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Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural 1 GESTÃO DAS ÁGUAS DE BARRAGENS DO NORDESTE A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA SOCIAL E ECONÔMICA [email protected] Apresentação Oral-Agricultura Familiar e Ruralidade MARIA AURICLEIDE ANDRADA BEZERRA; JOSÉ EDVÂNIO MACIEL SANTOS; INALDO NOGUEIRA DE OLIVEIRA FILHO; JORGE DA SILVA CORREIA NETO. UFRPE, SERRA TALHADA - PE - BRASIL. Gestão das Águas de Barragens do Nordeste a partir de uma Perspectiva Social e Econômica Water Management in Dams in the Northeast of Brazil from a Social and Economical Perspective Grupo de Pesquisa: AGRICULTURA FAMILIAR E RURALIDADE Resumo A presente pesquisa teve como objetivo verificar a questão das políticas públicas implementadas na questão da açudagem, na busca melhoria das condições de vida do sertanejo nordestino. Perpassando pela gênese dos projetos de açudagem, seus objetivos iniciais na região do Alto Pajeú em Pernambuco, e chegando à questão da Barragem do Jazigo, que é resultado do represamento do Rio Pajeú na cidade de Serra Talhada –PE. Foram diagnosticados os problemas e os benefícios para os usuários que irrigam suas terras no entorno desta barragem. Os resultados envolveram as questões fundiárias (alto índice de Gini), baixo nível educacional dos produtores rurais pobres (92% com ensino fundamental incompleto) e proprietários rurais (empresários da cidade) em sua maioria com nível superior – um paradoxo. A pesquisa também detectou o impacto do uso não racional da água e da falta de estrutura para escoamento da produção da região. Por fim, são sugeridas algumas ações para mitigação desses problemas. Palavras-chaves: Barragem; Jazigo; Açudagem; Nordeste; Semi-árido Abstract This article reflects over the public policies regarding water management in dams, with a special focus over the impacts of these policies in the northeast of Brazil. This article works over the genesis of these projects of dams in the northeast of Brazil, its original objectives at this region, specially at Pernambuco State, through the Jazigo Dam´s case, that impounds water from Pajeú River, at Serra Talhada city. Some problems were identified and discussed: the most significant problems are the highly concentrated land (high Gini index), low educational level (over 92% have less than four years of study), and some rich man that have beautiful houses for leisure. This research found out that the water is not rationally used (no irrigation techniques area used) and that distribution of their products is inefficient. As a contribution, some actions are suggested to mitigate these problems.

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Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

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GESTÃO DAS ÁGUAS DE BARRAGENS DO NORDESTE A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA SOCIAL E ECONÔMICA

[email protected]

Apresentação Oral-Agricultura Familiar e Ruralidade MARIA AURICLEIDE ANDRADA BEZERRA; JOSÉ EDVÂNIO MACIEL SANTOS; INALDO NOGUEIRA DE OLIVEIRA FILHO; JORGE DA SILVA CORREIA NETO.

UFRPE, SERRA TALHADA - PE - BRASIL.

Gestão das Águas de Barragens do Nordeste a partir de uma Perspectiva

Social e Econômica

Water Management in Dams in the Northeast of Brazil from a Social and Economical Perspective

Grupo de Pesquisa: AGRICULTURA FAMILIAR E RURALIDAD E

Resumo A presente pesquisa teve como objetivo verificar a questão das políticas públicas implementadas na questão da açudagem, na busca melhoria das condições de vida do sertanejo nordestino. Perpassando pela gênese dos projetos de açudagem, seus objetivos iniciais na região do Alto Pajeú em Pernambuco, e chegando à questão da Barragem do Jazigo, que é resultado do represamento do Rio Pajeú na cidade de Serra Talhada –PE. Foram diagnosticados os problemas e os benefícios para os usuários que irrigam suas terras no entorno desta barragem. Os resultados envolveram as questões fundiárias (alto índice de Gini), baixo nível educacional dos produtores rurais pobres (92% com ensino fundamental incompleto) e proprietários rurais (empresários da cidade) em sua maioria com nível superior – um paradoxo. A pesquisa também detectou o impacto do uso não racional da água e da falta de estrutura para escoamento da produção da região. Por fim, são sugeridas algumas ações para mitigação desses problemas. Palavras-chaves: Barragem; Jazigo; Açudagem; Nordeste; Semi-árido Abstract This article reflects over the public policies regarding water management in dams, with a special focus over the impacts of these policies in the northeast of Brazil. This article works over the genesis of these projects of dams in the northeast of Brazil, its original objectives at this region, specially at Pernambuco State, through the Jazigo Dam´s case, that impounds water from Pajeú River, at Serra Talhada city. Some problems were identified and discussed: the most significant problems are the highly concentrated land (high Gini index), low educational level (over 92% have less than four years of study), and some rich man that have beautiful houses for leisure. This research found out that the water is not rationally used (no irrigation techniques area used) and that distribution of their products is inefficient. As a contribution, some actions are suggested to mitigate these problems.

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Key Words: Dam; Impound Water; Water Management

1. INTRODUÇÃO

No semi-árido nordestino as políticas públicas voltadas para a açudagem e a perenização total ou parcial de rios visam criar alternativas de convivência do homem do sertão com o fenômeno natural das secas, tentando minimizar o déficit hídrico existente nesta região. A partir desta realidade vem sendo implementados, ano após ano, inúmeros projetos que, na maioria das vezes, começa com a perenização, irrigação e conseqüentemente uma maior produtividade agrícola, entretanto, ao longo deste processo inúmeros problemas podem ser constatados.

O artigo procura analisar como a população vem organizando suas atividades produtivas e remodelando sócio-espacialmente a área do entorno da barragem do Jazigo, localizada no município de Serra Talhada-PE, na Bacia Hidrográfica do Rio Pajeú. É mister ressaltar que, no decorrer desta pesquisa, dialeticamente foram observadas as contradições típicas do modo de produção capitalista, a chamada modernização conservadora no campo (SOUZA, 1998).

Segundo Silva et al. (1998, p.04) “os projetos de irrigação implantados no Nordeste acarretam concentração fundiária na sua área de influência”. Começa a existir uma valorização no preço da terra devido à água, pois pequenos proprietários vendem suas propriedades e novamente as velhas estruturas retornam: terra e água sendo um bem de acesso a poucos, no caso àquelas pessoas com maior poder aquisitivo, que podem até mesmo dar-se ao luxo de utilizar a terra como “terra de lazer” e não como “terra de trabalho”. Nas áreas que margeiam a barragem do Jazigo, há uma tendência crescente de utilização das propriedades para clubes e chácaras freqüentados por moradores da cidade. Podem ser observados problemas tipicamente urbanos sendo transportados para o campo, a exemplo da especulação imobiliária.

Ao longo do processo de investigação foi realizada uma breve incursão histórica nas origens da açudagem no Sertão Nordestino, com um levantamento histórico do Açude do Jazigo. Esse levantamento se deu com base nos seguintes temas: o papel das políticas públicas e as modificações que naturalmente ocorrem devido à reorganização sócio-espacial na área do represamento, acarretando alguns problemas sócio-econômicos para a população nativa, a modificação na estrutura fundiária e os impactos ambientais. À luz do quadro teórico e empírico que foi sendo construído, procurou-se revelar algumas particularidades. Pode-se denominar também esta pesquisa como um estudo de caso, pois dentre as oito maiores barragens do Pajeú (Serrinha, Barra do Juá, Saco I, Rosário, Cachoeira II, Brotas, Jazigo e Arrodeio) caracterizou-se um açude que tem problemas similares com todas estas barragens.

Então, a partir desse delineamento, pode-se indagar: qual era a finalidade inicial do Açude do Jazigo? Como viviam e como vivem atualmente os produtores rurais, após o barramento? De que forma utilizam a água? Quais são as técnicas de irrigação implementadas nesta área? Foram questionamentos auscultados no decorrer do processo investigatório. Com o arcabouço teórico construído, foram identificados os principais problemas estruturais, decorrentes das políticas públicas, que costumam estagnar toda uma produtividade agrícola

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das populações ribeirinhas que vivem às margens dos açudes, como o do Jazigo, na bacia hidrográfica do Pajeú. 2. REFERENCIAL CONCEITUAL

Como principais referências conceituais que embasaram a presente pesquisa estão as

políticas governamentais que norteiam os programas de açudagem no Brasil e a evolução desses projetos até os dias atuais, em especial no Nordeste, apresentados a seguir.

Histórico e objetivos iniciais

A política de açudagem no Nordeste esteve intrinsecamente interligada ao fenômeno natural das secas. Os primórdios dos barramentos vêm do início da colonização brasileira pelos portugueses. Pode-se constatar, segundo Molle (1994, p.14), que

a história do açude no Nordeste é tão antiga como a história de sua colonização pelos portugueses. Na realidade, o próprio nome açude – derivado da palavra árabe as-sadd (barragem) comprova a origem ainda mais remota, se nos debruçarmos sobre a história do homem e de suas técnicas.

As grandes civilizações egípcia e mesopotâmica, entre outras, já utilizavam técnicas de barramentos. Entretanto, a sua sistematização, ou engenharia dos barramentos, só veio a ocorrer na França em meados do século XIX.

O sertão brasileiro têm sua colonização iniciada no século XVII, assinala Andrade (1986, p. 155), afirmando que o início da atividade agrícola deve ser contemporâneo do desbravamento do interior e da criação de gado. Apenas a agricultura não foi a atividade principal; desenvolveu-se mediocremente à sombra dos “currais”, devido à grande distância que separava aquela zona do litoral e ao elevado preço que os gêneros atingiam após o transporte por dezenas de léguas. Nota-se que os “currais”, ou seja as “fazendas de criação” é que viriam a estabelecer o povoamento das áreas interioranas, sendo feita ao longo dos rios.

No caso do município de Serra Talhada, o Rio Pajeú marca a sua história com as fazendas de criação de gado. Jóffily apud Molle (op.cit., p.l7) lembra que “os açudes sempre foram os meios empregados pelos sertanejos para neutralizar os efeitos das secas, desde os primeiros tempos de colonização”. Convém ressaltar que os açudes eram particulares, existindo para o suprimento d’água no início da fixação dos proprietários de terra. A intervenção governamental para construção de açudes no sertão só veio a acontecer no século XVIII quando o governo criou leis de gratificação para o proprietário que construísse seu próprio açude. Assinala Andrade (1999, p.32) que, no século XVIII, quando a economia da pecuária já se achava melhor estruturada e ao seu lado se desenvolveu a cultura do algodão, o impacto das secas foi se tornando mais grave. A construção dos barreiros e de açudes era de pequena expressão, não dando para atenuar o impacto da seca.

Os planos governamentais vinham desde o século XVIII como proposta de combate e não de convivência com a seca no sertão nordestino. No século XIX foram instituídos prêmios para as pessoas que construíssem açudes.

Adicionalmente, inúmeros organismos estatais foram sendo criados, em especial ao longo do século XX (BEZERRA, 2003):

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• Inspetoria de Obras Contras as Secas (IOCS): foi criado em 1909, e passou a ser chamado Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS) em 1919, no governo do Presidente Epitácio Pessoa, quando são construídas as grandes represas, mas com pequeno potencial de irrigação;

• Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS): com a seca de 1932, o governo chama a atenção para o combate à seca com a chamada “solução hídrica”. Em 1945 o IFOCS passa a denominar-se Departamento Nacional de Obras Contra as Secas;

• Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF): é criada em 1945, com a função de gerar e distribuir energia para o norte / nordeste;

• Companhia do Vale do São Francisco (CVSF): a atual Companhia de Desenvolvimento do Vales do São Francisco e do Parnaíba (CODEVASF) foi fundada em 1948;

• Banco do Nordeste Brasileiro (BNB): é criado em 1952, como banco de fomento; • Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE): criada em 1959, com

propostas inicialmente reformistas, pois trazia os ideais de Celso Furtado. Entretanto, esses órgãos não provocaram impacto suficiente para que se pudesse, de

maneira profunda, impactar nos aspectos estruturais da realidade nordestina. Em entrevista a Tavares, Andrade e Pereira (1998, p.70) Celso Furtado lembra que ao chegar ao Congresso Nacional a Lei que tratava da irrigação no Nordeste

desenterraram um projeto de Lei antigo de um nordestino, que, no fundo, era para legitimar o sistema existente. Era feito pelas pessoas da indústria da seca e também se chamava Lei de Irrigação, o que criava confusão. E no senado conseguiram a aprovação para essa Lei. Mas consegui que Juscelino vetasse. Portanto, Juscelino me apoiou também por esse lado. Já fiquei satisfeito que, pelo menos vetasse essa lei celerada, pois a minha não aprovaria mesmo. Foi uma briga grande.

Constata-se que os organismos e programas implementados por esses órgãos não lograram em resultados esperados.

A barragem do Jazigo, localizada no município de Serra Talhada – PE, a 7°09’56’’S e 38°14’30’’W, na Bacia Hidrográfica do Pajeú – a maior do Estado de Pernambuco, com uma área de 16.838,74 km2, que corresponde a 17,2% da área total do Estado (fig.01), foi idealizada por Agamenon Magalhães, governador de Pernambuco de 1950 a 1952.

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Figura 01 – Localização da Barragem do Jazigo, Serra Talhada – PE Fonte: Governo do Estado de Pernambuco, 200-. Contextualizando historicamente, no final do Estado Novo com Getúlio Vargas na

Presidência da República, Agamenon Magalhães então conhecido como um dos principais construtores do Estado Novo, já havia no passado governado Pernambuco como Interventor, durante oito anos de 1937 a 1945, e agora chegava ao poder através do voto popular.

Foi no seu governo que elaborou para o Sertão um plano de recuperação da economia, com base na criação de cooperativas, sementeiras e na implantação de uma política de açudagem para perenização dos rios Pajeú, Moxotó e Brígida. Criou também postos de monta, estimulando a pecuária, e incentivou o cultivo de produtos para o fortalecimento da agroindústria do algodão, do caruá, do milho e da mamona.

Contudo Agamenon veio a falecer em 1952 e as obras do açude do Jazigo só foram reativadas na década de 1970, sendo este açude inaugurado em 1983, com uma capacidade de acumulação de 15.543.300 m3. A área da sua bacia hidráulica é de 6.170 km2, utilizada para irrigação. Esta barragem foi construída com os recursos do projeto Asa Branca – PROHIDRO, no governo de Marco Maciel, e é uma das “barragens-mãe” no projeto de perenização do rio Pajeú.

O açude do Jazigo foi construído para operar em conjunto com outras barragens com a finalidade de perenizar um trecho do Pajeú (fig. 02). Convém ressaltar: a água acumulada que opera a montante do Jazigo está sendo utilizada para o abastecimento urbano de do município de Afogados da Ingazeira – PE, e por esta razão o açude fica limitado a sua própria área de contribuição e opera com baixos volumes de água durante os meses de estiagem.

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Fig.02 – Barragem do Jazigo

Fonte: Copyright © 2005 Patrick. (GFDL)

A organização produtiva da população do entorno do Açude Jazigo

O levantamento da situação atual da população do entrono do Açude Jazigo se deu com os próprios moradores da área, e em especial com o líder comunitário Miguel Leonardo Lima Filho, morador a jusante do açude.

Pode-se constatar que os proprietários de terras ou moradores nativos, com o advento da construção e inauguração do Açude em 1983, foram paulatinamente vendendo suas propriedades achando que, inundados os terrenos de aluvião, não seria possível produzir com a mesma eficiência no solo litólico (conhecido pelos sertanejos como terrenos de tabuleiro). Venderam a preços baixíssimos suas propriedades e passaram a migrar para a cidade (Serra Talhada), para trabalhar na construção civil como pedreiros, investindo também seus parcos recursos no pequeno comércio: mercearias, bodegas, bares, etc. Os bairros que normalmente iam se instalando passaram a se denominar IPSEP, COHAB e São Cristóvão. Houve tipicamente o fenômeno do êxodo rural. A área passou a ser de repulsão para os moradores que ali viviam.

Os poucos proprietários nativos daquela região foram tendo alguns obstáculos a transpor, que adiante serão apontados. O fato primordial é que não houve mudanças no perfil tecnológico do produtor rural, faltando um acompanhamento sistemático por parte dos órgãos estatais para estes camponeses, que poderiam ter acesso a novas tecnologias, levando algum dinamismo econômico aos pequenos produtores rurais, nestas áreas que margeiam a barragem.

Constata-se uma ausência de políticas públicas com acompanhamento técnico visando um desenvolvimento sustentável num outro modelo sócio-econômico, que é utilizar as terras para o plantio de culturas irrigadas. Conforme assinala Araújo (2000, p.l76)

ao mesmo tempo em que diversos subespaços do Nordeste desenvolvem atividades modernas, em outras áreas a resistência a mudanças permanece sendo a marca principal do ambiente socioeconômico: as zonas cacaueiras, canavieiras, e o sertão semi-árido (grifo nosso) são as principais e históricas áreas desse tipo. Quando ocorre a modernização é restrita, seletiva, o que ajuda a manter um padrão dominantemente tradicional.

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A estrutura fundiária

O Nordeste apresenta algumas singularidades no cenário geoeconômico brasileiro. Basta ver que ali vive cerca de metade da população pobre do país, com uma grande variedade de situações físico-climáticas. Dentre estas destaca-se a zona semi-árida, que além de representar cerca de 57% de seu território, singulariza-se por ser castigada periodicamente por secas (DUARTE, 2001).

Ainda segundo Duarte (2001, p.426), a situação de pobreza em que vive a maioria da população do semi-árido encontra explicação, também, nas condições de posse e uso da terra prevalecentes naquela sub-região. A distribuição das terras no Nordeste é muito desigual, como revela o Coeficiente de Gini relativo ao ano de 1992, que era de 0,7918, conforme cálculo feito pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Nessa época os estabelecimentos rurais do Nordeste com menos de 50 hectares representavam 75% do número de imóveis, sendo a área por eles ocupada correspondente a, apenas, 12% da área total.

Mas estas distorções continuam existindo até os dias atuais, como pode ser visto no Resumo Executivo do Relatório Final da Agência Nacional de Águas (ANA, 2002, p.l2):

as propriedades rurais atualmente possuem em média de 5 a 20 hectares, onde são praticadas a agricultura de subsistência e a criação de pequenos animais. Devido à escassez de água na maior parte do ano e à distância desde os pontos de captação até as lavouras, os agricultores utilizam a irrigação por sulcos ou aspersão, com águas captadas de poços escavados no leito do Rio Pajeú ou a exploração de poços amazonas.

As terras próximas da barragem são propriedades que ano após ano vêm mudando sua finalidade original, vêm sendo transformadas em áreas de lazer, abrigando chácaras ou clubes freqüentados por moradores das cidades circunvizinhas (fig.03). É uma área em que também os produtores familiares e empresários utilizam as águas, captadas diretamente no açude, para a irrigação e consumo dos animais, ocupando a terra com pastagens e fruticultura irrigada.

Ainda consoante com o Resumo Executivo do Relatório Final, ANA (2002, p.l2) à jusante da barragem existem áreas que variam desde 20 até mais de 100 hectares. Em sua maioria apresentam forma retangular, com um dos lados limitando-se com o rio. É uma área que predominam agropecuaristas patronais dedicados principalmente à produção de leite. São propriedades que sofrem maiores dificuldades para o abastecimento com águas do Rio Pajeú, por não existir uma vazão regularizada, devido a este fato, nenhum produtor rural pode planejar suas atividades contando com água liberada pela represa (fig.04).

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Fig.03 – Propriedade empresarial às margens do Jazigo

Fonte: ANA, 2002.

Este passa a ser um dos sérios problemas diagnosticados, a chamada vazão regularizada. Nos anos secos os proprietários de terras a jusante do Açude querem que a água seja liberada e os proprietários da montante querem que a água fique represada. O problema agravou-se seriamente especialmente nos anos de 1993 e 1998, pois se enfrentou uma grande estiagem na região, vindo a surgir contendas por partes dos proprietários de terra as margens desta Barragem.

O homem depende de certos elementos não só para sobreviver, mas também para se aperfeiçoar social, política e culturalmente, pelo que não seria errôneo dizer que o homem é um ser dependente, consoante com Alvim (apud SUASSUNA, 2000, p.02). Sendo assim analisado, é necessária uma maior interação entre os usuários do Açude do Jazigo.

Em agosto de 2001 foi fundado o CONSU – Conselho de Usuários do Açude do Jazigo, para que os usuários dispusessem de um fórum para discussão e busca de solução para o conflito por distribuição de água, instaurado entre usuários de montante e de jusante do reservatório de acordo com o relatório Resumo Executivo do Relatório Final (ANA, 2002, p.18). Entretanto, mesmo com o CONSU, persiste o conflito ao lado de novas questões que surgiram motivadas pela falta de integração entre os conselheiros. Por este motivo o CONSU tem fraco desempenho e na prática é inoperante.

Através do cadastramento obtido no banco de dados do açude do Jazigo – documento do Resumo Executivo do Relatório Final (ANA, 2002, p.18), observa-se o perfil dos usuários, a demanda e o uso da água e do solo. Pode-se constatar que em sua maioria (92%) são proprietários de terra com apenas o ensino fundamental incompleto (37,5%). A maioria capta água através de poços amazônicos (27,3%) e usa a água no sistema de irrigação e para abastecimento humano e desedentação animal. São produtores rurais que na sua maioria não participa de entidades associativas (80,7%).

Nota-se ainda que existe um enfraquecimento de poder de barganha desses produtores ao venderem suas produções. A destinação principal dos solos nas propriedades rurais se divide entre área de mata-caatinga arbórea, área irrigável e área projetada para irrigação. A soma das três últimas perfaz o total de 1.609ha de área declarada. (Quadro 01)

Quadro 01 – Principais informações obtidas no cadas tramento, constante dos

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bancos de dados do açude Jazigo. Classificação dos dados Açude Jazigo

_______________________________________________________________________________ • Número de usuários cadastrados: 88 usuários

− Homens 97,7% − Mulheres 2,3%

• Grau de escolaridade dos usuários − analfabetos 22,7% − 1º grau incompleto 37,5% − 1º grau completo 2,3% − 2º grau incompleto 10,2% − 3º grau completo (curso superior) 18,8%

• Forma predominante de ocupação da terra: − proprietários 92,0%

• Formas predominantes de captação de água − preços profundos 21,6% − poços amazonas 27,3% − poços no leito do rio (cacimbas) 11,4% − barramentos 2,3%

• Usos preponderantes da água: − irrigação 85,2% − abastecimento humano 69,3% − dessedentação animal 73,8% − indústria 4,5% − piscicultura 5,6%

• Participação em entidades associativas − associações de agricultores 2,3% − conselhos 5,7% − sindicato 19,3% − cooperativas 4,5% − não participam 80,7%

• Conhecimento sobre a política das águas − ouviram falar sobre a Lei das águas 50% − conhecem o Conselho de Usuários local 40,9%

_______________________________________________________________________________

Fonte: Governo de Pernambuco. Secretaria de Recursos Hídricos [200-].

Impactos ambientais Dentro da lógica do desenvolvimento capitalista no campo, os proprietários que ao

longo da barragem puderam utilizar recursos tecnológicos, financeiros e uma “mentalidade nova” dos que lá já residiam, investiram em suas propriedades e lograram certo êxito.

Entretanto, a pesquisa demonstrou que são poucos os produtores rurais que tem na agricultura sua atividade principal. A maioria tem na agricultura uma atividade secundária, por isso, em muitas áreas houve apenas o desmatamento da pouca cobertura vegetal existente (fig.05).

Quanto à utilização inteligente da água, Veiga (2005, p.206) afirma que a eficiência hidrológica dos açudes é de 1/5 do volume estocado devido às altas taxas de evaporação. Perdas tão elevadas decorrem da falta de uso múltiplo planejado dos reservatórios. Além disso, a intensa evaporação

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engendra processo de salinização cíclica das águas estocadas, em grande parte devido a falta de critérios de uso e de proteção da qualidade. Enfim, antes de se buscar mais água para agravar as formas de desperdício já constatadas será absolutamente necessário fazer com que os açudes – em especial os grandes – entrem em sintonia com o gerenciamento integrado das respectivas bacias.

Fig.05 – Área desmatada nas margens do Jazigo

Fonte: ANA, 2001.

A disponibilidade hídrica do reservatório permite a utilização de 800L/s durante 4 a 5 meses por ano. Nos demais, não é possível obter mais do que 200L/s, sob pena de provocar o colapso do açude. Considerando a relação lL/s para cada hectare irrigado, constatou-se uma expectativa de utilização da água oito vezes maior que a capacidade de atendimento do açude, somente para irrigação na maior parte do ano.

Mesmo a área declarada irrigada, equivalente a 329 hectares, já é superior a uma vez e meia a capacidade de atendimento durante 7 a 8 meses por ano. Verifica-se que é mister haver uma intervenção técnica para a irrigação, que requer um acompanhamento contínuo, o que inexiste nessas áreas. Os irrigantes utilizam muita energia e equipamentos superiores às suas necessidades, causando desperdício de água, gasto a mais com a energia elétrica e equipamentos e um grande risco de salinização do solo.

Portanto uma consultoria técnica que incentive a irrigação por gotejamento torna-se necessário. Até mesmo as cooperativas de energia, a exemplo da CERTRI/Triunfo, não orientam devidamente os produtores rurais.

Comercialização

É importante ressaltar que no passado, antes do advento do Açude Jazigo, a irrigação era feita manualmente através dos galões de água. Os produtores rurais vendiam as suas produções (tomate, coentro, cebolinha, pimentão e cebola) nas feiras livres da cidade. Além disso, numa agricultura de sequeiro, eram produzidos milho e feijão.

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Quando o açude foi construído houve uma ampliação da quantidade plantada dos poucos que lá continuaram com suas produções, mas surge a figura do atravessador que vai até a roça colhendo e transportando a mercadoria, chegando ao consumidor final com um preço superior. A mercadoria não está pronta, a compra é feita na folha (antes mesmo da safra). No passado o transporte da mercadoria era feito em lombo de jumento, hoje existem as caminhonetes, que abastecem os supermercados e as feiras-livres de Serra Talhada.

Outro impacto ambiental que se pode observar é com relação ao uso de defensivos agrícolas. Como não há uma assistência técnica rural na área, os produtores rurais utilizam adubos sem fazer uma análise de solo e aplicam defensivos sem qualquer fiscalização. No passado a irrigação era feita com eletro-bomba, mas com a chegada da energia, na época da inauguração da barragem em 1983, nem todos tiveram acesso, pois tinham que pagar o transformador. Esse problema só contornado em 1990, durante o governo Arraes. Com esta constatação verifica-se que fica difícil agregar valor aos produtos da região. 3. METODOLOGIA

Para a consecução deste trabalho, foi utilizada uma abordagem qualitativa, com base

em entrevistas conduzidas com moradores da região, que foram processadas através da técnica da análise de conteúdo. O embasamento conceitual tinha o intuito de explorar as referências bibliográficas que tratassem questões como as políticas públicas de açudagem, a questão agrária e os impactos ambientais (LAKATOS; MARCONI, 2007; LEÃO, 2006).

Inicialmente os pesquisadores estudaram os relatórios que abordavam a questão das políticas públicas observando através dos relatórios e dos referenciais a relação existente entre o grande número de açudes implantados no nordeste e os motivos pelos quais os mesmos não trouxeram uma perspectiva de desenvolvimento para as áreas em que houve o trabalho de barramento dos rios. Na questão fundiária foi constatado um número muito alto de usuários de nível superior, indicando que o dado qualitativo é quem pode explicar os acontecimentos da referida questão.

Com os devidos levantamentos foram traçados os parâmetros para a pesquisa, levando em conta a preocupação de analisar os fatos e interpretá-los sobre as possíveis conseqüências. 4. CONCLUSÕES

A água chegou, mas não serviu para melhorar a vida da população que vive às

margens da Barragem. Serviu como elemento para se especular com a terra, mudar os hábitos sociais das famílias, desalojar os nativos.

Passou a ser uma área de repulsão e as pessoas que ficaram utilizam técnicas ultrapassadas; não houve mudança de mentalidade porque quando a barragem chegou, faltou um acompanhamento técnico e um sistema de educação na área, visando um desenvolvimento sustentável.

O que “deu certo” foi o produtor que veio de fora com capital e “mentalidade nova”, que como já foi dito tem na agricultura uma atividade secundária. Há uma visão capitalista de lucro que gera conflito de valores, conflitos estes também por fronteiras de terra. Fronteiras velhas que foram demarcadas historicamente são desrespeitadas. Pode-se afirmar que somente os produtores rurais com fácil acesso às linhas de crédito conseguiram êxito na questão do Jazigo. Também profissionais liberais que contam com uma boa situação econômica e com

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acesso aos avanços tecnológicos foram contemplados com a política que nesse caso beneficia àqueles que já têm boas condições de vida.

Está havendo uma grande especulação imobiliária quando a terra chega às mãos de especuladores. Constroem-se casas e desmatam as Áreas de Proteção Ambiental (APA), introduzindo pomares e áreas de lazer, fazendo com que a terra fique mais atrativa e cara.

As organizações não governamentais e os movimentos sociais não chegaram nessas áreas para dar assistências às comunidades rurais e a paisagem rural tem deixado de existir no entorno na barragem: belas residências, festas com som alto, alcoolismo, a água da barragem sendo coletada por caminhões-pipas para vendê-las na cidade... Enfim, o povo foi expulso com suas culturas tradicionais.

Com isso a Barragem do Jazigo não consegue atender aos reclames do seu projeto original, um patrimônio público que aos poucos vai se esvaindo das mãos daqueles que necessariamente eram os donos daquelas terras. E a água, vai se tornando aos poucos, um recurso cada vez mais caro e inacessível. REFERÊNCIAS

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