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UNIVERSIDADE DE SOROCABAPR-REITORIA ACADMICAPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAO E CULTURA

Caio Fausto de Almeida Giannone

Videogames, a Teoria do Meio e a Comunicao: novos meios, novos ambientes, novas habilidades Anlise de DJFFNY, um encanador e a(s) identidade(s)

Sorocaba/SP 2011

Caio Fausto de Almeida Giannone

Videogames, a Teoria do Meio e a Comunicao: novos meios, novos ambientes, novas habilidades Anlise de DJFFNY, um encanador e a(s) identidade(s)

Dissertao apresentada Banca Examinadora do Programa de PsGraduao em Comunicao e Cultura da Universidade de Sorocaba, como exigncia parcial para obteno de Ttulo de Mestre em Comunicao e Cultura.

Orientador: Prof. Dr. Osvando J. de Morais.

Sorocaba/SP 2011

Ficha Catalogrfica

G372v

Giannone, Caio Fausto de Almeida Videogames, a teoria do meio e a comunicao : novos meios, novos ambientes, novas habilidades : anlise de DJFFNY, um encanador e a(s) identidade(s) / Caio Fausto de Almeida Giannone. - Sorocaba, SP, 2011. 125 f. : il. Orientador: Prof. Dr. Osvando Jos de Morais. Dissertao (Mestrado em Comunicao) - Universidade de Sorocaba, Sorocaba, SP, 2011. Inclui bibliografia. 1. Videogames. 2. Comunicao Inovaes tecnolgicas. 3. Def Jam: fight for New York. I. Morais, Osvando Jos de, orient. II. Universidade de Sorocaba. III. Ttulo.

Caio Fausto de Almeida Giannone

Videogames, a Teoria do Meio e a Comunicao: novos meios, novos ambientes, novas habilidades Anlise de DJFFNY, um encanador e a(s) identidade(s)

Dissertao aprovada como requisito parcial para obteno do grau de Mestre do Programa de Ps-Graduao em Comunicao e Cultura da Universidade de Sorocaba.

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA: Ass.: __________________________ Pres.: Prof. Dr. Osvando J. de Morais Universidade de Sorocaba

Ass.: __________________________ 1 Exam.: Prof. Dr. Maurcio Gonalves Universidade de Sorocaba

Ass.: __________________________ 2 Exam.: Prof. Dr. Vicente Gosciola Universidade Anhembi-Morumbi

Dedico este trabalho minha me, avs, irmos, esposa e filhos. Per Aspera Ad Astra.

AGRADECIMENTOSOs ltimos trs anos no foram meros 1095 dias. Foram tempos de muitas dificuldades e realizaes. Dizem que tudo acontece durante um mestrado. No meu caso, a mais pura verdade. Mudei meu endereo, mudei de emprego, mudei de endereo novamente, me casei, fui viajar, minha me teve cncer e se curou, eu e minha esposa tivemos um filho lindo, mudei de endereo mais uma vez e durante todo esse perodo de construo deste trabalho, nunca, nem sequer por um segundo, deixei de ter meus momentos fazendo o que eu mais prezo: exercitar o corpo e a mente. Agradeo minha me Cntia, avs Walter e Olga, meu irmo Ricardo e meus amigos do corao Renato, Renatinho e Mnica Bittencourt, pelo apoio e pela confiana. Sem eles, no conseguiria finalizar mais uma importante etapa de minha vida. Agradeo minha esposa Bianca, pela pacincia nos momentos mais nerds e por, nem sempre, concordar com minhas ideias. Sem ela, no teria melhorado como ser humano. Agradeo ao meu orientador, Professor Osvando J. de Morais, pelo constante incentivo, por doar-se de forma to inspiradora e por permitir acesso ao seu arquivo de conhecimentos. Sem ele, alm de no ter ingressado no curso, no encontraria o final que este trabalho merece. Agradeo aos Professores Paulo Schettino, Maurcio Gonalves, Vicente Gosciola e Luisa Paraguai, pelo timo humor, pela ajuda na confeco do meu projeto e por me guiarem no incio dessa jornada. Sem eles, no conseguiria dar corpo a minha ideia. Agradeo Maysa, Carla, Thifani, Csar, Paulo, Elton, Gabriela, Ana, Andrea, Argemiro, Elison, Robson, Rodrigo, Silvio, Calil, Leonardo, Joo e todos ou outros amigos de curso com quem tive a prazerosa oportunidade de trocar conhecimentos. Saibam que todos se tornaram parceiros para a vida. Obrigado!

O homem no joga seno desde o momento em que plenamente homem; e no totalmente homem seno desde o momento em que joga. (Schiller)

RESUMO Ao considerar o videogame como um produto miditico da indstria cultural de massa contempornea, o que este trabalho prope, no fundo, uma investigao das transformaes culturais e sociais decorrentes dessa afirmao, problematizando a relao gamer/personagem/avatar. Outro propsito foi o de compreender a indstria do videogame em processo de transformao nessa bilionria indstria. Para tanto, ser necessrio conhecer um pouco da histria, desse meio virtual de entretenimento, desde seu surgimento na dcada de cinquenta. Os videogames, reconhecidos como produtos culturais, representam nossas crenas, atitudes e uma srie de questes com as quais jogamos em determinados momentos da vida. A ideia dos games combinar, na narrativa, o envolvimento e a interao do gamer, estabelecendo uma ligao mais profunda, extrapolando a condio de recreao como se apresenta, por exemplo, no game Pong. Objetiva-se, ainda, argumentar sobre o principal interesse dos programadores no estar no aspecto narrativo e o jogador ter que reconhecer e nomear o ponto na tela. Essa condio transforma-se, quando Shigeru Miyamoto, em 1981, prope uma personagem principal para seu game: um encanador corpulento chamado Jumper Man, mais tarde rebatizado de Mrio. Propomos, neste trabalho, uma questo importante, que foi, sem dvida, a evoluo da tecnologia que possibilitou a Miyamoto apresentar uma nova proposta estrutural que ganhava, formalmente, um movimento horizontal. Posto que o jogador comeava o game do lado esquerdo, em uma fase, e sabia que, ao final, estaria no lado direito da tela e, assim, sucessivamente. Por exemplo, Super Mrio Brothers anunciou a nova revoluo do videogame domstico, o que chamaremos, aqui, de A Revoluo de Miyamoto, o nascimento das personagens e da narrativa nos videogames. A partir desse momento histrico, o grau de envolvimento dos indivduos com os games ganha uma outra dimenso, dada pela condio de avatar. Isso representou uma transformao radical no mundo do entretenimento virtual. Para contextualizar a compreenso de um outro paradigma estruturador da relao gamer/personagem/avatar, pretende-se analisar, tambm, de forma mais aprofundada, o game Def Jam: Fight For NY. Nesse revolucionrio jogo, o gamer tem a oportunidade de criar seu avatar, como quiser, dando-lhe as mais distintas caractersticas e a possibilidade do gamer poder construir, literalmente, uma representao de si mesmo e problematizar a relao gamer/avatar/personagem, na estrutura do game, e ir pontuar as referncias tericas a serem pesquisadas no campo da comunicao e da cultura por este trabalho. Palavras-chave: Videogame. Ludologia. Teoria do meio. Comunicao e Identidades. Avatar. Tecnologias. Heternimos. Contemporaneidade.

ABSTRACT Defining videogames as a media product in the contemporary mass culture industry, this paper proposes, in essence, an investigation of the cultural and social changes resulting from this assertion, questioning the relationship gamer/character/avatar. Another purpose is to understand the process of transformation of this multibillion dollar industry. It is therefore necessary to know about the history of this virtual environment of entertainment since its emergence in the fifties. Videogames, understood as cultural products, represent our beliefs, attitudes, and a number of situations in which we play at certain times of our lives. The games focus is to bring players participation and interaction into their narrative, establishing a deeper connection, beyond the mere recreation that would be the case in, for example, the game Pong. Our goal is also to discuss how programmers attention and interest was not in the narrative dimension, but in that the player recognize and name a point on the screen. This situation was transformed when Shigeru Miyamoto proposed, in 1981, the main character in his game: a portly plumber named Jumper Man, later renamed Mario. We put forward an important issue, namely, the evolution of the technology which enabled Miyamoto to introduce a new game structure: horizontal movement. The player started the game on the left side of the screen, and knew that the end would be on the right side of the screen, and so on. For example, Super Mario Brothers brought forth a new revolution in domestic videogames, which we call "Miyamotos Revolution", and which marked the birth of characters and narrative in videogames. From this historical moment, the degree of peoples involvement in games, now given the status of an avatar, gains another dimension. This implied a radical transformation in the world of virtual entertainment. To contextualize the understanding of another structuring paradigm of the relationship gamer/character/avatar, we intend to consider, too, in greater depth, the game Def Jam: Fight For NY. In this revolutionary game, gamers have the opportunity of creating their avatars as they please, granting them the most distinctive features; existing also the possibility for players to build a literal representation of themselves, questioning in the structure of the game the very relationship gamer/character/avatar. This paper aims to point out the theoretical references investigated in the field of communication and culture. Key words: Videogame. Ludology. Medium theory. Communication and Identities. Avatar. Technologies. Heteronymous. Contemporaneity.

RESUMEN Al considerar el videogame como un producto meditico de la industria de la cultura de masas contempornea, este trabajo se propone, en esencia, una investigacin de los cambios culturales y sociales resultantes de esta afirmacin, cuestionando la relacin gamer / personaje / avatar. Otro propsito es entender la industria del videogame en el proceso de transformacin de esta industria millonaria. Para ello, es necesario conocer un poco de la historia de ese medio virtual de entretenimiento, desde su aparicin en los aos cincuenta. Los videogames, reconocidos como productos culturales, representan nuestras creencias, actitudes y una serie de situaciones con las que jugamos en determinados momentos de la vida. La idea de los juegos es combinar en su narrativa la participacin e interaccin de los jugadores, estableciendo una conexin ms profunda, ms all de la condicin de recreacin como se presenta, por ejemplo, en el juego Pong. Nuestro objetivo es discutir, adems, sobre como el inters principal de los programadores no estaba en el aspecto narrativo, sino en que el jugador que reconozca y nombre un punto en la pantalla. Esta condicin se trasform, cuando Shigeru Miyamoto, en 1981, propone el personaje principal de su juego: un plomero corpulento llamado Jumper Man, posteriormente rebautizado como Mario. Proponemos en este trabajo, una cuestin importante, es decir, la evolucin de la tecnologa que permiti a Miyamoto presentar una nueva propuesta estructural que ganaba formalmente un movimiento horizontal. El jugador comenzaba el juego en el lado izquierdo, en una fase, y saba que al final estara en el lado derecho de la pantalla, y as sucesivamente. Por ejemplo, Super Mario Brothers anunci una nueva revolucin en el videojuego domstico, lo que aqu llamaremos de "La Revolucin de Miyamoto", que marc el nacimiento de los personajes y la narrativa en los videogames. A partir de este momento histrico, el grado de participacin de las personas en los games gana otra dimensin, dada la condicin de avatar. Esto represent una transformacin radical en el mundo del entretenimiento virtual. Para contextualizar la comprensin de otro paradigma estructurador de la relacin gamer/personaje/avatar, pretendemos examinar, tambin, con mayor profundidad, el juego Def Jam: Fight For NY. En este revolucionario juego, el gamer tiene la oportunidad de crear su avatar a su gusto, dndole las caractersticas ms distintivas, teniendo, tambin, la posibilidad de que los jugadores construyan, literalmente, una representacin de s mismo cuestionando, en la estructura del juego, la relacin gamer/avatar/personaje. Este trabajo pretende puntualizar las referencias tericas investigadas en el campo de la comunicacin y la cultura. Palabras clave: Videojuegos. Ludologa. Teora del medio. Comunicacin y Identidad. Avatar. Tecnologas. Heternimos. Conteiporaneidad

LISTA DE FIGURASFigura 1 Figura 2 Figura 3 Figura 4 Figura 5 Figura 6 Figura 7 Figura 8 Figura 9 Figura 10 Figura 11 Figura 12 Pr-definio ou personalizao ........................................................ 83 Estrutura corprea .............................................................................. 83 Formato e cor da face ........................................................................ 83 Formato e cor dos olhos ..................................................................... 83 Formato das sobrancelhas ................................................................. 83 Formato do nariz ................................................................................ 83 Formato dos lbios ............................................................................. 84 Formato das orelhas ........................................................................... 84 Formato e cor do cabelo e barba ....................................................... 84 Finalizao do avatar ......................................................................... 84 A diversidade masculina ..................................................................... 94 A diversidade feminina ....................................................................... 94

SUMRIO1 INTRODUO ...................................................................................................... 11 2 DE GUTENBERG A BERNERS-LEE ................................................................... 24 2.1 Novos meios, novos ambientes e novas habilidades ........................................ 31 2.2 A Escola de Toronto e os tericos do meio ........................................................ 33 2.3 A Teoria do Meio ................................................................................................ 36 2.4 Joshua Meyrowitz e a segunda gerao da Teoria do Meio .............................. 39 2.5 JVG, NJVG e a reformatao pelo meio ............................................................ 43 3 A NATUREZA E O SIGNIFICADO DO JOGO ...................................................... 48 3.1 De Tnis para Dois a Donkey Kong .................................................................. 55 3.2 A valorizao da narrativa .................................................................................. 58 3.3 Ludologia ........................................................................................................... 59 3.4 Por uma Ludo-narratologia ................................................................................ 61 3.5 Uma narrativa dos games ................................................................................. 62 3.6 Neo-narrativas=interao .................................................................................. 68 3.7 Interatividade nas mediaes computacionais .................................................. 69 3.8 Interao mtua, interao reativa e a multi-interao ...................................... 76 4 DEF JAM: FIGHT FOR NEW YORK ................................................................... 82 4.1 O avatar e a personagem .................................................................................. 85 4.2 A produo do discurso ..................................................................................... 87 4.3 A ideologia e o produto ...................................................................................... 90 4.4 A diversidade em Def Jam: Fight For New York ................................................. 93 4.5 O contemporneo e a(s) identidade(s) .............................................................. 94 4.6 A comunicao na construo da(s) identidade(s) ............................................ 96 4.7 A descentralizao do sujeito ............................................................................ 99 4.8 A heteronmia como resposta .......................................................................... 100 5 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................ 111 6 REFERNCIAS ................................................................................................. 116

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1 INTRODUO Em nosso trabalho, analisamos, em um primeiro momento, os conceitos de Comunicao e de Cultura, pois julgamos importante que o leitor esteja ciente da escolha dos conceitos de que iro nortear nossa anlise. Para tanto, escolhemos o conceito de Ciro Marcondes Filho, no qual pontua que o termo comunicao, no geral, [...] O ato de transmitir e trocar signos e mensagens, referindo-se mais alm circulao de bens e pessoas. De forma mais ampla, ele se aplica aos processos tcnicos de transmisso e troca de mensagens que vieram com a imprensa, o rdio, a televiso e os satlites. (MARCONDES, 2002, p. 9)

Na inteno de manter-se afastado dos usos difusos e fsicos do termo, Marcondes diz que a comunicao relaciona-se de forma direta com o comum e com a comunho. De certa forma, o primeiro aspecto est intimamente relacionado noo do pertencimento simultneo a vrios sujeitos. Como pontua o filsofo grego Plato, que enftico quando afirma que, de certa forma, a semelhana deriva de uma participao efetiva de uma ideia comum entre as participantes de tecido social. J o segundo aspecto diz respeito s semelhanas de ideias, pensamentos e crenas entre pessoas que tm conscincia dessa semelhana e tentam entend-la de alguma forma. Logo, seria um ambiente que proporciona uma espcie de bem-estar moral aos indivduos nele inseridos. (MARCONDES, 2002, p. 10) Nesse contexto, pode-se inferir que a comunicao pode ser vista como um processo constitudo no relacionamento entre emissor e receptor que, em muitas situaes, trocam de papel, quantas vezes acharem necessrias definindo-se como parceiros em um processo comunicacional que interagem continuamente. No mbito da cultura, homens e mulheres esto inseridos em um esquema poltico-social-econmico e em determinado contexto geogrfico. Bronislaw Malinowski, por seu turno, pontua que a cultura representada pelo todo integral constitudo por implementos e bens de consumo, por cartas constitucionais para os vrios agrupamentos sociais, por ideias e ofcios humanos, por crenas e costumes. (MALINOWSKI, 1975, p. 42) De acordo com o autor, ao considerarmos uma cultura primordial ou uma cultura desenvolvida, iremos nos deparar com uma vasta aparelhagem, parte

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material, parte humana, parte espiritual, que ajudar o indivduo a lidar com seus problemas concretos, especficos, com os quais se confrontar em seu cotidiano. (MALINOWSKI, 1975, p. 42) Aps ter exposto suas anlises funcional e institucional sobre o termo, Malinowski pontua queA cultura um conjunto integral de instituies em parte autnomas, em parte coordenadas. Ela se integra base de uma srie de princpios, tais como: a comunidade de sangue, por meio da procriao; a contiguidade espacial, relacionada cooperao; a especializao de atividades; e, por fim, mas no menos importante, o uso do poder na organizao poltica. (MALINOWSKI, 1975, p. 46)

Com base nas ideias destacadas acima, pode-se pensar que os processos comunicacionais decorrentes das trocas sejam elas mediadas ou no entre seres humanos concretos e atuantes, no mundo, constroem as culturas que, por sua vez, do forma aos processos comunicacionais, constituindo-se, assim, uma relao bastante orgnica e que no h como desvencilhar-se. Assim, ao considerar o videogame como um produto miditico da indstria cultural de massa contempornea, o que este trabalho prope, no fundo, uma investigao das transformaes culturais e sociais decorrentes dessa afirmao, problematizando a relao gamer/personagem/avatar. Desse modo, podemos inferir que o videogame tambm prope as tradicionais trocas culturais, como pr-requisito para que haja de fato comunicao no sentido pleno da palavra. Por isso, no que tange a essas trocas culturais, enfoque to requisitado em trabalhos acadmicos de abordagem comunicacional, salientamos que nossa ateno recaiu especificamente e, principalmente, sobre as trocas mediadas ou midiatizadas, uma vez que pensar apenas as questes presenciais delimitariam nosso ponto de vista e, tambm, o propsito primrio deste trabalho, que no tautolgico. Isso, de certa forma, no quer dizer que no damos a devida ateno s questes presenciais, to inerentes aos processos comunicacionais mais tradicionais Todavia, vale atentar que, atualmente, no h como se pensar a comunicao, sem ter em mente a questo da mediao de algum tipo de aparato (tecnolgico ou no) e que determinados aparatos servem, tambm, para aproximar os indivduos e promover trocas presenciais, como no caso de alguns videogames objeto de estudo deste trabalho.

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Aps

meio

sculo

de

estudos sobre

os meios

de

comunicao,

aparentemente, no restam dvidas do poder de transformao que os sistemas miditicos exercem sobre nossas culturas e sobre o fato de que muitas delas exibem algum tipo de relao ntima com as tecnologias comunicacionais, neste contexto ps-moderno no qual estamos inseridos. Sabemos, ainda, que no estar conectado ao mundo e com suas possibilidades tecnolgicas compressoras, que quebram a noo de espao e de tempo, poderia gerar, ainda, categorias variadas de abismos culturais e acabaria, ainda, por nos relegar modalidade de outsiders. Alm disso, outro propsito de nossa pesquisa foi o de compreender a indstria do videogame em processo de transformao nessa bilionria indstria. Para tanto, ser necessrio conhecer um pouco da histria, desse meio virtual de entretenimento, desde seu surgimento na dcada de cinquenta. Tambm fica evidente que a ideia dos games , no fundo, combinar, na narrativa, o envolvimento e a interao do gamer, estabelecendo uma ligao mais profunda, extrapolando a condio de recreao como se apresenta, por exemplo, no game Pong. De certo modo, est patente que nem todos os indivduos inseridos nesse contexto tecnolgico esto completamente capacitados para o que pode ser proporcionado pelos meios de comunicao. Por outro lado, parece igualmente clara a criao de uma tendncia ou necessidade de que todos, sem nenhuma exceo, mesmo inconscientes, esto inseridos no chamado mundo digital. Percebemos, ento, a inevitvel instalao de uma espcie de paradoxo moderno, talvez o maior e mais problemtico de todos. Estamos conectados ao mundo da tecnologia e dependemos dele o tempo todo para que possam interagir com o prprio mundo, seja no contexto da pura informao ou da diverso simplesmente, tudo tem como foco a tecnologia que se impe com ruptura e instalao de barreiras, num paradoxo que nos impele s reflexes. De qualquer forma, independente da insero dos indivduos, nesse ou naquele mundo, e sejam os meios de massa, manipuladores ou no, muitos estudiosos (entre eles, Adorno, Horkheimer, Baudrillard, Thompson, Havelock, Innis, McLuhan, Meyrowitz etc.) j expuseram seus postulados e, hoje, fica muito claro para ns que os meios de comunicao reformataram e reformataro constantemente nossas culturas, transformando nossos ambientes e nossas habilidades para a comunicao com o outro e com o mundo. nesse mbito de transformaes constantes, que o objeto de estudo deste

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trabalho se enquadra. Assim, podemos dizer que os videogames, reconhecidos como produtos culturais, representam nossas crenas, atitudes e uma srie de questes com as quais jogamos em determinados momentos da vida. Nesse momento, podemos propor o que seria uma breve descrio das partes que compem nosso trabalho, bem como uma exposio dos conceitos que estaro inseridos nelas, a partir de cada captulo e seus enfoques. Posto que o jogador comeava o game do lado esquerdo, em uma fase, e sabia que, ao final, estaria no lado direito da tela e, assim, sucessivamente. Por exemplo, Super Mrio Brothers anunciou a nova revoluo do videogame domstico, o que chamaremos, aqui, de A Revoluo de Miyamoto, o nascimento dos personagens e da narrativa nos videogames. Assim, a partir desse momento histrico, o grau de envolvimento dos indivduos com os games ganha uma outra dimenso, dada pela condio de avatar. Isso representou uma transformao radical no mundo do entretenimento virtual. Para contextualizar a compreenso de um outro paradigma estruturador da relao gamer/personagem/avatar, pretende-se analisar, tambm, de forma mais aprofundada, o game Def Jam: Fight For NY. No primeiro captulo, com base em Manuel Castells (1999), inserimos o leitor na segunda metade do sculo XX e abordamos o surgimento de um novo sistema de comunicao global, no qual o receptor de outrora passou a ter perante si a possibilidade de receber o status de emissor. Obviamente, isso no quer dizer que o primeiro deixou de existir. Houve, na verdade, uma amplitude de possibilidades. Desse modo, propomos, neste trabalho, uma questo importante e que no deixa dvida aos que esto em constante interatividade com esse meio: foi a evoluo da tecnologia que possibilitou a Miyamoto apresentar uma nova proposta estrutural que ganhava, formalmente, um movimento horizontal. Desse modo, devemos lembrar que carregamos, em nossas subjetividades, muitos anos de hbitos predominantemente pouco crtico em relao aos meios de comunicao, sobretudo em relao televiso, que no entender de muitos especialistas doutrinou o olhar humano. Todavia, como deixamos claro, na primeira parte deste trabalho, o surgimento de novos meios que possibilitaram maiores nveis de interao seja com o prprio meio ou com o outro , demandaram novas posturas dos meios em si e daqueles que os consomem.

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Ento, vale ressaltar, nesse contexto, que uma nova tcnica no substitui completamente antiga. Assim como o rdio no substituiu a imprensa escrita, nem a televiso no substituiu o rdio, por exemplo, podemos pensar que um novo meio no faz com que seu antecessor deixe de existir. Muito pelo contrrio, pode ser absorvido, em muitos casos. O novo pode enfraquecer o anterior, mas no o extingue por completo. O novo meio suplementa o antigo e suplementa nossas habilidades para que possamos us-lo. Assim, podemos at nos arriscar em dizer que no deixaremos de assistir televiso ou de ouvir rdio. Iremos faz-lo em outras plataformas, com habilidades outras e das mais diferentes formas. Isso principalmente, a partir do advento da Internet. E, ainda, podemos arriscar novamente em dizer que a televiso, em razo de sua evoluo conectiva e das inevitveis convergncias miditicas e culturais, est para receber uma nova e desconhecida denominao em breve. Alm de passar a exercer outras funes, alm da do entretenimento. Nesse aspecto, nossa pesquisa objetiva, ainda, argumentar sobre o principal interesse dos programadores no estar no aspecto narrativo e o jogador ter que reconhecer e nomear o ponto na tela. Essa condio transforma-se, quando Shigeru Miyamoto, em 1981, prope uma personagem principal para seu game: um encanador corpulento chamado Jumper Man, mais tarde rebatizado de Mrio. Assim, sob esse vis, no primeiro captulo, discutimos as ideias de Derrick De Kerckhove (2003), abordamos as questes de como as mdias editam e, ao mesmo tempo, alteram o ambiente para ns, como elas editam o indivduo1 e como esses indivduos esto se modificando em decorrncia usos que fazem das mdias a que esto expostos ou vinculados diariamente. Para o autor, as telas se tornaram to ntimas, e esto ficando to mais prximas do homem, que so quase uma biotecnologia. (KERCKHOVE, 2003, p. 15) Essa edio proposta por Kerckhove contribuiu para dar corpo ao ttulo do primeiro captulo. Em Novos meios, novos ambientes e novas habilidades, abordamos a questo dos meios de comunicao enquanto objeto de estudo e suas influncias, tendo como centro principal o videogame do sculo XXI. Para tanto, buscamos a Escola de Toronto e alguns dos tericos que fazem parte dessa corrente Harold Innis, Eric Havelock, Marshall McLuhan e Joshua Meyrowitz e1

Derrick de Kerkhove usa o termo usurio; mas, neste trabalho, optamos por usar o termo indivduo, por acreditar que o primeiro pode trazer um sentido de vcio.

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ainda aproveitamos para mostrar, atravs de um estudo neurocientfico, que o ato de jogar videogame, apesar de carregar o estigma de algo infantilizado e at mesmo idiotizado pode, de fato, contribuir positivamente para as habilidades de nosso sistema sensrio-motor. Ser at um contributo educao. No segundo captulo, abordamos as diversas questes inseridas no contexto do jogo, a partir de autores como Iuri Lotman, Fernando Pontes, Celina Magalhes, Nicola Abbagnano e Johan Huizinga e aproveitamos, tambm, para apresentar uma tipologia dos jogos proposta por Roger Caillois. Pode-se ver, mais adiante, que os pontos de vista sobre o jogo podem ser muitos e, como expe Johan Huizinga, na introduo de seu Homo Ludens (2000), considerar jogo toda e qualquer atividade humana seria bvio demais. Mesmo assim, o autor no v razo para que abandonemos a noo de jogo como fator distinto e fundamental, presente em todas as situaes que acontecem em nosso mundo. Para esse autor, no jogo e atravs dele que a civilizao surge e se desenvolve. Por isso, ele v o jogo como elemento da cultura e no como um elemento inserido na cultura, pois sua inteno no est na definio de um lugar para o jogo entre as manifestaes culturais, mas sim em determinar at que ponto a cultura em si possuidora de um carter ldico. Conceituar a palavra jogo no tarefa simples, pois devemos considerar as diversidades encontradas em toda esfera global. Nesse sentido, Huizinga pontua queAo falarmos do jogo como algo que todos conhecem e ao procurarmos analisar ou definir a idia que essa palavra exprime, precisamos ter sempre presente que essa noo definida e talvez at limitada pela palavra que usamos para exprimi-la. Nem a palavra nem a noo tiveram origem num pensamento lgico ou cientfico, e sim na linguagem criadora, isto , em inmeras lnguas, pois esse ato de "concepo" foi efetuado por mais do que uma vez. No seria lcito esperar que cada uma das diferentes lnguas encontrasse a mesma ideia e a mesma palavra ao tentar dar expresso noo de jogo, semelhana do que se passa com as noes de "p" ou "mo", para as quais cada lngua tem uma palavra bem definida. (HUIZINGA, 2000, p. 24)

Assim, se considerarmos a maneira como tal noo pode ser expressa pelas palavras mais comuns, na maior parte das lnguas europeias modernas como no caso do nosso portugus, por exemplo , o autor prope a noo de que o jogo

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[...] uma atividade ou ocupao voluntria, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espao, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatrias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tenso e de alegria e de uma conscincia de ser diferente da "vida quotidiana". (HUIZINGA, 2000, p. 24)

Por considerarmos a noo, acima descrita, a que mais se aproxima de nosso objeto de estudo, este trabalho dar maior ateno a essa noo. Nesse contexto, claro que levamos em considerao a multiplicidade de significados que a palavra jogo pode carregar e, assim como Huizinga, tambm, consideramos a possibilidade de que alguma lngua tenha conseguido sintetizar os diversos aspectos do jogo, em uma s palavra melhor do que tantas outras capazes de expressar uma multiplicidade de sentidos que se aglutinam no entorno de uma ideia concentrada no ato de jogar. No entanto, por acreditar que essa a noo mais apropriada ao videogame e no, intuito de proporcionar ao leitor um maior conforto, preferimos optar por esse termo. Tendo definida a noo de jogo que usamos, como prximo passo, no segundo captulo, apresentamos ao leitor um panorama histrico do videogame. Em De Tnis para Dois a Donkey Kong, abordamos o surgimento desse meio, no contexto da Guerra Fria, evento que gerou o desenvolvimento de tecnologia computadorizada, para que o lanamento de msseis e situaes de combates, de certa forma, pudesse ser simulado. De um experimento em um osciloscpio, passando pela corrida espacial das dcadas de 50 e 60, pela chegada do videogame s residncias norte-americanas, pela transformao da televiso em um parque de diverses e o lanamento do game Pong, em 1972, pela Atari, de Nolan Bushnell, deixamos o Ocidente e fomos em direo ao Oriente, onde as influncias para a produo de games tm como base a Segunda Guerra Mundial. No Japo, vimos, tambm, uma verdadeira onda de invasores digitais inserir o pas na linha de frente da indstria do videogame, bem como o surgimento da vontade de se conquistar outro tipo de pblico que optasse pela no-violncia, por meio do game Pac Man, o primeiro a introduzir um protagonista em um videogame. Esse acontecimento representou um salto nas narrativas de videogame e fez surgir um novo segmento de trabalho para designers de games: a criao de personagens que pudessem explorar o envolvimento com o indivduo jogador de videogame, o gamer.

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Com o foco voltado para o ciberespao, Janet Murray (2003, p. 149) chama esse indivduo que improvisa os caminhos determinados pelo autor e pelas obras das novas mdias de interator. Vicente Gosciola (2003, p. 20) faz uso do termo usurio que engloba as aes de uso, utilizao e comunicao com a obra por consider-lo mais abrangente, uma vez que a hipermdia nem sempre permite que o usurio faa tais improvisaes. Neste trabalho, optamos por denominar o interator de Murray e o usurio de Gosciola como gamer, uma vez que o mesmo est inserido no contexto dos videogames de consoles. De certa forma, este trabalho enfatiza que os videogames representam crenas, atitudes, ideologias e uma srie de outras questes com as quais os indivduos dialogam em determinados momentos de suas vidas. A ideia dos videogames combinar, na narrativa, o envolvimento e a interao do gamer, estabelecendo uma ligao mais ntima, extrapoladora da simples condio de recreao caracterstica de outros produtos, como a televiso ou o cinema, por exemplo. Assim, o grande diferencial do videogame encontra-se, antes de tudo, na interatividade e no grau de envolvimento oferecido por ele. Se relembrarmos que a grande maioria dos games, da dcada de 70, era desprovido de uma personagem central e a tela permanecia esttica, no permitindo interaes, perceberemos que o interesse dos programadores no estava no aspecto narrativo, cabendo ao gamer uma total abstrao, a fim de caracterizar e at nomear o ponto na tela. Por essa razo, apresentar, imageticamente, uma personagem, com a qual o gamer tenha a possibilidade de criar graus de envolvimento, foi to importante e ainda algo imprescindvel de nosso ponto de vista para o mundo dos videogames. Muito, provavelmente, a quebra de paradigma necessria para que o videogame atingisse o status de meio de comunicao expressivo ocorreu em 1981. Em Donkey Kong, de Shigeru Miyamoto, a personagem parecia ser feita de carne e osso e tinha a tarefa de salvar a princesa de um terrvel gorila. evidente que a tecnologia dos anos 80 tornou possvel a Miyamoto apresentar uma nova proposta estrutural para os games e, mais do que isso, anunciou a primeira revoluo do videogame domstico, que denominaremos, aqui, como a Revoluo de Miyamoto. Evidentemente que fica claro que outras revolues ocorreram e, ainda, ocorrero, no que diz respeito ao universo dos videogames, mas o importante que

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o nome de Miyamoto no ser esquecido to cedo, devido contribuio ao mundo dos games, que possibilitou deixar um legado para o mundo do entretenimento. Logo, provvel que cada nova gerao de consoles e perifricos represente uma revoluo das tcnicas desse meio e no seria exagero pensar que, talvez, tal sucesso de revolues represente uma espcie de ciclo infindvel. Afinal, quem poderia responder de maneira precisa aonde a tecnologia dos videogames poder chegar e o que ela poder fazer? De qualquer maneira, esse importante momento da indstria do

entretenimento fez com que o grau de envolvimento dos gamers em relao aos videogames pudesse ganhar uma dimenso outra, com propsito verdadeiro, dada pela condio de avatar2, cuja presena determinante no processo de construo das narrativas de videogames. Em narrativas caractersticas de meios audiovisuais como o cinema, temos exemplos de histrias contadas com certa complexidade, mas sabemos que tais produtos permanecem imutveis, no importando quantas vezes os vejamos. claro que, no campo da abstrao, podemos l-los, assimil-los e at mesmo reconstru-los; porm, o fato de que no podemos interferir em suas narrativas ou interagir com esses produtos ainda permanecer imutvel. Assim, podemos dizer que continuamos como agentes passivos em uma relao unidirecional, na qual a no-interao prevalece3. Por essa razo interativa, a indstria dos videogames j superou, em termos financeiros, a indstria do cinema e da msica somados, ficando atrs apenas da indstria blica e da indstria automotiva, respectivamente. Os videogames, como novas tecnologias de comunicao e informao, tambm, esto aptos a contar histrias de maneira complexa, mas com alguns diferenciais essenciais. As informaes, nesse meio, so formadas por unidades binrias que podem ser processadas, em tempo real, e de acordo com o comando do gamer. Ou seja, permite que ele v alm do simples ouvir, ler ou assistir s imagens expostas na tela. No isso ficou para trs. A partir da revoluo tecnolgica,

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Datao: 1871 cf. DV; Acepes: substantivo masculino; 1 Rubrica: religio; na crena hindusta, descida de um ser divino terra, em forma materializada [Particularmente cultuados pelos hindus so Krishna e Rama, avatares do deus Vixnu; os avatares podem assumir a forma humana ou a de um animal.]; 2 processo metamrfico; transformao, mutao. Ex.: o a. de um artista; Etimologia: fr. avatar (1800) descida, adp. do snsc. avatra descida do Cu Terra. Fonte: Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa. Ver ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialtica do Esclarecimento: Fragmentos Filosficos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

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os videogames tornam possvel a participao ativa do gamer a todas as narrativas e essas, por sua vez, so pensadas e estruturadas para o gamer. As narrativas de videogames demandam a ao do gamer. Em concordncia com Lev Manovich (2001, p. 8), optamos por assumir como novas mdias os vdeos e cinemas digitais, os sites da web, os ambientes e mundos virtuais, os games de computador e de consoles computadorizados, as instalaes interativas por computador, as animaes com imagens reais e sintetizadas por computador, multimdias e demais interfaces humano-computador. Nesse momento, julgamos oportuno que os conceitos de termos como audiovisual, hipertexto, multimdia e hipermdia, que sero utilizados neste trabalho, sejam apresentados ao leitor. Dessa maneira, o audiovisual, de acordo com Gianfranco Bettetini (1996, p. 32), trata-se de um produto objeto ou processo que, com o propsito de troca comunicacional, trabalha com os estmulos sensoriais da audio e da viso e, ao contrrio de outras formas de comunicao que se referem a um s sentido, como a pintura e a fotografia, por exemplo, o audiovisual se encontra em meios como a televiso, o cinema, o vdeo, a multimdia, a computao grfica, o hipertexto, a hipermdia e a realidade virtual. Os dois ltimos podem at mesmo ter ampliado o nmero de canais de comunicao ao se acrescentar o paladar, o olfato, o tato e o sentido do corpo. (GOSCIOLA, 2003, p. 21) Atualmente, existem perifricos que operam com simulaes de sabor, aroma, presso, temperatura ttil e escaneamento de movimentos corporais. Nesse sentido, podemos citar como exemplo prtico de reconhecimento de voz e leitura de movimentos em videogames o Kinect antigo Project Natal da Microsoft4, considerado a mais nova revoluo nas tcnicas de jogar videogames. Para Pierre Lvy, um hipertexto Um conjunto de ns ligados por conexes. Os ns podem ser palavras, pginas, grficos, ou partes de um grfico, sequncias sonoras, documentos complexos que podem eles mesmos ser hipertextos. Os itens de informao no so ligados linearmente, como em uma corda com ns, mas cada um deles, ou a maioria, estende suas conexes em estrela, de modo reticular. Navegar um hipertexto significa, portanto desenhar um percurso em uma rede que pode ser to complicado quanto possvel. Porque cada n pode, por sua vez, conter uma rede inteira. (LVY, 2004, p. 33)

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Acessar: http://www.xbox.com/pt-br/kinect

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Segundo Tay Vaughan (2008, p. 1), multimdia qualquer combinao de textos, imagens, sons, animaes e vdeos disponibilizados ao indivduo, atravs de um computador ou qualquer outro meio eletrnico ou digital manipulvel. Quando se permite ao indivduo controlar os elementos de um produto multimiditico controlar como e quando determinado elemento ser disponibilizado , pode-se denominar esse produto de multimdia interativa. Sobre o termo hipermdia, Lcia Santaella diz queAlm de permitir a mistura de todas as linguagens, textos, imagens, som, mdias e vozes em ambientes multimiditicos, a digitalizao que est na base da hipermdia tambm permite a organizao reticular dos fluxos informacionais em arquiteturas hipertextuais [...]. O poder definidor da hipermdia est na sua capacidade de armazenar informaes e, atravs da interao do receptor, transmuta-se em incontveis verses virtuais que vo brotando na medida mesma em que o receptor se coloca em posio de autor. Isso s possvel devido estrutura de carter hiper, no sequencial, multidimensional que d suporte as infinitas aes de um leitor imersivo. (SANTAELLA, 2004, p. 48-49)

Uma vez inseridos no contexto das novas mdias e das novas possibilidades de construo de narrativas e interaes no-lineares prprios desses novos ambientes, podemos pensar que os videogames trazem uma linguagem prpria ou um mix de linguagens que os caracterizam como produtos miditicos da indstria cultural de nosso tempo, capazes de transformar por meio da evoluo de suas tcnicas o receptor de outrora em usurio, interator, gamer etc. Os novos meios digitais tornam possvel a participao do indivduo a todas essas narrativas. Os novos jogos permitem que o gamer possa interagir amplamente com as narrativas e, assim, vivenci-las de alguma maneira, tendo como foco a busca do prazer esttico-visual, algo inerente sociedade ps-moderna hedonista que determina as regras do chamado jogo social. Assim como na velocidade das atualizaes da era digital, em que novos aparatos tecnolgicos so lanados a todo instante, temos que estar em constante adaptao no sentido de diminuir os rudos e buscar uma evoluo nas comunicaes a fim de que a criao de abismos entre ns e o mundo seja evitada. Ainda, no segundo captulo, abordamos questes da narratologia, da ludologia e um conceito que unifica ambas as linhas para uma narrativa dos games e, tambm, aproveitamos a oportunidade para apresentar os conceitos de interao

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mtua e interao reativa de Alex Primo5, no contexto dos videogames, como forma de pensar esses meios como pontes sociais que possibilitam interaes presenciais qualitativas, por meio das multi-interaes. O terceiro captulo tem como proposta apresentar e analisar o game de ao Def Jam: Fight For New York6 para Playstation 2. Assim, verificamos alguns pontos em especfico como o discurso inserido em sua narrativa, o contexto social e sua ideologia, indispensveis para o desenvolvimento e distribuio do mesmo, bem como as questes de identificao do pblico potencial em relao s diversidades das personagens contidas em DJFFNY. No intuito de caracterizar o discurso ideolgico do realizador do game DJFFNY, julgamos ser apropriado que uma pequena introduo histria do movimento do hip-hop pudesse ser feita nesse captulo. Para tanto, utilizamos autores como Steven Hager, Ella Shohat, Robert Stam e Isaac Epstein. Assim, pode-se dizer que o discurso contido em DJFFNY carrega a seiva da cultura do cenrio do hip-hop norte-americano contemporneo. Temos, na verdade, o contexto de ambientes, predominantemente, urbanos, em que cada indivduo busca encontrar a sua identidade dentro do contexto das tribos. Ou seja, muitas grias, roupas e acessrios da moda e de grifes ditas importantes, carros carssimos, tatuagens, msculos, bling blings7 em excesso, alm de vrias mulheres voluptuosas e muito sex-appeal. Na verdade, esses so alguns dos ingredientes que caracterizam esse discurso e a ideologia dos indivduos inseridos, nesse contexto, que serve de background para que o game seja desenvolvido e que garante que o mesmo possa atingir de maneira satisfatria do ponto de vista mercadolgico o pblico a que destinado originalmente. Assim, passo a passo, apresentamos ao leitor as definies de ideologia escolhidas para este trabalho, os conceitos de avatar e personagem, as diversidades representadas em DJFFNY, as questes da identidade, nos dias atuais, e como os indivduos/gamers se identificam com as personagens contidas em DJFFNY. Assim, aproveitamos, tambm, as diversidades dessas personagens para problematizar o trnsito entre o gamer/personagem/avatar e abordamos as5 6 7

Acessar: http://www.interney.net/blogs/alexprimo/ Acessar: http://www.ea.com/official/defjam/fightforny/us/home.jsp Gria popularizada na cultura do hip-hop que se refere s joias bastante brilhantes e elaboradas e acessrios ornamentados carregados ou instaladas, como correntes, pulseiras, brincos, telefones celulares, capas para os dentes, etc.

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questes sobre a descentralizao do sujeito, a partir da heteronmia pessoana, tendo como referncia, a obra do poeta lusitano, Fernando Pessoa, que se reconfigurou em heternimos, entidades independentes que tinham forma prpria de expresso. Nesse revolucionrio jogo, o gamer tem a oportunidade de criar seu avatar, como quiser, dando-lhe as mais distintas caractersticas e a possibilidade do gamer poder construir, literalmente, uma representao de si mesmo e problematizar a relao gamer/avatar/personagem, na estrutura do game, e ir pontuar as referncias tericas a serem pesquisadas no campo da comunicao e da cultura por este trabalho. Finalmente, cabe lembrar que nosso trabalho teve como foco principal os videogames como meios de comunicao expressivos de nossa era, seja em relao ao seu papel desempenhado na cultura humana, desde o incio do terceiro milnio, seja em relao ao estmulo do avano tecnolgico da indstria do entretenimento, pois algo que se torna slido a ideia de que, como j fora dito, anteriormente, o que caracteriza o nosso tempo so os jogos eletrnicos, os games. Contexto que evidencia a ps-modernidade do nosso tempo, e dialoga com a realidade virtual que se impe cada vez mais, como algo preponderante deste milnio, em que a palavra, antes riscada a carvo no fundo de uma caverna, agora digitalizada para fundir imagem.

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2 DE GUTENBERG A BERNERS-LEE A partir do esprito alfabtico de Havelock, originrio de uma transformao qualitativa na comunicao humana8, pode-se perceber o preenchimento do espao existente entre o discurso oral e o discurso escrito, uma separao do que falado daquele que fala e a possibilidade do discurso conceitual. Sculos mais tarde, graas tcnica de Gutenberg possibilitadora da difuso da alfabetizao , vimos uma comunicao cumulativa, com base no conhecimento, ser proporcionada. Conforme Castells, essa nova ordem alfabtica separava a comunicao escrita da audiovisual de smbolos e percepes (1999, p. 413) e a adoo do discurso escrito relegaram os sons e as imagens aos bastidores da arte. Mas, no sculo XX, o sistema predominantemente tipogrfico cedeu lugar a um sistema audiovisual cinema e televiso e mais, atualmente, integrao de vrios modos de comunicao em uma rede mundial. Ou, nas palavras do autor, a formao de um hipertexto como uma metalinguagem que, pela primeira vez na histria, integra no mesmo sistema as modalidades escrita, oral e audiovisual da comunicao humana. (CASTELLS, 1999, p. 414)A integrao potencial de texto, imagens e sons no mesmo sistema interagindo a partir de pontos mltiplos, no tempo escolhido (real ou atrasado) em uma rede global, em condies de acesso aberto e de preo acessvel muda de forma fundamental o carter da comunicao. (CASTELLS, 1999, p. 414)

H de se concordar com Castells, citando Postman9, quando o autor pontua que a comunicao, decididamente, molda a cultura, poisNs no vemos [...] a realidade [...] como ela , mas linguagens. E nossas linguagens so nossos meios Nossos meios de comunicao so nossas metforas. criam o contedo de nossa cultura. (POSTMAN, apud 414) como so nossas de comunicao. Nossas metforas Castells, 1999. p.

Nesse contexto de transformaes de sistemas de crenas e cdigos construdos, ao longo do tempo, podemos pensar que as culturas passam a ser8

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Ver HAVELOCK, Eric A. A revoluo da escrita na Grcia e suas consequncias culturais. So Paulo: UNESP/Paz e Terra, 1996. Ver POSTMAN, Neil. Amusing ourselves to death: public discourse in the age of show business. New York: Penguim books, 1985, p. 15.

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encaradas como produtos da comunicao e que elas esto, em sua grande maioria, inseridas em um sistema eletrnico moderno extremamente voltil e de constantes reformataes, caracterizado por seu alcance global, como fora previsto por Marshall McLuhan no incio dos anos 60. Da Galxia de Gutenberg Galxia de McLuhan e o surgimento de uma cultura de massa, na qual a predominncia era da televiso, Castells atribui essa predominncia s escolhas das pessoas pelo caminho de menor resistncia, uma manuteno do status quo, que ele denomina de sndrome do mnimo esforo. Segundo o autor, apenas uma pequena proporo de pessoas escolhe, antecipadamente, o programa a que assistir [...]. A primeira deciso assistir televiso, depois os programas so examinados at que se escolha o mais atrativo. (CASTELLS, 1999, p. 416) A partir da dcada de 80, novas tecnologias passaram a transformar o universo dos meios de comunicao que, consequentemente, transformaram o modo como os indivduos passariam a se relacionar com as novas possibilidades proporcionadas. Nesse sentido, como Castells o fizera, deve-se considerar a natureza interativa dos indivduos e o fato de que a audincia pode no ser to passiva como se imaginavam, anteriormente, alguns tericos. Tal considerao levou os meios de comunicao a inevitveis mudanas e, de meios de massa, os mesmos passaram segmentao, adequao e individualizao, permitidos somente pela tecnologia e pela demanda exteriorizada de uma audincia no-passiva potencial, caracterstica dos meios eletrnicos. A respeito das novas tendncias dos meios, descrita por Castells como uma das melhores avaliaes sobre a questo, Franoise Sabbah pontua queEm resumo, a nova mdia determina uma audincia segmentada, diferenciada que, embora macia em termos de nmeros, j no uma audincia de massa em termos de simultaneidade e uniformidade da mensagem recebida. A nova mdia no mais mdia de massa no sentido tradicional do envio de um nmero limitado de mensagens a uma audincia homognea de massa. Devido multiplicidade de mensagens e fontes, a prpria audincia torna-se mais seletiva. A audincia visada tende a escolher suas prprias mensagens, assim aprofundando sua segmentao, intensificando o relacionamento individual entre o emissor e o receptor. (SABBAH, 1985, p. 219)

Entretanto, sabemos que tal diversificao de mensagens no implica uma perda significativa do controle da televiso sobre os outros meios de comunicao

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da poca. Muito pelo contrrio, percebemos um aumento nos investimentos em comunicao, a formao de grupos cada vez maiores e alianas cada vez mais monopolistas, a fim de que uma generosa fatia de um mercado em transformao seja conquistada. Mas, essa uma discusso que reservaremos para outra oportunidade. Contudo, o aperfeioamento do sistema de produo e transmisso de contedos, o aumento do nmero de canais, perifricos e afins e a diversificao dos meios de comunicao no transformaram o padro unidirecional de transmisso das mensagens, pois o real feedback no poderia ser considerado, no mnimo, palpvel. Com exceo de pesquisas pr-determinadas e, supostamente tendenciosas, nas quais o tempo j havia passado e as respostas j no seriam mais as mesmas. Talvez, no caso da TV, tal panorama possa ser alterado com as possibilidades da chamada TV Digital Interativa, pois se trata de um meio com base em outro, no qual as respostas podem ser proferidas em tempo real: a Internet. Conforme afirma CastellsEmbora a audincia recebesse matria-prima cada vez mais diversa para cada pessoa construir sua imagem do universo, a Galxia de McLuhan era um mundo de comunicao de mo nica, no de interao. Era, e ainda , a extenso da produo de massa, da lgica industrial para o reino dos sinais e, apesar do gnio de McLuhan, no expressa a cultura da era da informao. Tudo porque o processamento das informaes vai muito alm da comunicao de mo nica. A televiso precisou do computador para se libertar da tela. Mas, seu acoplamento, com consequncias potenciais importantssimas para a sociedade em geral, veio aps um longo desvio tomado pelos computadores para serem capazes de conversar com a televiso apenas depois de aprender a conversar entre si. S, ento, a audincia pde se manifestar. (CASTELLS, 1999, p. 427)

Nesse sentido, com base no acoplamento referido por Castells e na comunicao entre computadores, podemos pensar que as relaes de trocas em tempo, praticamente, real representam a essncia da Internet. Ela a espinha dorsal da comunicao global mediada por computadores (CMC): a rede que liga a maior parte das redes10 e podemos dizer que, hoje, ela a grande formatadora de nossos padres de comunicao, pois nossas maneiras de atuar, na rede e com a rede, transportam-se, inevitavelmente, para nosso cotidiano real e vice-versa, em uma espcie de trnsito arriscado.10

Ver CASTELLS, Manuel. A cultura da virtualidade real: a integrao da comunicao eletrnica, o fim da audincia de massa e o surgimento de redes interativas. In: A era da informao: economia, sociedade e cultura. A sociedade em rede. So Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 431.

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John Perry Barlow11 disse que estamos, agora, criando um espao no qual o povo do planeta pode ter (um novo) tipo de relacionamento: quero poder interagir totalmente com a conscincia que est tentando se comunicar comigo. William Mitchell12 afirmou que esto emergindo on-line novas formas de sociabilidade e novas formas de vida urbana, adaptadas ao nosso novo meio ambiente tecnolgico. (apud CASTELLS, 2001). Se pensarmos em games on-line, lembramos que Sherry Turkle, em um dos primeiros estudos psicanalticos dos usurios da Internet (membros de um grupo Multi User Dungeons MUDs13), demonstrou que sim, os usurios interpretavam papis e criavam identidades no ambiente da rede. Isso poderia criar uma sensao de pertencimento a alguma comunidade e, talvez trouxesse algum conforto a pessoas carentes de comunicao e autoexpresso. Todavia, a autora conclui queA noo do real contra-ataca. Quem vive vidas paralelas na tela esto, no obstante, ligadas pelos desejos, pela dor e pela mortalidade de suas personalidades fsicas. As comunidades virtuais oferecem um contexto novo e impressionante, no qual pensar sobre a identidade humana na era da internet. (TURKLE, 1995, p. 267)

Mesmo que o objetivo principal deste trabalho no esteja nas questes das redes globais de comunicao, esbarrar no assunto se torna inevitvel, se levarmos em conta que nos encontramos profundamente inseridos no contexto da era digital, de suas formataes sociais e da incessante necessidade de sermos muitos e estarmos cada vez mais disponveis em lugares variados. Com interesse voltado para a relao entre a tecnologia e a psicologia, Kerckhove (2003, p. 15-26)14 aborda a questo de como as mdias mudam o ambiente para ns e, ao faz-lo, como elas editam o indivduo e como estes esto

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Criador de gado no Estado do Wiomyng - lugar nada identificado com a revoluo tecnolgica, uma espcie de Gois dos EUA -, Barlow foi um dos primeiros a exaltar o potencial libertrio da internet e ajudou a popularizar o termo cyberspace, ao publicar, h onze anos, sua famosa "Declarao de Independncia do Ciberespao". Por conta desse manifesto, no qual afirma que os governos no tm e no devem ter soberania sobre a Internet, chegou a ser chamado de "Thomas Jefferson do mundo virtual". Acessar: https://projects.eff.org/~barlow/Declaration-Final.html Ver WILLIAM, Mitchell J. E-topia: A vida urbana mas no como a conhecemos. So Paulo: Senac, 2002. Em termos de jogos para computador, um MUD um RPG (role-playing game) multiplayer, normalmente, executado em uma BBS (bulletin board system) ou em um servidor da Internet. Nele, os gamers assumem o papel de uma personagem e recebem informaes textuais que descrevem o ambiente, outras personagens e outras entidades controladas pelo computador em um mundo virtual. Kerckhove usa o termo editar no sentido de construo do fato pela mdia.

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se modificando pelos usos que fazem das mdias. O autor ainda trata de questes de cognio e mdia e de como as novas tecnologias podem afetar as estratgias conscientes e inconscientes de processamento de informaes dos indivduos, dividindo seu ponto de vista em oito partes: 1) As mdias como interfaces; 2) Telalogia (Screenology); 3) As mdias editam o ambiente; 4) As mdias editam o usurio; 5) As mdias administram as respostas sensrias do usurio; 6) Como as mdias editam a mente; 7) O imaginrio objetivo; 8) Conexo-direta-mentemquina. Na primeira parte, o autor pontua que as mdias funcionam como interfaces entre linguagem, corpo e mundo e que as mesmas posicionam a linguagem e o pensamento dentro e fora do corpo. Se considerarmos que cada vez mais a inteligncia pode ser compartilhada com o mundo, podemos, assim como Kerckhove, questionar o quanto de pensamentos e sentimentos ainda so nossos e se os mesmos esto sob nosso controle. Ser que eles j no representam uma espcie de subproduto da indstria da conscincia15? Nesse sentido, a indstria comercializa nossa ateno, o contedo de nossos pensamentos e desejos e, geralmente, a TV no modelo como conhecemos vem representar o papel de mdia dominante na coletivizao de contedos ntimos individuais, como voyerismo ou desejo por determinado produto, por exemplo. Mas, como podemos perceber, a instituio da Internet vem trazer consigo a possibilidade do indivduo emitir respostas s telas e compartilhar as responsabilidades dos contedos contidos nas redes. Na segunda parte, Kerckhove se baseia na dominncia da tela. Ou seja, na tela como ponto de entrada para o processo de informao conectada. Ao longo da histria da escrita ocidental, os indivduos enquanto seres imagticos exercitam seu poder de abstrao com base em experincias reais para construir narrativas que possam traduzir as palavras recebidas e transmiti-las adiante. De acordo com o autor, esse tipo de projeo de filmes, no subconsciente, altera-se e inverte a orientao da mente com o advento da televiso.Com a TV minha mente vai para a tela para entrar no mundo que ela me mostra. Quando estou lendo, estou pensando a partir de palavras que levam o mundo para minha mente. Quando estou na frente da tela, inverto isso e15

Ver ENZENSBERGER, Hans M., Elementos para uma teoria dos meios de comunicao. So Paulo: Conrad, 2003.

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externalizo meu processo de pensamento, o que uma diferena radical se comparada nossa abordagem tradicional. As telas externalizam snteses psicossensoriais. (KERKCHOVE, 2003, p. 18)

Se, de um lado, nossos pais e at mesmo uma parcela significativa de indivduos da nossa gerao perderam o controle sobre a tela, enquanto a televiso reinava soberana em sua era, por outro, Kerckhove diz que os screenagers16 esto recuperando tal controle por meio do computador. Eles so representados pela nova gerao que brinca com a tela, com videogames, telefones celulares, com a Internet etc.O computador traz uma total recuperao do controle sobre a tela de modo que agora, quando usamos um computador, compartilhamos a responsabilidade de produzir significado. Produzimos significados junto com a mquina e com as pessoas. (KERCKHOVE, 2003, p 18)

Na terceira parte, o autor expe que as mdias enquadram a situao, organizam a informao e controlam o lugar e o tempo de exposio ao usurio onde e quando as coisas acontecem. Desse modo, podemos achar que somos livres, mas, geralmente, temos um encontro com nosso aparelho de TV num horrio especfico do dia (KERCKHOVE, 2003, p. 19). Podemos pensar a televiso como uma ncora programada, uma espcie de entidade com a qual teremos tal encontro. Ao contrrio da fotografia e do cinema, que editam o ambiente e o recortam em quadros, a televiso escaneia o mundo e a ns.

[...] Quando lemos um livro, seja ele em hebraico, japons ou ingls, movemos os olhos pela pgina; estamos no controle do movimento e fazemos o escaneamento. Mas quando estamos assistindo televiso, o movimento feito pelo tubo de raios catdicos que atiram borrifadas regulares de ftons entrelaados. [...] O meio a mensagem na televiso. (KERCKHOVE, 2003, p. 19)

como se a televiso fizesse uma leitura de ns, nos formatasse em iguais. Kerckhove recorda McLuhan e cita que, para o autor, o escaneamento do espectador[...] um tipo de massagem, uma experincia ttil sutil que tem efeito calmante. O raio da tela da televiso acaricia os espectadores e, da mesma maneira, homogeneza suas diferenas, socializando-as do mesmo modo16

Ver RUSHKOFF, Douglas. Playing the Future: How Kids Culture Can Teach Us to Thrive in an Age of Chaos. Nova Iorque: Harpercollins, 1996.

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que ns chamamos de cultura de massa. (KERCKHOVE, 2003, p. 19)

Na quarta parte, Kerckhove diz que as mdias editam o usurio, determinando a razo estmulo-resposta; ou seja, a velocidade com que os indivduos processam a informao e quanto dessa informao eles realmente concluem. As mdias determinam a durao da ateno e a televiso trabalha rpido demais para que um fechamento17 da informao acontea, pois com ela, o tempo que dura a ateno reduzido ao contnua do scanner. (KERCKHOVE, 2003, p. 20) A televiso pode criar uma mentalidade coletiva sem direito de respostas. Fato que no acontece com os computadores ou com a web, pois eles retomam a possibilidade do fechamento pelo indivduo. Com a Internet ou com os videogames , o fechamento realizado a qualquer hora, quando interagimos com a informao na tela [...]. Isso nos proporciona um razovel grau de independncia psicolgica. (KERCKHOVE, 2003, p. 21) Na quinta parte, o autor diz que as mdias tambm determinam o vis sensrio do usurio. O vis visual dominante no Ocidente, efeito de um letramento alfabtico passa a ser desafiado por um vis ttil em razo das novas tcnicas eletroeletrnicas. A eletricidade pe o mundo inteiro em constante contato consigo mesmo (KERCKHOVE, 2003, p. 21) e inverteu muitos aspectos do letramento com os quais tivemos experincia. Atravs do mouse, do joystick ou de um dispositivo touchscreen, podemos penetrar a tela de maneira ttil, podemos colocar as mos no mundo do pensamento e chegar informao, literalmente, com as mos. Na sexta parte, prope a relao mdiaslinguagemconscincia e como as mdias editam nossa mente. Para Kerckhove,O casamento de linguagem e da eletricidade no telgrafo, que levou a World Wide Web, provavelmente uma das experincias mais mticas de nossa era contempornea [...]. Hoje os filhos desse casamento, os filhos da linguagem e da eletricidade, esto nascendo todo dia. (KERCKHOVE, 2003, p. 23)

Sabemos que, atravs da difuso do mesmo contedo, a TV proporciona uma conscincia coletiva, que pode nos educar completamente acerca do mundo da tela e que, com ela, no temos a possibilidade de resposta, no podemos enviar17

Na Psicologia, fechamento (closure) o ato de conscincia que reconhece e registra uma informao como digna de nota e a conecta a um contexto prvio com algum tipo de interesse pessoal. (KERCKHOVE, 2003, p. 20)

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nada de volta. A diferena mais significativa dos computadores e da Internet que podemos faz-lo. Podemos enviar respostas, pois eles nos permitem as trocas. Ora, novos meios de comunicao no criam novos ambientes e no demandam novas habilidades? Para o autor, o tipo de conscincia que exercitamos com a Internet tem que ser diferente daquela que governa nossa mente a partir da tela da televiso. (KERCKHOVE, 2003, p. 23) Na stima parte, o autor diz que a realidade virtual pe nossa cabea em um mundo de tempo e espao combinados (tempo real e espao virtual). (KERCKHOVE, 2003, p. 24) A Realidade Virtual insere o espectador na cena. O mundo da realidade virtual cria um lugar e um tempo imaginrios, objetivos que quebram o processo de letramento incentivador do desenvolvimento de uma imaginao subjetiva. Na ltima parte, Kerckhove cita a ideia de uma conexo-direta-mentemquina e diz que as mdias determinam que tipo de associaes mantemos com os contedos que elas produzem para ns. Se j estivermos acostumados a criar associaes dentro de nossa cabea, com os computadores e com a web, podemos cultiv-las fora e ter acesso a um volume satisfatrio de outras associaes. O que encontramos, na rede, no est em nossa cabea, mas distribudo em telas. De acordo com o autor, estamos mudando de uma cultura de sensibilidade de leitor, telespectador, espectador para uma cultura de usurio e interagente.

(KERCKHOVE, 2003, p. 26) Assim, caminhamos para o inevitvel desenvolvimento uma nova mente conectiva, de novas habilidades de resposta e de uma nova arquitetura de inteligncia para o processo das informaes, elementos necessrios nova era digital.

2.1 Novos meios, novos ambientes e novas habilidades

Entre o canal e a mensagem, o meio de comunicao era, de longe, a dimenso menos escolhida como objeto de estudo dos pesquisadores do saber comunicacional18, tendo sido, durante muito tempo, negligenciado e, muito18

Expresso que se refere s correntes de pesquisa em Comunicao. O saber comunicacional

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provavelmente, mal compreendido por eles. Ainda hoje, podemos perceber que os estudos sobre os efeitos sociais, psicolgicos, econmicos e culturais das mensagens tm tido preferncia sobre os estudos dos canais em si. Se considerarmos que um meio de comunicao, sem estar veiculando uma mensagem, invisvel aos indivduos, essa preferncia pode estar na materialidade da mensagem, ou seja, sua visibilidade. Dessa maneira, pode-se dizer que existem muito mais pesquisadores preocupados com a suposta influncia da violncia dos desenhos animados, dos games, dos filmes, das sries e outros produtos, nas crianas e adolescentes, do que com os efeitos sociais e psicolgicos da TV, do cinema ou do computador nas geraes recentes.O contedo como uma bola de carne que o assaltante leva consigo para distrair o co de guarda da mente. O efeito de um meio se torna mais forte e mais intenso justamente porque seu contedo outro meio. (MCLUHAN, 1964, p. 33)

Esse outro meio, apontado por Marshall McLuhan, diz respeito ao novo ambiente social construdo, reconstrudo ou formatado a partir da insero de um novo meio de comunicao, o meio eletrnico-digital. Nessa parte de nosso trabalho, o que se pretende apresentar como os meios de comunicao podem influenciar o comportamento humano tanto macro, quanto microscopicamente tanto nas relaes humanas que regem as sociedades, quanto nas maneiras como os indivduos percebem e lidam com o mundo com o foco voltado para os videogames. Pretende-se apresentar, alm disso, vises atualizadas acerca desses fenmenos, ou seja, no somente como os meios nos influenciam, mas tambm, como essas relaes meio/indivduo vm se alterando e se renovando em funo das evolues tecnolgicas no contexto da comunicao. Para tanto, buscamos, como base terica, a Escola de Toronto e seus principais autores Harold Innis, Eric Havelock, Marshall McLuhan e Joshua Meyrowitz , cujas preocupaes pairam justamente sobre as mudanas causadas

ganhou representatividade a partir da dcada de 40, quando o trabalho de pesquisa na rea se tornou mais intenso. A preocupao fundamental desse saber se reparte, tradicionalmente, entre o exame do processo comunicacional mediado pelos meios de comunicao e a anlise da cultura de massa. (WOLF, 1995, p. 13)

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pelos meios de comunicao nos indivduos aquelas que j ocorreram, as que esto ocorrendo e as que devero ocorrer.

2.2 A Escola de Toronto e os tericos do meio De acordo com Vincius Pereira, Harold Innis, dentro desta escola, foi o primeiro a observar como as tecnologias de comunicao parecem possuir tendncias que acabam por emprestar certas caractersticas a determinadas culturas. (PEREIRA, 2004, p. 133). Em The bias of communication (1999), Innis faz um detalhado estudo da evoluo dos meios de comunicao da fala, passando pela pedra, argila, papiro, pergaminho, cdice, papel, entre outras, at o advento do rdio e analisa, paralelamente, a evoluo dos alfabetos e lnguas. Na obra de Innis, fica sugerido que os grandes acontecimentos da Histria humana como quedas, adventos e expanses de imprios esto intimamente ligados s mudanas ocorridas nas tecnologias da comunicao. Assim, sua tese a de que os meios de comunicao tm, em si, fora capaz de extinguir, desfigurar, reorganizar e moldar sociedades como um todo. O autor d o seguinte exemplo da relao entre comunicao e sociedade:A riqueza da tradio oral servia para uma civilizao flexvel, porm, no a uma civilizao que poderia ser disciplinada ao ponto de uma unidade poltica efetiva. A cidade-estado mostrou-se inadequada ao campo dos negcios internacionais. (INNIS, 1999, p. 10)

Ou seja, na inteno de se disciplinar a sociedade, fazia-se necessria a implantao da escrita. Mas, como demonstra Pereira, Innis vai alm do estabelecimento desse tipo de relao e classifica as tendncias das tecnologias comunicacionais em dois grupos: as tecnologias com tendncias temporais e as tecnologias com tendncias espaciais.As primeiras seriam aquelas que iro se formar a partir de suportes materiais rgidos, pesados e durveis, tais como a pedra, a madeira e a argila. Tais suportes, se por um lado permitem a inscrio de mensagens que podero durar ao longo do tempo, por outro, inibem o deslocamento espacial, favorecendo a aparecimento de sociedades seculares, rigidamente hierarquizadas. O segundo modelo de tecnologia comunicacional, aquelas que apresentam tendncias espaciais, seriam constitudas a partir de suportes materiais maleveis, leves e perecveis, tais como peles de animais, papiro e papel. Tais suportes, ao contrrio dos primeiros, se prestariam aos grandes deslocamentos de espao, apesar de se prestarem

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com menos eficincia para atravessar o tempo. Eles teriam sido determinantes na estruturao dos antigos imprios que se espalhavam por enormes contingentes territoriais. (PEREIRA, 2004, p. 133)

No ponto de vista de Eric Havelock, podemos perceber uma mudana de foco. Em Preface to Plato (1963), o autor analisa, referenciado em A Repblica de Plato, os efeitos dos meios de comunicao sobre a subjetividade humana. Segundo Pereira,Havelock ir apontar a escrita como a tecnologia que teria conseguido iniciar um corte dentro da tradio oral potica homrica, na qual os membros daquela mesma sociedade eram arrastados no turbilho rtmico e meldico da mgica rcita das epopias de seus heris. (PEREIRA, 2004, p. 134)

Havelock faz uma ilustrao da hipnose aglutinada tradio oral com o mito de Aquiles. Para ele, se analisarmos os feitos do lendrio guerreiro grego, seremos, decerto, levados a consider-lo um grande homem. Porm, o autor afirma que[...] Eis um homem que no percebeu, e que no tem como perceber, que ele tem uma personalidade separada de seus atos. Seus atos so respostas sua situao, e so governados por exemplos de atos prvios de guerreiros anteriores. (HAVELOCK, 1963, p. 199)

Nas sociedades orais, boa parte dos recursos mentais colocada em uso em rituais mnmicos, cuja finalidade est na transmisso da cultura do grupo s novas geraes. O crebro, ocupado com a reproduo da cultura, incapaz de refletir sobre ela. Por outro lado, a escrita permite que a cultura seja gravada, seja disponvel. Assim, os indivduos tm a possibilidade de fazer uso de seus recursos cerebrais para pensar a cultura e pensar alm do que j foi pensado. Com a escrita ocorre o que Havelock chama de separao entre o sujeito conhecedor e o objeto conhecido. Desse contexto, derivam os conceitos de indivduo e psique. O trabalho de Plato se baseia na noo da importncia da escrita e, dessa forma, justifica-se o ataque do filsofo tradio oral e, consequentemente, aos poetas. O grego considerava que a poesia era nociva ao aprendizado, enfatizando o perigo de que pessoas capazes to-somente da imitao fossem criadas. Dando continuidade aos trabalhos de Innis e Havelock, Marshall McLuhan radicaliza a ideia de que as tecnologias de comunicao afetam as subjetividades e

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as culturas, cunhando a mxima: o meio a mensagem. De acordo com McLuhan,[...] O contedo de qualquer meio ou veculo sempre um outro meio ou veculo. O contedo da escrita a fala, assim como a palavra escrita o contedo da imprensa e a palavra impressa o contedo do telgrafo. (MCLUHAN, 1964, p. 22)

Ao longo de sua obra, McLuhan defende que o verdadeiro poder da comunicao reside no prprio meio e no no contedo19. Isto, afirma o autor, bem o sabem os donos dos jornais, das emissoras de TV etc., que percebem a relevncia do que veiculado. Conforme dissemos, anteriormente, para McLuhan, o contedo no passa de uma distrao para a mente. O efeito de um meio se torna mais forte e intenso justamente porque o seu contedo um outro meio. (MCLUHAN, 1964, p. 33) O autor parte para uma classificao dos meios, dividindo-os entre meios frios e meios quentes.Um meio quente aquele que prolonga um nico de nossos sentidos e em alta definio. Alta definio se refere a um estado de alta saturao de dados [...]. A fala um meio frio de baixa definio, porque muito pouco fornecido e muita coisa deve ser preenchida pelo ouvinte. De outro lado, os meios quentes no deixam muita coisa a ser preenchida ou completada pela audincia. Segue-se naturalmente que um meio quente, como o rdio, e um meio frio, como o telefone, tm efeitos bem diferentes sobre seus usurios (MCLUHAN, 1964, p. 38).

Independente do fato de que sua terminologia possa parecer obsoleta por considerar parcialmente os meios, o raciocnio de McLuhan ainda nos ser til mais adiante. No momento, nos apoiaremos sobre a noo de que os efeitos dos meios variam de acordo com a interatividade relativa que pode ser proporcionada ao indivduo. Um dos principais argumentos sobre os quais McLuhan apoia a tese da afetao que os meios causam na subjetividade e nas culturas o fato de que os meios so como extenses de nossos corpos. Uma vez absorvidos, eles passam a ser quase to indispensveis quanto nossos sentidos. Com base nisso, podemos pensar no surgimento da necessidade incessante que sentimos de deixar a televiso, o rdio, o computador ou o telefone celular constantemente ligados.19

McLuhan faz uso da palavra entre aspas, afirmando seu menosprezo pelo conceito.

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A presso para o uso contnuo, independente do contedo dos programas ou do sentido de vida particular de cada um, [testemunha] o fato de que a tecnologia parte do nosso corpo. A tecnologia eltrica se relaciona diretamente com nosso sistema nervoso central, de modo que ridculo falar do que o pblico quer, brincando com seus prprios nervos. Seria o mesmo que perguntar ao pblico que espcie de luz e som prefere no ambiente urbano que o envolve! (MCLUHAN, 1964, p. 88).

Assim, entende-se que a mensagem, por trs da ideia de que o meio a mensagem, a explorao do que um meio pode propor ao sistema corpo/mente do indivduo, que usa esse meio em termos de transformaes de comportamentos e de percepes, para alm das mensagens simblicas que os contedos veiculados por este mesmo meio possibilitariam e alm, ainda, da manifestao mais aparente da funo de um meio (exibir filmes, por exemplo, no caso do cinema e da TV). O sentido de meio deve ser pensado como o conjunto de expresses sinestsicas, estticas, cognitivas e comportamentais que uma linguagem miditica pode gerar, ao ser apropriada por um indivduo. Nesse sentido, um videogame, por exemplo, ser abordado como um meio especfico, no exclusivamente em relao s diferentes funes que possa desempenhar, mas pelo conjunto de aspectos materiais que apresente, capazes de possibilitar o aparecimento de competncias tteis, como a habilidade de operar a interface apresentada na tela com os dedos das mos ou a habilidade auditiva, em reconhecer sons especficos que iro caracterizar mensagens igualmente especficas em meio sonoridade do ambiente em que o videogame estiver, ou ainda, a sensibilidade ttil capaz de perceber a vibrao do joystick em contato com o corpo, quando a opo estiver ativada.

2.3 A Teoria do Meio

Innis, Havelock, McLuhan e outros fazem parte da primeira gerao de tericos do meio. Eles detiveram a ateno voltada aos efeitos dos meios de comunicao nas grandes instituies sociais anlises macrossociais. importante ressaltarmos que nenhum desses autores, em nenhum momento, considerou-se membro de qualquer corrente de pesquisa. A designao Teoria do Meio foi empregada por Joshua Meyrowitz, na dcada de 80, para distinguir os autores que partilhavam pensamentos comuns em relao aos efeitos dos meios de

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comunicao. Trata-se de um rtulo empregado para designar determinados pensadores que, rigorosamente, formaram uma tradio de pesquisa e no uma teoria em si. No podemos considerar tal corrente de pesquisa como uma teoria em razo de suas lacunas metodolgicas e epistemolgicas. Porm, fazemos uso da designao dada por Meyrowitz para no deixar de reconhecer a similaridade e a continuidade existentes entre as pesquisas desses autores e, tambm, para no desconsiderar o esforo do autor na busca dos principais pesquisadores e pressupostos tericos que formam a Teoria do Meio. A segunda gerao representada por Meyrowitz preocupa-se em aproximar a Teoria do Meio do cotidiano do indivduo. Para ele, essa gerao desce do alto nvel da abstrao das anlises macrossociais para se preocupar com a influncia dos meios de comunicao na rotina dos indivduos. De maneira geral, a Teoria do Meio no desconsidera a importncia do contedo da mensagem, mas concentra sua ateno sobre o canal, pois ele pode trazer consequncias muito mais significantes. Sua preocupao est nas caractersticas especficas de cada meio de comunicao e, segundo o autor,A Teoria do Meio examina cada varivel como sentidos que so requeridos para tratar o meio, se a comunicao bi-direcional ou unidirecional, quo rpido as mensagens so disseminadas, se o aprendizado de como codificar ou decodificar num meio difcil ou simples, quantas pessoas podem assistir a mesma mensagem no mesmo momento, e assim, em diante. Os tericos do meio discutem que cada varivel influenciou o uso dos meios e seu impacto social, poltico e psicolgico. (MEYROWITZ, 1985, p. 51)

Os pesquisadores do meio se perguntam quais so as caractersticas de cada meio de comunicao e como elas constroem o meio fisicamente, psicologicamente e socialmente diferente de outros meios e da interao face a face. Para McLuhan (1964), os efeitos da tecnologia vo alm dos nveis de opinio e atitudes para modificar as relaes entre os sentidos e as estruturas das percepes. Para os tericos do meio, esse o motivo pelo qual o estudo do meio to importante. De certa forma, podemos dizer que o meio o mediador das relaes entre os homens e entre o homem e o meio ambiente sem ser percebido, transformando toda a predisposio inicial de se comunicar e perceber o texto mundo. Os meios de comunicao transformam, diretamente, nossa percepo do mundo, nossas estruturas polticas e sociais.

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No contexto evolutivo, patente que a escrita representou uma revoluo sem precedentes na vida das sociedades orais, fazendo surgir a possibilidade da uniformizao dos sons das palavras e da conservao/resgate de seu conhecimento. A imprensa, por sua vez, possibilitou a ampliao do acesso ao fluxo de informao e o telefone, por exemplo, simplificou/agilizou a relao entre indivduos geograficamente distantes. O volume de informao e conhecimento multiplicou-se, houve uma otimizao nas formas de acesso ao conhecimento e o tempo para esse acesso foi acelerado. Tal transformao, sem dvidas, implicou em uma nova forma de organizao para a produo, disseminao e controle do conhecimento. Os sentidos se modificam com a acelerao, pois os padres de interdependncia pessoal e poltica se alteram com a acelerao da informao. As tcnicas mudam a vida do homem, interferindo na forma como ele age no mundo. A proposta da Teoria do Meio trazer tona reflexes acerca dessas influncias, especialmente das tecnologias comunicacionais, j que essas

tecnologias interferem de maneira bastante direta na forma de como vemos e percebemos o mundo. Nesse sentido, preciso reafirmar que os meios de comunicao assumem tal importncia, no cotidiano do homem, que o prprio ambiente passa a criar situaes que exijam a utilizao constante desses meios. Os meios no so meros transportadores de informaes. Ao mesmo tempo em que divulgam as informaes, os meios atuam, diretamente, sobre o conhecimento humano e, assim, a forma de transmisso de um meio tem implicaes diretas na forma como determinada sociedade v o mundo. Se a escrita trouxe consigo o mundo visual, o rdio o mundo auditivo e a eltrica o mundo ttil, no difcil pensar que os diversos meios tm suas caractersticas prprias para divulgao de informaes. Informaes que, para serem captadas, demandam que providenciemos esforos diferentes, um esforo especial de um ou mais rgos dos sentidos. A fim de aprender a viver melhor com os meios e, at mesmo poder prever alguns de seus possveis efeitos, necessrio deter o conhecimento dos efeitos dos meios de comunicao. Isso nos permite um melhor conhecimento de nosso perodo scio-histrico-cultural. Para McLuhan, toda compreenso das mudanas sociais e culturais impossvel sem o conhecimento do modo de atuar dos meios com o meio ambiente. (MCLUHAN, 1969, p. 54)

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Os efeitos das tecnologias comunicacionais so inevitveis. Por exemplo, em uma cultura inserida em um contexto que suporta determinados meios de comunicao, um indivduo privado dos conhecimentos sobre esses meios, provavelmente, no se adaptar facilmente a essa cultura, pois sua forma de raciocnio se difere da outra. Seria o mesmo que pedir a algum, fortemente inserido em uma sociedade exclusivamente oral, para viver em uma sociedade como a nossa. Esse indivduo, de forma geral, privado de nossa estrutura de pensamento e de nossa formatao de percepo, dificilmente poder ver e interagir com o mundo de forma semelhante a nossa e vice-versa. Nesse sentido, criam-se os abismos culturais divisores de sociedades e geraes.

2.4 Joshua Meyrowitz e a segunda gerao da Teoria do Meio

A maior contribuio que Joshua Meyrowitz traz para a Teoria do Meio a convergncia dos estudos do meio ao Interacionismo Simblico. O autor prope a diminuio do nvel da abstrao colocado pelos autores da primeira gerao. Conforme j foi dito, anteriormente em nosso trabalho, as proposies de Innis, Havelock e McLuhan esto centradas no nvel macro nvel das instituies. Eles trabalharam a influncia dos meios de comunicao nas instituies sociais e, por essa razo, colocaram suas afirmaes de forma geral e distanciada do cotidiano dos indivduos comuns. Essa abrangncia foi, muito provavelmente, um dos obstculos enfrentados pelos autores, uma vez que suas asseres no podiam ser facilmente percebidas pelos cidados comuns. McLuhan, por exemplo, foi alvo de muitas crticas por predizer o fracasso do sistema tradicional de ensino. Isso, de fato, no condizia com as expectativas da maioria das pessoas na dcada de 60. Muito pelo contrrio, tal posicionamento s aumentava o coro dos crticos Teoria do Meio. Pesquisando como nossos papis sociais se modificam e se misturam, atravs da influncia dos meios de comunicao, em especial, da televiso, o que Meyrowitz prope que alguns dos problemas da primeira gerao sejam sanados. A segunda gerao da Teoria do Meio se preocupa em pesquisar como os meios de comunicao eletrnicos modificam a interao mtua dos indivduos. Meyrowitz procura explicar os efeitos dos meios eletrnicos na mudana da relao entre localizao fsica e acessibilidade social, na mistura das diversas situaes

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sociais e no abalo das fronteiras entre o pblico e o privado. Para o autor, no difcil perceber as mudanas que os meios eletrnicos provocam em nosso sentido de espao. Eles diminuem, de forma drstica, a importncia da presena fsica em diversos ambientes. Podemos nos comunicar com pessoas geograficamente distantes sem sequer deixar de estar em nosso lugar. Com o telefone, por exemplo, temos modificado nosso sentido de encontro. Estar conectado s pessoas no , necessariamente, estar no mesmo ambiente fsico que elas. Assim, de acordo com Meyrowitz, perdemos nosso sentido de lugar e ganhamos novas noes de comportamento social e identidade. A teoria desenvolvida por Meyrowitz (1985) estende o estudo das situaes estticas para as situaes dinmicas, bem como estende a anlise das situaes fisicamente definidas para a anlise dos ambientes sociais criados pelos meios de comunicao. Se o telefone muda nosso sentido de lugar, mudam igualmente nossas situaes sociais, pois novas formas de vivenci-las so possibilitadas. Os meios de comunicao eletrnicos promovem novas formas de acesso informao, que desencadeiam novas paisagens sociais com novas limitaes na fronteira entre o pblico e o privado. Para nos fornecer uma explicao sobre como os meios de comunicao eletrnicos modificam as diversas situaes sociais, influenciando diretamente nossos comportamentos sociais, Meyrowitz (1985) expe trs categorias sociais para desenvolver suas preposies: grupos de identidade, socializao e hierarquia. A escolha de referidas categorias se deu em razo delas estarem presentes na vida diria de qualquer indivduo e no serem exclusivas entre si, mas ao contrrio, categorias que so vividas de forma concomitante. Determinado indivduo pode concentrar, em si, diferentes papis sociais: o pai, o aluno, o profissional, o gamer etc. Os grupos de identidade so compostos pelo que o autor chama de separados, mas iguais, como homens e mulheres. As socializaes so as etapas pelas quais passamos quando, para atingirmos um determinado objetivo, necessitamos de um fluxo gradual e controlado de informaes. Algo como passar da infncia fase adulta de nossa vida. A hierarquia concerne aos separados e desiguais, s pessoas que tm nveis diferenciados de informao, como polticos e eleitores.

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Essas trs categorias de papis no foram escolhidas porque so mutuamente exclusivas, mas porque em combinao elas so socialmente inclusivas; isto , tomadas juntas, elas cobrem virtualmente toda a fachada de cada papel social. Realinhamentos nos grupos de identidade, estgios de socializao e ordem de hierarquia mudariam toda a estrutura da vida social. (MEYROWITZ, 1985, p. 53)

O autor se apropria dessas trs categorias para detalhar a influncia dos meios de comunicao sobre elas e, com isso, dada a abrangncia desses papis, mostrar o comportamento social e as situaes sociais de toda a sociedade. Nos grupos de identidade, as pessoas esto unidas pelo que elas sabem umas das outras, mas guardam escondidos dos outros. De outra maneira, reconhecemo-nos como parte integrante de um grupo quanto mais participarmos de seu comportamento privado. Isso no tem nenhuma relao com a localizao geogrfica. Por exemplo, se dois brasileiros, que nunca se viram antes, um morador da regio Sudeste e outro da regio Norte, de nosso pas, encontram-se em Sydney, na Austrlia, por exemplo, sentiro que compartilham inmeras informaes que fazem deles um grupo separado ao dos australianos. O que Meyrowitz defende que os grupos de identidade variam de acordo com o sentido de ns e eles em relao ao pertencimento e isso depende diretamente do fluxo de informaes a que os indivduos tm acesso. Os membros de um grupo se reconhecem de acordo com informaes e experincias semelhantes. De maneira geral, o autor acredita que a overdose de informaes proporcionada pela televiso tem impacto direto nos grupos de identidade. Uma vez que os grupos detm informaes uns sobre os outros, as barreiras tradicionais existentes entre eles se enfraquecem, ou seja, o sentido de ns ou eles, dentro dos grupos, abalado. As etapas de socializao acontecem, quando os indivduos recebem informaes graduais e sequenciadas para se tornarem parte de um grupo. Tais etapas so socialmente convencionadas e sofrem interferncia direta dos meios de comunicao, pois possibilitam o acesso informao. Quanto mais o meio agrupar as pessoas seja por idade ou por nvel de conhecimento mais ele ir criar etapas de socializao. Por outro lado, se o meio exercer menor controle sobre o acesso informao, teremos uma quantidade menor de estgios de socializao. Nesse sentido, pensemos em um designer de games. Quanto mais ele conhecer e participar sobre o comportamento privado da classe de designers de games, mais

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rpido ele se comportar como um designer. O meio pode acelerar ou retardar o processo de socializao de acordo com a liberao de informaes sobre os comportamentos privados.Quanto mais um meio d suporte relao entre isolamento fsico e isolamento informacional, mais ele d suporte separao das pessoas dentro de muitas e distintas posies de socializao. Quanto mais um meio permite o acesso das pessoas informao, sem que eles deixem seus velhos espaos e sem romper com suas velhas afiliaes, mais ele fomenta a homogeneizao dos estgios de s