gestão do sistema Único de assistência social-suas_unidade i

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Autora: Profa. Daniela Emilena Santiago Colaboradores: Profa. Amarilis Tudela Nanias Profa. Maria Francisca S. Vignoli Gestão do Sistema Único de Assistência Social - SUAS

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  • Autora: Profa. Daniela Emilena SantiagoColaboradores: Profa. Amarilis Tudela Nanias Profa. Maria Francisca S. Vignoli

    Gesto do Sistema nico de Assistncia Social - SUAS

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    Professora conteudista: Daniela Emilena Santiago

    A professora Daniela Emilena Santiago assistente social graduada pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), especialista em Violncia Domstica contra Crianas e Adolescentes pela Universidade de So Paulo (USP) e mestre em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (Unesp), campus de Assis/SP. Atualmente funcionria pblica do municpio de Quat/SP, atuando como assistente social junto Secretaria Municipal de Promoo Social. Exerce tambm a funo de docente e lder junto ao curso de Servio Social da Universidade Paulista (Unip), campus de Assis/SP.

    Partindo de sua vinculao UNIP, como docente atuante do curso de Servio Social no campus de AssisSP, emergiu a oportunidade de seu atrelamento tambm ao curso de graduao de Servio Social na modalidade SEI, prestada pela Unip Interativa, o que lhe proporcionou a oportunidade de ministrar aulas de diversas disciplinas nessa modalidade de ensino. Alm dessa insero, tambm ministrou, na modalidade SEPI, aulas da disciplina Poltica Social de Sade no curso de psgraduao de Gesto em Polticas Sociais, oferecido pela Unip. O vnculo com essa universidade tambm lhe possibilitou elaborar o presente material.

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrnico, incluindo fotocpia e gravao) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permisso escrita da Universidade Paulista.

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    S235g Santiago, Daniela Emilena.

    Gesto do Sistema nico de Assistncia Social / Daniela Emilena Santiago. So Paulo, 2013.

    164 p., il.

    1. Assistncia social. 2. Seguridade social. 3. Projetos assistenciais. I. Ttulo.

    CDU 364.62

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    Prof. Dr. Joo Carlos Di GenioReitor

    Prof. Fbio Romeu de CarvalhoVice-Reitor de Planejamento, Administrao e Finanas

    Profa. Melnia Dalla TorreVice-Reitora de Unidades Universitrias

    Prof. Dr. Yugo OkidaVice-Reitor de Ps-Graduao e Pesquisa

    Profa. Dra. Marlia AnconaLopezVice-Reitora de Graduao

    Unip Interativa EaD

    Profa. Elisabete Brihy

    Prof. Marcelo Souza

    Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar

    Prof. Ivan Daliberto Frugoli

    Material Didtico EaD

    Comisso editorial: Dra. Anglica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Ktia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valria de Carvalho (UNIP)

    Apoio: Profa. Cludia Regina Baptista EaD Profa. Betisa Malaman Comisso de Qualificao e Avaliao de Cursos

    Projeto grfico: Prof. Alexandre Ponzetto

    Reviso: Lucas Ricardi Giovanna Cestari de Oliveira

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    SumrioGesto do Sistema nico de Assistncia Social - SUAS

    APRESENTAO ......................................................................................................................................................7INTRODUO ...........................................................................................................................................................8

    Unidade I

    1 PERIODIzAO hISTRICA DAS AES EM ASSISTNCIA SOCIAL NO CENRIO INTERNACIONAL .................................................................................................................................................. 122 AS PROTOFORMAS INICIAIS DA ASSISTNCIA SOCIAL NO BRASIL: COLNIA, IMPRIO E REGIME MILITAR ........................................................................................................................... 153 A ASSISTNCIA SOCIAL DA DCADA DE 1960 AOS DIAS ATUAIS ................................................ 274 O SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL: ALGUNS APONTAMENTOS........................ 45

    4.1 Breve periodizao histrica sobre a previdncia social e a sade ................................. 454.2 A seguridade social na contemporaneidade ............................................................................. 49

    Unidade II

    5 CONTEMPORANEIDADE: LEGISLAO SOBRE A POLTICA DE ASSISTNCIA SOCIAL ........... 595.1 A Lei Orgnica da Assistncia Social (Loas) ............................................................................... 61

    6 A POLTICA NACIONAL DE ASSISTNCIA SOCIAL E OS BENEFCIOS, SERVIOS E PROGRAMAS CONSTITUDOS ..................................................................................................................... 75

    6.1 A proteo social bsica .................................................................................................................... 796.2 A proteo social especial ................................................................................................................. 856.3 Contrapontos: Programa Bolsa Famlia, Carto do Idoso, Projovem e Segurana Alimentar .................................................................................................................................. 92

    7 A QUESTO DA GESTO DA POLTICA DE ASSISTNCIA SOCIAL ................................................1037.1 A Norma Operacional Bsica do Sistema nico da Assistncia Social e a Norma Operacional Bsica de Recursos humanos ......................................................................115

    7.1.1 A Norma Operacional Bsica do Suas .......................................................................................... 1167.1.2 A Norma Operacional Bsica dos Recursos humanos do Suas..........................................121

    8 O PLANEJAMENTO, ELABORAO, ExECUO, MONITORAMENTO DOS PLANOS, PROGRAMAS E PROJETOS ASSISTENCIAIS ..............................................................................................132

    8.1 Parmetros para a Atuao de Assistentes Sociais na Poltica de Assistncia Social .......................................................................................................................................139

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    APrESEntAo

    Comeamos nossos estudos com uma provocao. Analise a imagem a seguir:

    Figura 1 Rua na favela Mandela, no Rio de Janeiro

    Cabe destacar que nela temos uma reproduo de uma rea da favela Mandela, que est localizada na zona Norte do Rio de Janeiro.

    Pode ser que essa imagem tenha motivado voc, prezado aluno, a uma srie de pensamentos, mas o que deve se tornar presente em sua anlise, com toda certeza, que nem toda ao em prol da classe mais empobrecida que includa na legislao , de fato, aplicada conforme deveria. Muitos so os fatores que colaboram para que isso acontea e um deles, a nosso ver, a falta de informao sobre os direitos sociais de grande parcela da populao e tambm por parte de alguns trabalhadores da rea de assistncia social.

    O princpio necessrio efetivao de direitos sociais so o conhecimento e a informao, sobretudo por parte dos trabalhadores da rea social, que sero os principais mediadores nesse sentido. Por isso, essa disciplina pretende oferecer as informaes necessrias compreenso do sistema de seguridade social brasileiro, que , como sabemos, um dos principais mecanismos de efetivao dos direitos sociais. No entanto, dentro da compreenso sobre esse sistema, nossa ateno estar especialmente voltada ao entendimento da poltica de assistncia social. Figura assim, como objetivo geral do plano de ensino da disciplina Compreender o Sistema de Seguridade Social Brasileiro, com especial ateno para a poltica de assistncia social, a fim de oferecer uma habilitao na formulao e na gesto da poltica social e dos respectivos planos, programas e projetos da rea de interveno.

    Com tal intento a alcanar, vamos estudar as protoformas inicias das aes voltadas seguridade social, destacando as intervenes em assistncia social para oferecer posteriormente informaes sobre a sua atual constituio. No que concerne s protoformas iniciais tambm, ser feita meno a aes empreendidas no cenrio internacional, haja vista que tais experincias condicionaram sobremaneira as prticas aqui adotadas.

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    Tendo esse arcabouo como referncia, ser possvel compreender a poltica de assistncia social e atuar em prol da defesa dos direitos sociais dos segmentos empobrecidos, atendendo, assim, ao disposto no compromisso ticopoltico de nossa profisso.

    Alm disso, tambm importante observar que a assistncia social tem se constitudo como um dos campos que mais tem empregado assistentes sociais. Com base em uma anlise pautada no senso comum, temos visto a cada dia a ampliao dos espaos scioocupacionais vinculados ao Planto, ao rgo gestor, ao CRAS, ao CREAS e tambm junto toda a rede socioassistencial que tem se constitudo para atender s demandas trazidas pela poltica de assistncia social. No sentido em pauta, fundamental a informao sobre essa importante rea de atuao que cada vez mais vem sendo galgada por ns, assistentes sociais.

    .IntroDUo

    O sistema de seguridade social brasileiro foi concretizado no Brasil somente a partir da Constituio de 1988. A partir de ento passam a compor tal sistema as polticas sociais de sade, assistncia social e previdncia social, sendo que as duas primeiras so polticas que passam a ser universais, de primazia de responsabilidade do Estado e para as quais no necessria contribuio para ser atendido.

    Partindo da delimitao do Sistema de Seguridade Social outras normas e legislaes foram geradas para melhor regulamentar os servios da rea de sade, previdncia social e assistncia social. Especificamente em relao assistncia social observamos que somente a partir do ano de 2004 que essa assumiu um lugar de destaque no cenrio nacional. Isso porque foi somente a partir de ento que as aes idealizadas no ano de 1993, por meio da promulgao da Lei Orgnica da Assistncia Social (LOAS), tiveram um ordenamento buscando a padronizao da poltica em todo o territrio nacional.

    A compreenso dessas aes relacionadas assistncia social na contemporaneidade requer a apropriao de todo o arcabouo legal que rege e orienta as aes que esto vinculadas a tal poltica. Requer tambm a compreenso de experincias prticas e que demonstrem como os dispositivos legais tm sido colocados em prtica na realidade brasileira. Demanda ainda a compreenso de como prticas basilares e vinculadas caridade privada vieram a se tornar aes que buscam garantir a proteo social dos segmentos vulnerveis em nossa sociedade contempornea.

    Para atingir essas compreenses, o presente material foi composto com duas unidades, sendo que na unidade I ser feita referncia s prticas que foram desenvolvidas nos estgios mais primitivos do gnero humano no cenrio internacional. Tambm estudaremos as aes organizadas no Brasil, desde o estgio colonial at a contemporaneidade. Com esse pano de fundo ser possvel compreender qual foi a histria de desenvolvimento das aes relacionadas seguridade social e assistncia social em algumas partes do mundo e no nosso pas.

    J a unidade II ir discorrer sobre a legislao que atualmente disciplina as aes em assistncia social no Brasil. Tambm nessa unidade sero discutidos os benefcios, programas e servios que so organizados com base na norma legal estudada bem como com relao ao aspecto da gesto da poltica de assistncia social. Isso tornar possvel uma compreenso sobre os aspectos legais que disciplinam a

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    assistncia social na atualidade. Ainda na unidade II vamos estudar os documentos que orientam a ao do assistente social junto a essa poltica.

    Aps as unidades, so inseridos exerccios que recomendamos que voc busque realizar, bem como os inseridos na plataforma Blackboard, a fim de avaliar sua aprendizagem sobre o tema estudado. Para aprimorar seus conhecimentos, ainda recomendamos a leitura dos itens dispostos nos indicadores Saiba mais, Observao e Lembrete que esto distribudos no curso do texto.

    Tendo tais colocaes arroladas, convidamos voc a iniciar seus estudos pelo percurso histrico no cenrio internacional para, depois, passarmos aos demais contedos.

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    Gesto do sistema nico de assistncia social - sUas

    Unidade IDireitos Humanos

    Clera

    Oh! Oh! Oh! Oh! Oh! Oh! Oh!

    Quando eu passo a noite nas esquinas

    Esperando um nibus que nunca vem

    Vejo mulheres prostitudas

    Tento imaginar porqu,

    Vejo moleques rasgados, perdidos

    No tem um amigo mas porqu?

    D UMA OLhADA PRA ESTAS VIDAS!

    D UMA OLhADA PRA ESTAS VIDAS!

    ONDE ESTO, ONDE ESTO

    OS DIREITOS DE VIVER???

    Eu me lembro falam na declarao

    Que nascemos LIVRES, LIVRES POR IGUAIS.

    Mas no entendo se escolhemos

    Ou se algum escolheu por ns

    No est certo, alguns to ricos

    Outros no tm nem um amigo...

    Fonte: Clera (1986).

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    Unidade I

    Na msica do grupo Clera vemos uma crtica negligncia dos direitos sociais de determinados segmentos sociais. Apesar de hoje termos uma legislao que busca garantir a proteo social, sabemos que nem sempre o que est posto em lei colocado em prtica. Dessa forma, temos muito a construir para a efetivao das polticas sociais e de um sistema de proteo social bsico forte e consolidado. Essa construo passa portanto pela compreenso do desenvolvimento histrico das aes em poltica social.

    As protoformas das aes em poltica social no cenrio internacional que iremos estudar fazem meno a prticas organizadas pela caridade privada e ainda a aes que foram regulamentadas pelo Estado, em diversos pases do mundo. Vamos assim conhecer os primrdios das aes em prol dos segmentos empobrecidos em diversos estgios de desenvolvimento do gnero humano.

    1 PErIoDIzAo hIStrIcA DAS AES Em ASSIStncIA SocIAl no cEnrIo IntErnAcIonAl

    Prezado aluno, vamos iniciar nossas incurses pela rea da assistncia social. Vamos nos aproximar da realidade observada no cenrio internacional por meio da retomada das principais aes desenvolvidas pela caridade e pelo Estado em determinados pases. Isso porque essas aes influenciaram sobremaneira as aes organizadas no Brasil. preciso notar que nem todas as aes organizadas estaro especificamente relacionadas assistncia social, mas demonstram a inteno de proteger os segmentos mais vulnerveis de determinadas comunidades em perodos histricos determinados.

    observao

    As primeiras aes de que temos notcia foram as confrarias do deserto.

    Martinelli (2009) nos diz que as confrarias do deserto foram organizadas em 3000 a. C. e tinham como objetivo prestar auxlio concedendo alimentos, remdios, roupas e calados s pessoas que desejavam viajar pelo deserto. Com o tempo, essas confrarias foram se concentrando nas pequenas cidades que haviam surgido, onde ofereciam meios de subsistncia queles que precisavam. Nesse caso as pessoas no estavam interessadas em passar pelo deserto e recorriam s confrarias apenas para ter suas necessidades atendidas. Essas organizaes seriam comuns, de acordo com a autora, no Egito, na Grcia, na Itlia e tambm na ndia.

    Essas prticas de ajuda ao prximo teriam sido estimuladas a partir do surgimento do cristianismo, que pregava a ajuda e o amor ao prximo. Dentre as inmeras recomendaes sobre o cuidado com o outro se destacou a filosofia de So Toms de Aquino, que surgiu no sculo xII. Sua obra constituiu aquilo que ficou conhecido como filosofia tomista, que pressupunha que os catlicos deveriam se organizar para atender aos segmentos mais pobres (MARTINELLI, 2009).

    J durante a Idade Mdia, as aes em prol do segmento empobrecido declinaram consideravelmente. Como sabemos, esse era um perodo em que a sociedade estava assentada em uma organizao

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    Gesto do sistema nico de assistncia social - sUas

    social composta por servos, senhores feudais e a Igreja. Nesse contexto, a Igreja ditava as normas de pensamento, de ao da sociedade, os senhores feudais detinham os modos de produo e os servos detinham apenas sua fora de trabalho.

    Assim, segundo Faleiros (2000), nesse contexto as aes de caridade eram empreendidas pelos senhores feudais, desde que desejassem empreendlas. No entanto, a concesso de determinados bens ou servios era usada como uma forma de garantir a servido do atendido. Alm disso, essa concesso s acontecia se o senhor feudal assim o desejasse, ou seja, no havia nenhuma lei ou dispositivo que o obrigasse a cuidar dos trabalhadores.

    Com o declnio do regime feudal, outras formas de proteo foram sendo construdas. No podemos dizer que essas aes fossem especificamente de assistncia social, mas eram aes que buscavam proteger os segmentos mais vulnerveis.

    Passemos, ento, a descrever essas aes de maneira sinttica.

    No ano de 1349 tivemos a publicao do Estatuto dos Trabalhadores. Segundo esse estatuto, todas as pessoas com menos de 60 anos de idade deveriam trabalhar. Por isso deveriam receber um salrio que tinha como referncia um teto mnimo (BEhRING; BOSChETTI, 2010).

    Em 1351, na Gr Bretanha, o rei Eduardo III fixou a Lei dos Trabalhadores. Segundo essa lei, os trabalhadores deveriam ter os salrios fixados e era proibido que se mudassem sem autorizao (PEREIRA, 2011).

    No ano de 1530, o rei henrique, na Frana, delimitou que as parquias deveriam arrecadar recursos entre os fiis e repasslos para os mais pobres. O rei henrique delimitou tambm que crianas e adolescentes que no podiam trabalhar fossem recolhidos nos asilos. Nesse perodo o pobre era compreendido como vagabundo (PEREIRA, 2011).

    J em 1563 foi criado o Estatuto dos Artesos, que disciplinava que poderiam ser considerados artesos apenas os que tivessem ao menos sete anos de atuao e, em 1531, foi publicada a popular Lei dos Pobres que falava sobre a mendicncia e sobre o cuidado a ser conferido pobreza. A mendicncia, com a lei, passou a ser proibida e o pobre apanhado mendigando podia ser severamente punido. A assistncia conferida deveria ser paga com o trabalho do pobre, que acontecia sempre nas workhouses (BEhRING; BOSChETTI, 2010).

    No ano de 1576, na Frana, os pobres foram divididos em vlidos e invlidos, sendo os vlidos aqueles que podiam trabalhar e os invlidos aqueles que no tinham condio de exercer trabalho. Como todos deveriam trabalhar, os tidos como vlidos iam para as workhouses conforme dissemos anteriormente (FALEIROS, 2000).

    No ano de 1662 foram organizadas duas leis, a Lei de Domiclio e a Speenhanland Act. A Lei de Domiclio delimitava que os trabalhadores no podiam se mudar, e a Speenhanland Act determinava que os homens desempregados deveriam receber a ajuda do Estado, tomando como base a referncia do preo do po (BEhRING; BOSChETTI, 2010).

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    Unidade I

    No ano de 1834 surgiu a nova lei dos pobres, ou a chamada lei revisora da lei dos pobres, que tornou a ajuda conferida ainda mais seletiva e residual. Behring e Boschetti (2010) nos dizem que essa lei foi seguida at o segundo psguerra. Assim, no tivemos, no cenrio internacional, intervenes empreendidas pelo Estado. No caso, imperava o ideal neoliberal segundo o qual no conveniente que o Estado intervenha na regulao econmica e nos problemas sociais.

    Behring e Boschetti (2010) nos dizem que a partir de 1930 todo o mundo capitalista foi abalado por uma grande crise. Como alternativa a essa crise, foi elaborada por Keynes uma proposta de interveno segundo a qual seria necessria a interveno do Estado para recuperar a economia. Nos termos postos, Keynes recomendava que o Estado buscasse intervir na regulao econmica e nos problemas sociais.

    No que diz respeito interveno nos problemas sociais, Keynes trouxe a ideia do pleno emprego, que era a recomendao da garantia de renda mnima para todas as pessoas que pudessem trabalhar. Para os segmentos que no tinham condies para o trabalho, como crianas, idosos e pessoas com deficincia, Keynes recomendava que o Estado operacionalizasse a transferncia de renda para que os mais pobres pudessem alcanar alguma renda. No caso, para Keynes, se as pessoas possussem renda, iram consumir e, consumindo, o mercado voltaria a crescer; consequentemente, a crise seria superada (COUTO, 2010).

    Keynes enfatizou assim a necessidade da consolidao de polticas sociais, do pleno emprego e de um sistema de proteo social pautado na poltica de assistncia social. Muitos pases aderiram aos ideais de Keynes, que ficaram conhecidos como keynesianismo e Estado de bemestar social ou welfare state. No entanto, apesar da mesma fonte ideias de Keynes no houve um padro nico de aes executadas pelos pases.

    Durante certo tempo, a proposta keynesiana conseguiu manter os ndices de crescimento capitalistas, mas na dcada de 1970 houve outra crise capitalista. Por ocorrncia desta, as buscas aos responsveis pela nova instabilidade econmica comearam. Chegouse concluso de que a responsabilidade pela crise era do Estado, que investia demais nas expresses da questo social e na regulao econmica. Grande terico representante dessa corrente de pensamento foi hayek (COUTO, 2010).

    a partir de ento que vemos o surgimento da doutrina social que se convencionou denominar neoliberalismo. Para essa corrente terica, os Estados no deveriam gastar com a rea social, pois se o fizessem poderiam se tornar pases ingovernveis. A partir de ento vemos que os direitos conseguidos e alcanados pelo argumento keynesiano comearam a ser perdidos, desconstrudos, o que precarizou a vida das pessoas que dependiam desses servios sociais.

    Tambm em nosso pas tivemos uma experincia similar a essa, que estudaremos a seguir.

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    Saiba mais

    Recomendamos os filmes a seguir, por representarem o perodo que estudaremos:

    GERMINAL. Dir: Sergio Resende. Frana/Itlia/Blgica: Joaquim Vaz de Carvalho, 1993. 132 minutos.

    O CORTE. Dir: Costa Gavras. Frana/Blgica/Espanha: K.G. Productions, 2005. 122 minutos.

    SEGREDOS e mentiras. Dir: Mike Leigh. Inglaterra/Frana: Mike Leigh, 1996. 142 minutos.

    UM DIA, um gato. Dir: Wojtech Jasny. Tchecoslovquia: Jiri Brnecka; Wojtech Jasny, 1963. 90 minutos.

    2 AS ProtoformAS InIcIAIS DA ASSIStncIA SocIAl no BrASIl: colnIA, ImPrIo E rEGImE mIlItAr

    Saiba mais

    Para conhecer um pouco mais sobre a organizao poltica e social recomendamos os filmes:

    GETLIO Vargas. Direo: Nei Sroulevich. Brasil: Globo Vdeo, 1974. 76 minutos.

    JANGO. Direo: Silvio Tendler. Brasil: Caliban, 1984. 117 minutos.

    OLGA. Direo: Jayme Monjardim. Brasil: Bruno Weiner, Marc Beauchamps, 2004. 141 minutos.

    extremamente dificultoso precisarmos quando teriam surgido as primeiras aes em assistncia social em nosso pas. O que temos uma srie de eventos e aes organizados pela caridade privada e pela Igreja Catlica para socorrer os segmentos desvalidos e desprotegidos que no estavam inseridos no mercado de trabalho. Isso posto, vejamos as principais informaes sobre essas aes considerando o perodo da colnia, imprio e regime militar. No que concerne ao regime militar, temos que considerar apenas o perodo entre a dcada de 1930 a 1960.

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    Unidade I

    O regime colonial em nosso pas durou dos idos de 1500 a 1822. Consideramos extremamente importante e relevante que voc conhea no apenas as intervenes organizadas em assistncia social, mas tambm a organizao poltica, econmica e a situao social desse perodo to importante da histria de nosso pais.

    observao

    Colnia: perodo histrico estimado entre 1500 e 1822.

    Couto (2010) nos diz que a organizao poltica estava estritamente atrelada organizao econmica no Brasil Colnia. O poder poltico pertencia aos grandes proprietrios de terra. Apesar de o comando da colnia estar nas mos da metrpole, no Brasil, com o tempo, foram sendo organizadas as Cmaras Municipais para a gesto das pequenas cidades e tambm da zona rural. E, nesses espaos, quem detinha o poder poltico eram os grandes fazendeiros.

    A sociedade era extremamente patriarcal e fundada em valores que reforavam uma suposta supremacia masculina. O homem deveria fazer a gesto da casa, da famlia, chegando at a definir onde a mulher deveria deixar os mveis e com quem os filhos deveriam se casar. Destacase, segundo Couto (2010), o fato de que parte desse ideal era aceito socialmente porque as instituies como a Igreja e o Estado fortaleciam essa crena na supremacia masculina. Portanto, cabia apenas ao homem o governo do pas.

    Mas observe que no era qualquer homem que poderia deter o poder poltico. Isso era direcionado especialmente aos grandes proprietrios de terra, ou seja, eram apenas os fazendeiros e os que possussem um determinada condio econmica que poderiam ter acesso a instncias de poder.

    No que diz respeito organizao econmica, Couto (2010) nos diz que na colnia havia grandes latifndios e por isso mesmo o modo de produo dominante estava relacionado produo de gneros agropecurios. Destaca a autora que eram predominantes na produo econmica colonial os gneros canadeacar, borracha e a grande estrela, digamos assim, de nosso pas, o caf. Tambm eram expressivas a minerao e a extrao do paubrasil.

    No entanto, a riqueza era destinada a uma minoria, assim como at hoje, alis. Na colnia, a populao cresceu rapidamente e grande parcela da povo vivenciava situaes de extrema pobreza ao passo que outros segmentos, pouqussimos, conseguiam ter uma vida cheia de privilgios. Siqueira (2009) nos informa que o perodo colonial foi marcado por profunda estratificao social e intensa pobreza.

    Surge, ento, a questo: como eram atendidos, ou, melhor dizendo, o que era feito pelas pessoas que eram pobres? O fato que havia apenas a interveno da caridade privada, da caridade da Igreja Catlica e de alguns proprietrios de terra.

    Jesus et al. (2004) destacam como aes da caridade privada e da caridade da Igreja Catlica a organizao de bodos, mercearias e esmoleres. Os bodos eram equipamentos destinados a operacionalizar a distribuio de alimentos para os segmentos empobrecidos. Os alimentos eram arrecadados por

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    pessoas vinculadas Igreja Catlica, junto aos fiis mais abastados e eram redistribudos para as pessoas mais pobres. No entanto, aes como essa no eram contnuas, desenvolvidas com um padro regular, e dependiam em grande medida das doaes oferecidas, que eram eventuais e incertas, visto que eram aes espontneas, ou seja, realizadas por pessoas que o faziam porque queriam e no porque tivessem qualquer obrigao de fazlo.

    As santas casas eram instituies mantidas pela Igreja com recursos arrecadados entre os fiis e

    ainda com parcas doaes das Cmaras Municipais. As santas casas atendiam pobres, doentes, presos, alienados, rfos, desamparados, invlidos, vivas pobres e at mesmo mortos sem caixo, providenciando para eles um enterro. Os escravos no tinham direito a esse atendimento.

    Essas instituies surgiram por meio de uma ao de caridade da Irmandade Misericrdia Imaculada da Igreja Catlica. Pressupunhase que os catlicos deveriam ser caridosos e ajudar os outros. Isso est relacionado a um movimento de contrarreforma da Igreja Catlica, que buscava reconquistar os fiis que vinham cada vez mais se afastando da f catlica e procurando outros espaos de expresso religiosa. Por meio dessas aes, buscavase construir uma nova imagem da Igreja e de seus fiis (SIQUEIRA, 2009).

    lembrete

    Rodas dos expostos: espaos destinados ao acolhimento de crianas abandonadas por seus familiares.

    As rodas dos expostos, por sua vez, eram equipamentos que acolhiam crianas enjeitadas. Via de regra as crianas eram abandonadas por pais que no possuam condies financeiras de cuidar de seus filhos, ou por serem frutos de relaes de adultrio. Alm disso, muitos pais dessa poca acreditavam que os filhos poderiam ser melhor cuidados e teriam mais chances de sobrevivncia se fossem atendidos pela roda.

    A ttulo de exemplo, veja as imagens a seguir. Elas so do heliotherapium, uma instituio criada no Rio de Janeiro e que possua as mesmas caractersticas das rodas dos expostos.

    Figura 2 Visita do professor Martinez Vargas ao heliotherapium, em 19 de novembro de 1927

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    Figura 3 Os concorrentes do 19 Concurso de Robustez do Ipa, s.d.

    Apesar da imagem representativa, no podemos entender que essas instituies ofereciam um servio qualificado para as populaes com as quais atuavam, muito pelo contrrio. Rizzini e Rizzini (2004) nos dizem que grande parte dos atendidos morriam. Na poca no havia uma medicina que lhes permitisse sobreviver s doenas e tampouco o cuidado necessrio para as crianas atendidas. Outro complicador nesse processo era o fato de que os atendidos eram misturados a outras pessoas, ou seja, eram acolhidos vrios segmentos sociais, sem discriminao por necessidades ou diferenas.

    J os esmoleres existiam para que fossem arrecadadas e repassadas esmolas. A arrecadao acontecia junto aos segmentos mais abastados e o que era conseguido era repassado aos cofres pblicos. Por sua vez, os valores arrecadados eram destinados pelos cofres pblicos para atender a expostos, sobretudo nas rodas.

    J os escravos eram responsabilidade dos proprietrios de terra aos quais pertenciam. Couto (2010) nos informa que os escravos eram tidos como propriedade dos fazendeiros, logo cabia a esses fazendeiros definir o que seria a eles concedidos ou no. A anlise de Couto (2010) compreende que isso inaugura a assistncia social como uma poltica de benesse, de favor, j que o escravo poderia ser agraciado com algum favor se o senhor assim desejasse.

    A esse respeito Mattoso (1995) informa que o proprietrio da terra (e consequentemente do escravo), podia dispor da vida deste, assim como dos filhos nascidos de relaes entre os escravos. Assim, o beb nascido de escravos era propriedade do senhor, podendo, inclusive, ser vendido se esse assim o desejasse. Competia, portanto, ao proprietrio da terra a ateno s necessidades das crianas escravas.

    O tratamento dos senhores da terra conferido aos escravos era representativo da forma como eram vistos os escravos por seus senhores, via de regra, como mercadorias. Observe a seguir representao da tela de Debret que expressa a forma de tratamento conferida a esse segmento da populao durante o regime colonial.

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    Figura 4 Palmatria, de Debret

    Mas e o Estado, como era seu posicionamento no perodo?

    importante pontuar que no temos um Estado forte nesse momento em nosso pas. Conforme j dissemos, o governo estava expresso nas cmaras municipais, que eram geridas pelos proprietrios de terra, os que detinham na poca o poder econmico.

    Couto (2010) nos diz que o poder poltico da poca no se colocava em prol da defesa dos segmentos empobrecidos residentes na colnia. Observamos assim que, em seu incio, o Brasil foi influenciado pelos ideais liberais. Nesse sentido, temos um Estado que no intervm nos problemas sociais e somente realiza intervenes pontuais para regulao da economia. As aes empreendidas pelo Estado buscavam principalmente defender os interesses individuais das classes mais ricas.

    Veja o quadro a seguir que sistematiza as informaes tratadas at o presente momento.

    Quadro 1 - Sistematizao das informaes sobre o Perodo Colonial

    Organizao econmica Grandes latifndios e trabalho escravo

    Organizao Poltica

    Poder poltico destinado aos proprietrios de terra

    Influncia do liberalismo

    Aes junto aos segmentos empobrecidos

    Bodos, Mercearias e Esmoleres

    Aes dos proprietrios de terra

    observao

    Imprio o perodo estimado entre 1822 e 1889.

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    O Perodo Colonial chegou ao fim em de 1822, quando inauguramos um novo momento na histria de nosso pas. Inaugurase, ento, o Imprio, que perdurou at 1889.

    No que diz respeito organizao econmica, ainda perdura a predominncia das atividades relacionadas agricultura em nosso pas. Predominam assim as atividades econmicas relacionadas agricultura e pecuria. Mas, segundo Couto (2010) no Perodo Imperial que temos a consolidao das bases do sistema capitalista no pas, pois nesse momento que temos o estmulo s iniciativas de livre comrcio. Entre outras coisas, em decorrncia do surgimento do capitalismo que ocorre o declnio e a extino do trabalho escravo.

    Com as bases do sistema capitalista sendo constitudas, temos o declnio da imagem do fazendeiro proprietrio de terra da aristocracia cafeeira. Observamos ento o surgimento, ainda tmido, de uma nova figura economicamente dominante: o novo burgus. Contudo, ainda eram os latifundirios os detentores do poder poltico. Data desse perodo a criao da Assembleia Nacional Constituinte, que era composta apenas por representantes dos segmentos mais ricos da sociedade brasileira (BEhRING; BOSChETTI, 2010).

    E a partir do desenvolvimento das protoformas iniciais do sistema capitalista que temos tambm um processo lento de urbanizao de nosso pas. A urbanizao est relacionada constituio das pequenas indstrias, ainda que muito rudimentares. Aos poucos, a populao, vai migrando das regies rurais para as regies urbanas.

    Mas o que demarcou esse perodo como divisor de guas na histria brasileira foi a vinda da corte portuguesa para o Brasil. Couto (2010) informa que essa vinda est relacionada s guerras napolenicas, que afetaram o poder de Portugal. Inicialmente o poder no Brasil foi assumido por D. Joo VI, que foi sucedido por seu filho, D. Pedro I.

    Mas a vinda da corte portuguesa para o pas no provocou alteraes significativas no sentido da interveno junto pobreza. Foram mantidas as intervenes por meio das santas casas, das mercearias e dos esmoleres. Nesse sistema, permaneciam excludos os escravos, escravos libertos e tambm trabalhadores, que deveriam ser socorridos pelos empregadores.

    A nica inovao do perodo se deu no mbito da legislao. A Constituio de 1824, em seu artigo 179, estabelecia que as cmaras deveriam conferir socorro s santas casas e s rodas dos expostos. Ainda no artigo em questo, recomendavase o cuidado com os rfos, com os doentes e propunhase a vacinao da populao (JESUS et al.,2004).

    Na constituio ainda se dizia que deveria haver eleio direta, mas nela s poderiam votar homens com vinte e cinco anos ou mais e que possussem renda mdia de 100 mil ris. Para Jesus et al. (2004) esse era um mecanismo para fortalecer a desigualdade social e a estratificao da sociedade.

    A seguir trazemos um quadro representativo das informaes relacionadas ao Perodo Imperial.

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    Quadro 2 - Sntese das informaes sobre o Perodo Imperial

    Organizao econmica Produo em grandes latifndios

    Organizao Poltica

    Vinda da corte portuguesa

    Poder poltico conferido a classes mais ricas

    Aes junto aos segmentos empobrecidos

    Bodos, mercearias, esmoleres

    No interveno estatal

    observao

    A Repblica Velha tem seu incio em 1889.

    O Imprio no combinava com a acumulao capitalista e, por isso, declinou em 1889, quando teve incio a Repblica Velha. A partir de ento se instala no Brasil o governo oligrquico, no qual o poder poltico partilhado entre as oligarquias econmicas do pas. Nesse contexto, para alcanar o poder poltico era necessrio deter o poder econmico (COUTO, 2010).

    Os grupos mais importantes e que detiveram o poder na poca foram representados pelos estados de So Paulo e Minas Gerais. Esses eram os estados mais fortes economicamente, sendo que o estado de So Paulo era responsvel pela produo de caf e o de Minas Gerais pela do leite. Esses estados se alternavam na indicao de quem governaria o pas, ou seja, de quem seria o presidente.

    Couto (2010) indica que nesse momento o sistema capitalista j estava mais desenvolvido havia industrializao, ainda que muito rudimentar. No que diz respeito aos segmentos mais empobrecidos de nossa sociedade, tambm no tivemos aes organizadas pelo Estado, sendo, mais uma vez, preponderante o desenvolvimento de aes por parte da caridade privada e da caridade da Igreja Catlica.

    Contudo, foi nesse perodo que tivemos algumas intervenes no sentido da legislao em relao infncia e ao trabalho.

    Em relao infncia, Behring e Boschetti (2010) indicam que em 1891 foi criada uma lei para regulamentar o trabalho infantil, j que nessa poca crianas podiam trabalhar. Essa lei, no entanto, no foi colocada em prtica. No ano de 1927 foi publicado o Cdigo de Menores, uma legislao que buscava regulamentar a punio de crianas e adolescentes (na poca designados pelo termo menor) que cometessem algum ato infracional.

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    J com relao questo da legislao trabalhista, observamos o surgimento de uma srie de dispositivos legais, dentre os quais podemos destacar: a autorizao para a organizao dos trabalhadores por meio dos sindicatos, sendo essa autorizao conferida pelo Estado (1903); uma nova legislao trabalhista fixando a carga horria mxima de 10 horas dirias (1911); uma lei estabelecendo que os acidentes ocorridos no espao de trabalho seriam responsabilidade do empregador e no mais do empregado (1919).

    Foi durante a Repblica Velha que vrios acontecimentos culturais e polticos que provocaram uma srie de mudanas em nosso pas foram sendo gestados. O ano de 1922 foi um dos perodos de maior importncia, posto que foi nesse ano que tivemos a criao do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Tambm foi nesse perodo que tivemos a Semana de Arte Moderna. Nela, importantes tericos e artistas se mobilizaram para discutir arte, poltica, condio social do povo brasileiro. Como exemplo de referncias da Semana de Arte Moderna, temos figuras ilustres como Mrio de Andrade, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral.

    Essas discusses foram potencializadas pela crise capitalista que se evidenciou a partir de 1929. Tal crise teve como grande expresso a quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929. emblemtica tambm a passagem, com a crise, de grandes produtores do caf atirarem sacos ao mar no porto de Santos, dada a impossibilidade de vender o produto. Na poca o declnio dos preos do caf provou resultados extremamente negativos para a economia brasileira, visto que at ento a produo de caf representava cerca de 70% do produto interno bruto do brasil (BEhRING; BOSChETTI, 2010).

    Veja a seguir uma foto do dia em que a crise eclodiu no Brasil.

    Figura 5 A crise de 1929

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    Figura 6 Bolsa do Caf, em Santos

    Essa crise econmica resultou na estagnao da economia, no aumento do desemprego e no do subemprego. Couto (2010) nos diz que nesse ano havia dois milhes de desempregados no Brasil. Em So Paulo, por sua vez, havia 100 mil desempregados.

    observao

    O governo oligrquico foi sucedido pelo governo militar.

    Nos idos de 1929 foram sendo gestadas as mudanas polticas que culminariam na Revoluo de 1930. A partir de 1930, o governo oligrquico foi deposto e assumiu o poder o governo militar, que tinha em Getlio Vargas seu grande representante. E foi a partir de ento que as aes em poltica social comearam a ser desenvolvidas, ainda que de maneira incipiente.

    A organizao poltica, conforme dissemos, foi assentada no regime militar. Como sabemos, esse regime era pautado na forte represso e centralizao poltica. Alm disso, temos um padro que ser seguido quase que ininterruptamente em nosso pas at a dcada de 1980: o do uso da fora fsica e da coero por parte do Estado como atos legtimos para a manuteno da ordem.

    Tambm no incio dos anos 1930 que assistimos intensificao do processo de industrializao do Brasil. Behring e Boschetti (2010) indicam que a partir da buscouse a superao da crise que assolara o capitalismo e a consolidao de um parque industrial que desse conta de ampliar os lucros da burguesia.

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    Para oferecer subsdios necessrios consolidao desse sistema, o governo varguista no mediu esforos, atuando de forma preponderante na formao da classe trabalhadora, auxiliando na regulamentao dos direitos trabalhistas e buscando, a todo custo, regular a relao estabelecida entre patres e empregados, tornandoas pacficas.

    Uma das primeiras aes do governo varguista foi a criao, em 1930, do Ministrio do Trabalho, rgo que deveria se ocupar da ateno aos direitos dos trabalhadores. Alm da criao do Ministrio do Trabalho, no ano de 1937 surgiu uma nova Constituio. Nela, o Estado passou a ser responsabilizado por prestar uma srie de servios sociais populao, tais como: ensino prvocacional e primrio para as classes pobres, amparo infncia e juventude, auxlio aos pais miserveis. Couto (2010), contudo, nos diz que apesar da garantia legal, o poder pblico no despendeu recursos e, devido a isso, as aes no foram empreendidas.

    No que diz respeito formao do trabalhador, segundo Behring e Boschetti (2010) tivemos em 1942 a criao do Servio Nacional da Indstria (SENAI). Sobre o SENAI, Iamamoto e Carvalho (2001) comentam que essa instituio foi criada para fornecer formao a industririos e que era um servio gerido pela Confederao Nacional da Indstria. O SENAI no trabalhava apenas com a formao, mas buscava moldar o trabalhador, fazendo com que ele adotasse um comportamento produtivo e, portanto, adequado ao sistema capitalista que se evidenciava.

    O SENAI ainda existe em nosso pas e hoje extremamente respeitado e tem sua imagem vinculada a centros que oferecem formao slida no sentido de preparar a mo de obra para o trabalho.

    Durante o governo varguista temos a consolidao do Servio de Assistncia ao Menor (SAM) em 1941 e da Legio Brasileira da Assistncia (LBA) em 1942.

    O Servio de Assistncia ao Menor foi criado para atender a adolescentes transviados e crianas desvalidas. Consideravase que crianas e adolescentes que pertencessem a famlias pobres eram uma populao propensa a cometer delitos e, por isso, eram atendidos pelo SAM. Tambm eram atendidos pelo servio crianas e adolescentes que j tinham cometido algum delito. Por isso, no SAM tanto tnhamos crianas e adolescentes que cometiam atos infratores quanto as pertencentes a famlias pobres. Os atendidos pelo sistema eram penalizados com uma poltica baseada na agresso e em prticas severas, fazendo do SAM um local para fortalecer no crime os que j infringiam a lei e para introduzir ao crime aqueles que no tinham qualquer contato com isso. Para atender a seu pblico alvo, o Servio de Assistncia ao Menor criou os educandrios, que eram acolhimentos em que os atendidos permaneciam internados por longos perodos (RIzzINI; RIzzINI, 2004).

    J a Legio Brasileira de Assistncia Social foi criada em 1942, sendo presidida pela ento primeira dama da nao, a sra. Darcy Vargas. Inicialmente esse servio foi criado para atender a famlias que apresentassem qualquer tipo de problema em decorrncia da participao de nosso pas na Segunda Guerra Mundial. Assim, destinavase a atender, inicialmente, s famlias dos pracinhas e aos prprios soldados que haviam participado da guerra. Com o tempo, embora suas aes continuassem sendo desenvolvidas junto a essas famlias, o atendimento oferecido foi estendido tambm s mazelas

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    provenientes de outras situaes afins. Em outras palavras, a LBA passou a atender pobreza em geral. Iamamoto e Carvalho (2001) nos informam que a LBA foi criada tambm para atender a um dispositivo contido na Constituio de 1934 que pressupunha que o Conselho Nacional de Servio Social atendesse aos desvalidos da populao. Assim, a LBA pode ser tratada como um meio de ao do Conselho Nacional de Servio Social.

    A segur, uma verdadeira herana no que diz respeito poltica social. Tratase de uma foto de uma sede da LBA de So Lus, no Maranho, onde tambm funcionava a prefeitura municipal.

    Figura 7 Sede da LBA em So Lus, no Maranho

    Durante muitos anos foi a LBA que comandou e sustentou as aes do que se entendia ser a assistncia social em nosso pas.

    No ano de 1946 foram criados o SESI, o SENAC e a Fundao Leo xIII. O presidente do pas era Eurico Gaspar Dutra, tambm militar. Vargas havia deixado o poder no ano de 1945.

    O Servio Social da Indstria, ou SESI, foi criado para proporcionar o bemestar ao trabalhador vinculado industria. O SESI tambm viabilizava informaes sobre questes previdencirias e servios assistenciais, alm de fornecer educao popular e programas de relacionamento entre industririos e trabalhadores. O SESI, alm disso, por desenvolver uma srie de aes voltadas ao lazer, acabou inserindose em espaos alm da formao educacional. Ao prestar servios dessa natureza o SESI conseguiu desenvolver aes junto aos trabalhadores, alm do espao laboral (IAMAMOTO; CARVALhO, 2001).

    O SENAC, por sua vez, oferecia educao aos trabalhadores que atuavam no comrcio ofereciase formao aos operrios e trabalhadores em geral, prestavamse assessorias diversas e davamse informaes a empregadores em geral.

    As instituies em questo ainda esto em funcionamento no nosso pas e assim como o SENAI so consideradas referncias no aspecto da formao e do lazer oferecidos classe trabalhadora.

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    Por isso deveuse ditadura a consolidao do chamado sistema S, ao menos no que diz respeito s bases da organizao desse sistema. No entanto, importante que voc entenda que essas aes s aconteceram porque o Estado tinha interesses em formar uma mo de obra capacitada e com condies para auxiliar o processo produtivo capitalista.

    Apesar de prticas rudimentares e vinculadas sobretudo a oferecer benefcios e servios, nesse perodo que temos a expanso dos servios e polticas sociais no Brasil. No que diz respeito assistncia social, no entanto, temos apenas a Legio Brasileira da Assistncia Social organizada com a finalidade de prestar atendimento assistencial e socorrer as mazelas geradas pela sociedade capitalista.

    Saiba mais

    Para maiores informaes sobre esses servios recomendamos a visita aos sites:

    OLIVEIRA, E. LBA: referncia na histria da assistncia social no Brasil. Capemisa, 2010. Disponvel em: . Acesso em: 22 ago. 2013.

    E tambm a este site: .

    .

    Para concluir nossas consideraes e facilitar tambm seus estudos, observe a imagem a seguir que faz meno a grande parte dos contedos estudados at agora.

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    Repblica Velha

    Desenvolvimento capitalista.

    Regime Oligrquico.

    Aes ainda organizadas pela caridade.

    Legislao trabalhista (definio da jornada de trabalho e dos acidentes de trabalho).

    Cdigo de menores e regulamentao do trabalho de crianas.

    Governo Militar

    Industrializao em favor do desenvolvimento capitalista.

    Governo militar iniciado com vargas.

    Aes do Estado em prol da classe trabalhadora, como a legislao trabalhista e a consolidao do SESI, SENAC, SENAI.

    Crianas da LBA e da Fundao Leo xIII.

    Figura 8 Sistematizao das informaes sobre as aes entre a Repblica Velha e Governo Militar

    3 A ASSIStncIA SocIAl DA DcADA DE 1960 AoS DIAS AtUAIS

    Saiba mais

    O entendimento sobre esse perodo pode ser complementado por meio dos filmes:

    CARA ou Coroa. Dir: Ugo Giorgetti. Brasil: Bossa Nova Films, 2011. 110 minutos.

    ELES no usam Blacktie. Dir: Costa Gavras. Brasil, 1981. 119 minutos.

    O APITO da panela de presso. Dir: Sergio Tufik. Brasil: 1977. 25 minutos.

    A partir da dcada de 1960 comeamos um novo perodo da histria poltica e econmica do nosso pas. Compreender as aes em assistncia social demanda, portanto, compreender o contexto histrico nacional.

    No que concerne questo da poltica, os anos de 1960 so notoriamente conhecidos como os mais ferrenhos da ditadura em nosso pas. Couto (2010) nos diz que a partir da dcada de 1960 foi promulgada uma srie de Atos Institucionais, documentos que reforavam o poder do Estado rechaando possibilidades de manifestao popular que se dispusessem a contrariar os dispositivos estatais. O Ato Institucional mais agressivo foi o AI5, que estava respaldado num dos slogans mais icnicos da ditadura: Brasil: ameo ou deixeo (BEhRING; BOSChETTI, 2010).

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    Esse perodo foi iniciado a partir de um golpe militar. Os militares propunham o fim do governo populista de Joo Goulart e uma perseguio ao que consideravam os ideais subversivos, notadamente o comunismo. Alis, nesse perodo os comunistas eram extremamente perseguidos e rechaados, tratados como subversivos e severamente punidos com agresses, exlio e at a morte. Recentemente temos visto em nosso pas um esforo por reabrir os arquivos da ditadura para esclarecer uma srie de fatos e punir os criminosos da ditadura.

    O governo militar se caracterizou por defender com veemncia o desenvolvimento econmico do Brasil. Os militares desejavam tornar o Brasil uma potncia econmica e para isso recorriam a aes carregadas de burocracia, da tecnocracia e sobretudo de represso. Alis, as pessoas que discordassem dos postulados do Estado eram consideradas inimigos do desenvolvimento econmico do pas. Essa forma de governar foi adotada por vinte e um presidentes que se afinavam com o militarismo e s declinou a partir da dcada de 1980.

    No entanto, como sabemos, no apenas por meio da represso que os governos ditatoriais conseguem alcanar suas intenes. Isso tambm possvel por meio da adulao: os militares promoveram ampliao de determinados servios destinados populao brasileira, sobretudo populao trabalhadora. Tambm importante destacar que por meio da consolidao dos servios sociais buscavase a adeso de grande parcela da populao brasileira, alm da classe trabalhadora. Para Couto (2010) foi nesse perodo que foram sendo gestadas as condies mnimas necessrias consolidao das polticas sociais no Brasil.

    h uma srie de exemplos que podem ser citados, desde a legislao at intervenes e constituio de uma srie de servios e programas.

    A legislao a que nos referimos a Constituio de 1969. Behring e Boschetti (2010) comentam que nessa constituio h um especial destaque para o direito ao trabalho. Alm disso, nessa carta constitucional autorizada a aposentadoria para mulheres com 30 anos de trabalho. No mbito da assistncia social temos a determinao de que o Estado preste assistncia maternidade, infncia, adolescncia e pessoa com deficincia. Contudo, apesar de a norma legal disciplinar a interveno, por parte do Estado, na prtica, essas aes no aconteciam. O nico servio assistencial que existia era o oferecido pela LBA.

    Figura tambm como exemplo dessa postura do Estado a criao na dcada de 1960 do Banco Nacional da habitao (BNh) que viabilizou o acesso moradia para muitos brasileiros, especialmente para os trabalhadores com registro em carteira. O BNh facilitou a aquisio de moradias por meio de mecanismos de poupana forada como, por exemplo, por meio do FGTS. Mas grande parcela da populao no tinha acesso moradia j que nem toda a populao brasileira estava laboralmente ocupada (COUTO, 2010).

    Seguindo a lgica de manuteno da ordem social estabelecida, no ano de 1964 foi criada a Fundao Nacional do BemEstar do Menor (Funabem). Rizzini e Rizzini (2004) entendem que a Funabem nada mais foi do que uma reformulao do SAM, extinto tempos antes. Apesar da extino do SAM, suas prticas agressivas e punitivas foram herdadas e encontraram assento na Funabem. Alis, a Funabem no herdou apenas essas prticas. No artigo 4 da Lei de Criao da Funabem, lemos:

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    Art 4. O Patrimnio da Fundao Nacional do BemEstar do Menor ser constitudo:

    a) pelo acervo do Servio de Assistncia a Menor (SAM), bens mveis e imveis pertencentes Unio, atualmente ocupados, administrados ou utilizados por esse Servio e para cuja doao fica desde logo autorizado o Poder Executivo;

    b) dotaes oramentrias e subvenes da Unio dos Estados e dos Municpios;

    c) dotaes de autarquias de sociedade de economia mista, de pessoas fsicas ou jurdicas nacionais, ou estrangeiras;

    d) rendas eventuais, inclusive as resultantes da prestao de servios;

    Pargrafo nico. Os bens, rendas e servios da Fundao Nacional do BemEstar do Menor so isentos de qualquer imposto federal, estadual ou municipal, nos termos do art. 31, V da Constituio Federal (BRASIL, 1964).

    Ou seja, alm das prticas questionveis, compunham tambm a herana do SAM para a Funabem o acervo que a nosso ver incorpora documentos, atendidos, mveis e imveis que antes eram usados pelo SAM. No artigo em questo est sendo feita meno ao que seria o patrimnio da Funabem e s fontes de recursos que seriam utilizadas para a manuteno das atividades.

    Assim, a Funabem atendia a crianas e adolescentes. Seu trabalho era orientado a atender queles que cometessem algum ato infracional ou ento segmentos vulnerveis. Os segmentos vulnerveis da poca eram os moradores de rua, que eram tidos como pessoas com risco potencial para cometer atos infratores. No entanto, no perodo em questo, apenas 5% dos atendidos pela Funabem tinham cometido atos infratores. O grande contingente de atendidos estava relacionado a crianas e adolescentes vtimas de abandono, que representavam 10% da demanda da instituio.

    O discurso, no entanto, no era esse, ou seja, a Funabem se propunha a atender a todas as crianas e adolescentes que necessitassem, independente de terem ou no cometido ato infracional. Alis, importante que se atente ao fato de que, segundo Rizzini e Rizzini (2004), a Funabem no desenvolveu prticas diferenciadas junto a esses segmentos, ou seja, no havia uma prtica destinada aos infratores e outra aos no infratores. A prtica agressiva e punitiva era usada para dar conta de todas essas expresses, sem distino.

    Notese ainda que esse era o padro das aes em prol da infncia, j que a Funabem era a nica instituio com aval do Estado para atuar junto a esse segmento. Veja o artigo 7, tambm extrado da lei de criao da Funabem:

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    Art 7. Competir Fundao Nacional do BemEstar do Menor:

    I realizar estudos, inquritos e pesquisas para desempenho da misso que lhe cabe, promovendo cursos, seminrios e congressos, e procedendo ao levantamento nacional do problema do menor;

    II promover a articulao das atividades de entidades pblicas e privadas;

    III propiciar a formao, o treinamento e o aperfeioamento de pessoal tcnico e auxiliar necessrio a seus objetivos;

    IV opinar, quando solicitado pelo Presidente da Repblica, pelos Ministros de Estado ou pelo Poder Legislativo, nos processos pertinentes concesso de auxlios ou de subvenes, pelo Governo Federal, a entidades pblicas ou particulares que se dediquem ao problema do menor;

    V fiscalizar o cumprimento de convnios e contratos com ele celebrados;

    VI fiscalizar o cumprimento da poltica de assistncia ao menor, fixada por seu Conselho Nacional;

    VII mobilizar a opinio pblica no sentido da indispensvel participao de toda a comunidade na soluo do problema do menor;

    VIII propiciar assistncia tcnica aos estados, municpios e entidades pblicas ou privadas, que a solicitarem (BRASIL, 1964).

    Ou seja, conforme vemos no inciso VI, a Funabem deveria idealizar toda a poltica social voltada ateno dos menores. Porm, Rizzini e Rizzini (2004) nos dizem que isso no aconteceu e a instituio acabou sendo conhecida por suas prticas de internao pautadas em uma reeducao extremamente agressiva e punitiva, o que resumia toda a ao em prol da infncia e da adolescncia.

    Becher (2011) nos fala que essa instituio foi organizada pelo prprio Estado e na verdade servia aos interesses do regime militar. Estimase que por meio do recolhimento de crianas e adolescentes infratores e dos propensos a isso, como crianas e adolescentes pobres e ainda aqueles que residiam na rua, a instituio estaria colaborando com a manuteno da paz no pas, com os postulados da segurana nacional. Alis, para o regime ditatorial, a manuteno da ordem significava nada mais do apartar e condicionar tudo que se contrapunha ordem social estabelecida.

    O texto a seguir extremamente interessante porque mostra uma perspectiva relevante sobre os servios desenvolvidos no Brasil junto a crianas e adolescentes. Vejamos:

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    Juventude ferida

    Embora a legislao brasileira tenha se aprimorado, o Estado mostrase particularmente inbil para lidar com a questo do jovem em conflito com a lei.

    Paula Miraglia 31/10/2007

    Foi sob esta manchete Menor assalta criana na porta da escola que h alguns anos um jornal brasileiro noticiou o assalto praticado por um jovem contra uma criana, pouco mais nova que ele. A aparente contradio da frase expressa uma associao especfica entre infncia, juventude e violncia que se tornou linguagem corrente na sociedade brasileira.

    A questo do menor no tema recente no pas. Constantemente associado ao fenmeno da urbanizao das cidades, o envolvimento da juventude com o crime sobretudo da juventude em situao de risco vem sendo amplamente debatido ao longo dos ltimos cem anos no Brasil. A palavra menor, quando mencionada em relao a crianas e adolescentes, teve nesse percurso uma variedade de significados.

    No final do sculo xIx, o termo designava a criana pobre e marginalizada pela sociedade. J na virada do sculo, menor deixou de ser um indicativo apenas de idade e passou a definir a responsabilidade de um indivduo perante a lei. Mas j ento abrangia, alm das crianas que cometiam delitos, tambm as pobres ou abandonadas. hoje, a expresso menor infrator condensa as imagens de pobreza e criminalidade, bem como o medo que esse personagem provoca no dia a dia das metrpoles.

    Se os jovens aparecem como protagonistas da violncia, os nmeros mostram, no entanto, que eles so tambm suas vtimas primordiais. O aumento das taxas de homicdios no Brasil est imediatamente relacionado ao crescimento do nmero de crimes praticados contra a juventude, atingindo majoritariamente jovens do sexo masculino e da cor ou raa negra.

    Criminosos, meninos, jovens infratores, adolescentes, menores, jovens em conflito com a lei. A variedade, bem como o desconforto que provoca a nominao, expressa a ambiguidade da sua condio, as particularidades e os desafios das polticas de enfrentamento da violncia juvenil no Brasil ao longo da histria.

    De acordo com o primeiro Cdigo de Menores brasileiro, de 1927, o juiz de menores era a autoridade competente, e a ele cabia vigiar e fiscalizar as irregularidades sofridas ou cometidas por crianas e jovens. A partir de 1941, a infncia desamparada passou a ser alvo de interveno do Servio de Assistncia aos Menores (SAM). Em meados dos anos 1960, o SAM foi substitudo pela Funabem (Fundao Nacional para o BemEstar do Menor).

    A Febem (Fundao Estadual para o BemEstar do Menor), brao estadual da Funabem, surgiu na dcada de 1970, durante o regime militar, como uma tentativa de redirecionar as polticas relativas reabilitao de jovens delinquentes, vinculando a questo do menor questo da segurana nacional.

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    As sucessivas rebelies nesta instituio, elementos constantes de sua histria recente, tm um enredo comum que parece se intensificar a cada episdio: conflitos, fugas, destruies, represso. Esses eventos contriburam para que a Febem se tornasse um dos smbolos mais contundentes da violncia, da desorganizao e do medo que caracterizam o cotidiano da metrpole paulistana. E, alm disso, revelam, ao longo de todos esses anos, a ineficcia da proposta educativa do modelo, que falha na sua tarefa de ressocializar.

    A ao de movimentos sociais durante toda a dcada de 1980 permitiu que, na esteira do processo de democratizao poltica pelo qual passava o pas, se configurasse uma nova legislao, especfica para a infncia e a adolescncia. A Constituio Federal de 1988 e a criao do Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), em vigor desde 13 de julho de 1990, so marcos histricos na construo de uma nova ideia de cidadania no que diz respeito juventude.

    O ECA surgiu como um instrumento de desenvolvimento social, e no de controle social da infncia e da adolescncia, tal qual a legislao anterior. Numa tentativa de desfazer esteretipos criados a partir da associao entre menor, crime e delinquncia, fala em ato infracional em vez de crime, adolescente ou pessoa em desenvolvimento, em contraposio aos termos menor ou delinquente juvenil, medida socioeducativa e no pena.

    Mas se a lei vem se aprimorando ao longo dos anos, o aparato para executla no parece acompanhar o mesmo passo. O Estado, de maneira geral, no tem dado conta dos desafios impostos pela violncia que vitimiza o pas e se mostra particularmente inbil em relao aos jovens que cumprem medidas socioeducativas. Estes, por sua vez, respondem com doses ainda maiores de violncia, estabelecendo um ciclo que precisa ser urgentemente quebrado.

    Fonte: Miraglia (2007).

    Qual sua opinio sobre isso? Voc tambm entende que nosso Estado mantmse inbil no tratamento com o adolescente?

    Alm da criao da Funabem temos outras intervenes no perodo a partir da dcada de 1970. Em 1974 tivemos a criao do Ministrio do Trabalho e Previdncia e Assistncia Social. No perodo posto cabia Legio Brasileira de Assistncia Social o oferecimento de servios destinados assistncia social. Partindo do Ministrio do Trabalho e Previdncia e Assistncia Social temos a consolidao da Renda Mensal Vitalcia. Era um benefcio concedido a idosos com 70 anos ou mais, desde que no pudessem mais trabalhar. Para ter acesso ao benefcio era tambm necessrio comprovar contribuio com o Regime Previdencirio por pelo menos 12 anos. Os aprovados nos critrios citados seriam contemplados com meio salrio mnimo (BEhRING; BOSChETTI, 2010).

    No ano de 1979 foi criado o Sistema Nacional de Previdncia e Assistncia Social (Sinpas). O Sinpas congregou os servios Instituto Nacional do Ministrio da Previdncia Social (Inamps), a Funabem e a LBA, alm da Empresa de Processamento de Dados da Previdncia Social (DataPrev).

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    Na dcada de 1970 o pas vivenciou um crescimento econmico. Na poca o ministro da economia era Delfim Netto, que por meio de um programa de regulao econmica conseguiu alcanar um crescimento econmico estimado em uma mdia de 11% a 14%. Mas esse crescimento econmico no provocou melhora nas condies de vida de grande parcela da populao, j que apenas quem pertencia classe mais abastada que lucrava com o desenvolvimento econmico do pas.

    Antes de adentrarmos a compreenso sobre o final da dcada de 1970 e incio dos anos 1980, veja o quadro a seguir, que resume as principais informaes sobre o perodo que voc acabou de estudar.

    Quadro 3 - Sistematizao das informaes sobre a dcada de 1970

    Organizao econmica

    Desenvolvimento capitalista.

    Desenvolvimento econmico na dcada de 1970, mas sem manuteno das taxas de crescimento;.

    esemprego e subemprego.

    Organizao Poltica

    Perodo de distenso da ditadura.

    Incio do processo de democratizao.

    Aes junto aos segmentos empobrecidos

    Aes pontuais e fragmentadas.

    Instituies como a Funabem, LBA conferiram a tnica ao servio da assistncia social.

    Criao do Ministrio do trabalho e Previdncia e Assistncia Social.

    Com a diferenciao entre as classes sociais tornandose cada vez mais claras, no final da dcada de 1970 vivenciamos uma grande insatisfao de grandes parcelas da populao brasileira. As insatisfaes motivaram a organizao da populao. Colaboraram nesse processo o Movimento Operrio e os estudantes vinculados UNE. Com o tempo, a insatisfao era tanta que afetou praticamente toda a populao brasileira (COUTO, 2010).

    A insatisfao era tanta que o regime militar j no conseguia manterse no poder por meio da represso e tampouco da coero. As organizaes da populao ganharam as ruas e se representaram por meio do movimento Diretas J, que defendia as eleies diretas e o processo de abertura poltica. Alm disso, os movimentos reivindicavam tambm a melhoria das condies de vida.

    O resultado de tantas presses foi a queda do regime ditatorial. Os anos 1980 so marcados pelo incio do processo de democratizao de nosso pas. Apesar de no terem sido alcanadas imediatamente as eleies diretas, ao menos o regime ditatorial foi encerrado. Nessa eleio indireta foram eleitos Tancredo Neves como presidente e Jos Sarney como vice. Tancredo, como sabemos, veio a falecer logo aps sua nomeao presidncia e quem assumiu o governou do pas foi Sarney.

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    Sarney, por sua vez, desenvolveu uma poltica de governo extremamente voltada regulao econmica. Com esse objetivo criou o Plano Cruzado, que pressupunha o congelamento de preos e tambm dos salrios para controlar a inflao vertiginosa e evitar a ampliao da dvida externa de nosso pas. Mas, apesar de tantos esforos, poucas foram as conquistas aladas por meio dessa regulao econmica (COUTO, 2010).

    Durante esse processo observamos ainda que a melhoria de vida, to requisitada pelo povo brasileiro, no tinha sido alcanada, ao menos no para todos. Por isso, nesse perodo, vivenciamos uma crise econmica avassaladora e isso resultou em um grande nmero de desempregados e subempregados, ampliando consideravelmente a pobreza em nosso pas. Ou seja, embora tenha havido a abertura poltica pela qual o povo lutou, essa conquista no significou a melhoria da qualidade de vida de grande parcela da populao brasileira.

    Se por um lado a vida na dcada de 1980 tornavase cada vez mais precria para os segmentos mais empobrecidos, por outro temos tambm a retrao estatal no que diz respeitos s polticas sociais. Assim, tambm do perodo a inexistncia de polticas sociais que buscassem melhorar a qualidade de vida da populao brasileira.

    No que diz respeito assistncia social, Jos Sarney desenvolveu o Programa do Leite. Essa ao consistia na doao de litros de leite pasteurizados para a populao mais empobrecida de nosso pas. Behring e Boschetti (2010) nos dizem que essa ao foi carregada de um vis assistencialista, pois o leite doado era compreendido como uma benesse e no como um direito. Para alm do chamado Programa do Leite, no tivemos outras aes em prol da assistncia social, que seguiu sendo gerida pela LBA.

    observao

    Seguridade social: no Brasil composta pelas polticas de assistncia social, sade e previdncia social.

    As presses populares no cessaram, j que as melhorias na vida das pessoas no foram alcanadas. Por isso, no ano de 1988 tivemos a promulgao da Constituio de 1988 que fundou o nosso sistema de seguridade social. Segundo o artigo 194 da Constituio, compem o sistema as polticas de sade, assistncia social e previdncia social; j a presidncia social manteve o seu carter contributivo.

    Art 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de aes de iniciativa dos Poderes Pblicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos sade, previdncia e assistncia social.

    (BRASIL, 1988).

    Notese que a assistncia social no demandava contribuio, mas a sade sim. S poderia ter acesso ao sistema de sade aquele que contribusse.

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    A partir de ento temos a primazia de responsabilidade do Estado na gesto dessas polticas sociais. Cabe destacar que a partir de ento a assistncia social passou a ser compreendida como poltica social, alcanando assim o status de integrante da seguridade social, que foi, a nosso ver, um grande avano. Isso porque a assistncia social sempre ocupou um lugar secundrio no cenrio das polticas sociais, sendo resignada a atender a tudo o que as demais aes no se mostravam capazes de solucionar; sempre foi tambm uma ao relacionada a atender a interesses polticos, ou seja, uma ao de segundo escalo.

    Apesar do prestgio contido na carta constitucional, poucas aes foram desenvolvidas pelo Estado brasileiro para implementar o que estava posto na lei. Couto (2010) nos diz que foi nesse perodo que o Brasil aderiu aos postulados do neoliberalismo. Como sabemos, o neoliberalismo se caracterizou por minimizar ou tentar minimizar os gastos do Estado com a rea social. Argumentavase que o Estado era perdulrio, que gastava demais com a rea social e que devido a isso o pas se tornaria ingovernvel. Assim, vivemos um contrassenso. Se, por um lado temos uma constituio que prega a primazia de responsabilidade do Estado, por outro, temos o ideal neoliberal que apregoa justamente o contrrio (COUTO, 2010).

    O chamado neoliberal infelizmente foi bem mais atraente e foi reforado pelo Consenso de Washington. Esse documento foi elaborado em Washington, no ano de 1989, e teria sido idealizado para que os pases mais ricos, mais desenvolvidos pudessem auxiliar os pases mais pobres, considerados subdesenvolvidos. A principal recomendao proveniente dessa reunio foi que os pases subdesenvolvidos diminussem os gastos sociais. Para estimullos, ficou definido que quem no se adequasse no teria emprstimos de agncias como o Fundo Monetrio Internacional ou FMI (COUTO, 2010).

    Desnecessrio dizer que o Brasil, como pas subdesenvolvido, aderiu aos postulados do Consenso de Washington e, consequentemente, do neoliberalismo. Por isso, todo o sistema de seguridade social idealizado em 1988, durante muito tempo, permaneceu apenas na letra da lei, mas sem ser aplicado na prtica.

    O primeiro presidente que encampou e defendeu a bandeira neoliberal foi Fernando Collor. Inicialmente em sua campanha presidencial Collor se colocava contrrio aos polticos burgueses, a quem chamava marajs e se engajava na defesa dos pobres, se autointitulando amigo dos pobres, dos perseguidos das elites e pai dos descamisados (COUTO, 2010, p. 145). Mas seu discurso no se sustentou depois da posse, quando o presidente Collor fez todos os esforos possveis e imaginveis para promover o desmonte dos direitos sociais recmalcanados pela sociedade brasileira. A Constituio data de 1988 e Collor assumiu o poder em 1990, ou seja, ainda no tinha nem havido tempo para organizar os servios das polticas sociais e Collor j queria extinguilos.

    Alm disso, o presidente abriu nossa economia ao capital estrangeiro e iniciou um processo de privatizao das empresas pblicas rentveis para o capital privado, ou seja, tudo que era pblico e que pudesse oferecer lucro deveria ser privatizado rapidamente.

    No que diz respeito assistncia social, temos nesse perodo um dos eventos mais emblemticos e vexatrios da histria dessa poltica. Collor investiu na LBA apenas recursos que eram geridos pela ento primeiradama da nao, Rosane Collor. As prticas da LBA, no entanto, foram mantidas

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    no mbito da concesso de determinados benefcios classe mais empobrecida e portanto muito distantes do que era proposto pela LOAS. Mas dentro da LBA, Rosane Collor teria cometido uma srie de atos ilcitos e de mau uso do dinheiro pblico, chegando at a responder, por isso, a processo civil e criminal.

    Antes de seguirmos, veja a seguir uma notcia que discute essa situao.

    O escndalo da LBA

    Rosane Collor, mulher de Fernando Collor quando ele era presidente da repblica, entre 1990 e 1991, foi acusada de desvio de verbas pblicas no perodo em que presidiu a Legio Brasileira de Assistncia (LBA). Tambm foi acusada de receber, em sua conta bancria, cheques fantasmas do esquema PC, originrios de empresas beneficiadas na licitao da LBA. Em 1997, em depoimento ao juiz, Rosane negou responsabilidades sobre a compra fraudulenta de 1,6 milho de quilos de leite em p pela LBA em 1991. Sobre ela tambm recaiu acusao de desviar patrimnio pblico em proveito de empresrios. A denncia apresentada pelo Ministrio Pblico apontou ainda o esquema de corrupo do qual ela teria se beneficiado.

    Rosane teve reconfirmada a condenao, em primeira instncia, por peculato e corrupo passiva no processo de compra de leite superfaturado na Legio Brasileira de Assistncia, LBA, em agosto de 2000.

    Fui absolvida de todas aquelas acusaes, conta Rosane Collor, em entrevista revista Veja em 2007, depois da sua separao de Collor. S fizeram estardalhao, porque era a primeiradama que estava ali. Nunca provaram nada, justificou. Daquele tempo, restou a mgoa de ter sido tratada como criminosa e chefe de gangue, disse Rosane Collor revista Isto Gente em 2007.

    Em maro de 2010, o site Contas Abertas informou que o Tribunal de Contas da Unio (TCU) imps a Rosane uma multa de R$ 1,8 milho por omisso em ato antieconmico, no perodo que presidiu a LBA. Essa deciso foi fruto das investigaes da CPI da Fome de 1993.

    Auditorias do TCU identificaram a compra irregular de 53,5 toneladas de alimentos, com pagamentos superfaturados, indevidos e antecipados da Cia Goiana de Laticnios e Pink Alimentos do Brasil, de Gois, e da Belprato, do Maranho. Dois meses aps essa aquisio, mais de 25% desses alimentos j estavam deteriorados, quando ainda faltavam 4 meses para vencer o prazo de validade.

    No Amap, no ficou comprovada a entrega de cestas bsicas adquiridas. As superintendncias da LBA no Distrito Federal e Mato Grosso do Sul compraram cestas bsicas com dispensa indevida de licitao. No Tocantins, a LBA pagou indevidamente 43.239 quilos de feijo e no foi localizada a documentao comprobatria da distribuio de 3.839 quilos de leite em p. Em Roraima, o rgo presidido por Rosane pagou antecipadamente Cr$ 24 milhes a fornecedores que no entregaram os alimentos.

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    Rosane Collor tambm se envolveu em outros escndalos na poca em que foi primeiradama. Um deles foi a emisso de dinheiro para a fundao fantasma PrCarente de Canapi, sua cidade natal, em Alagoas. Descobriuse mais tarde que a fundao tinha como endereo a casa da me de Rosane.

    A exmulher de Collor tambm foi acusada de gastar muitos dlares numa festa para sua assessora pessoal e amiga Euncia Guimares e de superfaturar a compra de alimentos. Estimase que cerca de 16 milhes de dlares tenham sido desviados e embolsados pelo grupo da exprimeiradama.

    Fonte: Museu da Corrupo (20042012).

    Como voc entende essa situao, prezado aluno?

    Apesar de se dizer inocente, sabemos que a primeiradama da nao teve que pagar algumas multas e mesmo isso no foi suficiente. Os escndalos envolvendo Rosane Collor culminaram na extino da LBA. Concomitantemente tivemos o impeachment de Collor, tambm acusado de corrupo e de favorecimento de determinados grupos em processos de licitao. Todo esse quadro de corrupo contribuiu para o surgimento de grande mobilizao da populao, sobretudo dos representantes da UNE, que exigiam que Collor deixasse o poder e que ficaram conhecidos como os caras pintadas.

    Com a sada de Collor do poder quem assumiu a presidncia foi o vice, Itamar Franco. Itamar, tambm seguindo os princpios neoliberais, atuou com maior incidncia no mbito da regulao econmica. Como tal, buscando manter o equilbrio da economia, criou o Plano Real. Na verdade esse plano foi criado pelo ento Ministro da Economia, Fernando henrique Cardoso.

    A despeito das polticas sociais, Itamar Franco pouco fez e devido a isso chegou a receber notificao do Ministrio Pblico indicando seu no cumprimento do que estava disposto na Constituio. Essa notificao, atrelada s inmeras presses sociais, resultou na promulgao da Lei Orgnica da Assistncia Social, a LOAS. Essa lei foi criada com o objetivo de regulamentar o disposto na constituio sobre o sistema de seguridade social. Apesar do avano contido na regulamentao da LOAS, na prtica o governo de Itamar no moveu esforos para consolidar a assistncia social de fato como poltica pblica (COUTO, 2010).

    A ao do governo de Itamar, se que podemos assim dizer, em prol da assistncia social, foi o Plano de Combate Fome e Misria pela Vida. Esse plano pressupunha a arrecadao de alimentos e o repasse desses para as regies mais empobrecidas do pas e foi uma campanha que envolveu muitas celebridades, dentre as quais hebert de Souza, o popular Betinho. Como as arrecadaes do programa nem sempre chegavam ao destino, logo o programa foi extinto.

    Ao fim do governo de Itamar temos como saldo positivo apenas a promulgao da LOAS, devido inexistncia de servios e polticas pblicas, inclusive na rea da assistncia social. Mas os tempos de retrao estatal em relao s polticas sociais no tinham sequer comeado. O abandono s polticas

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    assistenciais atingiu seu pice, de fato, a partir do governo de Fernando henrique Cardoso, que, como sabemos, sucedeu Itamar na presidncia, posio que ocupou por dois mandatos. Couto (2010) nos diz que Fernando henrique levou os ideais neoliberais s ltimas consequncias, desenvolvendo um intenso processo de privatizao das empresas pblicas rentveis, conforme Collor j desejava fazer na dcada de 1990. Alm disso, Fernando henrique conseguiu iniciar a chamada reforma da previdncia, que ampliou substancialmente os anos de contribuio necessrios para o requerimento da aposentadoria. Tambm iniciou uma srie de reformas gerenciais e de ajuste fiscal que em grande medida pressupunham a reduo dos gastos sociais, ou, melhor dizendo, a reduo dos gastos com poltica sociais (COUTO, 2010).

    Couto (2010) nos diz que em decorrncia disso, Fernando henrique Cardoso recebeu no primeiro mandato um relatrio do Tribunal de Contas da Unio (TCU) que o recriminava com relao aos baixssimos gastos com a rea social. Essa indicao do Tribunal de Contas no provocou, contudo, alteraes na forma de o ento presidente construir a poltica social.

    No que diz respeito interveno na rea da assistncia social, o governo de Fernando henrique Cardoso esteve envolto na execuo de prticas de carter pontual e assistencialista. O carrochefe do governo nessa rea foi o Programa Comunidade Solidria, criado no ano de 1995. Basicamente o programa Comunidade Solidria era organizado por meio do desenvolvimento de aes socioeducativas por voluntrios, sobretudo universitrios, nas regies mais empobrecidas do Brasil (COUTO, 2010).

    O Programa Comunidade Solidria foi gerido pela ento primeiradama Ruth Cardoso e por isso apenas reforou o carter assistencialista de aes que eram interpretadas como se fossem de assistncia social.

    Tambm do governo de Fernando henrique Cardoso a criao do Programa Bolsa Escola, que seria uma transferncia de renda para as famlias mais pobres e que tivessem filhos em idade escolar, na faixa etria dos 07 aos 15 anos. O governo na poca pagava R$15,00 por criana ou adolescente que mantivesse a frequncia escolar mnima de 85% (DRUCK; FILGUEIRAS, 2007).

    No final do segundo mandato de Fernando henrique no temos quase nenhuma ao em poltica social e tampouco na rea da assistncia social. Segundo Couto (2010), temos ainda elevados ndices de desemprego e subemprego, ou seja, a condio de vida de grande parcela da populao ainda permanecia extremamente precria. Quando o presidente tucano deixou o poder, seu posto foi assumido por Luis Incio Lula da Silva, que tambm governou o pas por dois mandatos.

    O governo de Fernando henrique foi caracterizado politicamente pela consolidao do regime democrtico e participativo. No que concerne ao desenvolvimento econmico, observamos o desenvolvimento do capitalismo monopolista, que se caracteriza pelo controle do mercado por parte de algumas empresas.

    Apesar de tambm seguir a cartilha neoliberal, sobretudo no que diz respeito s reformas necessrias no formato do Estado, foi Lula quem realizou ampla reforma do sistema previdencirio. Foi a partir de ento que tivemos muitos ganhos em relao poltica social, sobretudo no mbito da assistncia social.

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    Lula, j durante sua campanha prpresidncia defendia que o seu intento era acabar com a fome e a misria do pas. certo que nem tudo que idealizou conseguiu alcanar, mas, deu passos significativos na direo de uma poltica social de assistncia social.

    Nos primeiros anos de seu mandato, Lula criou o Ministrio da Segurana Alimentar, que se propunha a alcanar o que havia sido disposto na campanha presidencial: buscava eliminar a fome e a misria de nosso pas. Essa ao estava vinculada ao Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome e Pobreza, tambm constitudo durante o governo Lula.

    As aes do Ministrio da Segurana Alimentar eram executadas por meio de uma srie de programas, dentre os quais o Programa Fome zero. Esse programa buscava garantir alimentao, oferta de empregos e tambm infraestrutura mnima para as regies mais pobres do pas. Druck e Filgueiras (2007) nos dizem que a alimentao era proporcionada por meio da arrecadao de gneros alimentcios e a destinao desses para as regies mais pobres do pas, ao passo que a questo da infraestrutura era proporcionada por meio da viabilizao do acesso a gua, energia eltrica e pela construo de cisternas junto s reas mais pobres do Brasil.

    Druck; Filgueiras (2007) nos dizem ainda que foi operacionalizada uma srie de programas de transferncia de renda, dentre os quais o carto alimentao, o Bolsa Alimentao, o Bolsa Escola e o Vale Gs. Em virtude de mudanas operacionalizadas no governo, todos esses benefcios foram congregados no programa Bolsa Famlia, um dos maiores programas de transferncia de renda do mundo. Quando falarmos sobre os projetos que so organizados na contemporaneidade, mais adiante, vamos detalhar todo o processo de consolidao do programa Bolsa Famlia