gestão eficiente da merenda escolar. historias gostosas de ler e boas de copiar vol 3

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Relato de experiências bem-sucedidas de prefeituras selecionadas pelo Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar. Duas cidades grandes, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, com todas as complexidades que caracterizam esses aglomerados humanos; três municípios de média e pequena população, apresentam soluções de organização de um setor estrategicamente vital, que é a produção de alimentos.

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Gesto eficiente da

MERENDA ESCOLARHistrias Gostosas de ler e boas de copiar volume 3

Gesto eficiente da

MErEnda EscolarHistrias Gostosas de ler e boas de copiar volume 3

Histrias Gostosas de Ler e Boas de Copiar Volume 3 Uma publicao de Ao Fome Zero. A Ao Fome Zero uma organizao da sociedade civil de interesse pblico e representa uma aliana de empresas e empresrios comprometidos com o desenvolvimento social sustentvel do pas. Sua misso amparar e estimular polticas integradas que viabilizem a segurana alimentar e nutricional da populao brasileira. Presidente de honra Marisa Letcia Lula da Silva Comit Gestor Antoninho Marmo Trevisan Gabriel Jorge Ferreira Jose Costa Marques Bumlai Direo Ftima Menezes Equipe tcnica Leila Stungis Luana Bottini Maria Elena Turpin Marcelo Zaidler (estagirio) Sineide Neres dos Santos Assistncia Geral Fagner Galeno Endereo Al. Joaquim Eugnio de Lima, 187 10 andar So Paulo SP 01403-001 fone: (11) 3569 6016 www.acaofomezero.org.br [email protected] Textos Rogerio Furtado Diagramao Rodolpho Lopes

Gesto eficiente da

MErEnda EscolarHistrias Gostosas de ler e boas de copiar volume 3

Histrias gostosas de ler e boas de copiar

a histria gostosa do prMio gEstor EficiEntE da MErEnda Escolara idEia, o dEsEnvolviMEnto da MEtodologia E o papEl do prMio coMo uM indutor dE boas prticasDeve ter mais ou menos uns 12 anos que, em uma pequena cidade do interior paulista, assistia com olhos desconiados a maneira como os alunos das escolas municipais eram tratados pelo governo municipal. Alguns pais dessas crianas conversaram com os seus ilhos, com os professores e com outros cidados sobre a falta de merenda nas escolas e resolveram investigar. Descobriram que uma srie de irregularidades que acontecia sob os olhos pouco vigilantes daquela comunidade. E o que era pior: sua cidade no era o nico caso! Um dos cidados desse pequeno municpio, agora adulto, bem sucedido e intencionado, que conhecia na prpria pele (ops! na prpria barriga) a importncia da merenda escolar, ao constatar a situao em sua pequena cidade, percebeu que era necessrio fazer algo para que situaes como aquela no acontecessem em nenhum outro lugar. Enquanto tudo isso acontecia, surgia no Brasil, devagarzinho, uma ideia absolutamente nova que alterava a maneira de compreender a luta contra a excluso por causa da pobreza. No novo paradigma emergente, a pobreza combatida por meio de vrios tipos de aes estruturais e assistenciais de curto, mdio e longo alcance e que exigiam o envolvimento de aes governamentais e da sociedade civil. A nova realidade foi uma espcie de mola propulsora e, como se dizia na poca, juntou a fome com a vontade de fazer e nasceu o projeto Gesto Eiciente da Merenda Escolar e, com ele, o prmio Gestor Eiciente da Merenda Escolar!

Juntou a foME coM a vontadE dE fazErA poltica pblica conhecida pelo nome de Programa de Merenda Escolar (na verdade Programa Nacional de Alimentao Escolar) um programa social abrangente, de relevncia, criativo e estratgico para o pas. Abrangente porque pretende atender toda a populao de crianas e jovens matriculadas no ensino pblico. tambm de relevncia porque estendido a todo o pas e descentralizado, pode ser administrado em cada municpio atendendo suas caractersticas culturais e necessidades especicas. criativo, porque compulsrio e sem intermediao e condicionantes. Basta o beneicirio estar l.

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Histrias gostosas de ler e boas de copiar Relevante porque, alm de ser um programa de distribuio de refeies completas, prev um trabalho de educao alimentar e a utilizao de alimentos da tradio cultural, recuperando ou mantendo esta cultura. E estratgico pois atende, com um mnimo das necessidades dirias, a populao brasileira em faixa de desenvolvimento intelectual, fsico e social. Entretanto, tudo isso se efetiva desde que o programa seja bem executado pelo municpio ou entidade executora. E, para isso, a deciso poltica do gestor e seus auxiliares fundamental! No mbito do projeto gesto da merenda escolar, deiniu-se como estratgia trs eixos de ao. O principal deles voltado para o desenvolvimento de atividades que possibilitem a sensibilizao da sociedade para o exerccio do controle social sobre os recursos da merenda escolar. Alm de atividades de mobilizao das comunidades para a conscientizao sobre a alimentao escolar, optou-se por outras direcionadas capacitao e ao fortalecimento dos conselhos de alimentao escolar. Conselho de Alimentao Escolar o rgo, nos municpios, responsvel pela iscalizao e acompanhamento do Programa Nacional de Alimentao Escolar. O segundo eixo tem o objetivo de sensibilizar o gestor pblico para a boa execuo do programa de merenda. Alm de atividades que possibilitem a troca de conhecimento, optou-se por uma estratgia de divulgao de boas prticas de gesto que pudessem ser copiadas e que trouxessem ao gestor o sentimento de orgulho que gera comprometimento. Este eixo se realiza nas atividades geradas pelo prmio Gestor Eiciente da Merenda Escolar. O terceiro eixo o responsvel pela organizao sistemtica de conhecimento sobre alimentao escolar e temas ains ao programa de merenda e que adquirido na realizao das atividades. Esta publicao o elo entre os trs eixos de atividades porque rene o conhecimento sobre cidades premiadas no prmio Gestor Eiciente de Merenda Escolar e que, alm de possibilitar o desenvolvimento de gestores pblicos, leva s comunidades informaes sobre a alimentao escolar, esclarecendo e envolvendo a sociedade nesta relevante poltica pblica. O prmio Gestor Eiciente da Merenda Escolar existe desde 2004 e a cada edio, ao destacar cidades premiadas, ele revela traos distintivos das diferentes regies do pas, contribuindo para o desenho das novas realidades regionais que o desenvolvimento econmico observado nos ltimos anos vem introduzindo.

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Histrias gostosas de ler e boas de copiar

govErnana pblica E poltica social: os dEsafios da gEsto pblica do prograMa dE MErEnda EscolarA poltica pblica denominada Programa Nacional de Alimentao Escolar (PNAE) tem, do ponto de vista administrativo, como principal caracterstica o fato de ser um programa de execuo descentralizada. Isto quer dizer que cada municpio deve administrar o PNAE de seu prprio jeito, cabendo ao Governo Federal o repasse de um valor a ser complementado pelo municpio para a aquisio de alimentos. Entretanto, o valor repassado pelo Governo Federal s pode ser utilizado na aquisio de produtos alimentcios. O que na prtica signiica que o municpio tem que necessariamente se comprometer com o programa social, j que, no mnimo, fornece as condies para a execuo da poltica pblica. A descentralizao responsvel tambm por outro aspecto bastante inovador: a adoo de cardpios escolares compatveis com os hbitos tradicionais da regio e com as particularidades da clientela beneiciada. H escolas que atendem a grupos sociais que vivem uma situao de vulnerabilidade alimentar e que o programa, quando bem executado, pode minimizar. Do ponto de vista dos municpios, a gesto pode se dar de forma centralizada, quando a prefeitura (entidade executora) se responsabiliza pela compra dos alimentos que podem ser estocados em depsito central ou unidades escolares responsveis pelo preparo das refeies; ou descentralizada quando as unidades escolares se responsabilizam pela administrao de todo o processo, desde a compra dos alimentos ao preparo. Em qualquer modelo, h dois fatores de impacto que interferem na administrao do PNAE: o tamanho dos municpios no qual gerido o programa e as condies e caractersticas territoriais das cidades. Em relao ao tamanho dos municpios, quanto maior o nmero de escolas e de alunos mais complexos so os procedimentos de distribuio de alimentos, controle de estoques e diversidade nos grupos de alunos atendidos. Muitas vezes a distribuio to complexa por causa do trnsito e da falta de espao para estacionamento de pequenos veculos de carga que a soluo adotar um modelo de gesto escolarizado, isto , a prefeitura repassa s escolas recursos para elas se responsabilizem pela compra e manipulao dos alimentos, alm da estocagem e preparo. Acontece que nem sempre este modelo bem recebido, porque aumenta a responsabilidade do diretor educacional, que tem como foco a administrao pedaggica da unidade escolar. Nestes casos, o diretor acumularia funo pedaggica com o gestor de uma poltica social e de sade pblica, o que pode penalizar o servidor e interferir na gesto pedaggica.

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Histrias gostosas de ler e boas de copiar Em municpios de menor tamanho, a distribuio tambm pode representar um grande diicultador, se a extenso territorial do municpio for ampla, com grande rea rural. Normalmente as condies de acesso s escolas por meio de estradas no boa, seja por estradas em mau estado ou por no haver condio de acesso (escolas isoladas). J em municpios pequenos, com poucas escolas, h problemas de outra natureza: a falta de recursos. Nesses casos, as cidades no possuem atividade econmica que tenham vigor e, portanto, a arrecadao baixa e a dependncia do Governo Federal alta. A constatao de que cada tipo de municpio apresenta uma diiculdade diferente na hora de administrar uma poltica social orientou a produo do volume trs da coleo Histrias gostosas de ler e boas de copiar, que relata experincias bem sucedidas de administrao do Programa Nacional de Alimentao Escolar. O leitor encontrar neste volume histrias de cinco cidades escolhidas por representarem uma classe. Duas cidades grandes, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, com todas as complexidades que caracterizam esses aglomerados humanos; e trs municpios de mdia e pequena populao, que apresentam solues de organizao de um setor estrategicamente vital, que a produo de alimentos. Por ltimo, o leitor encontrar uma sexta histria. No de uma cidade, mas de uma cooperativa de agricultores familiares. Cada um desses municpios tem uma histria diferente que desenha a realidade do pas e apontam solues para outras cidades. Bom proveito!

Fatima Menezes Diretora da Ao Fome Zero

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suMriosistEMa EficiEntE dE aliMEntao Escolar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 ao p da lEtra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .35 ordEM E liMpEza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .55 MElhor salgado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .69 no rastro do caf. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .87 coopErar prEciso tbua dE salvao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .102

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Mquina Enxuta

sistEMa EficiEntE dE aliMEntao Escolar

rio dE JanEiro

rio dE JanEiro

Populao rea da unidade territorial (Km2) Matrcula ensino fundamental municipal (2009) Escola pblica municipal-fundamental (2009) Maior IDH Es Menor IDH Es IDH Mun N escolas municipais (pr escola e ensino mdio) Recursos transferidos pelo FNDE (2010) Complementao para compra de alimentos Alunos atendidos Receitas oramentrias realizadas (2008) Refeies servidas Premiao

6.320.446 1.200,28 556.942 1.014 0,886 0,679 0,842 2664 R$44.240.291,00 R$35.526.884,00 437.455 R$10.955.711.669,00 --2009-capitais e grandes cidades 2008-capitais e grandes cidadesFontes: IBGE, 2010. Ministrio da Educao, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais INEP Censo Educacional 2009. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000- PNUD/ONU. Prmio Gestor Eiciente da Merenda Escolar, 8 edio. Ministrio da Fazenda, Secretaria do Tesouro Nacional.

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rio dE JanEirocoM rgua E coMpasso o rio dE JanEiro Ensina coMo dEsEnhar uM sistEMa EficiEntE dE aliMEntao Escolar Mquina EnxutaCerca de 705 mil crianas, adolescentes e adultos esto matriculados nas creches e escolas pblicas do municpio do Rio de Janeiro. Suas idades variam de poucos meses a mais de oitenta anos. Alm deles, h 50 mil professores e funcionrios de apoio, com direito a refeies gratuitas no local de trabalho. Muita gente no exerce esse direito, de modo que a mdia de refeies diria anda pela casa de 550 mil. Mesmo assim, trata-se de um nmero impressionante, qualquer que seja o parmetro de comparao. Portanto, primeira vista, comprar, distribuir e preparar alimentos para tantos comensais pode parecer tarefa descomunal. No entanto, descontados os pequenos solavancos ocasionais, circunscritos ora a uma, ora a outra unidade de ensino ou a algum fornecedor , a mquina da alimentao escolar do municpio costuma funcionar com suavidade e um mnimo de rudos. Tanto assim que, Secretaria Municipal de Educao basta a meia dzia de funcionrios da Gerncia de Alimentao Escolar para acompanhar as operaes, em uma cadeia que envolve 1.063 escolas e 253 creches. Mas eles no agem sozinhos. Em parte, a eiccia da estrutura resultado da descentralizao administrativa promovida pela prefeitura na esfera da educao, em 1993. Criaram-se dez coordenadorias regionais, mini-secretarias, cada qual encarregada das unidades de ensino e creches de vrios bairros. Em todas, um grupo de funcionrios supervisiona e faz andar o programa de alimentao. Ao descentralizar, a prefeitura teve ganhos extras: se livrou do peso dos

por maior que seja estoques de alimentos e das complicaes logsticas da distribuio. As o nmero de alunos que escolas encomendam os produtos s empresas fornecedoras, escolhidas o municpio tem para oferecer por licitao, que tambm icam obrigadas a realizar as entregas. H merenda, possvel garantir controle pessoal e meios suicientes para iscalizar esse circuito das mercadorias. e organizao em cada procedimento do Mais adiante, as facilidades da informtica foram postas a servio programa de alimentao escolar desde que da rede de ensino, com um sistema que eliminou grande parte da os gestores desenvolvam mecanismos de papelada e que permite o acesso a qualquer tipo de dado, em tempo monitoramento e avaliao para todas as etapas, indo dos processos de compra real. o Sisgen (Sistema de Controle de Gneros Alimentcios), uma ao mapeamento de sobras de ferramenta de gesto para monitorar as compras e avaliar o andamento refeies. do Programa de Alimentao Escolar.13

Histrias gostosas de ler e boas de copiar O Sisgen, que tem a Controladoria Geral do Municpio como gestora, foi lapidado ao longo de anos. No princpio, s relatrios em papel circulavam pelos canais burocrticos. Depois houve um salto para as planilhas eletrnicas. Em sua conigurao atual, a arquitetura do sistema obra de tcnicos da IplanRio, empresa municipal de informtica, que recebeu inmeras sugestes e pedidos dos usurios. A apropriao do sistema pela Secretaria de Educao revela outro trao caracterstico do modo como o Rio de Janeiro administra a alimentao nas escolas: diversos rgos pblicos esto comprometidos com o programa. Esse mais um motivo para a Secretaria de Educao trabalhar com um quadro de pessoal to enxuto na sede. O arranjo harmonioso entre vrios organismos municipais nos garante o sucesso e avaliza uma poltica pblica estvel e consistente, diz Ftima Frana, diretora do INAD (Instituto de Nutrio Annes Dias). O prprio INAD, embora pertena Secretaria de Sade, pea fundamental da estrutura, enquanto responsvel pelo planejamento e execuo do programa. E esse um programa que, alm das engrenagens bem ajustadas, tem sido azeitado de maneira conveniente com verbas municipais e federais. Esses recursos, em grande parte, movimentam negcios do comrcio atacadista. A partir do segundo semestre de 2010, porm, estava previsto que o Rio de Janeiro passaria a adquirir produtos da agricultura familiar, com a aplicao de pelo menos 30% da verba federal, de acordo com lei que entrou em vigor em 2009. Para um municpio de escassa produo agrcola e, ao mesmo tempo, comprador de grandes quantidade de gneros alimentcios para as escolas, a adequao s novas diretrizes um tanto complicada. Fora a quantidade, h outros fatores envolvidos, como a qualidade dos produtos e a logstica de distribuio, principalmente no caso das entregas dirias, requeridas por algumas unidades de ensino. De toda forma, os preparativos estavam em andamento. Vamos recorrer s cooperativas. Organizados, os produtores tero condies de nos atender. J pedimos ajuda Emater e ao Ministrio do Desenvolvimento Agrrio para localizar os agricultores, dizia Ftima Frana, do INAD. Alm de considerar a lei um avano, Ftima gostaria de ir mais longe: nos interessamos, sobretudo, pelos alimentos orgnicos. O Programa de Alimentao Escolar opera no contexto da segurana alimentar. O que pressupe trazer para as escolas gneros adequados, isentos de agrotxicos.

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o sisgEn no cotidianoNo Rio de Janeiro, as Coordenadorias Regionais de Ensino (CREs) podem ser consideradas clones, em tamanho menor, da Secretaria de Educao. Assim, cada uma tem sua gerncia de infraestrutura que d suporte s escolas e administra o programa de alimentao. A 6 CRE, com sede em Deodoro, abrange vrios bairros, tendo 77 escolas e 19 creches em sua rbita, e um total de 52 mil alunos. A professora Mara Jane Oliveira de Carvalho, a gerente de infraestrutura, mostra como funciona o Sisgen. A maioria de nossas escolas recebe gneros alimentcios trs vezes por semana, s segundas, quartas e sextas. Os pedidos so feitos de acordo com o cardpio, vrios dias antes da entrega. Em 4 de maro, por exemplo, j recebamos, por via eletrnica, as requisies de produtos que seriam entregues pelos fornecedores a partir do dia 15, para serem consumidos entre os dias 16 e 22. Para evitar desperdcio, a escola trabalha com um nmero mdio de refeies. Mara Jane explica: mesmo tendo sido apurado esse nmero mdio, antes de comear o preparo da comida, a direo deve levantar a frequncia no dia. Assim, se a escola constatar a presena de 280 comensais, ao invs da mdia, que poderia ser de 300, por exemplo, o sistema lhe mostrar, gnero por gnero, qual ser a quantidade a ser utilizada. Nesse caso, haver sobra, que ter de icar na despensa da unidade e ser abatida automaticamente no prximo pedido.

os sistemas Em nossas visitas, veriicamos se essas sobras esto l. Os nmeros informatizados so timos tm de bater com os registros no computador. Ao mesmo tempo, aliados para planejamento e obrigao das escolas colocar no sistema quantas pessoas comeram controle da alimentao escolar. eles no dia, alunos e funcionrios. otimizam recursos humanos e inanceiros Com tal rigidez nos controles, ningum se na medida em que proporcionam a circulao da informao e o cruzamento preocupa com a possibilidade de restar comida nos de dados em tempo real, permitindo pratos e nas panelas. A probabilidade de que isso tomadas de decises com a venha a acontecer remota. Pelo menos no territrio agilidade que a situao da 6 CRE, conforme os comentrios da coordenadora requer. Deolinda Silva Montenegro: O IDH de nossa regio o mais baixo do municpio. Assim, nas escolas, a tendncia as crianas comerem mesmo. Algumas repetem quando possvel, pois, para muitas, a nica refeio substancial que tero no dia. Alm disso, h o esforo dos proissionais de ensino no sentido de convencer 15

Histrias gostosas de ler e boas de copiar os alunos a aceitar o que est sendo servido. Se o alimento igura no cardpio porque tem importncia na nutrio. Embora os dados relativos ao programa de alimentao estejam no sistema, o contato da CRE com as unidades de ensino estreito, conforme explica Mara Jane: minha comunicao com as escolas direta, pelo Sisgen, mas temos contatos pessoais e por telefone, porque precisamos averiguar como est se comportando o pessoal l na ponta. Como os gneros alimentcios esto chegando e como so preparados. Nas visitas que fazemos, examinamos despensas, cozinhas, refeitrios. Veriicamos a feitura e a qualidade da comida, o uniforme das cozinheiras, a distribuio das refeies e vrios outros detalhes. Nossa equipe, de seis pessoas, se divide para as visitas, mas, quando funcionrios de outras gerncias vo at s escolas, ns lhes pedimos que nos ajudem, olhando a parte da alimentao. Mara faz muitos elogios simpliicao e agilidade proporcionadas pelo Sisgen. Assumi a gerncia ao inal de 2001, mas estou aqui desde 1996, quando o Sisgen ainda no existia. O preenchimento de relatrios era manual, o que tornava o trabalho muito penoso. Hoje o sistema abarca desde o pedido at o pagamento da compra. Aqui recebemos as notas iscais correspondentes ao fornecimento dos produtos, assinadas pelos responsveis. Formamos os processos de pagamento e fazemos sua liquidao administrativa. A liquidao inanceira ica por conta de outro departamento, que credita os valores nas contas das empresas. O professor Darcy Tadeu Campos, assessor da Gerncia de Alimentao Escolar da Secretaria de Educao, lembra que o Sisgen empregado tambm por outros rgos da prefeitura que utilizam gneros alimentcios, como a Secretaria de Sade e a Secretaria de Obras, por exemplo. Darcy acrescenta que o Programa de Alimentao Escolar tem uma particularidade: para evitar problemas devido ao eventual desabastecimento de qualquer produto, as coordenadorias regionais de educao foram divididas em grupos e a aplicao dos cardpios alternada, embora eles sejam iguais. Assim, numa mesma semana, enquanto certo nmero de escolas utiliza o cardpio A, digamos, as demais usam o B. Na semana seguinte, elas invertem. Darcy considera o sistema de alimentao escolar do municpio muito bom: isso se deve competncia proissional de todos os envolvidos. Estejam eles nas escolas, nas CREs, na Secretaria ou em outros rgos que se relacionam com o programa. As pessoas esto empenhadas e acreditam naquilo que esto fazendo, mas, ainda que esse programa esteja funcionando de uma forma que considero muito boa, sempre haver necessidade de aprimoramento. por isso que o INAD est sempre pesquisando, modiicando cardpios e renovando suas aes. A avaliao deve ser constante. 16

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vida na EscolaA professora Wanda Lcia SantAna atravessou pela primeira vez o porto da Escola Ana de Barros Cmara, em Coelho Neto, para substituir a diretora que se licenciara. Formada em Letras pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e com experincia em educao infantil, Wanda deveria icar seis meses no posto, mas continua l, 24 anos depois. As marcas de sua administrao esto bem visveis na decorao das paredes, na ordem e na limpeza escrupulosa de todas as dependncias. O conjunto revela que a diretora tem pulso forte. E bastante energia para enfrentar a jornada: acompanha por Denise Brando, a diretora-adjunta, ela se encarrega de abrir a porta para as cozinheiras do primeiro turno, s 6h. s 7h, as crianas j esto tomando o desjejum. Essa a primeira refeio. Depois os pequenos ainda tero o almoo, o lanche e o jantar, durante a permanncia de dez horas na unidade de ensino. Entre os 278 alunos desse jardim de infncia, que pertence aos domnios da 6 Coordenadoria Regional de Educao, h um grupo com necessidades especiais. Constitui um dos Plos de Bebs, programa pioneiro criado em 1996 pelo Instituto Helena Antipoff organismo vinculado Secretaria Municipal de Educao. Nesta escola, o plo existe desde 1999. Nosso objetivo trabalhar com essas crianas de modo que possam alcanar autonomia. Para isso, elas precisam interagir com os colegas, se alimentar e realizar outras atividades junto com eles, dispensando a assistncia de outra pessoa. Para facilitar suas vidas, temos cadeiras de rodas, andadores e cadeirinhas com adaptador para colocar a colher. Ao completarem quatro anos, esses alunos passam para as turmas regulares do maternal. A cada ano, recebemos de 8 a 12 crianas com paralisia cerebral, sndrome de West, sndrome de Down... De acordo com o esprito do programa, a escola fornece alimentao comum turminha do polo, seguindo orientaes mdicas. A me pode acompanh-las. H excees, eventualmente. No grupo temos um aluno que sofreu gastrostomia e se alimenta atravs de botton. A me traz a alimentao que o mdico prescreve. Trabalhamos apoiadas pelo Instituto Helena Antipoff e por uma professora itinerante, contratada pelo municpio, que acompanha esses casos. Ela atende trs vezes por semana. Por sua vez, Wanda procura apoiar a comunidade. Estou h tanto tempo na direo desta escola porque quero acreditar que posso fazer alguma coisa para modiicar a vida das crianas. Aqui, por exemplo, a regio de pior IDH do municpio. 17

Histrias gostosas de ler e boas de copiar Wanda conta que atua dentro e nos arredores da escola. Intramuros, com a orientadora pedaggica, senta-se com as mes das crianas para ouvi-las e sugerir temas para debates. Falamos tambm sobre alimentao saudvel. s vezes elas querem dar batatas fritas para os ilhos trazerem. Informamos que o cardpio escolar elaborado por um instituto especializado, e que tudo que o aluno precisa durante o dia ns temos. No primeiro dia de aula explicamos que a escola aberta. Que elas podem vir na hora das refeies, observar, iscalizar. E elas vm mesmo, visitam as salas de aula, o refeitrio, veriicam a higiene do ambiente, inclusive a da cozinha. Quando pode, Wanda circula pelo entorno. Ela diz: conheo muitas mes de alunos, frequento suas casas. Para uma educadora, o fato de adotar a comunidade e ter sido adotada por ela tem l suas compensaes: tudo comea na educao infantil. Procuramos manter o ambiente acolhedor, alegre, prazeroso. Para a criana aprender brincando. Com alimentao saudvel. Assim, muitas pessoas que estudaram aqui costumam trazer seus ilhos para matricul-los. E tenho ex-alunos com curso superior, fazendo mestrado. At a horta da escola contribui para a confraternizao, embora sua inalidade seja didtica. De acordo com Wanda, as crianas icam sentadinhas, mexem na terra, veem a evoluo da plantinha, e ouvem histrias contadas por fantoches. Nada melhor que aula ao ar livre, debaixo de uma rvore. Para organizar a horta, algum do bairro orientou uma das professoras, que depois ensinou as colegas. Cada turma tem um canteiro e um da comunidade. Quem cuida so as mes de alunos. Tiramos cheiro verde e salsinha para usar na cozinha. Mas, no inal do ano passado, izemos um salado para os pais de alunos. A diretora-adjunta, Denise Brando, responsvel pela alimentao na escola, tambm airma estar satisfeita com o andamento do programa. Os hbitos que essas crianas to pequenas adquirem aqui levam para casa e repassam. Embora isso acontea em outras escolas, temos muitos casos, relatados pelas mes, de crianas exigindo dos membros da famlia que lavem as mos antes de comer. E que escovem os dentes depois... Nossos alunos tambm comem de tudo. Denise credita os bons resultados s merendeiras. Contamos com quatro cozinheiras treinadas, que se revezam em dois turnos. Tivemos visita 18

Histrias gostosas de ler e boas de copiar do instituto Helena Antipoff e as pessoas icaram impressionadas com a eicincia dessas funcionrias e com seu carinho pelos alunos. Uma delas, Rosi, foi eleita funcionria-padro, mas no quis receber o prmio porque icou com vergonha. A carioca Rosimeri Maria da Silva de fato modesta, mas aceita falar um pouco de si mesma, admitindo que nada sabia sobre culinria at ingressar no servio pblico, em 2009. Nem em casa eu tinha experincia de cozinha. Fiz o concurso porque queria ter estabilidade no emprego. Nos primeiros dias fui treinada aqui na escola, ouvindo palestras de nutricionistas. Depois houve outro curso, na Coordenadoria Regional de Educao, sobre vrios aspectos da atividade, cada um abordado por um especialista. Senti alguma diiculdade no comeo, mas terminei me adaptando bem. As crianas so uns doces. Embora goste do trabalho, Rosimeri diz que gostaria de dar aulas: j conquistou o diploma de professora. Bem longe dali, Jos Freitas de Moraes tem sido cozinheiro h 26 anos, na Escola Rivadvia Corra, que ica nas proximidades da Central do Brasil. Cearense de Santa Quitria. Jos aprendeu a lidar com a parafernlia de cozinha na prpria escola. Atualmente, responde pelo turno da manh, fazendo e servindo a comida para 170 alunos do ensino fundamental. Ele diz que se relaciona muito bem com eles. E os estudantes que se acercam da cozinha na hora do almoo assinam embaixo. Tambm garantem que a alimentao na escola muito boa. Maiara Matos Lopes, de 15 anos, Lucas Magno da Silva, de 16, e Breno Lus da Fonseca, de 11, esto entre os frequentadores assduos do refeitrio. Maiara, aluna da 8 srie, mora na Cidade Nova, ao lado do Sambdromo. Ela diz: como na escola todos os dias. A comida daqui gostosa, bem temperada. A quantidade suiciente e posso repetir, se quiser. Como de tudo e nunca houve um prato de que no gostasse. No h do que reclamar. Inclusive da higiene. O cozinheiro usa touca e luvas. Mesmo assim, no ano passado havia um garoto que trazia colher de casa. Uma bobagem, por que aqui tudo limpo e arrumado. Lucas, colega de classe de Maiara, mora em Santa Tereza. Tinha interesse em estudar nesta escola porque ouvia falar bem dela. A escola realmente melhor, no h baguna, os professores so mais dedicados do que na outra em que estudei. So mais pacientes. Explicam tudo direito. Gosto da comida tambm. Se deixar, como at quatro vezes. No rejeito nenhum prato. Tenho colegas que tm medo de provar a comida. Dizem que ruim. E alguns tm vergonha, no sei por qual motivo. 19

Histrias gostosas de ler e boas de copiar Ma, banana e melancia so as sobremesas, frutas bem selecionadas. J estimulei minha me a comprar mais legumes e frutas para comermos em casa. Breno, aluno de sexta srie, vem a p para a escola desde a rua Frei Caneca, depois de tomar ch com biscoitos. Airma estar ansioso para comer strogonoff, servido pela ltima vez em 2009. Falaram bem dele para mim. Quero comparar o da escola com o que a minha me faz. meu primeiro ano aqui. Tenho almoado todos os dias. Gosto da comida, e a escola no muito diferente da que frequentei antes, que era particular. A comida de l era bem pior, ainda que fosse mais variada. E era preciso pagar. Se repetisse, pagava outra vez.

patriMnio na cozinhaNo Rio de Janeiro, a Secretaria de Educao tem uma Coordenadoria de Infraestrutura, comandada pelo professor Jos Mauro da Silva. Em seu escritrio, no prdio da prefeitura, Jos Mauro coordena trs gerncias: a de Alimentao Escolar, a de Material e Equipamento e a de Planejamento e Obras. Para a rede de ensino a gente s no

os sistemas informatizados no substituem as reunies e visitas presenciais, nas quais possvel estabelecer contato direto com as pessoas que preparam e consomem a merenda.

contrata o pessoal. O resto conosco. Trabalhamos de acordo com a demanda das coordenadorias regionais de educao. Quando o assunto so os foges, panelas, liquidiicadores e freezers, entre vrios outros utenslios e equipamentos, a responsvel a Gerncia de Material. As compras so feitas por meio de licitaes, realizadas pela Secretaria de Administrao. Os produtos primeiro vo para nosso almoxarifado, depois seguem para as escolas. Essa gerncia tambm se encarrega dos contatos com as empresas concessionrias de servios pblicos, como telefonia, gs e energia eltrica. Planejamento e Obras cuida de tudo aquilo que diz respeito a instalaes. Sejam reformas, pequenos reparos, novas construes, implantao de laboratrios de informticas, e assim por diante, explica Jos Mauro. No que diz respeito a obras e reformas, o Rio de Janeiro tem uma peculiaridade, a exemplo de outras cidades histricas: nem sempre possvel modernizar as cozinhas de escolas tombadas. Ftima Frana, diretora do INAD, comenta: at 1985, havia apenas merenda na rede pblica, refeies mais simples, cujo preparo dispensava grande nmero de equipamentos e enormes instalaes. Nesse ano surgiu o projeto 20

Histrias gostosas de ler e boas de copiar de educao integral, com os CIEPs. Nessas unidades, as cozinhas j surgiram com peril industrial. medida que avana o programa de alimentao, as escolas comearam a se adequar. Mas, como vrias delas foram tombadas pelo IPHAN, faz-se o que possvel para moderniz-las. A Secretaria de Educao nos convoca para acompanhar os engenheiros encarregados das obras. Alm de estarem vetadas mudanas estruturais, normas tcnicas impedem a circulao forada de ar nas cozinhas. Numa cidade trrida como o Rio de Janeiro, no fcil dar algum conforto trmico para as merendeiras. O ambiente tem de ser favorvel ao manipulador de alimentos, com ventilao natural e iluminao. Foi preciso realizar estudos e escolher os tecidos mais adequados para os uniformes. Os prprios alimentos, em sua preparao, no devem contribuir para o aumento da temperatura ambiente, na medida do possvel. No se fazem frituras, por exemplo, acrescenta Ftima Frana. Mas ningum est proibido de exercitar a criatividade quando se trata de facilitar o servio. Na Escola Municipal Nerval de Gouveia, em Ramos, a diretora, Regina Maria da Eira Pinho, achou uma boa soluo para o problema dos foges muito altos mandou serrar-lhes os ps. Pronto: agora as cozinheiras podem olhar o interior das panelas de cima, sem fazer ginstica para mexer o contedo.

qualidadE no cardpioO Programa de Alimentao Escolar o principal cliente do Instituto Annes Dias, que atua em outros segmentos da administrao pblica por meio de suas vrias divises (coordenadorias). Quanto alimentao nas escolas, o processo se inicia com a montagem dos cardpios, tarefa que cabe Coordenadoria de Planejamento e Alimentao. A escolha dos ingredientes e da forma de apresentao obedece a vrios critrios. Seguimos as diretrizes nutricionais do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao), que estabelecem as quantidades de protenas, calorias e de outros nutrientes que devemos fornecer aos alunos. O custo outro aspecto relevante. Por isso trabalhamos com duas linhas de cardpios. Uma para o inverno e outra para o vero, por causa das safras agrcolas, basicamente, diz Andria Brito, nutricionista da Coordenadoria de Planejamento e Alimentao. Estabelecidos os cardpios, Planejamento e Controle de Qualidade deinem as especiicaes dos produtos, que so codiicados pela Secretaria de Administrao, tendo em vista as licitaes e o acompanhamento dos preos no atacado e varejo. O levantamento quinzenal realizado pela Fundao Getlio Vargas, por meio de convnio. Com tudo pronto, a equipe de Controle de Qualidade de Alimentos 21

Histrias gostosas de ler e boas de copiar entra em campo, mesmo antes da compra dos gneros, conforme explica a nutricionista Maria Alice Elsner, coordenadora do departamento. Elaboramos o termo de referncia. So as condies que a empresa contratada

na ter de cumprir para entregar um alimento de qualidade, com segurana. hora de planejar Especiicamos at como deve ser o veculo para o transporte, descrevemos o cardpio necessrio cada produto, a forma de acondicion-lo e o tipo de embalagem. Uma considerar em conjunto: as pesquisa, sempre atualizada, nos d a mdia do que se encontra no diretrizes nutricionais estabelecidas mercado. Pode ser, por exemplo, o tamanho das cenouras ou de uma pelo fnde, safra agrcola local em que fruta. O mesmo acontece com alimentos industrializados. No comeo de o alimento ser consumido, custo, 2009, tnhamos trs marcas de iogurte, em potes de 120 gramas. Como hbitos alimentares dos alunos, os fabricantes comearam a reduzir o contedo das embalagens para disponibilidade de instrumentos 90g, nos adequamos a esse novo peril da oferta, diz Maria Alice. na cozinha para preparo da Ainda no perodo que antecede a licitao, um tcnico do controle de refeio e outros.qualidade, acompanhado de dois veterinrios do Servio de Vigilncia Sanitria, inspeciona as empresas que se cadastraram para concorrer, junto Secretaria de Administrao. Todas devem ser atacadistas, comprovar sua capacidade de cumprir o contrato e ter local de armazenamento, alm de atender outras exigncias determinadas por lei. Se aprovadas, recebem um laudo de aptido, vlido por 90 dias. Nosso desejo que cada vez mais empresas participem do processo. Ela pode ter sede no Mato Grosso, mas tem de ser capaz de atuar dentro dos limites de nosso Estado, de acordo com as especiicaes, diz Ftima Frana. Exceto no caso dos hortifrutcolas, os potenciais fornecedores devem apresentar propostas com duas marcas de cada gnero alimentcio, no mnimo, para garantir o abastecimento, acompanhadas de certiicados de anlises fsico-qumica e microbiolgica, vlidos tambm por 90 dias. Os produtos de origem animal precisam ter todos os certiicados de aprovao do Ministrio da Agricultura. O Annes Dias veriica se as amostras se enquadram nos padres estabelecidos. Por exemplo: a catao manual do arroz tipo 1 ir determinar se o produto contm, no mximo, 1% de gros quebrados, conforme exigido. Depois, as amostras passam ao laboratrio diettico, onde se veriica, na panela, se aps o cozimento rendem duas vezes e meia a poro inicial, em volume. Para biscoitos e leite, no existe uma preparao. S o teste sensorial. Os produtos so degustados por 12 funcionrios do Instituto, que preenchem ichas individuais de avaliao. O ndice de aprovao no pode 22

Histrias gostosas de ler e boas de copiar ser inferior a 85%, conforme recomenda o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao (no ltimo dia til de cada ms, a relao de produtos e marcas utilizados na rede de ensino publicada no Dirio Oicial, para a orientao das escolas). Na licitao, os concorrentes entregam suas propostas em envelopes. Porm, h um prego na abertura dessas propostas. uma oportunidade para quem apresentou preos mais altos fazer novas ofertas. A prefeitura sai ganhando. Na vigncia do contrato, se houver qualquer desentendimento com os fornecedores, as escolas devem se comunicar de imediato com a Secretaria de Educao e com o INAD. Neste ano, uma escola descobriu insetos em certa marca de feijo. A Vigilncia Sanitria foi acionada para coletar amostras para exame. Essa a rotina. A depender do resultado, o produto liberado ou tem a entrega suspensa. Em tal circunstncia, o fornecedor tem de repor a mercadoria no prazo de 24 horas a reposio deve ser imediata no caso das frutas. Quando o problema mais grave, caso de um iogurte suspeito de provocar alergia em crianas h algum tempo, o alimento pode ser banido da alimentao escolar. Em se tratando de carnes, a nota iscal aceita s aps o descongelamento e preparao do produto. Por vezes, a iscalizao ultrapassa as fronteiras do Rio de Janeiro para alcanar o fornecedor na origem. Foi o que aconteceu com determinada marca de arroz, proveniente do sul do pas: um rato viajou at o Rio em uma das embalagens, levando o INAD a alertar a Vigilncia Sanitria da localidade para vistoriar a empresa fornecedora. Ainal, outros brasileiros consomem aquele arroz, justiica Ftima Frana. Mas nem sempre o problema devido ao fornecedor. Uma escola nos informou que o arroz parboilizado icava com cheiro ruim, mas isso era consequncia da forma de preparo. As responsveis foram instrudas sobre a melhor maneira de trabalhar com o produto, conta Maria Alice. O incidente levou o INAD a publicar boletins sobre o preparo de alimentos e outras informaes destinadas s merendeiras, que so mais de 5 mil nas escolas. Como no possvel parar todo mundo para ensinar, comeamos a fazer boletins. No ano passado publicamos sete, bem ilustrados e detalhados. Um deles foi editado porque um fornecedor estava entregando msculo bovino em vez de patinho. O 23

Histrias gostosas de ler e boas de copiar Annes Dias foi notiicado. Fora as providncias habituais, izemos circular um boletim com desenhos dos cortes, mostrando as diferenas entre o patinho e o msculo, diz Maria Alice. Com as experincias que vai acumulando, o INAD procura adequar as especiicaes dos produtos s necessidades das escolas. H trs anos, o patinho substituiu o acm e a p. Rende mais e tem menos gordura, o que signiica melhor relao custo/benefcio. At algum tempo atrs, as embalagens de carne eram de 30 quilos, e causavam alguns transtornos. Um deles era dividir o contedo da caixa, mas para cortar as peas, era preciso descongel-las. E o que fazer com as sobras? Congelar outra vez o produto no recomendvel. Depois, a carne costumava ocupar muito espao nos refrigeradores. A soluo foi mudar as embalagens, que agora contm trs quilos. A queda do nmero de reclamaes, relativas gordura em excesso e misturas de vrios cortes, foi vertiginosa. Melhor para o aluno, que antes poderia ter sua poro diminuda. Ftima Frana lembra de outra substituio que teve bom resultado: chegamos a ter peito de frango congelado com 27% a 30% de gua. Trocamos o peito por il, que bem limpo, no tem pele e nem osso. A perda por coco mnima e o trabalho nas cozinhas icou mais fcil. No ano passado, no houve qualquer reclamao.

antEnas EM caMpoFtima Frana, diretora do INAD, riscou a expresso merenda escolar de seu vocabulrio. E tende a ser acompanhada por quantos esto envolvidos com a questo alimentar nas escolas pblicas cariocas. Ftima justiica: no municpio do Rio de Janeiro, o almoo a refeio padro. Trata-se de algo substancial, muito diferente de um lanche. Atende a todos os requisitos tcnicos do ponto de vista da nutrio, com o vis pedaggico que se implementa e se constri. Nas escolas de perodo integral, os estudantes recebem desjejum, almoo, lanche e jantar. Em alguns CIEPs (Centros Integrados de Educao Pblica), se desenvolve um projeto de alunos residentes que, alm das refeies j citadas, ainda tm a ceia. Alimentao saudvel e farta garantida na educao infantil e s crianas das creches. Portanto, chamar de merenda o Programa de Alimentao Escolar no d a dimenso correta, a verdadeira magnitude e o alcance desse programa nacional. 24

Histrias gostosas de ler e boas de copiar A palavra merendeira tambm est em baixa entre o pessoal especializado, que prefere chamar cozinheiras e cozinheiros das escolas de manipuladores de alimentos. No por mero capricho, conforme explica a nutricionista Ana Lucia da Mota Cordeiro, coordenadora da Superviso Tcnica dos Programas do INAD: a denominao merendeira ou merendeiro no faz justia a esses funcionrios, contratados por concurso pblico. Eles passam por testes de portugus, de matemtica, e de conhecimentos gerais, devendo saber conceitos de alimentao. Se aprovados, so submetidos a uma prova prtica. Alm da habilidade, preciso ter agilidade na cozinha, onde a mdia de produo diria ica um pouco acima de 500 refeies. Mas o manipulador de alimentos tambm deve ser um educador, um multiplicador na formao de bons hbitos alimentares, que saiba estimular o aluno a consumir o alimento, quando sua tendncia for a de rejeitar o que est sendo oferecido. Por isso, as nutricionistas encarregadas da superviso tcnica acompanham com ateno o desempenho das cozinheiras e sua maneira de se relacionar com os alunos. Mas suas atribuies no se resumem a isso. Elas so as antenas do INAD em campo, estando qualiicadas para interagir com as demais equipes do Instituto e com o pessoal da ponta nas escolas. Alm de orientar alunos, professores e cozinheiras, essas nutricionistas intervm no processo, fazendo ajustes onde e quando necessrios. As informaes que trazem nos do elementos para mudar determinada orientao e para manter o que est dando resultados. A superviso est sempre em contato com as coordenadorias regionais que, por estarem perto das escolas, tm mais agilidade para resolver os problemas que aparecem, diz Ana Lcia. Atualmente, o departamento de Superviso Tcnica dispe de sete nutricionistas para cuidar das dez coordenadorias regionais de ensino. Em circunstncias normais, elas atendem solicitaes externas e as divises de Pesquisa, Controle de Qualidade, Planejamento e Projetos Educativos do INAD. Quando a situao exige, so feitos contatos com a Gerncia de Alimentao Escolar da Secretaria de Educao. O nmero de nutricionistas, em relao ao tamanho do programa, ainda pequeno. Mas, se for necessrio, pessoas de outras coordenadorias saem junto com elas. No im somos 35, explica Ana Lcia.

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sabor dE sadEProduzir materiais educativos destinados rede pblica uma das tradies do INAD, que procura valorizar a dimenso pedaggica do Programa de Alimentao Escolar. Em geral, a abordagem dos livros didticos muito centrada nos nutrientes, no que contm cada alimento. Com nosso trabalho, tentamos apresentar o tema da alimentao saudvel na vida, no cotidiano, diz a nutricionista Luciana Azevedo Maldonado, coordenadora de Projetos Educativos e Nutrio. Assim, o projeto Com gosto de sade, por exemplo, produziu um vdeo direcionado aos alunos e quatro livretos para os professores, contendo informaes tcnicas e sugestes de atividades a serem desenvolvidas com as crianas. A inteno que o material seja aproveitado nas escolas, de acordo com o projeto poltico-pedaggico de cada uma. J foram abordados quatro temas: Alimentao e Cultura, Alimentao Saudvel, Aleitamento Materno, e Obesidade e Desnutrio. Para a Semana de Alimentao Escolar, que no Rio se realiza na terceira semana de maio, o INAD distribui material educativo sobre o assunto escolhido tambm com sugestes de atividades para as escolas. Em 2009, o tema foi a gua, essencial vida. Neste ano sero os alimentos industrializados, cada vez mais consumidos. Discutiremos o impacto que tm no ambiente, na cultura alimentar e na sade das pessoas. Luciana acrescenta: tambm sero debatidas as estratgias para mudar esses hbitos de consumo, associados ao aumento da incidncia de doenas crnicas no transmissveis, como a hipertenso, obesidade, diabetes e vrios tipos de cncer. Inclusive entre as crianas. Quanto ao ambiente, o material que preparamos destaca o problema do acmulo de materiais descartados. Indo a um fast-food, podemos perceber a quantidade de lixo que gerada. Alm disso, a indstria de alimentos consome muita gua nos processos de produo. E o alimento que ica pronto, se no for consumido logo, desperdiado. Alimentos ou ingredientes industrializados, se no icam apartados da cozinha, tm papel muito modesto nas oicinas de culinria organizadas pelo INAD. Com a participao de professores, manipuladores de alimentos e adolescentes das escolas municipais, mais proissionais de sade da famlia, criamos um mtodo para realizar essas oicinas, que uma forma de discutirmos alimentao no cotidiano melhor do que as palestras, que so mais formais. Nessa atividade, os participantes preparam uma refeio com alimentos bastante saudveis. O objetivo resgatar o hbito de cozinhar, que vem sendo deixado de lado, mostrando que o salutar pode ser gostoso tambm. Nosso objetivo levar essas oicinas aos proissionais que participam do Programa Sade na Escola, diz Luciana.

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Histrias gostosas de ler e boas de copiar Nas escolas, a atuao do INAD, s vezes, contribui para mudar o cenrio de forma radical. Uma vitria importante foi a regulamentao das cantinas, inspirada no exemplo de Florianpolis, autora da medida pioneira. izemos um censo, levantando dados sobre como as cantinas operavam, como se estruturavam, o que vendiam. Vimos que havia balas em quantidade, refrigerantes, docinhos. O problema chamou a ateno da Secretaria de Educao, que viu nisso uma concorrncia sem sentido com a alimentao escolar. Ento, em 2001, preparamos o texto de um decreto, bastante rgido para regulamentar esses estabelecimentos, cuja estrutura era frgil e no lhes permitia produzir alimentos saudveis. Elas terminaram fechando e houve maior adeso alimentao escolar. Embora as crianas possam trazer lanches de casa, j no existe a oferta institucionalizada de produtos inadequados em um ambiente pedaggico, educativo, comenta Luciana. Outro projeto antigo que est sendo revigorado o das hortas escolares uma ao desde sempre apoiada pelo INAD, que j foi tema da Semana de Educao Escolar por duas vezes. A ltima delas em 2008, quando algumas unidades reativaram o cultivo de hortalias nas reas que dispunham. A abordagem consistiu em mostrar que h alternativas para o plantio. Havendo pouco espao, possvel plantar em garrafas de plstico ou vasos. Principalmente no caso do Rio de Janeiro, onde o objetivo das hortas pedaggico, embora os alimentos produzidos sejam utilizados na alimentao escolar.

pEsquisa EM parcEriaA Coordenadoria de Superviso Tcnica funciona como antena do INAD para o cotidiano em relao s escolas. Quando se trata de realizar varredura abrangente e levantar dados sobre tpicos especicos em todo o sistema municipal de ensino, o Instituto mobiliza a Coordenadoria de Pesquisa. Em 2007, esse departamento esteve envolvido com uma questo relacionada ao ensino de hbitos alimentares saudveis: por melhor que seja a comida proporcionada pela rede pblica, nem sempre todos os estudantes aceitam o que lhes oferecido nas escolas. H os que comparecem aos refeitrios atrados s por determinados pratos. Outros comem apenas o lanche preparado em casa. Para descobrir o que est por trs desse comportamento e o que fazer para conseguir maior adeso ao programa, a Coordenadoria de Pesquisa desenvolveu o projeto denominado Linha de Desenvolvimento de Indicadores de Avaliao da Execuo do PAE. De acordo com as nutricionistas Michelle Delboni dos Passos e Sheila Dutra Luquetti, questionrios foram entregues a todos os diretores de escolas e de creches, com perguntas relativas a vrios parmetros que se pretendia avaliar: qualidade dos gneros alimentcios, condies dos equipamentos das cozinhas, 27

Histrias gostosas de ler e boas de copiar aceitao dos cardpios e outros. Escolhidas por amostragem, merendeiras e alunos puderam dar suas opinies, sobretudo respeito do que fazer para melhorar o programa de alimentao. O trabalho ainda no havia sido concludo em princpios de maro deste ano, estando na etapa de deinio de indicadores que permitam ajustes e correes de rumo com maior presteza no mbito do PAE, mas vrios dados j foram usados para as modiicaes que eram cabveis e necessrias no sistema. A exemplo de outras coordenadorias do INAD, a de Pesquisa no se dedica apenas ao Programa de Alimentao Escolar: atua tambm na rea de sade, em parceria com vrias instituies. Algumas de suas linhas de trabalho foram estabelecidas h tempos, de maneira que j dispe de sries histricas de dados relativos ao estado nutricional da populao escolar e sobre prticas alimentares para crianas de at um ano de idade, com destaque para a amamentao, por exemplo. Para monitorar os fatores de risco e proteo sade dos adolescentes, outra de nossas linhas de pesquisa, distribumos questionrios entre alunos da rede municipal, com perguntas sobre hbitos alimentares, prtica de atividades fsicas, uso de drogas, sexualidade e sade bucal, entre outras, diz Sheila. Michelle acrescenta: o questionrio annimo. Como no h identiicao, os adolescentes icam mais vontade para responder. Perguntamos, inclusive, qual a imagem que fazem de si mesmos, se esto satisfeitos com sua altura e peso, se tomaram medicamentos para vomitar ou laxantes nos ltimos 30 dias. As tentativas de controlar o peso por essa via so feitas mais pelas meninas. Realizamos o primeiro estudo em 2003. E, com a mesma metodologia, fomos a campo novamente em 2007. Em termos de vigilncia de fatores de risco, o estudo foi pioneiro no Brasil. Originou a Pense (Pesquisa Nacional de Sade do Escolar), executada pelo IBGE, em 2009. H discusses peridicas com representantes de outros setores da prefeitura. Os que lidam diretamente com a sade do escolar utilizam os dados e sugestes em seu trabalho. Em parceria com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria), o INAD desenvolve um projeto para promover a alimentao saudvel. J foram produzidos alguns materiais destinados s escolas e creches, e outros para agentes comunitrios de sade, para uso durante suas visitas s comunidades. O projeto tem diversas vertentes e h quatro doutorandos envolvidos. Em uma das etapas, foram criados 12 prospectos, com frente e verso, que foram distribudos em pontos de venda de alimentos, para incentivar o consumo de frutas, verduras e legumes. Na primeira pgina havia uma descrio do alimento e, no verso, receitas e formas de preparo.

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alquiMia criativaSe fssemos nos guiar pela cabea da maioria dos estudantes, haveria s bife com batatas fritas na alimentao escolar, diz Andria Brito, nutricionista do INAD. No de duvidar. No entanto, como um dos propsitos do programa nutri-los para toda a vida com ideias sobre alimentao saudvel, as concesses gulodice devem ser mnimas. Alm disso, h fartura e diversidade: no programa de alimentao, o Rio de Janeiro est trabalhando com 105 itens neste ano, agrupados segundo a natureza dos produtos. Carnes, gros e, principalmente, frutas, legumes e verduras que, em geral, as crianas no tm o hbito de comer. Sem considerar safras e custos, na formulao dos cardpios algumas variveis so consideradas: a existncia de equipamentos adequados nas cozinhas e a mo de obra disponvel. A salada de tomate, por exemplo, foi abolida dos cardpios. As perdas eram muito grandes entre a entrega e o consumo do produto, que tambm dava muito trabalho para cortar. De outro lado, a Superviso Tcnica informa sobre a aceitao dos diversos itens do cardpio. Para evitar a excluso de alguns, que so recomendados para uma boa nutrio, fazemos uma alquimia nos cardpios. A beterraba j passou cozida no feijo, misturada com salsinha, cebolinha, com arroz. Por im, preparamos farofa de beterraba, que fez sucesso. O importante no descaracterizar o produto. As crianas devem reconhecer o que esto comendo. Percebemos que a rejeio da beterraba era maior quando servamos com frango. Talvez porque o suco tingisse a carne. No prximo cardpio colocaremos a beterraba uma vez no ms, mas com carne bovina, e tambm na farofa. Para ver se melhora ainda mais a aceitao, diz Ftima Frana.

para incentivar o O fgado tambm passou pela alquimia. Ensopado, ica diludo, consumo de alimentos como uma papa de mau aspecto. Ento algum sugeriu que saudveis pelos alunos, alguns deveria ser refogado, para se tornar mais consistente. Deu certo. produtos podem ser preparados de Agora ser testado com polenta e arroz. A frequncia com que formas diferentes at que se identiique servido determinado alimento tambm pode ser alterada, o preparo mais agradvel aos olhos e mas ele no ser retirado do cardpio. Caso contrrio, no se paladar dos estudantes. o importante faz educao alimentar. O programa, reiteramos sempre, tem no descaracterizar os alimentos, para funo pedaggica. Assim, alguns produtos icam na reserva para as crianas reconhecerem e se acostumarem com o que posterior reintroduo. J servimos ils de pescada e de merluza. esto comendo. Como estamos em regio costeira, onde h considervel oferta depescado, o peixe tem de entrar na alimentao escolar. Mas havia pessoas 29

Histrias gostosas de ler e boas de copiar com medo de crianas engasgarem. Mudamos para peixes com cartilagem. No intervalo aps a sada da pescada e da merluza, izemos maionese com sardinha. Mas havia o problema criado pela necessidade de manipular milhares e milhares de latas de sardinha, conta Andria Brito. Por sua vez, as merendeiras so orientadas para nunca deixar de fazer chegar o alimento ao prato de todos os alunos, por menor que seja quantidade. Ftima Frana conta que algumas so verdadeiras mestras na arte da persuaso: voc no vai comer isso que eu iz? Com todo o carinho? No vai ao menos experimentar?. Assim, mesmo que o aluno despreze o alimento vezes seguidas, ao inal, acabar experimentando. Para os adolescentes foi adotado o sistema self-service, com o objetivo de lhes dar liberdade. O que se espera que faam escolhas conscientes. Tal como a participao das merendeiras, a dos professores tambm considerada fundamental. Aqui, em todas as escolas, os professores fazem refeies junto com os alunos. Falam sobre alimentos e sobre o comportamento que se deve ter mesa. Tambm muito importante no exteriorizar suas opinies a respeito de determinados pratos. Certa vez vi uma professora fazer um gesto de desagrado ao saber pela cozinheira que a dobradinha estava no cardpio. Logo em seguida, uma criana de seis anos rejeitou a comida e disse cozinheira que no queria a dobradinha, repetindo o gesto da professora, diz Ana Frana.

a implantao de sistema self-service d mais independncia aos alunos na escolha da variedade e quantidade de suas refeies, mas para tal, importante que eles estejam educados para fazerem escolhas pertinentes.

vigilncia cErradaA professora Iracilda da Conceio Cncio de Ponte nunca tinha ouvido falar do Conselho de Alimentao Escolar (CAE) at se tornar presidenta da entidade, no Rio de Janeiro, em 2008. Escolhida como representante dos professores da rede pblica, ela resolveu se candidatar presidncia do conselho por ser diplomada em economia domstica e contar mais de 30 anos de carreira no municpio, tendo ocupado diversos cargos em escolas, em coordenadoria regional de ensino e mesmo no governo estadual, como assessora. Com tais qualiicaes, acabou eleita, por unanimidade, pelos demais conselheiros, em sua primeira reunio. Levei um susto ao descobrir que, entre outras responsabilidades, teramos de examinar as contas da prefeitura relativas alimentao escolar, diz Iracilda.

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Histrias gostosas de ler e boas de copiar No entanto, essas preocupaes logo icaram para trs. Segundo ela, a prefeitura tem mantido as portas sempre abertas para os membros do conselho, fornecendo tudo que necessrio ao bom desempenho do grupo. O que inclui carro para as visitas s escolas e uma sala com mobilirio completo, em dependncias da Secretaria de Educao. Ali, o CAE dispe de telefone, computador e outras comodidades. Os conselheiros normalmente participam de uma reunio mensal ordinria, mas tm encontros extraordinrios desde que necessrio. Fora isso, estamos em contato permanente, por meio da internet. Trocamos informaes e notcias. As visitas s escolas dependem de nossa disponibilidade, pois todos trabalhamos. Mas, quando h alguma denncia, procuro averiguar com a mxima urgncia. Peo logo um carro. Para isso, j utilizei at o automvel de meu marido. Felizmente, grande parte das denncias recebidas pelo CAE no chega a tirar o sono de ningum: as pessoas costumam reclamar da qualidade da comida. s vezes o arroz, ou o feijo, que no foi cozido por tempo suiciente, icando um pouco duro. Em outro momento, algum airma que uma merendeira no est uniformizada de acordo com o igurino, ou que a armazenagem de alimentos em determinada escola falha. Recebemos, ainda, comunicaes sobre fornecedores que no entregam mercadorias no dia certo, e sobre merendeiras insatisfeitas, por qualquer razo. No entanto, tambm h denncias de furtos de gneros alimentcios, que jamais conseguimos comprovar. No posso garantir que no ocorram, mas existem controles eicazes. Creio que se houver algum furto em escala muito pequena. De qualquer maneira, o CAE j participou de incidentes desagradveis, ainda que raros. Dependendo da gravidade da situao, a gente convoca o pessoal da coordenadoria regional, que normalmente acorre com presteza. Foi assim em um CIEP, onde h

a prefeitura deve banheiros nas proximidades do refeitrio. Para evitar mau cheiro, as fornecer equipamentos e faxineiras usavam creolina no local. O produto recendia e algum resolveu espaos para o bom andamento denunciar que havia descuido tambm na cozinha. Era verdade. Chamei a do trabalho do cae; ouvindo-o coordenadora regional, que exonerou a diretora da escola no ato. Posso sistematicamente, a prefeitura pode dizer que em todos os casos de denncia a prefeitura tomou as medidas fazer correes quando necessrio. necessrias para resolver os problemas. Nosso trabalho levado a srio. por outro lado, trabalho Em circunstncias normais, a equipe de visitas formada por duas ou trs do cae deve ser cooperativo! pessoas. Samos daqui s 8h, depois de escolher uma regio da cidade paratrabalhar. Nas escolas, nos apresentamos direo e seguimos imediatamente at as cozinhas. Depois vemos o resto, documentos etc. Atualmente, adotamos uma poltica 31

Histrias gostosas de ler e boas de copiar de visitar salas de aula, para conversar com os alunos. Perguntamos vrias coisas acerca da merenda a duas ou trs turmas. Quando no h nenhuma irregularidade, s vezes a gente consegue passar por trs escolas no mesmo dia. Chegando pela manh, se a situao estiver muito complicada, s deixamos o local ao inal da tarde. Como o mandato do atual conselho terminou em abril de 2011, icou resolvido que os conselheiros concentraram seus esforos para vistoriar escolas nas regies onde estiveram menos vezes. Algumas coordenadorias at cobram nossa presena, diz Iracilda. Para ela, o trabalho no CAE fascinante e a merenda, no Rio, excelente: estive em encontro nacional de alimentao escolar e iquei espantada com os relatos de determinados participantes. Eles falaram sobre suas experincias com crianas que tomam refresco em p porque as escolas no dispem de geladeira para armazenar polpa de frutas, por exemplo. Ou sobre crianas comendo apenas po com carne. Ou s po. Achava que nossa realidade era a realidade de todo mundo.

ExpErincia inditaA merenda, entendida como refeio ligeira, ainda existe no Rio de Janeiro. E se chama lanche emergencial individual. um cardpio especico para quando as escolas no podem servir as refeies habituais, devido a algum contratempo. Pode faltar gua na cozinha, por exemplo. O lanche consiste de uma bebida leite, suco ou iogurte , acompanhada de biscoito, doce ou salgado, e de uma fruta. Tal merenda consumida o ano inteiro pelos alunos do Creja (Centro Municipal de Referncia de Educao de Jovens e Adultos). Se comparado ao total de alunos da rede pblica carioca, esse grupo de pessoas diminuto. E o fato de comer s um lanche se deve s caractersticas da experincia que vive, indita no pas: a de se alfabetizar e cursar o ensino bsico frequentando a escola apenas duas horas por dia, de segunda a quinta-feira. Temos seis turnos dirios. O primeiro vai de 7h30 s 9h30. O ltimo comea s 20h e termina s 22h. Entre eles h intervalo mdio de 10 a 15 minutos. Servimos os alimentos durante esses intervalos, quatro vezes por dia. E o lanche suiciente para cobrir as necessidades dos alunos, pois sua permanncia aqui muito curta, diz a professora Cludia S Barreto Ribeiro, diretora-adjunta do Creja. Antes de ocupar o cargo atual, ela trabalhou por cerca de 20 anos com alimentao escolar, na Secretaria de Educao. Mas, como no Centro de Referncia o abastecimento de gneros alimentcios e sua 32

Histrias gostosas de ler e boas de copiar distribuio foram simpliicados ao mximo, Cludia pode se dedicar a outros assuntos administrativos. E a saborear por que no? a vitria da proposta inovadora do Creja, em companhia do corpo docente, da diretora fulana de tal e da coordenadora pedaggica fulana de tal. O Creja foi pensado para atender pessoas com idade superior a 15 anos, de todos os bairros do Rio, que normalmente exercem suas atividades proissionais no centro histrico da cidade, ou em suas imediaes. Por isso ocupa um sobrado restaurado, em pleno Saara a mais famosa regio de comrcio popular do municpio, onde mais de 600 lojas vendem imensa variedade de mercadorias. A localizao do sobrado torna o acesso escola mais fcil para a maioria dos alunos. Menos para um grupo reduzido, do qual faz parte dona Maria Galdina, de 84 anos, aluna aplicada, moradora de Realengo, bairro distante. Ela, que foi alfabetizada no Creja e est cursando o equivalente 5 srie do ensino fundamental, poderia ter optado pelo programa tradicional de educao de jovens e adultos, frequentando o curso em lugar mais prximo de sua casa. Porm, esses cursos tm quatro horas dirias de aulas, em geral, no perodo noturno. Alm da menor durao das aulas, o Creja tem outra vantagem indiscutvel: as turmas so pequenas, formadas de dez a doze alunos, em mdia o que permite aos professores dar assistncia adequada ao aluno, quase individualizada, diz a coordenadora pedaggica, Neyla Tafakgi. A formao contnua, de tal forma que os estudantes podem completar o ensino fundamental em quatro anos. Por tudo isso, o Creja emprega metodologia diferente e tem material didtico prprio. Em princpios de maro ltimo, havia 503 pessoas matriculadas, a maioria entre 20 e 40 anos de idade. No nos preocupamos em levantar uma estatstica rigorosa porque no fazemos esse tipo de diferenciao dos alunos por idade. Ao contrrio, at preferimos que as classes misturem pessoas de diferentes faixas etrias. Isso bem gratiicante para todos. Os adolescentes no discriminam os mais velhos e a convivncia harmnica, diz Neyla. Danilo da Silva Costa, morador do bairro de Santa Teresa e operrio da construo civil, concorda com Neyla. Ele abandonou a escola quando menino, passando a maior parte de seus 42 anos sem ler, nem escrever. Apenas assinava o nome. Matriculado desde o ano passado, na turma das 13h, declara: vim procurar o Creja para aprender. Estou progredindo e pretendo continuar. Ajuda muito o pessoal da turma ser legal, me dou bem com ele. O sucesso da metodologia utilizada patente. O entra e sai de candidatos a uma vaga constante. Entre eles, o nmero de pessoas no alfabetizadas muito grande. Ainda que faamos matrculas trs vezes por ano, em janeiro, maio e setembro, no conseguimos dar vazo a tanta procura porque nossas 33

Histrias gostosas de ler e boas de copiar turmas so pequenas. Desde a implantao do Creja, em 2004, temos formado de 100 a 150 alunos por ano. Eles saem para o ensino mdio e costumam retornar, dizendo que no esquecem da escola, que no h outra igual. E pedem para icar num cantinho..., diz a professora Vanda de Mattos Mendes, a diretora. Por vezes, os ex-alunos aparecem com uniformes de escolas do ensino mdio. Uma evidncia de que sua auto-estima est nas alturas. As coisas icam ainda melhores quando conseguem ingressar em instituies tradicionais, como o Cefet/RJ (Centro Federal de Educao Tecnolgica Celso Suckow da Fonseca). Foi o que izeram dois rapazes, de 19 e 20 anos, em 2009.

Contato Darcy Tadeu Xavier Campos Professor (21) 2976-2554 [email protected]

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ao p da lEtra

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Populao rea da unidade territorial (Km )2

2.371.151 331,400 134.586 167 0,841 0,57 0,839 238 R$11.260.589,00 R$3.568.633,00 138.448 4.746.659.897,00 --2010- Regio Sudeste 2009- Desempenho Administrativo-FinanceiroRegio SudesteFontes: IBGE, 2010. Ministrio da Educao, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais INEP Censo Educacional 2009. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000- PNUD/ONU. Prmio Gestor Eiciente da Merenda Escolar, 8 edio. Ministrio da Fazenda, Secretaria do Tesouro Nacional.

Matrcula ensino fundamental municipal (2009) Escola pblica municipal-fundamental (2009) Maior IDH Es Menor IDH Es IDH Mun N escolas municipais (pr escola e ensino mdio) Recursos transferidos pelo FNDE (2010) Complementao para compra de alimentos Alunos atendidos Receitas oramentrias realizadas (2008) Refeies servidas Premiao

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bElo horizontEao p da lEtraAs secretarias municipais de educao cuidam da merenda escolar em quase todas as cidades brasileiras. Em Belo Horizonte, a responsabilidade icou com a Secretaria de Abastecimento desde sua criao, em 1993. A passagem da merenda para a rbita do abastecimento foi ocorrncia natural no contexto da poca. Por meio da nova secretaria, a administrao do prefeito Patrus Ananias iria desenvolver, com sucesso, vrios projetos relacionados segurana alimentar da populao poltica que projetou a capital mineira no pas e no exterior. Maria ngela Girioli de Andrade, atual gerente de Coordenao de Programas de Assistncia Alimentar, acompanhou a mudana e participou das transformaes operadas no sistema desde o incio. Farmacutica-bioqumica e mestre em Cincia de Alimentos, ela mesma havia sido transferida da Vigilncia Sanitria para a Secretaria de Abastecimento. Ao chegar, integrou uma equipe formada por funcionrios da assessoria jurdica e do setor de compras para alterar, de maneira radical, os termos dos contratos com fornecedores. Embora tivesse efeitos saudveis sobre os cofres e a moralidade pblica, a nova cartilha no abriu de imediato um caminho suave para os administradores. O fornecedor, se puder, entregar s o que quiser, quando o mercado estiver a seu favor. Assim, a primeira licitao

na administrao acostumados, se revoltaram, conta ngela Girioli. Como lembrana pblica, para otimizar recursos desse e de outros momentos de tenso, ela tem pequenas imagens e melhor alcanar os objetivos, muitas da Sagrada Famlia e de Nossa Senhora Aparecida em um suporte vezes necessrio quebrar as tradies. de parede, perto de sua mesa de trabalho. Todas lhe foram no porque uma coisa sempre foi feita dadas por funcionrios solidrios: preocupados com o rumo das de uma determinada maneira que esta a coisas, eles pediam aos cus que a protegessem. ngela, que se mais adequada neste momento. importante considera crist, guarda as imagens com carinho (outros cones discutir, planejar e avaliar cada procedimento catlicos icam engavetados por falta de espao no suporte). De com o maior nmero possvel de pessoas toda forma, ela declara orientar seus passos segundo princpios e com disposio para aceitar morais e ticos que aprendeu em casa, aliados a uma certeza: no novas ideias.que realizamos quase terminou na polcia. Nossos fornecedores, mal podemos ter medo na vida, ele paralisante. 37

Histrias gostosas de ler e boas de copiar O tempo se encarregou de mostrar que as modiicaes nos contratos, impactantes e duradouras, conferiram solidez ao edifcio da merenda, melhoraram a alimentao escolar e criaram barreira eiciente contra a gula de amigos do errio. Tanto assim que, quase 20 anos depois, ngela Girioli airma com segurana: se tivesse de recomendar alguma coisa a quem administra projetos de alimentao de carter social, com recursos pblicos, diria que preciso comear por um bom edital de compra. E uma boa especiicao daquilo que se pretende comprar. Na Belo Horizonte de anos atrs, as especiicaes dos produtos eram muito simpliicadas: do edital poderia constar, por exemplo, macarro tipo espaguete. No havia meno a ovos, e muito menos quantidade de ovos por quilo de massa. Como a compra feita pelo menor preo, qualquer macarro ofertado teria de ser aceito. Com o feijo acontecia algo semelhante. Era s carioquinha, sem especiicao do tipo. E assim por diante. Hoje a prefeitura belo-horizontina compra feijo carioquinha tipo 1, de safra recente qualidade que se comprova pelo tempo de cozimento. Alm de exigir perodo maior de fervura, o feijo velho apresenta aspecto diferente na panela. Nesse caso, o consumo de gs pondervel em funo das quantidades preparadas e do nmero de escolas e de outras entidades que recebem gneros da prefeitura. Com o arroz diferente. Se for novo, no absorve gua e no passa no teste da caarola: o resultado da cozedura um aglomerado de gros duros, embora empapados. O tempo de cozimento determina o padro para o feijo. Para o arroz observamos tambm o rendimento, o quanto ele cresce em volume. Tal como o arroz e o feijo, cada produto descrito de forma precisa nos editais. E so comprados sempre os alimentos de melhor classiicao no mercado. Se existem duas categorias, a extra (superior) e a especial, por exemplo, o produto extra ser o escolhido. E a Secretaria de Abastecimento se tornou famosa entre os fornecedores pelo extremo rigor e transparncia com que administra os negcios da merenda. Mesmo assim, de vez em quando um problema recorrente aparece nos leiles eletrnicos, realizados para a compra de gneros alimentcios. Nessa modalidade de licitao, vence quem der o maior desconto sobre o preo de abertura, ixado pela Secretaria de Abastecimento com base em cotaes da Ceasa e de pesquisas de mercado realizadas pela Fundao Ipead (Instituto de Pesquisas Aplicadas) da UFMG. Como o leilo aberto a participantes de todo o pas, alguns indivduos que se julgam muito espertos acabam vencendo, com descontos exagerados. De acordo com ngela Girioli, 38

no processo de aquisio dos alimentos, recomendvel comear por um bom edital de compra e uma boa especiicao daquilo que se pretende comprar; nos contratos devem existir clusulas para garantia do pactuado.

Histrias gostosas de ler e boas de copiar trata-se de gente cevada em cofres de prefeituras que tem controles mais lexveis ou simplesmente no os tm, de modo que tais fornecedores costumam escapar de prejuzos faturando os produtos a preos mais altos, depois da licitao. Em leilo realizado ao inal de 2009, por exemplo, um concorrente ofereceu desconto de 30% no preo de determinado produto e saiu vencedor, para desgosto do pessoal da merenda. Por experincia, todo mundo sabia que os problemas no tardariam a surgir. Dito e feito. Os ecos do leilo ainda reverberavam quando o responsvel correu para pedir um reajuste do preo... Acabou espatifando-se contra o muro contratual, a toda velocidade. Embora esperneasse, diante da ameaa de punio, passou a entregar a mercadoria nas condies pactuadas. E continuou procedendo assim at o im de 2010. Gato escaldado. possvel que no volte a tentar fazer negcios com a prefeitura de Belo Horizonte. Ou ento aprender a calcular direito o desconto que lhe permitir ter lucro, abatidas as despesas, que so razoveis. O vendedor de produtos perecveis se compromete, entre outras obrigaes, a entregar os gneros em 590 entidades escolas, creches, abrigos, instituies para idosos e outras. E nesses pontos, as pessoas encarregadas de receber as mercadorias so treinadas para no aceitar nada fora dos padres de qualidade. Se isso acontecer, o vendedor obrigado a repor o lote em 24 horas. A ordem defender o interesse pblico de forma intransigente. Por isso, uma vez prontos os contratos aps os leiles, os vencedores tero uma nica chance de se avistar com ngela e esclarecer dvidas eventuais. Tudo est nos contratos, mas como sei que no prestam muita ateno no que leem, repasso cada documento com o interessado. Aviso que as regras esto valendo e que essa ser a nica vez que irei receb-los. Se eles no so agentes ilantrpicos, mas representantes de empresas que visam lucro, eu represento uma instituio pblica, no estou aqui para dar jeitinhos. E no adianta tentar agradar a equipe, que est proibida de receber presentes dos fornecedores. Certa vez, ngela exigiu a devoluo de um presunto ao remetente providncia que serviu de lio tambm para o pblico interno: algum mais afoito j havia mandado comprar pes para os sanduches... 39

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agEnda anualEm Belo Horizonte, a Secretaria de Abastecimento prov suprimentos para a prefeitura e para todos os programas municipais que ofeream algum tipo de alimento ao cidado. Estima-se que o contingente alcanado esteja perto de 10% da populao total, que da ordem de 2,4 milhes de habitantes. S nas 231 escolas do municpio estudam cerca de 180 mil alunos. A prefeitura ainda mantm creches, albergues, abrigos, subsidia uma rede de restaurantes populares e colabora com entidades conveniadas. So instituies ilantrpicas, ou de iniciativa comunitria de igrejas, por exemplo, ou de associaes de bairros. Entre elas h entidades que cuidam de idosos. A gerncia de ngela Girioli conta com cerca de 150 pessoas para atuar em todas essas reas do planejamento das refeies educao alimentar. Os cardpios dos diversos programas se amoldam ao peril da oferta sazonal dos hortifrutigranjeiros, pois os produtos de safra, alm de mais baratos, so de melhor qualidade. No entanto, h um ajuste ino a cada semana, a depender das informaes prestadas por um tcnico agrcola que iscaliza a qualidade das frutas, legumes e verduras no prprio armazm do fornecedor. Ele tambm acompanha a tendncia da oferta na Ceasa. Em dado momento, a abobrinha poder ser tima opo em termos de qualidade e quantidade, mas no o chuchu. O tcnico traz essas informaes para a equipe de planejamento. Com base nelas deinimos os produtos que sero enviados na semana s instituies que atendemos, diz ngela. Os fornecedores devem entregar os alimentos perecveis de segunda a quarta-feira. Para guard-los, todas as escolas dispem de geladeiras grandes de ao inox, ou espaos adequados nas despensas, assim como a linha completa de equipamentos para o preparo da merenda. Os no-perecveis so armazenados e distribudos pela prefeitura, que tambm est preparada para operar com hortigranjeiros produzidos pela agricultura familiar. Como se sabe, o Governo Federal tem criado mecanismos de apoio a essa categoria de produtores rurais. Atualmente, a legislao determina a aplicao de 30% das verbas federais para a merenda na compra de alimentos da produo familiar. Nos municpios onde o valor correspondente a esse percentual, seja igual ou inferior a R$100 mil, a prefeitura dever pagar o preo mdio de varejo ao produtor. Acima deste valor, o municpio comprar pelo preo que praticado nos contratos com outros fornecedores. 40

Histrias gostosas de ler e boas de copiar Belo Horizonte, que no tem rea rural, poderia nada comprar. Mesmo assim, fez alguns chamamentos pblicos em 2010, no mbito da PAA. Sem sucesso. O nico fornecedor que apareceu, de canjiquinha e fub, desistiu do negcio logo depois de ser habilitado. Na ocasio, a Conab cotava a canjiquinha a R$1,58/kg e o fub a R$1/kg. Ns pagvamos R$0,80 e R$0,60, respectivamente. E os produtores acreditam que a tabela da Conab est defasada! No querem vender e no comparecem. Para eles mais interessante colocar a produo nos pequenos municpios, ao preo mdio do varejo, diz ngela Girioli.

os cardpios devem ser adequados ao peril da oferta sazonal dos hortifrutigranjeiros. os produtos de safra, alm de mais baratos, so de melhor qualidade.

MoviMEnto constantEVeculos que transportam alimentos no-perecveis, comprados pela prefeitura de Belo Horizonte, convergem diariamente para um armazm localizado no bairro de Padre Eustquio. Maurcio Vitor Moreira normalmente tambm se dirige para l todos os dias, desde 1995. Ele o gerente de Armazenagem, Distribuio e Controle de Qualidade de Alimentos um veterano com 41 anos de servio pblico. A viagem de qualquer mercadoria at o armazm s pode comear depois de Maurcio, autorizado pela Secretaria de Abastecimento, fazer o pedido ao fornecedor. Na chegada, o produto conferido, assim como os laudos que atestam sua qualidade. Se tudo estiver correto, o material estocado e a nota iscal segue para o pagamento. Na distribuio, a secretaria informa por e-mail a quantidade de gneros que cada entidade deve receber. Uma pequena frota de caminhes e caminhonetes, de uma cooperativa de transportadores de cargas, leva os alimentos at o destino inal. A contratao de caminhonetes necessria porque caminhes no entram em qualquer lugar. Principalmente em becos estreitos de favelas, onde a experincia recomenda cautela, explica Maurcio: nossos veculos foram assaltados mais de uma vez nesses aglomerados, mas no h registros policiais das ocorrncias. S os nossos, internos. Se a polcia for chamada, as entregas posteriores sero prejudicadas. Felizmente, incidentes assim tm sido raros, pois motoristas e conferentes j explicaram a assaltantes que os alimentos so para crianas, que podem ser ilhas dos prprios criminosos. Tem funcionado, mas h lugares onde vamos s pela manh. Nesse horrio, bandido dorme. No armazm, o entra e sai de mercadorias no para. A frota cumpre a escala de entregas mesmo durante as frias, deixando as escolas abastecidas para o reincio das aulas. De qualquer maneira, o movimento nunca 41

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em cidades grandes, e outras funcionam ininterruptamente. Mesmo algumas escolas, em reas a circulao de veculos carentes, mantm seus portes sempre abertos por conta do programa sempre um problema. acresce-se a Frias na Escola. Os alunos comparecem e levam os irmos. At as este o problema da criminalidade que mes costumam aparecer e algumas ajudam as merendeiras. Maurcio diiculta a circulao de pessoas e carros resume assim as atividades em seu departamento, mas observa que nos horrios mais tardios e de mais fcil circulao. por isso, importante prever a rotina pode ser quebrada a qualquer momento para entregas de uma frota de veculos com dimenso emergncia, ou algum outro imprevisto. menor, que possa passar em A cooperao a regra, inclusive com outros rgos do municpio: qualquer lugar, pode ser cabe Secretaria de Abastecimento alimentar desabrigados. Eu estava uma soluo. em casa numa noite de 31 de dezembro, quando recebi a convocaopoderia cessar de todo. Ao contrrio: creches, abrigos, instituies para idosos para levar centenas de cestas bsicas para vtimas de um temporal. Samos de caminho para tambm pegar colches na Defesa Civil. Nessas ocasies, os restaurantes populares mantm planto para fornecer comida quente de imediato. Na verdade, durante as estaes chuvosas, representantes de vrias secretarias se renem com a Defesa Civil uma vez por semana para acompanhar a situao. Em 2009, izemos um trabalho de fato interessante, levantando reas de risco e tirando a populao antes das chuvas.

banco socialFrutas, legumes e verduras, em geral, tm vida curta em gndolas ou balces de supermercados. So descartadas com rapidez porque logo perdem as caractersticas mais atraentes do ponto de vista comercial, embora possam conservar suas propriedades nutritivas. Se forem amassadas no transporte, por exemplo, s vezes nem chegam a ser expostas. Em Belo Horizonte, a Secretaria de Abastecimento tem um banco de alimentos para receber e repassar doaes. A rede Carrefour, uma das grandes contribuintes, libera diariamente os produtos rejeitados em suas 17 lojas. Ns recolhemos, selecionamos e distribumos os alimentos, com aproveitamento muito alto, da ordem de 90%, diz ngela Girioli. Embora os hortifrutis predominem, o banco tambm recebe leo de soja, acar, feijo e outras mercadorias que estejam perto do vencimento, informa Carlos Henrique Pantusa, responsvel pelo programa. No inal de 2010, o banco tinha 68 clientes entidades apenas cadastradas pela Secretaria, mas sem qualquer convnio com o poder pblico. Elas no tm acordos formais com a prefeitura porque 42

Histrias gostosas de ler e boas de copiar no conseguem satisfazer os critrios exigidos. So muito precrias. Mesmo assim prestam servios comunidade. Por isso nossas nutricionistas tambm as visitam, passando informaes e orientao sobre as boas prticas que devem ser adotadas nas cozinhas. H outras 130 entidades cadastradas espera de atendimento. Primeiro tero de solucionar pendncias que envolvem documentos. Para isso, elas tambm j receberam orientao, diz Carlos Henrique. O banco de alimentos tambm dever receber produtos da agricultura familiar se a Secretaria de Abastecimento conseguir compr-los. Sabemos que nesse ramo a oferta muito inconstante em termos de qualidade e mesmo quanto ao tipo de produto. Suponhamos que a gente pea duas toneladas de cenouras, cinco toneladas de batatas e trs toneladas de chuchu para entrega numa segunda-feira. Pode acontecer que o responsvel resolva aparecer na tera, sem o chuchu, mas com o dobro da quantidade de batatas e cinco toneladas de mandioca, que no havamos encomendado. Para evitar problemas na distribuio, processaremos esses produtos. Eles sero descascados, picados, higienizados, embalados a vcuo e estocados sob refrigerao. Seu papel ser complementar no abastecimento, diz ngela.

cardpio atraEntEPode no haver causa nica para a obesidade, mas indubitvel que guloseimas tm forte peso na balana. Quem combate o consumo excessivo desses produtos pelos jovens disputa um cabo de guerra permanente com os fabricantes, que tm a propaganda sedutora como arma e, como aliados, os maus hbitos da vida moderna. A batalha tem sido desigual, conforme mostram as estatsticas: os ndices de obesidade e sobrepeso entre crianas e adolescentes aumentaram de forma alarmante nas ltimas dcadas. Nem sempre fcil convenc-los a consumir alimentao saudvel. Nessa faixa etria existe certa preferncia por alimentos mais calricos, mais salgados e mais doces, diz a nutricionista Andra Queiroz, gerente de Planejamento e Avaliao Nutricional na Secretaria de Abastecimento. Por isso a gente v jovens trocando o leite por refrigerantes ou sucos artiiciais. Ou alimentos bsicos por salgadinhos. No existe mgica para reverter de imediato esse quadro, to desfavorvel sade da populao, mas nutricionistas e educadores fazem o que est a seu alcance. Nas escolas, procuramos incluir alimentos bsicos no cardpio, de forma atrativa. Buscamos modos diferentes de prepar-los, para que a aceitao pelas crianas seja maior. preciso variar, airma Andra. Para isso, alguma ajuda pode vir de dentro de casa. Em Belo Horizonte, cozinheiras que trabalham em escolas participaram de dois 43

Histrias gostosas de ler e boas de copiar concursos de receitas, organizados pela Secretaria de Abastecimento. Os pratos deveriam ser saudveis, ter custo compatvel com o oramento e agradar o paladar dos alunos. Foram sugeridas preparaes muito interessantes. E as trs que conquistaram as primeiras colocaes agora fazem parte do cardpio. Uma delas o estrogonofe Vidigal, apresentado por uma cozinheira da escola que tem esse nome, um estrogonofe de frango com cenoura ralada e aveia, cereal que geralmente no muito bem aceito pelas crianas. Depois, para tornar o prato ainda mais atraente, adicionamos milho verde. Continua um sucesso, diz Andra. Inovaes no cardpio tambm ocorrem em funo dos mltiplos projetos educativos desenvolvidos nas nove regionais administrativas do municpio. A necessidade de inovar surge ainda quando h mudanas no sistema de ensino. A escola integrada exigiu o aumento do nmero de refeies nas escolas. E, portanto, maior variedade de pratos para que a merenda no casse na monotonia. O pessoal responsvel tem de ser criativo em vista de algumas restries. Andra comenta: nossa equipe elabora os cardpios de acordo com as recomendaes nutricionais, a idade dos alunos e o tempo de permanncia na escola. Levamos em conta os custos, devido s limitaes do oramento, e a infraestrutura disponvel nas instituies, o que elas tm para confeccionar os pratos. A maior parte dos gneros utilizados in natura ou semi-processada. Sobra pouco espao para os alimentos industrializados.

Esforo EducativoDifundir hbitos saudveis mesa signiica conquistar paladares e mentes. Assim, enquanto o departamento de Andra Queiroz se ocupa dos cardpios, Adilana Rocha Alcntara e sua equipe cuidam da Educao para o Consumo Alimentar. Formada em pedagogia e comunicao social, Adilana gerencia um grupo multidisciplinar, por necessidade do trabalho realizado: tendo a merenda escolar como prioridade bvia, a equipe se integra aos demais programas da Secretaria de Abastecimento e tambm participa de aes e projetos de outros rgos pblicos que tenham objetivos semelhantes. Promovemos a alimentao saudvel por meio de aes educativas e de comunicao. Nas escolas, primeiro chamamos a ateno dos professores e da coordenao pedaggica para a importncia do tema, pois a educao alimentar um processo contnuo e no adianta tentar levar o trabalho adiante se a escola no abraar a ideia. Normalmente organizamos oicinas com a participao de pais, crianas e adolescentes, abordando alimentao e sade, higiene na manipulao de alimentos e combate ao desperdcio. No h um padro 44

Histrias gostosas de ler e boas de copiar rgido para as oicinas. Elas se realizam de acordo com a infraestrutura de cada escola, com o peril do pblico e sua disponibilidade de tempo. Os professores devem dar continuidade ao processo. Para isso oferecemos material de apoio: cartazes, vdeos, banners, flderes.... Como a direo das escolas muda a cada dois anos, normalmente, a equipe de Adilana aproveita a oportunidade para entrar em contato com a nova diretora e com a coordenao pedaggica e se coloca disposio para fazer algum trabalho educativo. Para essa aproximao, Adilana preza muito o auxlio que recebe da superviso alimentar. As supervisoras conhecem a realidade das escolas, trazem demandas e identiicam os

educao professores que demonstram maior interesse pela educao alimentar. alimentar deve fazer parte do processo Na abordagem desse tema, o teatro um recurso poderoso. Uma ao mais pedaggico em qualquer fase ldica tem o poder de incentivar a fantasia da criana, que acaba aprendendo da vida escolar; um processo com prazer e levando informaes para casa, o que tambm importante. contnuo e deve envolver Como nem sempre temos recursos, nos unimos a outros grupos para apresentar toda a comunidade peas, esquetes e espetculos de fantoches. Em 2008, por exemplo, montamos educativa. Alice no pas das gostosuras, pea escrita por uma pedagoga, com nosso apoiotcnico. E levamos cerca de 15 mil crianas ao teatro. Em 2009, com a Secretaria da Sade, apresentamos O mundo fantstico dos alimentos, espetculo criado pela equipe de mobilizao da Sade, assistido por 6 mil crianas. Pretendemos retomar esse trabalho em 2011. Tambm faz parte das aes de mobilizao e educao para o consumo alimentar a capacitao do pessoal envolvido no preparo e distribuio dos alimentos nas escolas municipais e nas entidades conveniadas (creches, abrigos etc.). Quando entram em alguma dessas instituies, os proissionais, encaminhados pela equipe de superviso, fazem um curso de 20 horas-aula. No perodo, aprendem noes bsicas de nutrio; microbiologia; higiene, armazenamento e conservao de alimentos; tcnicas culinrias e relaes humanas no trabalho. E a cada dois ou trs anos o proissional pode retomar o programa inicial ou fazer um aperfeioamento. Normalmente h dois cursos por ms, em mdia, de maro a novembro, para turmas de cerca