ginastica ou danca - uma historia do instituto de cultura fisica - autoras: carolina dias e janice...

108
GINÁSTICA OU DANÇA: A história de um Instituto de Cultura Física

Upload: ferraz-wagner

Post on 17-Sep-2015

27 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Este estudo histórico teve o objetivo de compreender o processo de constituição do Instituto de Cultura Física (ICF) de Porto Alegre, desde sua fundação em 1928, até o ano de 1937, quando ocorrem mudanças das práticas corporais oferecidas pela instituição, como também, do nome do Instituto para Escola de Bailados Tony Seitz Petzhold. Esta pesquisa se desenvolve dentro dos horizontes teórico-metodológicos da História Cultural, utilizando fontes impressas e imagéticas, as quais foram submetidos a análise documental. O ICF foi um espaço educacional fundado em 1928 na cidade de Porto Alegre, destinado ao ensino de práticas corporais exclusivamente femininas. Nenê Dreher Bercht e Mina Black-Eckert, foram as idealizadoras e professoras da Instituição. Dentre as principais práticas oferecidas pelo ICF estavam a Ginástica Rítmica, Ginástica Corretiva, Ginástica Geral, Ginástica Acrobática, Plástica Animada e Estudo e Improvisação Coreográfica. Alicerçado nos discursos eugenistas e higienistas do século XX, o ICF encontrou grande divulgação e amparo na sociedade porto-alegrense através do jornal Diário de Notícias. Propunha-se a desenvolver no corpo feminino a cultura física esperada da mulher moderna, sobretudo, por meio da Ginástica Rítmica, principal prática difundida pelo espaço. O ICF foi responsável pelo incentivo e a formação das principais precursoras da dança na cidade e, igualmente, pelo início da divulgação das aulas de Dança Clássica na capital.

TRANSCRIPT

  • GINSTICA OU DANA:A histria de um Instituto de

    Cultura Fsica

  • Carolina Dias

    Janice Zarpellon Mazo

    GINSTICA OU DANA:Uma histria do Instituto de

    Cultura Fsica

    1 Edio

    Porto Alegre

    INDEPIn

    20142015

  • Copyrigth @ 2014 Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    Autoras:Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    Projeto Editorial: INDEPIN - Miriam Piber Campos

    Wagner Ferraz - Processo C3/ Estudos do Corpo

    Projeto Grfico e Layout: Wagner Ferraz - Processo C3/ Estudos do Corpo

    Arte da Capa:

    Anderson Luiz de Souza

    Ilustrao da Capa: Anderson Luiz de Souza

    Diagramao: Diego Mateus e Wagner Ferraz

    INDEPIn Editora - Coordenao EditorialMiriam Piber Campos e Wagner Ferraz

    2014INDEPIn

    www.indepin-edu.com.br

    INDEPIN INSTITUTO

    O Instituto de Desenvolvimento Educacional e Profissional Integrado INDEPin oferece cursos livres em diferentes reas e atua como Editora, atravs de publicaes co-laborativas em formato impresso sob demanda e em for-mato digital para download gratuito. O Instituto no visa lucro com essas propostas de publicao, apenas busca contribuir para que produes de diferentes reas sejam disponibilizadas facilitando o acesso.

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Bibliotecria Responsvel: Ana Lgia Trindade CRB/10-1235

    D541g Dias, Carolina Ginstica ou dana: a histria de um Instituto de Cultura Fsica. / Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo. Porto Alegre: INDEPin, 2014. . 216 p. - (Coleo Estudos do Corpo ; v. 3)

    Organizao da Coleo: Wagner Ferraz ISBN 978-85-66402-06-3 (coleo) ISBN 978-85-66402- 09-4 (v.3)

    1. Artes histria. 2. Instituto de Cultura Fsica histria. I. Mazo, Janice Zarpellon. II. Ttulo. III. Coleo.

    CDU 793.3(091)

    Registrado e editado em 2014 e lanado em 2015.

  • COLEO ESTUDOS DO CORPO

    A Coleo Estudos do Corpo surge como desdobramento de encontros realizados para estudos que acontecem no INDEPIn, e desdobramento do livro Estudos do Corpo: Encontros com Artes e Educao Editora INDEPIn.

    Nos citados encontros, diferentes artstas, educadores e profissionais de diversas reas se encontram para estudar, experimentar, discutir, ler, escrever, performar, danar, compor, criar, desenhar, pintar, (ar)riscar Discutindo, em primeiro plano, o corpo com atravessamentos com criao, educao, filosofia, artes visuais, dana, teatro, msica, performance, moda, educao fsica e demais reas

    Com isso, se viu a necessidade de produzir mais publicaes com os participantes dos estudos e com convidados que, de alguma forma, produzem suas escritas, visualidades e artes pensando o corpo.

    Wagner FerrazCoordenador dos encontros Estudos do Corpo

    Organizador da Coleo Estudos do Corpo

  • 9GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?

    Este livro composto com o texto da Dissertao de mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincias do Movimento Humano da Escola de Educa-o Fsica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Cincias do Movimento Humano. Pesquisa realizada por Carolina Dias sob a orientao da Prof. Dra. Janice Zarpellon Mazo, no ano de 2011, na cidade de Porto Alegre.

    A cidata dissertao teve como ttulo HISTRIAS DO INSTITUTO DE CULTURA FSICA DE PORTO ALEGRE (1928-1937). Este ttulo sofreu alteraes para se tornar livro, porm o contedo da pesquisa se manteve o mesmo.

    Porto Alegre, 2014.

    DA DISSERTAO PARA O LIVRO

  • 11

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?

    Dedicamos este livro Tony Seitz Petzhold.

  • 13

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?

    Sonhei muito com este momento e considero uma vitria ter chegado at aqui. Com certeza foi um trabalho feito com muitas mos tendo em vista que nesta jornada muitas pessoas participam da construo de uma dissertao, que hoje, neste caso, torna-se um livro.

    Agradeo a minha orientadora, professora Janice Zarpellon Mazo, por ter me concedido a oportunidade de ser uma aluna de mestrado. E mais, por ter oportunizado que eu desenvolvesse minha pesquisa dentro de um campo ligado a minha rea de trabalho.

    A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por proporcionar a oportunidade de cursar um Programa de Ps-Graduao sem custo algum e com tamanha qualidade. Na mesma medida, meus agradecimentos se estendem aos funcionrios que fazem parte, principalmente, da Escola de Educao Fsica (ESEF) desta Universidade.

    A CAPES pelo apoio financeiro, sem o qual no seria possvel dedicar estes dois anos minha formao terico-prtica.

    Ao Ncleo de Estudos em Histria do Esporte e da Educao Fsica (NEHME), o qual acompanhei o processo de constituio desde o ano de 2007.

    Aos colaboradores na construo da presente dissertao, em especial Morgada Cunha e Tas Petzhold por enriquecerem a coleta dos dados desta pesquisa.

    As colegas que se tornaram grandes amigas,

    agradecimentos

  • 14 15

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    Carol Silva, Ester Liberato e Vanessa Lyra, por todos os momentos que passamos juntas. As trocas e conversas formais e informais, nesses dois anos, fizeram toda a diferena na minha formao enquanto pessoa-pesquisadora.

    Aos professores Nelson Todt, Luis Henrique Rolim e Aline Haas, por terem inspirado e acompanhado toda minha formao acadmica desde a graduao. Sem vocs, com certeza, no teria chegado at aqui.

    Aos meus pais, pessoas de incalculvel valor afetivo, por terem sempre me apoiado durante meus perodos de estudo e por darem todo o suporte emocional e financeiro ao longo de minha vida. Meu carinho e gratido eterna a vocs!

    O mundo existe para os homens e pelo fazer humano, tornando-se o homem contemporneo daquilo que

    produz linguagem, trabalho, bens, cincias, artes isto , o mundo mundo cultural. A cultura se torna, portanto, a captura

    mais perfeita do tempo e da histria, na medida em que submete o fluxo temporal das coisas ao temporal dos homens,

    que fazem sua prpria histria ainda que no o saibam e em condies que no escolheram. (CHAU, 1982, p. 58).

  • 16 17

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    lista de ilustraes

    Imagem 1 - Programa do espetculo do Instituto de Cultura Fsica, 1928......83

    Imagem 2 - Tabela informativa de preos e normas do Instituto de Cultura Fsica, [1928?]......91

    Imagem 3 - Programa do espetculo do Instituto de Cultura Fsica, 1929......96

    Imagem 4 - Fotografia do programa do Instituto de Cultura Fsica, [1928?]......101

    Imagem 5 - Espetculo A Lenda da Princesa Moura, 1930......105

    Imagem 6 - Exerccio de ginstica rtmica......141

    Imagem 7 - Alunas do Instituto de Cultura Fsica em um espetculo dedicado a evocao da Grcia Antiga......145

    Imagem 8 - Aluna do Instituto de Cultura Fsica em exerccio de ginstica corretiva......148

    Imagem 9 - Aluna do Instituto de Cultura Fsica realizando um exerccio acrobtico......149

    Imagem 10 - Exerccios para as leitoras do jornal

    Dirio de Notcias executarem......150

    Imagem 11 - Espetculo A Lenda da Princesa Moura, 1930......152

    Imagem 12 - Espetculo A Lenda da Princesa Moura, 1930......156

    Imagem 13 - Bailarina russa executando movimento de ballet......164

    Imagem 14 - Bailarina executando movimento da corrente expressionista alem......165

    Imagem 15 - Bailarina executando movimento da corrente de Isadora Duncan e Jacques Dalcroze......166

    Imagem 16 - Pose de ginstica rtmica executada pelas alunas e diretora tcnica do Instituto de Cultura Fsica......167

    Imagem 17 - Anncio em jornal das aulas do Instituto de Cultura Fsica, 1932. .....174

    Imagem 18 - Anncio em jornal das aulas da escola de Bailados Clssicos Lya Bastian Meyer, 1932......174

    Imagem 19 - Anncio em jornal das aulas do Instituto de Cultura Fsica, 1934. .....179

    Imagem 20 - Espetculo do Instituto de Cultura Fsica, 1935......181

    Imagem 21 - O ltimo espetculo de dana do Instituto de Cultura Fsica......186

  • 18 19

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    sumrio

    1 INTRODUO / 23

    2 REFERENCIAL TERICO-METODOLGICO / 332.1 PELAS LENTES DA HISTRIA CULTURAL / 332.2 GNERO: UM TEMA TRANSVERSAL / 422.3 GNERO: OS CAMINHOS METODOLGICOS / 50

    3 A CRIAO DE UM ESPAO PARA A PRTICA CORPORAL DAS MULHERES / 73

    4 GINSTICA PARA ELAS: PRIMANDO PELA GRAA E BELEZA / 111

    5 AS PRTICAS CORPORAIS DO INSTITUTO DE CULTURA FSICA / 137

    6 UMA NOVA CENA DO INSTITUTO DE CULTURA FSICA / 161

    7 CONSIDERAES FINAIS / 187

    8 REFERNCIAS / 197

  • 20 21

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    1. introduo

  • 23

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?

    A presente pesquisa trata do Instituto de Cultura Fsica (ICF) de Porto Alegre, um espao que oferecia prticas corporais1 exclusivamente para o pblico feminino, e que foi fundado no final da dcada de 1920. Dentre as prticas corporais que compunham o programa de ensino do ICF, constava como eixo norteador a Ginstica Rtmica, uma prtica que carregava caractersticas associadas ao campo dos sistemas ginsticos e da dana.

    Neste caminho, o Instituto de Cultura Fsica (ICF) emerge enquanto uma instituio de ensino que, por meio de prticas corporais sistematizadas, construa representaes particulares acerca da ideia de corpo feminino. E, no mesmo movimento, sobre padres de movimento e de comportamento que seriam adequados a tais corpos.

    O ICF foi idealizado por duas mulheres descendentes de imigrantes alemes cujas trajetrias de formao profissional percorridas na cidade de Porto Alegre aliceravam-se no campo artstico e esportivo, respectivamente. Leonor Dreher Bercht, conhecida como

    1 Entende-se neste trabalho o termo prticas corporais enquanto um fazer corporal que tem como finalidade o desenvolvimento da sade, da sensibilidade e que se liga ao desenvolvimento de uma dinmica corporal. Estas manifestaes podem advir da cultura e encontram-se num campo mais amplo e no institucionalizado como so, por exemplo, o das prticas consideradas esportivas, a saber, o remo, o atletismo, o futebol, etc. (LAZZAROTI FILHO et al, 2010).

    introduo

  • 24 25

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    Nen Bercht e Philomena Black, cujo apelido era Mina Black, fundaram uma instituio que tinha a finalidade de, por meio de prticas corporais, ultrapassar a educao do fsico e desenvolver o sentido de educao integral do indivduo.

    Para tanto, buscaram no modelo metodolgico europeu, em especial, no mtodo dalcroziano2 e na dana expressionista alem3, subsdios tericos e prticos para a organizao estrutural do ICF, bem como para o seu programa de ensino.

    Diante do exposto, o objetivo deste estudo histrico compreender o processo de constituio do Instituto de Cultura Fsica de Porto Alegre, desde sua fundao em 1928, at o ano de 1937, quando ocorrem mudanas das prticas corporais oferecidas pela instituio, como tambm, do nome do Instituto para Escola de Bailados Tony Seitz Petzhold.

    Para atender a este objetivo, lanaremos nosso olhar ao contexto social, cultural e poltico que possibilitou e sustentou o desenvolvimento deste espao educativo, tecendo relaes com o dado momento histrico e suas conjunturas. Desta forma, para alm do conhecimento de sua estrutura fsica e institucional, nossos esforos de apreenso do objeto de estudo buscam identificar as

    2 Entende-se enquanto mtodo dalcroziano a metodologia desenvolvida por Jacques Dalcroze. Tal metodologia visava o desenvolvimento e a aprendizagem rtmica, principalmente, atravs do movimento.

    3 O expressionismo foi um movimento artstico nascido na Alemanha no final do sculo XIX, em contraponto ao domnio acadmico da arte plstica francesa. Negando principalmente o mundo burgus, os artistas alemes buscavam em sua arte combater o racionalismo moderno e primar pela expresso de seus sentimentos, misturanto realidade com fantasia. Os ideais de tal movimento reverberaram por diversos campos da arte como o cinema, o teatro e a dana (LENOVIAN, 2006).

    prticas corporais e as representaes culturais produzidas pelo ICF, na sociedade porto-alegrense dentro do perodo demarcado para o estudo.

    Para contemplar tais objetivos, esta pesquisa encontra-se amparada pelos horizontes terico-metodolgicos da Histria Cultural (BURKE, 2005; CHARTIER, 2000; PESAVENTO, 2004), justamente por este campo permitir ao pesquisador interpretar representaes de um tempo no vivido, ir busca de acontecimentos passados, construindo uma verso, possvel, da realidade.

    Num intuito de afinar o olhar sobre o objeto de investigao, algumas reflexes sobre gnero (GOELLNER, 2007; LOURO, 1997; MEYER, 2003; SCOTT, 1995) fizeram parte das construes da presente pesquisa. Alm da categoria gnero, foram utilizadas as noes de prticas e representaes para desenvolver a anlise dos dados coletados.

    Tendo como referncia esta dimenso terica, coube pesquisadora a tarefa de garimpar e se debruar sobre fontes a fim de que estas a aproximassem, o mximo possvel, da realidade em que o fenmeno de pesquisa se encontrava imerso. Nesse sentido, pequenos indcios, traos e pistas extradas das fontes impressas, imagticas e orais auxiliaram na construo da narrativa. Consideramos como fontes impressas jornais, revistas, programas de espetculos, obras raras, almanaques, monografias, dissertaes, teses e livros. Tais fontes foram submetidas tcnica de anlise documental (BARDIN, 2000; PINSKI, 2008).

    Enquanto fontes iconogrficas foram consideradas como relevantes as imagens que acompanharam os textos apresentados nas fontes impressas e/ou nos programas de espetculos. As principais fontes imagticas utilizadas na construo dos dados foram aquelas que reportavam

  • 26 27

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    s prticas ministradas no ICF. Importa ressaltarmos que a interpretao das imagens foi realizada com base na proposta metodolgica de Kossoy (1999).

    No que toca ao leque de fontes orais utilizadas nesta pesquisa, consideramos como tais os depoimentos de Lya Bastian Meyer, Tony Seitz Petzhold e Salma Chemale, por serem estas personagens que compuseram o quadro de alunas do ICF. Tais entrevistas foram gravadas e transcritas por Morgada Cunha e, atualmente, fazem parte do acervo de Histria Oral do Centro de Memria do Esporte (CEME) da Escola de Educao Fsica (ESEF) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

    A realizao desta pesquisa busca contribuir tanto para o campo da Histria da Educao Fsica e do Esporte quanto para o preenchimento de uma lacuna existente no que tange s pesquisas histricas que privilegiam a Dana como campo de anlise. Barros (2007) refere que, do ponto de vista acadmico, qualquer objeto de estudo que se abra para o preenchimento de uma lacuna relativa ao assunto ou mbito temtico possui relevncia.

    Neste caminho, consideramos que as pesquisas sobre a histria do Esporte e da Educao Fsica permitem refletir sobre os patrimnios culturais da coletividade, servindo como um meio para pensar sobre o presente e planejar o futuro. Assim, reconstruir a trajetria de instituies que fizeram parte da dinmica social torna-se, tambm, uma forma de estender sociedade os benefcios das prticas corporais e esportivas, na construo do contexto cultural da prpria cidade. Desta forma, realizar pesquisas no campo historiogrfico torna-se um vis de acesso a estes bens.

    No mbito das associaes esportivas e da Educao, denota-se um crescimento gradual dos estudos

    histricos; contudo, o mesmo desenvolvimento no se evidencia no campo da dana. Ainda percebe-se uma carncia de pesquisas historiogrficas sobre instituies que fomentaram prticas corporais relacionadas dana no estado do Rio Grande do Sul. Tal situao foi evidenciada quando se empreendeu a busca de informaes sobre o ICF. Localizaram-se livros que apenas citavam o ICF, mas no o tomaram como objeto de estudo, a saber: Trajetria de uma sapatilha: 50 anos de dana de Joo Luiz Rolla (MANTELLI; MEIRELLES, 1989); Tony Petzhold: uma vida pela dana (FREIRE, 2002); Dana: nossos artfices (FRANK; CUNHA, 2004).

    Cabe referir que inegvel a contribuio destas obras para a pesquisa, pois se configuraram como as primeiras pistas de uma instituio que percorreu uma trajetria particular no cenrio scio-cultural da capital sul-rio-grandense. Durante anos o ICF, como buscamos demonstrar, consagrou-se como um lugar privilegiado na formao de futuras precursoras da dana cnica em Porto Alegre.

    O presente livro est organizado em cinco captulos, alm desta primeira parte introdutria. Aps as consideraes iniciais, na sequncia, apresentamos o segundo captulo Referencial Terico-Metodolgico o qual trata do arcabouo terico que sustenta o olhar lanado sobre o objeto de estudo e a teoria que norteou os procedimentos metodolgicos. Este captulo se desdobra em trs sub-captulos, sendo o primeiro Pelas lentes da Histria Cultural dedicado a reflexo sobre o campo historiogrfico e, da mesma forma, sobre conceitos de Histria Cultural. O segundo sub-captulo - Gnero: um tema transversal visa a compreenso dos pressupostos relacionados ao campo do gnero. E o terceiro sub-

  • 28 29

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    captulo destina-se a apresentar a trajetria percorrida pela pesquisadora na busca de fontes histricas, bem como os mtodos empregados para a anlise das mesmas.O terceiro captulo intitulado Os Caminhos Metodolgicos, apresenta a trajetria percorrida pela pesquisadora na busca de fontes histricas, bem como os mtodos empregados para a anlise das mesmas.

    O tpico seguinte intitulado A criao de um espao para a prtica corporal das mulheres, compe a terceira posio no sumrio do presente livro, e visa descrever a primeira fase da instituio, sua organizao desde a fundao em 1928 at 1930, quando se consolida como um espao modelador da moral e da forma fsica das mulheres.

    O quarto captulo Ginstica para elas: primando pela graa e beleza busca apontar o processo de difuso das ginsticas no contexto porto-alegrense, abordando em particular a ginstica alem e a emergncia da Ginstica Feminina Moderna.

    O quinto captulo As Prticas Corporais do Instituto de Cultura Fsica versa sobre as prticas corporais oferecidas pelo ICF com a finalidade de corrigir desvios posturais e adquirir graciosidade e beleza gestual necessria mulher do incio do sculo XX, atravs da Ginstica Corretiva; Ginstica Geral; Ginstica Rtmica; Ginstica Acrobtica; Plstica Animada; e Estudos e Improvisao Coreogrfica.

    No sexto tpico Uma nova cena do Instituto de Cultura Fsica registramos o novo momento do ICF, que rompe com algumas prticas corporais tradicionalmente oferecidas, inserindo no contedo programtico, a partir de 1930, a dana clssica para, alm disso, referirmos as mudanas na sua estrutura administrativa e no processo que

    culminou na alterao do nome para Escola de Bailados Tony Seitz Petzhold.

    Na parte final deste livro, fazemos a exposio das Consideraes Finais desta pesquisa seguida da apresentao das Referncias utilizadas na construo e tessitura das reflexes contidas neste do texto.

  • 30 31

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    2. re

    fere

    ncia

    l te

    ric

    o-m

    etod

    olg

    ico

  • 33

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?

    referencialterico-metodolgico

    Este captulo tem a inteno de apresentar os condutores tericos e as noes metodolgicas utilizados para a anlise das informaes coletadas. Para contemplar tal finalidade, o presente tpico se divide em dois sub-captulos. No primeiro, so iniciadas as discusses acerca do arcabouo terico da Histria Cultural, a partir das contribuies dos seguintes autores: Sandra Pesavento (2008); Roger Chartier (2000); Peter Burke (2005) e Jos DAssuno Barros (2004). E ainda, algumas questes acerca da Memria, a partir dos aportes tericos de Sandra Pesavento (2008), Flix (2004) e Halbwachs (2006). Igualmente, apresenta-se algumas elucubraes sobre gnero no segundo sub-captulo do presente tpico, onde se objetiva esclarecer algumas questes acerca do conceito de tal temtica.

    2.1 PELAS LENTES DA HISTRIA CULTURAL

    O quadro terico nos permite apresentar as lentes que iro conduzir os olhares lanados sobre o objeto a ser pesquisado. Estas lentes, dadas enquanto teoria, sugerem uma forma particular de enxergar e discutir os fenmenos que esto sendo analisados. Para Barros (2007) esta gama

  • 34 35

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    de saberes tericos, j elaborada por outros autores, norteia a leitura da realidade e do mundo proporcionando o estabelecimento de dilogos e de confrontos entre pensamentos. Dentre as diferentes disciplinas a escolher, e que inclusive determinariam a posio de nosso discurso, vocabulrio e estrutura de pensamento, escolhemos o campo historiogrfico. Assim, percorreremos tal estrado num caminho que apresenta e descreve os fatos, procurando seguir uma ordem e uma linha cronolgica, mas buscando, ao mesmo tempo, uma histria reflexiva e que estabelece co-relaes polticas, culturais e econmicas. Nesse sentido, estaremos, ento, buscando a interpretao de significados de um determinado tempo e espao.

    Este tempo que iremos trabalhar, e que se chama passado, um tempo no visto, no vivido (PESAVENTO, 2008) que lembrado atravs das permanncias do presente. Estas permanncias, configuradas como documentos, narrativas, monumentos e locais de memria, so vestgios e fragmentos que do voz s transformaes pelas quais a sociedade passou, e podem inclusive, dentro do prprio campo historiogrfico, serem analisadas de diferentes formas.

    A fim de delimitar nosso campo de discusses e, corroborando com os objetivos desta pesquisa, iremos trabalhar nas dimenses da chamada Histria Cultural. De tal modo, importa neste momento, entendermos o que Histria Cultural, bem como apresentar as categorias e as noes que dialogam com esta dimenso.

    A Histria Cultural conhecida como uma nova forma de fazer Histria, visto que surge para preencher algumas lacunas existentes em pressupostos j utilizados, para entender a sociedade. Dentre as diversas correntes predominantes no campo da Histria como, por exemplo,

    o materialismo histrico de Karl Marx, elabora-se o campo da Histria Cultural como resposta a uma necessidade de buscar sentidos no passado, mas por meio de um vis cultural. A Nova Histria Cultural (VAINFAS, 1997) diferente da histria da cultura, onde se dava valor s expresses culturais da elite e das classes letradas, passa a revelar as manifestaes das massas annimas, apresentando especial afeio pelo informal e, sobretudo, pelo popular.

    Para Barros (2004), a Histria Cultural particularmente rica no sentido em que possibilita diferentes tratamentos e, tambm, por permitir o dilogo com outras dimenses que auxiliem na discusso e compreenso do objeto em anlise. As elaboraes utilizadas para pensar a Histria Cultural, partem da idia de que a prpria existncia do indivduo figura enquanto um modo de produzir cultura: seus discursos verbais e corporais, seu modo de vida constituem sua realidade e embasam o modo que homens e mulheres utilizam para dar acepo, compreender e explicar o mundo. Nesse sentido, Burke (2005) coloca que h autores que utilizam a Histria Cultural em termos de uma procura de significados, enquanto outros buscam as prticas e as representaes. Porm, [...] o terreno comum dos historiadores culturais pode ser descrito como a preocupao com o simblico e suas interpretaes (BURKE, 2005, p.10).

    Para Chartier (2000), Histria Cultural trata de identificar o modo como em diferentes lugares e momentos determinada realidade social construda, pensada, dada a ler. Um conceito e uma definio de Histria Cultural que Pesavento (2008, p. 42) complementa ao expor que a proposta seria a de decifrar a realidade do passado por meio das suas representaes [...] tentando chegar quelas formas discursivas e imagticas por meio das quais

  • 36 37

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    os homens expressaram a si prprios e o mundo. Caberia assim ao historiador, resgatar esse sistema de representaes que os homens construram em todas as pocas para atribuir significado a sua realidade, percorrendo os caminhos da construo imaginria do real pelo vis da cultura. Nesse movimento, a histria cultural pressupe a abertura interdisciplinaridade e comunicabilidade entre os diferentes discursos que falam acerca do real. Para tanto, as noes que se unem de cultura so, de fato, as prticas e as representaes.

    Como nos lembra Melo (1997), foi atravs deste novo paradigma de enxergar a cultura enquanto prtica que a Histria do Esporte encontrou espao dentro dos estudos histricos. A produo de pesquisas no campo da Histria do Esporte, para Melo (1997), serve tanto para legitimar e justificar a presena da disciplina de Histria nos cursos de graduao em Educao Fsica, como se faz relevante medida que contribui para o entendimento da atuao do homem na construo do mundo que o cerca e na transformao da coletividade. Para o mesmo autor, o que temos e onde nos encontramos atualmente no , meramente, fruto do acaso. O estudo da histria de um tempo passado contribui para a construo de uma histria no tempo presente, entendo que ao mesmo tempo em que fazemos histria, somos parte dela.

    Todavia, foi a elaborao da noo de prtica que permitiu enxergar o esporte e o movimento corporal como uma forma de (re) produzir cultura por meio de gestos e comportamentos, de expressar e perpetuar uma tradio e um modo de ser. Nesta linha de raciocnio, consideremos enquanto prticas a cultura corporal do movimento humano, um universo portador de significados e simbolismos. Seria ele, o corpo, individual e os corpos num

    grupo social, uma manifestao da cultura, a expresso da nossa humanidade um ponto de encontro entre o cultural, o social e o biolgico, tanto no plano das prticas como no das representaes.

    Portanto, a Histria Cultural passa a se interessar pelos sujeitos e agncias produtoras de cultura bem como os receptores desta cultura produzida. Para Pesavento (2008, p. 15) cultura seria [...] um conjunto de significados partilhados e construdos pelos homens para explicar o mundo. Esses significados, apresentados de forma simblica, traduzem a realidade e do sentido para as palavras, as aes e as coisas que fazem parte deste espao social que chamamos de sociedade. A partir da cultura construda e naturalizada em determinado espao social, homens e mulheres produzem prticas a partir de suas crenas e costumes, e estas, por vezes, geram representaes.

    Para pensar sobre o que seriam tais prticas, trazemos luz as contribuies de Barros (2004), para quem as prticas corporais seriam no apenas a feitura de um livro, uma tcnica artstica ou uma modalidade de ensino, mas tambm os modos como, em uma sociedade, os homens falam e se calam, comem e bebem, sentam-se e andam, conversam ou discutem, solidarizam-se ou se hostilizam, morrem ou adoecem, tratam seus loucos ou recebem seus estrangeiros. Para Chartier (1994), estas seriam aes que visam fazer reconhecer uma identidade social, a exibir uma maneira de ser no mundo, a significar simbolicamente uma posio. Seriam formas institucionalizadas e idealizadas por meio das quais os representantes marcam o seu modo de existir individual ou coletivamente.

    A partir desta breve exposio, passamos agora a almejar a compreenso das categorias de anlise nas quais esta pesquisa est ancorada. Nossas intenes, a

  • 38 39

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    partir disto, so as de relacionar o objeto de estudo com tais categorias, buscando uma maior compreenso acerca do olhar lanado sobre o fenmeno investigativo, durante o processo de pesquisa.

    A noo de representao aqui entendida como a produo de imagens, formas simblicas que atingem o imaginrio dos indivduos, e que possuem significado a ponto de se tornarem matrizes geradoras de suas condutas. A representao dotada de uma fora integradora e coesiva bem como, ajuda os indivduos a compreenderem e se confortarem, atravs da padronizao de um modo de ser, no meio em que vivem. Para Pesavento (2008), essas representaes so expressas atravs de normas, instituies, discursos, ritos, imagens e constituem a realidade que pauta a existncia dos indivduos. Sendo assim, o ICF foi analisado enquanto uma instituio geradora de prticas, buscando desvelar os processos utilizados pelo mesmo, para produzir representaes. Estaramos, ento, buscando compreend-lo enquanto uma instituio possuidora de um sistema educacional e pedaggico que se utilizou de prticas corporais sistematizadas e particulares, como uma forma de acrescentar um determinado modo de ser e agir nos indivduos sociais com ele envolvidos. A reproduo desta cultura, realizada atravs das prticas corporais, se constri sobre uma representao e se torna uma representao que se pretende legtima e naturalizada. Desta forma, o prprio ICF, torna-se assim, um ncleo que reproduz uma cultura corporal.

    Ja noo de prtica ser entendida como a ao em si, a saber, as prticas corporais desenvolvidas pelo ICF. Chartier (2000) prope o prprio conceito de cultura enquanto prtica. Assim, a prtica construda sobre a cultura bem como a cultura se constri sobre a prtica.

    Entretanto cabe lembrar que, para Chartier (2000), as noes de prticas e representaes se fundem de tal forma que se torna difcil saber onde est o comeo desta ao, pois prticas geram representaes e representaes geram prticas em um crculo tal que, no se sabe se o incio est em determinadas prticas ou em determinadas representaes.

    Como a construo de novos conceitos e a formulao de novas idias se d a partir do confronto entre teorias j existentes, Burke (2005) anuncia as contribuies de autores que colaboraram para a constituio do campo da Histria Cultural, a exemplo, o socilogo Pierre Bourdieu. Para fins desta pesquisa, Bourdieu contribui por ter analisado a prtica cotidiana, identificada pelo autor enquanto uma improvisao sustentada numa estrutura de esquemas inculcados pela cultura tanto na mente como no corpo. Isto seria o que ele chama de reproduo cultural, processo pelo qual um grupo [...] mantm sua posio na sociedade por meio de um sistema educacional que parece ser autnomo e imparcial, embora na verdade selecione para a educao superior, alunos com as qualidades que lhe so inculcadas desde o nascimento naquele grupo social (BOURDIEU, 1972 apud BURKE, 2005, p.77).

    A partir disto poderamos pensar o ICF, enquanto um espao social utilizado para reproduzir representaes culturais, e estas, na viso de Santos (2002), seriam identificadas como elementos comportamentais, expresso corporal, recursos lingustico-discursivos, referncias simblicas e culturais que fariam parte, inclusive, da formao identitria dos indivduos. O sistema educacional, inscrito neste espao social e identificado enquanto uma prtica cultural, procurou inculcar naqueles que participam dele, determinadas representaes destinadas a moldar

  • 40 41

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    certos padres de carter e viabilizar um determinado repertrio lingustico e comunicativo que seria vital para a vida social. Assim, quando um indivduo se pe a fazer parte de determinadas prticas e a estar em determinado ncleo, se conforma a determinadas representaes, mas no se sente invadido por tal. Visto que essa ordem ocorre de forma no percebida, principalmente por que na maioria das vezes converge com contexto scio-cultural do momento histrico.

    Na viso de Barros (2004), a complementaridade que existe entre as noes de prticas e representaes til por permitir aos pesquisadores examinar uma gama de possibilidades. Entre elas elencaramos os objetos culturais, os sujeitos produtores e receptores de cultura, os processos que envolvem a produo e difuso cultural bem como os sistemas que do suporte a estes processos e sujeitos. Como incluso final, Barros (2004) ainda acrescenta a possibilidade de analisarmos as normas a que se conformam as sociedades quando produzem cultura, por meio do estabelecimento e consolidao dos seus hbitos e costumes. Esta perspectiva acerca da cultura pretende ser trazida enquanto uma forma de refletirmos no que toca da carga social portada pelas fundadoras do ICF, tendo claro que ambas eram de origem alem e tinham presentes em suas trajetrias o hbito de freqentar clubes e praticar esportes.

    Dialogando com as dimenses da Histria Cultural, para alm das noes de prticas e representaes, h tambm campos de pesquisas que possuem intenes similares e que por vezes, confunde-se inclusive, com o fazer historiogrfico. Na viso de Pesavento (2008) os estudos da Memria se configuram como um dos campos de pesquisa prximo histria e, bem como esta, identificada enquanto representaes narrativas que tambm se prope a uma

    reconstruo do passado, tornando-se o registro de uma ausncia no tempo.

    Grande parte dos autores que abordam a Memria indicam a evocao de lembranas passadas como uma das possibilidades apresentada aos historiadores que trabalham com este campo. Flix (2004) anuncia a cultura enquanto uma das formas de captura do tempo e da histria na medida em que submete o fluxo temporal das coisas ao temporal dos homens. Assim, a histria tanto pode ser concebida como memria, um meio de narrar o que memorvel, quanto como trabalho, a fim de entrar em contato com o curso do tempo.

    Para Halbwachs (2006) as lembranas podem se organizar atravs de duas formas: tanto se agrupando em determinada pessoa, que as v e seleciona o que memorizar de acordo com o prprio ponto de vista; quanto se distribuindo dentro de uma sociedade enquanto imagens parciais. Por isso, caminhamos em direo a uma perspectiva de que os documentos consultados, normalmente, so escritos por algum que viveu determinado contexto, figurando o documento enquanto uma imagem/representao do perodo estudado. Nesse sentido, o uso das letras foi descoberto e inventado justamente como uma ferramenta para preservar a memria das coisas, tornando a constituio de um trabalho cientfico, um ato de registrar para a comunidade acadmica memrias de um tempo passado.

    Diante disto, o registro da memria se torna um meio de conservar informaes se configurando num conjunto de concatenaes pelas quais o homem pode atualizar impresses ou informaes passadas, ou que ele representa como passada. Nesta direo, a pesquisa se prope a construir uma verso da histria atravs de fragmentos da

  • 42 43

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    memria social, registrados nos jornais e documentos da poca, tornando-se assim um ponto de referncia para memria coletiva e um meio de preencher lacunas na histria da sociedade. Assim, o funcionamento da memria no possvel sem a formulao e criao de instrumentos que auxiliem na construo e rememorao de lembranas coletivas e individuais (HALBWACHS, 2006).

    Tendo em vista que o ICF se tratava de um local exclusivo ao desenvolvimento da mulher, a noo de gnero perpassa o objeto de estudo se tornando fundamental a sua compreenso.

    2.2 GNERO: UM TEMA TRANSVERSAL

    O estudo das formas como a mulher atua na sociedade, suas construes e feitos passa a ser a bandeira dos movimentos feministas surgidos desde a Proclamao da Repblica, em 1890, atravs do movimento sufragista, que lutava pelo direito ao voto para as mulheres (MEYER, 2003). As tentativas de dar voz as mulheres ganhava fora atravs, no s de estudos que problematizavam a opresso do pblico feminino, como tambm por meio de artigos veiculados nos jornais de maior circulao, em especial do sculo XX. Ao longo da coleta de dados para a presente pesquisa, foram identificados textos que ora queriam difundir o feminismo, defendendo e comemorando a conquista ao voto pelas mulheres; e ora artigos que criticavam tal avano, considerado inadequado ao mundo feminino.

    Ao longo do sculo XX, as elucubraes organizadas pelos grupos feministas, numa crescente, contriburam para as elaboraes tericas ocorridas, principalmente, nos anos de 1960 e 1970 (GOELLNER, 2007). Os estudos e a prpria

    formulao do conceito de gnero surgem com o intuito, primeiramente, de dar voz as mulheres que antes pareciam no fazer parte da histria, figurando, igualmente, no estar entre aqueles responsveis pela construo da sociedade. A mulher, antes oprimida e esquecida devido sutil naturalizao patriacal, passa a clamar por uma maior visibilidade e pronunciamento dentro do meio coletivo, em especial, atravs da organizao dos movimentos feministas.

    Posterior a um primeiro momento que pretendia entender as mulheres enquanto um bloco unssono, e que inclusive se fez importante para o fortalecimento do campo histria das mulheres, surge uma multiplicidade de abordagens epistemolgicas. Tais abordagens no se disporiam a analisar somente uma Histria das Mulheres, mas as Histrias de Mulheres, reconhecendo-as como sujeitos histricos com suas pluralidades. Nesse sentido, conforme Goellner (2007) se entende que existem diferentes mulheres, com suas particularidades no que toca raa, classe social, meio cultural, etc.

    De acordo com Louro (1997), h no processo de constituio e problematizao do prprio conceito de gnero, filiaes tericas que utilizariam as distines biolgicas como elemento que justificaria as desigualdades sociais entre homens e mulheres. Elencadas enquanto diferenas sexuais4, tais desigualdades eram utilizadas como justificativa para que determinados papis fossem direcionados a um corpo biologicamente feminino e/ou a um corpo constitudo, biologicamente, como masculino. Entretanto, as lacunas existentes na aceitao de que

    4 O termo sexo entendido como uma designao dicotmica de distino entre o ser homem e ser mulher, baseada nas caractersticas biolgicas que so determinadas geneticamente (SILVA, 2005).

  • 44 45

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    somente a diferena sexual serve como justificativa, so muitas, e deixam a desejar que outros discursos e questionamentos refutem tal argumentao. No que a diferena biolgica no exista, mas se faz necessrio entender que as diferenas de gneros so construdas socialmente e que tais diferenas se constroem a partir da relao entre os indivduos. Para Louro (1997), para compreender o lugar e as relaes de homens e mulheres numa dada sociedade, deve-se observar no propriamente seus sexos, mas aquilo que foi socialmente construdo sobre os sexos.

    Segundo Meyer (2003, p. 7) o conceito de gnero:

    [...] privilegia, exatamente, o exame dos processos de construo dessas distines biolgicas, comportamentais ou psquicas percebidas entre homens e mulheres; por isso, ele nos afasta de abordagens que tendem a focalizar apenas papis e funes de mulheres e homens para aproximar-nos de abordagens muito mais amplas, que nos levam a considerar que as prprias instituies, os smbolos, as normas, os conhecimentos, as leis e polticas de uma sociedade so constitudas e atravessadas por representaes e pressupostos de feminino e de masculino e, ao mesmo tempo, produzem e/ou re-significam essas representaes.

    Nesse sentido se faz necessrio compreender que no mais poder-se-ia justificar atravs das questes biolgicas, as desigualdades sociais entre homens e mulheres e sim, visar atravs do surgimento de um conceito analtico de gnero, a compreenso de um todo que inclusse dimenses sociais e culturais. Louro (1997), contrapondo o discurso biolgico

    construdo tanto no senso comum como no cientfico, expe que se torna importante demonstrar que no so especificamente as particularidades sexuais, [...] mas a forma como essas caractersticas so representadas ou valorizadas, aquilo que se diz ou se pensa sobre elas que vai constituir, efetivamente, o que feminino ou masculino em uma dada sociedade e em um dado momento histrico (LOURO, 1997, p. 21). No seria ento uma questo de sexo, homem e mulher, mas o que construdo e entendido como elementos integrando o que ser homem e ser mulher.

    Segundo Beauvoir (1980 apud MEYER, 2003, p. 8) [...] ns no nascemos mulheres, ns nos tornamos mulheres, o que sugere a anlise do processo de construo do corpo e do modo de ser tanto feminino quanto masculino, analisando as estratgias, prticas sociais e culturais que produzem e/ou educam os indivduos. Para tanto, este processo que identificamos como uma construo social sobre o sexo masculino e feminino, capaz de inscrever comportamentos, atitudes e traos de personalidades condizentes com aquilo que socialmente faz sentido s particularidades femininas e masculinas. Realamos, ento, a partir das reflexes de Silva (2005), que a feminilidade seria produto de foras exteriores, que inscrevem marcas, e no simplesmente como tantos discursos tentam justificar, fruto da essncia do ser humano feminino. As diferenas e desigualdades entre homens e mulheres so social e culturalmente construdas, embora e muitas vezes, tais representaes se escondam atrs do pano da naturalidade biolgica (MEYER, 2003).

    Refletir sobre as diferenciaes de gnero implica em saber que existem masculinidades e feminilidades, determinadas desde o nascimento, que fabricaram um sujeito masculino ou feminino. Nesse sentido, a prtica social

  • 46 47

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    construda e muitas vezes inventada de acordo com as necessidades culturais e sociais dos corpos. Reiterando, Louro (1997) refere que o conceito de gnero pretende conjeturar sobre o modo como as caractersticas sexuais so entendidas e representadas, e como as prticas sociais so incumbidas de desenvolver tais caractersticas, se tornando parte do processo histrico.

    Por conseguinte, no podemos considerar que todas as prticas desprendidas por mulheres e homens ao longo da histria so, portanto, naturais, tendo em vista que ao longo da trajetria de cada indivduo somos direcionados a comportar-nos de determinado modo, a frequentar determinados espaos, a carregar determinadas marcas que nos identifique como pertencente a um grupo social. O que nos leva a pensar que os atos so, de fato, generificados, e a perceber que as prticas servem como meio educativo, tornando-se generificadoras dos indivduos.

    Silva (2005), assim como Louro (1997), compreende gnero como um processo que vai se desenvolvendo ao longo da vida, com ambivalncias e contradies, considerando tal temtica enquanto um constructo multidimensional. Tal conjuntura se sustenta no fato de o campo de gnero ser composto por trs perspectivas - institucional, individual e relacional -, o que parece significar que a ordem de gnero numa sociedade apropriada pelos indivduos, que por sua vez, desenvolvem suas identidades de gnero e apresentam imagens generificadas (SILVA, 2005). O que refora a importncia de questionarmos o porqu determinadas atividades so direcionadas para homens, enquanto outras dizem respeito s mulheres. De fato, trata-se de verdades construdas resultantes de mbitos inscritos na dimenso social e cultural que determinaram a construo das identidades de gnero.

    A construo das identidades de gnero ocorrem essencialmente por meio da relao entre indivduos de sexos diferentes (LOURO, 1997). A representao do feminino s existe da forma como existe em contraponto, e em alteridade, a representao masculina.

    At o presente momento, e partir das discusses desenvolvidas pelos autores consultados, torna-se sobressalente, em especial, o ponto nevrlgico em que gnero se refere, principalmente, s relaes sociais nas quais os indivduos e grupos fazem parte e atuam. Tais relaes se encontram engendradas em um emaranhado de significados que compe um sistema coesivo, onde as questes generificadoras esto inclusas e presentes na articulao das regras de relaes sociais e na construo do sentido da experincia. Experincias que sero vivenciadas pelos indivduos ao longo de suas vidas e que justamente possuem sentido por estarem igualmente envoltas pelo processo de significao (SCOTT, 1995). Para esta autora (1995), a codificao de gnero se d atravs da organizao material das relaes sociais, que estabelecem e naturalizavam significados e modos de ser.

    Essas definies normativas do gnero, historicamente especficas e tomadas como dadas, reproduzem-se e se integram cultura (SCOTT, 1995), e por isso so reproduzidas sem conscincia e questionamento por parte dos indivduos que integram tal pertena. De acordo com Silva (2005) gnero parece organizar as relaes sociais em quase todos os aspectos da vida do dia-a-dia, tanto por padres culturais como tambm atinge e influencia a organizao de macro estruturas, como classe social. Trata-se de [...] uma produo humana tal como a linguagem, o parentesco, a religio e a tecnologia [...] (SILVA, 2005, p. 39) e, tal como estas, uma estrutura que estabelece

  • 48 49

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    moldes organizadores da vida em sociedade. A lgica de funcionamento das estruturas

    genderizadas ocorre atravs da produo de prticas e representaes que se reforam e se reproduzem reciprocamente. Tal lgica de funcionamento deriva de aes tanto individuais, quanto atravs da manuteno alicerada nas redes de poder (instituies, discursos, prticas, smbolos, etc.,...) que, da mesma forma, possuem a incumbncia, no anunciada, de reforar as hierarquias entre os gneros (LOURO, 1997; SILVA, 2005). Entretanto, Silva (2005) faz a ressalva de que, da mesma forma que no devemos pensar que a formao da feminilidade e da mascunilidade so determinadas somente pela natureza, tambm no as devemos ver como derivadas unicamente de normas sociais, orientaes culturais ou determinaes legais. Com relao a isso, Silva (2005) refere que:

    As pessoas constroemse como masculinas ou femininas ao reivindicarem um lugar na ordem de gnero, ao responderem apropriadamente ao lugar que lhe foi determinado, ou ainda pelo modo como conduzem a vida no seu dia-a-dia (p. 39).

    Ento, na preocupao de ser aceito, e por certo medo gerado pela vigilncia do outro e pela prpria autovigilncia, o indivduo que circula pelas ruas e por entre a sociedade, sente-se no dever de responder quilo que espera/esperam que o mesmo responda.

    No que toca s prticas esportivas e corporais, Silva (2005) expe que, embora haja por parte dos grupos feministas resistncia em olhar e tecer relaes com tal campo de estudo, este se trata de um solo rico

    principalmente no que tange s construes sociais elaboradas pelo campo. As prticas corporais so aspectos altamente institucionalizados da nossa cultura e que colaboram na manuteno de uma hegemonia masculina. Alm disso, este grande domnio que engloba o trabalho com o movimento humano, da mesma forma que outras estruturas, capaz de incutir e deixar impressas marcas sociais que estabelecem fronteiras e constroem identidades.

    Quando falamos em prticas corporais, versamos sobre um campo visto enquanto uma instituio que, relacionada ao conceito de gnero, possui um denominador comum - o corpo. Para Silva (2005), no h a separao entre corpo pessoal e corpo social, muito pelo contrrio, h um cclico dilogo entre ambas as esferas, apropriao e re-significao constantes de representaes e prticas. Justamente por ele, o corpo, ser o contato primrio do indivduo com o ambiente que o cerca, que nele se localizam todas as regras e valores scio-culturais. Com relao a este fenmeno, Goellner (2003, p. 23) faz a seguinte assertiva:

    [...] mais do que um conjunto de msculos, ossos, vsceras reflexos e sensaes, o corpo tambm a roupa e os acessrios que o adornam, as intervenes que nele se operam, a imagem que dele se produz, as mquinas que nele se acoplam, os sentidos que nele se incorporam, os silncios que por ele falam, os vestgios que nele se exibem, a educao dos seus gestos.

    Para tanto, destaca-se a importncia no s das relaes sociais generificadoras, mas tambm das marcas sociais carregadas pelos corpos dos indivduos, sinalizadoras

  • 50 51

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    de uma pertena. Torna-se de fato uma cadeia cclica de prticas e representaes que marcam, estabelecem e naturalizam fronteiras. Relaes de indivduos com indivduos, entre indivduos e instituies, que generificam, classificam e tratam de educar.

    Aps a apresentao dos subsdios tericos que fundamentam a pesquisa, apresentamos os caminhos metodolgicos percorridos pela pesquisadora para a coleta dos dados e no tratamento das fontes histricas.

    2.3 OS CAMINHOS METODOLGICOS

    Este captulo tem por finalidade apresentar os mtodos empregados para a anlise das fontes histricas e, da mesma forma, relatar o percurso de investigao desprendido para construo e discusso dos resultados desta pesquisa. Dividiremos a seguir, visando mapear a trajetria de busca pelos dados sobre o ICF, o processo de coleta de informaes em trs momentos: o primeiro, onde abordaremos os espaos percorridos, e que forneceram ou ao menos esperava-se que fornecessem dados e fontes sobre o ICF e acerca dos indivduos envolvidos nesta trama. O segundo momento, onde ser direcionado a descrio e o tratamento das fontes impressas. A presena de um terceiro tpico destinado a tratar sobre as fontes imagticas e, ainda, um quarto item apresentando as principais fontes orais utilizadas para a tessitura do texto desta pesquisa.

    Em se tratando de uma abordagem histrico-cultural de anlise, nossa concepo metodolgica foi eminentemente interpretativa, visto que fomos busca de significados construdos no passado e, ao mesmo tempo, de representaes das diferentes aes humanas.

    Investigaes interpretativas fazem parte de um universo qualitativo de pesquisa e buscam compreender como os sujeitos experimentam, percebem, criam, modificam e interpretam a realidade em que se encontram imersos.

    Com estes contornos, a construo deste discurso histrico se deu a partir de algumas tcnicas especficas, visando elaborao de uma verso do passado na qual se estabeleceu, constantemente, o cruzamento de duas realidades: as fontes histricas referentes ao perodo investigado, somadas interpretao do pesquisador. Chartier (2000), contudo, ressalta que o historiador, para produzir tal verso, deve ler os documentos, organizar suas fontes, manejar tcnicas de anlise e utilizar critrios de prova.

    Entretanto, tal desafio vale medida que se sabe que compor, cruzar, revelar o detalhe, dando relevncia ao secundrio, trata-se na verdade do segredo de um mtodo do qual a Histria se vale. E, grande parte deste esforo, visando compreender os sentidos partilhados pelos homens de outro tempo. Assim, o historiador se apoia em textos e imagens que ele constri como fontes, como traos portadores de significado para solucionar os problemas que ele mesmo se interpe. Entretanto preciso mergulhar, o mais profundamente possvel, na totalidade do universo no qual se insere o objeto do historiador.

    Tendo como ponto de partida a inteno de compreender o processo de construo do ICF desde o perodo de sua fundao em 1928, at o momento em que h a mudana de nome para Escola de Bailado Tony Seitz Petzhold, no ano de 1937, buscamos uma concepo metodolgica que possibilitasse o estudo de um fenmeno social, mais especificamente, o estudo de uma instituio. Este direcionamento vai ao encontro do que Molina (1999)

  • 52 53

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    pensa sobre a eleio de uma estratgia metodolgica. Em outras palavras, o autor defende que mais do que a escolha de um mtodo, tal medida trata-se, primeiramente, da opo por um objeto a estudar.

    Nesse sentido, tendo claro o fenmeno a ser investigado, utilizamos a consulta a documentos impressos e imagticos como fontes para a construo da trama de pesquisa. As fontes impressas, em especial os jornais e os programas dos espetculos do ICF, foram as principais fontes na construo dos dados desta pesquisa. Igualmente, d-se relevncia a fontes iconogrficas que auxiliaram na compreenso do contexto e na identificao das prticas desenvolvidas pelo ICF. Por meio destas, buscamos obter o mximo de conhecimento sobre a unidade qualitativa escolhida, orientados pela necessidade da compreenso de uma realidade.

    As fontes consultadas permitiram a abertura de um leque de conhecimentos a respeito do fenmeno em questo, bem como a construo de um amplo panorama que o envolvesse. Entretanto, vale a ressalva de que, mesmo guiados pela ansiedade de responder ao objetivo da pesquisa, tentamos vencer os silncios das fontes visto que, na viso de Abro (2002), nenhuma fonte inocente.

    Dentre as diversas tcnicas disponveis para compor a investigao, elegemos a pesquisa documental enquanto estratgia metodolgica. Segundo Bardin (2000) e Pinsky (2008), a pesquisa documental consiste em realizar operaes de desmembramento do texto em unidades de significado, buscando desvendar seus diferentes sentidos e, posteriormente, a partir da anlise dos dados reagrup-los e construir os eixos norteadores da pesquisa. Bardin (2000), completando suas definies acerca desta proposta metodolgica, define anlise documental, tambm, como

    [...] um conjunto de operaes visando representar o contedo de um documento sob uma forma diferente da original, a fim de facilitar num estado ulterior, a sua consulta e referenciao (BARDIN, 2000, p. 45).

    Tal tcnica pode ser aplicada a uma variedade de fontes (MARTINS, 2006; MAY, 2004), mas, neste estudo foram privilegiados os jornais porto-alegrenses de maior circulao da poca, as revistas, os programas de espetculo, as monografias, dissertaes e teses. Para Pesavento (2007), as fontes so restos do passado objetivados em textos, imagens, sons e vozes ou, ainda, em objetos. Para chegar at este tempo que passou, e que no lhes pertence, historiadores precisam de cacos, traos, evidncias que, tradicionalmente, identificamos como fontes ou documentos: rastros, verdadeiramente. Rastros estes que portam sensibilidades, traduo sensvel das emoes, sensaes e experincias dos indivduos, cabendo ao pesquisador se aventurar no campo da histria para poder apreender tais percepes de mundo. Por ltimo, tais rastros permitem a construo de um documento que, segundo Le Goff (2003), torna-se a preservao de memrias atravs da palavra escrita, tendo como norte que a escrita uma das possibilidades de armazenamento e apropriao do tempo.

    A escolha dos acervos e locais a serem visitados passou a existir, especialmente, a partir do levantamento bibliogrfico, de onde emergiram as sugestes dos locais a serem explorados, e que poderiam conter pistas sobre o ICF. Em busca de fontes para a pesquisa, foram visitados centros que possuam documentos referentes ao ICF e realidade social circundante em que o Instituto se encontrava. Nesse sentido, citamos teatros, acervos pblicos e acervos particulares, como os locais que, no mesmo grau de

  • 54 55

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    importncia, compuseram o caminho investigativo que nos conduziu.

    O primeiro espao visitado foi o Theatro So Pedro, localizado na Praa Marechal Deodoro, regio central da cidade de Porto Alegre. O Theatro So Pedro, no incio do sculo XX, era o principal espao de entretenimento da capital sul-rio-grandense e, diferente de hoje, a grande maioria das apresentaes relacionadas ao campo das artes ocorriam neste espao. Por saber da existncia, neste espao, de um acervo prprio, acreditava-se que bons seriam os frutos colhidos, pelo menos no que tange s fontes imagticas. Afinal, trata-se aqui de visitar o local onde havia ocorrido a apresentao do primeiro espetculo em que estiveram presentes as fundadoras do ICF. Entretanto, a visita ao Theatro So Pedro gerou somente conhecimentos gerais e pessoais visto que muito do acervo foi perdido devido falta de cuidados com o espao, o que tornara a disponibilidade de materiais escassa.

    Paralelo a este momento, realizava-se a pesquisa dentro do acervo histrico da Biblioteca da Escola de Educao Fsica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (ESEF/UFRGS), em busca de fontes que auxiliassem na compreenso do contexto histrico-cultural relacionado aos campos da Educao Fsica e da Ginstica. A pesquisa neste acervo almejava, igualmente, o alcance das prticas que eram oferecidas dentro do ICF, pesquisa esta que fora realizada at o ltimo momento da composio dos resultados deste trabalho.

    Aps estes momentos iniciais, decidimos visitar o Tepa Teatro Escola de Porto Alegre - antiga Escola de Bailados Tony Petzhold. O que nos mobilizou a esta empreitada foi o fato de sabermos que Tony havia sido a sucessora de Mina Black ao assumir o ICF. Acreditvamos que l

    encontraramos a to esperada mina de ouro. Entretanto, apesar da existncia de uma grande expectativa, a chegada ao Tepa, num primeiro momento, foi somente a indicao para irmos at a neta de Tony, Tas Petzhold5 que acabaria nos fornecendo um acervo pessoal rico para esta e futuras pesquisas.

    Em seu acervo pessoal foram encontradas fontes impressas e imagticas que, embora no reportassem diretamente ao ICF serviram, principalmente, para completar a fase final do Instituto, momento em que h a mudana do nome deste espao para Escola de Bailados Tony Petzhold. Meus acertos com Tas foram os de que, em troca da consulta ao seu acervo pessoal, eu o organizaria, j que o mesmo se encontrava um tanto desordenado.

    As visitas casa de Tas duraram cerca de um ms e meio, e se alternaram entre a seleo e o reconhecimento do material em sacos plsticos e caixas-arquivo. Aps a seleo das fontes, foi realizado o registro, atravs de fotografia digital, das fontes pertinentes montagem da trama desta pesquisa. Ao trmino da organizao do acervo pessoal na casa de Tas, visitamos novamente o Tepa para explorar os materiais por ela deixados na Escola. Porm, nesta revisita, nada foi encontrado relativo ao objeto de estudo.

    O Centro de Memria do Esporte (CEME) da ESEF/UFRGS tambm se tornou um dos principais acervos visitados e contribuiu, essencialmente, com o material doado por Morgada Cunha que continha os depoimentos orais, j

    5 A Tas Pethzhold meus sinceros agradecimentos pelas conversas, pela identificao energtica, pelos chs e por ter aberto, de forma to gentil, as portas de sua casa e linda famlia.

  • 56 57

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    transcritos, de alunas6 que freqentaram o ICF. Morgada Cunha foi aluna de Lya Bastian Meyer e professora de dana na cidade de Porto Alegre. Tambm, compilou uma das primeiras obras relacionadas a histria da dana na cidade, intitulada Dana: nossos artfices de onde, inclusive, foi retirada a ideia de se reconstruir a trajetria do ICF.

    O vasto acervo relacionado temtica da dana do CEME foi consultado por inteiro, entretanto, poucos foram os materiais, para alm das entrevistas, encontrados que se referissem ao objeto de estudo, devido ao recorte temporal em que o mesmo se encontra inserido. Grande parte das imagens e recortes de jornais do CEME de um perodo posterior ao do ICF, o que os tornou apenas um aceno para futuras pesquisas.

    Ainda dentro da trajetria de investigao, foi visitado o Memorial da SOGIPA (Sociedade Ginstica de Porto Alegre) justamente por este ser um local to presente na histria de vida de Mina Black, e dos teuto-brasileiros no estado do Rio Grande do Sul, fundamentalmente, no que tange manuteno da cultura alem e difuso da ginstica. Entretanto, aps duas idas consecutivas a este local me convenci de que eles no abririam uma exceo a minha pessoa, tendo em vista que atualmente o memorial est fechado.

    Neste momento me encontrava desesperada - mas de forma acadmica por pensar que nunca encontraria o to esperado pote de ouro. Comecei a achar que talvez o ICF no tivesse tanta repercusso na sociedade porto-alegrense e a cada dia me perguntava onde estariam as

    6 Os depoimentos que deram maior sustentao para o cruzamento e construo dos dados foram os de Lya Bastian Meyer, Tony Seitz Petzhold e Salma Chemale.

    fontes de pesquisa mais ricas.At decidir ir aos locais que continham as principais

    fontes impressas utilizadas para a produo dos dados desta pesquisa. O Arquivo Histrico de Porto Alegre Moyses Vellinho foi a primeira opo de visita em busca dos jornais e revistas da poca. Nele, foi iniciada a pesquisa no jornal Correio do Povo e onde soube da existncia de outros jornais editados no perodo de estudo e que poderiam compor a lista de peridicos a serem explorados. Neste local, foi possvel iniciar minha coleta de dados a partir do ano de 1920 e ir at o ano de 1922. No entanto, por no haver disponveis no Moyses Vellinho todas as edies do jornal Correio do Povo, resolvi mudar minha estratgia. Esta ocorrncia me levou ao Museu de Comunicao Social Hiplito Jos da Costa, que dispunha um acervo mais completo tanto do Correio quanto de outros jornais que circulavam no incio do sculo XX. Foi no Museu Hiplito da Costa que fiz minhas grandes descobertas e onde dediquei a maior parte do tempo da coleta de informaes.

    Aps esse primeiro momento de apresentao dos espaos visitados para a coleta de dados, passaremos a apresentar a descrio das fontes coletadas e o tratamento metodolgico utilizado. Iniciaremos nossa abordagem primeiramente com as fontes impressas, em seguida com as fontes iconogrficas e, aps, as fontes orais.

    a) Fontes impressas

    Dentre as principais fontes impressas garimpadas, elencaria os jornais Dirio de Notcias (DN), Correio do Povo (CP) e A Federao (A FED) como os itens que forneceram as principais informaes encontradas neste trabalho. Os programas de espetculos tambm compem a gama de

  • 58 59

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    fontes primrias que retratavam e registravam dados acerca do ICF, encontradas, sobretudo, no Museu Hiplito da Costa e no acervo pessoal de Tas Petzhold. O catlogo da Revista do Globo (MAZO, 2004) e a Revista de Educao Fsica do Exercito tambm esto entre as fontes que auxiliaram a compreender, se no o objeto de estudo, o contexto no qual tal fenmeno se encontrava imbricado.

    No que diz respeito consulta aos jornais, Luca (2008) refere a riqueza presente na utilizao do material produzido pela imprensa, mas faz a ressalva de que, este no pode ser tratado meramente como um transmissor de informaes, e sim, devemos levar em considerao que a imprensa tambm era um instrumento eivado de interesses e intuitos de interveno na vida social. Diga-se de passagem, que nenhuma fonte inocente e estar sempre carregada se no das crenas do autor, representando as idias de um grupo maior.

    A pesquisa em fontes impressas iniciou atravs do jornal Correio do Povo. O Correio do Povo, peridico de grande destaque e circulao da poca, foi fundado em 01/10/1895 por Francisco Antnio Vieira Caldas Jnior, propondo-se a ser um jornal independente e apoltico (CERONI, 2009; MUSEU DE COMUNICAO, 2005). Segundo Ceroni (2009), apontava-se enquanto um jornal feito para a massa e no para indivduos de uma nica faco. O Correio do Povo se adequava ao jornalismo informativo moderno, onde o discurso exposto se afastava da paixo poltico partidria. Nas sesses dedicadas divulgao do campo artstico, detinha-se mais na veiculao de eventos ligados msica e, posteriormente ao teatro. Normalmente, no veiculava crticas acerca dos espetculos acorridos na cidade.

    Entretanto comecei o processo investigativo por tal

    jornal justamente por t-lo como referencia no contexto porto-alegrense. Primeiramente, no ano de 1920 1922 e, num segundo momento, a partir do ano de 1925. A escolha dos anos de 1920, primeiramente, e 1925 neste segundo momento, se deu por indicaes da prpria reviso bibliogrfica inicial, onde Cunha (2004) indicava que a primeira apresentao contendo a direo e participao das duas fundadoras do ICF havia ocorrido no ano de 1920. Entretanto, a captao de dados j realizada no CEME aps a qualificao, indicou-me uma nova informao que anunciava a ocasio deste espetculo intitulado Contos de Fadas, no ano de 1925. Deste modo, por no encontrar indcios nos jornais consultados acerca desta apresentao no ano de 1920 e muito menos, da existncia do ICF, que optei por ir busca do segundo dado apresentado, que se confirmou verdadeiro.

    De 1925 at o final do ano de 1928, segui consultando todas as edies do Correio do Povo no Museu Social Hiplito da Costa. No Correio do Povo as sesses observadas e que tomavam minha ateno, normalmente eram a Theatros e Artistas, as Notas Sportivas, e as Notas de Arte. Os pequenos anncios eram observados rapidamente e, da mesma forma, as notas sociais no intuito de identificar se no o Instituto, o nome das fundadoras.

    At este momento j havia consultado seis anos e meio de edies mensais do Correio e ainda no havia encontrado nada acerca do ICF, somente sobre os temas que atravessavam o Instituto. Neste momento, ansiava por sanar dvidas e questes relacionadas ao objeto de estudo. Comeava a me perguntar por que havia escolhido este tema e a pensar que realmente no havia nada publicado sobre a tal Instituio do qual eu tanto falava. Pesquisando no Correio do Povo do ano de 1928, como no havia

  • 60 61

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    disponveis os meses de novembro e dezembro foi sugerido pelos funcionrios do Museu Hiplito, consultar o Jornal Dirio de Notcias. Deste jornal, o museu tinha apenas as edies a partir de 1927.

    O Dirio de Notcias foi fundado em 1925, por iniciativa dos jornalistas Francisco Leonardo Truda7, Raul Pilla e Pedro de Moura (MUSEU DE COMUNICAO, 2005). O Drio se tornou o carro chefe na divulgao das artes em Porto Alegre devido criao da sesso Pginas Literrias e da migrao para o corpo editorial, em 1927, de muitos autores do jornal Correio do Povo (FERNANDES, 2009). O que justificaria o fato do ltimo peridico citado, no investir, durante o perodo de estudo, em discusses ligadas ao mundo artstico. Diferentemente do Correio, o Dirio investia na veiculao de imagens que acompanhavam tanto os anncios artsticos quanto as pginas esportivas, apresentando uma esttica arrojada que, a partir de 1930, inova atravs da divulgao de pginas mais coloridas. O Dirio de Notcias, embora se anunciasse enquanto um peridico apoltico e mais direcionado ao entretenimento foi um forte difusor dos ideais eugenistas atravs das crticas de Angelo Guido.

    De fato, no havia pensado na possibilidade de consultar este peridico, at por que o Dirio comea a ser publicado a partir de 1925, o que tornava, para a presente pesquisa, o Jornal Correio do Povo mais interessante enquanto fonte, tendo em vista que o mesmo acompanhava a lgica de transformaes sociais desde 1920.

    Contudo, foi no Dirio de Notcias que encontramos

    7 Leonardo Truda trabalhava, desde 1913, no Correio do Povo e, devido s dificuldades surgidas aps a morte de Caldas Jnior, decide fundar seu prprio jornal (FERNANDES, 2009).

    o primeiro indcio sobre o ICF. Tamanha foi a felicidade, pois finalmente existia a confirmao de que o ICF tinha estado presente na sociedade porto-alegrense. O primeiro anncio encontrado foi na sesso Artes e Artistas, do ano de 1928, veiculando a realizao do primeiro espetculo promovido pelo Instituto, a Hora de Arte. Este achado se tornou uma dica de onde as atenes do pesquisador deveriam recair em dobro.

    Todavia, neste momento, uma nova dvida se lanava: Deveria continuar a pesquisa no Jornal Correio do Povo, onde j havia explorado sete anos consecutivos ou mudaria para o Dirio de Notcias?. Para que no houvesse dvidas, fui sede do Correio do Povo pesquisar as edies faltantes do ano de 1928. E sim, existiam anncios similares aos publicados no Dirio, fato que me levou a prosseguir a coleta de dados no Correio. Porm, mesmo seguindo a pesquisa num jornal com grande prestgio social, a sensao enquanto pesquisadora era a de que estava perdendo informaes publicadas em outros jornais. Por isso, houve a tentativa de realizar uma consulta paralela ao Correio do Povo e Dirio de Notcias, referente aos meses de janeiro e fevereiro de 1929. No entanto, devido demora, tomei a deciso de prosseguir somente com o Correio.

    Novamente, faltaram as edies dos meses de setembro e agosto de 1929, acontecimento que resultou na substituio pelo jornal Dirio de Notcias. E foi neste momento que foi encontrado a to esperada mina de ouro. A descoberta da sesso Para o aperfeioamento da Raa redigida por Angelo Guido8, a partir de Maro/Abril

    8 Angelo Guido nasceu em Cremona, na Itlia, no ano de 1893. Sua famlia veio para o Brasil em 1895 estabelecendo-se na cidade de So Paulo. Guido iniciou sua carreira como crtico de arte a partir do contato com as idias modernistas difundidas no incio do sculo XX. De 1914 a 1922, expressa sua

  • 62 63

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    de 1929 no Jornal Dirio de Notcias, demonstrou-se um forte indcio de que, a partir deste momento, a pesquisa deveria ser norteada pelas publicaes do Dirio de Notcias.

    Contudo, por no ter o conhecimento certo da data de fundao do ICF, reiniciei a pesquisa no Dirio a partir de maro de 1928, em busca de qualquer informao publicada anterior ao primeiro indcio encontrado referente existncia do Instituto, representado atravs da matria acerca do espetculo Hora de Arte. Desde ento, o Dirio foi eleito a principal fonte a ser explorada e que, de fato, rendeu muitas informaes. As sesses observadas no Dirio, no ano 1928, eram as seguintes: Theatro-Msica-Cinemas, Artes e Artistas e Vida Desportiva. No ano 1929, h uma certa mudana na veiculao das informaes justificada provavelmente pela expanso da rea do entretenimento. Desta forma, as sesses examinadas passaram a ser: Palcos e Sales, Notas de Arte, Artes e Artistas Vida Desportiva, Para o Aperfeioamento da Raa e soma-se ainda o caderno Suplemento a partir de 1931.

    A pesquisa no Dirio de Notcias se estendeu at no ano de 1934, sendo que entre os anos de 1928 e 1934, algumas vezes, no havia disponvel edies correspondente a um ms especfico. Neste caso, era solicitada a substituio pelo Correio ou ento pelo Jornal A Federao. Minha inteno era a prolongar a coleta at o ano de 1937, porm, devido ao tempo restante para anlise dos dados, foi necessrio

    opinio no jornal A Tribuna, de Santos, sobre o andamento da msica e das artes plstica (SILVA, 2002). Em 1925 comea-se a identificar em Porto Alegre, atravs do jornal Dirio de Notcias o incio da divulgao de suas idias acerca das prticas inovadoras no cerne artstico, tanto no que tange o campo literrio quanto plstico. Aps sua insero no meio porto-alegrense, principalmente como pintor e escultor, torna-se um importante crtico de arte contratado por um dos peridicos de maior circulao no Estado do Rio Grande do Sul, o Dirio de Notcias.

    encerrar o recolhimento de informaes nesta fonte.O jornal A Federao tambm est entre os

    documentos consultados. Inicialmente, minha estratgia era a de que, nos momentos em que faltasse alguma edio mensal do Correio do Povo do ano consultado, solicitasse o jornal A Federao, o que ocorreu entre os perodos de 1925-1928, somente uma vez. O jornal A Federao foi fundado em 01/01/1884, combatendo o regime monrquico e em defesa dos ideais do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR). Defendia a criao de uma republica Federativa no Brasil, a emancipao do servio escravo e o fim da monarquia. Tinha sua frente, principalmente, a imagem de Julio de Castilhos, entretanto contava com o apoio de Ramiro Barcellos, Ernesto Alves Barros Cassal, Borges de Medeiros, Fernando Abott, Carlos Barbosa, Germano Hasslocher, Venncio Aires e Joaquim Francisco de Assis Brasil, todos simpatizantes da corrente positivista de Augusto Comte (CERONI, 2009; MUSEU DE COMUNICAO, 2005). Embora haja uma mudana partidria no jornal A Federao que passa, em novembro de 1932, a representar os ideais do Partido Republicano Liberal (CERONI, 2009), o carter das discusses desprendidas em suas pginas assumiam uma imagem deveras poltica o que, para este estudo, no se tornava interessante. Poucas imagens, muito texto e no que tange a vida artstica da cidade, escassa veiculao de comentrios e notcias. Mesmo assim, o mantive como opo at maro de 1930, perodo que no havia disponvel no Museu Hiplito nem o Dirio de Notcias nem o Correio do Povo. Embora fosse sempre a ltima opo de consulta, neste momento percebi que, na comparao custo-benefcio, no era vantagem continuar a tom-lo como uma opo de fonte.

    A Revista do Globo (RG) foi outra fonte importante

  • 64 65

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    para o entendimento tanto do contexto poltico cultural quanto do objeto de estudo. Suas reportagens veiculavam elementos sobre as prticas corporais e esportivas da poca, a fundao de clubes, bem como termos utilizados neste perodo (MAZO; TRINDADE, 2007). Anterior a consulta Revista do Globo, foi realizado um garimpo no Catlogo do Esporte e da Educao Fsica da Revista do Globo elaborado por Mazo (2004), onde eram identificados os temas relacionados ao assunto de pesquisa. A coleta Revista do Globo foi desempenhada at o perodo da qualificao de mestrado e auxiliou na compreenso da realidade do incio do sculo XX, principalmente no que tange participao feminina no mundo das prticas corporais e esportivas.

    Paralelo consulta Revista do Globo, explorou-se da mesma forma a Revista de Educao Fsica do Exrcito, disponvel em www.revistadeeducacaofisica.com.br. Esta fonte de pesquisa possui informaes sobre outro Instituto de Cultura Fsica localizado na cidade do Rio de Janeiro, o Instituto Sylvia Accioly, bem como informaes que auxiliaram na apropriao sobre o contexto da Educao Fsica, do esporte e da mulher do perodo estudado. A consulta aos peridicos da poca permitiu, alm de coletar informaes referentes ao objeto-tema estudado, dialogar e perceber o contexto histrico e scio-cultural em que se encontra o fenmeno em anlise.

    O segundo momento desta descrio metodolgica ser direcionado ao tratamento das fontes impressas. As fontes coletadas foram fotografadas com uma mquina digital e arquivadas em pastas correspondentes, primeiro, ao local onde os dados foram recolhidos e, segundo, com data condizente ao dia da coleta. Dentro das pastas datadas, as fotos eram revisadas e nomeadas de acordo

    com o assunto e/ou, quando se tratavam de fotos de jornais, com a identificao do jornal, data e assunto. Posterior a esta primeira catalogao, realizou-se uma segunda etapa, onde as imagens, j identificadas, foram separadas por temas de acordo com o interesse de cada captulo da dissertao.

    Passado esta primeira fase da operao historiogrfica que o estabelecimento da prova documental (CHARTIER, 2008), foi realizada uma leitura flutuante (BARDIN, 2000) respeitando a representatividade e a pertinncia das informaes relativas ao tema. Aps isto, partimos para as duas fases seguintes: a construo da explicao e, finalmente, sua colocao em forma literria. Cabe ressaltar que os textos foram submetidos anlise documental, segundo Bardin (2000) e as colocaes de Pinski (2008). Para as autoras, a anlise documental, portanto, seria uma fase preliminar da construo de um servio de documentao ou de um banco de dados.

    b) Fontes Iconogrficas

    O terceiro momento do nosso percurso metodolgico se direciona ao tratamento das fontes imagticas. Bem como o discurso, a imagem se apresenta enquanto um texto, portador de significados e cdigos referentes ao real, e so tambm representaes do mundo elaboradas para serem vistas (PESAVENTO, 2008). A imagem identificada como um rgo da memria social capaz de transmitir tenses de uma cultura, conflitos, desejos e vestgios sobre os comportamentos sociais da poca estudada. Grande parte das imagens coletadas acompanhou as reportagens veiculadas pelos peridicos e/ou estavam presentes nos programas de espetculos do ICF. As fontes imagticas

  • 66 67

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    coletadas auxiliaram principalmente na compreenso das prticas oferecidas no Instituto e tambm no entendimento das correntes metodolgicas desenvolvidas pelo mesmo.

    Bauer (2002) explica que o ato de ler tanto um texto quanto uma imagem , de fato, interpretativo. Assim, o sentido gerado na interpretao do leitor com o material, entretanto poder variar de acordo com os conhecimentos a ele acessveis, atravs de suas experincias e da proeminncia cultural.

    Entre os autores utilizados para aparar-nos na teoria e auxiliar na anlise da fontes iconogrficas esteve Kossoy (1999), atravs da proposio metodolgica da interpretao iconolgica. Segundo Kossoy (1999) [...] a imagem fotogrfica fornece provas, indcios, funciona sempre como documento iconogrfico acerca de uma dada realidade. Trata-se de um testemunho que contm evidncias sobre algo (p.33). , sim, como diria Chartier (2000), representaes de um mundo social de que possuem mltiplos sentidos e, embora aspirem universalidade de um diagnstico fundado na razo, so sempre determinadas pelos interesses dos grupos que as forjam.

    Nesse sentido, vale a ressalva de que a imagem tambm portadora de mltiplos sentidos, devendo-se estar sempre atento para os textos e legendas que a acompanham. Com relao a isto Kossoy (1999) faz um adendo ao expor que as imagens so vulnerveis s legendas, aos ttulos e aos textos que as ilustram, bem como ao prprio espao e local ocupado pela fotografia na pgina do documento impresso.

    No que diz respeito s fontes iconogrficas coletadas para a presente pesquisa, creio que, impreterivelmente, algumas imagens tiveram o seu sentido distorcido e foram utilizadas em favor do movimento cultural do perodo

    de estudo. Tanto que em algumas fotografias a legenda abaixo no condizia com a representao transmitida pelos indivduos sociais presentes na foto.

    Visando a decifrao das imagens coletadas, foi necessrio, alm de se remeter ao contexto passado do documento, obter informaes como data, local onde este se encontra, e demais informaes anexas. De fato, o mais difcil foi identificar o local em que imagem havia sido produzida, visto que se no no e do ICF, as imagem representavam alunos de outros pases. As legendas que acompanhavam as fotos dos jornais e programas serviram como um importante norte para a compreenso de significados que rodeavam o contexto e as prticas difundidas pelo Instituto.

    Kossoy (1999) prope para a investigao pela decifrao da imagem, um caminho que dividido em dois momentos: a) resgatar, na medida do possvel, a histria do assunto; b) buscar a desmontagem das condies de produo bem como refletir sobre o processo de criao que resultou na representao.

    Desta forma, as imagens coletadas serviram como um meio para construir um mapa de relaes entre os elementos identificados na pesquisa, permitindo a tessitura entre contexto e objeto-tema. Tambm, possibilitou o preenchimento de algumas lacunas e dvidas do pesquisador. No entanto, vale a lembrana de que, buscou-se questionar cada idia da fonte consultada, visto que esta no se trata, somente, de um mero instrumento de mediao e testemunho fidedigno da realidade.

    c) Fontes orais

    Devido dificuldade de estar em contato com

  • 68 69

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    indivduos que viveram no s o perodo, mas o prprio ICF, a coleta de informaes atravs de depoimentos orais se deu principalmente atravs das entrevistas localizadas no CEME da ESEF/UFRGS. Para Minayo (2008, p. 65) embora o depoimento se constitua de dados subjetivos se apresenta enquanto [...] uma representao da realidade: idias, crenas, maneira de pensar; opinies, sentimentos, maneiras de sentir; maneiras de atuar; condutas; projees para o futuro; razes conscientes e inconscientes de determinadas atitudes e comportamentos. O que Alberti (1989) complementa ao expor que, tal mtodo, torna-se uma forma do pesquisador se aproximar do objeto de estudo ao estar em contato com informaes de indivduos que testemunharam acontecimentos e conjunturas de um dado momento histrico.

    Dentre os principais depoimentos utilizados esto os das alunas do ICF, Lya Bastian Meyer, Tony Seitz Petzhold e Salma Chemale. Estas entrevistas foram realizadas e transcritas por Morgada Cunha durante a pesquisa que resultou no livro Dana: nossos artfices e, posteriormente, doados ao CEME. Estes dados deram importante sustentao no cruzamento e construo das informaes.

    Na sequncia apresentamos os resultados obtidos a partir da coleta e anlise dos dados. As fontes coletadas levaram organizao de trs captulos sobre o ICF: um caracterizado enquanto a primeira fase do Instituto; o seguinte abordando especificamente as prticas oferecidas pelo ICF e, um terceiro captulo, assinalado enquanto a segunda fase de tal instituio.

  • 70 71

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    LU TREVISAN

    3. a criao de um espao para a prtica

    corporal das mulheres

  • 73

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?

    Este captulo tem como objetivo descrever o objeto de estudo em questo, apresentando dados sobre a sua fundao e funcionamento administrativo. Ser tratado tambm sobre as primeiras manifestaes pblicas do ICF, at o momento em que esta instituio manteve a mesma configurao inicial no que diz respeito s prticas desenvolvidas dentro deste espao. Nesse sentido, desenvolveremos no presente captulo a trajetria do ICF na sociedade proto-alegrense, desde o ano 1928 at o final do ano de 1930, caracterizando este perodo como a primeira fase da presente instituio.

    Com o incio das campanhas com finalidades eugnicas9 e higinicas10 impulsionadas por mdicos e

    9 As campanhas eugnicas possuam o intuito de construir uma raa mais forte e pura, incentivando a criao de um tipo etnolgico perfeito e harmnico.

    10 As campanhas higinicas identificavam em algumas prticas, em

    a criao de um espao para a prtica corporal das mulheres

  • 74 75

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    intelectuais, passa-se a incentivar o desenvolvimento da cultura fsica na mulher do incio do sculo XX. A imprensa e outros meios de comunicao se tornam, tambm, aliados nessa campanha que tinha como eixo principal fortalecer a raa e possibilitar o desenvolvimento saudvel dos cidados de uma jovem repblica. Esta campanha que inclua agora as mulheres proporcionou que alguns espaos ganhassem fora de divulgao. Entretanto, destaca-se que nem todas pessoas tinham a oportunidade de participar do plano de saneamento, visto que se excluam indivduos que no estivessem nos padres considerados normais de um ser saudvel.

    O ICF pode ser considerado um exemplo de instituio que se tornou um ncleo de divulgao e incentivo ao desenvolvimento da cultura fsica feminina. Justamente por se encontrar imbricado no meio de um movimento com fins polticos que, conforme Guido (1929, p. 16), tal contexto cultural [...] se tratava no s do fortalecimento, mas, tambm, do aformoseamento da raa brasileira, coisa que a muito j se fazia em outros pases, como na Alemanha onde o problema da cultura fsica j havia se tornado uma das grandes preocupaes do governo. As idias de se ter um instituto que primasse pelo desenvolvimento da cultura fsica de fato no surgiu em Porto Alegre. Digo isso por que anunciado pelo Dirio de Notcias, atravs das reportagens de Angelo Guido, a apresentao sociedade porto-alegrense de outros institutos fundados na Alemanha, nos Estados Unidos e na Frana. Entretanto, na inteno de tornar sobressalentes as diferenas existentes entre os pases de primeiro mundo, territrios onde os incentivos para a

    especial nas corporais, a possibilidade de acabar com as mazelas da sociedade, tornando os indivduos mais saudveis, moral e fisicamente.

    difuso da cultura fsica partiam de aes e investimentos do governo.

    Deste modo, no desgnio de prestigiar as aes que ocorriam no Brasil e, especificamente, no Rio Grande do Sul, Guido (UMA VISITA..., D.N., 28/07/1929) exalta os esforos que partiam de iniciativas particulares de alguns atores da sociedade porto-alegrense. Na capital do Rio Grande do Sul o incentivo ao desenvolvimento da cultura fsica inicia atravs de alguns anncios na imprensa ao longo da dcada de 1920. O primeiro indcio do fortalecimento deste movimento marcado com a organizao de uma Liga Feminina Pr-Cultura Fsica que foi fundada pela Sra. D. Sevenor Muniz, uma jovem formada pela Escola Normal de So Paulo. Interessada pela [...] divulgao da educao physica das nossas patrcias (EDUCAO..., C.P., 28/03/1928) Sevenor Muniz funda, a partir destes ideais, o Instituto Feminino de Cultura Fsica anexado ao Instituto Carlos Gomes, um lugar que oferecia aulas de msica na cidade de Porto Alegre. O livro de adeses Liga em Prol da Cultura Fsica era aberto da seguinte forma: Impulsionadas pelo ideal de aperfeioamento physico de nosso povo fundamos o Instituto Feminino de Cultura Fsica (EDUCAO..., C.P., 28/03/1928). Em seu apelo publicado pelo Jornal Correio do Povo, Muniz defende que todo aquele que se unir a esta causa concorrendo moralmente ao xito do Instituto, teria o direito de se considerar um verdadeiro patriota.

    As representaes produzidas pelos primeiros espaos que se interessavam pelo desenvolvimento da cultura fsica feminina associavam-se prtica da ginstica. Para estes, a prtica da ginstica se tratava de um princpio indispensvel para a formao de uma raa forte, que faria do pas uma nao poderosa (EDUCAO..., C.P.,

  • 76 77

    GIN

    STIC

    A O

    U DAN

    A

    ?Carolina Dias e Janice Zarpellon Mazo

    28/03/1928). Assim, o Instituto Feminino de Cultura Fsica, que antecedeu a fundao do ICF, busca fortalecer sua divulgao atravs da tentativa de ligar sua imagem ao campo do esporte. As intenes de Muniz eram ainda a de se filiar a Federao Rio Grandense de Desportos a fim de fortalecer a divulgao e ganhar mais incentivo para o desenvolvimento da educao fsica feminina. Entretanto, em uma das publicaes veiculadas pelo jornal Correio do Povo, defendia a idia de que suas intenes estavam longe de transformar as gentis gachas em competidoras com o sexo forte, e sim, de faz-las fortes, desenvoltas, plenas de graa e delicadeza (MUNIZ, C.P., 29/03/1928).

    Esta campanha de divulgao que corroborava com os ideais higinicos, toma corpo na capital gacha, principalmente atravs da iniciativa do Dirio de Notcias, a partir do perodo de 1929. Momento em que o jornal passa a se divulgar enquanto um agente em prol da aceitao e da incorporao da cultura fsica entre mulheres e crianas. Mas, mais do que isso se identificava enquanto uma instituio que se incumbiria de divulgar um fenmeno com [...] alta finalidade educativa, incentivando a raa a amar as coisas belas e nobres (GYMNASTICA..., D.N., 04/08/1929, p.16). Seguindo essa linha de pensamento, apresentado atravs deste peridico e, em especial, por meio da coluna Para o aperfeioamento da Raa, a existncia de um espao em Porto Alegre modelador da moral e das formas fsicas femininas.

    O ICF foi fundado em abril de 1928, por duas imigrantes alems que possuam, na cidade de Porto Alegre, uma trajetria de atuao tanto no campo esportivo quanto no meio artstico. Philomena Black-Eckert, apontada pelas fontes consultadas tambm como Mina

    Black11, e Leonor Dreher Bercht, identificada como Nen Bercht12, foram as fundadoras e idealizadoras responsveis pela criao do ICF.

    Mina e Nen j se conheciam deste meio social porto-alegrense que, por algumas vezes, reuni