adversos e complicações, cabe sa-lientar que a perda da densidade endotelial após cinco anos de implantação foi maior no grupo que recebeu o Cypass comparado ao grupo-controle (somente fa-coemulsificação). A tal fato, aplica-se a teoria de que a anteriorização do colar do CyPass possa contribuir para a perda de células endoteliais8. Em virtude dos fatos ex-postos, houve um recall no Brasil em 2018 e, portanto, o CyPass não se encontra mais em comercialização8.

Cirurgias de Bypass TrabeculariStent Trabecular Micro-bypass Stent System (Glaukos, CA, USA)

O iStent é um dispositivo de MIGS publicado pela primeira vez por Spiegel et al. (2007)15. É o menor dis-positivo implantado no corpo humano, com 1 mm, de material titâneo revestido por heparina, não ferromag-nético. Permite que o humor aquoso seja drenado dire-tamente da CA para o canal de Schlemm através de um

bypass pela malha trabecular obstruída. Para a colocação do implante usa-se a incisão em córnea clara guiada pela gonioscopia direta. Os dispositivos por by-pass trabecu-lar podem ser: iStent (“snorkel”), iStent Inject e iStent Supra (ainda não comercialmente disponível no Brasil). Podem ser colocados em combinação com a cirurgia de catarata ou como um procedimento isolado, demons-trando eficácia e segurança no tratamento do glaucoma leve a moderado, com poucas complicações e ausência de efeitos adversos graves após o implante15.

Não há criação de bolha filtrante, estes dispositivos permitem a passagem direta do HA da câmara anterior ao canal Schlemm, sem sofrer a resistência trabecular. Geralmente são implantados na região nasal inferior do trabeculado, onde o número de canais coletores é supe-rior ao de outras regiões. Para uma melhor visualização do trabeculado é necessário uma angulação de 70°(35° da cabeça do paciente e 35° do microscópio) e utilização de lente de gonioscopia direta sobre a córnea. A técnica de abordagem do trabeculado é importante para um correto posicionamento do modelo “snorkel”, para que a parte interna do dispositivo esteja bem posicionada, na malha trabecular, com os anéis de retenção cobertos por ela15,16.

O iStent Inject cria somente uma abertura para co-municação direta da CA para o canal Schlemm, sen-do montados e carregados dois dispositivos no mesmo injetor, um atrás do outro. Devem ser implantados no trabeculado perpendicularmente, para permitir o correto posicionamento do dispositivo, colocados distantes 30 a 40° um do outro8,16 (Figuras 3a, 3b e 3c).

Neuhann (2015)16 relatou uma redução média de 36% da PIO em uma série de 62 olhos submetidos à cirur-gia combinada de catarata com iStent, observando uma redução média do número de medicações tópicas de 86%. O iStent® Pivotal Trial foi um estudo prospectivo, randomizado, multicêntrico (29 sites), de 290 olhos de pacientes com catarata e GAA submetidos à cirurgia de iStent® com facoemulsificação vs facoemulsificação iso-ladamente, sendo avaliada a redução da PIO ≥ 20% e a PIO ≤ 21 mmHg sem medicações. Ao final de um ano, 68% dos pacientes apresentavam PIO <21 mmHg sem medicação no grupo faco + iStent vs 50% no grupo de catarata isolada. Considerando uma redução da PIO > 20% sem colírios, 64% dos olhos apresentou esta redu-ção no grupo faco + iStent vs 47% no grupo de catarata (Figuras 4a e 4b)17. Como complicações, foram relatadas obstrução do dispositivo em 7% dos olhos, mau posicio-namento em 6% e aumento da PIO em 12% dos olhos.

Em outro estudo, Katz et al (2018)18 comparou a uti-lização de um, dois ou três iStents, em pacientes com GAA, observando um redução da PIO de 30% com

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1 iStent, 37% com 2 e 43% com 3 dispositivos, e redução do números de colírios respectivamente de 61% com 1 dispositivo e 94% com 2 ou 3 iStents, num seguimento de 42 meses.

Samuelson et al. (2018)19 realizou um estudo multi-cêntrico em 41 centros, onde 505 pacientes foram sele-cionados e randomizados para o implante de iStent Inject associado à catarata ou procedimento de catarata isolado. Observou-se uma redução mínima de 20% da PIO basal em 75,3% dos pacientes do grupo iStent, enquanto no grupo de catarata isolada esta redução ocorreu em 61,9% dos pacientes. Houve uma redução média da PIO de 31% e do número médio de medicações tópicas de 75%8,18.

Os dados atuais sugerem que o iStent é um instru-mento seguro e eficaz no tratamento do glaucoma leve a moderado, com complicações reduzidas e ausência de efeitos adversos graves após o implante.

Cirurgias de Ablação Trabecular Trabeculotomia Kahook Dual Blade (New World Medical, Rancho Cucamonga, CA)

Kahook Dual Blade (KDB) é um instrumento cirúr-gico cortante (Figura 5a) indicado para realização de goniotomia por remoção da malha trabecular, visando diminuir a resistência trabecular à drenagem do humor aquoso20 (Figura 5b). Este procedimento cirúrgico é mais indicado, atualmente, como alternativa para crianças e adultos nos casos de glaucoma leve a moderado8.

Khouri et al.(2017)21 descreveram que, após o pro-cedimento em pacientes com glaucoma congênito (mé-dia de 11 meses de idade), alcançou-se uma redução da PIO maior que 50% até a décima semana pós-operató-ria. Greenwood et al.(2017)22, por sua vez, demonstra-ram que, em olhos submetidos à goniotomia com KDB associada à facoemulsificação, houve redução da PIO em 26,4% e 61,7% dos pacientes não necessitaram de colírio para controle do glaucoma após a cirurgia. Do-raijat et al.(2018)6 observaram que 57,7% dos pacientes alcançaram redução de pelo menos 20% da PIO e 63,5% dos pacientes eliminaram um colírio ou mais no segui-mento de 12 meses de goniotomia com KDB associada à facoemulsificação.

Poucos efeitos adversos foram relacionados à gonio-tomia, entre eles o refluxo de sangue intraoperatório (30,8% a 39,4%) associado ou não a hifema23. Em me-nor frequência, observou-se picos pressóricos maiores que 10mmHg (2,8%), inflamação e dor (7,7%), edema de córnea (2,1%), opacidade de cápsula posterior (3,8%) e descolamento do vítreo posterior (0,8%)8.

Goniotomia com uso de Kahook Dual Blade é uma técnica inovadora, com bom perfil de segurança e com

poucas complicações, mostrando-se viável até mesmo em casos de glaucoma congênito21. Apesar de estudos a longo prazo serem necessários, a técnica apresenta-se como alternativa segura e eficaz na redução da PIO e das medicações tópicas antiglaucomatosas8.

Trabeculotomia Transluminal Assistida por Gonioscopia (GATT)

Trata-se de procedimento recentemente descrito por Grover24 e colegas, em que é realizada a evolução da tra-beculotomia: de procedimento “ab externo” para “ab in-terno” minimamente invasivo. A conjuntiva é preservada e não se utiliza sutura8. A este procedimento deu-se o nome de “Gonioscopy-assisted transluminal trabeculo-tomy” (GATT)24.

A técnica cirúrgica consiste em utilizar um fio cirúrgi-co de ponta romba (preparado desta forma, utilizando-se de fonte térmica) ou um microcateter. Este dispositi-vo é inserido no canal de Schlemm 360º, a ponta distal do cateter é recuperada e externalizada, gerando uma trabeculotomia de 360º. Uma quantidade moderada de viscoelástico pode ser deixada na câmara anterior para ajudar a tamponar o sangramento24.

Segundo Grover24, os melhores resultados obtidos com esta técnica cirúrgica foram observados em pacientes portadores de pseudoesfoliação e em pacientes jovens (30 a 40 anos), com quadro de glaucoma juvenil de ân-gulo aberto8 . As contra-indicações absolutas incluem pacientes que não possam interromper o uso de anti-coagulantes, pacientes pseudofácicos com LIO instável ou suturada, impossibilidade de identificar estruturas angulares, ângulos fechados ou pacientes com perda endotelial grave. Já o transplante de córnea prévio e a impossibilidade de elevar o decúbito 30º por duas se-manas pós-operatórias são contra-indicações relativas8.

Rahmatnejad et al.23 demonstraram, em olhos sub-metidos a GATT com 18 meses pós-operatorio, 44% de redução da PIO. O número médio de medicações reduziu de 3,1 ±1,1 para 1,2 ± 0,9 em 12 meses de seguimento. As principais complicações incluíram hifema (37% na primeira semana de pós-operatório) e inflamação (2,2% no primeiro mês de pós-operatório). No que tange às diferenças raciais, observou-se uma taxa maior de falha do GATT em pacientes afrodescendentes em relação aos caucasianos. A taxa de sucesso pós-GATT em caucasia-nos foi de 69% contra 42% em pacientes afrodescenden-tes. Não houve correlação estatística para outras raças.

Grover et al.24 observaram uma redução da PIO mé-dia de 10,6 mmHg e redução média de 1,1 medicações tópicas em 24 meses de seguimento pós GATT. Foram observadas poucas complicações intra e pós-operatórias,

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Figura 5b – Visualização cirúrgica (goniotomia com KDB). Visualiza-se uma pequena faixa de trabeculado separada, na ponta do instrumento21.

Figuras 4a e 4b: Resultados do iStent® Pivotal Trial17

Figura 4b

Figura 5a – Kahook Dual Blade (New World Medical, Rancho Cucamonga, CA) 20.

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entre elas: hifema (34% na primeira semana pós-ope-ratória) e hemorragia vítrea (em apenas um paciente, em um mês de pós-operatório).

GATT é um procedimento promissor por atuar na excisão de grande parte da malha trabecular e assistir a pacientes jovens, adultos, portadores de glaucomas iniciais e como alternativa a outras cirurgias filtrantes8 .

O futuro da cirurgia do glaucomaAs MIGS oferecem ligeira redução da PIO, diminui-

ção na dependência de colírios e um perfil de segurança superior às cirurgias filtrantes convencionais, abrindo a fronteira de novas cirurgias que buscam preencher os critérios da “cirurgia ideal”. Inicia-se uma nova era no tratamento do Glaucoma, novos dispositivos de MIGS estão sendo desenvolvidos, com a perspectiva de avan-ços contínuos no arsenal cirúrgico do glaucoma. No entanto, ainda são necessários estudos clínicos, rando-mizados e com seguimento a longo prazo.

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T elemedicina é definida como a utilização de in-formações médicas por meio de comunicação eletrônica a distância para melhorar a saúde de um paciente.1 A telemedicina percorreu um longo

caminho desde que foi introduzida nos anos 60 e 70 e tem sido utilizada para superar barreiras de distância e melhorar o acesso a serviços médicos. A teleoftalmologia é o ramo da telemedicina que oferece teleassistência e tele-educação por meio de tecnologias de informação e comunicação.2

As aplicações da teleoftalmologia abrangem o acesso a es-pecialistas para profissionais e pacientes em áreas remotas, rastreamento de doenças oftalmológicas, diagnóstico e mo-nitoramento, bem como aprendizado a distância.3

A teleoftalmologia pode ajudar a reduzir as disparida-des no acesso à saúde ocular, fornecendo testes de tria-gem remotos a baixo custo. Como exemplo, um progra-ma de triagem colaborativo foi criado e implementado em Atlanta, nos EUA, para permitir que veteranos não atendidos tivessem maior acesso ao sistema de saúde.4, 5

Assim, técnicos treinados em clínica de atenção primária seguem protocolos para coletar informações que são, en-

tão, interpretadas remotamente por oftalmologistas. Os pacientes com achados rastreados como provavelmente anormais são, então, agendados para exame presencial em um centro especializado.

Há uma gama de questões de responsabilidade na im-plementação da teleoftalmologia, incluindo preocupações com confidencialidade e preservação da relação médico-paciente. É muito importante ampla discussão com os formuladores de políticas/gestores, bem como legislação específica que melhor regulamente o tema. É também ne-cessário que se tenha evidência da acurácia diagnóstica e custo-efetividade das ações da teleoftalmologia, para sua incorporação mais ampla na saúde pública e privada.

TeleglaucomaO glaucoma é a principal causa de cegueira irreversível

no mundo e a estimativa é que, em 2040, serão quase 112 milhões de portadores da doença no mundo.6 No Bra-sil, estima-se, atualmente, que cerca de dois milhões de pessoas sejam portadoras de glaucoma. Com isso, a ampla triagem da doença por teleoftalmologia pode ser extrema-

telemedicinaGlaucoma e

ALBERTO DINIZ FILHO Professor Convidado do Departamento de Oftalmologia

e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Vice-

Chefe do Serviço de Glaucoma Prof. Nassim Calixto

do Hospital São Geraldo – Hospital das Clínicas da

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

DANIEL VÍTOR DE VASCONCELOS SANTOS Professor Adjunto do Departamento de Oftalmologia

e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina

da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Coordenador Clínico do Centro de Telessaúde do

Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas

Gerais (UFMG). Chefe do Serviço de Uveítes do Hospital

São Geraldo – Hospital das Clínicas da Universidade

Federal de Minas Gerais (UFMG).

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mente benéfica, principalmente pelo fato de que a maioria dos brasileiros com glaucoma não sabem que têm a doença.7 O uso do teleglaucoma (a aplicação da telemedicina para o rastreamento do glaucoma) pode estabelecer remotamente a triagem de pacientes propiciando a detecção mais precoce da doença em populações de risco.

Uma vez que há a suspeita ou detecção do glaucoma, a avaliação do desenvolvimento ou o monitoramento da progressão da doença ao longo do tempo se faz necessária por meio de consultas médicas (remotas ou presenciais) com o potencial de assegurar a continuidade do seguimento e preservação da visão em pacientes com glaucoma. Entre-tanto, o uso do teleglaucoma para essa finalidade enfrenta vários desafios. O mais importante deles é que o diagnóstico e o manejo do glaucoma são complexos.

O glaucoma, ao contrário da retinopatia diabética – ideal para uma abordagem baseada em telemedicina, pois requer apenas uma única modalidade de imagem para o diagnós-tico –,8 requer múltiplas modalidades de imagem e testes auxiliares para um diagnóstico acurado. Isto inclui a avalia-ção estrutural do disco óptico por meio de fotografias e/ou avaliação de parâmetros da tomografia de coerência óptica (OCT), bem como a avaliação funcional com testes de cam-po visual. Ao se avaliar as chances de desenvolvimento ou progressão da doença e decidir sobre o tratamento adequa-do, deve-se levar também em consideração outros fatores de risco, tais como a pressão intraocular, espessura central da córnea, miopia, etnia e história familiar de glaucoma.

A implementação do teleglaucoma necessitaria de um complexo e detalhado sistema composto de modelos ou padrões para aquisição de imagens, tonometria, gonios-copia, campo visual computadorizado, bem como para transferência, fluxo e interpretação dos dados. Por outro lado, a incorporação de métodos de inteligência artificial ao teleglaucoma, com algoritmos complexos de aprendiza-do de máquina aplicados a grandes bases de dados, pode aumentar a acurácia do rastreamento e monitoramento remoto do glaucoma.9

Programas de Teleglaucoma no mundoHá relatos bem-sucedidos de iniciativas de teleglaucoma

em todo o mundo, com maior potencial em comunidades remotas, onde há escassez de especialistas em glaucoma. Um sistema de teleoftalmologia baseado em fotografias di-gitais estereoscópicas comprimidas foi capaz de identificar de forma correta e confiável os pacientes que necessitam de encaminhamento para o especialista em glaucoma na Alemanha.10 Outro programa desenvolvido e testado no Reino Unido consiste em uma clínica virtual, em que técni-cos altamente treinados coletam informações para revisão remota por um oftalmologista especialista em glaucoma.11

Um programa de teleglaucoma bem estabelecido é o desenvolvido na Universidade de Alberta, no Canadá. O sistema Secure Diagnostic Imaging possibilita a transferên-cia de imagens digitais comprimidas para um servidor, vi-sualização digital estereoscópica, manipulação de imagens, geração e envio de relatórios em formato PDF e assim por diante. Uma abordagem padronizada é usada para capturar as informações do paciente (histórias estruturadas, exames e fotografias de fundo de olho) que são, então, enviadas para um centro de atendimento terciário para classificação e recomendações.12, 13

De todos os pacientes atendidos pelo programa de teleglaucoma remoto, a maioria não necessitava de uma consulta presencial com um oftalmologista e poderia ser gerenciada por meio de colaboração a distância. Para os pacientes com rastreamento positivo para glaucoma com base na avaliação virtual, a consulta presencial foi agendada e a medicação hipotensora ocular, iniciada na maioria dos casos.14 Uma análise de custo-efetividade demonstrou que a implementação do teleglaucoma em uma população de risco na zona rural de Alberta foi viável e economicamente mais vantajosa, quando comparada ao exame oftalmológico presencial.15

Uma intervenção integrada de triagem de telemedicina incorporando fotografia de fundo de olho, pressão intrao-cular (PIO) e informações clínicas foi desenvolvida na Fi-ladélfia para melhorar o acesso e utilização dos cuidados oftalmológicos para detectar, tratar e monitorar pacientes de alto risco.16 Um estudo avaliou a concordância entre os achados de um exame de telemedicina (visita 1) com o diagnóstico de um exame presencial (visita 2) e encontrou uma alta taxa de confirmação diagnóstica (86,0%) entre a visita 1 e a visita 2 para qualquer achado ocular.17 De 183 pacientes com discos ópticos suspeitos na visita 1, 143 (78,1%) foram diagnosticados como glaucoma ou suspeitos de glaucoma na visita 2.17

Outro estudo demonstrou que ter uma PIO mais alta na visita de triagem aumentava a probabilidade de ter um diagnóstico final de glaucoma, dando suporte à incorpo-ração de medidas da PIO em programas de rastreamento da visão em populações de alto risco.18

Para demonstrar a efetividade do teleglaucoma, uma meta-análise com a inclusão de 45 estudos foi publicada em 2014.19 A acurácia diagnóstica e o percentual relativo de casos de glaucoma detectados pelas estratégias de triagem utilizando o teleglaucoma foram calculados. Os resultados indicaram que o teleglaucoma possui sensibilidade de 83% e especificidade de 79%. A efetividade da acurácia diagnós-tica do teleglaucoma foi dada pela razão de possibilidades diagnóstica, que foi de 18,7, ou seja, a probabilidade rela-tiva de um teste positivo em casos de glaucoma foi 18,7

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maior do que um teste negativo em casos de indivíduos sem glaucoma. A avaliação dos custos também foi realizada, o custo médio para cada caso de glaucoma detectado pelo teleglaucoma foi de US$ 1.098,67 e por paciente triado foi de US$ 922,77.19

Tecnologias Portáteis, Monitoramento Domés-tico e Inteligência Artificial

Hoje, muitos pacientes com glaucoma passam algumas horas nas clínicas para fazer todos os exames. Uma va-riedade de tecnologias portáteis está sendo desenvolvida para rastreamento e monitoramento remoto do glaucoma. Atualmente, celulares equipados com lentes especiais são uma boa maneira de documentação do disco óptico.20, 21

Estudos iniciais já demonstraram um bom potencial para se realizar a perimetria por meio de tablets ou óculos de realidade virtual.22-25 A detecção da progressão do glauco-ma pelo campo visual pode ser aprimorada usando uma estratégia de monitoramento domiciliar, mesmo quando a adesão for imperfeita.26 Instrumentos que permitem a realização da autotonometria têm o potencial de atender à necessidade de fornecer medidas de pressão intraocular mais frequentes no dia a dia do paciente.27, 28 A maioria dos pacientes consegue realizar a autotonometria e o método é bem aceitável.28, 29

Como mencionado anteriormente, o uso da inteligência artificial associado ao teleglaucoma pode ser potencialmen-

te implementado em ambientes de atenção primária para o rastreamento do glaucoma.30-33 Em recente estudo, um algoritmo utilizando aprendizagem de máquina foi treina-do para predizer medidas do OCT a partir de fotografias dos discos ópticos, fornecendo parâmetros quantitativos e precisos do dano glaucomatoso.34 Isso poderá ser utilizado em larga escala em regiões sem acesso aos instrumentos de OCT, gerando uma grande economia.

ConclusõesO teleglaucoma traz um conjunto de estratégias muito

promissoras para oferecer serviços em regiões menos fa-vorecidas e remotas. Tem o potencial de melhorar o acesso da população ao cuidado oftalmológico, aumentando o nú-mero de pacientes atendidos, reduzindo seu encaminha-mento aos grandes centros e economizando recursos para o sistema de saúde (Quadro 1). Um dos maiores desafios é a complexidade do diagnóstico do glaucoma, que não pode ser feito consistentemente com um único teste, de maneira transversal (Quadro 2). A inteligência artificial pode processar grandes bases de dados e desenvolver sis-temas que predigam mais precocemente o desenvolvimento ou a progressão do glaucoma, aumentando a acurácia do teleglaucoma.

No futuro, o monitoramento domiciliar poderá permi-tir um seguimento mais regular e contínuo do paciente, no conforto de sua residência, com a vantagem adicional

Quadro 1 – Potenciais Vantagens das Estratégias de Teleglaucoma.

1. Prover acesso para pacientes residentes em áreas remotas.2. Reduzir os encaminhamentos de pacientes com suspeita de glaucoma – muitos pacientes não precisariam da avaliação oftalmológica presencial.3. Reduzir o tempo de espera para consultas iniciais e de acompanhamento.4. Iniciar o tratamento à distância, dependendo do caso.5. Otimizar o diagnóstico, acompanhamento e tratamento do glaucoma, com redução de custos.

Adaptado de: Rodriguez-Una I, Azuara-Blanco A. New Technologies for Glaucoma Detection. Asia Pac J Ophthalmol (Phila) 2018;7(6):394-404.35

Quadro 2 – Principais Limitações dos Programas de Teleglaucoma.

1. Avaliação incompleta / limitada do segmento anterior do olho (que não inclui gonioscopia).2. Complexidade do diagnóstico do glaucoma, exigindo avaliação de múltiplos parâmetros clínicos / resultados de exames.3. Interação clínica menos pessoal, podendo comprometer envolvimento do paciente e aderência ao tratamento.4. Possíveis problemas técnicos com upload de informações do paciente e imagens.5. Preocupações médico-legais ainda não completamente resolvidas.

Adaptado de: Rodriguez-Una I, Azuara-Blanco A. New Technologies for Glaucoma Detection. Asia Pac J Ophthalmol (Phila) 2018;7(6):394-404.35

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de detecção possivelmente mais precoce do glaucoma e da sua progressão, sob supervisão do oftalmologista. Apesar de todo esse potencial e dos avanços já alcança-dos, há necessidade de regulamentação mais clara pelos órgãos governamentais e entidades médicas, bem como também estudos de custo-efetividade, que demonstrem a aplicabilidade, efetividade e economia das estratégias de teleglaucoma.

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