giltokio sobre desenho

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    Dissertação apresentada àFaculdade de Arquitetura e Urbanismo

    da Universidade de São Paulopara obtenção do título de

    Mestre em Arquitetura e Urbanismo.

     Área de concentração: Design e Arquitetura

    Orientador: Giorgio Giorgi Jr.São Paulo

    2013

    Gil Tokio de Tani e Isoda

    SOBREDESENHOestudo teórico-visual

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     Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquermeio convencional ou eletrônico, desde que citada a fonte. email: [email protected]

      Isoda, Gil Tokio de TaniI85s Sobre desenho : estudo teórico-visual / GilTokio de Tani  Isoda. – São Paulo, 2013.  116 p. : il.

      Dissertação (Mestrado - Área deConcentração: Design e

     Arquitetura) – FAUUSP.

      Orientador: Giorgio Giorgi Jr

    1. Desenho 2. Desenho industrial 3. Design 4.Design gráco  5.Iustração 6. História em quadrinhos I.Título

      CDU 741

    paraViviane LopesYutaka Isoda

    e Edna Tani

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     ABSTRACT

    The subject of this thesis is the drawing (desenho)as a complex phenomenon situated in the tension

    area between art and technique, doing and thinking.It can be considered as means, process and goal.

    The objectives are to map the meaning of theword “drawing”, analyze the phenomenon and alsothe procedures involved in the action of drawing.

    The work has been divided into three chapters:The first focuses on the definitions of the studiedterm, the etymology and the study of drawing as aprocess; the second chapter discusses some of thedrawing specificities and the challenges of develo-ping a research about it; and the last one gathersseveral interviews with artists and/or theoreticians

    that are experts in the field.We consider this study as both theoretical and

    visual, since as graphical features (computer graphi-cs, illustration, diagrams, graphic narratives, amongothers) have been used as a research tool, combinedwith bibliography. The research approach situatesitself in the context of aesthetics defined by Parey-son, so that it is only speculative and not normative.In other words, we defined concepts and not rules.

    RESUMO

    Esta dissertação tem como objeto de estudo odesenho, entendendo-o como um fenômeno com-plexo que se situa na zona de tensão entre arte etécnica, fazer e pensar. É possível considerá-lo comomeio, processo e fim.

    Os objetivos são mapear o significado da palavradesenho, analisar o fenômeno e também os procedi-mentos envolvidos na ação de desenhar.

    O trabalho foi dividido em três capítulos, sen-do o primeiro voltado para as definições do termoestudado, a etimologia e estudos do desenho comoprocesso; o segundo capítulo aborda algumas espe-cificidades do desenho e desafios de elaborar umapesquisa sobre desenho; e o terceiro capítulo reúne

    diversas entrevistas feitas com artistas e/ou teóricosespecialistas no assunto.

    Consideramos esse estudo como teórico-vi-sual, pois foram utilizados recursos gráficos comoferramenta de pesquisa, em conjunto com o materialescrito. Exemplos: infografia, ilustração, diagramas,narrativas gráficas, entre outros.

     A abordagem da pesquisa é no âmbito da estéti-ca descrito por Pareyson, de modo que seja apenasespeculativa e não normativa. Ou seja, buscandodefinir conceitos e não normas.

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     AGRADECIMENTOS

     Ao professor Giorgio por seu acompanhamentoseguro, por seus comentários precisos e valiosos epelas ótimas conversas na padaria.

      Ao professor Agnaldo Farias pela participação

    incisiva e estimulante na ocasião da banca de qualifi-cação e pelas aulas memoráveis.

     À professora Clice Mazzilli pela essencial conver-sa e apoio não só na ocasião da banca de qualifica-ção, mas também no produtivo semestre que com-partilhamos durante a disciplina em que fui monitor, eem diversas outras oportunidades.

     A todos os meus entrevistados e interlocutoresque me receberam tão bem e mantiveram o canal dediálogo aberto ao longo da pesquisa:

    Beatriz Piccolotto, Carlos Fajardo, Claudio Muba-rac, Chico Homem de Mello, Domingos Takeshita,Edith Derdyk, Laerte Coutinho, Marcelo Campos,Octávio Cariello, Odiléa Toscano e Silvio Dworecki.

     Ao professor Vicente Gil pelas melhores tardes de

    conversa durante as aulas da pós graduação. Ao professor Mario Henrique D’Agostino pelasestimulantes aulas de preceptivas artísticas.

     Ao professor Feres Khoury pelas ótimas dicas esugestões biliográficas

     Aos amigos e colegas que participaram de váriasformas: Elizabeth Romani, Eunice Liu, Sara Gold-chmit, Paulo Alas Rossi, Pedro Murilo Freitas, JocaYamamoto, Paula Dedecca, Dina Roldan, DanielBueno, Gau Manzi, Moreno Zaidan, Mari Wilderom,Juliana Braga e Jorge Zugliani.

     À Carol ‘Zul’ Oukawa e Amália Dos Santos, pelaajuda nas etapas finais e por acompanhar o percur-so, mesmo que às vezes meio à distância.

     Aos pingados Beto Uechi e Leandro Robles,sócios, que mantiveram o nosso barco firme nasminhas ausências inevitáveis, e ainda me ajudaramao longo de toda a pós-graduação.

     À toda minha família pelo apoio e o companhei-rismo de sempre. Pai, Kaká, Kiki, Nara, Heitor eLucas.

     À Kaká Shimabukuro pela revisão eficiente e todoo apoio no dia a dia.

     Ao Kiki Isoda que me ajuda desde 1983 e, espe-cialmente no mestrado, onde ajudou do começo aofim.

     A Nara Isoda e Olavo Costa pela constante curio-sidade e palpites empolgados.

     Ao Heitor pelas tirinhas. Ao Lucas por aceitar trocar uma ovelha por três

    palhas.E ao meu pai pelo sashimi aquele dia.

     À Vivi por ser fundamental e estar todo dia domeu lado, acompanhando de perto o processo, corri-gindo, transcrevendo, dando suporte e ânimo.

    E à minha mãe, por tudo o que desenhamos juntos.

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    SUMÁRIO

    CAPÍTULO 1

    CAPÍTULO 2

    CAPÍTULO 3

    SOBRE DESENHO

    ESPECIFICIDADES DO DESENHO

    ENTREVISTAS

    BIBLIOGRAFIA 

    introdução

    01.1 o que é desenho?01.1.1 por que é difícil denir o que é desenho?01.1.2 denição atual da palavra01.1.3 etimologia01.1.4 linha do tempo

    01.2 desenho como fenômeno material01.2.1 algumas manifestações materiais01.2.2 mapeamento da morfologia do desenho

    01.3 desenho como fenômeno mental01.3.1 desenho como processo cognitivo

    01.4 desenho como fenômeno dinâmico01.4.1 desenho como formatividade01.4.2 dicotomia e a ta de Moebius

    2.1 Hipotetigraa2.2 Infograa2.3 Sobre desenho como pesquisa

    3.1 Carlos Fajardo3.2 Claudio Mubarac3.3 Laerte Coutinho3.4 Edith Derdyk3.5 Silvio Dworecki3.6 Octavio Cariello3.7 Comentários nais

    bibliograa

    13

    15

    49

    61

    1718202228

    333436

    4243

    454647

    515456

    657379859199

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    01 INTRODUÇÃO

    O que é desenho?

    Esta pesquisa parte dessa indagação simples,mas, mesmo após alguns anos de leituras, entrevis-tas, ensaios, desenhos e reflexão, é difícil de respon-dê-la de maneira direta e sem ressalvas.

    Para ilustrar o quão antiga pode ser a relaçãoda humanidade com o desenho, podemos tomaremprestada a reflexão de Márcia Tiburi que sugere“uma nova ontologia em que a inauguração do hu-mano não se dá pela palavra carregada de concei-tos, mas pelo grapho mais primitivo, o primeiro gestorepresentacional realizado pelo homem quando,munido de uma vareta, riscou o chão de areia”.1 Esseprimeiro risco feito no chão é, claro, hipotético, masnos coloca “diante de um novo mito inaugural dacultura”2 e, independente de a história do homem,enquanto ser, ter começado com o traçar consciente

    de uma linha, é evidente que o desenho é elementoessencial e primordial em todo percurso da humani-dade até hoje.

    Parece desnecessário exemplificar e justificar talimportância, dado que o desenho está presente emtudo que nos cerca. Desde as pinturas rupestres dedezenas de milhares de anos antes de Cristo, pas-sando pelos primeiros hieróglifos, pelos alfabetos,pela geometria, arquitetura, taxonomia, astronomia,pintura, urbanismo, design... Multidisciplinar, quaseonipresente, atualmente não há disciplina culturalque não faça uso do desenho como instrumento,direta ou indiretamente.3

     Ainda assim, mesmo sendo algo tão presente nocotidiano, na vivência de qualquer pessoa, é algoque ninguém sabe definir com convicção o que é.

    Esta pesquisa buscou mapear4 alguns aspectosdo desenho a fim de compreendê-lo melhor, refletin-do sobre a definição do conceito, sua etimologia ealgumas de suas propriedades específicas. Ao finalda dissertação temos também algumas entrevistascom pessoas que dedicaram boa parte de suas vidasa estudar o desenho, tanto na prática profissional,quanto na teoria, passando pela pesquisa acadêmi-ca.

    Importante frisar a ênfase na produção visual dapesquisa, de certa forma experimental, que buscouutilizar ferramentas gráficas para auxiliar no desen-volvimento do trabalho e na resolução de parte dasquestões levantadas. Deliberadamente foram privile-giados os aspectos visuais durante toda a formata-ção do material final e, com erros e acertos, acredi-tamos que o resultado obtido pode contribuir paraalgumas reflexões sobre a pesquisa em design e,também, especificamente sobre desenho. Falaremosdesse assunto mais especificamente no capítulo 2.

     A abordagem teórica busca se apoiar na defini-ção de estética descrita por Luigi Pareyson, de modoque a pesquisa assuma um caráter puramente espe-culativo, buscando definir conceitos e dando contado “significado, da estrutura, da possibilidade e doalcance metafísico”5 do desenho como fenômeno.Desse modo, portanto, o trabalho não assumirá umcaráter normativo ou valorativo, comumente presen-

    tes em manuais que pretendem ensinar a desenhar. Assim como Leon Battista Alberti em seu tratado

    sobre a pintura, no século 15, logo em seu primei-ro parágrafo, pede que o leitor considere que eleescreve “não como matemático, mas como pintor”6,cabe ressaltar que o autor desta dissertação, apesarde fazer uso do ponto de vista da estética como fer-ramenta teórica, não é filósofo, tampouco historiador,crítico ou tratadista, mas um desenhista, ilustrador eprofessor de desenho por ofício.

    No entanto, tal fato, de modo algum, represen-taria um mea culpa por eventuais deslizes e impre-cisões ao longo da dissertação. Poderia ser, porém,um dado relevante para o leitor, a fim de esclarecerque este é o resultado da reflexão de alguém quevivencia cotidianamente as descobertas e percalçosdo ato de desenhar.

    E, por fim, esperamos que esta dissertaçãoexponha a abrangência e importância do conceitodo desenho e da ação de desenhar e, estando oassunto muito longe de se esgotar, que contribuapara futuros trabalhos que venham compartilhar damesma indagação.

    1.TIBURI, Marcia. in Diálogo|Desenho. 2010.2.Idem3.MASSIRONI. Manfredo. in Ver pelo Desenho. 1982.4. Vide o conceito de mapeamento, no subcapítulo 01.3.1.5.PAREYSON, Luigi. in Os problemas da Estética. 1966.6.ALBERTI, Leon Batista. Da Pintura. 1436.7.MASSIRONI, Manfredo. in Ver pelo Desenho. 1982.

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    SOBRE

    DESENHO01

    Capítulo

    01.1 o que é desenho?

    01.2 desenho como fenômeno material

    01.3 desenho como fenômeno mental

    01.4 desenho como fenômeno dinâmico

    01.1.2 denição atual da palavra

    01.1.1 por que é difícil denir o que é desenho?

    01.2.1 algumas manifestações materiais

    01.4.1 desenho como formatividade

    01.2.2 mapeamento da morfologia do desenho

    01.3.1 desenho como processo cognitivo

    01.4.2 dicotomia e a ta de moebius

    01.1.3 etimologia

    01.1.4 linha do tempo

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    01.1 O QUE É DESENHO?

    Eis que o primeiro capítulo tem início com a prin-cipal pergunta da dissertação.

    Em uma das entrevistas gravadas ao longo dapesquisa, fizemos a mesma pergunta que está logoacima, no topo desta página, ao Carlos Fajardo, querebateu: “Você usou quatro palavras para fazer essapergunta, difícil é respondê-la.”

    Entendemos perfeitamente a observação do pin-tor que, com mais de 70 anos, muitos deles dedica-dos à pintura, a vivência de arte e a prática de ensinode desenho, confessou a dificuldade de respondertal questão.

    Porém, assumindo tal dificuldade como um fato,

    iniciamos agora nossa linha de raciocínio a fim declarificar a questão.

    Temos como objetivo nesta etapa mapear algu-mas definições, aspectos etimológicos e os significa-dos do conceito de desenho.

    Veremos que alguns recursos infográficos bus-cam colaborar com a discussão levantada, assimcomo as diversas imagens que complementam alinha de raciocínio.

    Como era de se esperar, a resposta para pergun-ta do título não é uma só, mas ao menos buscamosapontar para algumas possibilidades e levantar maisalgumas perguntas.

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    01.1.1 POR QUE É DIFÍCIL DEFINIR O QUE É DESENHO?

     Drawing as a subject of study is a topicwaiting to be formulated. And a major reasonfor its irresolute state is the problematic issueof defining what is drawing. (PETHERBRIDGE,2008)1

    É notória a dificuldade de achar uma definiçãopara o que é desenho. Mesmo que a tentativa dedefinição se extenda por todo um livro, há sempreressalvas, pontos ambíguos e questões não solucio-nadas.

     Diversos autores buscaram alocar conceitual-mente a palavra, alguns dos quais estudamos ao

    longo dessa pesquisa, contudo dificilmente houve-ram opiniões conclusivas sobre a definição do termoe, talvez, o único consenso a respeito seja o de queo problema é bastante complexo.

     Abaixo podemos observar um tentativa de mape-ar alguns dos aspectos que tornam essa questão tãocomplicada de ser respondida.

    Com certeza não se trata de uma listagem defini-tiva. Seguramente podemos questionar alguns delese devem haver tantos outros a serem listados.

    Consideremos como apontamentos e hipótesespara ajudar a gerar questionamentos para compreen-são do problema.

    Porque não parece necessário deni-lo8

    O uso corrente dapalavra tende a restringir o

    termo ao fenômeno material.O sinal gráfico sobre umasuperfície. O traço.3

    Ou seja, é senso comuma tendência de consideraro desenho somente comoo resultado visível do pro-cesso.4

    Há também, maisespecificamente, uma certapropensão de entenderdesenho como algo ne-cessariamente figurativo e

    O desenho é ação eideia. É meio, processo efim. Tem múltiplos usos, ma-nifestações e aplicações.5

    Ele é técnica. É inten-ção. É projeto. É físico. Éintelectual.

    Pode ser ícone, índice esímbolo.6

    Ele é uma linguagempara técnica, para arte, paraciência...

    O desenho habita afronteira entre a ideia e arealidade. [...] Desenharfica no limite entre oimaginar e o fazer, entre ospensamentos e os senti-dos. (BATTAGLINI, 2007)7

    Por estar presente aolongo de toda a História da

    que a suposta capacidadede saber desenhar  estaria

    diretamente relacionada acapacidade de reproduzirfielmente o mundo visívelde maneira similar ao doprocesso fotográfico.

    Veremos, ao longo destapesquisa, que a definição dotermo pode ser muito maisampla e que a redução aum risco sobre um papel éapenas uma fatia do bolo.

    humanidade, com usos tãodiversos e de maneira tãomultidisciplinar, o desenhoassume automaticamenteuma complexidade muitogrande.

    Se sobrepusermostodas as definições de de-senho conhecidas teremosalgo tão ilegível quanto aimagem ao lado.

    Para haver um enten-dimento inteligível acercadesse fenômeno é precisohaver recortes, tomando aprecaução de não reduziralgo tão complexo à apenasuma de suas características.

    Portanto é precisomapeá-lo por partes, sem-pre tendo em mente essacomplexidade maior.

    Porque não é só coisa de lápis e papel2

    Porque é um fenômeno complexo

    Porque seu signicado mudou ao longo

    da história

    Porque é um processo dinâmico

    1.PETHERBRIDGE, Deanna. in Nailing the Liminal: The Difficulties ofDefining Drawing. 2008.2. MOTTA, Flávio. in Desenho e Emancipação. 1967.3. Vide o próximo subcapítulo a definição do dicionário Houaisspara a palavra “desenho”.4. MOTTA, Flávio. inDesenho e Emancipação. 1967. Nesse texto,Motta atribui à Missão Francesa que veio ao Brasil em 1816, ainfluência do entendimento de que “o verdadeiro desenho é a linha”,entre outras.

    5. Tradução livre do autor, com edições, a partir do texto dePETHERBRIDGE, Deanna. in Nailing the Liminal: The Difficulties ofDefining Drawing. 2008.6. FARIAS, Agnaldo. Desenho esquema esboço bosquejo projetodebuxo ou o desenho como forma de pensamento. Catálogo daexposição. Gabinete do Desenho. 20127.BATTAGLINI, Arnaldo. “A fronteira como Território”. in DERDYK,Edith (org.). Disegno, desenho, desígnio. 2007.

    O desenho é um fenô-meno que esteve semprepresente na História dahumanidade.

    Mesmo sendo comuma inibição, que pode serdefinida como um tipo deestigma social, de “nãosaber desenhar”, o enten-dimento de desenho é algoquase natural a qualquer serhumano racional com plenofuncionamento de suascapacidades perceptivas.

    Todo ser humano é ca-

    O desenho, com estagrafia, é uma palavra comorigem no renascimento.10

    Contudo, os atos de tra-çar linhas, projetar, esboçar,designar sempre estiverampresentes no repertóriocotidiano do homem.

    Independentementede qual palavra se utilizapara definir esse fenôme-no, é certo que o processohistórico até os dias atuais

    Por que quem desenhaem um papel nunca sabeexatamente como o dese-nho vai ficar?

    Por que o desenho pré-concebido mentalmente,idealizado, às vezes é tãodiferente da versão materia-lizada? Seja em um papel,em uma escultura, seja emum design de móveis, etc.

    Qual a velocidade deprocessamento da ação dever, perceber, riscar, ver orisco, mudar o trajeto dogesto?

    O ato de desenharenvolve muitas etapas, pro-cedimentos, ações - muitasdelas intelectuais, mentais,outras físicas, corporais,materiais. O contexto tam-bém influencia e participa,

    paz de entender uma placacom um pictograma, umaseta, um sinal no chão, umarepresentação de animal emuma pintura rupestre.

    Em algum nível, inde-pendentemente da expertise ou contexto social, todosconseguem produzir algonessa linguagem.

    Dessa forma, talvez nãopareça necessário definiralgo tão comum e cotidianoquanto ver 9 ou andar .

    foi relativamente tortuoso,de modo que as palavrassofreram diversas oscila-ções semânticas.

     Atualmente é possíveldiagnosticar uma sensívelredução de significados emrelação a palavra “disegno”,origem do correlato “dese-nho” em português.

    seja ele histórico, sejaespacial... Quais materiais etécnicas estão envolvidos?Quais ideias estão presentesnaquele momento histórico?

    Todo o processo é bas-tante dinâmico.

    Muitos desses proce-dimentos são efetuadosem frações de segundos. Algumas vezes de maneirasimultânea.

    O processo não é linear,não há uma ordem crono-lógica entre pensar, riscar,observar, corrigir, idealizar,etc

    Talvez seja um processorizomático.11

    Talvez seja um processode formatividade.12

    8. “Falar sobre o que é desenho é falar sobre um objeto e umaacção tão familiares e tão comuns a todas as pessoas, que parecedispensar qualquer definição ou esclarecimento.” RODRIGUES, AnaLeonor M. Madeira. In O que é Desenho. 2003.9. Donis A. Dondis, em seu livro Sintaxe da Linguagem Visual  problematiza a questão da naturalidade e simplicidade do ato dever e que isso, de certa forma, suscita que “não há necessidade dedesenvolver a capacidade de ver e visualizar”, bastando “aceitá-lacomo uma função natural.”

    10. Vide o subcapítulo etimologia11. Conceito de Rizoma, em filosofia, descrito por DELEUZE, Gillese GUATTARI, Felix in Mil Platôs - Capitalismo e Esquizofrenia. 1980.12. Conceito de formatividade descrito por PAREYSON, Luigi in OsProblemas da Estética. 1984.

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      ‹ seu relato desenvolvia-se, desenhando com preci-são os acontecimentos e aspessoas › ‹ d. um círculo noar › ‹ no quarto compasso,os violoncelos passaram ad. um contraponto meló-dico ›

    01.1.2 DEFINIÇÃO ATUAL DA PALAVRA 

     Abaixo podemos observar a atual definição dapalavra desenho no dicionário Houaiss1.

    Podemos constatar que o uso corrente enfocaquase que somente aspectos materiais do desenho,tais como representação, obra de arte, delineamento,figura, forma, etc.

    Por metonímia, há a definição do desenho comoconjunto de procedimentos; e por sentido figurado odesenho como um tipo de percepção.

    E podemos considerar que não há nenhumamenção a palavra no sentido de desígnio, intenção,projeto, idealização, procedimento mental...2

    DESENHOsubstantivo masculino (1567)

    DESENHARverbo ( 1571)

    Como bem observou Edith Derdyk:“É também importante destacar o significado de desenhar  e, assim, podemos

    ampliar ainda mais o conceito de desenho.”2

     Assim percebemos que a definição se expande para “imitar ou criar pormeios não gráficos”, “apresentar-se a vista”, “elaborar projeto, conceber, plane-

     jar” e “tornar-se visível”.Dois fatos chamam a atenção: o primeiro, a grande diferença de definição

    entre o substantivo “desenho” e o verbo “desenhar”; o segundo, que há aindauma redução de significados, mesmo somando as duas definições, em relaçãoao sentido original da palavra no renascimento, como veremos nos próximossubcapítulos.

    representação deseres, objetos, ideias,

    sensações, feita sobreuma superfície, por meiosgrácos, com instrumentosapropriados

    ( t.d.int. ) representarou sugerir por meio de

    desenho  ‹ d. uma or, uma pessoa,uma caricatura › ‹ saber d. ›‹ d. a lápis ›

    p.ext. conguração de(um conjunto); con-torno, delineamento,recorte

      ‹ o d. de uma cadeia demontanhas › ‹ o d. de suasombra ›

    5.1 g. ‹ em poucas palavrasfez o d. da situação ›

     t.d. ) traçar as linhasde (um conjunto ou

    de dado elemento de umconjunto), de acordo comas indicações do desenho;delinear  ‹ d. um esquema, um

    plano, uma planta ›

    p.met. conjunto deprocedimentos relati-

    vos a essa arte

    ( t.d. ) g. imitar oucriar por meios não

    grácos, algo passível deser percebido pelo espírito,pela vista, pelo ouvido; dar aideia de, apresentar, descre-ver, gurar

    a forma consideradados pontos de vistaestético e utilitário,

    esp. o contorno quandoapreciado pelas suas quali-dades plásticas; design  ‹ um móvel de d. sóbrio › ‹

    esquadria de péssimo d. ›

    ( t.d. ) g. elaborarprojeto; conceber,

    planejar, projetar  ‹ tudo se passou comoele o desenhara ›

    ( t.d. e pron. ) tor-nar(-se) visível, fazer

    ressaltar ou ressaltar ocontorno, o desenho; distin-guir(-se)  ‹ um vestido que desenhaa forma do corpo › ‹ as som-

    bras desenhavam-se contrao muro ›

    p.met. arte que utilizae ensina essa técnica

    de representação  ‹ curso, escola, professorde d. › ‹ ter talento para d. ›

     gura ou conjuntode guras de efeito

    decorativo; motivo  ‹ uma estampa de d.orais › ‹ tapeçaria de d.geométricos ›

    qualquer obra de arteexecutada por meios

    grácos  ‹ as linhas, o traçado deum d. › ‹ d. abstracionistas,expressionistas › ‹ um d. dePortinari ›

    ( pron. ) apresentar-seà vista; aparecer, deli-

    near-se, manifestar-se  ‹ um sorriso desenhou-se-lhe nos lábios ›

    representação de ob- jetos executada para

    ns cientícos, técnicos,industriais, ornamentais;planta, risco, traçado  ‹ o d. de um jardim, de umprédio, de uma máquina ›

    01 01

    05 04

    02 02

    06 05 06

    03

    07

    04 03

    08

    abreviações:t.d. - transitivo diretot.d.int. - transitivo direto e intransitivopron., pron. - pronominal, pronome, reflexivo e/ou recíprocot.d. e pron. - transitivo direto e pronominal

    1. Grande Dicionário Houaiss da lingua portuguesa.http://houaiss.uol.com.br/ 

    abreviações:p.met. - por metonímiap.ext. - por extensãofig. - figurado (sentido), figuradamente

    2. Na primeira definição até constam as palavras  ideias e sensações,contudo a frase define ambas somente como tipos possíveis derepresentação “feita sobre uma superfície, por meios gráficos, cominstrumentos apropriados”

    2. DERDYK, Edith. in Formas de pensar o desenho. 2010.

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    01.1.3 ETIMOLOGIA DA PALAVRA DESENHO

    1. Alguns autores que fizeram uso da etimologia: BUENO, BeatrizP.S.; FLUSSER, Vilem; DERDYK, Edith; MARTINS, Luiz Geraldo Fer-rari; MARAR, Tom e SPERLING, David; ARTIGAS, Vilanova; MOTTA,Flavio; entre outros.2. Deanna Petherbridge, em Nailing the Liminal: The Difficulties ofDefining Drawing, questiona os teóricos preocupados com “ acade- mic status of art ” criticando as “complexas teorias” sobre como apalavra disegno tem dupla conotação e que acabam estrangulandoo desenho em uma fórmula.

    Em uma de raciocínio similar, Ana Leonor M. Madeira Rodrigues, emO que é desenho, afirma que existe “o facto de o abuso e a divaga-ção nos afastarem da clareza definidora”, mas acredita que essesabusos “ajudem a perceber o processo complexo que é desenhar”.3. MARTINS, Luiz Geraldo Ferrari. in  A Etimologia da palavradesenho (e design) na sua língua de origem e em quatro de seus provincianismos: desenho como forma de pensamento e de conhe-cimento.

    O uso da análise etimológica para elucidar osignificado das palavras é pratica comum em muitaspesquisas e estudos.

    Especificamente referente a palavra desenho em português e design, em inglês (ambas oriundasda mesma raiz) esse tipo de abordagem é bastantereincidente. 1

    Há inclusive autores que curiosamente questio-nam os resultados e motivações desse tipo de abor-dagem sobre o tema.2 Contudo nos parece bastantepertinente proceder dessa maneira.

    Podemos afirmar que no caso da palavra de-senho essa pesquisa etimológica é mais do que

    apenas elucidativa, mas fornece conceitos essen-ciais e estruturais tanto para o entendimento quantoa prática de desenhar.

    É possível observar abaixo o que podemos cha-mar de “Árvore Etimológica” da palavra desenho. Pa-ralelamente, na página ao lado, observamos algunsdos significados das palavras contidas na árvore.

     As fontes de dados para esse diagrama são di-versas, portanto algumas informações podem conterpequenas imprecisões, contudo a estrutura etimo-lógica está suficientemente clara e eficiente paranossos propósitos.

    de + signum

    dibujo

    diseño

    latim

    espanhol

    latim

    inglês

    inglês

    inglês

    italiano

    francês

    português

     A posição de cada palavra indica umasequência cronológica, portanto aspalavras mais antigas se encontramno topo. Contudo não há escala detempo, ou seja, palavras que estãolado a lado não necessariamente sãocontemporâneas.

    designare

    drawing

    draw

    design

    disegno

    dessein e dessin

    desenho

    Partícula de + signumsignum - sinal, marca distintiva; assinatura, selo. 8

     Arte e técnica de desenho.Figura, delineação ou imagem executada em linhas claras e escuras.Combinação, motivo decorativo de linhas ou formas de decorar um objeto. 11

    Um ato ou instância de desenho. A arte ou técnica de representar um objeto ou figuraque define um plano ou esboço por meio de linhas. Algo desenhado ou sujeito a dese-nho. Esboço, uma representação formada por desenho.

     A palavra tem muitos significados, dentre eles: fazer linhas em uma superfície, chamar aatenção, atrair, obter, receber, mover algo puxando, concluir uma ideia depois de pensarcuidadosamente sobre, tomar algo para si, etc.

    Traço ou delineação de um edifício ou de uma figura.Projeto, plano. Concepção original de um objeto ou de trabalho para a produção emsérie. Forma de cada um desses objetos.Descrição verbal ou esboço de algo.Disposição de manchas, cores e padrões que caracterizam externamente animais eplantas diversas.10

    Criar, executar ou construir de acordo com o planejado: conceber, planejar.Ter como propósito: pretender.Planejar para uma função específica ou finalidade.Fazer um desenho, padrão ou esboço.Conceber e executar um plano de design.Desenhar, leiautar ou preparar um projeto.6

     A palavra dessein tem o significado de projeto, desígnio.Eis alguns sinônimos atuais da palavra: intenção, meta, resolução, plano, vontade. 4 A palavra dessin significa representação gráfica.13Existe ainda a palavra projet, de outra raiz etimológica, para definir projetos arquitetônicos.

    Em português, em seus primeiros registros a palavra apresenta uma conotação ampla,similar a palavra italiana que lhe deu origem.Podemos observar no Vocabulário Portuguez e Latino do padre D. Raphael Bluteau porvolta de 1712, que a a palavra desenhar  é definida da seguinte maneira: “DESENHAR, ouDezenha no pensamento. Formar huma idea, idear.[...] Desenhar no papel”. 12Na mesma linha de raciocínio a palavra desenho é definida da seguinte maneira: “DE-SENHO, ou Dezenho. A idea, que o pintor forma, para representar alguma imagem. [...]Também ‘Desenho’ significa as justar medidas, proporções & formas exteriores, que devemter os objetos que se fazem a imitação da natureza”. 12Portanto podemos constatar que durante muito tempo a palavra continha por definição osentido de formar ideia, idear, designar. E também a conotação de  ideazione, ou seja, deexercício intelectual prévio.13

     A palavra tem origem no renascimento, no século 15, e no período abrangia uma duplaconotação significando ao mesmo tempo representação gráfica (risco, traçado, raciocíniomaterializado no papel) e um procedimento mental (  ideazione, designio, intenção, propósi-to ).3

    Marcar, traçar, representar. dispor, regular9

     Árvore etimológica da palavra desenho

     Algumas denições das palavras

    4.CNRTL - Centre National de Ressources Textuelles et Lexicales.www.cnrtl.fr5. ECHEGARAY, Eduardo de. in Diccionario general etimologico de la lengua española. 1887.6. Merriam-Webster. An Encyclopædia Britannica Co. m-w.com7. HARPER, Douglas. OnLine Etymology Dictionary . 2001.www.etymonline.com8. Grande Dicionário HOUAISS da língua portuguesa.houaiss.uol.com.br

    9. CUNHA. Antônio Geraldo. in Dicionário Etimológico da LinguaPortuguesa. 198210. Diccionario de la lengua española - Real Academia Española.site: lema.rae.es/drae/ 11. Diccionario de la Lengua Española. site www.elmundo.es/ diccionarios/ 12. BLUTEAU. D. Raphael. Vocabulário Portuguez e Latino. 1712.13. BUENO. Beatriz P.S. in Desenho e Desígnio - O Brasil dos enge- nheiros militares (1500 - 1822). 2003.

    espanhol

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    Polarização de conotações Devemos retomar o sentido original da palavra desenho?

    Redução semântica

    Nas duas páginas anteriores observamos sucinta-mente qual foi o processo evolutivo da palavra de-

     senho e alguns de seus correlatos em outro idiomas. Apresentamos também alguns de seus significadosem diversos períodos históricos e alguns atuais.

     A finalidade dessa linha de raciocínio não foimeramente de cunho etimológico, obviamente, masbuscando também subsídios para reflexões que nosauxiliem nessa pesquisa.

    Vilém Flusser em determinado momento de seulivro O Mundo Codificado, pergunta: “como a palavradesign adquiriu seu significado atual?” e prossegue“Não estamos pensando em termos históricos [...]

    trata-se de pensá-la semanticamente”. A argumentação de Flusser no texto citado

    aponta para a relação da palavra design com seus“aspectos pérfidos e ardilosos” e, resumindo, designcomo enganação. Após várias reflexões etimológi-cas, maliciosamente, seu texto conclui que não háuma única resposta para suas perguntas, mas quetudo depende da intenção, do propósito de quemescreve, ou seja, do design.1

    Nesse sentido, sabendo quais os nossos ob- jetivos (bem menores que os de Flusser, diga-se),vamos avançar o raciocínio a fim de clarificar nossacompreensão do que é, ou pode ser, desenho.

     A partir desse momen-to iremos nos arriscar em

    um raciocínio dicotômico,sabendo do enorme riscode simplificação que essaabordagem acarreta. Porémé fato que alguns autoresconstruiram parte de seusargumentos sobre desenhodessa maneira.2

    Na palavra desenho,a distinção entre procedi-mentos mentais e materiaiscoincide com a dupla cono-tação da palavra original em

    planejar, conce-ber, projetar

    inglês

    inglêsitaliano

    espanhol

    espanhol português

    delinear, repre-sentar, esboçar

    MENTAL

    MENTAL

    MATERIAL

    MATERIAL

    Indenpendentemente datendência de polarização sertão categórica e simplistacomo descrita anteriormen-te, e não é, não resta dúvidade que o significado dapalavra desenho, ao longodo processo histórico, daadaptação aos diversos idio-mas e contextos culturais,sofreu uma grande reduçãosemântica.

     Ainda há indícios, emportuguês, do significadomais amplo da palavra.Como pudemos observar,na definição atual, o verbodesenhar é usado tam-

    bém para procedimentosditos mentais. Porém o usocorrente tem diluído esseentendimento.

    O mesmo ocorre com aspalavras design e diseño.

     A dupla conotação(ou até tripla7 ) da palavranão surge por acaso, masprovavelmente nasceu danecessidade de definir umaprática de grande uso noperíodo.

    Desenhava-se nãosomente para riscar ou em-belezar algo, mas tambémpara entender, estudar, pro- jetar, visualizar problemas...

     A princípio nos parece que vale a pena utilizar o amplosentido original da palavra, porém a resposta para a per-

    gunta acima precisa ser ponderada.Não se trata de saudosismo ou nostalgia. Tampoucouma vontade missionária de propagar uma ideia.

     As palavras estão sujeitas a mudanças de se ntido,de grafia, de uso... Isso é inevitável e desejável. Todos osidiomas nasceram e evoluíram dessa maneira.

    Como no caso da palavra design, que já está bastanteadaptada à Língua Portuguesa.9 Seu uso é amplamente di-fundido e seu significado, ainda que com muitas ressalvas,é compreendido pelos falantes do idioma.

    Não se configura em problema, per se, o fato de o cur-so de uma faculdade se chamar de design e não desenho industrial, por exemplo.

     Assim como também não seria o caso de ressuscitara palavra debuxo para buscar uma palavra para definirsomente o traço, esboço, gesto, etc. Apesar de que, curio-samente, em galego exista a expressão Debuxo Técnico.

    Não há porque excluir nenhuma, são ben-vindastodas essas palavras com suas semelhanças e diferenças.Desenho, bosquejo, debuxo, esboço, garatuja, esquema,rascunho, rafe... Seus significados se completam e ampliamnosso vocabulário. E esse aumento é benéfico não pelaestatística, mas por se tratar de um aumento de conheci-mento, de cultura, de possibilidades.

    Mas, enfim, a questão principal para a retomada dosentido original da palavra talvez seja considerar que a açãode desenhar está intimamente ligada a capacidade humanade percepção, compreensão e comunicação.

    Ou seja, a utilização do sentido mais amplo da palavra,envolvendo as diversas conotações que ela teve desde orenascimento até hoje, não seria nem um retrocesso, nem

    uma reinvidicação de uma causa perdida, mas uma ade-quação de definição mais representativa e coerente comfenômeno que a palavra descreve.

     A ação de desenhar é naturalmente complexa e inva-riavelmente envolve procedimentos mentais e materiais. Odesenho é uma linguagem, uma técnica, mas é também,

    1. FLUSSER, Vilém. in O Mundo Codificado. capítulo: Sobre a Pala-vra Design. 2007.2. Além dos escritos que discutem o impasse em relação aodesenho como coisa mental ou material, intelectual ou físico; video vasto material escrito a respeito do embate entre “arte e ciência”ou “desenho e pintura”, para citar apenas dois exemplos dentro donosso campo de pesquisa.3. Em francês até o século 17 a palavra dessein tinha duplo sentidode traço e ideia, ou projeto formado no espírito. Porém atualmente oidioma distingue dessin (representação gráfica) de dessein (projeto).Distinção similar ao idioma inglês e espanhol, porém com duas pala-vras de mesma raiz etimológica. Fonte: LICHTENSTEIN, Jacqueline.

    01.1.4 ETIMOLOGIA DA PALAVRA DESENHO - algumas observações

    italiano. E, curiosamente, háuma tendência de cada uma

    dessas conotações teremuma palavra que as repre-senta melhor nos idiomasespanhol e inglês.

    Claro que cada palavratem uma história e, anali-zando aprofundadamente,essa polarização se mostrarelativizada.

    Em francês há umpercurso parecido no casode dessein e dessin, masdeixemos de lado, por hora.3

     Abaixo, vemos uma tendência de separação da ideia dedesenho como processo mental e processo material.

     A palavra originalem italiano tinhas asduas conotações.

    Em inglês e espanhol outra palavrase “especializou”4 na conotação“material”, e a palavra derivada se“especializou” mais na “mental”.

    Em parte, esse afastamento daconotação mental da palavradesenho, em português, podeter relação com a intensificaçãodo uso da palavra projeto emfins do séc. 17.6

    E a palavra debuxo, apesar deainda constar atualmente nonosso dicionário, não se consa-

    grou no uso corrente.

    Em português a palavra desenho não seguiu essa tendência5.Ela acabou mantendo em parte o sentido original de dupla co-notação, mas, como observamos no capítulo “definição atual”,existe hoje uma grande propensão de entendê-la somente comoo procedimento material.

     A pintura. Textos Essenciais. Vol. 9: O desenho e a cor. 2006.4.MARTINS, Luiz Geraldo Ferrari. in A Etimologia da palavra desenho(e design) na sua língua de origem e em quatro de seus provincianis- mos: desenho como forma de pensamento e de conhecimento.5. É notável o fato de ter sido implementado no Brasil, tendo RuiBarbosa como relator, o curso de Desenho Industrial, em 1883. Apontando para uma tentativa de estabelecer essa semântica maisampla da palavra desenho. in ARTIGAS, Vilanova. O Desenho. 1967.

    6. BUENO. Beatriz P.S. in Desenho e Desígnio - O Brasil dos enge-nheiros militares (1500 - 1822). 2003.7. BUENO, Beatriz P. S. fala de tripla conotação de ideazione(exercício intelectual prévio), representação gráfica (esse raci- ocíniomaterializado no papel) e, em linguagem figurada, intento, propósito,empresa, desígnio. in Desenho e Desígnio - O Brasil dos engenhei-ros militares (1500 - 1822). 2003.8. MOTTA. Flávio. in Desenho e Emancipação. 19679. O verbete “design” já consta nos dicionários, porém com umadefinição muito longe da ampla conotação da palavra disegno, asaber:

    1 a concepção de um produto (máquina, utensílio, mobiliário,

    Não por acaso essapalavra nasce com essasconotações durante o Re-nascimento.

    Há uma hipótese de quea missão francesa que veioao Brasil em 1816 tenha tra-zido uma herança neoclássi-ca, que influenciou o ensinode arte no País, ajudandoa propagar a ideia de que“o verdadeiro desenho é alinha”.8 Claro que talvez arelação não seja tão diretade causa e consequência.Mas, com certeza, houve ainfluência da cultura france-sa nesse processo.

    uma maneira de pensar, de ver, de entender, de projetar, deidear, de executar, divagar, dialogar...

    Não é por mero exercício retórico que nos parece seradequado e essencial o uso de uma definição mais amplada palavra desenho, mas por uma necessidade real deexplicitar sua natureza tal qual ela é. Não só no dicionário(que é reflexo do vocabulário vivo), mas principalmente nouso corrente, a fim de enriquecer a compreensão e tambéma ação de desenhar.

    Flávio Motta, ao comentar a diminuição dos significa-dos da palavra desenho escreveu: “O que se perdeu dapalavra em boa parte se perdeu do homem”. 7

    Cabe àqueles que hão prosseguir desenhando areencontrar não somente a palavra, mas principalmente ohomem.

    embalagem, publicação etc.), esp. no que se refere à suaforma física e funcionalidade2 p.met. o produto desta concepção3 p.ext. m.q. desenho industrial4 p.ext. m.q. desenho de produto5 p.ext. m.q. programação visual6 p.ext. m.q. desenho (‘forma do ponto de vista estético eutilitário’ e ‘representação de objetos executada para finscientíficos, técnicos, industriais, ornamentais’)

    in Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.houaiss.uol.com.br

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    01.1.4 ETIMOLOGIA DA PALAVRA DESENHO

    Espanhol Português

    Inglês Francês

    Relação de significadopalavras drawing e design com a palavra disegno, doséculo 15.

    Relação de significadopalavras dessin e des-

     sein atuais com a palavradessein, que até o século17 tinha dupla conotaçãotal qual a palavra originaldisegno em italiano.

    Curiosamente as 3palavras, nesse caso, tem amesma raiz etimológica.

    conotações da palavraconotações da palavra

    conotações da palavra conotações da palavra

    dupla conotação:mental e material

    dupla conotação:mental e material

    dupla conotação:mental e material

    dupla conotação:mental e material

    predominantementematerial

    predominantementematerial

    predominantementematerial

    predominantementematerial

    predominantementemental

    predominantementemental

    predominantementemental

    predominantementemental

    Relação de significadopalavras dibujo e diseño com a palavra disegno, doséculo 15.

     A palavra desenho emportuguês ainda guarda res-quícios do sentido originalmais amplo. Como podemosver, por exemplo, no usoda expressão “desenhoindustrial” no qual desenhotambém é sinônimo de“projeto”. Porém a parcelade uso de significado é bempequena.

     A palavra desenho nãotem um correlato às palavrasdibujo ou drawing que divide

    alguns dos significados dapalavra original em italiano.E a palavra debuxo está forado uso corrente.

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    01.1.4 LINHA DO TEMPO

     TEMPO

    CONCEITOS

    FATOS

    FIGURA HUMANA 

    Organizando algumas imagens e textos de ma-neira cronológica, teremos uma linha do tempo dahistória do desenho.

     Apesar da “linha do tempo” ser um diagramarelativamente óbvio e padrão1 em qualquer livrode História, buscamos posicionar especificamenteinformações que ampliem nosso entendimento dedesenho.

    Também há deliberadamente a intenção de seruma linha do tempo predominantemente visual, sen-do que duas das três linhas paralelas são especifica-mente de imagens.

    Dessa forma podemos cruzar algumas informa-ções que, mesmo não tendo aparente correlação,

    Trechos e comentáriossobre alguns escritos arespeito do conceito dedesenho.

     Alguns acontencimentoshistóricos relevantes parao desenho, com imagensilustrativas sobre eles.

    Exemplos de representaçõesda figura humana.

    foram subsequentes, contemporâneas, precedidas,etc.

    Evidentemente que, novamente, corremos o ris-co de esbarrar em uma simplificação dos fatos, umavez que o recorte de dezenas de milhares de anosnão caberá de maneira abrangente em quatro pági-nas, bem como teorias e estudos complexos sobredesenho não podem ser plenamente contempladosem uma citação curta.

    Mas esperamos que a possibilidade de visualiza-ção desse conjunto de fatos e imagens permita umavisão panorâmica da História da relação da huma-nidade com o desenho e apresente um mínimo depossibilidades de análise e reflexão.

    Primeiro registrode dadosUm osso animalcom o que pareceser um calendáriolunar. Dordogne,França.1

     Vênus Hohle Fels6  VênusWillnedorf6

    Caverna de LascauxFrança1

    Estandarte de UrMesopotâmia2

    Bastões ocresentalhadosNa caverna deBlombos. África do Sul.2

    Imagens pintadascom pigmentosvermelhos e pretosCaverna Chauvet.França.2

    Primeirasescritaspictográficassumérias naMesopotâmia.3

    75.000 a.C. 20.000 a.C. 3.000 a.C.

    1. HORN. Robert E. Visual Language. 1998.2. FARTHING. Stephen. Tudo sobre Arte. 2010.3. MEGGS, Philip B. História do Design Gráfico. 2007.4. VITRUVIUS Pollio. Tratado de arquitetura. trad. M, Justino Maciel,

    2007.5. ALBERTI, Leon Battista. Da Pintura. trad. Antonio da Silveira Mendonça.2009.6. New York Times. www.nytimes.com/2009/05/14/science/14venus.html

    75.000 a.C. 30.000 a.C. 20.000 a.C. 3.100 a.C.38.000 a.C.

    35.000 a.C. 28.000 a.C. 20.000 a.C. 2.600 a.C.

    Pinturasde cavernasem Lascaux,França.1

     VitrúvioJá destacava o de-senho como um dossaberes necessáriosao arquiteto, contudodenominado, emlatim, como “ perius

     graphidos”.4

     Afresco de autordesconhecido .Galata, Chipre 2

    LeonardoDa Vinci.2

    Primeiromapa co-nhecidoMapa acá-dio. Nuzi.Mesopotâ-mia.1

    Túmulo NebamunEgito2

     Ânfora ExéquiasGrécia2

     Arte tumulardinastia QiChina3

    Tapeçaria de au-tor desconhecidoBayeux, França2

    Primeirodesenho deplano urbanoDistrito de Ni-pur, Mesopotâ-mia.1

    RaciocíniogeométricoEscritos formaisde Euclidessobre axiomasgeométricos.1

    Pedra de RosetaInscrições simul-tâneas hieroglí-ficas, demóticasegípicias e grega.Egito.3

    Primeirográficode barrasconhecidoNicoleOresme,matemático

    francês.1

    27 a.C.

    1.000 a.C.

    Primeiro livrocom ilustraçõestécnicasRoberto Vaturio,Italia.1

    Invenção daperspectivacônicaLeon Battista Alberti e FilippoBrunelleschi.1

     AlbertiDescreve umadas etapas dapintura como“circunscrição”,que é o “deline-amento da orla”da imagem quese vai pintar.5

    1453

    1500ano 0 1000

    1.300 a.C. 300 a.C. 197 a.C. 1350 1435 14722.300 a.C.

    1.350 a.C. 540 a.C. 550 1066 15001492

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    3130

    Giorgio VasariEm O Primado do Desenho,

    Vasari inicia seu texto da seguintemaneira:

    “Oriundo do intelecto, o dese-nho, pai de nossas três artes -arquitetura, escultura e pintura -,extrai de múltiplos elementos um juízo universal.[...] Dessa percep-ção nasce um conceito, um juízoque se forma na mente, e cujaexpressão manual denomina-sedesenho.” E mostra que é precisoo equilíbrio entre corpo e mente,“pois quando o intelecto externaos conceitos depurados e com juízo, são as mãos que, tendoexercitado o desenho por muitosanos, revelam a perfeição e exce-lência das artes.”12 e13

    Roger de PilesEm seu Curso de Pintura

     por Princípioso autordescreve que desenho( dessein ) tem apenas doissignificados:1. a ideia de um quadro,a obra que tem emmente. O “todo, porqueabrange não só as luzese sombras, mas tambémo colorido e a própriainvenção”.2. as medidas corretas,as proporções e contor-nos. 12 e13

    1568 1708

    01.1.4 LINHA DO TEMPO

     TEMPO

    CONCEITOS

    FATOS

    FIGURA HUMANA 

    Trechos e comentáriossobre alguns escritos arespeito do conceito dedesenho.

     Alguns acontencimentoshistóricos relevantes parao desenho, com imagensilustrativas sobre eles.

    Exemplos de representaçõesda figura humana.

    GeometriaanalíticaRené Descar-tes. França.3

    Rafael Sanzio7Michelangelo Buonarroti7 Jean AugusteDominique Ingres7

    Criação de CâmarasEscuras portáteis emforma de caixa. Aristóteles já conheciaa Camara Obscura noséculo 4 a.C. Na imagem,uma versão do século19.3

    GeometriaDescritivaGaspardMonge,matemáticofrancês1

    KatsushikaHokusai7

    PrimeirafotografiaJoseph Niépce.França3

    Primeiro gráficotipo pizzaCriado pelo eco-nomista WillianPlayfair. EUA 1

    1500 1700 1800

    1. HORN. Robert E. Visual Language. 1998.2. FARTHING. Stephen. Tudo sobre Arte. 2010.3. MEGGS, Philip B. História do Design Gráfico . 2007.4. PETHERBRIDGE, Deanna. “Nailing the Liminal: The difficulties osdefining drawing”. in Writing on Drawing. Essays on Drawing Pratice and Research. Editor GARNER, Steve. 2008. - obs: os textos origi-nais em inglês são de tradução do autor.5. DEGAS. Apud. VALÉRY, Paul. In Degas Dança Desenho, 1938.6. INGRES. J.A. Dominique in A Pintura. Textos essenciais. Vol 9: Odesenho e a cor. 2006.

    7. Imagem em domínio público. fonte: wikipedia.com8. O filme brasileiro Cassiopéia, lançado depois, é considerado poralguns o primeiro filme totalmente produzido digitalmente, semetapas feitas fora do computador. fonte: http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v58n3/a21v58n3.pdf (2013)

    1665 1795 18261805

    1839

    1637

    15161510 1819 Andrea Vesalius71543

    Joshua ReinoldsDurante o Iluminismo osteóricos se interessaramna relação entre desenhoe os sistemas de signos,sugerindo que o desenhopode constituir uma gra-mática da arte.Reinolds em SegundoDiscurso da Arte diria que:“O poder do desenho, mo-delando e usando cores,é muito apropriadamentechamado Linguagem da Arte”.4

    1769

    Jean AugusteDominiqueIngres“O desenho éa probidade daarte.”6

    Eugène-Emmanuel Viollet-le-DucComenta a conexãoentre desenho e olhardizendo: “desenho, de-vidamente ensinado, éa melhor forma de de-senvolver a inteligênciae formar julgamento,pois se aprende a ver,e o ato de ver é conhe-cimento.”4

    Edgar Degas“Desenho nãoé a forma, é amaneira de ver aforma.”5

    Philip Rawsonautor do livro Drawing, define desenho como amais ”fundamentalmen-te espiritual de todasas atividades artísticasvisuais” porque difereda cor e pigmento dapintura, ou da escul-tura, porque “para umdesenho os ingredientesbásicos são traços emarcações que têm umarelação simbólica coma experência, não umadireta semelhança geralcom nada real”.4

    Deanna PetherbridgeEnquanto cita algumas ideias deDiderot e Charles Le Blanc sobredesenho, a autora comenta que:“Desenho não é mais progenitorde todas artes, mas ainda simum crucial sistema de significa-dos para toda a prática de arte edesign” e continua dizendo quealém de ser “o primeiro entre osiguais ( First among equals )” étambém “o elemento que une”todas as “forma de arte umas comas outras, assim como é tambémum sistema de aprendizado”. Econclui dizendo que “desenhoé parte de um tout ensemble dotrabalho de arte e o ponto centralda prática artística”.4

    1870 1879 1934 1969 2008

    Lara Croftpersonagem devideogame, por TobyGard.11

    Edgar Degas7  AlbertoGiacometti9

    KazimirMalevich7

    Egon Schiele7  Andy Warhol10

    Otl Aicher3Pablo Picasso

    Técnica denarrativas gráficasPor Rudolp heTöpffer, consideradocomo sintetizador dalinguagem de histó-rias em quadrinhos.Suíça.1

    Invenção doDiagrama PolarCriado pelaenfermeiraFlorenceNightingale.1

    Popularizaçãoda fotografiaSurgimento daKodak Brownie,uma câmeraacessível atodos.3

    Criação da fonteUniversPor Bruno Pfäfflido ateliê Fruti-ger.3

    Criação dosoftware dedesenhoIvan Sutherlandcria o programasketchpad. EUA 1

    Primeiro filmeproduzido eanimado porcomputadorToy Story, estúdioPixar. EUA.8

    Criação daInterface GráficaCom icones, me-táfora de desktope navegação pormouse. Xerox Star.Por Alan Kay e Xe-rox PARC team.1

    9. Fonte: http://www.dailymail.co.uk/news/article-1248644/Alberto-Giacomettis-LHomme-Qui-Marche-Greed-vanity-tortured-soul-65m--stick-man.html (2013)10. HONNEF, Klaus. Warhol. Taschen. 200511. Fonte: http://www.ign.com/ (2013)12. Conceito inicialmente inspirado no texto de PETHERBRIDGE(vide nota de rodapé 4), porém consideramos mais adequado ecompleto recorrer aos textos dos autores citados em sua ediçãobrasileira e tecer comentários a partir deles.13. LICHTENSTEIN, Jacqueline. A pintura. Textos Essenciais. Vol. 9:O desenho e a cor. 2006.

    20001900

    1845 1858 1900 1960 1963 1980 1995

    1859 196119301910 1964 19721930 1996

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    01.2 DESENHO COMO FENÔMENO MATERIAL

     Anteriormente dividi-mos simplificadamentea definição de desenhoem duas partes: mentale material, coincidindoem certa medida coma dupla conotação dapalavra de origem noRenascimento

    Vamos agora abordarcada uma dessas partesseparadamente detalhan-do alguns aspectos a fimde aprofundar questões.

     Abaixo uma experiên-cia de listagem de algunsaspectos possíveis deserem abordados, ao seestudar o desenho comofenômeno material. Se-guramente há muitos ou-tros e também maneirasdiferentes de classificar enomear esses assuntos.

    Contudo, para darprosseguimento à pes-quisa, iremos nos focarnos dois primeiros da

     Alguns aspectos materiais passíveis de serem estudados

    Como se materializao sinal gráfico

    Tipos de sinaisgráficosMorfologiaSintaxe

    Propriedades dosubstrato que recebeo sinal gráfico

    Materiais queproduzem o sinalgráfico

     Aspectoscomumentetrabalhadosem manuaisde ensino dedesenho

     Aspectosque iremosanalisar nestesubcapítulo

    Técnicas dedesenhoperspectiva, anato-mia, luz e sombra,geometria, desenhoarquitetônico, etc

    lápis, caneta, pena,

    tinta, buril, estilete,pincel, guache, etc

    tipo de papel, tela, parede,madeira, textura, acaba-mento, etc

    Propriedades docorpo humano noprocesso do desenho

    Funções do desenhoUsos e aplicações

    Desenho como linguagemComunicaçãoRelação com interlocutor

    Desenho como representaçãodo mundo visível

    entre outros

    lista a seguir por trataremde assuntos aparen-temente estruturais aofenômeno desenho. Paraisso faremos um mapea-mento de algumas possi-bilidades de abordagemem cada um deles.

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    01.2.1 COMO SE MATERIALIZA O SINAL GRÁFICO?

    O atrito é o principal gerador de sinais grácos. Ele pode ter dois tipos de resultados:

    E, resumidamente, em ambos os casos estamos falando de deslocamento de matéria.

    1. depósito de matéria 2. Supressão de matéria

    Para produzir o sinal gráco, são necessários dois fatores, a saber:

    1. Elemento que risca 2. Elemento a ser riscado

    Estamos chamando de “sinal gráfico” qualquertipo de informação visual produzida a partir da açãohumana, em geral deliberada. Ou seja, o resultadovisível do processo material de desenhar.

    Neste momento não está sendo levado em consi-deração se esse sinal exerce alguma função figura-tiva, comunicativa ou qualquer outro tipo de aplica-ção ou uso, pois o foco desta reflexão é elucidar ofenômeno de gerar tais sinais.

     Algumas observações se fazem necessárias:Optamos por restringir essa análise aos sinais

    produzidos pela ação humana, ou seja, a um gesto.Excluindo, desse modo, a capacidade de ver signifi-cados em elementos ao redor do homem. Por exem-plo: atribuir significado às formas das nuvens.

    Vamos tentar focar em processos que tendem ater resultados bidimensionais, tais como linhas, tra-ços, riscos, esboços, ranhuras, superfícies pintadas,etc. Mesmo sabendo que, nos subcapítulos anterio-res, foi discutida a ideia de que a concepção e pro-dução de objetos tridimensionais (cadeira, edifica-ção, esculturas, etc) também são um tipo desenho.

    Essa restrição de ordem prática se fundamenta,em parte, pelo fato de que a materialização bidi-mensional é convencionalmente a mais conhecida edifundida das características do desenho. E tambéma fim de gerar um recorte que permita pormenorizara nossa pesquisa.

    O elemento que risca éaquele que, a partir do gestohumano, vai servir de meiopara a ação geradora dosinal gráfico.

    Esse elemento pode sero próprio corpo humano, ouentão algum objeto que po-demos chamar de interface.

    Neste caso o atrito fazcom que o elemento que ris-ca deposite matéria gerandoo sinal gráfico visível.

    Exemplos: lápis deposi-tando grafite, pincel deposi-tando tinta, giz depositandocera, etc

    Pressupõe que o ele-mento que risca tem durezamenor que a superfície, ouo sinal vai ser gerado porsubstância líquida, como atinta, por exemplo.

     Aqui temos uma situa-ção na qual a superfície aser riscada perde matéria,gerando assim o sinalgráfico.

    Exemplos: dedo ris-cando o vidro embaçado,buril gravando o metal, ocotonete limpando a tinta damonotipia.

    Pressupõe que o ele-mento que risca tem durezamaior que a superfície.

    O elemento a ser risca-do é uma superfície que éplana, ou tende a ser plana.

    Podemos chamá-la tam-bém de substrato, ou seja, oelemento que serve de basepara o fenômeno.

    Corpo humano Superfície

    ex: desenharcom o dedona areia.

    ex: lápis,caneta,estilete, etc

    ex: papel, muro, chão,tela, pele, placa de metal,placa de madeira, etc

    Interface

     Alguns sinais gráficossão gerados por reaçõesquímicas, e não por atrito.

    Como no caso de rea-ções termodinâmicasEx: um pirógrafo queimandoa madeira, ou uma lupa con-centrando a luz do sol paradesenhar sobre um papelqueimando-o.

    Temos também a técni-ca de desenhar com sumode limão e posteriormenteaquecê-lo com uma vela. Osinal gráfico só surge após aoxidação do sumo.

    No caso da computaçãográfica, sem dúvida, seriapreciso um estudo maisdetalhado sobre o assunto.1

    Simplificadamentepodemos considerar todoo aparato eletrônico comouma interface geradora desinal gráfico, e o resultadovisível pode ser tanto im-presso em papel como visu-alizado em informação RGBno monitor do computador.

     A fotografia é um dosmeios que permitem umresultado visível bidimensio-nal mais próximo do mundoreal visível.

    Contudo, podemoslevantar uma questão:seria a fotografia um tipo dedesenho?2 O resultado ma-terializado no papel fotográ-fico não tem relação diretaformal com o gesto de quemfotografa. Porém a forma,os conteúdos e o desígnioenvolvidos não diferem tantodo que definimos comodesenho até agora.

    reacões químicas

    Porém, esse sistema não é conclusivo e podemos pensar em algumas exceções:

    combustão

    oxidação

    computação fotograa

     A colagem, por exemplo, bastante utilizada apartir do século 20 por diversos artistas gráficos, éuma técnica que gera resultados que tendem a serbidimensionais, mas, a rigor, não tem o atrito comoprincípio gerador. Contudo ainda se enquadra naclassificação que descreve depósito de matéria.

    Desenhar com água (tal qual o samurai MiyamotoMussashi desenhava), por outro lado, se encaixaperfeitamente na definição da página anteiror, poisa água é matéria. E, nesse caso a única observaçãoé a efemeridade mais evidente, pois a água evaporaem um intervalo de tempo curto, não deixando pig-mentos visíveis após essa evaporação.

    E um território mais tênue é a questão da açãogestual de desenhar no ar. Pois não gera uma mate-rialidade visível, apesar de ter a propriedade de servisível enquanto o gesto ocorre.

    Deixemos esses exemplos de lado, por hora, evamos listar abaixo alguns outros que são tambémdifíceis de serem classificados, mas que nos parecede grande utilidade apresentá-los, pois nos dá sub-sídios para demarcar o território conceitual e o meiosde atuação do desenho.

    1. Wucius Wong até comenta alguns aspectos do computador comoferramenta de desenho que, segundo ele, é “primariamente umamáquina de ‘triturar’ números”, mas que depois que os progra-mas gráficos evoluíram foram abertos “novos horizontes” para odesenho.Porém a sua análise se atém ao fato do recurso ser uma novidadee acaba por apenas apresentar definições de quais máquinas eprogramas existem e como usar suas ferramentas. WONG, Wucius.

    in Princípios de Forma e Desenho . 1993.2. Durante uma conversa não gravada para essa dissertação, Clau-dio Mubarac discutiu a possibilidade de a fotografia ser consideradauma forma de desenho.

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    01.2.2 MAPEMENTO DA MORFOLOGIA DO DESENHO

    PONTO, LINHA E SUPERFÍCIE etc

     Alberti

    Para iniciar esse subcapítulo, vamos partir dadefinição de morfologia por HORN:

    Estudo dos elementos individuais bási-cos - morfemas e palavras. Morfologia é oestudo fundamental sobre a qual sintaxe esemântica são construídas. Morfologia dalinguagem visual requer a identificação deseus elementos básicos.1

    Desse maneira iremos mapear alguns autoresque em seus trabalhos buscaram elencar quais sãoos elementos básicos das formas visuais. Veremosque autores ligados a design, pintura, geometria elinguagens visuais em geral chegaram em conclu-

    PONTO

    É o que não tempartes.

    PONTO

    Digo inicialmente quedevemos saber que oponto é um sinal quenão podemos dividirem partes.

    Chamo aqui sinalqualquer coisa queesteja na superficie,de modo que o olhopossa vê-la.

    LINHA 

    É o que só temcomprimento, semlargura.

     A linha considera-seproduzida do fluxoou movimento deum ponto.

    LINHA 

    Os pontos, se em se-quuência se juntaremum ao lado do outro,produzirão uma linha.

    Para nós a linhaserá uma figura cujocomprimento podeser dividido, mas seráde largura tão tênueque não poderá sercindida.

    Das linhas, umas sechamam retas; outras,curvas.

    SUPERFÍCIE

    É o que sótem comprimento elargura.

     A superfície consi-dera-se produzidado movimento deuma linha.

    SUPERFÍCIE

     A superfície é umaparte extrema de umcorpo que é conhe-cida não por suaprofundidade, mas tãosomente por seu com-primento, sua largurae, ainda, por suasqualidades.

     As qualidadespermanentes são dedois tipos. Uma sereconhece pelo limiteúltimo que fecha asuperfície, e será esse

    limite fechado poruma ou mais linhas.Quando por uma só,esta será circular;quando por mais deuma, estas serão umacurva e uma reta oudiversas retas.

    sões muito similares em termos formais. Sendo quepraticamente todos eles sintetizam os elementosbásicos ao ponto, linha e algum tipo de s uperfície.

    Sabemos, claro, que cada autor apresenta espe-cificidades de raciocínio, assim como sabemos queum resumo como este não abrange satisfatoriamen-te todo o conteúdo desenvolvido em cada um doslivros citados.

    Portanto, assim como na linha do tempo apre-sentada anteriormente, o objetivo é ter uma per-cepção panorâmica do conjunto de teorias sobre amorfologia da linguagem visual, priorizando, paratanto, uma abordagem não verbal.

    Todos os textos nas caixas cinzas são trechos dolivros originais.

    No século 15, Alberti es-creve seu tratato Da Pintura,dividido em trê livros numtotal de 63 parágrafos.

    O primeiro parágrafo éde apresentação do livro e jáno segundo, o autor buscadefinir os elementos bási-cos, resumidos na tabela dadireita.

    O parágrafo se encerracom com algumas defini-ções do que é o círculo,diâmetro e linha cêntrica.3

    1. HORN. Robert E. Visual Language. 1998.

    2. EUCLIDES. Elementos de Geometria Plana, e Solida. trad. PadreManoel de Campos. Lisboa Occidental, na officina Rita Cassiana.1735.

    3. ALBERTI, Leon Battista. Da Pintura. trad. Antonio da SilveiraMendonça. 2009.

    Euclides

    Em 300 a.C, Euclidesescreve Elementos de Geo-

     metria, dividido em 13 livros.No livro I, ele define os

    conceitos de ponto, linha,termos da linha, linha reta,superfície, termos da super-fície, superfície plana, ângu-los, círculo, entre outros.

     À direita, um resumo detrês dos conceitos. 2

     Adrian Frutiger

    pontoé a menorunidadegráfica e, porassim dizer,o “átomo”de todaexpressãopictórica.

    linhagostaríamosde dizerque todaexpressãolinear resultade um pontocolocado emmovimento.

    I. Os elementos de um sinal

    No primeiro capítulo dolivro Sinais & Símbolos: De-

     senho, projeto e significado o autor descreve os elemen-tos de um sinal que são:

    1. O ponto2. A linha3. Relação entre aslinhas4. A morfologia dossinais.5. Topologia dos sinais

    No capítulo seguinteFrutiger destaca os sinaisbásicos.

    Esses sinais foram elen-cados partindo “do princípio

    de que o homem já nascecom certo senso geomé-trico” e “amparados pelaarqueologia” Frutiger afirmaque “em várias regiões daTerra, encontramos vestígiosde sinais primários comforma idênticas”.

    Esse sinais são:

    Figuras fechadas:1. Quadrado2. Triângulo3. Círculo

    Figuras abertas:4. Cruz5. Seta4

    4. FRUTIGER, Adrian. Sinais & Símbolos. 1997

    ilustração de Adrian Frutiger

    II. Os sinais básicos

    quadrado

    triângulo

    círculo

    seta

    cruz

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    01.2.2 MAPEMENTO DA MORFOLOGIA DO DESENHO

    Os elementos básicos da comunicação (listagem parcial)

    No livro Sintaxe daLinguagem Visual, noterceiro capítulo denomi-nado “Elementos básicosda Comunicação visual”,Dondis escreve que “sempreque alguma coisa é feita, es-boçada e pintada, desenha-da, rabiscada, construída,esculpida ou gesticulada, asubstância visual da obra écomposta a partir de umalista básica de elementos.”

    Em seguida a auto-ra lista esses elementos,chamando a ateção ao fatode que “o seu número éreduzido”.

    Os elementos são: o pontoa linhaa formaa direçãoo toma cora texturaa dimensãoa escalao movimento

     Ao lado vemos algumasdas imagens utilizadas nolivro para ilustrar os trêsprimeiros elementos.

    Essa escolha foi em fun-ção de haver uma separa-ção possível, não totalmenteexplicitada pela autora, deque a direção, o tom, a cor,a textura, a dimensão, aescala e o movimento, naverdade, são propriedadesdas três primeiras formasbásicas.5

    Donis A. Dondis

    pontoa unidadevisual mínima,o indicador emarcador doespaço

    linhaarticulador fluido

    e incansável daforma, seja nasoltura vacilantedo esboço sejana rigidez doprojeto técnico

    formaas formas bási-cas, o círculo,o quadrado, otriângulo e todasas suas infinitasvariações,combinações,permutaçõesde planos edimensões

    PONTO, LINHA E SUPERFÍCIE etc

    5. DONDIS, Donis A. Sintaxe da Linguagem Visual .Trad. JeffersonLuiz Camargo.1973.

    Os elementos de um sinal

    No livro Princípios deForma e Desenho, Wonginicia sua teorização listandoos elementos do desenho6,que são:

    a. elementos conceituaisb. elementos visuaisc. elementos relacionaisd. elementos práticos

    Wong descreve que“os elementos, na verdade,estão muito relacionadosentre si e não podem serfacilmente separados emnossa experiência visualgeral. Tomados individual-mente podem parecer umtanto abstratos, mas juntosdeterminam a aparênciae conteúdo finais de umdesenho”.

    elementos conceituais

    pontolinhaplanovolume

    elementos visuais

    formatotamanhocortextura

    elementos relacionais

    direçãoposiçãoespaçogravidade

    elementos práticos

    representaçãosignificadofunção7

    Wucius Wong

    PONTO, LINHA E SUPERFÍCIE etc

    6. Nos parece importante destacar que o título original do livro,em inglês, é Principles of form and design, sendo que na ediçãobrasileira a palavra “design” foi traduzida como “desenho”. Portantoao longo do livro, há um certo estranhamento em algumas frases edefinições, pois, como vimos nos capítulos referentes à definição dapalavra e sua etimologia, as conotações atuais de “desenho” nãocontemplam as mesmas da palavra inglesa “design”. Contudo vale

    destacar o esforço do tradutor ou do editor, conscientemente ounão, de alargar o significado da palavra.7. WONG, Wucius. Princípios de Forma e Desenho . trad. AlvamarHelena Lamparelli. 1998.

    elementos conceituaisNão são visíveis. Não existem narealidade, porém parecem estarpresentes.

    pontoIndica uma posição. Não temcomprimento nem largura. Nãoocupa nenhuma área ou espaço.

    linha À medida que um ponto semove, sua trajetória se tornauma linha.

    plano A trajetória de uma linha emmovimento (em outra que nãosua direção intrínseca).

    volume A trajetória de um plano emmovimento (em outra que não

    sua direção intrínseca).No desenho bidimensional ovolume é ilusório.

    elementos visuaisformatotamanhocortextura

    elementos relacionaisdireçãoposiçãoespaçogravidade

    ilustração de Donis A. Dondis ilustração de Wucius Wong

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    PONTO, LINHA E SUPERFÍCIE

    Wassily Kandisnky

    01.2.2 MAPEMENTO DA MORFOLOGIA DO DESENHO

    O livro aqui analisadose chama Ponto e Linha

     sobre Plano. De imediatoconseguimos correlacionaro título com a abordagemdos demais autores citadosneste subcapítulo.

    Contudo, tentando nãoalongar demais esse comen-tário, podemos perceberque Kandinsky não se atém,por exemplo, somente àabordagem de Euclides, porexemplo, que focou rigoro-samente os conceitos doponto de vista da geometria.

    Kandinsky converge es-ses princípios formais, juntocom conceitos espirituais,buscando refletir sobre “for-ças” e “tensões” presentesno trabalho do visual doartista, visando “as bases dafutura ciência da arte, chavepara uma arte abstrata au-tenticamente profética”.8

     A direita vemos um resu-mo da descrição inicial decada um dos três elementosprincipais do livro.9

    OUTROS

    Betty Edwards

    Robert E. Horn

    Manfredo Massironi

    No terceiro capítulo dolivro Visual Language apósfazer uma análise linguísticabuscando definir os concei-tos de morfologia, sintaxe,semântica, entre outros,Horn analisa dois autores:Jacques Bertin, da semiolo-gia dos gráficos; e FernandeSaint-Martin, da semióticada linguagem visual.

     Ao longo do capítuloo raciocínio se desenvol-ve (tanto verbal quantovisualmente) chegando, emdeterminando momento, no

    sumário da morfologia quevemos ao lado.Na verdade dentre os

    autores listados aqui nessesubcapítulo, Horn é o únicoque já organizou a informa-ção de modo a privilegiar acompreensão não verbal, demaneira infográfica.9

    No livro Ver pelo Dese- nho: Aspectos Técnicos,Cognitivos e Comunicativos,o autor inicia seu raciocíniodescrevendo o capítulo“Componente estruturais dodesenho”. O primeiro com-ponente é a característicado sinal (traço), que podemser de três tipos:

    a. O sinal assume carac-terística do objeto.

    b. O sinal assime afunção de contorno.

    c. O sinal em função datextura.10

    No livro Desenhandocom o Lado Direito doCérebro, podemos notara predileção do desenhocomo reprodução fiel domundo visível.

    Tendo isso em mente,a autora lista as cinco ha-bilidades necessárias parapoder desenhar “um objeto,uma pessoa ou um cenáriopercebido”.

    Essas habilidades são:1. percepção das bordas2. percepção dosespaços3. percepção dos rela-cionamentos4. percepação de luzese sombras5. percepção do todo ou

     gestalt .11

    Ponto geométricoO ponto geométrico é um

    ser invisível. Portanto, deveser definido como imaterial.

    [...] evoca concisão absolu-ta, isto é, a maior reserva, queno entendo fala.

     Assim, o ponto geométricoé, de acordo com nossa con-cepação, a derradeira e únicaunião do silência e da palavra.

    Linha geométrica A linha geométrica é um

    ser invisível. É o rasto doponto em movimento, logoseu produto. Ela nasceudo movimento - e isso pelaaniquilação da imobilidadesuprema do ponto. Produz-seaqui o salto do estático para odinâmico.

     A linha é, pois, o maiorcontraste do elemento orifiná-rio da pintura, que é o ponto.Na verdade, a linha pode serconsiderada um elementosecundário.

    Plano originalConsideramos plano

    original a superfície materialdestinada a suportar oconteúdo da obra. [...] élimitado por duas linhashorizontais e duas verticais,sendo assim definido comoum ser autônomo no domíniodo seu entorno.

     A característica do sinal  A habilidade globalpara desenhar

    função textura

    característica de objeto

    função do contorno

    8. Citação de trecho da contracapa da edição brasileira da editoraMartins Fontes.9. KANDINSKY, Wassily. Ponto e Linha sobre Plano. trad. EduardoBrandão. 2005.

    9. HORN. Robert E. Visual Language. 1998.Obs: o texto original do livro é em inglês, a tradução é de autoriaprópria.10. MASSIRONI, Manfredo. Ver pelo Desenho. trad. Cidália de Brito.1982.11. EDWARDS, Betty. Desenhando com o lado direito do cérebro.trad. Ricardo Silveira. 2000.

    Summary of Morphology 

    ilustração de Kandinsky

    ilustração de Horn

    ilustração de Massironi Ilustração de Betty Edwards

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    01.3 DESENHO COMO FENÔMENO MENTAL

     Alguns aspectos mentais passíveis de serem estudados

    Desenho comodesígnio, projeto,intenção

    Desenho comoprocesso cognitivo

    Desenho como exercíciomental prévio, ideazione

    Desenho e memória

    Sobre o espiritualno desenho

    aspectoque iremosanalisar nessesubcapítulo

    Desenhar com o ladodireito do cérebro

    Desenho e psicologia

    entre outros

     Após observar algunsaspectos do desenhocomo um processomaterial, vamos buscarreflexões sobre dese-nho enquanto processomental.

    Vimos que duran-te muito tempo e pelomenos até meados doséculo 17 o conceito de“desenhar” em portu-guês era sinônimo de teruma ideia, desenhar no

    pensamento.1

    De quais maneirasesse desenho no pensa-mento se manifesta?

    Podemos falar deintenção, desígnio, pro-pósito.

    Podemos falar depré-concepção, projetoque são exercícios men-tais prévios a uma ação,que pode ou não ocorrer.

    Podemos dizertambém que desenhar

    tem importante papel nacognição e no processode raciocínio, pois de-senhando tanto mental-mente, quanto material-mente, riscando, o nossoprocesso de organizar asideias passam por diver-sas formas de raciocínio,dentre elas a visual.

     Abaixo uma tentativade listagem de assuntospossíveis de serem estu-dados dentro de assunto.

    12. BLUTEAU. D. Raphael. Vocabulário Portuguez e Latino. 1712.

    Desenho e percepçãoO olhar

    Cognição é o ato ou efeito de conhecer. O pro-cesso ou faculdade de adquirir conhecimento.1

    Em psicologia é o conjunto de unidades de saberda consciência que se baseiam em experências sen-soriais, representações, pensamento e lembranças.1

    Em suma, é a sapiência. Por meio de processoscognitivos vemos e entendemos o mundo.

    O ser humano atribui significados, desvenda,apreende tudo aquilo que percebe.

    O desenho nos permite perceber, atribuir e des-vendar esses significados. E não só isso, mas ajudatambém a evidenciar e comunicar esses significadosapreendidos. Usamos o desenho tanto para entender

    quanto para transmitir o que entendemos. Seja pen-sando, seja rabiscando, seja observando o mundo,seja vendo o desenho de todas as coisas que noscercam.

     Ainda é comum ouvirmos alguém dizer que fez“o desenho da situação”, ou um técnico de futeboldizer que algum acontecimento mudou “o desenhodo jogo”.

    Desenho é um processo cognitivo. O desenhodas coisas é o significado por trás delas e que só o

     homo sapiens tem a “mania” de perceber. Às vezes precisamos desenhar no papel para

    entender o problema e achar a solução.

    01.3.2 DESENHO COMO PROCESSO COGNITIVO

    O mapa não é só o comumente considerado carto-gráfico, que são relacionados a informações geográficas.O conceito de mapa, a ideia de mapeamento, percorrealgumas áreas distintas como Física, Matemática, Biologia,Química, Filosofia, Artes. E independentemente da área deconhecimento, há um denominador comum em todas:

    “Mapear é representar alguma coisa, sejaum espaço, um fenômeno ou uma organizaçãocorporal. O mundo da representação é extrema-mente amplo, já que representar envolve criação;o que por sua vez está presente em toda e qual-quer ação cognitiva” (NEVES. 2008) 2

    E, prosseguindo no artigo do trecho supracitado, aautora, se apoiando também em alguns conceitos deneurociência, chama a atenção quanto a palavra “represen-tação”, pois nesse caso “representação” tem sentido deuma imagem mental ou um “padrão neural” 3, e não de uma“cópia” com algum grau de fidelidade do objeto ou coisaa que se refere. Ou seja, a representação, o mapeamentoque o ser humano faz é criar “imagens das interações entrecada um nós e o objeto” 2 com o qual interagiu.

    Ou seja, a ideia de representação acima está intima-mente ligada ao entendimento, ao processo de cogni-ção inerente ao homem. O que sabemos, percebemos,entendemos não é uma reprodução fiel do mundo real, masum conjunto de padrões mentais mapeados pelo nossocorpo-mente.

    Gui Bonsiepe em uma linha de raciocínio um poucomais pragmática do ponto de vista do design, diz que omapa é o “provavelmente o mais sofisticado procedimen-

    to para registrar, produzir e transmitir conhec imento”

    4

    , eprossegue dizendo que o processo de mapeamento inclui“a visualização, o registro, a apresentação e a criação deespaços, utilizando recursos gráficos”4. E conclui esseparágrafo dizendo que “não se trata apenas do mapeamen-to de espaços físicos, mas, sobretudo, do mapeamento deespaços de informação”.5

     A ação de mapear é uma aç ão cognitiva e que tem di-versas manifestações, seja em uma mapa visível, no papel,produzido pelo homem com recursos gráficos, seja dentro

    Desenho e mapa

    1. Grande Dicionário Houaiss da Lingua Portuguesa.houaiss.uol.com.br2. NEVES, Heloisa. O Mapa [ou] Um estudo sobre representaçõescomplexas. Visões Urbanas – Cadernos PPG-AU/FAUFBA Vol.V –Número Especial – 20083. DAMÁSIO, António. apud NEVES, Heloísa.4.COSGROVE, Dennis (coord.), Mappings, Reaction Books, London1999. apud. BONSIEPE, Gui. Design Cultura e Sociedade. 2011.5. BONSIEPE, Gui. Design Cultura e Sociedade. 2011

    dos procesos neurais... Dois exemplos que, na verdade,são a mesma coisa, pois a separação entre real e ideal,objetivo e subjetivo, é algo tênue e discutível.

    Todos os processos de mapeamento estão intrinseca-mente ligada à ação de organização do pensamento, doconhecimento, da informação, das sensações.

    Vimos o quanto a palavra desenho, em sua origem,estava intimamente ligada a conotação de idear, mentali-zar, e que descrevia nossos desejos, desígnios, projetos,inteções.

    Todo desenho é um indício de raciocínio, entendimento,seja ele um risco no papel, uma forma percebida, seja umaideia elaborada.

    Vamos percebendo que o conceito de mapeamentotem diversas similaridades com o conceito de desenho queestamos buscando definir ao longo dessa pesquisa.

    Podemos afirmar, portanto, que o processo de dese-

    nhar é um processo de mapeamento. Ao desenhar estamosmapeando. Ao mapear estamos desenhando. As definiçõesde ambas palavras se confundem, bem como o território deatuação de cada uma delas, seja no corpo, seja na mente,seja no território entre os dois; ou em ambos, simultanea-mente e em “fluxos inestancáveis”.2

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    01.4 DESENHO COMO FENÔMENO DINÂMICO

     A construção daargumentação de boaparte do primeiro capí-tulo, denominado “sobredesenho”, baseia-se nadicotomia entre processomaterial e mental. Já ci-tamos anteriormente queessa separação coincidecom a cisão semânticada palavra original diseg-

     no em italiano.Porém tomamos o

    cuidado de frisar queessa bifurcação con-ceitual em duas partesdistintas é somente parafins retóricos, a fim deviabilizar o processo deraciocínio.

    Vamos buscar, nestesubcapítulo, abordar osaspectos dinâmicos einterativos dessas duas(ou mais) partes compo-nentes do desenho como

    processo.Para isso, listamos,

    novamente, abaixo,algumas das linhas deraciocínio possíveis paraessa finalidade, contudooptando por desenvolversomente duas delas naspáginas seguintes.

     Alguns aspectos passíveis de serem estudados sobre o dinamismo do desenho

    Desenho comouma heterotopia

    Desenho comoformatividade

    Desenho como umprocesso rizomático

     Aspectoque iremosanalisar nessesubcapítulo

    entre outros

    1. Conceito de Rizoma, em filosofia, descrito por DELEUZE, Gilles eGUATTARI, Felix in Mil Platôs - Capitalismo e Esquizofrenia. 1980.

    Metáfora da fita de Moebius

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    01.4.1 DESENHO COMO FORMATIVIDADE 01.4.2 DICOTOMIA E A  FITA DE MOEBIUS

    Desenho como formatividade

    O conceito de formatividade

    Unidade não partida

     A definição anterior dá luz a alguns aspectosda arte que são essenciais a sua compreensão. No

    caso do desenho especificamente não é diferente, epodemos até dizer que o desenho acontece em umaação constante de formatividade.

     Após dividir conceitualmente, para fins analíticos,o desenho em procedimentos mentais e materiais,podemos “uni-los” novamente, pois a partir da noçãode formativização entendemos que a execução e ainvenção são simultâneas e inseparáveis, que só érealmente possível compreender o que se pretendefazer, fazendo.

    Nesse contexto o “acaso” surge como um fatorinevitável no processo de desenhar, pois o embatedos diversos procedimentos envolvidos não permitequalquer previsibilidade no fazer desenho.

    Temos as intenções, o conhecimento, os dese- jos. Temos a percepção, o olhar, os limites do corpo,a mão, o gesto, a materialidade do desenho, entretantos outros fatores, elencáveis e não elencáveis,envolvidos simultâneamente e em constante relaçãodialética, de modo que o resultado desse processonunca estará sob total controle de quem desenha.

    Por que, por mais prática e expertise em dese-nhar que tenhamos, não temos controle sobre o quedesenhamos? Por que precisamos “desenhar nopensamento” para poder elucidar algo? E ainda as-sim haverá nova descoberta, caso o mesmo desenhose materialize em traço.

    Talvez porque desenhar, por ser um processo deformatividade, é um constante processo de invenção,de descobrimento, de busca pelo conhecimento.

    “No ato de desenhar, as ações de concepção eexecução colocam-se em continuidade, comoaquela presente em uma faixa de Moebius. [...]É inerente aos desenhadores a superação deum processo composto por uma concepçãointelectual e um desenho mecânico.” (MARAR eSPERLING, 2007.)2

     A citação acima evidencia o caráter co mplementardas diferentes procedimentos de desenhar. Concepção eexecução, por exemplo.

     A metáfora da fita é bastante adequada para es truturaro conceito de desenho por dois principais fatores:

    1. Porque rompe segregação histórica e recorrentede dois aspectos do desenho, colocando-os em relaçãode complementariadade e continuidade, fundindo-osem uma unidade maior. Sejam esses dois aspectos o“fazer e conceber”, “projetar e executar”, “intelectual ebraçal”, entre outros.

    2. Porque suscita uma ideia de dinamismo e fluidez,no qual tais conceitos não estão estáticos e polariza-dos, atuando um contra o outro, mas em constantemovimento, dialeticamente, se retroalimentando e setransformando em formatividade.

    E claro que poderíamos expandir essa compreensãoteórica complexificando essa estrutura metafórica. Porexemplo partindo da unidade tripartida de Max Bill, quenada mais é do que três fitas de Moebius interlaçadas 3 e in-tegradas em um único corpo harmônico, construindo assim

    um sistema bem mais amplo e abrangente do entendimentodo processo de desenho. Mas deixemos essa possibilidadepara outra oportunidade.

     A fita de Moebius, apesar de levar o nome de August Ferdinand Moebius, foi criada em 1858 porJohann Benedict Listing.

    Ela é uma “superfície obtida identificando-se oslados opostos de um retângulo de papel, após umgrio de 180º. É o primeiro exemplo de superfície nãoorientada, isto é, uma superfície de um lado só.

    Uma superfície é não orientada se, e somente se,possui uma fita de Moebius”.

    Conceitualmente instigante, a tal fita nos será útilcomo uma metáfora para a relação entre os compo-nentes do processo do desenho.

     A estética não é somente o ramo da filosofia quetem o belo como objeto de estudo, mas tambémbusca os fundamentos da arte.

    Luigi Pareyson, em seu livro Os Problemas daEstética busca evitar uma estética de contempla-ção e se aproxima de uma abordagem mais ligadaà produção. Em vez de se ater à expressão ou aosresultados, direciona seu olhar aos processos envol-vidos no fazer artístico.

    Dentro dessa linha de pensamento, Pareysoncria o conceito de formatividade, que é “um tal fazerque, enquanto faz, inventa o por fazer e o modo de

    Uma vez que partimos propositadamente doraciocínio dicotômico, escolhendo o par conceitual“material e mental” (mas poderíamos trabalhar commuitos outros relacionados ao desenho) é bastantecurioso como a fita de Moebius sugere uma relaçãodinâmica e complementar entre duas partes antesisoladas. Ou seja, não temos mais dois lados isola-dos da mesma questão, mas dois lados contínuose complementares que, na realidade, são a mesmacoisa, e de forma dinâmica.

    fazer”, pois para ele “a arte é uma atividade na qualexecução e invenção procedem pari passu, simul-tâneas e inseparáveis”. Dessa maneira “concebe-seexecutando, projeta-se fazendo, encontra-se a regraoperando”.

    Portanto o que o autor buscou teorizar em seutrabalho é uma “estética da formatividade”, que“concebe as obras de arte como organismos vivendode vida própria e dotados de legalidade interna, eque propõe uma concepção dinâmica da belezaartística”.1

    Não é da natureza do desenho

    percorrer etapas separadamente,de maneira cronológica

    O processo tende a ser dinâmico e simultâneo

    1. PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 1984 2. MARAR, Tom e SPERLING, David. “Em matemática, metadese-nhos”. in Disegno.Desenho.Desígnio. 2007

    3. Ou então, seguindo o raciocínio topológico, é também uma fita deMöbius e um Toro, como demonstrou Tom Marar e m seu Teoremana exposição Desenho esquema esboço bosquejo projeto debuxoou o desenho como forma de pensamento. Gabinete de Desenhoem São Paulo. 2012.

    Fita de Moebius desenhadaa partir de ilustração de TomMarar e David Sperling2