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1 Gestora de primeira viagem Autoria: Thaís Barbosa Ferreira, Guilherme Diniz Araújo Resumo A administração de condomínios exige conhecimento técnico abrangente, além de habilidades pessoais e profissionais. Este caso retrata uma situação vivenciada por Domitila na gestão de um condomínio, tratando especificamente da questão da liderança na condução do trabalho em equipe. O relato é narrado sob o ponto de vista da personagem, que além das atividades técnicas, vivencia o desafio diário de delegar tarefas, coordenar uma equipe de onze colaboradores, fiscalizá-los e torná-los comprometidos com suas responsabilidades. O caso mostra as reflexões de Domitila sobre como tornar-se líder e fazer com que sua equipe gere melhores resultados.

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Gestora de primeira viagem

Autoria: Thaís Barbosa Ferreira, Guilherme Diniz Araújo Resumo A administração de condomínios exige conhecimento técnico abrangente, além de habilidades pessoais e profissionais. Este caso retrata uma situação vivenciada por Domitila na gestão de um condomínio, tratando especificamente da questão da liderança na condução do trabalho em equipe. O relato é narrado sob o ponto de vista da personagem, que além das atividades técnicas, vivencia o desafio diário de delegar tarefas, coordenar uma equipe de onze colaboradores, fiscalizá-los e torná-los comprometidos com suas responsabilidades. O caso mostra as reflexões de Domitila sobre como tornar-se líder e fazer com que sua equipe gere melhores resultados.

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1 Introdução São seis horas da manhã de segunda-feira e Domitila se prepara para um novo dia de trabalho. Após 17 anos fora do mercado de trabalho, formada em pedagogia e sem grande experiência em cargos de liderança, ela é hoje a administradora do condomínio Mar. O condomínio é formado por cinco edifícios, com 28 apartamentos cada. Possui área de lazer, guarita e estacionamento com uma vaga para cada morador. Domitila é a responsável por liderar uma equipe de onze colaboradores, dez homens e uma mulher.

Ao chegar à portaria e perguntar à colaboradora Andréa sobre o plantão de domingo, Domitila recebe a seguinte resposta:

“Foi ótimo, passei o dia aqui na portaria. A senhora sabe que domingo é dia de descanso”.

Diante da ironia de Andréa, Domitila fica sem ação, como não faz parte do seu perfil se exaltar com as pessoas, ela prefere silenciar e conversar com Andréa em outra oportunidade. Essa não foi a primeira vez que Domitila ficou sem reação diante de um funcionário. A situação era muito nova para ela, a forma rude como alguns funcionários se reportavam causavam a sensação inicial de que eles estariam insatisfeitos com seu modo de liderar, o que passou a ser um dilema profissional para a nossa personagem.

Apesar de ser inteligente, estar capacitada para o trabalho e ter ótimo relacionamento com as pessoas, Domitila tem enfrentado o desafio diário de delegar tarefas e liderar uma equipe de onze pessoas que possuem grau de escolaridade baixo, apenas o mínimo exigido para as funções que exercem: porteiro, auxiliar de serviços gerais e vigia. A baixa escolaridade dos funcionários aliada à cultura local, centrada em valores locais tradicionalmente machistas, dificultam a relação de Domitila com a maioria de seus colaboradores. Um dos maiores problemas da sua gestão é a falta de liderança, que tem resultado em pouca motivação e baixo comprometimento de seus colaboradores. O que Domitila deve fazer para reverter essa situação? 2 Vida acadêmica e profissional de Domitila Domitila nasceu no Rio de Janeiro, porém, reside há cerca de dez anos na cidade do Natal. Ela é pedagoga, cursou e se graduou em Pedagogia ainda no do Rio de Janeiro. Após alguns anos afastada das salas de aula, Domitila ingressou, por meio de concurso, na primeira turma do curso Técnico em Serviços Condominiais do Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN.

“O meu retorno à sala de aula se deu exatamente pela vontade de voltar ao mercado de trabalho, por me sentir ainda bastante disposta, com bastante garra, sentindo muita vontade de voltar a trabalhar. Mas como eu havia ficado muito tempo afastada, como pedagoga eu sei a importância da reciclagem, a importância de voltar a estudar, de me aperfeiçoar. Foi quando descobri, navegando pela internet, que estava aberto o concurso do IFRN, na época ainda CEFET/RN para formar a sua primeira turma do curso Técnico em Serviços Condominiais da cidade do Natal e isso me chamou muita atenção por que a área condominial sempre me despertou interesse”.

Após ser aprovada e cursar os dois anos do curso Técnico em Serviços Condominiais, Domitila celebrou com seus amigos e familiares sua graduação, descerramento de placa, ato ecumênico e baile de formatura.

“Hoje, nós somos constantemente chamados a participar de todos os eventos organizados pelo IFRN, normalmente somos indicados como orientadores e indicadores de opinião na outra turma, porque hoje já há outras turmas. Então sempre somos lembrados por esse lado e isso é muito bom, isso faz com que você se sinta, além de realizada, muito feliz. Eu vejo que tudo o que eu fiz para estudar esse curso, me preparar, valeu a pena e está valendo a pena. Tenho ainda, dentro dessa área,

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começado a traçar alguns planos. Ainda são planos, mas todos dentro da área condominial”. Na cidade do Rio de Janeiro, entre os anos de 1977 e 1985, Domitila trabalhou como

auxiliar e, anos depois, secretária de vendas da Lemac S/A Indústria Heliográfica e foi auxiliar de escritório da Editora Globo. Em 1991, quando morou pela primeira vez em Natal, ela trabalhou como coordenadora de cursos em diversas áreas no SENAC/RN – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial. Em 1992, Domitila voltou ao Rio de Janeiro, onde morou com a família no condomínio Terra, lugar amplo com dez prédios, de 96 apartamentos cada. De forma voluntária, ela atuou como Diretora Social e Cultural do condomínio em questão e ajudou a implantar e organizar a primeira biblioteca para moradores do local, por meio de doações e muita força de vontade. Além disso, ela era a responsável pela organização de vários eventos, como festas em comemoração ao dia das crianças, festa para os casais, discotecas para os adolescentes e alguns cursos, como violão, etiqueta, capacitação profissional, entre outros.

“Eu e minha família moramos 10 anos em um condomínio residencial, onde eu exerci algumas atividades na parte cultural, na parte social e auxiliava também, em parte, na área administrativa e eu gostava bastante, sempre gostei muito”.

Embora nunca tivesse liderado sozinha uma equipe de funcionários dentro de um condomínio, Domitila conhecia bem a rotina e as principais atividades de um condomínio. Porém sua primeira experiência estava muito mais atrelada às ações sócio-culturais do que às administrativas. 3 A volta ao mercado de trabalho

Ainda durante o curso técnico, Domitila começou a sentir-se preparada para voltar ao mercado de trabalho e estava ansiosa para iniciar na área pela qual ela tem tanta dedicação e afinidade. Naquele momento, como aluna, ela foi convidada a participar de uma entrevista de estágio no condomínio Lua junto com outros colegas de curso. Domitila não só foi selecionada, como a proposta inicial de estágio foi substituída por uma de emprego com carteira assinada. Isso aconteceu no momento da contratação, o que evidenciou que ela possuía as características potenciais requeridas para o exercício da função

“Com a possibilidade de fazer o curso no IFRN, eu prestei o concurso, fui aprovada e passei dois anos estudando, aprendendo muita coisa. Antes ainda de concluir o curso, eu fui, junto com alguns colegas da turma, tentar um estágio num condomínio. Chegando à seleção, eu fui a selecionada, mas não para estágio, pois a administração preferiu me contratar como funcionária”.

Seis meses após a primeira experiência no condomínio Lua, Domitila participou de uma nova entrevista, agora no condomínio Mar. Dessa vez, o condomínio contratante tinha a intenção de selecionar um homem, era o que estava explicitamente escrito no anúncio de emprego, contudo, síndica e subsíndico aceitaram que Domitila participasse da entrevista, com outros seis candidatos, todos do sexo masculino. Mais uma vez ela obteve sucesso, afastando-se do condomínio Lua e assumindo a gestão do condomínio Mar, onde passou a ser a administradora.

“Ainda concluindo o curso, começaram a surgir outras oportunidades. Eu gosto muito, realmente é uma área que eu gosto e que a cada dia eu entendo melhor, mas que exige muita paciência. É onde entra o meu lado pedagoga, eu acho que isso conta muito também, facilita muito esse trabalho no lidar com crianças, no entender, no ouvir e mais o aperfeiçoamento dado pelo IFRN que foi excelente”. Entretanto, além do dia-a-dia da atividade que exige que Domitila lide com

condôminos, ela é a responsável por verificar a manutenção do condomínio e de seus equipamentos, detectar possíveis problemas, delegar tarefas aos colaboradores e supervisioná-

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los. A equipe é composta por porteiros, vigias e assistentes de serviços gerais, todos com grau de instrução básico.

“Há a parte de pessoal que eu lido, hoje eu tenho onze funcionários sob minha responsabilidade. São onze porque eu tenho um que vai cobrindo as férias dos outros, então ele trabalha o ano inteiro. Muitas vezes eu não sei lidar com eles, eu venho aprendendo na marra, tentando ler algumas coisas, botando em prática o que eu acho que funciona melhor, mas eu tenho certeza que não é por aí. Eu preciso dividir melhor as tarefas, eu preciso aprender a cobrar mais”.

Domitila sente que além da capacidade técnica que foi desenvolvida no curso técnico, ela precisa desenvolver habilidades pessoais e profissionais que facilitem seu trabalho como gestora de um condomínio.

“Dentro de um condomínio, o administrador é quem cuida do pessoal, é quem cuida dos moradores, é quem cuida da parte da manutenção, então é difícil. Agora eu sinto que preciso estudar o assunto, eu preciso me organizar. Minhas tarefas do dia-a-dia não são corriqueiras, elas fogem às vezes ao meu planejamento, surge uma coisa ou outra. Dentro de um condomínio grande, você nunca sabe durante o dia o que pode surgir”. Além disso, é ela quem solicita orçamentos dos serviços que precisam ser executados

e, após a autorização da síndica, os contrata e acompanha cada serviço prestado. Em várias ocasiões, ouviu dos condôminos elogios sobre sua gestão.

“Eu posso dizer que hoje o condomínio está bem mais organizado do que antes. Tenho colocado a manutenção dos equipamentos em dia, fizemos serviço nos registros de gás, nas caixas d’água, nos elevadores, a documentação já está organizada em pastas específicas que facilitam o manuseio e estamos aguardando uniformes novos para os funcionários. Para você ter idéia, quando eu cheguei ao condomínio, até a cadeira do porteiro estava quebrada, o que poderia causar problemas futuros”. Todavia, ela sente que a equipe ainda não está unida em um só propósito, nem todos

conseguem demonstrar espírito de cooperação e nem todas as atividades recomendadas são devidamente cumpridas, principalmente quando ela não está presente.

“No meu curso, eu não aprendi essa parte organizacional – eu nem sei se o nome é esse. Como nós fomos a primeira turma de administração de condomínios, os próprios professores ainda estavam formatando a grade curricular, as disciplinas ainda não eram totalmente de acordo com o dia-a-dia que a gente enfrenta na prática”.

4 O condomínio Mar O condomínio Mar está localizado em uma área nobre da cidade do Natal e os condôminos podem ser classificados como de classe média à classe média alta. O condomínio é formado por cinco edifícios de quatro andares cada, sendo quatro apartamentos por andar. Além disso, há área de lazer, com piscina e churrasqueira, guarita, estacionamento aberto, pequena área de descanso para funcionários e sala da administração.

Como em qualquer condomínio, existe a figura do síndico, do subsíndico e do conselho consultivo, nesse caso formado por três moradores. Na prática, apenas a síndica do condomínio Mar tem voz ativa e procura participar do dia-a-dia do lugar, nem sempre com tanta constância. É a síndica também, segundo o Código Civil, quem responde civil e criminalmente pelo condomínio. Deve-se destacar também que, nesse caso específico, o condomínio está ligado a uma empresa terceirizada que cuida da parte contábil e jurídica do local, porém, não interfere nas decisões que são tomadas no condomínio, apenas executa o que é definido. O que aconteceu, por exemplo, quando da contratação de Domitila. Ela é a primeira administradora contratada no condomínio Mar, uma vez que nas duas gestões de

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síndicos anteriores não existia a figura do administrador condominial. O síndico era o responsável por todas as atribuições. 5 Processo decisório e estilo de liderança

Nessa terceira gestão do condomínio Mar, o poder de decisão está centrado na parte gerencial. A síndica tem o poder da decisão final, mas não se reporta aos colaboradores. Ela ouve e confia no que é passado por Domitila. Afinal, é ela quem delega as atividades aos colaboradores, os quais nem sempre desempenham corretamente suas funções e responsabilidades. As funções precisam ser constantemente repetidas, alguns colaboradores não apresentam iniciativa e motivação.

“As tarefas básicas, cada funcionário sabe o que tem que fazer, mas essa fiscalização, verificar se estão sendo realmente feitas as limpezas, se os corredores estão limpos, se as lâmpadas estão sendo trocadas... Às vezes, sem querer, eu descubro lâmpadas queimadas, o que é uma obrigação do vigia, que desce os edifícios todas as noites com as lâmpadas novas já para trocá-las”. Domitila sabe que o líder é aquele que consegue estimular a sua equipe para que ela

gere bons resultados e reconhece que, algumas vezes, esses resultados não têm sido satisfatórios.

“No início eu sentia dificuldade no relacionamento interpessoal, mas essa parte eu já superei. Porque, infelizmente, pois não bate muito com o meu perfil, eu fui obrigada a ter uma postura mais rígida para que fosse ouvida e respeitada por eles. E, hoje, eu sou respeitada por todos eles. Eles sabem que estou ali administrando, sou uma funcionária igual a todos eles, mas que eles têm que cumprir o que eu determino, porque alguém já determinou que eu cobrasse deles. Essa parte eu sinto que evoluí bastante, mas essa outra organizacional ainda não consegui, ainda me sinto um pouco perdida.

6 O problema Que deve fazer Domitila? Ela identifica-se com o segmento em que atua e está capacitada tecnicamente para o cargo, entretanto, pergunta-se: “como posso ser uma líder sem ir de encontro às minhas características pessoais? Como posso tornar minha equipe mais comprometida e responsável? Qual é a melhor maneira de delegar tarefas e obter resultados positivos em suas realizações?”. Em meio a tantas perguntas, ela tem uma certeza: não quer desistir.

A questão central do caso é como tornar-se um líder. Para tanto, recomenda-se que a discussão seja feita com base em teorias sobre liderança e suas principais características e o que leva a equipe a tornar-se motivada, comprometida com a empresa e responsável por suas funções. 7 Notas de ensino 7.1 Fonte dos dados

Este caso relata uma situação real, narrada em 2012 e os dados para a sua elaboração foram obtidos por meio de entrevista concedida pela personagem principal aos autores do caso. Foram utilizados nomes fictícios para os condomínios e todas as pessoas aqui citadas.

7.2 Objetivos educacionais

O Estudo de Caso “Gestora de primeira viagem” tem como objetivo levar os alunos a refletirem sobre a problemática da liderança não como um processo individual, mas como um fenômeno organizacional, decorrente das políticas de gestão de pessoas da organização.

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A partir da análise da trajetória profissional e das vivências do dia-a-dia de Domitila, propõe-se os seguintes objetivos educacionais:

• Abordar os estilos de líderes e a relação com o contexto; • Discutir possibilidades de aperfeiçoamento da liderança de acordo com as

características dos liderados e das situações vivenciadas; • Discorrer sobre as motivações que levam ao comprometimento e responsabilidade

dos colaboradores no trabalho. 7.3 Sugestão para discussão do caso

Este caso pode ser lido em 30 minutos em sala de aula. Sugere-se sua aplicação em cursos de graduação e/ou especialização em Administração e Gestão de Pessoas, nas disciplinas que abordem os temas Gestão de Pessoas e Estilos de Liderança. Nota-se a importância da seqüência dos passos: 1) explicação sobre o papel do líder em uma instituição; 2) leitura individual; 3) discussão em pequenos grupos; 4) debate em plenária; 5) apresentação pelo professor da temática e da situação. 7.4 Sugestão de questões para discussão

1. Como você entende a relação entre o estilo de liderança de Domitila, o contexto em que ela está inserida, e os seus liderados?

2. O que Domitila poderia fazer para alcançar maior efetividade em sua função? 3. Como tornar a equipe de Domitila mais responsável, motivada e comprometida? A

partir das teorias de estratégias na gestão de pessoas, discuta suas aplicações no caso de Domitila.

7.5 Análise do caso

As concepções de liderança podem ser bastante variadas (BASS, 1981). Bowditch e Buono (2002) explicitam como o conceito se altera ao longo do século XXI incorporando variáveis e ganhando em complexidade. Além das diferentes perspectivas teóricas, há também as experiências individuais dos discentes que merecem ser consideradas, pois todos já devem ter vivenciado situações de liderança ou já foram liderados em alguma etapa da vida. Trazer estas experiências e percepções pode enriquecer a análise do caso, conforme indicam Machado e Callado (2008).

A discussão do caso pode incorporar esta complexidade paulatinamente. Pode-se pedir que os discentes identifiquem, inicialmente, quais as características de Domitila, de algumas situações-chave enfrentadas por ela, e as características de seus liderados, conforme o quadro 1. Estes fatores podem ser um primeiro passo para a análise, permitindo observar o amplo contexto em que se desenvolve o dilema.

Características de Domitila Características dos liderados Situações

• Não tem nenhum assistente administrativo.

• Baixa experiência como líder; • Parcimoniosa; • Formada em pedagogia; • Técnica em Serviços

Codominiais; • Disposição para o trabalho; • Conhecimento experiencial sobre

condomínio por já ter exercido função em um anteriormente;

• Aceitação dos condôminos;

• Dez homens e uma mulher; • Aspereza em relação a Domitila; • Baixo nível de educação formal; • Não reconhecem de forma clara

as tarefas e responsabilidades da função;

• Baixa proatividade e motivação. • Espontaneidade.

• Onze colaboradores; • Região marcada pelo machismo; • Preferência por um líder do sexo

masculino, mas acabaram contratando Domitila; • Imprevistos surgem com

frequência, alterando o planejamento; • Área nobre da cidade.

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• Compreende a sua necessidade de melhorar as condições e estímulos aos colaboradores.

Quadro 1: Características da líder, dos liderados, e dos fatores situacionais. Fonte: Elaborado pelos autores.

Desta etapa em diante, pode-se discutir à luz das teorias sobre motivação e liderança

quais as características de personalidade e comportamento, e quais variáveis situacionais que afetam a relação entre Domitila e seus liderados. O quadro 2 pode ser utilizado como base para que sejam feitas as análises.

Um primeiro fator que pode ser considerado é o fato de Domitila ser mulher e ter sido contratada em um processo seletivo que objetivava explicitamente contratar um gestor do gênero masculino. A busca por este gestor homem pode ter sido motivada por alguns fatores, tais como o machismo característico da região ou a percepção de que os funcionários, em grande parte do sexo masculino, pudessem apresentar alguma resistência a serem liderados por uma mulher. Pode-se levantar uma discussão sobre as características de liderança femininas e as mudanças no mundo contemporâneo, que não só tem aumentado a inserção das mulheres em cargos que exigem liderança, mas também tem exigido das funções de chefia características geralmente relacionadas ao gênero feminino (BOWDITCH; BUONO, 2002). Como sugestão para quem se interessar no assunto, o filme Recém Chegada (2009) e o texto de Hoyt (2010) podem ser indicados para aprofundar a temática.

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Teorias comportamentais Teorias contingenciais

Teoria dos Traços

Estudos de Ohio Estudos de Michigan

Estudos escandinavos

Modelo de Fiedler e recurso

cognitivo

Teoria da imaturidade-maturidade

Teoria dos Elos de Ligação

Teoria da meta e do caminho

Principais fatores considerados

� Traços de personalidade.

� Estrutura da tarefa; � Consideração.

� Orientação para a tarefa; � Orientação para os funcionários

� Orientação Para o desenvolvimento

� Relação entre líderes e liderados; � Estrutura da tarefa; � Poder da posição; � Inteligência; � Experiência.

� Comportamento do líder; � Maturidade dos liderados

� Grupos mais próximos ao líder; � Grupos mais distantes do líder; � Suporte do líder aos dois grupos.

� Comportamento do líder; � Estrutura da tarefa; � Características pessoais do liderado.

Definição

Os líderes são diferentes das pessoas comuns por suas características físicas e de personalidade.

O líder apresenta uma série comportamentos em relação aos seus liderados que conduzem à efetividade.

Não há um estilo ótimo de liderança para todas as situações. A efetividade da liderança está diretamente relacionada aos relacionamentos entre líderes e liderados e características da situação em que a liderança se desenvolve.

Implicações

As características de liderança são naturais de alguns indivíduos: uns nascem para ser líderes, outros para ser liderados.

Os comportamentos podem ser aprendidos. Assim, entender o comportamento dos líderes possibilita criar programas de desenvolvimento de novos líderes com as mesmas características comportamentais.

O contexto e as relações entre líderes e liderados influenciarão diretamente na efetividade da liderança. Os líderes devem compreender as variáveis contextuais e adaptar o seu estilo de liderança para alcançar efetividade, ou devem alterar as características situacionais para que o seu estilo de liderança se torne efetivo.

Quadro 2: Perspectivas teóricas apresentadas por Robbins (2005) e Bowditch e Buono (2002) Fonte: Elaborado pelos autores

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Em relação aos comportamentos, a gestora apresenta uma inquietação inicial com a forma impessoal com que uma colaborada se reporta a ela. Quando Andréa fala que “domingo é dia de descanso”, parece falar de maneira descontraída e espontânea, e não como uma provocação. Todavia, Domitila se sente incomodada, pois não percebe motivação e proatividade dos colaboradores e entende que sua autoridade de líder está sendo desafiada. Neste caso, a liderança de Domitila pode ser visualizada à luz do Modelo de Fiedler (BOWDITCH; BUONO, 2002). As evidências parecem indicar que: (a) a relação entre líderes e liderados é ruim; (b) o grau de estruturação das tarefas é reduzido; (c) as decisões tomada por Domitila são acatadas pelo síndico, o que lhe garante certa autonomia e poder.

Para Domitila, uma boa alternativa, considerando-se o modelo de Fiedler, seria alterar o grau de estruturação das tarefas. A gestora reconhece a falha em estruturar as tarefas e percebe isto como uma oportunidade. Todavia, os estudos de Michigan apontaram que comportamentos de liderança demasiadamente orientados para a tarefa causam insatisfação nos liderados. Assim, promover uma pesquisa de clima e buscar a partir das relações impessoais características do ambiente de trabalho compreender as aspirações, sentimentos e dificuldades dos liderados, pode contribuir para melhorar as relações interpessoais e tornar-se mais efetiva enquanto líder.

Melhorando suas relações interpessoais e estruturando as tarefas, ela será capaz de analisar seu estilo de liderança por outro ponto de vista. À medida que os colaboradores apresentem maior proatividade (ou “prontidão”, para usar as palavras de Hersey e Blanchard), a líder poderá reduzir a quantidade de informações fornecidas e o nível de supervisão (ROBBINS, 2005), podendo ater-se a outros pontos de melhoria não só para os condôminos, mas também para os próprios funcionários. O seu comportamento pode orientar-se mais ao desenvolvimento dos liderados. Sua experiência anterior no condomínio Terra no Rio de Janeiro pode ser útil, pois como havia organizado alguns cursos inclusive de capacitação profissional, isto pode ser trabalhado junto aos profissionais do condomínio Mar, gerando assim maior satisfação e melhorias de qualidade do trabalho.

É necessário que Domitila invista na identificação das competências que a empresa precisa, permitindo o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes que estejam alinhadas com a realidade da empresa e com suas reais necessidades. Assim, o conhecimento circula e as competências aumentam, tornando a empresa mais forte e reduzindo os problemas internos que podem afetar a vida dos moradores do condomínio. Deve-se pensar também no potencial e interesse dos colaboradores no desenvolvimento destas competências. Compartilhar a decisão junto com estes profissionais, buscando saber suas aspirações e pedindo sugestões sobre os pontos que devem ser melhorados podem contribuir para que haja um ganho eles se motivem e compreendam as decisões tomadas. A teoria da meta e do caminho pode ser bastante útil para pensar este processo.

Outra discussão que pode ser levantada a fim de estimular uma análise mais diversificada sobre as teorias de liderança é buscar compreender porque Domitila não cita nenhuma relação mais próxima com algum dos colaboradores. Para isto, pode-se discutir a Teoria dos Elos de Ligação, no sentido de evidenciar a fraca relação interpessoal com os onze funcionários, expondo também a oportunidade de aproximar-se de grupos mais abertos e estratégicos, funcionários que têm mais experiência na organização, ou por quem a gestora sente empatia, colaboradores que sejam legitimados pelos demais, etc. Isto pode lhe fornecer informações relevantes sobre o comportamento do grupo, passando a inseri-la no contexto, gerando também um bem-estar para estes funcionários do “grupo de dentro”, que poderão sentir-se mais importantes e, contando com alguns privilégios, podem se desenvolver e se tornar exemplos para os outros profissionais dentro do condomínio.

É determinante ainda que Domitila priorize estratégias de gestão de pessoas, como: 1) sua capacitação contínua e a dos demais colaboradores, a partir do investimento em

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treinamentos, participação em cursos e palestras, incentivo para que os colaboradores concluam seus estudos; 2) clareza na definição e comunicação das funções e responsabilidades aos colaboradores, como quando da criação de cronogramas de atividades; 3) estímulo à produtividade, iniciativa e criatividade da equipe, promovendo atividades de interação e na criação de ações motivacionais, no intuito de proporcionar mais satisfação e melhor clima organizacional; 4) estabelecimento de um cronograma de reuniões de acompanhamento e feedback.

É importante ressaltar que todas as ações aqui descritas só serão possíveis com a autorização da síndica e o apoio do subsíndico, conselheiros, moradores e colaboradores, uma vez que Domitila também está no quadro de colaboradores do condomínio e está submetida às decisões tomadas pela síndica, após votação em assembleia com os moradores. Salienta-se, portanto, que, como em qualquer programa voltado à gestão de pessoas, o sucesso de tais ações só poderá ser alcançado a partir do envolvimento e comprometimento de todos os atores elencados.

Optando por uma gestão mais organizada e que valoriza as pessoas e capacitando-se continuamente para exercer o cargo em questão, o ato de liderar pode tornar-se menos árduo. Quando os colaboradores deixam de ser somente um grupo para tornar-se uma equipe, todos ganham e o líder sente-se entusiasmado e com a sensação de dever cumprido.

A exemplo disso, o sucesso da liderança e gestão de Domitila dar-se-á frente aos passos abordados, submetendo as suas ações a um novo olhar e, então, modificando as atitudes e comprometimento de sua equipe, contribuindo para a melhoria das relações interpessoais no ambiente de trabalho e mais resultados nas atividades desempenhadas por todos.

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA BASS, B. M. Bass & Strogdill’s Handbook of Leadership: theory, research and managerial applications. 3. ed. New York: The Free Press, 1981. BERGAMINI, Cecília W. Liderança: administração do sentido. São Paulo: Atlas, 1994. BOWDITCH, J.L.; BUONO, A.F. Elementos do Comportamento Organizacional. São Paulo: Pioneira, 2002. GONÇALVES, C. A; GONÇALVES FILHO, C; REIS, M. T. Estratégia Empresarial: o desafio nas organizações. São Paulo: Saraiva, 2006. HOYT, C.L. Women in Leadership. In: NORTHHOUSE, P. G. Leadership: Theory and Practice. 3. ed. Thousand Oaks: Sage Publications, 2010, cap. 10, p. 301-333. LUCENA, M. D. S.. Planejamento de Recursos Humanos. São Paulo: Atlas, 1995. RIBEIRO, Antonio de Lima. Gestão de pessoas. São Paulo: Saraiva, 2005. RECÉM Chegada, Produção de Jonas Elmer, Estados Unidos, Imagem, 96min, 2009, DVD. ROBBINS, Stephen P.. Comportamento Organizacional. São Paulo: LTC, 2005. REFERÊNCIAS BARNES, L.B., CHRISTENSEN, C.R, HANSEN, A.J. eds., Teaching and the Case Method, 3d ed. Boston: Harvard Business School Press, 1994. CESAR, A. C. Método do estudo de caso (Case Studies) ou Método do caso (Teaching Cases)? Uma análise dos dois métodos no ensino e pesquisa em administração. REMAC – Revista Eletrônica Mackenzie de Casos, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 1-23. 2005. ELLET, W. (2007). The case study handbook: how to read, discuss and write persuasively about cases. Boston: Harvard Business School Press.

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