gestão por qualidade

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Administração da Qualidade Objetivos Ao terminar o estudo deste capítulo, você deverá estar preparado para: Apresentar e definir o conceito de qua- lidade. Relatar sucintamente as principais eta- pas, ou eras, da história da adminis- tração da qualidade. Descrever as principais técnicas e con- ceitos da filosofia da qualidade total. Introdução Qualidade é uma palavra que faz parte do dia-a-dia e desempenha um papel importante em todos os tipos de organizações e em muitos aspectos da vida das pessoas. A idéia da quali- dade tem uma história muito antiga. Dos filó- sofos gregos aos chineses, dos renascentistas aos engenheiros e fabricantes da Revolução Indus- trial, muitas pessoas, no campo do pensamen- to e da ação, ocuparam-se desse assunto.

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Administração da Qualidade

Objetivos

Ao terminar o estudo deste capítulo, você deverá estar preparado para:

Apresentar e definir o conceito de qua- lidade.

Relatar sucintamente as principais eta- pas, ou eras, da história da adminis- tração da qualidade.

Descrever as principais técnicas e con- ceitos da filosofia da qualidade total.

Introdução

Qualidade é uma palavra que faz parte do dia-a-dia e desempenha um papel importante em todos os tipos de organizações e em muitos aspectos da vida das pessoas. A idéia da quali- dade tem uma história muito antiga. Dos filó- sofos gregos aos chineses, dos renascentistas aos engenheiros e fabricantes da Revolução Indus- trial, muitas pessoas, no campo do pensamen- to e da ação, ocuparam-se desse assunto.

156 Da Escola Clássica ao Modelo Japonês

Na administração, o enfoque da qualidade nasceu para resolver;-em primeiro lugar, o problema da uniformidade. A expansão da produção de massa, que utiliza e produz grandes quantidades de peças virtualmente idênticas, inspirou os estudos dos primeiros especialistas da qualidade industrial. Para os engenheiros e industriais do início do século XX, qualidade era sinônimo de uniformidade ou padronização. Da busca de soluções para o problema da uniformidade exigida pela fabricação massificada, nasceu o controle estatístico da qualidade. Desse ponto de partida, a administração da qualidade passou por diversos estágios, até chegar à administra- ção da qualidade total da atualidade. Shewhart, Feigenbaum, Deming, Juran e Ishikawa, os personagens mais importantes dessa história, serão estudados neste capítulo e no Capítulo 9, uma vez que o enfoque da qualidade e o modelo japonês de administração estão estreitamente associados.

A Figura 8.1 apresenta um quadro dos principais participantes do movimento da ,

qualidade e um resumo de suas idéias e contribuições. I

1 Como definir qualidade?

Há muitas definições para a idéia da qualidade. As mais importantes são resumi- das na Figura 8.2:

FEIGENBAUM

integrantes da SHEWHART, DODGE E ROMIG escola da qualidade.

Departamento de controle da qualidade. Sisteina da qualidade e garantia da qualidade. Qualidade total. I

Cartas de controle. Controle estatístico da qualidade e controle estatístico de processo. Técnicas de arnostragein. Ciclo PDCA.

J U RAN

DEMING

Trilogia da qualidade (planejamento, controle, apriinorainento).

14 pontos. Ênfase no fazer certo da primeira vez. Corrente de clientes. Qual idade desde os fornecedores até o cliente final.

ISHIKAWA Qualidade total. Círciilos da qualidade.

I

-

Administração da Qualidade 157

Figura 8.

Definifões idéia da qualidade

.- O melhor que se pode fazer. O padrão mais elevado de desempenho em qualquei- campo de atuação.

Qualidade como luxo. Maior número de atributos. Utilização de materiais ou serviços raros, que custam mais cai-o. Valor é relativo e depende da percepção do cliente, seu poder aquisitivo e sua disposição para gastar.

Qualidade planejada. Projeto do produto ou serviço. Definição de como o produto ou serviço deve ser.

e Grau de identidade entre o produto ou serviço e suas especificações.

e Uniformidade. Produtos ou serviços idênticos.

e Qualidade de projeto e ausência de deficiências.

1.1 Excelência

A idéia de qualidade foi discutida primeiramente pelos filósofos gregos, que pensaram no ideal da excelência, ou aretê. Excelência é a característica que distin- gue alguma coisa pela superioridade em relação aos semelhantes e depende do contexto. Para o cavalo de corrida, é a velocidade. No homem, é a superioridade moral, intelectual e física. Para os gregos, a excelência era absoluta: era o ideal mais elevado.

Quando se fala em qualidade como sinônimo de melhor, ou de nível mais alto de desempenho, usam-se conceitos que continuam atuais há mais de 25 séculos. Esta noção sempre esteve incluída e continua sendo usada nas definições da qualidade. Por exemplo, considere as afirmações a seguir.

Qualidade significa a aplicação dos melhores talentos e esforços para pro- duzir os resultados mais elevados.

Você faz as coisas bem feitas ou faz pela metade.

Qualidade é alcançar ou procurar alcançar o padrão mais alto, em lugar de contentar-se com o que é frágil ou fraudulento. A qualidade não admite compromisso com a segunda classe.

A idéia contemporânea de fazer bem feito da primeira vez é a tradução contempo- rânea desse ideal da excelência. É o princípio no qual se fundamenta a administra- ção da qualidade orientada para a busca de padrões superiores de desempenho.

I58 Da Escola Clássica ao Modelo Japonês

1.2 Valor . -

A noção de qualidade associada a valor estabeleceu-se em meados do século XVIII, quando a indústria começou a produzir bens massificados e baratos. A idéia de produto barato, para as massas, contrasta com a idéia de produto de luxo ou de alto desempenho, que poucos podem comprar ou que custa mais caro. Portanto, qualidade passou a significar "produto de luxo" ou "que vale mais". Para muita gen- te, qualidade é sinônimo de luxo. Por exemplo, um carro com ar-condicionado, dire- ção hidráulica e bancos de couro.

Em 1951, Feigenbaum argumentou que a noção de valor era relativa e tinha que ser considerada em qualquer definição de qualidade: Qualidade não tem o sentido popular de "melhor". Qualidade sign@ca melhor para determinadas condições do clien- te. Estas condições são (a) a utilização e 0) o preço de venda do produto. A qualidade não pode ser vista independentemente do custo.

Considerando-se o valor, a qualidade varia e divide-se em níveis: desde qualidade. inferior até qualidade superior. Leite A e B, classe econômica e executiva, gasolina premium e comum, produto standard e especial. Quanto mais alta a qualidade do produto, mais alto seu preço.

A qualidade mais alta implica custos maiores. É menos dispendioso fazer um veículo sem acessórios do que um veículo de luxo. Ou seja: mais qualidade custa mais. Como disse Freud, se você quiser qualidade, tem que pagar por ela.

No mercado, os consumidores tomam decisões de compra levando em conta o valor do produto, seu poder aquisitivo e fatores subjetivos, tais como sua intenção de poupar ou de ser visto com produtos de luxo. Dependendo do cliente, "mais barato" OU "mais caro" pode efetivamente ser "melhor".

1.3 Especificações

Definir qualidade em termos de especiíicações é o problema dos engenheiros. Se- gundo a perspectiva da engenharia, qualidade significa o conjunto das características de um produto ou serviço. As características são chamadas especificações e descrevem o produto ou serviço em termos de sua utilidade, desempenho ou de seus atributos. Por exemplo: comprimento, peso, cor, velocidade, composiçáo química, ponto de ebulição, consumo de combustível, quantidade e tipos de itens que entram no recheio de um sanduíche, comportamento do funcionário ao atender o cliente, higiene de uma cozi- nha ou salão de um restaurante, teor de gordura ou grau de pureza do leite. Esta é a qualidade que estabelece como o produto ou serviço deve ser - é a qualidade planejada.

1.4 Confo~rnidade com especificações

A contrapartida da qualidade planejada é a qualidade que o cliente recebe. É a qualidade real, que pode estar próxima ou distante da qualidade planejada. Quanto mais próximas a qualidade planejada e a qualidade real, mais alta a qualidade do produto ou serviço.

- . . . . . . . .

Administração da Qualidade 159

Portanto, qualidade é o atendimento das especificações previstas, pelos produtos que saem de uma linha de produção ou pelos serviços que são prestados ao cliente. Esta é a também chamada qualidade de conformação, qualidade de conformidade ou qualidade de aceitação.

Um produto ou serviço de qualidade é aquele que está dentro das especificações planejadas. Não-conformidade significa falta de qualidade.

1.5 Regularidade &4 "

Qualidade significa também/minimização ou redução da variação que ocorre em qualquer processo de trabalho, seja para fabricar produtos ou prestar serviços. Um produto ou serviço tem qualidade quando atende sistematicamente às especifi- calões planejadas. Nesta acepção, qualidade é sinônimo de regularidade ou

, , , . - confiabilidade. ,ZLLI Jh i r . d ! ! !?d ?&&rid$ ,!,% ;7r,po: ,I~..l.-, ,,:,,.?-,, .,:,>,:. ..:.!:- i' . . . .. . .. .. ,. .,

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1.6 Adequação ao uso

As definições anteriores estão todas corretas e continuam válidas no moderno enfoque da qualidade. Segundo a perspectiva do cliente, há outra definição muito usada de qualidade: adequação ao uso ( f i tnas for use), expressão criada por Joseph M. Juran. Esta expressão abrange dois significados, que englobam as definições an- teriores: qualidade de projeto e ausência de deficiências (ou ausência de defeitos).

(1) Qualidade de projeto

A qualidade de projeto compreende as características do produto que atendem às necessidades ou interesses do cliente. Quanto mais o produto for capaz de cum- prir a finalidade para a qual o cliente pretende utilizá-lo, mais elevada (ou adequa- da) é a qualidade do projeto. Qualidade de projeto mais elevada significa:

Clientes satisfeitos com o produto ou serviço.

Produtos e serviços mais competitivos.

Melhor desempenho da empresa.

Esta definição estabelece que a qualidade é relativa e coincide com a idéia de valor. A água pura, para consumo humano, tem qualidade. A água suja, para limpe- za sanitária, também.

(2) Ausência de deficiências

As deficiências nos produtos e serviços compreendem as falhas no cumprimento das especificações. Cortes no fornecimento de energia elétrica, funcionários que maltratam usuários, aviões que atrasam, restailrantes sujos, placas de sinalização

160 Da Escola Clássica ao Modelo Japonês

nas rodovias que não se consegue entender, prazos de entrega de mercadorias que não são- respeitados, reuniões que não começam na hora marcada, produtos que se quebram na primeira vez em que são usados ou que não funcionam como prometi- do. Quanto menor o número de falhas, mais alta é a qualidade do ponto de vista da ausência de deficiências. Isso significa:

Maior eficiência dos recursos produtivos.

Maior satisfação do cliente com o desempenho dos produtos e serviços.

Custos menores de inspeção e controle.

Tempo menor para a colocação e consolidação de novos produtos no mer- cado.

Maior qualidade do ponto de vista da ausência de deficiências significa custos menores. Ou: mais qualidade custa menos.

2 Custos da qualidade

Custando mais ou menos, a qualidade dos produtos e serviços requer investi- mentos para ser alcançada e mantida. Esses investimentos compõem os custos da qualidade, necessários para manter funcionando o sistema da qualidade e evitar os custos da não-qualidade. Como mostra a Figura 8.3, os custos da qualidade agru- pam-se em duas categorias: custos de prevenção e custos de avaliação.

Figura 8.3

Duas categorias de custos da qualidade.

Custos de evitar a ocorrência de erros e defeitos

Planejamento do processo de controle da qualidade Treinainento para a qualidade Deseiivolviinento de fornecedores Desenvolviinento de produtos com qualidade Desenvolviinento do sisteina de produção Manutenção preventiva Implantação e manutenção de outros componentes do sisteina da qualidade

Custos de aferição da qualidade do sistema de produção de bens e serviços

Mensuração e teste de matérias-primas e insumos da produção Aqiiisição de eqiiipainentos especiais para avaliação de produtos Realização de atividades de controle estatístico de processo Inspeção Elaboração de relatórios

- - .

Administração da Qualidade 16 1

3 Custos da não-qualidade

A falta de adequação ao uso acarreta prejuízos para o cliente e para a organiza- ção e gera os custos da não-qualidade, outra idéia importante dentro do moderno enfoque da qualidade na administração. Os custos da não-qualidade também se agru- pam em duas categorias, como mostra a Figura 8.4: custos internos e custos exter- nos dos defeitos. Aumentar a adequação ao uso significa reduzir ou eliminar esses custos, o que implica maior eficiência dos recursos produtivos. É por isso que "mais qualidade custa menos".

4 O cliente em primeiro lugar

A qualidade, dentro do moderno enfoque da qualidade, é definida a partir das necessidades e do interesse do cliente, que deseja dispor de produtos ou serviços livres de deficiências. A ausência de deficiências permite satisfazer ao cliente e, ao mesmo tempo, evitar os custos da não-qualidade.

A técnica que possibilita transformar os desejos, interesses e necessidades do cliente em especificações técnicas dos produtos e serviços chama-se Quality Function Deployment (QFD). (No Brasil, convencionou-se traduzir QFD como desdobramento da função da qualidade e manter a sigla original.) A técnica QFD consiste em um procedimento com quatro etapas principais, conforme mostra a Figura 8.5:

Figura 8.4

Duas categorias de custos da não-qualidade.

Custos dos defeitos que são identificados antes de os produtos e serviços serem expedidos para o cliente

Matérias-priinas e produtos refugados Produtos que piecisain ser retrabalhados Modificações nos processos produtivos Perda de receita Teinpo de espera dos equipainentos parados para correções Pressa e tensão para entrega dos piodutos corrigidos I

consertados

Custos dos defeitos que ocorrem depois que o produto ou serviço chega ao cliente

Cuinpriinento das garantias oferecidas ao cliente Perda de encomendas Processainento de devoluções Custos de processos nos organisinos de defesa do consuinidor Coinproinetiinento da iinagein Perda de clientes e de mercado

. - . .

162 Da Escola Clássica ao Modelo Japonês

Figura 8.5

Seqüência esquemática dos procedimentos do Quality Function Deployment (QFD), Desdobramento da Função da Qualidade. Desdobrar a função da qualidade significa definir as especificações dos produtos, de acordo com as expectativas do cliente, e detalhar sucessivamente os processos necessários para produzi-los.

Planejamento do produto

Detalhamento das peças e

componentes

Planejamento do processo

Planejamento da produção

FUNÇÃO DA QUALIDADE - DEFINE ESPECIFICAÇÕES

DESDOBRAMENTO DA y F i FUNÇÃO DA QUAILIDADE

FASE 4

(1) Os atributos que o produto deve ter, segundo o cliente, são transformados em características ou especificações técnicas.

(2) As especificações técnicas são transformadas em características ou especifi- calões de componentes ou matérias-primas.

(3) As especificações de componentes ou matérias-primas são transformadas em características ou especificações do processo produtivo.

(4) As informações anteriores são aplicadas na montagem de um sistema de produção.

O cliente é, na moderna administração da qualidade, o ponto de partida para definir a qualidade, ao contrário do que acontece nos enfoques anteriores, em que o cliente fica atrelado às definições que a empresa faz.

Colocar o cliente em primeiro plano é revolucionário em comparação com os outros enfoques da teoria geral da administração, que se concentram na eficiência dos recursos produtivos, nas relações humanas ou no desempenho da empresa. Hoje, o cliente em primeiro lugar parece uma idéia trivial. No entanto, um longo caminho foi percorrido até o enfoque da qualidade chegar a esse ponto.

5 Eras da história da qualidade

O cliente em primeiro lugar é a base da filosofia da qualidade total. A história da evolução que transformou o controle tradicional da qualidade na moderna adminis-

. ..

Administração da Qualidade 163

tração da qualidade total tem três períodos, filosofias ou eras principais: a era da inspeção, a era do controle estatístico e a era da qualidade total (e da qualidade assegurada), como mostra a Figura 8.6.

5.1 A era da inspeção

Figura 8.6

Três eras ou estágios do movimento da administração da qualidade.

A ênfase da inspeção é separar o produto bom do produto defeituoso por meio da observação direta. Desde antes da Revolução Industrial, sempre se praticou alguma espécie de controle da qualidade com esse objetivo. Nos primórdios da indústria mo- derna, a inspeção era feita pelo próprio artesão, que tinha interesse genuíno em fazer produtos segundo especificações rigorosas, que atendessem suas próprias exi- gências estéticas ou que impressionassem positivamente os clientes. Essa mentalida- de influenciou desde os gregos até o Renascimento, alcançou a fabricação artesanal na passagem do século XIX para o XX e está presente até hoje em muitas modalidades de produção utilitária ou artística.

A inspeção do produto continua sendo praticada pelos consumidores nas feiras livres, nos supermercados e no comércio de produtos artesanais, com a finalidade de encontrar o que melhor atende suas necessidades e interesses. É modalidade de contro- le que vai existir enquanto houver os mercados em que o cliente relaciona-se direta- mente com o produtor, ou nos quais o cliente é atraído por produtos em exposição, cuja qualidade ele pode aferir objetiva ou subjetivamente pela observação ou manuseio.

No início do século XX, as grandes empresas que então começavam a surgir subs- tituíram o supervisar de produção, como agente do controle da qualidade, pelo inspe- tor da qualidade. O inspetor era desvinculado hierárquica e funcionalmente do super- visar, para que seu julgamento sobre a qualidade dos produtos fosse independente. Mais tarde, criaram-se os departamentos de controle da qualidade, desvinculados dos departamentos de produção, com a mesma idéia de julgamento independente.

ERA DA INSPEÇÃO

Observação direta do produto ou serviço pelo fornecedor ou consumidor Produtos e serviços inspecionados um a uin ou aleatoriamente

ERA DO CONTROLE ESTAT~S-I-ICO

Observação direta do produto ou serviço pelo fornecedor, ao final do processo produtivo Produtos e serviços inspecionados com base ein amostras

ERA DA QUALIDADE

TOTAL

Produtos e serviços definidos com base nos interesses do consuinidor Observação de produtos e serviços durante o processo produtivo Qualidade garantida do fornecedor ao cliente

144 Da Escola Clássica ao Modelo Japonês

5.2 A era do controle estatistaco . -

Com a ascensão da grande empresa industrial e da produção massificada, tor- nou-se impraticável inspecionar a totalidade dos produtos que saíam aos milhares das linhas de montagem. Por causa disso, o contexto tornou-se favorável ao surgi- mento do controle estatístico da qualidade, que se baseia na amostragem. Em lugar de inspecionar todos os produtos, seleciona-se por amostragem uma certa quantida- de para inspeção. As propriedades dessa amostra podem então ser estendidas ao lote do qual foi extraída.

O pioneiro da aplicação da estatística ao controle da qualidade foi Walter A. Shewhart, dos Laboratórios Bell, que em 1924 preparou o primeiro rascunho do que viria a ser conhecido como carta de controle (Figura 8.7). Paralelamente, dois colegas de Shewhart, Dodge e Romig, desenvolveram técnicas de amostragem. O que esses três homens fizeram constituiu o núcleo da maioria das técnicas estatísticas de con- trole da qualidade que são usadas até hoje em dia. i

Influência da guerra

A adoção das técnicas criadas por Shewhart e seus colegas foi lenta. Em 1937, apenas 12 empresas americanas as estavam utilizando. Porém, a Segunda Guerra modificaria radicalmente Precisando de grande quantidade de itens com elevados padrões de armadas americanas exerceram sua @=I

13 de duas procedimentos científicos de inspeção por amostragem e publicaram tabelas de amostragem no começo dos anos 40, que seus

Figura 8.7

Exemplo de uma carta de inspeção ou carta de controle.

10

- . .

Administração da Qualidade 165

Figura 8.8

William Edwards Deming (Cortesia: MIT/Center for Advanced Educational Se~vices).

fornecedores foram obrigados a utilizar. Em segundo lúgar, os mi- litares instituíram um amplo programa de treinamento, destinado ao pessoal da indústria bélica e compradores das forças armadas. Esses cursos espalharam-se logo em seguida, atraindo muitos pro- fessores universitários que desejavam preparar-se para dar aulas de controle da qualidade. Muitas pessoas participaram ativamente da concepção e execução dessa missão. Uma das pessoas desse gru- po era William Edwards Deming (1900-1993), especialista em ,

amostragem e discípulo de Shewhart (Figura 8.8).

Depois da guerra, paralelamente ao desenvolvimento e dis- seminação das técnicas de controle da qualidade, também evoluíam os modelos de administração da qualidade. A medida que as empre- sas industriais se tomavam mais sofisticadas, a responsabilidade pela qualidade foi se diluindo entre diversos grupos especializados. A engenharia fazia as especificações da qualidade, o laboratório esta- belecia padrões e fazia testes, a produção fabricava e era inspeciona- da. Esse modelo, criado pelas empresas americanas, era seguido por suas filiais e pelas empresas européias em todo o mundo.

Departamento de controle da qualidade

Nesse modelo, faltava uma coordenação central, embora a administração supe- rior procurasse desempenhar esse papel. A qualidade, que era u m trabalho de todo mundo, acabava sendo u m trabalho de ninguém. Por causa disso, em 1951, no livro Quality control, Armand K Feigenbaum, de quem é essa frase, defendeu a idéia de que as empresas deveriam criar um departamento para cuidar exclusivamente da qualidade, tendo como principal atribuição preparar e ajudar a administrar o pro- grama da qualidade. Esse programa deveria ter quatro etapas:

(1) Estabelecer padrões: definir os padrões de custo e desempenho do produto.

(2) Avaliar o desempenho: comparar o desempenho dos produtos com os pa- drões.

(3) Agir quando necessário: tomar providências corretivas quando os padrões fossem violados.

(4) Planejar aprimoramentos: realizar esforços para aprimorar os padrões de custo e desempenho.

De acordo com Feigenbaum, o departamento da qualidade deveria ter outras atri- buições típicas de assessoria, tais como incentivar o treinamento para o controle de qualidade e a pesquisa, e realizar as atividades propriamente ditas de controle da qua- lidade. Seu papel, porém, seria principalmente de coordenação, para que a qualidade tivesse um foco, já que todos os outros departamentos de linha ou ,de assessoria teriam sua parcela de responsabilidade pela manutenção e aprirnoramerfto da qualidade.

Uma das idéias mais importantes apresentadas por Feigenbaum nesse livro é a necessidade de mudar a ênfase da correção para a prevenção de defeitos, idéia sin-

- . . . . . . . . . - .. . .

166 Da Escola Clássica ao Modelo Japonês

tetizada na frase fazer certo da primeira vez, que, apesar de sua simplicidade, viria a influenciar profundamente o estudo e a prática da administração da qualidade. Se- ria essa a essência do que ele já chamava de moderno controle da qualidade. Algu- mas empresas industriais já vinham praticando aquilo que Feigenbaum propunha. Com o impulso da guerra, muitas empresas procuraram aparelhar-se para cuidar da qualidade, e isso fez proliferar e fortaleceu os departamentos de controle da qualida- de, paralelamente à disseminação das técnicas de controle estatístico. Porém, o con- trole da qualidade e a administração da qualidade ainda iriam esperar seu momento chegar.

A prosperidade abaixa o nível

Ao fim da guerra seguiu-se nos Estados Unidos um período de enorme prosperi- dade. A sociedade afluente começava a tornar-se realidade e a indústria precisava atender a uma crescente necessidade de bens de consumo. A quantidade da produ- ção ficou mais importante do que a qualidade, reforçando a mentalidade de praticar o controle para encontrar os defeitos ao invés de evitá-los. Havia empresas que prefe- riam arcar com os custos dos produtos deficientes, por acreditar que isso resultava mais barato do que tentar aprimorar a qualidade. Além disso, a ênfase na inspeção, mesmo que conseguisse evitar os defeitos, focalizava apenas a qualidade do produto e não era capaz de consertar os problemas que os causavam. Por exemplo, se um defeito fosse provocado por um problema de projeto ou falha sistemática na monta- gem, o controle da qualidade não tinha os meios e nem a autoridade para consertar essas causas. E, assim, a falta de qualidade dos produtos, que se refletia no elevado índice de defeitos e retrabalhos, era uma fonte de desperdícios. Num período de abun- dância, isso não era problema, mas viria a ser algumas décadas mais tarde.

Além disso, a administração da qualidade havia se transformado numa função de assessoria técnica e de controle sobre as atividades produtivas. Isso havia criado a mentalidade de que a qualidade era responsabilidade dos especialistas na "magia negra" da estatística e dos inspetores, ao invés de ser um assunto com o qual toda a empresa deveria estar envolvida. Finalmente, a paz fez cessar a pressão dos militares sobre as empresas industriais. Esses fatores contribuíram para que a alta adminis- tração das empresas se desinteressasse pelo assunto e deixasse de dar seu apoio às atividades da qualidade.

Algumas pessoas que haviam trabalhado no esforço de guerra assistiam a esse quadro com tristeza e preocupação. Esse era o caso de Wiiliam Deming, que mani- festou em certa ocasião profundo desgosto ao ver tantos recursos preciosos sendo jogados fora. Porém, sua época aparentemente havia passado e não havia mais nin- guém para lhe dar atenção. No entanto, a história não havia terminado. Muito ao contrário, estava apenas começando.

5.3 A era da qualidade total

A evolução dos conceitos não parou depois da guerra. Chamando a atenção para os problemas que haviam surgido, Feigenbaum apresentou em 1961 uma versão evo-

Administração da Qualidade 167

luída das proposições publicadas dez anos antes, à qual deu o nome de-controle da qualidade total (TQC - Total Qualiry ControZ).

FOCO no cliente

A idéia do TQC tinha como pedra fundamental uma definição de qualidade em que o interesse do cliente era o ponto de partida:

A qualidade quem estabelece é o cliente e não os engenheiros, nem o pessoal de marketing ou a alta administração. A qualidade de u m produto ou serviço pode ser definida como o conjunto total das características de marketing, enge- nharia, fabricação e manutenção do produto ou serviço que satisfazem as expec- tativas do cliente.

Portanto, qualidade não é apenas a conformidade com as especificações, que era a acepção tradicional, na qual predominava a atividade de inspeção. A qualidade teria que ser embutida no produto ou serviço desde o começo, a partir dos desejos e interesses do cliente. A concepção do produto ou serviço começaria daí, e, em seguida, viriam outros aspectos que fariam parte do conjunto total das características do produto ou serviço, tais como a confiabilidade (reliability - a capacidade de o produto desem- penhar sua função repetidamente, ao longo de seu ciclo de vida) e a manutenibilidade (maintainabiliry - a capacidade de o produto receber manutenção satisfatoriamente).

A qualidade total abrangeria assim, no caso de produtos, todos os estágios do ciclo industrial, que Feigenbaum enumerou em oito:

(1) Marketing: avalia o nível de qualidade desejado pelo cliente e o custo que ele está disposto a pagar.

(2) Engenharia: transforma as expectativas e desejos do cliente em especifica- ções.

(3) Suprimentos: escolhe, compra e retém fornecedores de peças e materiais.

(4) Engenharia de processo: escolhe as máquinas, ferramentas e métodos de produção.

(5) Produção: a supervisão e os operadores têm uma responsabilidade impor- tante pela qualidade durante a fabricação.

(6) Inspeção e testes: verificam a conformidade do produto com as especifica- ções.

(7) Expedição: responsável pelas funções de embalagem e transporte.

(8) Instalação e assistência técnica (serviço): a instalação e assistência técnica corretas ajudam a garantir o funcionamento correto do produto.

* Sistema da qualidade

Com essa nova dimensão, a qualidade deixa de ser atributo apenas do produto ou serviço. Deixa de ser também responsabilidade exclusiva do departamento da

-

168 Da Escola Clássica ao Modelo Japonês

qualidade. A qualidade é problema de todos e envolve todos os aspectos da operação da empresa. A qualidade exige visão, sistêmica, para integrar as ações das pessoas, as máquinas, informações e todos os outros recursos envolvidos na administração da qualidade. Esta idéia implica a existência de um sistema da qualidade. Para Feigenbaum, o sistema da qualidade é:

... a estrutura operativa de trabalho, e m relação à qual toda a empresa está de acordo, documentada em procedimentos técnicos e administrativos, efetivos e integrados, que orienta as ações das pessoas, máquinas e informações, da ma- neira melhor e mais prática para assegurar a satisfação do cliente com a quali- dade e o custo econômico da qualidade.

A administração da qualidade começa na administração superior, de onde vêm a ,

inspiração e a coordenzção do sistema da qualidade. Feigenbaum também valoriza o papel do departamento da qualidade dentro dessa nova concepção, que deve ter os poderes para garantir a qualidade dos produtos e serviços e para desempenhar ativi- dades de assessoria que garantam o nível adequado de custos na fabricação. Desse modo,% papel da administração da qualidade é procurar garantir a satisfação do cliente e ao mesmo tempo garantir os interesses econômicos da empresa. Dentro da idéia do TQC, o fator humano desempenha um papel primordial. Feigenbaum dizia que, no final das contas, todo produto ou serviço é realizado por um par de mãos humanas, e que, portanto, a obtenção da qualidade depende da participação e do apoio das pessoas.

Quando as forças de ocupação desembarcaram no Japão, viram-se imediatamente com u m grande obstáculo: as falhas no serviço telefônico eram demasiadamente co- muns. O sistema japonês de telefones não era uma ferramenta confiável de comunicação. O problema não era meramente devido à guerra que apenas acabara; a qualidade do equipamento era instável e baixa. Conhecendo esses defeitos, as forças americanas orde- I

naram à indústria de telecomunicações do Japão que começasse a usar o moderno con- trole da qualidade e tomasse providências para educar o pessoal das empresas desse I

ramo. Foi este o começo do controle estatístico da qualidade no Japão, e m maio de 1945 11

(Ishikawa).

As idéias de Feigenbaum a respeito do TQC tiveram grande repercussão, embora I

sua adoção não acompanhasse o mesmo ritmo. Este relativo desinteresse mudou I rapidamente quando se descobriu que o antigo inimigo derrotado na Segunda Guer-

ra tinha prestado atenção e colocado em prática não apenas essas idéias, mas muitas outras técnicas e conceitos de administração da qualidade.

I : 'I

O fato de o Japão ser um país sem recursos naturais, que deveria sobreviver com a importação de produtos, tornou a qualidade uma obsessão nacional. Engenheiros e industriais começaram um intenso programa de mobilização, pesquisas e visitas a outros países, visando identificar quais seriam e de onde se deveria trazer as técnicas I

4

l i 6 A escola japonesa da qualidade total

Administração da Qualidade 169

que ajudariam o pequeno país a se recuperar através do aprimorarnentô-da qualida- de de seus produtos, cuja reputação era até então bastante precária, apesar de haver umas poucas pessoas que conheciam e aplicavam as técnicas estatísticas que os ame- ricanos haviam criado.

6.1 A JUSE encontra Deming

Em 1946, foi criada a Union of Japanese Scientists and Engineers (JUSE) (Sindica- to dos Cientistas e Engenheiros do Japão), uma entidade privada e sem fins lucrati- vos, que se tomaria o centro das atividades de controle da qualidade naquele país. Em 1950, a JUSE convidou William Edwards Deming para visitar o Japão, onde ele já estivera em 1947 para ajudar a fazer o censo, levado pelas forças de ocupação. Deming ,

era conhecido como especialista em amostragem, mas a projeção de sua imagem não ia muito além dos círculos técnicos. Deming foi ao Japão em 1950 para minis- trar o mesmo curso padrão de estatística que ele havia ajudado a criar. Sua platéia, a princípio, era formada por técnicos e engenheiros. Ele percebeu que, se a alta admi- nistração das empresas japonesas não se empenhasse no esforço de aprimoramento da qualidade, em pouco tempo aconteceria o mesmo que havia ocorrido na América - o controle da qualidade tornar-se-ia o mecanismo apenas para separar os produtos bons dos defeituosos, sem nada fazer para que os defeitos não ocorressem, ou então, em pouco tempo o interesse pelo controle estatístico cairia no vazio, por causa da falta de apoio da alta administração.

Assim, ele procurou ser ouvido pela alta administração, o que conseguiu gra- ças ao apoio da JUSE. Ele dirigiu seu esforço, então, para a sensibilização dos altos dirigentes de um grupo das principais empresas do Japão, que haviam sido reuni- dos pela JUSE. A estas pessoas Deming disse que a melhoria da qualidade (que ele definiu como a redução da variabilidade) era o caminho para a prosperidade, atra- vés do aumento da produtividade, da redução de custos, da conquista de mercados e da expansão do emprego. Era também responsabilidade da alta administração, que começava na identificação das necessidades do cliente ou consumidor e pros- seguia pelos diversos estágios da transformação de insumos, até chegar como pro- dutos ou serviços ao mesmo cliente. Para ilustrar esse argumento, Deming usou a representação de um sistema (Figura 8.9). Deming introduziu nesse sistema a idéia da corrente de clientes - em cada estágio do processo, o estágio precedente é o fornecedor e o estágio seguinte é o cliente. Desse modo, a corrente de clientes co- meça nos fornecedores de insumos e termina no cliente, que é quem paga a conta e sustenta a empresa.

Muitas mensagens aparentemente simples, mas de grande alcance, que viriam a se tornar alicerces do moderno enfoque da qualidade, foram nessa ocasião apresen- tadas por Deming aos japoneses:

Predominância do cliente.

Importância da mentalidade preventiva.

Necessidade do envolvimento da alta administração.

170 Da Escola Clássica ao Modelo Japonês

Figura 8.9

O diagrama de Deming, mostrando um sistema no qual a qualidade é construída em cada componente.

Recebimento e teste de materiais de fornecedores

J -- Produção, montagem,

acabamento, teste

L Inspeção final

Os japoneses ouviram, prestaram atenção e puseram em prática o que ele disse. O resto da história é bastante conhecido. Poucos anos depois da primeira passagem de Deming pelo Japão, a qualidade dos produtos japoneses já começava a ameaçar fabricantes tradicionais.

Deming tornou-se um nome reverenciado no Japão, ao qual viajava com certa freqüência. Em seu próprio país, porém, havia se tornado praticamente um estra- nho, com poucos adeptos, até que a rede americana de televisão NBC o "descobriu" e ele retornou a suas atividades de educação e consultoria.

6.2 Juran

Os japoneses comportaram-se como estudantes aplicados dos professores ameri- canos. Um dos outros professores a quem recorreram foi Joseph M. Juran. Juran nasceu em 1904 e, a exemplo de Deming, nas décadas de 20 e 30 trabalhou na Western Electric e sofreu forte influência de Walter A. Shewhart. Finda a Segunda Guerra Mundial, Juran tornou-se consultor independente, assim como Deming. Em 1954, Juran foi ao Japão e lá ministrou, a convite da JUSE, uma série de cursos e seminá- rios de controle da qualidade destinados à alta e média gerência. Nesta época, a JUSE conseguiu ampliar os horizontes dos gerentes participantes, mostrando que o controle da qualidade não se aplicava apenas à manufatura e à inspeção, mas a todas as áreas funcionais e a todas as operações da organização. Baseando-se na orientação de Juran, a JUSE criou, em 1955, o curso de controle da qualidade para o gerente médio e, em 1957, o curso de controle da qualidade para a alta administra- ção. Depois de 54, Juran esteve no Japão várias outras vezes. Em 1979 fundou o Juran Institute, onde ficou até 1989, ano em que passou o comando para um de seus colaboradores.

6.3 Ishikawa e a qualidade total

Os japoneses foram além das técnicas e criaram também uma filosofia de admi- nistração da qualidade, à qual por coincidência também deram o nome de controle

Administração da Qualidade 171

da qualidade total. No entanto, de acordo com o professor Ishikawa, á'abordagem japonesa e a de Feigenbaum são distintas, embora a denominação fosse a mesma:

O conceito de controle da qualidade total foi criado pelo Dr. Armand Feigenbaum ... De acordo com Feigenbaum, o controle da qualidade total pode ser definido como "um sistema eficaz de integrar os esforços de desenvolvimento, manutenção e aprimoramento da qualidade para levar a produção e o serviço aos níveis mais econômicos que resultam em plena satisfação do consumidor. O TQC requer a participação de todas as divisões, inclusive de marketing, projeto, manufatura, inspeção e expedição". Temendo que a qualidade, que é um traba- lho de todos, se tomasse um trabalho de ninguém, Feigenbaum sugeriu que o TQCficasse dentro de uma bem organizada área cuja única especialização fosse a qualidade do produto e cuja única tarefa fosse o controle da qualidade. Seu profrssionalismo ocidental levou-o a advogar que o TQC fosse dirigido essencial- mente por especialistas em controle da qualidade. A abordagem japonesa foi dgerente da do Dr. Feigenbaum. Desde 1949 temos insistido em que todas as divisões e todos os empregados se envolvam no estudo e na promoção do contro- le da qualidade. Nosso movimento nuncafoi um domínio exclusivo dos especia- listas em controle da qualidade. Isto se manifesta em todas as nossas ativida- des... Nós promovemos estes cursos e seminários sob dgerentes nomes, tais como controle integrado da qualidade, controle total da qualidade, controle da quali- dade participativo, e coisas assim. O termo "controle da qualidade total" tem sido o mais frequentemente usado. No entanto, quando este termo é usado no exterior, as pessoas podem pensar que estejamos imitando a abordagem do DK Feigenbaum, o que não é verdade. Assim, dei a nossa abordagem o nome de controle total da qualidade estilo japonês, mas achei que era meio desajeitado. No simpósio de controle de qualidade de 1968, nós concordamos em designar a abordagem japonesa de company wide quality controL

No final, a expressão que se consagrou foi controle da qualidade total, com o sentido que combina a definição de Feigenbaum e a de Ishikawa: a qualidade é uma responsabilidade de todos, coordenada e orientada por uma gerência de qualidade.

7 Os 14 pontos de Deming

A década de 1970 testemunhou a expansão da economia japonesa e sua penetra- ção nos mercados ocidentais, especialmente através das indústrias eletrônica e auto- mobilística. Ao mesmo tempo, nasceu e cresceu o interesse dos ocidentais em entender as razões do "milagre" japonês. A reação foi de perplexidade quando se descobriu que muitos japoneses atribuíam a um americano, desconhecido em seu próprio país, gran- de parte das razões de seu sucesso. Esse homem era Deming. No final dos anos 70, um programa de televisão da NBC sobre as razões do sucesso japonês revelou sua verdadei- ra dimensão e ele, então com 80 anos, teve o reconhecimento que lhe era mais que devido. Foi então que os Estados Unidos e o mundo ficaram sabendo de sua história e de sua importância para o renascimento do Japão depois da guerra.

-

172 Da Escola Clássica ao Modelo Japonês

Mais importante que o reconhecimento, porém, foi o fato de que agora seus compatriotas queriam ouvi-lo. Não apenas eles, mas em todo o mundo havia gente ansiosa pelos ensinamentos de Deming, que, apesar de sua idade avançada, envol- veu-se em intensa atividade de consultoria e treinamento, à qual se dedicou até o final de sua vida, nos últimos dias de 1993. Também surgiu grande interesse em conhecer a história de Deming e sua participação no renascimento japonês.

Em 1982, como texto de apoio a seus cursos, Deming publicou o livro Qualia productiviiy and competitive position (Qualidade, produtividade e posição competiti- va), que se transformou em Out of the crisis (Superando a crise) em 1986. Nesse livro, Deming discorre sobre um método para a administração da qualidade. Trata- se do método Deming, que compreende 14 pontos ou princípios, relacionados na Figura 8.10.

Deming também foi o divulgador do "ciclo de Shewhart", um plano de ação para colocar em prática os 14 princípios, mas que ficou conhecido como o "ciclo de Deming" (Figura 8.11).

8 A era da qualidade total atinge a maturidade

Os princípios de administração da qualidade, que vinham sendo cultivados desde o início do século, evoluíram para a filosofia da qualidade total e espalharam-se em todo o mundo.

8.1 Garantia da qualidade e auditoria do sistema

Nas eras da inspeção e do controle estatístico, a ênfase está na qualidade do produto ou serviço. Na era da qualidade total, a ênfase desloca-se para o sistema da qualidade. Agora, a qualidade não diz respeito apenas ao produto ou serviço, nem é uma responsabilidade apenas do departamento da qualidade. A qualidade é um pro- blema de todos e abrange todos os aspectos da operação da empresa. Portanto, é assunto que deve ser tratado de modo sistêmico. A ênfase da qualidade total está no sistema da qualidade, como estratégia para garantir a qualidade dos produtos e ser- viços.

Na era do controle estatístico, as empresas faziam o controle da qualidade não apenas de seus próprios produtos, mas também dos materiais recebidos de seus for- necedores. Era prática comum a inspeqão de recebimento, que, como o nome diz, consistia em examinar as matérias-primas e componentes no momento em que eram entregues pelo fornecedor. Assim, a mesma peqa era inspecionada pelo fabricante e pelo comprador. Havia duplicidade de esforços e de custos.

Muitas grandes empresas que chegaram à era da qualidade total, pressionadas pela concorrência, perceberam que poderiam reduzir os custos de controlar a quali- dade de seus fornecedores. Ao invés de inspecionar os componentes e matérias-pri- mas, os grandes compradores decidiram exigir que os fornecedores os entregassem

Figura 8.10

Os 14 pontos de Deming (DEMING, William Edwards. Out of the crisis. Cambridge: MIT 1982. p. 23-96).

Administração da Qualidade 173

. - 1 Estabelecer a constância do propósito de melhorar o produto e o serviço, com a

finalidade de tornar a empresa competitiva, permanecer no mercado e criar empregos.

I

Adotar a nova filosofia. Em uma nova era econômica, a administração deve I despertar para o desafio, assumir suas responsabilidades e assumir a liderança da

mudança. I l 1 . Acabar com a dependência da inspeção em massa. Eliminar a necessidade de

inspeção em massa, construindo a qualidade junto com o produto desde o começo.

1 Cessar a prática de comprar apenas com base no preço. Em vez disso, deve-se minimizar o custo total. É preciso desenvolver um fornecedor único para cada item, num relacioriamento de longo prazo fundado na lealdade e na confiança. I -

* Melhorar sempre e constantemente o sistema de produção e serviço, para melhorar a qualidade e a produtividade e, dessa maneira, reduzir constantemente os custos.

Instituir o treinamento no serviço.

Instituir a liderança.

Afastar o medo, para que todos possam trabalhar eficazmente pela empresa.

I Eliminar as barreiras entre os departamentos. Quem trabalha nas áreas de pesquisa, projeto, venda e produção deve agir como equipe, para antecipar problemas na produção e na utilização que possam afetar o produto ou serviço.

Eliminar slogans, exortações e metas para os empregados, pedindo zero defeito e níveis mais altos de ~rodutividade. Exortações apenas criam relações hostis, iá que . . o principal nas causas da má qualidade e má produtividade é o sistema, o qual se encontra além do alcance da força de trabalho.

Eliminar as cotas numéricas no chão de fábrica. Eliminar a administração por objetivos.

I Remover as barreiras aue imwdem ao trabalhador sentir orgulho pela tarefa bem

I feita. A responsabilidahe do; supervisares deve mudar dos qualidade.

! Instituir um sólido programa de educação e autotreinamento.

Agir no sentido de concretizar a transformação. A transformação é o trabalho de todos.

. .. . . . -

174 Da Escola Clássica ao Modelo Japonês

Figura 8.1 1

O ciclo de Shewhart, o u ciclo de Deming, ou ciclo PDCIA.

Observar os resultados

Implementar a mudança

Reiniciar o ciclo

Estudar um processo e planejar seu

ação corretiva

aprimoramento

com sua qualidade assegurada ou qualidade garantida. Para colocar essa idéia em prática, as empresas compradoras passaram a fazer a auditoria do sistema da quali- dade de seus fornecedores, em vez de fazer a inspeção de seus produtos no momento da entrega. Assim, a qualidade total abrange também a qualidade assegurada. Isto significa que, numa cadeia produtiva, cada fabricante recebe produtos e serviços com qualidade assegurada de seus fornecedores e fornece produtos e serviços com qualidade assegurada para seus clientes. I

Por meio da garantia da qualidade, uma empresa qualquer, numa cadeia de pro- l

dução, procura aprimorar e controlar a administração da qualidade de seus fornece- !

dores, e não a qualidade de seus produtos e serviços. A empresa compradora passa a exigir que seus fornecedores tenham um departamento da qualidade, especificações I

precisas para todos os seus produtos, sistemas e métodos de medição, procedimentos explícitos para lidar com defeitos e assim por diante. Em resumo, a empresa exige ~ que seu fornecedor tenha um sistema da qualidade, porque é o sistema que garante

I I

a qualidade dos produtos e serviços (e não a inspeção). Certificando-se disso, a em- I

presa compradora pode então reduzir ao mínimo ou mesmo dispensar a inspeção da qualidade dos produtos que vêm de fora.

i .i

I

1 8.2 Auditoria do sistema da qualidade

Para certificar-se da qualidade garantida de seu fornecedor, a empresa compra- dora faz então a auditoria do sistema da qualidade. Seus auditores visitam as insta- lações do fornecedor e o inspecionam, com base numa lista de perguntas ou critérios

Administração da Qualidade 175

(ou manual de avaliação). A inspeção ou auditoria serve para decidir se'um fornece- dor tem ou não condições de continuar como tal e também para escolher novos fornecedores.

No princípio, quando os programas de asseguramento da qualidade começaram a ser instituídos, os manuais de avaliação tinham também um papel orientador, uma vez que muitas grandes empresas os entregaram a fornecedores selecionados, os quais foram avisados de que, depois de um certo tempo, eles seriam avaliados com base nos critérios constantes nesses manuais. A empresa compradora estava assim dando a esses fornecedores um prazo para que procurassem se enquadrar dentro das exigências do manual de avaliação.

Os fornecedores que eram aprovados e continuavam a sê-10, em inspeções ou auditorias periódicas feitas com base nos manuais de avaliação, passavam à condi- ção de credenciados ou qualificados.

9 Normas ISO 9000

A International Organization for Standardization (ISO) é uma organização inter- nacional, privada e sem fins lucrativos, que foi criada em 1947 e tem sede em Genebra. ISO não é a sigla da organização. É o nome que deriva da palavra grega isos, que significa igual. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), membro funda- dor da ISO, é a organização nacional de normalização que representa o Brasil.

Em 1987, a ISO publicou manuais de avaliação do sistema da qualidade, chama- dos Normas ISO Série 9000 de Padrões Internacionais (ISO 9000 series of International Standards), que sintetizavam diversas normas nacionais já existentes, que regula- mentavam as relações entre fornecedores e compradores. Em 1996, foram publicadas as Normas ISO 14000, que tratam da administração ambiental. Ambas fazem parte de um conjunto de mais de 11.000 padrões internacionais que a ISO produziu desde sua fundação.

A ISO não tem como missão controlar a aplicação de suas normas, que é uma questão de entendimento voluntário entre fornecedores e seus clientes, ou de exigên- cia que alguns compradores fazem a seus fornecedores. Além disso, a adesão às normas ISO é voluntária, já que a organização não tem poder legal para obrigar sua adoção. Alguns de seus padrões foram adotados por governos nacionais, especial- mente nas áreas de saúde, segurança e ambiente.

Devido a sua grande aceitação, as normas ISO passaram a ser adotadas como mecanismos de auditoria da qualidade. Surgiram empresas especializadas nesse tipo de auditoria, que conferem certificados de conformidade com a ISO 9000. No entan- to, a certificação não é conferida pela ISO, nem em seu nome, nem essas empresas têm qualquer delegação da ISO para fazê-lo.

A família ISO 9000 de normas representa uma espécie de consenso internacio- nal a respeito das boas práticas de administração da qualidade, mas não é uma ga- rantia da qualidade de produtos. Desde a revisão feita no ano 2000 (Figura 8.12), a família compreende as seguintes quatro normas específicas a seguir, chamadas pa-

176 Da Escola Clássica ao Modelo Japonês

drões primários. Outras normas específicas compõem a família ISO 9000; Consulte o site da ISO para fazer uma visita à família.

ISO 9000:2000, Sistemas de Fornece um ponto de partida para compreender os administração da qualidade - padrões e define os termos e conceitos fundamentais Fundamentos e vocabulário usados na família ISO 9000, necessários para evitar

seu uso incorreto.

ISO 9001:2000, Sistemas de Este é o padrão para avaliar a capacidade de atender administração da qualidade - aos requisitos estabelecidos pelos clientes e pela legisla- Requisitos ção, de forma a obter a satisfação do cliente.

É agora o único padrão da famíiia ISO 9000 usado para certificação de empresas.

ISO 9004:2000, Sistemas de Este é um padrão de diretrizes que fornecem orienta- administração da qualidade - ção para o aprimoramento contínuo do sistema de Diretrizes para o aprimoramento do administração da qualidade, de forma a atender a to- desempenho das as partes interessadas por meio da satisfação per-

manente do consumidor.

ISO 19011, Diretrizes sobre a Fornece diretrizes para conferir a capacidade de o sis- auditoria de sistemas de tema alcançar os objetivos da qualidade. Pode-se usar administração da qualidade e/ou este padrão internamente ou para avaliar os fornece- do ambiente (em desenvolvimento dores de uma empresa. no início de 2002)

A Figura 8.12 apresenta uma relação de elementos abordados na série ISO 9000.

10 Prêmios da qualidade

Desde os anos 50, diversas instituições, como governos e associações de classe, têm trabalhado para estimular as empresas e outras organizações a adotar as idéias da qualidade. Uma estratégia para isso é a concessão dos prêmios da qualidade. Os três prêmios mais importantes são: Deming, Baldrige e Europeu.

10.1 Prêmio Deming

Tamanha foi a influência de Deming, e o respeito que inspirou, não apenas por seu papel educativo, mas por seu comportamento elegante, que em 1951 os japone- ses criaram em sua homenagem os Prêmios Deming da qualidade, dos quais a JUSE desempenha o papel de Comitê de Premiação. Os Prêmios Deming compreendem o próprio Prêmio Deming, oferecido à pessoa cuja contribuição é julgada importante para o desenvolvimento teórico e a aplicação prática dos métodos estatísticos, e os Prêmios Deming de Aplicações, que são concedidos às companhias privadas e empre- sas públicas que apresentem melhoras substanciais em seus programas de controle da qualidade e aplicação de técnicas de controle estatístico da qualidade.

Administração da Qualidade 177

Figura 8.12

Elementos da Norma ISO 9000: 2000. Em linhas gerais, a nova edição da Norma trata de dois tópicos principais: sistema da qualidade e qualidade do produto ou serviço.

1 ESCOPO

3 TERMOS E DEFINIÇÕES

4 SISTEMA DA ADMINISTRAÇÃO DA QUALIDADE

5 RESPONSABILIDADE DA ADMIN 1s-TRAÇÃO

6 ADMINISTRAÇÃO DE RECURSOS

7 REALIZAÇAO DO PRODUTO

8 MENSURAÇÃO, ANÁLISE E APRIMORAMENTO

0.1 Geral 0.2 Enfoque do processo 0.3 Relação com a ISO 9004 0.4 Compatibilidade com outros sistemas

de administração

1.1 Geral 1.2 Aplicação

Documentos relacionados

Termos e definições que se aplicam

4.1 Requisitos gerais 4.2 Requisitos

5.1 Comprometimento da administração 5.2 Foco no cliente 5.3 Política da qualidade 5.4 Planejamento 5.5 Responsabilidade, autoridade e

comunicação 5.6 Revisão gerencial (do sistema da

qualidade)

6.1 Provisão de recursos 6.2 Recursos humanos 6.3 Infra-estrutura 6.4 Ambiente de trabalho

7.1 Planejamento da realização do produto

7.2 Processos relacionados com o cliente

7.3 Projeto elou desenvolvimento 7.4 Compras 7.5 Fornecimento de produtos e serviços 7.6 Controle de ferramentas de mensuração

e monitoramento

8.1 Geral 8.2 Monitoramento e mensuração 8.3 Controle de produtos fora de

conformidade 8.4 Análise de dados 8.5 Aprimoramento

. -

178 Da Escola Clássica ao Modelo Japonês

Figura 8.13 ri . . ' . J - Lrzrerzos ao Prêmio Deming.

Devido ao grande interesse, a JUSE decidiu abrir a candidatura ao prêmio para empresas estrangeiras.

Na Figura 8.13, encontra-se um resumo dos critérios do Prêmio Deming para empresas estrangeiras. Na coluna da esquerda, estão as categorias de critérios e, na coluna da direita, alguns dos critérios específicos.

Políticas Políticas da qualidade e do controle da qualidade e seu posicionamento na administração global da empresa. clareza das políticas.

a Liderança dos executivos e gerentes.

Organização Adequação da estrutura organizacional ao controle da qualidade e ao envolvimento dos funcionários. Clareza quanto a autoridade e responsabilidades.

Informação

Padronização

a Adequação dos processos de obtenção e comunicação de informação externa e interna. Uso de técnicas estatísticas para a análise de dados.

Adequação do sistema de padrões. a Procedimentos para a definição, revisão e eliminação

de padrões. a Conteúdo dos padrões.

Recursos humanos Planos de treinamento e educação. a Entendimento da importância da.qualidade.

Situação das práticas orientadas para o autodesenvolvimento e a auto-realização.

Garantia da qualidade

Manutenção

Situação da administração do sistema da qualidade. Situação das práticas de diagnóstico da qualidade. Situação das práticas de controle do processo. Entendimento da situação da satisfação do cliente.

a Utilização do ciclo PDCA. a Utilização de cartas de controle e outras ferramentas.

Planos futuros

Aprimoramento

Efeitos

Entendimento da situação presente. Planos pararesolver problemas. Capacidade de prever mudanças no ambiente social.

a Métodos para a seleção de problemas prioritários. Utilização de métodos de análise.

Efeitos tangíveis (qualidade, entrega, custo, segurança e ambiente). Satisfação do cliente e do empregado.

- - -

Administração da Qualidade 179

10.2 Prêmio Baldrige

Em 1987, o Congresso americano instituiu o Prêmio Nacional da Qualidade Malcolm Baldrige, em homenagem ao Secretário de Comércio no período de 1981 a 1987. Baldrige, que faleceu num acidente nesse ano, era um defensor da qualidade como estratégia para a prosperidade nacional, chegando a esboçar uma das primei- ras versões do prêmio que levaria seu nome.

O prêmio Baldrige, administrado pelo Departamento de Comércio dos Estados Unidos, baseia-se na idéia de que a qualidade é parte integral da administraçáo de uma organização. Seus critérios refletem essa filosofia e são aceitos como formas corretas de avaliar a integral50 entre qualidade e administração. Seis prêmios são concedidos anualmente, dois em cada uma das seguintes três categorias: produção, serviços e pequenas empresas. Só podem se candidatar empresas sediadas nos Esta- ,

dos Unidos, por meio de documentação que é examinada por uma comissão. O mes- mo vale para empresas estrangeiras, desde que pelo menos 50% de seus empregados ou 50% de seu patrimônio estejam localizados em território americano. As empresas que se candidatam também são visitadas pelos membros da comissão julgadora.

As categorias (chamadas áreas) de critérios ou quesitos segundo os quais as empresas são avaliadas estão listados no lado esquerdo da Figura 8.14. No lado direi- to da mesma figura, encontram-se perguntas que indicam os principais critérios es- pecíficos de cada categoria.

10.3 Prêmio Europeu

O Prêmio Europeu da Qualidade, criado nos anos 90, inspira-se claramente nos Prêmios Deming e Baldrige, e apresenta um aprimoramento em relação a eles, por evidenciar as relações de causa e efeito entre diversos fatores de sucesso. O modelo do prêmio, mostrado na Figura 8.15, estabelece que satisfação do cliente, satisfação do empregado e impacto sobre a sociedade são resultados alcançados por meio de lide- rança, que impulsiona quatro fatores: política e estratégia, administração de pessoas, recursos e processos. O resultado final é a excelência nos resultados empresariais. Os resultados indicam o que a empresa está conseguindo fazer. Os capacitadores indicam como os resultados estáo sendo alcançados. Cada um desses elementos é um critério usado para avaliar o progresso da empresa no caminho para a excelência. A Figura 8.16 mostra uma síntese dos indicadores específicos dos nove fatores. Em 1998, a ad- ministração do Prêmio Europeu (EFQM - European Foundation for Quality Management, Fundação Européia para a Administração da Qualidade) iniciou um projeto para de- senvolver uma versão aprimorada de seu modelo.

p p p p p p

Estudo de caso: Fantástica, a f5brfi-a de chocolates

Fantástica é uma empresa de alimentos: leite, chocolate, achocolatados, biscoi- tos e iogurte são seus principais produtos. A área de marketing da empresa descobriu

180 Da Escola

, .

Clássica ao Modelo Japonês 1 Ij

Figura 8.14

Critérios do Prêmio Baldrige.

Liderança Sistema de liderança, valores, expectativas e responsabilidade pública da empresa.

Liderançaorganizacional Responsabilidade pfiblica e Cidadania

Planejamento estratégico

Eficácia do processo de planejamento e Implementação de planos, com foco no cliente.

o Formulação daestratégia

Implementação da estraté- gia

Foco no cliente e no mercado

Maneira como a empresa identifica os interesses e o grau de satisfação do cliente e do mercado.

Conhecimento do cliente e do mercado

Satisfação do cliente e re- lacionamento como cliente

Mensuração do desempe- nho da empresa

Análise do desempenho da empresa

Informação e Eficácia do processo de

o sistemas de trabalho

análise

Educação, treinamento e desenvolvimento dos em- pregados

obtenção e análise de informações como estratégia para sustentar

o Bem-estar e satisfação dos empregados

o desempenho da empresa.

Foco nos recursos Grau de sucesso dos humanos esforços para alcançar

o pleno potencial das pessoas.

Administração de processos

Eficácia dos sistemas e processos para assegurar a qualidade dos produtos e serviços.

Processos relacionados a produtos e serviços

Processos de apoio

o Processos relacionados a fornecedores e parceiros

Resultados do negócio

Desempenho e tendências da empresa, em comparação com a concorrência, em áreas de resultados como satisfação do cliente, finanças, vendas, recursos humanos, parceiros comerciais e operações.

Resultados orientados para o cliente Resultados comerciais e financeiros Resultados relacionados a recursos humanos Resultados relacionados a fornecedores e parceiros Resultados globais relacio- nados com a eficácia da empresa

Administração da Qualidade 181

Figura 8.15

Modelo do Prêmio Europeu da Qualidade (www.efqm. org).

Gestão de pessoas

Satisfação das pessoas

Resultados Lideraiiça Processos do negócio

Capacitadores Resultados

que os clientes (atacadistas e varejistas: cadeias de supermercados e lojas de departa- mentos) estavam muito insatisfeitos com o fornecimento de produtos. Muitas vezes, os pedidos chegavam aos clientes incompletos e com atraso, porque não havia dispo- nibilidade de todos os produtos. Além disso, muitos produtos chegavam danificados, por descuido no transporte e no trabalho de carga e descarga dos caminhões.

Atender o cliente é um processo que exige um complexo arranjo logístico. A Fantástica deve ser capaz, por exemplo, de receber um pedido grande, com inúmeros itens, e entregá-lo, completo e sem danos, dentro de 24 horas, em Salvador, Campi- nas ou Porto Alegre. Porém, a empresa tinha adotado a prática de entregar o que houvesse no estoque. Assim, os pedidos grandes, cujos itens não estivessem disponí- veis nos depósitos, eram frequentemente entregues incompletos. O restante ficava pendente, esperando que os itens fossem produzidos e colocados nos depósitos para então ser entregues. Tudo isso aumentava o trabalho e os custos, para a empresa e seus clientes.

O pessoal de logística, responsável pelo atendimento dos pedidos, queria resolver esse problema com previsões mais precisas de vendas. Disse o gerente de logística para o gerente de marketing:

- Vocês devem informar as vendas item por item. Quantos iogurtes, barras de chocolate e pacotes de biscoito, de cada tipo, para o mês que vem. Não adianta vocês dizerem o total das vendas.

Respondeu o gerente de marketing: - Previsão detalhada assim é impossível. Há muitas variáveis que interferem.

Clima, saúde financeira dos clientes, economia local ..., tudo afeta as vendas. Por exemplo, basta chover no sul que a renda local melhora e as vendas aumentam. Não há um padrão estável. O país é muito grande, cada local é um local.

182 Da Escola Clássica ao Modelo Japonês 1

Figura 8.16

Critérios e indicadores do Prêmio Europeu d a Qualidade (WWW. efqm. 07-g) .

LIDERANÇA Avalia como o comportamento e as ações dos administradores incentivam, apóiam e promovem a cultura da Qualidade Total

Comprometimento da liderança com a cultura da Qualidade Total. Envolvimento com os clientes, fornecedores e outros. Reconhecimento das realizações das pessoas.

ADMINISTRAÇÃO DE PESSOAS Avalia como a organização desenvolve o pleno potencial de sua gente

Planejamento e desenvolvimento das competências das pessoas. Acordo das pessoas quanto às metas. Envolvimento, potencialização e reconhecimento das pessoas.

POI-í-~ICA E ESTRATÉGIA Avalia como a organização define, implanta e revê sua política e estratégia, e como a coloca em ação

- - -

Fundamentação da estratégia em informações relevantes. Desenvolvimento, comunicação, implementação e correção da estratégia.

RECURSOS Avalia o grau de eficiência e eficácia com que a organização utiliza seus recursos

Métodos de administração de recursos financeiros, informacionais, materiais e outros. Métodos de administração dasrelações com fornecedores.

revê e aprimora seus processos I empresa.

PROCESSOS Avalia como a organização identifica,

1 ~dmin is t ra~ão sistemática de processos.

Capacidade de identificar os processos mais importantes para o sucesso da

SATISFAÇÃO DO CLIENTE Avalia o desempenho da organização, em termos de satisfação dos clientes externos

SATISFAÇÃO DAS PESSOAS Avalia o desempenho da organização, considerando a satisfação de seus funcionários

IMPACTO NA SOCIEDADE Avalia o desempenho da organização, considerando a proteção da qualidade de vida, do ambiente e dos recursos naturais

RESULTADOS DO NEG~CIO Avalia o desempenho da organização, considerando os resultados para seus investidores

Entendimento, por parte do cliente, dos produtos e serviços da organização. Capacidade de avaliar as reações dos clientes aos produtos e serviços.

Entendimento de como as pessoas percebem a organização. Métodos para avaliar o grau de satisfação dos funcionários.

Entendimento da sociedade a respeito da organização. Métodos para avaliar o impacto da organização na sociedade.

Métodos para medir o desempenho financeiro da organização. Métodos para medir outros aspectos do desempenho da organização.

- .-. . -

Administração da Qualidade 183

- E se a quantidade de itens fosse diminuída? Eu acho um exagero barras de chocolate com tantos pesos diferentes, iogurtes com tantos sabores, todos esses tipos de sorvete com embalagens diferentes ...

- Você está ficando louco! Cada produto tem um nicho próprio de mercado. Se um produto for tirado da linha, isso significa perder o nicho. Vem a concorrência e toma conta. Para mim, a solução é trabalhar com estoques mais elevados e entregas mais frequentes.

- Com os recursos atuais, a área de logística mal consegue trabalhar. Para traba- lhar com estoques mais altos, vou precisar construir mais depósitos, comprar mais caminhões, contratar mais gente e daí para a frente. Além disso, as fábricas vão ter que produzir mais.

A discussão prosseguiu e o gerente financeiro foi envolvido. Disse ele: - Espero que o pessoal de marketing consiga justificar o investimento. A empre-

sa já está no limite da imobilização de capital. Os acionistas não irão concordar com mais esse custo se isso não trouxer uma vantagem competitiva muito evidente para a empresa. Para mim, é um problema de planejamento e coordenação, e não de insuficiência de produção.

Questões

1. O que significa "qualidade de serviço" para a empresa retratada neste caso?

2. De qual área da empresa é a principal responsabilidade pela qualidade do servi- ço ao cliente?

3. O que deve ser feito para melhorar a qualidade?

Referências e leituras complementares

DEMING, Wiiliarn Edwards. Elementary principles of the statistical control of quality (Dr. W. Edwards Deming's Lectures on Statistical Control of Quaiity, 1950, Tobo), Nippon Kagaku Gijutsu Remrnei, Tokyo, 1951, p. 1-12. . Qualidade: a revolução da administração. Rio de Janeiro: Marques-Saraiva, 1990. DUNCAN, Acheson J. Quality control and industrial statistics. Homewood: Irwin, 1986. FEIGENBAUM, A. i! Total quality control. New York: McGraw-Hill, 1983. ISHIKAWA, Kaom. What is total quality control. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1985. REEVES, Caro1 A.; BEDNAR, David A. Defining quaiity: alternatives and implications. Academy of Management Review, v. 19, nP 3,1994, p. 419-445. WALTON, Mary. O método Deming de administração. Rio de Janeiro: Marques - Saraiva, 1990.