gestÃo da clÍnica e clÍnica ampliada: … · mestrado acadÊmico em saÚde pÚblica gestÃo da...

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i MINISTÉRIO DA SAÚDE FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA SÉRGIO AROUCA MESTRADO ACADÊMICO EM SAÚDE PÚBLICA GESTÃO DA CLÍNICA E CLÍNICA AMPLIADA: SISTEMATIZANDO E EXEMPLIFICANDO PRINCÍPIOS E PROPOSIÇÕES PARA A QUALIFICAÇÃO DA ASSISTÊNCIA HOSPITALAR. Autora: Flávia Barreto de Oliveira Orientadoras: Profª Drª Margareth Crisóstomo Portela Profª Drª Marilene de Castilho Sá Rio de Janeiro 2008

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MINISTÉRIO DA SAÚDE FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA SÉRGIO AROUCA MESTRADO ACADÊMICO EM SAÚDE PÚBLICA

GESTÃO DA CLÍNICA E CLÍNICA AMPLIADA: SISTEMATIZANDO E EXEMPLIFICANDO PRINCÍPIOS E PROPOSIÇÕES

PARA A QUALIFICAÇÃO DA ASSISTÊNCIA HOSPITALAR.

Autora: Flávia Barreto de Oliveira Orientadoras: Profª Drª Margareth Crisóstomo Portela Profª Drª Marilene de Castilho Sá

Rio de Janeiro 2008

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O48 Oliveira, Flávia Barreto de

Gestão da clínica e clínica ampliada: sistematizando e exemplificando princípios e proposições para a qualificação da assistência hospitalar. / Flávia Barreto de Oliveira. Rio de Janeiro: s.n., 2008.

v, 114 f., il., tab.

Orientador: Portela, Margareth Crisóstomo Sá, Marilene de Castilho

Dissertação (mestrado) – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2008

1. Qualidade da Assistência à Saúde. 2. Administração Hospitalar.

3. Cultura Organizacional. 4. Gerenciamento Clínico. I. Título.

CDD - 22.ed. – 362.11068

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SUMÁRIO

Apresentação....................................................................................................... 1

Capítulo 1 – Introdução......................................................................................3

Capítulo 2 – Marco teórico.................................................................................9

Capítulo 3 – Métodos.........................................................................................24

Capítulo 4 – Sistematização dos princípios e proposições da Clínica

Ampliada e da Gestão da Clínica.....................................................................27

Capítulo 5 – Apresentação dos casos...............................................................70

Capítulo 6 – Análise das experiências de qualificação da assistência nos

Hospitais São João Batista e Geral de Bonsucesso.........................................79

Capítulo 7 – Discussão.......................................................................................93

Referências bibliográficas...............................................................................100

Anexos...............................................................................................................107

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

CG .......................................................................................................... Colegiado de Gerência CID................................................................................Comissão de Incentivo de Desempenho CNPq....................................Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico FDI .....................................................................................Fundo de Desempenho Institucional IAM.................................................................................................Infarto Agudo do Miocárdio IOM………………………………………...……...……….......…...…… Institute of Medicine GAG …………………………….....….....…...…………….....…...Grupo de Apoio à Gerência HGB..............................................................................................Hospital Geral de Bonsucesso HSJB................................................................................................... Hospital São João Batista MBE ...................................................................................... Medicina Baseada em Evidências NHS…………………………………..……...……………...…...…… Nacional Health System OMS .......................................................................................... Organização Mundial da Saúde OS................................................................................................................. Organização Social OSCIP..................................................................Organização Social Civil de Interesse Público PTS..................................................................................................Projeto Terapêutico Singular SAH.............................................................................................Serviço Autônomo Hospitalar UT ................................................................................................................Unidades de Trabalho

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Resumo

Este trabalho tem como objetivos realizar uma sistematização da literatura relacionada às perspectivas teórico-metodológicas da Gestão da Clínica e da Clínica Ampliada, identificando seus princípios, proposições, arranjos institucionais e dispositivos de gestão, além de analisar, sob o olhar dessas abordagens, duas experiências brasileiras de qualificação da assistência hospitalar. Revisão de literatura e estudo de casos compõem a metodologia da pesquisa, sendo as categorias de análise para o estudo das experiências: (1) qualidade da assistência; (2) foco no paciente; (3) adesão profissional. São discutidas a abrangência e escopo das experiências, as dimensões da qualidade nelas consideradas, além dos resultados, dificuldades e limites da implementação de mudanças. Gestão da Clinica e Clínica Ampliada buscam a melhoria da qualidade das práticas em saúde, através de atendimento individualizado, realizado por equipe multiprofissional e interdisciplinar, com um projeto terapêutico personalizado. Destacam a importância da assistência como dimensão central da gestão, colocando o paciente no foco do cuidado. Enfatizam a necessidade da participação do paciente e de seus familiares nas decisões clínicas, e preconizam mecanismos de estratificação de risco e monitoramento da qualidade assistencial. Adicionalmente, sublinham a capacitação, treinamento e valorização dos profissionais como estratégias para se obter adesão aos projetos de mudança e consideram o papel da liderança no sucesso na implementação de mudanças. Na análise de experiências conduzidas pelo Hospital São João Batista (HSJB) - Volta Redonda, RJ – e Hospital Geral de Bonsucesso (HGB) – Rio de Janeiro, RJ – que exemplificam as duas abordagens, este trabalho discute a complexidade da implementação de mudanças na cultura organizacional no que tange à qualidade assistencial, considerando seus êxitos e fatores limitantes. Resultados observados indicam, na experiência do HSJB, aumento e qualificação da assistência, ganhos em eficiência, mudanças na cultura organizacional e no modelo de gestão do hospital, além de avanços na democratização institucional e na legitimidade do hospital junto à população. Na experiência de qualificação da assistência ao infarto agudo do miocárdio (IAM) no setor de emergência do HGB, após a implementação das estratégias facilitadoras da adesão a diretrizes clínicas, houve aumento significativo na utilização de intervenções reconhecidas como cientificamente eficazes, diminuição da iatrogenia, drástica redução da perda de oportunidade de reperfusão miocárdica, além de melhoria no preenchimento do formulário de coleta de dados. Conclui-se que, mesmo considerando a complexidade da implementação de mudanças na cultura organizacional de hospitais e o limite na incorporação de elementos teórico-metodológicos em experiências concretas de qualificação da assistência hospitalar, as experiências do HGB e HSJB, embasadas na Gestão da Clínica e Clinica Ampliada, permitem a apreensão dos mecanismos de sua operacionalização, trazem contribuições para pensar a melhoria da qualidade assistencial dos hospitais públicos e endossam a perspectiva de viabilidade de um sistema de saúde mais qualificado. Palavras-chave: Gestão da Clinica; Clínica Ampliada; qualidade da assistência hospitalar; cultura organizacional

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Abstract

This work is aimed at systematizing, based on the literature, theoretical and methodological perspectives of Clinical Governance and Extended Clinic, identifying their principles, propositions, institutional arrangements and management devices, and analyzing, under the perspective of those approaches, two Brazilian experiences on hospital care quality improvement. Literature review and cases’ study compose the research methodology, being the categories of analysis applied in the study of experiences: (1) quality of care, (2) focus on the patient, (3) professional adherence. We discuss the comprehensiveness and scope of the experiences, the dimensions of quality considered, in addition to results, difficulties and limitations of implementing changes. Clinical Governance and Extended Clinic search for quality improvement in health care practices, through individualized care, conducted by an interdisciplinary team, with a personalized therapeutic project. They emphasize the importance of health care as a central dimension of management, identifying the patient as the focus of care. They also point out the need of patients and their families’ involvement in clinical decisions, and recommend mechanisms of risk stratification and health care quality monitoring. Additionally they underline the importance of capacitating, training and awarding the professionals as strategies to achieve adherence to the project of change, and consider the role of leadership for a successful implementation of change. In the analysis of the experiences conducted by Hospital São João Batista (HSJB) - Volta Redonda, RJ – e Hospital Geral de Bonsucesso (HGB) – Rio de Janeiro, RJ, that exemplify the two approaches, this work discuss the complexity of the process of implementing changes in the organizational culture regarding care quality, accounting for successes and limiting factors. Results observed indicate, in the HSJB experience, health care increment and improvement, efficiency gains, organizational culture and management model changes, in addition to advances in institutional democratization and in hospital legitimacy in the population. In the acute myocardial infarction care quality improvement experience of HGB emergence room, after the implementation of strategies to facilitate adherence to clinical guidelines, there was significant increase in the use of interventions scientifically recognized as efficacious, reduction of iatrogenic events, drastic reduction in reperfusion loss of opportunity, besides improvement in fulfillment of the form applied in data collection. It is concluded that, even considering the complexity of implementing changes in hospitals’ organizational culture and the limited incorporation of theoretical and methodological elements in concrete experiences of hospital care improvement, the experiences of HGB and HSJB, based on Clinical Governance and Extended Clinic, allow us to capture mechanisms of their operation, bring contributions for consideration of health care quality improvement in public hospitals, and ratify the perspective that is a more qualified health care system is viable. Key-words: Clinical Governance, Clinical Extended; quality of hospital care, organizational culture

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Apresentação

Como médica do Programa de Saúde da Família, estratégia do Ministério da Saúde de

reorientação do modelo assistencial a partir da Atenção Básica, tinha preocupação em

melhorar a qualidade do trabalho que desempenhava.

Em busca de ferramentas que pudessem me auxiliar a atingir este objetivo, busquei

qualificação profissional, através do Mestrado.

O objetivo geral deste trabalho é sistematizar literatura acerca da Gestão da Clínica e Clínica

Ampliada, identificando os seus principais princípios, proposições, arranjos institucionais e

dispositivos de gestão voltados para a qualificação da assistência à saúde, e, à luz desses

elementos, examinar duas experiências brasileiras de qualificação da assistência hospitalar.

No senso comum, a idéia que eu tinha, a priori, de Gestão da Clínica era a de que ela estaria

ligada à questão da aplicação dos protocolos e diretrizes clínicas, elaborados a partir da

medicina baseada em evidências. Algo a princípio rechaçado por grande parte dos médicos,

sob o argumento de que seria uma forma de “cerceamento da autonomia profissional”, uma

vez que trabalha com classificação e padronização das condutas clínicas. Uma estratégia a

serviço de um projeto gerencial de redução de custos.

Seria isso ou apenas isso? Que instrumentos esta proposta traria para melhoria da qualidade

de minhas práticas? De que forma esta proposta teórico-metodológica se aplicaria na prática

clínica cotidiana?

No que se refere à Clínica Ampliada, também no senso comum, a idéia era de que era uma

proposta ligada a singularização (dos sujeitos, do encontro clínico e das condutas

terapêuticas). Algo ligado à humanização das práticas em saúde e a processos como escuta

qualificada e acolhimento nos serviços. O termo “ampliada” estaria ligado à integralidade da

abordagem do indivíduo que procura o serviço de saúde. Um atendimento que buscaria

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compreender este sujeito e seu processo de saúde-doença em suas múltiplas dimensões

(fisiopatológica, social, cultural e psíquica). Para esta abordagem, a dificuldade aparente

parecia ser a questão do tempo necessário para realizar atendimentos desta natureza.

De fato, em grande parte dos serviços de saúde, a demanda por atendimento é excessiva para

o efetivo de profissionais que ali trabalham. Mas seria apenas isso ou haveria outras questões

envolvidas como, por exemplo, a incapacidade de lidar com a dor e o sofrimento do outro? De

se deixar tocar e sofrer interferência deste encontro?

Seria possível aplicar, em experiências concretas, a Gestão da Clínica, baseada em evidências

científicas, utilizando toda a racionalidade clínico-epidemiológica, sem deixar de enfatizar

questões tocadas pela Clínica Ampliada como por exemplo, acolhimento, escuta qualificada,

desenvolvimento de vínculo interpessoal entre equipe de saúde e paciente, participação ativa

do sujeito no cuidado em saúde e valorização da singularidade da história de cada sujeito?

A abordagem da Gestão da Clinica difere tanto assim em suas propostas para a melhoria da

qualidade da assistência daquelas sugeridas pela Clínica Ampliada ou seriam diferentes

linguagens (em função de seus diferentes referenciais teóricos), mas com mais pontos de

semelhança e complementaridade que antagonismo?

Tenho a percepção de que grande parte dos profissionais de saúde está pouco familiarizada

com as propostas da Gestão da Clínica e da Clínica Ampliada e por isso se vale parcamente

dos instrumentos de intervenção que estas abordagens propõem. E, por falta de preparo

técnico, que muitas vezes se associa à falta de disposição pessoal para aplicar tais

ferramentas, deixa-se de exercer uma prática clínica mais integral, menos iatrogênica e de

menor custo. Através da análise de duas experiências brasileiras com projetos de qualificação

da assistência em saúde e de revisão bibliográfica sobre os referenciais teóricos que

embasaram tais propostas, espero identificar contribuições para a melhoria das minhas

práticas como profissional de saúde.

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Capítulo 1

Introdução

Ao longo dos últimos trinta anos, diversos países (Inglaterra, Alemanha, EUA, Chile, etc.),

além do Brasil, deram início a reformas em seus sistemas de saúde. Esse é um fenômeno

complexo, ainda em curso e que vêm adquirindo diferentes contornos dependendo de onde

ocorre.

Embora o contexto e os determinantes dessas reformas sejam diferentes em cada país, alguns

elementos comuns, centrais a esta questão, podem ser identificados. De forma geral, pode-se

dizer que tem havido uma preocupação crescente, por parte dos governos, com relação à

expansão dos gastos em saúde e ao desempenho dos sistemas de saúde (Almeida, 1999,

Giovanella, 2006, Mendes, 2001).

Diferentes correntes explicativas – racionalista, sistêmica e estruturalista, por exemplo –

apontam alguns fatores para a crise dos sistemas de saúde (Starr, 1994, Marquez & Engler,

1992): envelhecimento populacional, aumento da prevalência de doenças crônicas com

acumulação epidemiológica, incorporação tecnológica descontrolada, modalidades de

pagamento que incrementam a oferta e induzem a demanda, formação excessiva de

especialistas e medicalização da sociedade.

Mendes (2001), revisando outros autores, lembra que para enfrentar a crise de seus sistemas

de saúde (que se manifesta por iniqüidade, ineficiência, ineficácia e insatisfação dos usuários),

governos tomaram diversas medidas de contenção de custos: autonomização de hospitais,

imposição de orçamentos globais, tetos para gastos com pagamento de médicos, definição de

pacotes de serviços e protocolos clínicos (objetivando a redução da variabilidade dos

procedimentos médicos), controles sobre incorporação tecnológica, introdução do co-

pagamento pelos usuários, etc.

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As reformas no setor saúde da década de 80 do último século fazem parte de um conjunto

mais amplo de reforma dos Estados que, em um contexto macroeconômico neoliberal

hegemônico, buscava aumentar a eficiência do Estado frente ao desequilíbrio fiscal.

Conforme Almeida (1999), tais reformas objetivavam “diminuir as ações do setor público,

restringir a oferta de serviços e benefícios de proteção social característicos do modelo de

bem-estar social (Welfare State) a fim de reduzir carga tributária, insular o Estado das

pressões de interesses particulares, delegar decisões a agências independentes de pressões

políticas e pautar-se por regras e não por decisões discricionárias”.

A partir da segunda metade dos anos 80, foram introduzidos nos sistemas de saúde

mecanismos de mercado, como a competição gerenciada (entre os prestadores de serviços e

seguros sociais), além de incentivos orçamentários que, juntos, objetivavam uma melhoria

gerencial voltada para o aumento da eficiência dos serviços.

Já no final dos anos 90, dentro do processo de Reforma, passaram a ser enfatizados (Almeida,

1999; Mendes, 2001; Giovanella, 2006): a correção das iniqüidades de acesso ao cuidado; a

definição de prioridades na oferta de serviços; a introdução de mecanismos de coordenação

dos diversos serviços prestados nos diferentes níveis de atenção; a separação de funções de

financiamento e execução de serviços; o fortalecimento da atenção primária em saúde; a

melhoria da saúde pública com foco na prevenção de doenças e promoção da saúde; a

introdução da avaliação tecnológica aumentando a capacidade regulatória do Estado; o

empoderamento dos cidadãos e a medicina baseada em evidências (MBE).

No Brasil, o movimento de Reforma Sanitária ocorre no final da década de 80, em

consonância com o processo de redemocratização do país e na contramão das demais

reformas que vinham ocorrendo no restante do mundo. Com seus ideais universalizantes,

conformou as bases do Sistema Único de Saúde – SUS, definido na Constituição cidadã de

1988, como um sistema de saúde público, universal, integral e gratuito (BRASIL, 2002).

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Ainda na Constituição, a saúde é definida "como resultante de políticas sociais e econômicas;

como direito de cidadania e dever de Estado" (Mendes, 1999: 62).

Noronha & Soares (2001) lembram, porém, que o contexto mais amplo de reformas do

Estado, que ocorria no restante do mundo, teve impacto importante na implementação real do

SUS. As reformas estruturais preconizadas pela política neoliberal, na América Latina,

resultaram em profundas mudanças econômicas, sociais e institucionais além de uma rígida

contenção de custos por parte dos organismos multilaterais de financiamento.

Como destacam Traverso-Yépez & Morais (2004: 80), “embora a saúde seja, pois, um direito

constitucionalmente garantido, um olhar sobre o cotidiano das práticas de saúde revela

facilmente a enorme contradição existente entre essas conquistas estabelecidas no plano legal

e a realidade de crise vivenciada pelos usuários e profissionais do setor”.

Em geral, a precariedade dos serviços públicos de saúde brasileiros é extrema. Grande parte

deles apresenta dificuldades operacionais, resultado de déficits de estrutura (falta de espaço

físico nos serviços, de equipamentos para diagnóstico e terapia, medicamentos...) além de

recursos humanos, freqüentemente não qualificados. Agravando a situação, a maioria dos

serviços de saúde trabalha com pouco planejamento e quase sempre sem nenhuma política de

avaliação de resultados. Quando muito trabalham seguindo uma lógica de produção, levando

pouco em consideração a eficiência, a eficácia e a efetividade de suas práticas. Em grande

parte deles vigora uma lógica de urgência/emergência do tipo “apaga-incêndio”, baseada no

improviso e que se presta a resolver problemas pontuais, garantir a operacionalidade ou

mesmo a sobrevivência das instituições (Azevedo, 2005). Este modo de operação não se

aproxima do cuidado: não favorece intervenções clínicas horizontais, relações interpessoais

longitudinais no tempo, nem favorece o estabelecimento de vínculos terapêuticos (Campos,

2006. Azevedo, 2005).

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O processo de fragmentação do conhecimento e a conseqüente divisão do processo de

trabalho em saúde (que resultaram, dentro da medicina, no surgimento das especialidades

médicas, dos serviços de apoio diagnóstico-terapêutico, na ultra-especialização, e fora dela,

no desenvolvimento de novas profissões no campo da saúde) também dificultam a

responsabilização sobre o cuidado clínico e o desenvolvimento de vínculo terapêutico.

Como lembra Campos (2006), nesta lógica de linha de produção, alterou-se o modo de cuidar:

o paciente é encaminhado de serviço a serviço, via sistemas de referência e contra-referência

(definidos por protocolos ou centrais de regulação), sem que nenhum profissional ou equipe

se responsabilize por ele como um todo. A relação, que outrora foi médico-paciente, foi

transformada em “diversos profissionais - paciente”. Profissionais estes que, na maioria das

vezes, nem sequer trabalham de forma interdisciplinar. Como resultados observam-se o

aumento de custos, o desperdício decorrente da repetição de exames e procedimentos, a

demora no acesso ao tratamento, enfim, baixa qualidade do cuidado à saúde.

Sá (2005) aponta que freqüentemente os serviços brasileiros de saúde não só deixam de

aliviar a dor e o sofrimento daqueles que o procuram e de produzir cuidado com a vida e

saúde como, muitas vezes, efetivamente provocam danos (de natureza física e emocional) a

esses indivíduos. Destaca que há uma banalização da dor e do sofrimento alheios, manifesta

nos serviços de saúde por apatia burocrática, corporativismo e omissão dos profissionais.

A autora relaciona essas práticas aos modos de subjetivação presentes nas sociedades

contemporâneas ocidentais – particularmente o individualismo e a competição crescentes, que

resultam em uma espécie de esgarçamento dos vínculos interpessoais e no esfacelamento das

redes sociais. Neste ambiente de exclusão social e pouca cooperação, solidariedade e

alteridade, eclode uma crise de confiança, com reflexos significativos nas relações entre

pacientes e equipe de saúde.

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Atualmente os profissionais de saúde não são mais vistos como detentores de todo o

conhecimento. Um exemplo disto é a influência do uso da internet sobre a relação médico-

paciente. Silva (2006) destaca que pacientes, cada vez mais, utilizam esta ferramenta para

obter informações sobre saúde e doença e também que isto tem colaborado para que estes se

tornem mais participativos no processo de decisão sobre sua saúde, questionando e discutindo

orientações e condutas terapêuticas. Silva et al (2007) observam que, atualmente, tem crescido

a divulgação de informações e dados envolvendo doenças, pesquisas, diagnósticos, entre

outros, pelos meios de comunicação (internet, jornais, revistas, rádio, TV, etc.), o que

caracterizam como um grande avanço na disseminação da informação em saúde.

Pires (2000) destaca que está em curso, com o processo de globalização, uma reestruturação

produtiva no campo da saúde. Há uso intensivo de equipamentos de tecnologia de ponta,

terceirização de mão de obra e precarização das condições de trabalho, com impactos

negativos no resultado do trabalho e na saúde dos trabalhadores. Como destaca Motta (2001),

o mundo do trabalho é cada vez mais inseguro e instável: os contratos de emprego tendem a

ser de curta duração, sem garantias (por exemplo, benefícios, planos de carreira ou

promoções) e sem incentivos à lealdade junto à instituição ou para a cooperação.

É neste contexto, extremamente complexo, que surgem propostas de melhoria da qualidade do

cuidado clínico. No Brasil, a medicina baseada em evidências e aspectos relacionados à

humanização da assistência têm sido apresentados como alternativas para qualificação dos

serviços de saúde. Gestão da Clínica e Clínica Ampliada são abordagens de gestão das

organizações de saúde, algumas vezes apontadas como antagônicas, que também buscam

caminhos possíveis para a melhoria da qualidade da assistência. Neste sentido, o objetivo

geral deste trabalho é sistematizar literatura acerca da Gestão da Clínica e Clínica Ampliada,

identificando os seus principais princípios, proposições, arranjos institucionais e dispositivos

de gestão voltados para a qualificação da assistência à saúde, e, à luz desses elementos,

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examinar duas experiências brasileiras de qualificação da assistência hospitalar. Os objetivos

específicos deste trabalho são:

identificar pontos de semelhança, complementaridade e / ou antagonismo entre Gestão

da Clínica e Clínica Ampliada;

destacar os principais dispositivos de gestão utilizados pela Gestão da Clínica e pela

Clínica Ampliada para garantir a adesão dos profissionais de saúde às mudanças

organizacionais propostas e para operacionalizar o princípio do “foco no paciente -

usuário” na qualificação da assistência hospitalar;

explorar os limites e possibilidades de incorporação dos elementos teórico-

metodológicos oriundos da Clinica Ampliada e da Gestão da Clínica nas experiências

de qualificação da assistência hospitalar.

identificar, nas experiências dos hospitais São João Batista (HSJB) e Geral de

Bonsucesso (HGB), os principais dispositivos utilizados para a qualificação da

assistência à saúde, resultados alcançados e limites encontrados.

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Capítulo 2

Marco Teórico Um panorama sobre a qualidade em saúde

Segundo o Institute of Medicine (IOM, 1990), qualidade da assistência à saúde é “o grau em

que serviços de saúde para indivíduos e populações aumentam a probabilidade de ocorrência

de resultados desejados e consistentes com o conhecimento profissional corrente”.

No contexto da Governança Clínica (movimento de melhoria contínua da qualidade da

assistência a saúde, desenvolvido no Sistema Nacional de Saúde do Reino Unido a partir da

segunda metade da década de noventa do último século), Donalson & Gray (1998) definem

qualidade como “fazer as coisas certas, para as pessoas certas, no tempo certo e fazer tudo

certo a primeira vez”.

Para Mendes (2002), qualidade nos sistemas de saúde implica responder, de maneira

adequada, às expectativas das pessoas. Significa oferecer serviços eficazes, respeitando a

integridade e dignidade dos indivíduos, sua autonomia e a confidencialidade das informações.

Como destaca Vuori (1988), quando se fala em qualidade em saúde, é preciso especificar que

aspectos da qualidade estão sendo levados em conta; qualidade definida por quem e para

quem. Para este autor, qualidade em saúde denota um grande espectro de características que

são desejáveis nos cuidados em saúde. Incluem: eficácia, efetividade, eficiência, eqüidade,

acessibilidade / acesso, adequação e aceitabilidade.

Eficácia de uma tecnologia ou cuidado de saúde diz respeito à capacidade potencial de

produzir o efeito desejado, sob condições ideais de uso - por exemplo, em laboratório

(Donabedian, 1990; Vuori, 1988). Já efetividade corresponde aos resultados obtidos por esta

mesma tecnologia ou cuidado de saúde, quando aplicada para um problema de saúde definido,

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em uma dada população, sob condições reais de uso. (Donabedian, 1990; Portela & Martins,

2007). Eficiência é uma relação entre resultados, impacto real de uma tecnologia ou cuidado

de saúde e seus custos de produção (Silva & Formigli, 1994; Vuori, 1988). Para Donabedian

(1990), a maior relação de eficiência é obtida quando o máximo cuidado efetivo é obtido ao

menor custo possível. Como destacam Portela & Martins (2007), a idéia de eficiência se

aproxima da otimização na alocação de recursos. Implica evitar desperdícios, buscando obter

o melhor resultado com os recursos disponíveis (máxima relação custo-benefício).

Donabedian (1990) lembra que obter efetividade máxima pode elevar demasiadamente os

custos: a partir de um determinado nível de efetividade de uma tecnologia ou de cuidado de

saúde, os ganhos adicionais em termos de efetividade passam a ser pequenos se comparados

ao aumento de custos necessário para produzi-los. Vuori (1988) acrescenta a esta análise que

levar ao extremo a qualidade técnico-científica (através do uso extensivo de procedimentos

diagnósticos e terapêuticos) pode inclusive resultar em iatrogenia, apontando que talvez o

nível ótimo de qualidade em saúde seja aquele onde a relação entre custos e benefícios

obtidos é máxima.

Eqüidade é um conceito amplo, mas que tem sido freqüentemente associado, por diversos

autores, à justiça social e à diminuição de desigualdades. Whitehead (1991), considerando a

dimensão ética deste conceito, entende eqüidade como ausência de desigualdades entre

indivíduos ou grupos (sócio-econômicos, demográficos, geográficos ou étnicos), consideradas

evitáveis e injustas. Alguns exemplos dessas desigualdades seriam a falta de acesso aos

serviços de saúde, condições de vida e trabalho insalubres ou modos de vida que impliquem

riscos para a saúde onde os indivíduos têm pouca escolha para modificá-los. Starfield (2002) e

Vuori (1988), considerando um ponto de vista igualitário, colocam que eqüidade é a

distribuição dos serviços de acordo com as necessidades de saúde objetivas e percebidas da

população. Ou seja, mais recursos são disponibilizados para populações que necessitam de

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mais serviços por apresentarem maiores desvantagens sociais ou de saúde. Para fins de uma

proposta de avaliação do desempenho de sistemas de serviços de saúde, Viacava et al (2004)

distinguem diferenças em saúde de iniqüidades. Enquanto as primeiras decorrem de processos

biológicos ou de situações que independem do livre arbítrio dos sujeitos, iniqüidades em

saúde estão associadas às políticas de saúde ou sociais que determinam o surgimento de

desigualdades na morbi-mortalidade e no acesso aos serviços de saúde.

Acessibilidade e acesso aos serviços de saúde, ora são considerados sinônimos, ora conceitos

diferentes, variando de acordo com os autores, ao longo do tempo e dependendo do contexto

em que são produzidos. Podem estar centrados em características do indivíduo, da oferta de

serviços de saúde, de ambas ou na relação estabelecida entre os dois. Para Donabedian (1973),

acessibilidade seria um conjunto de características da oferta de serviços de saúde que

obstruem ou aumentam a capacidade das pessoas de utilizá-los. Implica disponibilizar

recursos (tecnológicos e profissionais) e produzir serviços, em tempo e lugar adequados, a fim

de responder às necessidades de saúde da população. Barreiras geográficas, políticas de

seleção de pacientes (formais e informais), horário de funcionamento restrito dos serviços de

saúde e instituição do co-pagamento são exemplos de situações que podem impor menor

acessibilidade aos serviços de saúde. Para Starfield (2002), acesso seria como as pessoas

percebem a acessibilidade e como isto afeta sua decisão de procurar os serviços de saúde.

Segundo Donabedian (1990), adequação diz respeito ao suprimento de número suficiente de

serviços em relação à demanda e às necessidades dos indivíduos, enquanto aceitabilidade

refere-se ao fornecimento de serviços que estão de acordo com as normas culturais e sociais e

com as expectativas dos usuários em potencial.

Uma questão a respeito de qualidade é colocada por Vuori (1988): é melhor oferecer alguns

serviços a todos ou excelentes serviços a uns poucos apenas? Embora este autor defina

qualidade técnico-científica como “aplicação apropriada do conhecimento médico disponível,

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bem como da tecnologia, no cuidado com o paciente”, reconhece que há muitas outras

dimensões que nem sempre podem ser totalmente abarcadas. Aponta que disponibilizar para

todos o melhor que a medicina pode oferecer não é viável para a maior parte dos sistemas de

saúde e que em função de questões como acessibilidade e eqüidade pode-se não obter a

melhor qualidade técnico-científica. Além disso, assinala que alta qualidade em saúde varia

de acordo com quem a define. Políticos, por exemplo, tendem a enfatizar a eqüidade e a

adequação; administradores dos serviços de saúde focalizam a eficiência; prestadores e

consumidores de cuidados em saúde compartilham o interesse na efetividade e na alta

qualidade técnico-científica; por outro lado, acesso e a aceitação são provavelmente mais

importantes para os consumidores que para os prestadores, etc.

Donaldson & Gray (1998) apontam que diversas abordagens de melhoria da qualidade, tais

como a Gestão da Qualidade Total ou a Melhoria Contínua da Qualidade, não só tem em

comum a base teórica (em geral, se remetem aos modelos gerenciais – particularmente os

trabalhos de W. Edwards Deming) como também tem um conjunto de características comuns:

apostam na capacitação dos profissionais, no trabalho em equipe, no foco no cliente, no papel

da boa liderança, na prevenção de resultados insatisfatórios (ao invés de correção) e na

“análise-simplificação-melhoria” dos processos de trabalho. Todos os ciclos de melhoria da

qualidade, por exemplo, o da Gestão da Qualidade Total (PDCA- Plan- Do- Check –Act) ou o

da auditoria clínica, procuram responder basicamente quatro perguntas: Onde estamos? Onde

queremos chegar? Como faremos para chegar lá? Como vamos saber se chegamos lá? O

caminho a percorrer para responder tais perguntas assim poderia ser resumido:

1) escolher um evento a ser avaliado/auditado;

2) mensurar o evento antes do processo de avaliação/auditoria, estabelecendo assim um

ponto de partida;

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3) estabelecer os padrões que serão utilizados no processo de avaliação/auditoria (baseados

em evidências científicas);

4) coletar os dados, analisá-los e compará-los aos padrões pré-estabelecidos;

5) identificar oportunidades de melhoria;

6) sugerir mudanças;

7) implementá-las;

8) avaliar as mudanças;

9) rever os padrões;

10) estabelecer novos padrões baseados em novas evidências.

Avedis Donabedian (1980), referência na abordagem da qualidade nos serviços de saúde,

propôs que a avaliação dos serviços de saúde fosse feita utilizando as categorias estrutura,

processo e resultado. Estrutura refere-se os recursos (físicos, financeiros, organizacionais e

humanos) que estão disponíveis para oferecer o serviço. São, por exemplo, as instalações

físicas, os equipamentos, medicamentos e a força de trabalho em saúde. Processo, segundo o

autor é o próprio atendimento: um conjunto de atividades desenvolvidas na relação entre

profissionais e pacientes. Alguns exemplos de processos de produção de cuidados em saúde

são a anamnese, os procedimentos diagnósticos, terapêuticos e de reabilitação e o seguimento

clínico. Resultados em saúde são mudanças na saúde dos pacientes atribuídas a um cuidado

prévio; são as conseqüências dos atendimentos realizados, expressos em termos de melhoria

da saúde, da capacidade funcional, prolongamento da vida, alívio da dor ou sofrimento e

satisfação do paciente. A princípio, os resultados do cuidado refletem, indiretamente, efeitos

da estrutura e dos processos (Donabedian, 1992). Silva & Formigli (1994) destacam a

avaliação da satisfação do usuário como um componente relevante para a qualidade dos

serviços, uma vez que o grau de satisfação ou de insatisfação pode influenciar na adesão ao

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tratamento e às ações preventivas recomendadas pelos profissionais. Satisfação do usuário diz

respeito à percepção subjetiva que o indivíduo tem sobre o cuidado que recebe. Pode estar

relacionada a aspectos da infra-estrutura material dos serviços (existência de equipamentos,

medicamentos, etc.), à presença de amenidades (ventilação, conforto, etc.) e a representações

do usuário sobre o processo saúde-doença. Decorre também das relações interpessoais entre

os profissionais e o paciente, que por sua vez, podem, em diversas condições clínicas,

interferir no próprio desfecho terapêutico. Estes autores destacam ainda que a incorporação da

avaliação como prática sistemática nos diversos níveis dos serviços de saúde poderia propiciar

aos seus gestores as informações importantes para a análise da situação de saúde, definição de

prioridades, elaboração de estratégias de intervenção e reorientação de práticas.

Especificidades das organizações e do trabalho em saúde e desafios do processo de

mudança de cultura organizacional para a gestão

Diversos autores (Dussault, 1992; Cecílio, 1997; Mendes, 2002; Ribeiro et al, 2004;

Mintzberg, 2006) apontam que os serviços de saúde apresentam um conjunto de

características específicas que tornam sua organização e gestão bastante complexas.

Natureza das organizações de saúde

Uma primeira característica das organizações de saúde é que elas prestam serviços. O trabalho

em saúde é “... um trabalho da esfera da produção não material, que se completa no ato de sua

realização. Não tem como resultado um produto material, independente do processo de

produção e comercializável no mercado. O produto é indissociável do processo que o produz;

é a própria realização da atividade". Pires (2000: 85).

Ribeiro et al (2004), mencionam que isto gera incerteza em relação às necessidades do cliente,

ao volume, ao tipo e ao momento de ofertar estes serviços, dificultando o planejamento da

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relação custo/benefício das ações em saúde. Dussault (1992) aponta que, além das

necessidades dos usuários de serviços de saúde serem muito variáveis e com múltiplas

dimensões (biofísicas, psicossociais...), sua definição varia em função do tipo de problema (se

agudo ou crônico), da clientela (se crianças, idosos, homens ou mulheres), da classe social e

até mesmo das representações de saúde, doença e morte. Destaca também a dificuldade de

avaliar e medir resultados (principalmente em doenças crônicas, mentais, psicossomáticas ou

quando há comorbidades), ampliada pela incerteza quanto ao que seja boa prática médica. A

qualidade da assistência é pensada, de forma implícita, como sendo conseqüência da

excelência dos profissionais (Cecílio, 1997);

Mendes (2002) assinala algumas outras características em relação à natureza desse tipo de

organização: (1) lidam com a saúde - um bem intangível, inalienável, que não pode ser

acumulado, sujeito a riscos imprevisíveis e sem um valor de mercado (o que torna os serviços

que lidam com saúde menos suscetíveis à racionalização técnica e organizacional); (2) são

instituições que acompanham o sujeito por toda a vida, o que aumenta a probabilidade de, em

algum momento, serem avaliadas, por seus usuários, como provedoras de serviços não

satisfatórios; (3) possuem indivisibilidade, ou seja, são serviços que servem da mesma forma

a um ou inúmeros consumidores; (4) são carregados de externalidades: uma determinada

intervenção sobre um indivíduo (ou uma não-intervenção) tem a capacidade de interferir no

coletivo; (5) constituem bens públicos (alguns serviços de saúde), ou seja, o consumo por uma

pessoa não reduz a quantidade disponível para os outros consumirem e devem estar

disponíveis para todos.

Ainda em relação à natureza das organizações de saúde, Mintzberg (2006) as classifica como

organizações profissionais. Ou seja, são instituições que dependem dos conhecimentos e

habilidades de seus funcionários para oferecer serviços de qualidade. O ofício médico, por

exemplo, embora seja técnico-científico, mantém a característica de ser um trabalho do tipo

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artesanal e autônomo, uma vez que o profissional possui certa independência no processo

decisório e domínio de conhecimentos. Médicos executam processos de trabalho bastante

complexos, o que dificulta sua formalização e avaliações de desempenho. A ampla autonomia

no desempenho de suas atividades faz com que esses profissionais não admitam mecanismos

de coordenação / controle autoritários ou supervisão da qualidade do trabalho que seja externa

àquela realizada por sua associação profissional (por exemplo, supervisão direta).

Processos de trabalho nas organizações de saúde

Organizações de saúde possuem grande diversidade de seus processos de trabalho. Dentro de

um hospital, além dos serviços finalísticos (cuidados médico e de enfermagem propriamente

ditos), há serviços intermediários de diagnóstico (laboratório de análises clínicas,

radiodiagnóstico, medicina nuclear...), serviços gerais (lavanderia, hotelaria, limpeza,

segurança...), serviços de apoio técnico-administrativo (almoxarifado, farmácia, registro de

informações sobre os pacientes, transporte de pacientes...) e serviços administrativos

(contabilidade, planejamento, gerência de Recursos Humanos, etc.).

Pires (2000) destaca algumas outras características do processo de trabalho em saúde: é um

trabalho coletivo institucional (uma vez que é realizado por diversos profissionais de saúde e

outros trabalhadores), envolve características do trabalho assalariado, da divisão parcelar do

trabalho e do trabalho profissional artesanal. Em função da divisão do trabalho, os médicos,

que antes possuíam amplo conhecimento, transformaram-se em especialistas: suas atividades

se fragmentaram e os mesmos passaram a requerer complementaridade de outros

profissionais. Os trabalhos da enfermagem e da farmácia-bioquímica também são

fragmentados a fim de obter aumento da produtividade, com a característica de estarem sob o

controle gerencial de profissionais de nível superior. Como conseqüências dessa

compartimentalização, os trabalhadores perderam a compreensão da totalidade do processo de

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trabalho e do sujeito que necessita de cuidados, alienando-se e se eximindo da

responsabilidade pelo cuidado clínico integral. Além disso, os profissionais duplicam seus

esforços, que às vezes se tornam contraditórios (Campos, 1997: 247, Pires, 2000:89). Além da

divisão do trabalho, outros princípios da gerência científica Taylorista podem ser

identificados nos serviços de saúde, principalmente nas áreas administrativas, de enfermagem

e farmácia-bioquímica: (1) separação entre planejamento, concepção e direção da execução

dos processos de trabalho, com concentração de saber e poder de planejar e decidir nos

dirigentes; (2) mecanismos de controle do trabalho (como por exemplo, registros de

quantidade de trabalho desempenhado / produtividade, controle do tempo de execução das

tarefas, etc.; (3) mecanismos que visam obter a menor variação possível na execução de

tarefas (normas administrativas, padronizações técnicas...).

Gestão das organizações de saúde

Em organizações de saúde, típicas organizações profissionais (Mintzberg, 2006), o principal

mecanismo de coordenação é a padronização das qualificações. Ou seja, fica a cargo das

instituições de formação e das associações profissionais formalizar os saberes e as habilidades

desses trabalhadores. São organizações descritas por Mintzberg (2006) como pirâmides

invertidas: seus operadores (profissionais de saúde que produzem os serviços oferecidos pela

organização) ficam no topo, acumulando bastante poder, enquanto os administradores ficam

na base, lhes oferecendo suporte. Organizações profissionais são descentralizadas, tendo o

núcleo operacional como sua parte principal e um núcleo menor de gerentes e planejadores-

analistas. Os operadores profissionais não apenas controlam seu próprio trabalho

(estabelecimento de rotinas e esquemas terapêuticos, escalas de plantão...) como também

intervêm sobre decisões administrativas que os afetam (por exemplo, contratação de colegas e

suas promoções, alocação de recursos, etc.). O fazem de duas formas: ou os próprios

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desempenham também papéis administrativos ou os que lá estão foram por eles aprovados ou

indicados. No âmbito administrativo, os profissionais-operadores participam ainda de comitês

permanentes e de forças-tarefa. Mintzberg (2006) destaca que, freqüentemente, organizações

profissionais têm hierarquias administrativas paralelas: uma para a equipe de apoio,

firmemente gerenciada pelo alto escalão (chefes dos hospitais, diretores executivos...), e outra,

bastante democrática, de baixo para cima – para os profissionais. Na primeira, a autoridade é

de natureza hierárquica; o poder advém do cargo. Na segunda, a autoridade é de natureza

profissional; o poder advém da especialização. Cecílio (1997) assinala o grande conflito entre

enfermeiros e médicos: apesar de serem os primeiros os responsáveis por gerenciar o

cotidiano dos serviços (insumos, limpeza, fluxo de exames, contato com familiares...), em

geral, os chefes das unidades assistenciais são os médicos. Como conseqüência, há uma

exacerbação do espírito de corpo da enfermagem, que tenta consolidar seu espaço frente ao

poder dos médicos. Enquanto isso, as chefias médicas fazem pouca interlocução com os

profissionais não médicos de suas unidades assistenciais e não assumem o papel de

representantes das demandas dos serviços junto à direção. Outro problema apontado pelo

autor é que, no geral, os conflitos não são resolvidos dentro da equipe: são encaminhados

“para cima” – para as respectivas direções (médica, de enfermagem e administrativa). Estas,

por sua vez, passam a não conseguir planejar ou avaliar a qualidade, sobrecarregados com o

papel de “apaga-incêndios”.

Mintzberg (2006) destaca que, em organizações profissionais, os administradores têm um

poder indireto: embora não controlem o trabalho profissional, funcionam como relações

públicas, como captadores de recursos junto aos agentes externos (governos, financiadores,

associações de clientes...), amortecem pressões externas sobre os profissionais,

salvaguardando sua autonomia, são mediadores de conflitos (entre profissionais e entre estes e

equipes de apoio ou pessoas externas) e gerenciam a maior parte dos serviços de apoio.

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Apenas serviços de apoio mais críticos para questões profissionais são decididos

coletivamente por profissionais e administradores de diversos níveis e unidades. Entretanto...

“O administrador mantém seu poder somente enquanto os

profissionais consideram que ele atende seus interesses efetivamente”

Mintzberg (2006: 315)

Segundo este autor, em função de suas características, organizações profissionais enfrentam

problemas de coordenação, de discernimento e de inovação. De coordenação, entre os

próprios profissionais e entre estes e as equipes de apoio. Como lembra Cecílio (1997), a

interlocução entre os médicos é praticamente para elaborar escalas de trabalho. Práticas

interprofissionais voltadas para a melhoria da qualidade como, por exemplo, estabelecimento

conjunto de protocolos e rotinas que digam respeito à prática de todos os trabalhadores,

discussão de casos clínicos e avaliação de condutas, comissões (de prontuário, de revisão de

óbitos...) em geral, não acontecem.

Entre os profissionais da área assistencial e os de apoio também há conflitos: enquanto os

primeiros querem dar as ordens e se queixam da morosidade e/ou da qualidade dos serviços

de apoio, estes se queixam da falta de compromisso da área assistencial com a qualidade, do

não cumprimento das rotinas para requisições, do desperdício e do desleixo com os

equipamentos e materiais. Em relação aos problemas de discernimento, Mintzberg (2006)

ressalta que profissionais altamente autônomos podem ignorar as necessidades de seus

clientes ou não aderir aos objetivos e projetos organizacionais (tendem a ser mais leais à sua

profissão que à organização). Em relação à dificuldade para inovação, aponta que isto se dá

em função da complexidade dos processos coletivos de decisão e da relutância dos

profissionais à cooperação. Dussault (1992) destaca que, embora a autonomia profissional

seja necessária para oferta de serviços de qualidade (a fim de adaptá-los às singularidades dos

indivíduos), ela tende a favorecer a segmentação da organização em grupos, freqüentemente

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com interesses divergentes. Como conseqüências surgem o corporativismo, as rivalidades

profissionais e a dificuldade para realizar um trabalho interdisciplinar.

Para Cecílio (1997), os modelos de gestão adotados pelos hospitais públicos brasileiros não

têm conseguido enfrentar duas de suas principais questões: equacionar o alto grau de

especialização e de autonomia dos trabalhadores (principalmente dos médicos) com a

necessidade de coordenação da organização como um todo, bem como a tensão entre o poder

técnico dos profissionais e o administrativo, da direção.

“De um lado, a necessidade de controle ou de governar que a administração superior tem a

fim de imprimir racionalidade ao funcionamento do hospital, a partir de objetivos gerais de

eficiência e eficácia; de outro, os médicos que são ciosos da auto-regulação profissional e da

autonomia individual de cada um deles. Trata-se, então, da disputa entre a adoção de regras

de natureza burocrática ou de natureza mais profissional”.

Cecílio (1999: 321)

A relação médico-paciente

Uma característica importante e específica das organizações de saúde é que a relação entre

seus profissionais e os usuários desses serviços é bastante assimétrica: em informação e

poder. Como destaca Dussault (1992), mesmo usuários com bom nível educacional e com

amplo acesso a informações sobre saúde (atualmente facilitado pela internet) detêm menos

conhecimento sobre o tema que os profissionais de saúde. Outro aspecto é que pacientes nem

sempre são capazes de determinar quais são suas necessidades de saúde e não sabem como

atendê-las. Diferente de produtos, que podem ser testados pelo consumidor antes de serem

comprados, os serviços de saúde são produzidos e consumidos simultaneamente.

Mendes (2002) destaca que isto introduz o elemento confiança entre o prestador e

consumidor, onde o segundo acredita que os cuidados recebidos serão norteados pela

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preocupação dos primeiros com suas necessidades e seu bem estar. Teoricamente, os cuidados

prescritos não deveriam ser limitados por condições financeiras e supostamente seriam

destituídos de auto-interesse. Entretanto, o autor lembra que a forte assimetria de informação

e a urgência de alguns serviços de saúde estão na base de um fenômeno chamado “indução da

demanda pela oferta”. Este pode acarretar o uso irracional de tecnologias em saúde,

principalmente se os profissionais de saúde forem remunerados por unidades de serviços

produzidos. Para este autor, tecnologias em saúde representam, tanto para profissionais

quanto para usuários, um poderoso fetiche: tendem a ser consumidas, independentemente da

real necessidade dos usuários.

Campos (2000, 2006) assinala que o processo de trabalho em saúde é sempre uma interação

intersubjetiva, onde os sujeitos envolvidos (usuários-pacientes e profissionais de saúde)

apresentam diferentes conhecimentos, expectativas, interesses e desejos. Essas assimetrias,

embora consideradas legítimas pelo autor, normalmente são veladas. Por um lado, os

pacientes procuram os serviços de saúde (e seus profissionais) em busca de socorro, apoio ao

sofrimento, melhoria do seu estado de saúde ou reabilitação. Para eles, o momento do

encontro clínico é singular e angustiante. Já para o profissional, este é um momento

corriqueiro e previsível. Geralmente ele está ali buscando realização profissional e pessoal,

além de sobrevivência financeira. Outro aspecto é que essa assimetria de poder entre usuário-

paciente e profissional de saúde é sempre favorável ao segundo: afinal, profissionais de saúde,

além de possuir os conhecimentos técnicos, detêm a possibilidade de intervenção sobre o

corpo e a vida daquele que o procura.

Em relação às expectativas, Campos (2006) aponta que profissionais de saúde tendem, de uma

forma geral, a operar como se seus pacientes tivessem apenas o interesse de melhorar seu

estado de saúde e viver mais, algo que se encontra no campo racional. Como destaca este

autor, interesse é um conceito originado em escolas de recorte racionalista, que admitem a

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capacidade de cálculo do sujeito em função de resguardar a própria sobrevivência física e

social (auto-conservação). Já o desejo seria uma tendência psíquica (inconsciente) do sujeito

de buscar o prazer, o gozo, que pode inclusive voltar-se para finalidades perversas,

destrutivas, tanto em relação a si quanto aos outros ou ao contexto. Além disso, o autor

destaca que o desejo não se subordina completamente à racionalidade do interesse ou às

conveniências culturais e sociais.

Segundo Campos (20006), correntes da psicologia, da pedagogia cognitiva e da sociologia

funcionalista sugerem que a educação, o conhecimento e a delegação de responsabilidade e

poder às pessoas as capacitariam a fazer melhores escolhas. Para o autor, boa parte do

pensamento gerencial contemporâneo (do Taylorismo à Qualidade total) trabalha com uma

concepção de modelagem do sujeito a partir do controle (intimidação social por leis e regras e

punição aos transgressores) e de aprendizado pela concorrência.

Dimensão ética e moral nos serviços de saúde

Dussault (1992) destaca questões como sigilo profissional, direito à informação sobre sua

condição clínica, garantia de continuidade do tratamento (por exemplo, se prematuro ou

pacientes terminais), intervenções experimentais, eutanásia e a própria definição de

prioridades para alocação dos recursos como exemplos de questões ético-morais. Se esses

serviços de saúde forem públicos, há ainda problemas relacionados à interferência política,

burocracia, centralização excessiva das decisões, ineficiência, além de custos elevados (uma

vez que não podem selecionar usuários por classe sócio-econômica, gênero ou etnia nem

deixar de atender os mais dispendiosos). Cecílio (1997, 1999) acrescenta questões como a

presença de clientelismo e da pouca governabilidade para execução orçamentário-financeira,

para aquisição de bens e serviços e para reposição da força de trabalho. Dussault (1992)

destaca que o setor saúde é permeado de múltiplos interesses e projetos, freqüentemente

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divergentes, uma vez que nele atuam diversos atores sociais (usuários, profissionais de saúde,

gestores, empresas de materiais e produtos, seguradoras, estabelecimentos privados...). Um

reflexo desta segmentação dentro das organizações de saúde é a dificuldade de se realizar

processos de mudança envolvendo toda a organização. Por outro lado, o autor assinala que, se

houver renúncia ao corporativismo e às rivalidades profissionais, a grande autonomia que os

profissionais de saúde detêm em seus processos de trabalho facilita mudanças no nível das

unidades. Para ele, organizações de saúde não podem ser burocratizadas. Devem ser flexíveis

para enfrentar as mudanças das necessidades e expectativas de sua clientela e para tomar

decisões rápidas, características do trabalho em saúde. Devem democratizar seus processos

gerenciais, através de uma gestão colegiada e envolver seus profissionais na formulação dos

objetivos organizacionais e na avaliação dos resultados obtidos. Devem ainda ser

descentralizadas (facilitadoras do trabalho autônomo), mas precisam operar mecanismos de

controle da qualidade e de imputabilidade transparentes, na perspectiva da melhoria dos

serviços.

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Capítulo 3

Métodos

Para atingir a primeira parte do objetivo geral deste trabalho – sistematizar a literatura

relacionada às perspectivas teórico-metodológicas Gestão da Clínica e Clínica Ampliada,

identificando seus principais princípios, proposições, arranjos institucionais e dispositivos de

gestão voltados para a qualificação da assistência à saúde – foi realizada uma revisão

bibliográfica dos textos afins à Gestão da Clínica e Clínica Ampliada, de forma a obter

sistematização de literatura relativa a estas abordagens teórico-metodológicas. Ainda que não

tenha sido realizada uma revisão sistemática da literatura, alguns conteúdos, como por

exemplo, Governança Clínica, Medicina Baseada em Evidências e Gestão da Qualidade foram

leituras estruturantes, muito enfatizadas.

No formato de dois quadros – síntese (Quadros 1 e 2) foram apresentados, na visão deste

trabalho, os principais princípios e preposições destas duas abordagens, além dos principais

arranjos institucionais e dispositivos de gestão sugeridos por estas para qualificação da

assistência. Os itens apresentados primeiro, em cada uma das sub-divisões de cada quadro,

são aqueles que de alguma forma apresentam certo paralelismo nas duas abordagens.

Como fontes de pesquisa foram utilizadas publicações – livros e revistas, além de periódicos,

pesquisados nas bases de dados BVS, MEDLINE, SCIELO e LILACS.

Como descritores para a pesquisa nos bancos de dados foram selecionados os seguintes:

medicina baseada em evidências, diretrizes para a prática clínica, cuidado centrado no

paciente, assistência integral à saúde, qualidade da assistência à saúde, avaliação de

desempenho, gestão em saúde, clinical governance, evidence based medicine , managed care

e quality management .

A metodologia de pesquisa utilizada para analisar as duas experiências de qualificação da

assistência hospitalar foi o estudo de casos. Realizou-se uma revisão documental de

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periódicos, livros, documentos técnicos, conteúdo de cursos ministrados pelos autores e

relatórios de pesquisa relacionados a estas experiências.

Como casos foram estudados as experiências com qualificação hospitalar do Hospital São

João Batista, localizado no município de Volta Redonda, Rio de Janeiro, e do Hospital Geral

de Bonsucesso, localizado no município do Rio de Janeiro, no mesmo estado. As experiências

foram selecionadas a partir de critérios de oportunidade e conveniência. Foram incluídas

experiências de qualificação da assistência no âmbito hospitalar, no Brasil, que envolvessem

mais de uma dimensão da qualidade em saúde e que trouxessem um ou mais exemplos de

aplicabilidade do referencial teórico-metodológico estudado (Gestão da Clínica e Clínica

Ampliada).

Embora o caso do Hospital Geral de Bonsucesso não seja um exemplo completo de

implementação do modelo de Governança/Gestão da Clínica (por não possuir ampla

abrangência organizacional – um de seus princípios), ele foi selecionado por ter sido uma

experiência de implementação bem sucedida de diretrizes clínicas no sistema público de

saúde brasileiro – SUS (a utilização de diretrizes clínicas é um dispositivo estruturante da

Gestão da Clínica), por ter tido a preocupação com a avaliação sistemática dos resultados

alcançados (em termos de melhoria da qualidade assistencial) e por ter sido uma experiência

que efetivamente utilizou como referencial teórico a Medicina Baseada em Evidências e a

Governança/Gestão da Clínica.

A escolha da experiência do Hospital São João Batista se deu pelo fato de ter tido abrangência

organizacional, ter sido bastante extensa (período de mais de 10 anos), por ter realizado

monitoramento permanente dos resultados e por ter incorporado elementos teóricos e

propostas da Clínica Ampliada. Um limite desta análise se deve ao fato desta experiência não

ter tido a preocupação de utilizar exclusivamente como referencial teórico, elementos da

Clínica Ampliada.

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Foram utilizadas três categorias de análise para examinar as publicações que trataram dessas

experiências:

- qualidade da assistência;

- foco no paciente;

- adesão profissional às mudanças organizacionais.

Considerando estas categorias de análise, a investigação das experiências de qualificação da

assistência hospitalar foi desenvolvida a partir das seguintes questões:

Como se deu o processo de reorganização do processo de trabalho em saúde voltado

para a melhoria da qualidade nesses hospitais?

Que dimensões da qualidade foram trabalhadas no processo de qualificação da

assistência desses hospitais?

Que dispositivos no campo da gestão e coordenação do trabalho foram utilizados a fim

de obter maior qualidade no cuidado clínico?

Como a gestão abordou os sujeitos envolvidos (usuários e profissionais de saúde)

nessas experiências?

Como foi estimulada a adesão dos profissionais de saúde às mudanças organizacionais

desencadeadas por esses projetos de qualificação?

Como foi operacionalizado o princípio do foco no paciente - usuário nos processos de

qualificação da assistência hospitalar?

Após o estudo dos casos, foi elaborado um quadro- síntese dessas experiências (Quadro 3),

destacando os principais dispositivos utilizados nos hospitais São João Batista (HSJB) e Geral

de Bonsucesso (HGB) na qualificação da assistência à saúde.

Considerações éticas do estudo

Dada a natureza da pesquisa, não houve implicações éticas para a condução deste estudo, não

tendo sido necessário submetê-lo a comitê de ética.

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Capítulo 4

Sistematização dos princípios e proposições da Clínica Ampliada e

da Gestão da Clínica CLÍNICA AMPLIADA Princípios Clínica reformulada e ampliada, também denominada pelo autor (Campos, 2000, 2006) de

clínica do sujeito e clínica ampliada e compartilhada, é uma metodologia de trabalho, descrita

na teoria Paidéia.

Teoria Paidéia é uma concepção do professor Gastão Wagner de Souza Campos, apresentada

em sua tese de livre docência. É um modelo interpretativo: uma rede de conceitos,

estruturados a partir de três vertentes teóricas: a teoria da produção social dos fatos históricos

(Gramsci, 1978 apud Campos, 2006), a teoria da complexidade (Morin, 1994 apud Campos

2006) e de diversas concepções sobre subjetividade, destacando o paradigma psicanalítico

(Freud [1933], 1969 apud Campos 2006). Para construção desta teoria, o autor apoiou-se

também nos conceitos “modos de vida” e “sujeito” do professor Mário Testa (1997) e no

“movimento de vida e saúde”, de Almeida Filho (2004).

O termo Paidéia se remete à Grécia clássica e indica a formação integral do ser humano:

cuidar da saúde, da educação, das relações sociais e do ambiente, considerando as

necessidades dos indivíduos e das coletividades e respeitando as diferenças entre pessoas e

grupos (Campos, 2003). Paidéia constituía-se em uma estratégia - um conceito operativo que

enfatizava a necessidade de formar indivíduos-cidadãos, capazes de exercer a democracia na

sociedade ateniense. (Jaeger, 1986 apud Campos, 2006). Era um aprendizado social: uma

capacidade, obtida após esforço sistemático e planejamento, de lidar com os interesses,

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desejos e valores de outros sujeitos. Um processo de desenvolvimento ampliado das pessoas,

capacitando-as a compreender e agir sobre si mesmos e sobre o contexto, estabelecendo

compromissos e contratos com outros sujeitos (Campos, 2006). No contexto atual, a teoria

Paidéia é uma proposta de reorganização da assistência clínica e da gestão do trabalho em

saúde. É um sistema analítico aberto, que nega a predominância da determinação social,

biológica ou subjetiva dos processos saúde-doença. Reconhece a influência destes fatores

sobre os modos de vida dos sujeitos e seus processos de adoecimento, mas defende que o grau

com que interferem depende de cada situação singular. Além disso, considera ainda o papel

de fatores subjetivos, da clínica e da organização de sistemas de saúde na produção de saúde,

na expectativa e qualidade de vida das pessoas (Campos, 2006).

A teoria Paidéia trabalha com dois grandes campos de conhecimento e de trabalho em saúde:

o clínico, exercido nos hospitais e ambulatórios e o de saúde coletiva, presente nos programas

de saúde pública. Procura incorporar em suas análises saberes provenientes destes campos,

além de conhecimentos de saúde mental, pedagogia, antropologia, planejamento, gestão,

ciências sociais e ciências políticas.

A concepção Paidéia é uma reconstrução ampliada do modelo biomédico, base da clínica

contemporânea; uma reformulação do paradigma da Medicina Baseada em Evidências

(MBE). Este método propõe que os serviços de saúde, além de produzir bens e serviços,

contribuam para a constituição do sujeito (sua subjetividade, capacidade de análise...),

construção de cidadania e co-produção de autonomia. A concepção Paidéia sugere a

reorganização do processo de trabalho clínico-sanitário com base nos conceitos de Clínica

Ampliada e gestão democrática dos serviços e do trabalho em saúde.

Uma clínica ampliada é uma clínica centrada nos sujeitos, que considera a doença como parte

de suas existências e não a sua totalidade (Campos, 2003). É aquela capaz de compreender o

indivíduo e seus problemas de saúde, inseridos em um território e em redes sociais (família,

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espaços de trabalho e de convivência) e que se abre a perceber e ajudar o sujeito doente a

construir sua percepção sobre a vida e o adoecimento (Cunha, 2005). Uma clínica que parte

da concepção da co-produção singular dos sujeitos, das organizações, dos processos saúde-

doença e dos acontecimentos em geral (Campos, 2006).

Co-produção singular do sujeito, pois, em espaços dialógicos, os indivíduos influenciam e

são influenciados pelos sujeitos com quem interagem, em um dado momento, únicos. Sofrem

interferências de fatores imanentes e transcendentes a eles próprios como, por exemplo, o

contexto organizacional, cultural, político e sócio-econômico onde estão inseridos e que, por

sua vez, poderão ser determinantes de seus comportamentos. Para o autor (Campos, 2006),

existe uma co-responsabilidade dos indivíduos e sujeitos coletivos sobre o processo saúde-

doença e na construção dos contextos singulares. Embora múltiplos fatores se apresentem

simultaneamente, o impacto de cada um deles sobre o status de saúde de um indivíduo ou

coletividade é diferente, dependendo do contexto. Governos, equipes de saúde, comunidade

ou o próprio indivíduo podem ser, isoladamente ou em conjunto, com iguais ou diferentes

responsabilidades, os agentes fundamentais na produção de um determinado desfecho clínico

ou sanitário. A teoria Paidéia e a Clínica Ampliada consideram a singularidade de cada

situação e propõem variadas possibilidades de intervenção em saúde coletiva e projetos

terapêuticos adequados às necessidades singulares. A Clínica Ampliada permite ao

profissional de saúde, com relativa autonomia, adaptar a padronização de condutas

diagnósticas e terapêuticas às inevitáveis variações presentes em cada caso. Para Campos

(2003), padronizações, programações e planejamento implicam supor regularidades, que de

fato existem, mas que “nunca se repetem exatamente...” Ao incorporar à prática clínica, o

sujeito e seu contexto, a prática clínica precisa ter plasticidade suficiente para dar conta da

variabilidade biológica, psíquica e social dos casos e da imprevisibilidade da vida. Como

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apontam Campos & Amaral (2007), é preciso reconstruir certo traço artesanal do trabalho

clínico.

O termo ampliada faz oposição à clínica degradada, sendo as duas, variantes da clínica oficial

(Campos, 2003). Para o autor, a clínica oficial opera com um objeto de estudo e trabalho

muito reduzido: valoriza demasiadamente aspectos biológicos do processo saúde-doença, em

detrimento das dimensões subjetiva e social. Além disso, em sua opinião, é uma clínica

marcada pelo mecanicismo, pela fragmentação do cuidado e pela unilateralidade de

abordagem, rejeitando o saber leigo e a circulação de afetos entre os envolvidos; uma clínica

que opera considerando pouco a influência de fatores políticos, cognitivos e efetivos no

encontro clínico e que não se responsabiliza pela integralidade dos sujeitos. Para Campos

(2003), a clinica é degradada quando é submetida a interesses econômicos corporativos ou

desequilíbrios muito pronunciados de poder. Políticas de saúde ineficazes, empresas médicas

dificultando o livre arbítrio dos médicos e impondo restrições, médicos alienados e

desinteressados, que atendem seus pacientes de forma padronizada, praticamente sem ouvir

suas queixas ou valorizar suas singularidades... todos degradam a clínica. (Campos, 2002,

2003).

Clínica Ampliada é a redefinição do objeto, do objetivo, dos conhecimentos e práticas clínico-

sanitárias, dos meios de trabalho da assistência individual, familiar ou a grupos, das

intervenções terapêuticas e dos resultados em saúde. É ampliada também por considerar que

todo profissional de saúde que atenda ou cuide de pessoas, e não apenas o médico, realiza

clínica. (Campos, 2003).

Em relação ao objeto de trabalho da clínica, passa-se da doença do paradigma biomédico para

pessoas que, além de serem portadores de uma doença, vivem em um contexto familiar,

cultural, econômico e social específicos. Além de apresentarem fatores de risco, são sujeitos -

com modos de vida que implicam em maior ou menor risco de adoecimento. (Campos, 2003,

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Onocko Campos & Campos, 2006, Campos & Amaral, 2007). Indivíduos que trazem ao

encontro clínico conhecimentos, cultura, experiências com a vida e com o sofrimento,

desejos, interesses e vontades, além de estarem inseridos em um contexto.

Assim, incorporando esses fatores, a forma como os profissionais de saúde oferecem seu

saber técnico especializado aos pacientes-usuários se altera e o núcleo do conhecimento e o

exercício das práticas clínico-sanitárias se ampliam. Para exercer a Clínica Ampliada é

necessário colocar em contato a visão biomédica - ancorada na anatomia patológica (Foucault,

apud Onoko Campos & Campos (2006), com a dimensão da escuta e da fala do usuário

(Freud apud Onoko Campos & Campos (2006). É necessário reconhecer o outro como sujeito

e não como objeto das intervenções em saúde. Envolve modificação de valores e posturas dos

profissionais frente aos usuários, que precisam ser valorizados. Para o autor, é necessário

combinar diferentes lógicas no exercício da Clínica Ampliada: aplicar a racionalidade

científica, mas considerar também o saber popular, a cultura, os interesses e desejos dos

indivíduos. Para o autor, a medicina e a saúde pública sempre enfatizaram mais o ganho em

anos de vida de que a intensidade de viver, recomendando de forma moralista e normativa,

moderação nos hábitos de vida e algum grau de renúncia ao prazer e a felicidade em nome da

extensão da sobrevivência (Campos, 2003). Como destaca Cunha (2005), profissionais de

saúde estão muito mais acostumados a falar do que a ouvir. Com algum grau de autoritarismo,

orientam enfaticamente os pacientes sobre o que fazer e evitar, muitas vezes infantilizando-os.

E quando as ordens não são seguidas, ou o paciente tem outras prioridades, os profissionais

muitas vezes se irritam, de forma inconsciente, dificultando ainda mais o diálogo e a

possibilidade de uma proposta terapêutica pactuada com o paciente. Este autor destaca a

importância de produzir co-responsabilidade e não culpa.

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Objetivos da Clínica Ampliada

O primeiro objetivo da Clinica Ampliada não poderia deixar de ser produzir saúde. A

proposta é que, assim como no paradigma biomédico, isto ocorra através de ações de

promoção à saúde, prevenção de agravos, intervenções curativas e de reabilitação, mas

enfatiza que tais ações dever estar sempre encarnadas em sujeitos. Propõe que se busque sim

redução da morbidade, dos riscos e vulnerabilidades (individuais, no caso da clínica e

coletivas no caso da saúde coletiva), mas não sobre indivíduos e sim junto ou com as pessoas

e comunidades. A proposta é incluir o sujeito no trabalho em saúde. (Campos, 2003, 2006).

O segundo objetivo da Clínica Ampliada é a co-produção de autonomia. Para Campos

(2006), a autonomia dos sujeitos é a capacidade de participar da construção das regras e

normas da sociedade, estabelecer contratos sociais com outros sujeitos, compreendendo,

refletindo e agindo sobre si e sobre o contexto onde está inserido. É sempre uma construção

gradativa e relativa, uma vez que ela depende de fatores sobre os quais se têm compreensão e

capacidade de intervenção parciais. Nesta perspectiva, autonomia é entendida como a

capacidade dos pacientes, das famílias e das comunidades de cuidarem de si mesmos, lidando

com suas próprias dependências e com situações que a eles se apresentam (e não como

liberdade absoluta ou contrário de dependência). “Sujeitos autônomos seriam, em tese, mais

capazes de lidar com relações de dependência e para administrar conflitos de forma positiva

para si mesmos e para o coletivo”. (Campos, 2000). Outra tradução para ganho em autonomia

é “empoderamento” (Carvalho, 2005 apud Campos, 2006). Seria o trabalho em saúde

contribuindo para aumentar o poder dos usuários. Outros autores (Dias, 1996; Silva, 2001)

cunharam o termo “capacidade de autocuidado”.

Para Campos (2006), os sujeitos elaboram conhecimentos com base na própria experiência,

realizando comparações e através da reflexão. Com isso, tentam compreender o mundo e si

mesmos para poder interferir no mundo, que o fazem através das práticas cotidianas, do

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trabalho, da gestão e da política. Assim, é objetivo da Clínica Ampliada constituir sujeitos

reflexivo-operativos. Ou seja, com maior capacidade de reflexão e interferência em seus

processos saúde-doença, na família, sobre as organizações e na cultura. Esses fatores, por sua

vez, também modificam os próprios sujeitos envolvidos no processo. Assim, a Clínica

Ampliada propõe um trabalho sistemático não só de fornecer acesso à informação e ao

conhecimento (que a equipe de saúde pode desenvolver através de ações de educação em

saúde), mas também de desenvolver a capacidade de interpretar criticamente estas

informações e entender as resistências e bloqueios inconscientes que ocorrem frente a

processos de mudanças.

É objetivo da Clínica Ampliada também, combater a medicalização, a institucionalização e a

dependência excessiva das pessoas dos profissionais de saúde (Campos, 2003).

O terceiro objetivo da Clinica Ampliada é dirigido aos profissionais de saúde: ampliar neles

sua capacidade inter-relacional e com isso a possibilidade de vínculo com os usuários e com

os próprios projetos institucionais. Para Campos (2003), vínculo é circulação e transferência

de afetos entre pessoas. Pode ser positivo ou negativo, consciente ou não e só se constrói

quando existe algum tipo de dependência mútua: o usuário tem problemas de saúde, que ele

acredita que aquela equipe irá resolver. Profissionais exercem suas profissões (ou deveriam)

com o compromisso de defender a saúde e a vida daqueles que os procuram e de ajudar seus

pacientes “a se ajudarem”; de apoiá-los no enfrentamento de seus problemas. (Campos, 2003).

O autor destaca que o manejo adequado do vínculo pode estimular os grupos e organizações a

participarem da resolução de problemas de forma criativa além de ser um recurso terapêutico,

que qualifica o trabalho em saúde. Descobrir qual o tipo de vínculo adequado a cada caso é

um desafio: sugere que para isso, profissionais envolvidos com a clínica e com a saúde

pública busquem se apropriar da teoria do vínculo (de Pichon-Rivière) ou “da subjetividade”.

Para ele, desenvolver sistemas de relação nas equipes de trabalho aumenta a capacidade

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destas de inventar projetos, estabelecer redes de compromisso, alianças singulares e contratos

sociais no nível local. Como Campos (2006) destaca, a idéia de responsabilização sobre o

cuidado clínico, de estabelecimento de compromissos e contratos sociais entre os

profissionais de saúde e a população não tem sido, infelizmente, a regra dos serviços de saúde

brasileiros. O compromisso ético-político com a defesa radical da vida individual e coletiva

não tem sido, na maioria dos casos, priorizado. Merhy (2002) destaca que, em geral, há mais

queixas dos usuários em relação à falta de interesse e de responsabilização dos diferentes

serviços em torno de si e do seu problema do que em relação à falta de conhecimentos

tecnológicos. Os usuários, como regra, sentem-se inseguros, desinformados, desamparados,

desprotegidos, desrespeitados e desprezados.

Demanda excessiva de trabalho nos serviços de saúde, inserção predominantemente vertical

dos profissionais de saúde nos serviços, fragmentação do processo terapêutico (decorrente do

processo de especialização crescente e da multiplicação das profissões em saúde) são alguns

dos fatores, por exemplo, que dificultam essa responsabilização (Campos & Amaral, 2007).

Para o autor, a responsabilização clínico-sanitária é condição básica para construção de

vínculos entre profissionais e pacientes e entre profissionais e projetos, serviços ou

organizações.

Proposições da Clínica Ampliada

Acolhimento com estratificação de risco

Em relação aos meios de trabalho na assistência em saúde, Campos (2003) sugere que os

serviços utilizem o dispositivo Acolhimento. Para o autor, acolher é receber bem, ouvir a

demanda, buscar compreendê-la e solidarizar-se com ela. É no Acolhimento que é feita a

estratificação de risco do paciente e são avaliadas suas necessidades de saúde. Para realizar o

Acolhimento é necessário uma mudança na postura dos profissionais e na lógica de

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organização dos serviços, que deixam de atender por ordem de chegada para atender àqueles

de maior gravidade, risco ou sofrimento. Outros autores também desenvolveram estudos e

trabalham nesta linha. Ayres (2004) destaca a importância de qualificar os encontros

terapêuticos transformando-os em relações de cuidado (entendido como “atenção à saúde

imediatamente interessada no sentido existencial da experiência do adoecimento, físico ou

mental, e, por conseguinte, também das práticas de promoção, proteção ou recuperação da

saúde”). Envolve reconstruir a relação terapêutica profissional-paciente buscando o

significado da própria presença de um diante do outro. Significa privilegiar a dimensão

dialógica do encontro: ter interesse autêntico em ouvir o outro, não considerar como ruídos

aspectos ligados à situação existencial do sujeito que o procura e não se comportar apenas

como porta-voz do discurso técnico-científico. É a permeabilidade do técnico (normatividade

morfofuncional das tecnociências médicas) ao não técnico... O trabalho em saúde na

perspectiva do cuidado busca uma totalidade existencial (não apenas a saúde e sim o próprio

projeto de vida) que permita dar significados e sentido a diagnósticos, exames, controles,

medicações, dietas, riscos e sintomas. Em relação às tecnologias, o autor sugere o uso

intensivo das tecnologias das inter-relações.

Nesta mesma linha de discussão, Merhy (2002) assinala que serviços de saúde operam

diferentes tecnologias, que ele classifica como duras, leves ou leve-duras. Duras seriam os

equipamentos tecnológicos do tipo máquinas, as normas e estruturas organizacionais. Leve-

duras seriam os saberes bem estruturados (conhecimentos) que operam no processo de

trabalho em saúde (por exemplo, a clínica médica e a epidemiologia). Leves seriam são as

tecnologias que permitem operar os processos relacionais do encontro entre o trabalhador de

saúde e o usuário. Por exemplo, o acolhimento, o estabelecimento de vínculo terapêutico e a

autonomização. Para o autor, o processo produtivo em saúde, particularmente aquele que

envolve diretamente o cuidado clínico, é um trabalho vivo e só se realiza “em ato”. Não pode

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ser capturado pela lógica do trabalho morto, expresso nos equipamentos e procedimentos,

uma vez que seu objeto não é plenamente estruturado. Durante os processos de trabalho em

saúde, estabelece-se um espaço comum, singular, onde ocorre a interseção de subjetividades

do trabalhador e do usuário. É um momento marcado por alto grau de incerteza, onde o

profissional de saúde opera a seu modo, com grande autonomia para escolher o modo de fazer

essa produção.

Ainda em relação aos meios de trabalho da assistência em saúde, Campos (2006) sugere a

reformulação de um instrumento clássico da semiologia: a anamnese. Passando a ser uma

escuta da história de vida do usuário (centrada na demanda que o levou ao serviço de saúde),

a anamnese se torna um meio diagnóstico que valoriza sintomas subjetivos (conflitos, objetos

de desejo e investimento, resistências...), registra as dificuldades do usuário, sua rede de

relações, sua capacidade de autocuidado, de formação de compromisso com os outros e

incorpora, de forma adaptada, técnicas de observação antropológica (de usos e costumes dos

usuários) e de escuta dos discursos. Junto a outros recursos diagnósticos como exame físico,

exames complementares (laboratoriais, de imagem e anatomopatologia) e indicadores de

risco, morbidade e mortalidade, a anamnese ampliada se propõe a construir um diagnóstico

ampliado e compartilhado com o usuário, avaliando as vulnerabilidades subjetiva, cultural e

sócio-econômica do indivíduo, além da avaliação objetiva de risco biológico. Além disso, é

um instrumento que procura identificar fatores de proteção, capazes de potencializar o sujeito

a reconstruir seu modo de vida apesar do problema de saúde (Campos, 2006).

Cunha (2005) destaca alguns aspectos que uma história de vida se diferencia da anamnese

tradicional: são feitas as perguntas clássicas, mas dando espaço para as idéias e palavras do

paciente. Elimina-se parte dos filtros teóricos, que são perguntas-chave no diagnóstico

biomédico, que direcionam demais a fala do paciente (tipo localização do sintoma, fatores de

melhora ou piora...). Procura-se descobrir o sentido da doença para o paciente e ajudar na

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construção de relações causais que o indivíduo atribui ao seu adoecimento (não duvidando

dos relatos mesmo que não de acordo com a ciência oficial). Pergunta-se sobre medos, raivas,

manias e temperamento e como os problemas que ele relata afetam sua vida. Avalia-se a

capacidade de autonomia do indivíduo, se há negação da doença, os possíveis ganhos

secundários com a doença e suas possibilidades de prazer e lazer. Para este autor, a anamnese

ampliada em si tem função terapêutica: primeiro pela possibilidade de falar, o que implica

algum grau de análise sobre a situação; segundo, pois situa os sintomas e queixas na vida do

sujeito doente, o que permite maior consciência sobre suas inter-relações e possibilidades de

intervenção. Assinala também que conhecer e valorizar projetos e sonhos (desejos) dos

pacientes é importante, pois aglutinam uma enorme quantidade de energia vital, que pode ser

extremamente terapêutica (ou não).

Equipes de referência

Campos (2006) sugere para o exercício da Clínica Ampliada, uma mudança na lógica de

organização dos serviços e na própria racionalidade da assistência. Em grande parte dos

serviços de saúde brasileiros predomina a lógica da urgência / emergência, com intervenções

rápidas, pontuais e verticais, que não favorecem o vínculo terapêutico. Médicos e enfermeiros

trabalham em muitos hospitais, em geral, sob esquema de plantão. Poucos são os profissionais

diaristas que acompanham seus pacientes regularmente, durante todo o seu tratamento.

A Clínica Ampliada trabalha com equipes de referência (Campos, 1999, Campos & Amaral,

2007). Equipes de referência são grupos de trabalho, necessariamente multiprofissionais e

interdisciplinares, que trabalham com adstrição de clientela, sob a qual possuem

responsabilidade clínico-sanitária. A coordenação do projeto terapêutico, o acompanhamento

longitudinal durante todo o tratamento, a decisão de convocar para intervenção de outros

profissionais ou serviços de apoio, o relacionamento com a família e decisão sobre o

momento da alta hospitalar são da equipe de referência.

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Projeto Terapêutico Singular (PTS) No campo das intervenções em saúde, além das clássicas como o uso de fármacos e

procedimentos cirúrgicos, a Clinica Ampliada propõe valer-se mais de técnicas de prevenção

e promoção, de ações de educação em saúde (com propostas de mudança de hábitos e

comportamentos) e de técnicas de reconstrução da subjetividade, com destaque para o poder

terapêutico da escuta, da palavra e do apoio psicossocial. (Campos, 2003, Campos & Amaral,

2007). Além dessas intervenções, a Clínica Ampliada trabalha com um dispositivo

denominado Projeto Terapêutico Singular - PTS. (Nicário, 1994 apud Campos, 2006). Projeto

Terapêutico Singular é uma discussão de caso clínico, prospectiva e interdisciplinar, que a

equipe de saúde utiliza para lidar com situações clínicas complexas, onde haja alta

vulnerabilidade. No PTS realiza-se uma revisão conjunta do diagnóstico, uma avaliação de

riscos e são definidas intervenções, tarefas e responsabilidades. Aplica-se a indivíduos,

famílias ou comunidades.

Unidades de produção Além das equipes de referência, a Clínica Ampliada trabalha com uma outra forma de

organização dos serviços de saúde, as unidade de produção (Campos, 1998). De uma

departamentalização funcional (aquela que se baseia nas especialidades ou nas profissões) que

centraliza o poder nas corporações profissionais, passa-se a ter unidades de produção,

centradas no cuidado ao paciente. Este novo tipo de departamento, agora organizado de

acordo com a sua atividade-fim / objeto de trabalho (por exemplo, clínica médica, emergência

e terapia intensiva), são necessariamente multiprofissionais e interdisciplinares, agrupam

diversas equipes de referência e integram os diferentes processos de trabalho de cada

profissão ou especialidade sob apenas um mesmo comando e coordenação, o gestor da

unidade de produção.

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Democratização da gestão

A partir deste novo dispositivo, a unidade de produção, o organograma da instituição é refeito,

agora com a participação dos próprios trabalhadores dos serviços: eliminam-se todas as

coordenações, gerências ou direções especializadas (médica, de enfermagem...). Antigos

coordenadores passam a ter a função de apoiadores, especializados em enfermagem, clínica,

planejamento e avaliação, etc.. A este processo que o autor denominou horizontalização do

organograma (Campos, 2000). Além disso, quem define o recorte da organização em unidades

(quantas e quais unidades criar) são os próprios trabalhadores (junto à gestão), que

implementam as unidades, avaliam seu funcionamento e estabelecem as correções devidas

(Campos, 1998). O gestor da unidade de produção, junto às equipes de referência, formam um

colegiado de gestão. Este elabora, em permanente negociação, o planejamento estratégico

(diretrizes, programas de trabalho, metas, tarefas e responsáveis) de cada unidade de

produção, avaliando-o periodicamente; discute e delibera sobre os casos clínicos pelos quais é

responsável e sobre questões do processo de trabalho, como escala de plantões e férias. O

novo coordenador (gestor da unidade de produção) tem o papel de direção executiva

(implementando decisões do colegiado da unidade) e de comunicação (cabe a ele estabelecer

contatos com outras unidades, com a direção-geral do serviço, com usuários, etc.).

Hierarquicamente acima dos colegiados de gestão das unidades, há um colegiado de gestão

central, que reúne os gestores das unidades de produção e a superintendência/ direção do

hospital, que agora passa a descentralizar e compartilhar decisões, objetivos institucionais (a

missão e visão da organização), planos operativos, avaliações e análise dos resultados via

indicadores. Os gestores das unidades de produção, por sua vez, trazem à discussão nessas

reuniões periódicas, demandas e projetos de suas unidades de produção - questões sobre as

quais eles não têm autonomia para decidir. Este grupo passa a ser a instância máxima de

deliberação da organização.

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Colegiados de gestão, conselhos de co-gestão, assembléias, discussões coletivas de projetos

terapêuticos ou pedagógicos nas unidades de produção, foram denominadas pelo autor

(Campos, 2000) de espaços coletivos. Tais espaços constituem-se em arranjos

organizacionais, de tempo e lugar, para o compartilhamento do saber e da propedêutica

sanitários. São destinados à comunicação (função pedagógica, via educação continuada –

discussão e leituras...), à reconstrução da subjetividade de seus integrantes (função analítica,

via escuta e circulação de informações sobre desejos, interesses, conflitos e resistências), à

elaboração (análise da escuta e das informações) e tomada de decisão a respeito de

prioridades, projetos, contratos (função gerencial estrita) e à democratização de poder (função

política). O autor assinala que esses são espaços montados para estimular a construção de

sujeitos e coletivos organizados para a produção (de saúde, cidadania e democracia) por meio

dos quais as equipes e usuários podem interferir nos sistemas produtivos (gestão dos

processos de trabalho, correção de problemas e redefinição de rumos). Consultas, visitas aos

pacientes internados ou domiciliares, trabalho em grupos e as atividades em espaços

comunitários (escolas, igrejas, praças...), todos podem ser espaços coletivos.

Na definição do autor, coletivos organizados para a produção são “agrupamentos que têm

como objetivo e como tarefa a produção de algum bem ou serviço de interesse social e que, ao

mesmo tempo, asseguram a sobrevivência da própria organização e do conjunto de agentes

que a integrem ou dela dependam. Resultam da formação de compromisso e de contratos

entre seus membros e destes com segmentos da sociedade”. (Campos, 2000)

Para operacionalizar a co-gestão (princípio da gestão democrática e participativa), Campos

(2000) sugere um método de apoio institucional, que ele denominou “Método da Roda ou

Método Paidéia”. Roda é um arranjo, que pode ser formal (comissão ou conselho oficial) ou

informal (reuniões), de interação entre sujeitos, destinado à discussão de temas prioritários

para o grupo, à elaboração de contratos (que se desdobram em responsabilidades e tarefas) e

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finalmente, projetos de intervenção. É um espaço co-gerido, de avaliação e correção de

rumos, onde se redefinem processos e tarefas, conforme o acordado pelo grupo (Campos,

2000, 2003). Um espaço de “expressão e reconstrução de interesses e desejos de seus

membros”, democrático (onde o poder é compartilhado) e “onde cada um entra com sua

disposição e habilidades, sem desrespeitar o ritmo do coletivo”. O Método da Roda propõe-se

a instituir uma nova racionalidade na gestão de coletivos; é uma crítica ao Taylorismo,

fundador da racionalidade gerencial hegemônica. Uma crítica aos métodos de gestão

baseados no autoritarismo, na disciplina e no controle. Este método articula teorias e práticas

dos campos da gestão, do planejamento, da pedagogia, da psicanálise e da análise

institucional e apresenta três objetivos: constituir espaços coletivos, promover a democracia

institucional e reconstruir sujeitos e coletivos organizados para a produção (com maior

autonomia, ou seja, maior capacidade de análise da realidade, de si mesmos e de intervenção

na realidade). Um dos eixos básicos do Método da Roda é a recomposição do significado e do

modo de organização do trabalho, a revalorização do trabalhador e do próprio trabalho.

Campos (2002) lembra que a gestão colegiada dos serviços pode ajudar a diminuir o grau de

alienação dos profissionais de saúde em relação ao seu trabalho e favorecer a implicação dos

trabalhadores com a missão da organização, com os projetos institucionais e com seus

pacientes. Para o autor, a organização parcelar do trabalho e a conseqüente fixação do

profissional a apenas uma determinada etapa do projeto terapêutico, sem ver o resultado final

de seu trabalho, produzem alienação e uma prática profissional altamente burocratizada (o que

prejudica a qualidade do trabalho em saúde e os próprios trabalhadores). Além disso, gera

desresponsabilização sobre o resultado final do trabalho.

Para Campos (2000), o exercício da co-gestão teria três funções básicas: administrar e

planejar processos de trabalho, objetivando a produção de bens e serviços de interesse público

(valores de uso com potencialidade de atender necessidades sociais), alterar as relações de

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poder (diminuir o poder dos dirigentes e aumentar o dos trabalhadores e usuários,

democratizando as instituições), e influir na constituição dos sujeitos e na produção de

subjetividades. Sistemas de co-gestão devem operar com compromisso e solidariedade com o

interesse público (a fim de atender às necessidades sociais) e, ao mesmo tempo, satisfazer os

desejos e interesses dos trabalhadores, garantindo sua autonomia pessoal e social. Devem

conciliar autonomia e prazer com responsabilidade.

Onocko Campos (2003) lembra que nem sempre é fácil implantar a co-gestão. A alta gerência

pode demonstrar sinais de retaliação a este processo ou equipes podem ter dificuldade de se

apropriar dessa nova lógica quando não existe tradição institucional de co-gestão. Campos

(1998) destaca que, para viabilizar mecanismos de co-gestão, além de criar horários para

reuniões periódicas dos colegiados (em geral, não mais do que 10% da jornada de trabalho) e

facilitar o acesso de todos às informações fundamentais, são necessárias mudanças na cultura

organizacional, ou seja, no sistema de crenças, representações e tradições da organização.

Implantá-la requer amadurecimento pessoal para lidar com aspectos técnicos, políticos,

humanos e éticos. Considerar falas e participação dos outros, ouvir e expor críticas, explicitar

e trabalhar diferenças, estabelecer negociações e consensos, aceitar derrotas... O método de

co-gestão não se propõe a resolver todos os conflitos. Entende que sempre haverá disputas

corporativas, entre os níveis hierárquicos da organização, com os usuários, em torno de

modelos e programas de atenção, pela divisão de trabalho e na atribuição de

responsabilidades... O que se pretende é criar espaços de discussão e negociação, que

produzam aprendizados e distribuições mais equilibradas de poder. Para o autor (Campos,

1998), a co-gestão tem o potencial de melhorar o grau de envolvimento, compromisso e

dedicação das equipes aos pacientes, projetos e à própria instituição. Também de aumentar o

orgulho e a realização profissional dos trabalhadores uma vez que lhes dá o sentimento de co-

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autoria da história da organização; de uma obra. Por obra entende-se o reconhecimento, dos

trabalhadores, clientes e da sociedade, do resultado do trabalho (Campos, 2002).

Campos & Amaral (2007) destacam outro dispositivo de co-gestão: o contrato de gestão. Este

é um contrato que pode ser externo (quando ocorre entre o hospital e o gestor do sistema de

saúde) ou interno (entre o gestor do hospital e as unidades de produção). Nos dois casos são

contratualizados objetos, que são traduzidos em objetivos e metas a serem alcançadas. Nele

ficam especificados também mecanismos de aferição e avaliação de resultados.

Ainda dentro da idéia de democratização da gestão existem os conselhos de gestão tripartite

(que são instâncias de discussão com representantes da direção do hospital, dos usuários e de

profissionais de saúde), as ouvidorias e as assembléias com os usuários. O objetivo dessas

iniciativas é aumentar o poder dos pacientes e de suas famílias junto aos processos de gestão e

aos projetos terapêuticos. É tornar a clínica um projeto coletivo; um espaço de

compartilhamento de saberes, que funciona sob co-gestão. Dussault (1992) destaca que os

usuários não devem participar necessariamente de cada etapa da tomada de decisão, o que, em

sua opinião, poderia se tornar uma participação “de fachada”. O mais importante seria

assegurar sua participação em decisões estratégicas (como por exemplo, a escolha de

prioridades, mudanças radicais) e na avaliação dos resultados dos serviços.

O conjunto desses dispositivos caracteriza o que o autor denominou gestão compartilhada do

cuidado, gestão participativa, co-gestão ou gestão democrática: uma diretriz ética e política.

Outras iniciativas possíveis neste sentido são: aumento do horário da visita hospitalar,

permissão de acompanhante em horário integral, desenvolvimento de atividades de educação

continuada em saúde (que aumentam o acesso à informação) e a criação de simplesmente

espaços de diálogo, onde são discutidos temas de interesse do usuário ou problemas do

serviço de saúde. Outro dispositivo de co-gestão a ser utilizado pelos gestores junto aos

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trabalhadores de saúde na democratização das instituições é o Apoio Paidéia, discutido a

seguir.

Principais arranjos institucionais e dispositivos de gestão utilizados pela Clínica

Ampliada na qualificação da assistência e no suporte à clínica.

A técnica “Apoio Paidéia” e a figura do Apoiador

A técnica “Apoio Paidéia” é um dos dispositivos utilizados na Clínica Ampliada. O objetivo

desta técnica é promover reflexões que permitam a tomada conjunta de decisões (sem

culpabilizar o sujeito por suas escolhas), alterar modos de vida e ampliar a autonomia dos

indivíduos. Utiliza núcleos temáticos relativos ao sujeito e ao mundo. Quando utilizada no

apoio aos pacientes, busca apreender o sentido e o significado singular de determinadas

condições (por exemplo, ser portador de hipertensão arterial sistêmica), além dos objetos de

investimento e prazer envolvidos em cada situação. Quando utilizada entre gestores e

profissionais de saúde, busca aproximá-los. Toda gestão é produto da interação entre pessoas

e o seu exercício deve se dar, ainda que com distintos graus de saber e poder, entre os sujeitos

e não sobre eles, como se fossem objetos. (Campos, 2003). Ao compartilhar processos como

planejamento, avaliação e coordenação do trabalho, ambos se beneficiam. Os objetivos

institucionais passam a se articular melhor aos saberes, experiências, desejos e interesses dos

trabalhadores e usuários e há enriquecimento subjetivo e social para ambos.

Para Campos (2003), a constituição de sujeitos, das necessidades sociais e das instituições é

produto de relações de poder, do uso de conhecimentos e de modos de circulação de afetos.

Nos grupos, muitas vezes isto gera disputas, impasses, não-ditos, correlação de forças,

resistências e bloqueios, que dificultam o trabalho em equipe. Daí surge a necessidade da

figura do Apoiador. Qualquer um dentro de um grupo pode sê-lo: um dirigente, um

supervisor, um consultor, um profissional da ponta (clínico, pedagogo, sanitarista...) ou

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mesmo um usuário. A metodologia de trabalho do Apoiador envolve análise das demandas do

grupo, e “ofertas” ao mesmo. Em espaços dialógicos, ele não realiza prescrições puramente

técnicas, onde se ensina o que deve ser feito (aplicação de saberes objetivos) e se solicita

obediência às orientações. Ao contrário, há a preocupação em negociar tais “ofertas”

submetendo-as a uma análise crítica compartilhada.

Uma primeira função do Apoiador é analisar junto ao grupo esses fatores, tentando ampliar a

capacidade das pessoas de lidar com eles. Ele desenvolve junto ao grupo a capacidade de

escuta de outros discursos, analisa o resultado das intervenções, apresenta o relato de

experiências e lê textos teórico-metodológicos. Também apóia o grupo na construção de

objetos de investimento, em projetos e no estabelecimento de compromissos e contratos com

outros indivíduos. Uma terceira função do Apoiador é pensar e fazer junto com as pessoas e

não no lugar delas. O apoio funciona quando amplia a autonomia do grupo; quando este passa

a lidar com referências de forma crítica, sem adesão automática. Além disso, todo Apoiador

deve também ser apoiado pelo seu grupo. Outra função do apoiador é qualificar a ação

institucional para o cumprimento dos três objetivos básicos das organizações: produzir bens e

serviços com valor de uso (ou seja, com capacidade potencial de atender às necessidades

sociais), conservar a própria instituição e assegurar o desenvolvimento e a realização

profissional dos sujeitos envolvidos nesta organização. A técnica “Apoio Paidéia” deve ser

desenvolvida em espaços coletivos, por exemplo, a “Roda”.

Apoio matricial

Equipes de apoio matricial são formadas por especialistas e funcionam como uma espécie de

retaguarda para as equipes de referência, oferecendo suporte assistencial e técnico-pedagógico

(Campos, 1998, 2006). Integradas transversalmente a várias equipes de referência, são

desvinculadas da linha de mando. Combinando especialização com interdisciplinaridade,

essas equipes realizam encontros periódicos e regulares (semanais, quinzenais ou mais

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espaçados) para discutir casos considerados mais complexos. Elaboram, de forma

compartilhada, projetos terapêuticos singulares, definem linhas de intervenção para os vários

profissionais envolvidos e diretrizes clínicas (contendo critérios para acionar apoio entre as

diferentes equipes e níveis de atenção do sistema e responsabilidades) além de discutirem

temas clínicos, de saúde coletiva ou gestão. Podem ainda, trabalhar com a formação em

serviço dos profissionais na forma de educação continuada, ampliando com isso a capacidade

das equipes de referência de identificar e resolver problemas de saúde antes delegados ao

apoio especializado e também de indicar com mais sensibilidade e precisão os casos que

necessitariam dos especialistas (Campos & Domitti, 2007 As funções da equipe de apoio

matricial não são controlar e fiscalizar o cumprimento de normas, conforme a concepção

Taylorista de supervisor. É uma equipe agenciadora de mudanças, um agente externo que

estimula a reflexão crítica e a participação do grupo na gestão; uma combinação das funções

típicas de um analista de grupo com as de um assessor de planejamento. (Campos, 1998).

Cria-se um espaço de trabalho em equipe, para compartilhamento de dúvidas e saberes

(Campos, 2003).

Na Clínica Ampliada, o contato entre a equipe de referência e estes especialistas é direto e

horizontalizado: podem ser realizados atendimentos e intervenções conjuntas, apenas a troca

de conhecimentos e de orientações, via contato pessoal, eletrônico ou telefônico (e não apenas

por meio de encaminhamento impresso entregue ao paciente) ou ainda, se o atendimento ou

procedimento for muito especializado, o Apoiador mantém contato com a equipe de

referência, que não se descompromete com o caso, acompanhando o paciente de forma

complementar. Não há transferência de responsabilidade quando do encaminhamento, e sim

compartilhamento. A relação entre equipes de referência e especialistas não mais se baseia na

autoridade e na hierarquia e sim em processos dialógicos de troca de saberes, valores,

experiências e visões de mundo. (Campos & Domitti, 2007). A este processo o autor

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denominou personalização do sistema de referência e contra-referência. Para Campos (2006),

a criação de espaços interdisciplinares, onde se estabelecem vínculo terapêutico e relações

com seus usuários ao longo do tempo, recompõe a relação singular profissional-usuário e

devolve a motivação dos profissionais em produzir saúde.

Apoio matricial e equipe de referência são, ao mesmo tempo, uma metodologia para a gestão

do trabalho em saúde e também arranjos organizacionais. São dispositivos que buscam

ampliar as possibilidades de realizar uma clínica ampliada e proporcionar a integração

dialógica entre especialidades e profissões. Buscam também integrar o cuidado clínico,

diminuir a fragmentação do processo de trabalho decorrente da especialização do

conhecimento, aumentar o grau de compromisso dos profissionais com o cuidado integral,

melhorar a eficácia e a eficiência do trabalho em saúde, além de investir na construção de

autonomia dos usuários (Campos & Domitti, 2007). Outro dispositivo utilizado pela Clínica

Ampliada para a troca de saberes entre profissionais é a prática de visitas interdisciplinares

aos pacientes internados. Uma ou duas vezes por semana, pelo menos dois profissionais

(aquele que seja o principal responsável pela condução do caso e outro com maior relevância

na condução terapêutica) trocam saberes e impressões, qualificando o processo de assistência

à saúde.

O papel do gestor na Clínica Ampliada

A Clínica Ampliada aposta em uma gestão que ofereça formas de controle, diretrizes e

critérios, mas que ao mesmo tempo dê suporte às equipes em seus projetos; que estimule sua

criatividade e empenho improvisador, concedendo autonomia relativa às equipes (para pensar

e organizar seus processos de trabalho e projetos terapêuticos) e ao mesmo tempo cobre

responsabilização.

Mendes (2002) lembra que, como as micro decisões clínicas estão longe de serem apenas

racionais, é necessário que a gestão imponha aos profissionais algum instrumento de

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constrangimento da liberdade clínica. Entretanto estes dispositivos devem ser acordados com

os profissionais.

Dussault (1992) define que as ações mais estratégicas dos gestores estão ligadas à seleção de

pessoal e à formação das unidades de produção. Caberia a eles criar um ambiente de

confiança (garantindo a estabilidade das equipes), desenvolver mecanismos de controle dos

interesses corporativos e definir estratégias de formação que facilitem a passagem do

exercício individual ao trabalho de equipe. Um bom gestor seria aquele capaz de “ler” sua

organização e seu ambiente. Ou seja, aquele capaz de identificar e analisar os problemas de

sua organização, de entender o funcionamento de uma organização profissional, o processo de

produção de serviços, as necessidades da comunidade e as redes de relações (por exemplo, da

organização com o ambiente, entre os múltiplos atores do setor saúde...). Em sua opinião,

gestores precisam ser capazes de solicitar e utilizar as informações que possam melhorar o

processo de tomada de decisão e de mobilizar o potencial de sua organização e de seus

membros para atingir os resultados desejados. Precisam ter capacidade de adaptação às

mudanças em um contexto complexo e de trabalhar em colaboração com os técnicos,

buscando consensos. Enfim, precisam da arte de escutar, de intuição, empatia, visão e

imaginação. Devem ser modelos de uma ética que privilegia o bem-estar dos usuários e da

comunidade, suscitando a adesão dos demais profissionais a esse projeto.

Para Merhy (2002) é um problema da gestão administrar algumas tensões básicas e próprias

dos atos produtivos em saúde: a primeira, existente entre a lógica da produção de atos de

saúde como procedimentos e da produção dos procedimentos como cuidado (atos cuidadores,

não obrigatoriamente curadores e promotores da saúde); a segunda, entre a lógica da produção

de intervenções mais restritas e exclusivamente presas às competências específicas (ações de

saúde enfermeiro ou médico-centradas) e os exercícios clínicos de todos os trabalhadores de

saúde (por exemplo, os atos cuidadores).

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Campos (2003) aponta como um outro papel da gestão descobrir os objetos de investimento

(onde se depositam afetos positivos), interesses e desejos dos profissionais a fim de aumentar

sua realização profissional, sendo capaz de modificar os padrões dominantes de subjetividade.

Por exemplo, caberia ao analista-gerente descobrir e trabalhar junto às equipes as formas de

relacionamento e representações que estas fazem de seus usuários: quebrar estereótipos

(“coitadinhos”, “ignorantes”, “desleixados”) que impossibilitam a singularização de cada caso

e, portanto dificultam o alcance de um trabalho de qualidade. Onoko Campos (2005) lembra

que muitas equipes de saúde, em função desses estereótipos, montam verdadeiras barreiras a

seus usuários e muitas vezes inclusive, se tornam agressivas e retaliadoras. A autora questiona

se essa não seria uma forma desses profissionais se afastarem da condição de completa

miserabilidade que essas populações se encontram e assim se defenderem do sofrimento e do

sentimento de impotência que isto traz. Como “pobres-carentes-que nada possuem”, estes

sujeitos são vistos (e não escutados), como sujeitos passivos ou simplesmente objetos de uma

intervenção clínica completamente desvitalizada (Onocko Campos & Campos, 2006).

Para Campos (2000) caberia ao gestor, descentrar seu foco em tarefas e procedimentos

concentrando-se em administrar relações interpessoais e os resultados dessas relações. Junto

às equipes, o gestor deveria analisar e reconstruir o sentido das relações transferenciais e

contratransferenciais envolvidas nas relações terapêuticas (Campos, 2002). O autor utiliza

esses conceitos de forma mais genérica que a psicanálise, mesclando o conceito freudiano de

relação profissional/paciente com o conceito de “imaginário” (de Castoriadis). Define

transferência como o modo de o paciente ou usuário de um serviço de saúde significar o

profissional ou equipe de saúde que lhe dá suporte ou o serviço que o acolhe.

Contratransferência teria o sentido recíproco: seria o modo como o trabalhador, equipe ou

instituição, significam o paciente-usuário. Para Campos (2000), reconhecer a existência

desses processos inconscientes de circulação de afeto (incômodos, inveja, disputa, ódio,

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desafio, simpatia, etc.), analisá-los com crítica e intervir nos significados transferidos é um

poderoso recurso de gestão. Onocko Campos (2003) destaca que gestores, além de terem

formação técnica em gerência e em saúde, precisam ter qualificação para compreender,

suportar e interagir com os dramas intersubjetivos dos grupos e ser alguém que consiga

suportar se expor a essas experiências da intersubjetividade.

Onocko Campos & Campos (2003) destacam ser necessário alterar a forma como os gestores

tentam responsabilizar as equipes de saúde pelo cuidado clínico. Ao invés de cobrar apenas

produtividade, a realização de um conjunto de procedimentos ou o cumprimento de horário,

estes deveriam centrar sua gestão nos resultados alcançados e sobre o atendimento integral de

um conjunto de pacientes, arranjo este que estimula o vínculo entre os pacientes e uma mesma

equipe e contribui para a desalienação dos trabalhadores de saúde. Sugerem alterar o modelo

de contratação dos profissionais: ao invés de plantonistas passa-se a trabalhar com

profissionais diaristas, arranjo este que propicia maior implicação dos profissionais com seu

lugar e objeto de trabalho.

Como colocam Campos & Amaral (2007), profissionais de saúde não são motivados apenas

pela remuneração financeira. Reconhecimento profissional entre os pares, sensação de

pertencimento a um projeto e o sentimento de co-autoria de uma obra ou das melhorias

produzidas são instrumentos poderosos para o desenvolvimento de vínculo institucional e

ampliação da capacidade dos profissionais de assumir compromissos e estabelecer contratos.

Educação continuada e valorização do fator humano em saúde são dispositivos que a gestão

pode utilizar para reconstruir o encantamento dos profissionais com o exercício da própria

profissão (Campos, 2003). Além disso, combinar remuneração fixa com outras formas

variáveis de pagamento, por exemplo, de acordo com o cumprimento de metas ou com a

melhora de indicadores de desempenho, pode ser eficaz em motivar. Para Campos (2002),

indicadores de desempenho devem ser construídos através da gestão participativa, com o

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envolvimento dos gestores, profissionais de saúde e usuários e devem servir para a elaboração

de um contrato interno de gestão (entre a direção e as equipes). Como destaca Cunha (2005),

indicadores não podem ser inatingíveis nem eternos. Os melhores são aqueles que

possibilitam a evolução da equipe. O autor reconhece a dificuldade de operacionalização deste

dispositivo, uma vez que grande parte das instituições não têm sistemas participativos tão

estruturados com capacidade de auto-análise e autogestão frente aos ruídos provocados pelos

problemas de desempenho evidenciados nas planilhas de indicadores.

Resultados do exercício da Clínica Ampliada

Em relação aos resultados das práticas sanitárias, Campos (2006) sugere que o produto do

trabalho em saúde seja avaliado segundo quatro planos: o da eficácia (capacidade de produzir

saúde, bem-estar ou bens), o da eficiência (realizar ações de saúde eficazes com o menor

custo possível), o da co-construção de autonomia e o da produção do menor dano possível.

Sugere ainda que a capacidade de autocuidado seja incluída como indicador de eficácia da

atenção. Dussault (1992) destaca que os usuários dos serviços de saúde deveriam ser os

últimos juízes do resultado dos cuidados prestados, cabendo a eles avaliar a satisfação de suas

necessidades.

Desafios para a Clínica Ampliada

Como apontam Campos & Amaral (2007), há questões políticas, culturais, subjetivas e de

lógica de organização dos serviços que dificultam o exercício da Clinica Ampliada. Campos

(2006) destaca que um dos desafios é criar arranjos institucionais facilitadores do exercício

desta clínica: horizontalização do organograma com reorganização estrutural dos serviços

(unidades de produção, apoio matricial...), mudança na inserção dos profissionais de saúde

nos serviços (de vertical como plantonistas para horizontal como diaristas), novos padrões de

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relacionamento entre profissionais de saúde e usuários (equipes de referência...),

desenvolvimento de organizações democráticas que utilizem dispositivos de co-gestão como

os contratos de gestão (que definem clara responsabilidade clínico-sanitária junto aos seus

usuários) e criação de novos padrões de micro gestão do trabalho clínico (gestão

compartilhada em colegiados, conselhos, contratos de gestão...), são algumas das propostas

(Campos, 2006, Campos & Amaral, 2007). Campos (2000) reconhece como limitada a

capacidade atual dos conselhos de influenciar os métodos de gestão, o cotidiano e o

desempenho dos serviços de saúde e de negociar com os interesses corporativos. Defende que

é necessário fortalecê-los, estruturá-los e dotá-los de maior poder político e de maior

competência técnica de forma que eles participassem mais efetivamente da eleição de

prioridades, do planejamento, dos planos de investimento e de expansão da rede.

Como lembram Campos & Domitti, (2007), a implantação de dispositivos como o Apoio

Matricial e as equipes de referência, por exemplo, dependem da superação de muitos

obstáculos. Políticos por exemplo, ao implicarem em importante desconcentração de poder

(dos especialistas e entre os profissionais de diferentes categorias); Culturais, uma vez que

entre gestores e entre equipes, não há cultura de trabalho interdisciplinar, dialógico e

interativo. Ao contrário, valoriza-se a autonomia profissional; Subjetivos (reconstruir

identidades profissionais, habituar-se a receber e fazer críticas e a compartilhar incertezas e

decisões, superando as relações de concorrência - que imputem desconfiança e defesas), e

Éticos (circulação de informação do trabalho interdisciplinar versus direito à privacidade do

indivíduo / família).

Campos (2002) aponta certo paradoxo no processo de democratização da gestão: para

executá-la é necessário concentração de poder político. É preciso que um grupo (de

trabalhadores, gestores...) com poder estimule sua implantação, quebre resistências e garanta a

manutenção dos dispositivos democráticos conquistados.

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Como destaca Onocko Campos (2005): “mudanças nos encontros assistenciais requerem

intervenções complexas (no sentido do grande número de variáveis) e de grande investimento

técnico, ético e político. Não acontecerão somente com boa vontade, não demoram somente

por causa de falhas na comunicação, nem por falta de humanização. Mas bem acontecem por

inevitável humanidade dos humanos ali envolvidos”

Além disso, Campos & Amaral (2007) apontam que seriam necessárias reformas político-

administrativas no sentido da desburocratização e da ampliação da autonomia gerencial, que

garantissem agilidade e presteza na compra de insumos, na administração de pessoal e na

definição de programas para incorporação de tecnologia. A criação de Organizações Sociais

(OS), Organizações Sociais Civis de Interesse Público (OSCIP) e Fundações de Apoio aos

hospitais públicos são apontadas como algumas das propostas de reforma administrativa neste

sentido. Outra alternativa, citada por Mendes (2002), no sentido de aumentar a

responsabilização dos serviços de saúde sobre o cuidado clínico e na sua obrigação de prestar

contas (accountability) são os contratos. Contratos podem ser realizados entre instituições

estatais (por exemplo, entre uma secretaria de saúde e seus hospitais próprios) ou entre uma

instituição estatal e outra pública não estatal (por exemplo, Organizações Sociais), privada

filantrópica ou privada lucrativa. No segundo caso (os denominados contratos de gestão),

como os entes contratados têm autonomia e responsabilidade administrativa e jurídica, esses

contratos têm força legal, com normas e foros jurídicos estabelecidos de comum acordo.

Através deste instrumento são pactuados os objetivos da parceria, os serviços de saúde que

serão oferecidos pelo ente contratado (incluindo onde e quando os mesmos serão

disponibilizados), que indicadores (quantitativos e qualitativos) serão utilizados para

avaliação periódica do cumprimento do contato e como eles serão mensurados ou

qualificados. Os indicadores devem englobar produção, produtividade, qualidade dos serviços

de saúde e satisfação da população assistida. Um contrato deve especificar ainda que recursos

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serão utilizados, como estes serão gerenciados, o sistema de pagamentos aos contratados, o

sistema de incentivos por resultados e um sistema de garantias que defina penalidades se

desistência do contrato ou oportunismos. Mendes (2002), revisando outros autores, aponta

várias razões que justificam a introdução dos contratos nos sistemas de saúde: estimulam a

descentralização da gestão dando mais responsabilidade aos gerentes locais, permitem um

melhor controle sobre o desempenho quantitativo e qualitativo dos prestadores de serviços,

reforça o planejamento estratégico das instituições ao exigir maior empenho em atingir os

produtos contratados, incentivam a criação e a utilização cotidiana dos sistemas de

informação gerenciais, melhoram a Gestão da Clínica, permitem uma melhor focalização nos

interesses da população, tornando as instituições mais transparentes e permeáveis ao controle

social.

Gestão da Clínica

Diversos autores trabalham na perspectiva deste tema. Alguns utilizam esta própria expressão,

como Mendes (2001), Portela (2003, 2007), Campos & Amaral (2007) e Gonzáles (2003),

enquanto outros trabalham com expressões como “gestão da assistência à saúde” e “gestão do

cuidado à saúde”. O referencial teórico-conceitual utilizado por esses autores é o da

Governança Clínica (Clinical Governance) no Reino Unido ou da Atenção Gerenciada

(Managed Care) nos EUA.

Mendes (2001) define Gestão Clínica como um conjunto de tecnologias de micro gestão dos

serviços de saúde, visando melhorar a qualidade do cuidado. Isto significa assegurar padrões

clínicos ótimos, diminuir riscos, aumentar a eficiência e a efetividade da assistência. Envolve

gestão da utilização de procedimentos clínicos, perfilização da clínica, gestão da patologia,

gestão de casos, listas de espera e procedimentos expectantes, sistemas integrados de

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informação, revisão do usuário (Ouvidoria) e protocolos / diretrizes clínicas de atenção à

saúde. Este autor define gestão da utilização de procedimentos clínicos como um conjunto de

técnicas de revisão destinado a reduzir as incertezas das práticas médicas. A revisão pode ser

retrospectiva (através de auditoria de prontuários, avaliando a concordância entre

procedimentos feitos e padrões pré-fixados), prospectiva (exigindo pré-autorização para

determinados procedimentos), concorrente (solicitando a outro médico ou a um gerente o

plano de intervenção para verificar sua propriedade) e por pares (em casos complexos, as

decisões clínicas são remetidas aos pares). Há ainda a 2ª opinião obrigatória, indicada para

validar a indicação de determinados procedimentos (especialmente os cirúrgicos). Mendes

(2001), em uma revisão de conceitos, define perfilização da clínica como “análise estatística e

monitoramento de dados para a obtenção de informações que permitam avaliar a propriedade

da atenção”. Escolhe-se uma variável clínica (por exemplo, tempo de permanência hospitalar)

e a compara com padrões pré-definidos para esta mesma variável. Gestão da patologia,

segundo o mesmo autor, é uma “abordagem que identifica pessoas em risco de adoecer ou

adoecidas (geralmente por patologias crônicas), em uma população adstrita, de forma a

prover, precocemente, intervenção preventiva ou atenção adequada, objetivando melhores

resultados com custos menores”. Gestão de caso ocorre quando um profissional ou uma

equipe “diagnostica, planeja, implementa, coordena, monitora e avalia opções e serviços de

acordo com as necessidades de uma pessoa, se responsabilizando pelo cuidado durante todo o

processo clínico”. Listas de espera são utilizadas para “ordenar ou restringir o uso de serviços

onde a demanda é maior que a oferta”. Procedimentos expectantes são aqueles relacionados a

determinadas patologias onde o médico, respaldado por protocolos clínicos, espera

vigilantemente sua evolução antes de intervir imediatamente. Sistemas integrados de

informação “garantem a sistemicidade da rede de pontos de atenção à saúde” e envolvem

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prontuários eletrônicos, centrais de regulação/agendamento e centrais de transporte de

usuários (Mendes, 2001).

A Governança Clínica foi implantada no Sistema Nacional de Saúde do Reino Unido

(Nacional Health System – NHS), a partir da segunda metade da década de noventa do último

século. Surgiu como um movimento de reafirmação da confiança no NHS e também como

uma proposta de integração de diversas iniciativas anteriores no sentido da melhoria da

qualidade da assistência, que, nas décadas anteriores, ocorreram de forma isolada e

fragmentada. Pode ser definida, como apontam Scally & Donaldson (1998), como um

“modelo através do qual as organizações no NHS são responsáveis pela melhoria contínua da

qualidade de seus serviços de saúde e por altos padrões de segurança na assistência,

desenvolvidos em um ambiente de excelência do cuidado clínico”. Portela & Martins (2007)

destacam que, se antes a qualidade do cuidado era uma preocupação de escopo meramente

profissional, atualmente a dimensão assistencial é central na gestão das organizações de saúde

e nos processos de melhoria da qualidade. Donaldson & Gray (1998) lembram que nas

décadas anteriores (anos 80 e 90), a melhoria da qualidade estava muito focada nos processos

organizacionais e que a grande contribuição da Governança Clínica para o movimento de

melhoria da qualidade foi trazer a decisão clínica para o contexto gerencial e organizacional.

Halligan & Donaldson (2001) apontam que a Governança Clínica é o elemento central de uma

estrutura que sustenta a garantia da qualidade do Sistema Nacional de Saúde do Reino Unido.

Como parte dessa estrutura há o Instituto Nacional de Excelência Clínica (com papel chave

nos processos de incorporação tecnológica de equipamentos médicos e medicamentos, no

desenvolvimento e validação de diretrizes clínicas, padrões de qualidade e ferramentas de

auditoria clínica) e a Comissão para a Melhoria da Saúde (Commission for Health

Improvement), com as funções de: (1) inspecionar a implementação da Governança Clínica;

(2) fornecer retorno (feedback) às organizações locais do NHS, informando os progressos e

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(3) reforçar o estabelecimento dos padrões de qualidade desenvolvidos pelo Instituto Nacional

de Excelência Clínica. Há também uma equipe de apoio à Governança Clínica do NHS (NHS

Clinical Governance Support Team), estabelecida em 1999, para apoiar o desenvolvimento e

implementação da Governança Clínica, promover seus objetivos em todo o sistema de saúde e

oferecer treinamentos/programas de desenvolvimento para as organizações de saúde do NHS

e suas equipes clínicas. Esta equipe, que posteriormente foi incorporada pela Agência de

Modernização (Modernisation Agency), desenvolveu um modelo para a disseminação da

Governança Clínica nas organizações de saúde denominado “RAID – Review, Agree,

Implement, Demonstrate”. Na primeira etapa, são revistas as crenças e normas (não escritas)

tradicionalmente aceitas na organização na qual se pretende implantar a Governança Clínica.

Estabelece-se então um ponto de partida, coletando evidências a respeito das boas práticas

correntes. Em seguida, há a fase dos acordos (ou de contratualização), definida por esses

autores como a fase de ganhar “corações e mentes”. Énela que são asseguradas alianças e

parcerias e todos são envolvidos na definição da missão/visão daquela organização. A terceira

etapa é a de implantação efetiva dos princípios da Governança Clínica e a última etapa é a de

documentação das mudanças realizadas.

Donaldson & Gray (1998) destacam que qualquer gestor de saúde que pretenda implantar

Governança Clínica em sua organização precisa criar um ambiente para que a excelência

clínica prospere. E para isso é necessário:

1) estabelecer uma cultura de aprendizado organizacional – com um clima aberto,

participativo e de questionamento, em que idéias e boas práticas são compartilhadas,

onde educação e pesquisa são valorizadas e onde há estímulo para que as decisões

sejam baseadas em evidências;

2) estabelecer uma estratégia global para assegurar a qualidade da assistência e alinhá-la

aos objetivos dos profissionais, das equipes e da organização;

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3) desenvolver instrumentos e indicadores para avaliação de melhoria da qualidade dos

serviços prestados. Tempo de espera para atendimento e para consulta de retorno,

número de exames repetidos solicitados por paciente são alguns exemplos de

indicadores que buscam monitorar a eficiência e efetividade dos serviços de saúde;

4) investir no treinamento e desenvolvimento contínuos dos profissionais da organização;

5) fornecer suporte à prática clínica (garantindo boa infra-estrutura e fortes sistemas de

gestão, continuamente melhorados - bibliotecas, tecnologias de informação, auditorias,

etc.);

6) buscar parceiros que possam colaborar no processo de melhoria da qualidade;

7) envolver os pacientes no cuidado clínico, os colocando no centro da assistência

(considerar seus valores e experiências, deixá-los participar na definição de qualidade,

capacitá-los a participar plenamente dos processos decisórios, etc.);

8) assegurar um ambiente de segurança, onde problemas relacionados à qualidade do

cuidado são reconhecidos precocemente, investigados e corrigidos e onde os erros

cometidos geram aprendizados, que previnem outros problemas e sustentam as

melhorias;

9) demonstrar “accountability” junto à sociedade (expressão sem tradução exata para o

português, mas que envolve capacidade e transparência na prestação de contas);

10) ter lideranças poderosas, capazes de promover tamanha mudança de cultura

organizacional em todos os níveis da organização.

Para Halligan & Donaldson (2001), uma liderança é considerada efetiva quando é capaz de

comunicar e disseminar por toda a organização a visão, os valores, os métodos e ferramentas

utilizados pela Governança Clínica. Para esses autores, Governança Clínica não pode ser

desenvolvida nos serviços de saúde para fazer apenas o que parece ser o correto. Deve estar

calcada em um plano de melhoria da qualidade, buscar a excelência na gestão das

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informações em saúde e realizar mudanças na gestão dos profissionais de saúde e dos

processos de trabalho. O campo de gestão de recursos humanos no modelo da Governança

Clínica se caracteriza pelo forte estímulo ao trabalho em equipe (voltado para o objetivo

comum de prestar um cuidado clínico de excelência) e por priorizar a educação continuada e

os treinamentos como estratégias para o desenvolvimento máximo de conhecimentos,

habilidades e potencialidades dos profissionais de saúde (Halligan & Donaldson, 2001;

Scholefield, 2005).

Além de procurar valorizar estes profissionais (escutando suas queixas, preocupações,

interesses, etc) e procurar estimulá-los a desenvolver práticas inovadoras, o modelo da

Governança Clínica preconiza uma cultura de não-culpabilização pelos erros cometidos e a

criação de ambientes de aprendizado contínuo. Reportar eventos adversos com este novo

enfoque e discutir conjuntamente às circunstâncias envolvidas em cada caso é um exemplo de

como se realizar uma abordagem sistêmica do erro. Scholefield (2005) destaca que a maioria

dos erros resulta mais de deficiências do sistema como um todo que propriamente de apenas

um indivíduo. Para ela, mais importante do que encontrar um só culpado, é identificar que

fatores organizacionais criaram as condições locais para o erro. Essa seria uma maneira de

impedir a ocorrência de novos eventos adversos. Para Donaldson & Gray (1998), embora

falhas nos padrões de cuidado até possam derivar de fatores individuais como falta de

habilidade, conhecimento, motivação, atitude ou capacidade de trabalho em equipe, em

grande parte das vezes as falhas advém dos níveis organizacional e sistêmico (falta de infra-

estrutura, comunicação intra-organizacional deficiente, sistemas gerenciais e lideranças

frágeis, cultura de não valorização da educação / pesquisa, etc.).

Quanto ao plano de melhoria da qualidade, Halligan & Donaldson (2001) destacam que este

deve fazer parte do planejamento estratégico de toda a organização e ser desenvolvido no

ambiente de trabalho das equipes (e não apenas elaborado pelos gestores da organização).

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Deve ainda ser baseado em uma avaliação objetiva das necessidades e pontos de vista dos

pacientes e ter como objetivo, avaliar o desempenho da organização de saúde, comparando

seus resultados aos padrões de boa prática clínica e aos resultados de serviços similares

considerados de excelência. Mason et al (2005) descrevem um ciclo de melhoria da

qualidade: primeiro se procura obter evidência sobre a efetividade de determinadas

intervenções e processos. A seguir, são desenvolvidas diretrizes, baseadas em evidências

científicas, onde ficam estabelecidos padrões a serem atingidos, em um período de tempo.

Então, em processos de auditoria, são desenvolvidos instrumentos de avaliação de mudança

(na organização, nas condutas clínicas e na utilização dos recursos) e por fim, os resultados

desses levantamentos e auditorias são utilizados em eventos educacionais (workshops, por

exemplo) para tentar mudar o comportamento dos profissionais de saúde. Em outra

abordagem, mas nesta mesma direção, Portela & Martins (2007) sistematizaram oito etapas de

um processo de melhoria da qualidade: (1) identificar o problema de qualidade, buscando

entender o que o faz um problema e em que direção se deve almejar a sua redução; (2) medir

a magnitude do problema identificado; (3) definir o objetivo e estabelecer metas

(continuamente modificadas na medida em que patamares melhores são atingidos); (4) definir

estratégias para a redução do problema ou para a melhoria da qualidade do processo em foco;

(5) registrar as estratégias / ações executadas de fato; (6) monitorar como a magnitude do

problema vai se modificando no decorrer do tempo e como as mudanças observadas

respondem às ações executadas; (7) identificar falhas no processo – ações que repercutem em

resultados desfavoráveis; e finalmente (8) ajustar estratégias / ações, medindo o resultado.

Para que haja melhoria continua da qualidade dos cuidados clínicos é fundamental o

desenvolvimento da excelência na gestão das informações, que devem ser válidas, de

qualidade, atualizadas e obtidas em tempo hábil para subsidiar a tomada de decisões,

auxiliarem no planejamento e na formulação de políticas. Halligan & Donaldson (2001)

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apontam que uma organização de saúde que pretenda estabelecer uma cultura de governança

clínica precisa saber manejar adequadamente informação em saúde, desde a sua seleção até

seu uso efetivo. As informações devem ser compartilhadas entre os diversos profissionais

envolvidos na assistência, discutidas interdisciplinarmente em fóruns ou encontros periódicos

e organizadas de forma a gerar consensos, protocolos e diretrizes clínicas. Nesses espaços

compartilhados, são também elaboradas estratégias de implementação conjunta das

recomendações e diretrizes, bem como propostas de melhoria na assistência. Tais propostas

derivam da análise das queixas dos pacientes, dos resultados atingidos, da discussão dos

incidentes clínicos e do benchmarking - comparação de desfechos clínicos entre serviços

similares, objetivando atingir a grau máximo de qualidade dentro de um campo de práticas.

Sobre a característica do modelo da Governança Clínica de centrar a assistência no paciente e

em sua família, Halligan & Donaldson (2001) apontam que isto pode afetar não só a

responsividade e o desempenho dos serviços de saúde como também o processo através do

qual as iniciativas de melhoria da qualidade são identificadas e priorizadas. Como assinalam

Viacava et al (2004), responsividade é um conceito que está relacionado à expectativa do

paciente (satisfação do usuário, aceitabilidade das práticas) e valorização das experiências do

paciente, como por exemplo a livre escolha do tratamento.

Para Halligan & Donaldson (2001), é importante empoderar (empower) os pacientes com

informações (de forma verbal, por escrito e em linguagem acessível), valorizar suas

contribuições, aumentar sua participação no planejamento dos serviços de saúde e na eleição

de prioridades, que devem estar ajustadas às suas reais necessidades. Isto implica em

alterações na lógica de organização dos serviços de saúde e nas condutas dos profissionais

que aí atuam. Um primeiro exemplo citado (de como o modelo de Governança Clínica se

propõe a garantir uma assistência centrada no paciente e em sua família) diz respeito à

abordagem de casos complexos (pacientes com muitas necessidades de saúde): ao invés de

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múltiplas consultas, realizadas por diversos profissionais, em diferentes momentos (o que

muitas vezes confunde os pacientes e atrasa o diagnóstico e a definição da conduta

terapêutica), há um acompanhamento permanente de uma equipe multiprofissional, que

trabalha com área adstrita. Inicialmente, este paciente recebe uma visita domiciliar de um

membro desta equipe, que avalia suas necessidades, define que profissionais do restante da

equipe serão necessários para o acompanhamento do caso e estipula junto ao paciente e sua

família, de acordo com a conveniência destes, onde e quando serão os atendimentos.

Paciente, sua família e profissionais de saúde discutem, conjuntamente, os objetivos das

intervenções clínicas propostas, as opções de tratamento e um plano de ação (que tem o

compromisso de atender ao paciente em todo seu tratamento em no máximo seis semanas).

Além disso, o “foco no paciente” também é garantido quando os profissionais de saúde

asseguram que estes possam entrar em contato em caso de emergência, para atender dúvidas

ou ansiedades.

Outro exemplo de como a Governança Clínica se compromete com a assistência centrada no

paciente e em sua família são as Ouvidorias externas. Com a função de ouvir e procurar

atender as críticas e sugestões dos usuários dos serviços de saúde, elas permitem à gestão

tomar conhecimento de suas reais necessidades.

Scholefield (2005) considera a capacidade de boa comunicação dos profissionais de saúde um

dos aspectos mais importantes do cuidado clínico. Primeiro, porque mal-entendidos são fontes

freqüentes de queixas, reivindicações e acusações; segundo, porque, como pacientes em geral

não tem conhecimento para fazer um julgamento de competência técnica, a probabilidade de

um paciente ficar satisfeito com o cuidado recebido é muito maior se a comunicação tiver sido

boa ou se o profissional de saúde tiver tido sensibilidade para lidar com situações onde algo

tenha saído errado. A autora destaca também a importância de disponibilizar informações (de

forma verbal e por escrito, em linguagem acessível) e fornecer explicações detalhadas sobre

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procedimentos e tratamentos, além de saber lidar com as expectativas dos pacientes, ainda que

estas possam ser fantasiosas. Três outras características da Governança Clínica são apontadas:

a de trabalhar com gerenciamento de risco, auditorias clínicas e Medicina Baseada em

Evidências.

Gerenciamento de risco implica identificar os riscos existentes nos processos de trabalho em

saúde, investigá-los e quantificá-los em termos de freqüência e gravidade, eliminar aqueles

em que é possível intervir e reduzir os efeitos daqueles que não podem ser eliminados

(Scholefield, 2005). Este tipo de gestão pode ser realizado através da criação e da manutenção

de sistemas de monitoramento da segurança, através de auditorias, de treinamentos e

utilização de diretrizes, e também através do aprendizado que provém da ocorrência de

eventos adversos e de queixas.

Auditoria clínica é outra ferramenta utilizada no processo de melhoria da qualidade. Ela busca

melhorar a assistência prestada e seus resultados através de uma revisão sistemática do

cuidado clínico, comparando-o a critérios explícitos, que podem apontar a necessidade de

mudanças. Onde estas se fazem necessárias, são implementadas (individualmente, nas equipes

ou em todo o serviço) e monitoradas constantemente para confirmar se de fato promoveram

melhorias da qualidade da assistência. A este processo, Scholefield (2005) denominou ciclo

de auditoria.

Medicina Baseada em Evidências (MBE), que no contexto da Governança Clínica têm a

função de fornecer suporte técnico aos profissionais de saúde, disponibilizando a melhor

evidência clínica (até o momento) para uma determinada prática em saúde, é um tema

bastante polêmico. Entre profissionais de saúde, no campo da gestão e até mesmo para o

público em geral, há diferentes leituras do que representa, provocando entusiasmo em alguns

e repulsa em outros. Em uma tentativa de estabelecer o que de fato é a MBE e o que não é,

Sackett et al (1996) assim a definem: Medicina Baseada em Evidências é a “integração da

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melhor evidência clínica externa disponível a respeito do que sejam boas práticas em saúde,

provenientes de pesquisas científicas sistemáticas, com a expertise dos profissionais de saúde,

traduzida no julgamento clínico individual, com a valorização da escolha do paciente”. Por

expertise entende-se que seja a competência e capacidade de julgamento, adquiridas ao longo

do tempo de experiência clínica e que se reflete em diagnósticos mais efetivos e eficientes e

também no grau de atenção que esses profissionais dedicam às condições de seus pacientes,

aos seus direitos e preferências nas decisões sobre o cuidado clínico. Por melhor evidência

clínica externa disponível entende-se que seja aquela oriunda de pesquisas clinicamente

relevantes, freqüentemente nas ciências básicas da medicina (ex: genética ou imunologia),

mas, especialmente, centradas em pacientes, que são voltadas para a avaliação da acurácia e

precisão dos testes diagnósticos, do poder dos marcadores prognósticos, além da eficácia e

segurança de esquemas terapêuticos, de reabilitação ou prevenção. Por basear-se em um tripé,

a MBE não pode ser considerada um livro de receitas de condutas clínicas, como no senso

comum é colocada. Embora as mais fortes evidências científicas advenham de revisões

sistemáticas, de meta-análises e de ensaios clínicos randomizados, restringir MBE a esses

estudos é um reducionismo (muito freqüente inclusive). Sackett et al (1996) frisam que,

embora a melhor evidência clínica externa possa informar o profissional de saúde e auxiliá-lo

no processo de decisão clínica, ela não substitui a expertise profissional. Em última análise,

não é o padrão – ouro, definido por esses estudos que determina a conduta profissional, e sim

o julgamento clínico. Caberá ao profissional de saúde definir a aplicabilidade dos resultados

desses estudos a cada caso, integrando as evidências clínicas externas disponíveis às

condições e preferências de seus pacientes. Gomes (2001) destaca que, apesar de já haver

fortes evidências em favor de determinados procedimentos, estes poderão não ser

implementados em função de condições clínicas desfavoráveis, alto custo ou

indisponibilidade destes em um determinado serviço de saúde. Lembra ainda que, para uma

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ampla gama de questões que se impõem no dia-a-dia da prática clínica, em especial no caso

de doenças menos comuns, não existem evidências de alta qualidade. Nestes casos, o que

prevalece é a expertise do profissional. Para esta autora, a MBE é uma ferramenta que diminui

o nível de incerteza da prática médica e que tem como objetivo diminuir as taxas de erros e

condutas aleatórias na clínica, tornando o atendimento médico mais seguro, mais custo-

efetivo e de melhor qualidade. Outra aplicabilidade da MBE citada seria auxiliar profissionais

e gestores na seleção dos recursos tecnológicos a serem utilizados na prática clínica. Nas

últimas décadas houve um grande avanço em termos de incorporação dessas tecnologias sem

que necessariamente tenham sido bem estudados seus resultados. Em uma época onde o

conhecimento médico se complexificou, em que o volume de novas informações no campo da

saúde é enorme e diário, o tempo para atualização profissional é escasso e o assédio das

propagandas oriundas da indústria farmacêutica e de equipamentos médicos é enorme e

constante, a MBE tem uma função de filtro. Para Sackett et al (1996) a MBE permite que o

profissional incorpore informações selecionadas como relevantes, eficientes e baseadas em

evidências científicas e direcionadas aos pacientes. Facilita ainda a tomada de decisão em

relação às praticas de saúde, tornando-as mais conscientes, explícitas e sensatas. Esses autores

também apontam que é freqüente a seguinte polarização: ou MBE é colocada com algo “que

todos já fazem” ou como algo que “é impossível fazer na prática”. Para estes autores, as

enormes variações nas práticas clínicas refutam o primeiro argumento. Já o segundo também

é refutado pelo fato da MBE já ser utilizada em diversos serviços de saúde, além de discutida

em programas de treinamento profissional, workshops, no nível de graduação e pós-

graduações. Há também o equívoco em afirmar que a Medicina Baseada em Evidências está a

serviço de um projeto gerencial de redução de custos: a idéia central é que médicos que

aplicam MBE são capazes de realizar as intervenções mais eficazes em maximizar quanti ou

qualitativamente a vida de seus pacientes. Isto pode aumentar os custos do cuidado clínico (no

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caso de serviços necessários, mas subutilizados) ou diminuí-los: é importante lembrar que

sem que haja nenhum tipo de regulamentação, muitos serviços são super-utilizados, sem a

correta indicação, o que aumenta os custos sem os respectivos benefícios.

A MBE é também alvo de muitas críticas, por um de seus instrumentos: as diretrizes clínicas.

Estas são “recomendações, desenvolvidas de forma sistemática, cujo objetivo é orientar

médicos e pacientes sobre cuidados de saúde apropriados para determinadas situações

clínicas” (IOM, 1990). “Contemplam indicações, contra-indicações, benefícios esperados e

riscos do uso de tecnologias em saúde (procedimentos, testes diagnósticos, medicamentos,

etc.) para grupo de pacientes definidos” (Portela, 2003) e podem se utilizadas nos campos de

prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação de doenças. Portela (2003) destaca pelo

menos cinco relevantes propósitos das diretrizes clínicas:

1) orientar a tomada de decisão clínica por pacientes e médicos;

2) educar indivíduos e grupos;

3) orientar a alocação de recursos na assistência à saúde (pode subsidiar políticas de

cobertura de serviços e reembolsos);

4) fornecer elementos de boa prática médica (reduzindo a exposição de profissionais e

instituições à responsabilidade por má prática);

5) avaliar e garantir qualidade na assistência.

A autora assinala que como as diretrizes clínicas incluem boas estimativas de resultados

esperados (riscos, benefícios...), elas podem servir como uma base sólida para detecção de

desempenho ruim dos serviços, prestação de cuidados clínicos inapropriados (onde as

conseqüências negativas excedem os benefícios) e existência de padrões de super ou

subutilização de serviços. Podem ainda contribuir para melhorar a comunicação entre

pacientes e médicos, propiciando decisões conjuntas.

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Portela (2003) menciona que o sucesso no desenvolvimento e implementação de diretrizes

clínicas (uma das ferramentas utilizadas pela Governança Clínica) depende da participação e

endosso das organizações profissionais e dos médicos reconhecidos como líderes nas áreas

em foco.

Como apontam Halligan & Donaldson (2001), o principal desafio da Governança Clínica é

transformar a cultura das organizações de saúde do Sistema Nacional de Saúde (Nacional

Health System – NHS).

Clinica Ampliada e Gestão da Clínica: pontos em destaque

A seguir, serão apresentados dois quadros – síntese relacionados às perspectivas teórico-

metodológicas Clínica Ampliada e Gestão da Clínica. No primeiro, foram destacados, na

visão deste trabalho, os principais princípios e preposições destas duas abordagens. No

segundo, estão descritos, de forma sucinta, os principais arranjos institucionais e dispositivos

de gestão utilizados na qualificação da assistência. Neste segundo quadro destacou-se: (1) os

principais estímulos implementados pela gestão para que houvesse adesão dos profissionais

de saúde às mudanças organizacionais propostas; (2) os principais dispositivos de suporte à

clínica oferecidos por essas duas abordagens; (3) as medidas e ferramentas sugeridas para, na

prática, haver gestão da qualidade.

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Quadro 1: Princípios e preposições da Clínica Ampliada e da Gestão da Clínica

CLÍNICA AMPLIADA GESTÃO DA CLÍNICA

P R I N C Í P I O S

& P R O P O S I Ç Õ E S

Clínica centrada nos sujeitos, capaz de ajudá-los na percepção sobre a vida e o adoecimento, compreendendo suas inserções nos territórios e em redes sociais e contribuindo para a co-produção de autonomia. Baseia-se na co-produção singular de sujeitos, acontecimentos, organizações e processos saúde-doença.

Preconiza que o profissional de saúde aplique a racionalidade científica considerando o saber popular, cultura, interesses e desejos dos pacientes, adaptando, com relativa autonomia, condutas diagnósticas e terapêuticas padronizadas às variações singulares.

Acolhimento com estratificação de risco

Equipes de referência (multiprofissionais/ interdisciplinares)

Projeto Terapêutico Singular (PTS): discussão interdisciplinar e prospectiva

de casos clínicos complexos e /ou de alta vulnerabilidade, com propostas

adequadas às necessidades singulares.

Compromisso com o cliente (pacientes no foco da atenção da organização),

considerando seus valores e experiências nas decisões compartilhadas

sobre o cuidado clínico

Planejamento estratégico e participativo

Unidades de trabalho/produção comandadas por gerentes profissionalizados

e formadas por "equipes de referência"

Democratização da gestão (criação de espaços coletivos de co-gestão)

Ex: colegiados de gestão, conselhos de gestão tripartite, assembléias

com os usuários, discussões coletivas de projetos terapêuticos ou

pedagógicos nas unidades de produção, "Roda" : arranjo formal

(comissão ou conselho oficial) ou informal (reuniões) de interação

entre sujeitos, destinado à discussão de temas prioritários

para o grupo, à elaboração de contratos e projetos de intervenção.

Conjunto de tecnologias de micro gestão dos serviços de saúde, visando melhorar a qualidade do cuidado clínico (efetividade da assistência), assegurar padrões clínicos ótimos, aumentando a eficiência do sistema. Baseia-se na melhoria contínua da qualidade dos serviços de saúde e na busca por altos padrões de segurança na assistência, desenvolvidos em um ambiente de excelência do cuidado clínico.

Medicina Baseada em Evidência: melhor evidência clínica (proveniente de pesquisas científicas sistemáticas) + expertise profissional (julgamento clínico) + valorização da escolha do paciente

Gerenciamento de risco

Equipes de referência (multiprofissionais/ interdisciplinares)

Projeto Terapêutico individualizado

Colocação da dimensão assistencial como central na gestão das organizações

de saúde e nos processos de melhoria da qualidade, envolvendo os pacientes

no cuidado clínico, considerando seus valores e experiências, os deixando

participar na definição de qualidade e processos decisórios

Planejamento estratégico e participativo

Preocupação com avaliação sistemática da qualidade dos serviços prestados

e "accountability" - transparência na prestação de contas junto à sociedade

Estabelecimento de uma cultura de aprendizado organizacional:

valorização da educação e pesquisa, das boas práticas e decisões baseadas

em evidências

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Quadro 2. Principais arranjos institucionais e dispositivos de gestão utilizados pela Clínica Ampliada e Gestão da Clínica para qualificação da assistência à saúde.

Clínica Ampliada Gestão da Clínica

SUPORTE À

PRÁTICA CLÍNICA

Treinamento e desenvolvimento contínuos dos profissionais da organização

Garantia de infra- estrutura e condições satisfatórias de trabalho

Figura do Apoiador: análise das demandas do grupo, negociação de

"ofertas" e pós-análise crítica compartilhada, tomada conjunta de decisões.

Personalização do sistema de referência e contra-referência: equipes de apoio matricial realizando educação continuada, em contatos diretos e horizontalizados.

Visitas interdisciplinares aos pacientes internados. Novo padrão de relacionamento entre profissionais: ênfase na

comunicação lateral como melhor forma de solução de problemas

Treinamento das equipes em condutas baseadas em medicina baseada em evidências com utilização de diretrizes clínicas (suporte técnico-científico)

Garantia de boa infra-estrutura e fortes sistemas de gestão - bibliotecas, tecnologias de informação...

Auditorias clínicas

GESTÃO DA QUALIDADE

Criação de espaços coletivos para co-gestão (consultas, visitas domiciliares, grupos, atividades em espaços comunitários, “Roda”, etc) onde se realiza a técnica “Apoio Paidéia”.

Treinamento e desenvolvimento contínuos dos profissionais da organização

Contratos de gestão estabelecendo objetivos, responsabilidades clínico-sanitárias, metas, prazos, responsáveis, além de mecanismos de aferição e avaliação de resultados.

Alteração na inserção dos profissionais de saúde nos serviços (de vertical, como plantonistas para horizontal, como diaristas): facilitadores do vínculo terapêutico.

Reorganização estrutural dos serviços de saúde com horizontalização do organograma: eliminação de coordenações, gerências ou direções especializadas (médica, de enfermagem...) com formação de apenas dois níveis formais de decisão (colegiado de gerência e colegiados das unidades de trabalho)

"Empoderamento" dos pacientes com informações, valorizando suas contribuições no planejamento dos serviços de saúde e na eleição de prioridades

Treinamento e desenvolvimento contínuos dos profissionais da organização

Gestão da utilização de procedimentos clínicos, perfilização clínica, gestão da patologia, gestão de casos, listas de espera e procedimentos expectantes, revisão do usuário (Ouvidoria) e Auditorias clínicas

Protocolos / Diretrizes clínicas de atenção à saúde Instrumentos e indicadores para avaliação de melhoria da qualidade

assistencial, da eficiência e efetividade dos serviços de saúde Profissionalização e modernização gerencial Plano & ciclo de melhoria da qualidade Utilização de sistemas de gestão e tecnologias da informação Estímulo à inovação

ESTÍMULO À ADESÃO

DOS PROFISSIONAIS ÀS MUDANÇAS

ORGANIZACIONAIS

Treinamento e desenvolvimento contínuos dos profissionais da organização

Valorização profissional (escuta de queixas, preocupações e interesses) dando-lhes sensação de "pertencimento" aos projetos de mudança.

Combinação de remuneração fixa e variável (de acordo com cumprimento de metas)

Treinamento e desenvolvimento contínuos dos profissionais da organização

Valorização profissional (escuta de queixas, preocupações e interesses)

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Capítulo 5

Apresentação dos casos

Este capítulo apresenta inicialmente as duas experiências de qualificação hospitalar

selecionadas neste trabalho, o caso do Hospital São João Batista (HSJB), localizado no

município de Volta Redonda, no Rio de Janeiro, e o do Hospital Geral de Bonsucesso (HGB),

localizado no município do Rio de Janeiro, no mesmo estado. Em seguida, apresenta-se um

quadro- síntese (Quadro 3), destacando os principais dispositivos utilizados por estes

hospitais na qualificação da assistência à saúde.

A experiência de qualificação da assistência hospitalar do Hospital São João

Batista (HSJB), Volta Redonda, Rio de Janeiro

O HSJB é um hospital público, regional, secundário, localizado no município de Volta

Redonda, no estado do Rio de Janeiro. Fundado em 1956, é uma autarquia de

administração direta da prefeitura, que funciona com gestão autônoma e como unidade or-

çamentária. Suas receitas provêm do orçamento municipal (que cobre a folha de

pagamento, representando 70% das despesas do hospital) e do faturamento SUS via AIH

(para o custeio, pagamento de gratificação por desempenho aos trabalhadores e

investimentos – que representa 30% das despesas do hospital) .

O HSJB contava, em novembro de 1996, com 162 leitos, 719 funcionários, sendo o

hospital de referência da rede básica do município e para municípios adjacentes. Possuia

um pronto-socorro (adulto e infantil) de nível terciário de complexidade, ambulatórios

de nível secundário de complexidade (diversas especialidades), centro de terapia

intensiva para adultos, unidade intermediária, berçário patológico e enfermarias de clínica

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médica, clínica cirúrgica, pediatria e gineco-obstetrícia. Além disso, dispunha dos serviços de

radiologia ( Rx, ultra-sonografia e tomografia), endoscopia, laboratório de análises clínicas

além de um programa de internação domiciliar. Os funcionários eram contratados via CLT e

possuia um plano de cargos e salários.

A partir de 1993, com assessoria de um técnico do Laboratório de Planejamento e

Administração (Lapa), da Unicamp, o HSJB iniciou um processo de mudança organizacional

de grande impacto na cultura e vida organizacional. Foi implantado um novo modelo de

administração gerencial, comprometida com a eficácia das ações, eficiência da organização,

satisfação de seus clientes/usuários e transparência de gestão. Houve profissionalização e

modernização gerencial, buscou-se a democratização da vida institucional (através da gestão

coletiva e participativa em todos os níveis da organização), o compromisso com o cliente

(colocando os pacientes no foco da atenção da organização) e preocupação com a melhoria

da qualidade do atendimento, através da qualificação dos trabalhadores e introdução de

uma política de avaliação do desempenho institucional com pagamento de gratificação às

equipes por resultados atingidos. Além disso, a defesa da vida e os direitos de cidadania

passaram a ser a nova missão do hospital, antes muito desprestigiado e sem legitimidade

junto à população. (Cecílio, 2002; Cecílio et al, 2002)

O modelo gerencial adotado no HSJB se traduziu em um conjunto de dispositivos de gestão e

coordenação do trabalho em saúde voltados para a melhoria da qualidade assistencial:

1) organograma horizontalizado com apenas dois níveis formais de decisão;

2) ênfase na gestão democrática e participativa com criação de colegiados

(Colegiado de Gerência do hospital (CG) e Colegiados das unidades de trabalho

(UT);

3) ênfase no trabalho de equipes multiprofissionais, organizadas nessas unidades

de trabalho;

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4) planejamento estratégico e participativo;

5) contratos de gestão entre as unidades de trabalho e a direção;

6) incentivo à comunicação lateral como melhor forma de solução de problemas

cotidianos;

7) Grupo de apoio à gestão (GAG);

8) Secretaria executiva (SE);

9) criação de uma política de avaliação do desempenho institucional com

pagamento de gratificação às equipes por resultados atingidos;

10) criação da CID – Comissão de Incentivo de Desempenho, com protagonismo

importante na melhoria dos processos de trabalho (por exemplo, cobrança de

melhor qualidade dos registros em prontuários e no acompanhamento da

aplicação da planilha de indicadores de desempenho institucional;

11) ênfase na avaliação regular da qualidade dos produtos oferecidos e da

satisfação dos clientes, através de questionário de avaliação da satisfação dos

usuários;

12) rotinização dos processos de trabalho nas unidades de trabalho com utilização

de protocolos;

13) profissionalização dos gerentes das unidades de trabalho e qualificação dos

trabalhadores;

14) comissão de infecção hospitalar, comissão de revisão de óbitos e comissão de

ética;

15) projetos terapêuticos individualizados (desenvolvidos por equipes

multiprofissionais);

Os oito primeiros dispositivos supracitados foram aplicados com o objetivo de democratizar a

vida organizacional e aumentar a participação dos trabalhadores na gestão do hospital; os

demais foram implantados visando melhorar a qualidade do atendimento. Ao invés do

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hospital ter uma estrutura altamente verticalizada, com muitas linhas de mando hierárquicas,

centradas nos corpos funcionais (direção clínica, de enfermagem e administrativa), este passou

a estar centrando nas unidades de trabalho ou de produção (organizadas de acordo com

atividades-fim, assistenciais ou de apoio). Passou a ter um organograma achatado, com apenas

dois níveis formais de decisão, os Colegiados das unidades de trabalho e o Colegiado de

Gerência do hospital (CG). O Colegiado de Gerência, constituído pela diretora, assessores e

os gerentes de unidades de trabalho, tinha as funções de elaborar o plano diretor do hospital e

seu planejamento estratégico (incluindo o levantamento dos macro-problemas da instituição, a

definição de operações a serem realizadas, com os respectivos responsáveis pela prestação de

contas e prazos). Os Colegiados das unidades de trabalho, constituídos pelo gerente e

pelos trabalhadores daquela unidade, tinham as funções de elaborar o planejamento

estratégico da unidade (estabelecendo indicadores para o monitoramento do desempenho,

metas a serem atingidas e discutindo resultados obtidos). Com reuniões regulares, com pauta

prévia e todos com direito a voto, os colegiados também se destinavam a discutir,

implementar e avaliar mudanças (dentro da governabilidade das equipes) e a resolver

problemas do cotidiano. Apoiando o gerente de unidade, havia o Grupo de Apoio à Gestão

(GAG). Sua função era colaborar no planejamento, na organização das informações,

elaboração de rotinas e condução de questões do cotidiano. Analogamente, apoiando o

Colegiado de Gerência do hospital (CG), havia a Secretaria Executiva (SE), com o papel

estratégico de apoiar o desenvolvimento das funções gerenciais no nível das unidades, em

consonância com o novo modelo gerencial. Diferente do GAG, envolvido mais em questões

cotidianas, a SE encaminhava as decisões do colegiado de gerência do hospital às unidades,

articulava os indicadores de desempenho e facilitava o aprendizado da comunicação lateral

intergerentes. Tanto a SE quanto o GAG tinham ainda como funções apoiar o

encaminhamento de decisões, a elaboração de pautas de reunião (com discussão dos temas a

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serem abordados), o registro das decisões das reuniões e o acompanhamento da coleta de

informações necessárias para a avaliação dos resultados através de indicadores. Em relação à

profissionalização dos gerentes, estes tinham como funções: comando único das UT,

promoção de uma gestão participativa com sua equipe, articulação dos saberes da equipe,

comunicação lateral (intergerentes) para solução de problemas cotidianos e comunicação

vertical (Colegiado da unidade de trabalho com Colegiado de Gerência), para prestação de

contas do desempenho de sua equipe e discussão de questões previamente abordadas no

Colegiado de unidade, mas que estavam fora da governabilidade das equipes... enfim,

tentavam confluir os macro objetivos da organização (relacionados à missão do hospital) com

os micro objetivos das unidades. Cabia ao gerente ainda garantir a qualidade e regularidade da

coleta de informações de qualidade/confiáveis, utilizadas na construção dos indicadores,

que alimentavam uma planilha de avaliação (Tabela 1). Esta planilha não media

produtividade nem avaliava o trabalho isolado das corporações. Media sim a qualidade de

processos de trabalho multidisciplinares, relacionados ao atendimento prestado à população.

Era o instrumento-base da política de avaliação do desempenho institucional. Sobre a

planilha de indicadores de desempenho:

“A planilha não consegue, nem tem a pretensão, de avaliar a missão institucional como um

todo, significando apenas um esforço de iluminar, de forma bem direcionada e intencional,

aspectos que a direção superior e as gerências intermediárias vão definindo como

substantivos para a vida da organização em cada momento.”

Cecílio et al (2002: 1660).

“... A planilha é indutora de novas práticas ... introduz problemas nas agendas das

equipes, intromete-se nos processos de trabalho ... é um reforço importante para a criação

de uma cultura de responsabilidade e de uma postura mais ética diante dos usuários e dos

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demais membros da equipe ... A planilha, neste sentido, cria transparências onde havia

opacidades. A planilha revela”.

Cecílio (2002; 385).

Os principais objetivos da planilha eram: melhorar a qualidade do atendimento prestado à

população, aumentar a adesão dos funcionários aos objetivos da instituição e o seu

desempenho; diminuir o absenteísmo; e gratificar trimestralmente as equipes por

resultados atingidos, reduzindo a defasagem salarial.

Para gerenciar a política de avaliação do desempenho institucional, o que incluia

acompanhar a aplicação da planilha de indicadores, analisar os dados de produção e

qualidade dos serviços prestados por cada unidade do hospital, definir os valores a serem

distribuídos às equipes a cada avaliação trimestral e acompanhar os valores do fundo

de desempenho institucional (criado para financiar a gratificação dada aos funcionários), foi

constituída uma comissão (Comissão de Incentivo de Desempenho - CID), composta por

representantes das unidades de trabalho e representantes do colegiado de gerência do

hospital.

Este dispositivo de gestão (a planilha) não só facilitou o controle externo da organização

(controle social, via conselhos de usuários) como também foi utilizado nos contratos de

gestão entre o HSJB e a Secretaria Municipal de Saúde de Volta Redonda (Cecílio, 2002;

Cecílio et al, 2002).

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Tabela 1: Planilha de avaliação trimestral de desempenho do Hospital São João Batista, Volta Redonda, Rio de Janeiro

Coordenação Indicador Parâmetro Pontuação Clínica médica, cirúrgica, obstétrica, PS adulto, CTI neonatal

Número de reuniões realizadas pela equipe no trimestre

3 reuniões (multiprofissionais) no trimestre, sendo uma por mês.

3 reuniões: 5 pts 2 reuniões: 2,5 pts Menos de 2 reuniões: 0

Clínica médica, cirúrgica, obstétrica, CTI adulto e Ambulatório

Qualidade no preenchimento dos prontuários

100% dos prontuários preenchidos conforme protocolo

80% a 100%: 5 pts 60% a 79%: 2,5 pts Menos de 60%: 0

CTI adulto Taxa de mortalidade / índice de Apache

Igual ou menor que 1,3 Até 1,3: 5 pts Igual ou maior que 1,3: 0

Clínica obstétrica Taxa de cesáreas 35% Até 35%: 5 pts 36% a 40%: 2,5pts Maior que 40%: 0

UTI neonatal Taxa de infecção hospitalar

35% Até 35%: 5 pts 36% a 40%: 2,5 pts Maior que 40%: 0

Clínica Cirúrgica Percentual de cirurgias eletivas suspensas

30% com decréscimo de 5% a cada semestre

Até 30%: 5 pts 31% a 35%: 2,5 pts Mais de 35%: 0

Laboratório

Tempo médio transcorrido entre solicitação de exame (hemograma, glicose, EAS) pela urgência e entrega do resultado

30 minutos

Até 30 minutos: 5 pontos 31 a 35 minutos: 2,5 pts Mais que 35 minutos: 0

Imagem Percentual de perda de exames radiológicos por erro técnico

Zero 0 exames com erro: 5 pts 1% a 2%: 2,5 pts Mais de 3%: 0

Suprimento Percentual de medicamentos e materiais “sentinelas” que estouram estoque mínimo

Zero 0: 5 pts 1% a 5%: 2,5pts Maior que 5%: 0

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Manutenção Tempo médio transcorrido entre solicitação e o conserto de “marcadores”

12 horas Até 12 horas: 5 pts 12 a 24 horas: 2,5 pts Mais de 24 horas: 0

Recepção Percentual de avaliação positiva pelos usuários

90% 90% a 100%: 5 pts 70% a 89%: 2,5 pts Menos de 70%: 0

Recepção Percentual de prontuários preenchidos devidamente

100% 90% a 100%: 5 pts 60% a 89%: 2,5 % Menos de 60%: 0

Processamento de roupas, nutrição e dietética e serviços gerais

Percentual de avaliação positiva dos usuários

90% 90% a 100%: 5 pts 70% a 79%: 2,5 pts Menos de 69%: 0

Tabela extraída de: Cecílio, L. C.O; Rezende, M. F. B; Magalhães, M. G.; Pinto, S. A. O pagamento de incentivo financeiro para os funcionários como parte da política de qualificação da assistência de um hospital público, Volta Redonda, Rio de Janeiro, Brasil. Cadernos de Saúde Pública vol.18 no.6 Rio de Janeiro Nov./Dec. 2002 Hospital Geral de Bonsucesso (HGB), Rio de Janeiro – sistematização do atendimento à dor torácica na emergência. A experiência descrita a seguir é a de um projeto-piloto de qualificação da assistência ao

infarto agudo do miocárdio (IAM) em emergências hospitalares do SUS, realizado no

Hospital Geral de Bonsucesso (HGB), no Rio de Janeiro.

O programa “Dor torácica HGB” foi fruto da junção de um projeto interno de capacitação e

treinamento para o diagnóstico e atendimento da dor torácica (desenvolvido pela equipe de

cardiologistas deste hospital) e a pesquisa científica “Construindo estratégias e avaliando a

implementação de diretrizes clínicas no SUS”, realizada para o CNPq. Alguns dos objetivos

desta pesquisa foram:

- identificar estratégias para a efetiva implementação de diretrizes clínicas no SUS, visando

obter assim resultados clínicos mais satisfatórios;

- identificar fatores facilitadores da adesão de profissionais de saúde e pacientes a protocolos

baseados em evidência científica;

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- monitorar a adesão às diretrizes e os resultados assistenciais produzidos;

(Portela, 2007).

Para o programa de capacitação no atendimento ao IAM, a equipe de cardiologistas do HGB

elaborou um material educativo/de sensibilização específico para os diversos profissionais

ligados à assistência (incluindo vigilantes, maqueiros e recepcionistas, além dos profissionais

de saúde), baseados em uma síntese da III Diretriz sobre tratamento do infarto agudo do

miocárdio da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Foram criados, crachás, bótons, livreto, e

folder de bolso, com conteúdo adaptado ao nível da função de cada categoria profissional.

(Anexos 1, 2 e 3).

Para avaliar o impacto do programa de capacitação sobre a qualidade da assistência prestada

no atendimento ao IAM foi elaborado e aplicado um questionário, que posteriormente foi

utilizado na construção de indicadores da qualidade da atenção ao IAM na emergência antes

e após a implementação de estratégias de divulgação das diretrizes clínicas e do treinamento

das equipes da emergência em condutas baseadas em evidência científica. A coleta de dados

foi realizada nos prontuários e os indicadores utilizados foram selecionados e adaptados a

partir dos estudos do projeto GAP (Guidelines Applied in Practice) e da III Diretriz da SBC

(SBC, 2004). Os principais resultados desta experiência serão descritos no capítulo a

seguir.

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Capítulo 6

Análise das experiências de qualificação da assistência nos

hospitais São João Batista e Geral de Bonsucesso.

A análise das duas experiências supracitadas focaliza os dispositivos e propostas que elas

trazem no sentido da melhoria da qualidade assistencial hospitalar, exemplificando como, em

situações concretas, são operacionalizadas as propostas teórico-metodológicas Gestão da

Clínica e Clínica Ampliada. Embora o objetivo deste trabalho não seja comparar as

experiências, serão destacados alguns aspectos relevantes em cada uma delas.

Abrangência e escopo

As experiências possuem abrangência e escopo muito diferentes. Enquanto no Hospital São

João Batista (HSJB) as mudanças institucionais foram introduzidas ao longo de um período de

dez anos, com monitoramento permanente dos resultados e ajustes ao longo do tempo, no

Hospital Geral de Bonsucesso (HGB) o período de trabalho foi de apenas alguns meses, tendo

sido uma experiência pontual; um projeto-piloto de qualificação da assistência ao infarto

agudo do miocárdio (IAM) em emergências hospitalares do SUS. Em relação à abrangência

organizacional, enquanto no HSJB todos os setores do hospital foram abarcados pelas

mudanças, no HGB apenas um setor do hospital (a Emergência) e apenas um cuidado

específico (a atenção ao IAM) foram envolvidos.

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Incentivos financeiros envolvidos no processo de qualificação hospitalar

Enquanto no processo de melhoria da qualidade do HSJB houve muitos subsídios públicos e

privados (via emendas parlamentares, investimentos REFORSUS, da Companhia Siderúrgica

Nacional, contrapartidas da Secretaria Municipal de Saúde, etc) para investimentos (por

exemplo, duplicação da área física do hospital, abertura de novos serviços e gratificação

pecuniária aos funcionários por desempenho), a experiência no HGB contou apenas com os

recursos provenientes da pesquisa científica para o CNPq, no escopo de um edital proposto

pelo Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT) da Secretaria de Ciência, Tecnologia e

Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde.

Adesão dos profissionais às mudanças organizacionais

Em comum, respeitando o porte de cada intervenção, pode-se dizer que ambas tiveram a

preocupação com a adesão dos profissionais aos projetos de mudança e com o envolvimento

multidisciplinar. Tiveram o cuidado de envolver todos os profissionais ligados à área

assistencial, mesmo aqueles que atuavam indiretamente. Enquanto no HSJB os funcionários

administrativos e de nível técnico foram incluídos nas discussões de melhoria da qualidade do

cuidado clínico nas unidades de trabalho e via CID, no HGB, vigilantes, recepcionistas,

maqueiros e técnicos em eletrocardiograma (e não apenas os profissionais de saúde clássicos

– médicos e enfermeiros), foram incluídos na capacitação e treinamento no atendimento à dor

torácica. Além disso, nas duas experiências, para que os profissionais aderissem aos

respectivos projetos, foi fundamental a existência de lideranças importantes, com capacidade

de disseminar os valores das propostas, com governabilidade para conduzir os processos e

capazes de cativar e mobilizar os coletivos em torno dos objetivos institucionais. No HSJB, o

principal ator estratégico foi a diretora do hospital que, segundo Cecílio (1998) “... tinha o

compromisso de resgatar o hospital e torná-lo um “hospital SUS” - de caráter público,

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comprometido com a qualidade e universalidade do atendimento, legitimando a instituição

junto à população”. O autor destaca ainda que isto serviu de “cimento simbólico” para obter

adesão de vários outros atores estratégicos em torno do projeto, como técnicos e médicos

detentores de grande prestígio junto ao corpo clínico. No HGB, a existência de cardiologistas

líderes a frente do projeto (profissionais com grande experiência clínica e respeito de seus

pares e subordinados) também foi fundamental para o sucesso obtido. Ainda como estratégias

para obter adesão profissional, foram realizadas também, nos dois hospitais, campanhas do

tipo “Vista essa camisa” junto aos funcionários. No HGB, foram desenvolvidos crachás,

específicos para os diversos profissionais ligados à assistência (com conteúdo adaptado ao

nível da função de cada categoria profissional), bótons alusivos ao programa “Dor torácica

HGB” (Anexo 1) e um material didático, no formato de livreto e folder (Anexos 2 e 3),

destinado aos profissionais de nível superior, particularmente aos médicos. A finalidade dos

crachás era identificar, sensibilizar, motivar e integrar a equipe de atendimento em um

programa de melhoria da qualidade do atendimento prestado à dor torácica na emergência

hospitalar. O objetivo dos bótons era dar aos vigilantes, maqueiros e recepcionistas, além dos

profissionais de saúde, a sensação de pertencimento institucional e, especificamente, ao

programa. O livreto tinha como objetivo fornecer aos profissionais uma síntese das diretrizes

assistenciais “Recomendações para o tratamento do IAM”, em um formato prático e

acessível. Já o folder de bolso (frente e verso), sendo um resumo do livreto em tamanho

reduzido e contendo as condutas clínicas mais relevantes preconizadas pelas diretrizes

clínicas, além de um fluxograma de atendimento ao IAM, tinha como objetivo auxiliar os

profissionais em suas práticas clínicas cotidianas. No HSJB, a campanha do tipo “Vista essa

camisa” junto aos funcionários do hospital para obter adesão ao projeto de mudança foi feito

através dos uniformes e, principalmente, através do esforço na recuperação do orgulho dos

funcionários em trabalhar em um hospital reconhecido pela população como “de bom

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padrão”. Além dessas medidas, outras foram tomadas: pagamento de salários em dia,

realização de investimentos na melhoria das condições de trabalho (nas áreas de apoio

técnico-administrativo e assistencial) e introdução de uma política de avaliação e gratificação

por desempenho. A própria planilha de indicadores, instrumento que possuia grande

credibilidade junto aos trabalhadores, pode ser considerada um dispositivo de gestão para

conseguir adesão às iniciativas de melhoria da qualidade assistencial e para confluência

dos objetivos dos funcionários aos da instituição.

O fato da complementação salarial dos funcionários depender da classificação obtida pelo

hospital em termos de qualidade, e este resultado ser em função da pontuação alcançada na

planilha, reforçava a necessidade de envolvimento dos profissionais na busca da

melhoria da qualidade.

Dimensões da qualidade consideradas

No HSJB as principais dimensões da qualidade trabalhadas foram o

acesso/acessibilidade, a eficiência, a efetividade e a adequação. A ampliação do acesso/

acessibilidade ao HSJB decorreu do conjunto de investimentos (financeiros e no campo da

gestão) que ocorreram no hospital: duplicação de sua área física, abertura de novos serviços

e melhoria de outros, aumento do número de leitos e de atendimentos realizados na

emergência e maternidade, fim da segmentação da clientela (clientes SUS, particulares e de

convênios com hotelaria diferenciada) e coibição de “pagamentos por fora” aos médicos.

Em relação ao aumento da eficiência da organização, alguns exemplos são: aumento do

faturamento hospitalar, informatização do almoxarifado com melhor controle de estoques

mínimos e críticos, padronização de materiais e medicamentos, estabelecimento de novas

relações com os fornecedores e a otimização dos serviços de maternidade (antes com

baixíssima taxa de ocupação).

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Sobre a efetividade, segundo Cecílio (2002), após a introdução das mudanças

organizacionais, mais de 80% dos pacientes avaliavam o atendimento, no momento da alta,

como bom ou excelente, em vários aspectos investigados (hotelaria, recepção, cuidados

médicos, de enfermagem e de outros profissionais, etc). Sendo a satisfação do usuário uma

das medidas de resultado e resultado fazendo parte da efetividade, houve incremento desta

dimensão de qualidade.

Sobre a adequação, contribuíram para a melhoria desta dimensão da qualidade os

investimentos realizados no HSJB em qualificação dos profissionais de saúde, a

promoção do trabalho em equipe (multiprofissional) nas unidades de trabalho, a

realização de projetos terapêuticos individualizados por estas equipes, a discussão de casos

clínicos, a rotinização dos processos de trabalho com utilização de protocolos, a melhoria

dos registros em prontuário e as comissões (comissão de infecção hospitalar, de revisão de

óbitos e de ética).

Contribuíram também para a melhoria da qualidade assistencial a maior agilidade na

realização dos exames laboratoriais de urgência, a preocupação permanente em avaliar a

satisfação dos usuários (através de questionário), a reconstrução / melhoria de diversos

serviços (como por exemplo, a Emergência e os de apoio como os de nutrição e dietética e o

de processamento de roupas), a profissionalização da gerência e a introdução da política de

avaliação do desempenho institucional com gratificação por resultados. Vale lembrar que

muitos dos indicadores utilizados na planilha de avaliação estão relacionados à qualidade

técnico-científica (taxas de mortalidade no CTI, de cesáreas, de infecção hospitalar,

percentual de perdas de exames radiológicos por erro técnico...).

Na experiência do HGB, as principais dimensões da qualidade consideradas foram a

efetividade dos cuidados clínicos oferecidos no atendimento à dor torácica na Emergência, a

segurança e a prontidão. Embora tenham sido usados fundamentalmente indicadores, segundo

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classificação “Donabediana”, de processo e não de resultado, tais indicadores apresentam boa

relação causal com resultados favoráveis (houve aumento na utilização de intervenções

reconhecidas cientificamente como eficazes no tratamento do IAM, aumentando assim a

efetividade dos cuidados clínicos). Outra dimensão considerada foi a da segurança: no grupo

pós-treinamento houve diminuição de casos de iatrogenia. Enquanto no grupo pré-

treinamento, betabloqueador foi prescrito, apesar da presença de contra-indicações e em 36%

dos casos este fármaco não foi prescrito, apesar de não haver contra-indicação ao seu uso, no

grupo pós treinamento, betabloqueador só não foi utilizado em pacientes com contra-

indicações. Neste grupo também, em nenhum caso foi prescrito bloqueador de cálcio, o que

está de acordo com as diretrizes para tratamento do IAM. Embora a dimensão da eficiência

não tenha sido aferida, pois o estudo foi de curto prazo, sabe-se que um paciente infartado,

recebendo cuidados mais efetivos recupera-se mais prontamente, com menos morbidades e

menor custo global, no longo prazo. Em relação à questão da prontidão, sabe-se que esta é

uma dimensão importantíssima na avaliação da qualidade da assistência ao IAM, uma vez o

intervalo de tempo entre o início do quadro e o recebimento de assistência correta é um dos

principais fatores determinantes da extensão do dano miocárdico.

Monitoramento da qualidade

Em comum, as duas experiências tiveram a preocupação de definir indicadores para o

monitoramento dos resultados e da melhoria da qualidade após as intervenções propostas

respectivamente. A diferença é que, enquanto na experiência do HGB todos os indicadores

utilizados foram selecionados segundo a Medicina Baseada em Evidências (foram escolhidos

aqueles com forte associação causal com melhores resultados), na experiência do HSJB, além

dos indicadores relacionados à qualidade técnico-científica, foram utilizados outros,

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construídos a partir de problemas cotidianos e relacionados à satisfação do cliente, à

responsabilidade, interesse e compromisso dos funcionários junto ao público.

Foco no paciente

Em relação à questão “o cliente deve estar no foco de atenção da organização”, no HSJB isto

se traduziu, na prática, em alguns dispositivos:

1) preocupação em avaliar permanentemente a satisfação dos usuários com os

serviços prestados pelo hospital. De forma regular, um questionário de avaliação

da satisfação dos usuários era aplicado, sempre pela mesma funcionária, a todos os

pacientes no momento da alta hospitalar. Questões relacionadas à hotelaria,

recepção, cuidados médicos, de enfermagem e de outros profissionais eram

avaliadas;

2) realização de um projeto terapêutico individualizado, por uma equipe

multidisciplinar, nas unidades de trabalho;

3) discussão multidisciplinar de casos clínicos;

4) criação de instâncias de controle social, como os conselhos de usuários, com

acesso aos indicadores de desempenho institucional, garantindo aos mesmos

participação nas decisões relacionadas aos cuidados prestados;

5) planilha de avaliação de desempenho contendo diversos indicadores relacionados à

responsabilidade, interesse e compromisso dos funcionários junto ao público. Por

exemplo, preocupação em diminuir o tempo de entrega de exames e de

atendimento de pedido de manutenção nas instalações de pacientes internados

(torneiras, pias, privadas...).

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No HGB, de forma indireta, mas clara, a preocupação em reduzir a morbi-mortalidade

do IAM automaticamente coloca o paciente no centro do cuidado. A melhoria da

efetividade das intervenções no tratamento do IAM garante maior preservação

miocárdica, mais rápida recuperação pós-infarto e melhor qualidade de vida no longo

prazo.

Resultados

No HGB, após a implementação das estratégias facilitadoras da adesão às diretrizes

clínicas, houve um aumento significativo na utilização de intervenções reconhecidas

cientificamente como eficazes no tratamento do IAM. Alguns exemplos: aumento da

prescrição de betabloqueador em 83% (de 51,3% para 93,9%), de inibidores da ECA em

22% (de 78,2% para 95,4%), de nitrato intravenoso em 35% (de 57,7% para 89,4%), de

hipolipemiante em 69% (de 55,0% para 95,1%), de cateterismo durante a internação do

IAM (de 21 para 92%), de trombólise (de 18 para 38%) e em mais de cinco vezes no uso

de clopidogrel. Além disso, houve drástica redução da perda de oportunidade de reperfusão

(de 72% para 18%) e diminuição de casos de iatrogenia: no grupo pré-treinamento, em

36% dos casos, betabloqueador não foi prescrito, apesar de não haver contra-indicação ao

seu uso e, em três casos, o fármaco foi prescrito, apesar da presença de contra-indicação.

Em nenhum caso do grupo pós-treinamento foi prescrito bloqueador de cálcio (o que está

de acordo com as diretrizes para tratamento do IAM), e o betabloqueador só não foi

utilizado em pacientes com contra- indicações. Outro resultado no grupo pós-treinamento

foi a grande melhoria no preenchimento do formulário de coleta de dados. Uma conclusão

do estudo “Construindo Estratégias e Avaliando a Implementação de Diretrizes Clínicas no

SUS” sobre o programa de capacitação e treinamento implementado na Emergência do

Hospital de Bonsucesso foi que ele apresentou impacto positivo na adesão às condutas

baseadas em evidências científicas na assistência de emergência ao IAM, em um curto

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prazo. Sugere ainda que a multiplicação dessas estratégias para outras unidades de

emergência, ainda que com adaptações locais, pode contribuir para melhorar a qualidade

da assistência ao infarto agudo do miocárdio nas emergências hospitalares do SUS

(Portela, 2007).

Os resultados alcançados pelo HSJB na qualificação do atendimento, segundo Cecílio

(1998), são positivos. Primeiro porque foi uma experiência bem sucedida de mudança em

uma organização governamental. O hospital cresceu, qualificou a assistência prestada à

população, se legitimou junto à mesma e melhorou sua eficiência. Na maioria das

avaliações de desempenho a que foi submetido atingiu bons resultados, ficando quase

sempre classificado como “A” na planilha de indicadores. Sobre a adoção de um modelo

de administração gerencial, o autor destaca que a gestão colegiada nos vários níveis, o

planejamento estratégico da direção, a explicitação de compromissos com metas avaliadas

por indicadores e a prestação regular de contas de resultados, contribuíram para a criação

de uma cultura de responsabilidade e para criar novas relações contratuais entre direção e

trabalhadores, baseadas na qualidade da atenção. Além disso, a criação de espaços

coletivos de discussão e deliberação (os Colegiados das unidades de trabalho e o Colegiado

de Gerência do hospital) e de uma comissão para gerenciar a política de avaliação de

desempenho institucional (a “CID” – Comissão de Incentivo de Desempenho), em

alguma medida, pode ser entendida como oportunidade para uma maior participação dos

trabalhadores na gestão de seus processos de trabalho e também como movimento no

sentido da democratização institucional e do conhecimento. Como destacam Cecílio et al

(2002), a CID, formada essencialmente por trabalhadores de nível médio ou elementar,

conseguiu trabalhar com grande autonomia em relação à direção do hospital, foi

protagonista na condução da política de avaliação, foi capaz de intervir em muitos

processos de trabalho das unidades, aproximando estes aos objetivos mais gerais da

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organização. Conseguiu inclusive, exercer algum grau de controle externo sobre os

médicos (ao cobrá-los melhor qualidade de seus registros nos prontuários), o que a colocou

em contato com questões bastante complexas, como os mecanismos institucionais que

protegem o segredo e a autonomia do médico. Outro indicador de que as mudanças

organizacionais tiveram impacto positivo na vida dos profissionais foi a percepção do valor

do trabalho no HSJB: os funcionários, comparando o “trabalhar no HSJB” versus

“trabalhar em outros hospitais”, passaram a privilegiar o primeiro. Além da questão do

orgulho em trabalhar numa instituição de bom padrão, a gratificação por desempenho,

pelo menos parcialmente, reduziu a defasagem salarial dos profissionais em relação ao

mercado, problema comum dos hospitais governamentais. Cecílio (2002). Outra mudança

significativa ocorreu na forma de resolver os problemas codidianos do HSJB: se

antes predominava a lógica vertical das corporações ou por áreas de especialização

(administrativa, apoio técnico, etc.), e os problemas eram encaminhados “para cima”, após

a implementação das mudanças organizacionais, a comunicação lateral, sem

intermediações da direção superior, passou a predominar entre os coordenadores e suas

equipes.

“o modelo de gestão adotado pelo hospital, de recorte horizontal, com coordenação

unificada em todas as unidades de trabalho, inclusive as assistenciais, com ênfase na gestão

colegiada e participativa em todos os níveis, é facilitador da comunicação e da tomada de

decisões necessárias para correção ou melhoria de algum indicador que se mostrar

inadequado”

(Cecílio et al, 2002: 1661)

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Dificuldades e limites das experiências

Algumas dificuldades apontadas por Cecílio (1998, 2002) na operacionalização do novo

modelo gerencial proposto para o HSJB foram:

1) dificuldade de trabalhar com coordenações técnicas unificadas na área assistencial: os

médicos, autônomos em sua prática, são, em geral, pouco integrados às equipes,

recusam a coordenação da unidade por falta de tempo, não reconhecem a autoridade

da enfermagem como coordenadora, não comparecem aos Colegiados de unidade,

esvaziando este espaço. Há reprodução das práticas profissionais e as coordenações

seguem verticais e por corporações;

2) difícil inserção dos médicos no novo modelo de gestão organizacional: geralmente os

mesmos não se engajam no processo de mudança, não se sujeitam a avaliações

institucionais ou a “contratos” com a gestão.

3) tendência de reconcentração de poder na direção superior (por exemplo, políticas de

compras e de pessoal) com esvaziamento das funções do Colegiado de Gerência (em

formular as políticas do hospital e avaliar o desempenho institucional): a Secretaria

Executiva desloca-se “para cima”, torna-se uma espécie de “staff” da direção

(“Diretoria Executiva”), concentrando um grande número de decisões;

4) aumento dos mecanismos verticais de controle e disciplinamento sobre os gerentes

com diminuição de sua governabilidade: marcada divisão entre direção e gerentes

(“nós” e “eles”), com queixas e desconfianças bilaterais, provocando grande mal-estar

organizacional;

5) dificuldades na implementação da política de gratificação por desempenho: descuido,

por parte dos gerentes, na qualidade da coleta dos dados necessária para a fidelidade

dos indicadores que compunham a planilha de avaliação de desempenho e também na

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discussão de seus resultados com as equipes (burocratização da planilha), tendência de

incorporação da gratificação ao salário e perda do caráter motivacional do dispositivo;

6) dificuldades com a Comissão de Incentivo ao Desempenho (CID): pouco

conhecimento técnico sobre a planilha de avaliação de desempenho, limitando sua

capacidade de interlocução com os demais trabalhadores e afrouxamento no rigor das

avaliações.

7) presença marcante de clientelismo por parte da administração municipal, do legislativo

local e de candidatos políticos: pressões para atendimento privilegiado e para

contratações.

8) sobrecarga na Emergência do HSJB por deficiências no sistema de saúde loco-

regional.

Os limites na experiência do HGB foram relacionados aos resultados de longo prazo, ao

tamanho da amostra e à incapacidade de extrapolação dos resultados. Embora os responsáveis

pelo projeto no hospital (dois cardiologistas) tenham se empenhado na supervisão contínua

dos profissionais pós-treinamento, não foi possível avaliar os resultados desta experiência de

qualificação da assistência no longo prazo. Embora as freqüências de óbito e parada cardíaca

súbita tenham sido reduzidas no grupo pós-treinamento, não foi possível concluir se o

treinamento teve algum impacto sobre o resultado devido ao tamanho de amostra. Além disso,

pela amostra ter sido “não probabilística”, há uma maior chance de viés de análise e fica

reduzida a capacidade de extrapolação dos resultados desta experiência para outros serviços.

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Incorporação dos elementos teórico-metodológicos da Gestão da Clínica e da Clínica

Ampliada nas experiências

Embora Gestão da Clínica e Clínica Ampliada sejam abordagens diferentes, em função dos

referencias teóricos nos quais se baseiam, muitas das proposições e dispositivos descritos por

cada uma são bastante semelhantes. Ambas buscam a melhoria da qualidade das práticas em

saúde, destacam a importância da assistência como uma dimensão central da gestão, colocam

o paciente no foco do cuidado, enfatizam a necessidade da participação do paciente e de seus

familiares nas decisões clínicas e preconizam que o trabalho em saúde seja oferecido por

equipes multidisciplinares. Embora o programa “Dor torácica HGB” não tenha se configurado

como um exemplo de aplicação da Gestão da Clínica como um todo, os referenciais teóricos

utilizados no projeto (o da Medicina Baseada em Evidências e utilização de diretrizes

clínicas), são dois pilares estruturantes da Gestão da Clínica. Além disso, o projeto tem

importância por ser um relato de implantação bem sucedida de diretrizes clínicas em um

hospital do SUS, tendo alcançado resultados clínicos satisfatórios.

A seguir (Quadro 3) estão listados, de forma esquemática, os principais dispositivos utilizados

pelos hospitais São João Batista (HSJB) e Geral de Bonsucesso (HGB) para a qualificação de

sua assistência. Foram destacados: (1) os principais dispositivos utilizados nessas experiências

para apoiar a Gestão da Qualidade; (2) as principais ações para implementação da Política de

Melhoria da Qualidade; (3) o gerenciamento de risco – como foi realizado; (4) as principais

dimensões da qualidade trabalhadas nas experiências dos hospitais São João Batista (HSJB) e

Geral de Bonsucesso (HGB).

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Quadro 3. Dispositivos utilizados nos hospitais São João Batista (HSJB) e Geral de Bonsucesso (HGB) para a qualificação da assistência à saúde. HSJB HGB

APOIO

PARA

GESTÃO DA

QUALIDADE

Grupo de Apoio à Gestão (GAG): definição da missão da unidade, avaliação da satisfação dos usuários (preocupação central da gestão), análise permanente dos processos de trabalho, etc.

Secretaria Executiva (SE): apoio para o desenvolvimento das funções gerenciais nas unidades.

Suporte técnico - científico via capacitação: Medicina Baseada em Evidências com uso de diretrizes clínicas

POLÍTICA DE

MELHORIA

DA QUALIDADE

Treinamento e desenvolvimento contínuos dos profissionais da organização

Rotinização dos processos de trabalho nas unidades de trabalho com utilização de protocolos

Política de avaliação do desempenho institucional com pagamento de gratificação às equipes por resultados atingidos

Projetos Terapêuticos INDIVIDUALIZADOS Implantação do modelo de administração gerencial com profissionalização e

modernização da gestão (ex: profissionalização dos gerentes das unidades de trabalho)

Comissão de incentivo de desempenho (CID): protagonista na melhoria dos processos de trabalho

Planejamento estratégico participativo Questionário de avaliação da satisfação dos usuários (avaliação regular da

qualidade) Ouvidorias externas Comissões (Infecção Hospitalar, Revisão de Óbitos e de Ética) "Contratos de gestão" Comunicação lateral para solução de problemas

Implementação de capacitação profissional (das equipes da Emergência) em condutas baseadas em evidências científicas

Rotinização dos processos de trabalho nas unidades de trabalho com utilização de diretrizes clínicas

Avaliação dos resultados alcançados com o processo de qualificação da assistência ao infarto agudo do miocárdio (aplicação de questionário "antes & depois" da capacitação)

Projetos Terapêuticos PADRONIZADOS

GERENCIAMENTO

DE RISCO

Acolhimento com estratificação de risco Acolhimento com estratificação de risco (identificação precoce dos pacientes com dor torácica na Emergência)

DIMENSÕES DAQUALIDADE TRABALHADAS

Acesso/acessibilidade Eficiência Efetividade Adequação

Efetividade Segurança Prontidão

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Capítulo 7

Discussão

Lições da teoria X prática

Embora inicialmente, ao selecionar os casos a serem estudados, a escolha tenha sido a de

utilizar experiências que aparentemente demonstrassem a aplicabilidade dos referenciais

teóricos separadamente, o que se observou após a sistematização da literatura sobre Clínica

Ampliada e Gestão da Clínica e análise dos casos foi que estes não podem ser considerados

experiências “puras” de cada referencial teórico.

Em situações concretas, é difícil verificar exatamente que referenciais teóricos embasaram a

realidade. Há freqüentemente uma mescla deles ou simplesmente, as mudanças

organizacionais ocorrem sem que tenha havido exatamente a preocupação em buscar um

referencial teórico.

Semelhança, antagonismo ou complementaridade?

A impressão deste trabalho após sistematização da literatura sobre Clínica Ampliada e Gestão

da Clínica é que talvez haja mais pontos de semelhança e complementaridade entre estas

abordagens que antagonismo. Ambas apresentam um conjunto de características e propostas

comuns: (1) propõem um atendimento individualizado, realizado por equipe multiprofissional

e interdisciplinar, através de um projeto terapêutico personalizado; (2) enfatizam que este

plano de intervenção deve ser construído a partir da interação entre o saber técnico (advindo

da literatura científica e do conhecimento do profissional de saúde) e o saber popular dos

pacientes, considerando seus desejos e preferências; (3) preconizam algum mecanismo de

estratificação de risco; (4) apostam na capacitação, no treinamento e na valorização dos

profissionais como estratégias para se obter adesão aos projetos de mudança; (5) consideram o

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papel da liderança no sucesso na implementação de mudanças; (6) utilizam o planejamento

estratégico participativo; (7) monitoram os resultados.

Mais do que compará-las, talvez o mais importante seja destacar que, embora utilizem

“linguagens” diferentes, as duas abordagens teórico-metodológicas estão baseadas nos

mesmos pilares da gestão da qualidade.

Êxitos das experiências consideradas neste estudo

O fato em si de haver, no SUS, hospitais preocupados com melhoria da qualidade da

assistência prestada aos cidadãos já pode ser considerado um grande avanço frente ao baixo

desempenho da maioria dos hospitais brasileiros. Nas duas experiências estudadas houve

preocupação com o monitoramento da qualidade e com a melhoria dos indicadores

institucionais. A utilização do questionário “antes & depois” da capacitação ao atendimento

da dor torácica, no caso do HGB, e a planilha de indicadores de desempenho, no caso do

HSJB, foram ferramentas centrais no processo de melhoria dos resultados da assistência.

Pode-se dizer, inclusive, que a planilha foi exitosa no aspecto motivacional. Funcionava como

um instrumento mobilizador para a melhoria da qualidade das práticas dos profissionais, uma

vez que a pontuação da planilha de indicadores definia a gratificação pecuniária a ser

recebida. Interessante ressaltar que, como a planilha envolvia todos os setores do hospital e

pontuava de acordo com o resultado global da instituição, havia estímulo para a cooperação

entre os profissionais e não para a competição. Ainda considerando a motivação para

melhoria da qualidade, a decisão dos gestores de incluir todos os profissionais nas discussões

clínicas dos dois hospitais parece ter sido ação muito potente para aderência às mudanças que

estavam sendo propostas. Esta preocupação fez com que aumentasse a sensação de

pertencimento ao projeto e fez parte do resgate do orgulho profissional, resultando em

aumento do compromisso institucional dos funcionários. No caso específico do HSJB, a

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inserção dos profissionais de saúde no hospital como diaristas e não como plantonistas parece

também ter sido estratégico para aumentar esse comprometimento pessoal com a instituição.

Outro êxito decorrente da utilização de um instrumento de monitoramento da qualidade (a

planilha) foi a mudança na cultura organizacional em relação ao erro. Como a premiação

coletiva parte do princípio que se um setor não executa bem sua tarefa específica, todos

deixam de ganhar o incentivo, um setor passa a fiscalizar o outro e os diferentes profissionais

passam a colaborar entre si para que resultados globais sejam atingidos. Passa-se a fazer uma

análise sistêmica dos erros, mais de co-responsabilidade e menos de culpabilização individual.

O fato da planilha de indicadores ser dinâmica é interessante, pois o processo de melhoria da

qualidade não cessa. É desafiador e estimulante a idéia de construção permanente de

indicadores de qualidade, que vão sendo substituídos à medida que os problemas que deram

origem a eles vão sendo resolvidos.

No caso do HGB, com a aplicação de questionário tipo “antes & depois” da capacitação, o

estímulo vêm do próprio reconhecimento da necessidade de aprimoramento. Ao ser avaliado

negativamente, o profissional tem a chance de reconhecer suas limitações e buscar com mais

empenho atualização e treinamento. Para muitos, o conhecimento dos danos que passam a ser

evitados pós-capacitação é motivador para mais estudo. Além disso, a decisão de simplificar

diretrizes clínicas, no formato de folderes e crachás, as tornaram acessíveis. É bastante

comum que profissionais repitam suas práticas, muitas já ultrapassadas, para não terem que

passar pelo constrangimento (assim visto) de não dominar uma nova prática. O material

didático utilizado na experiência do HGB, uma espécie de “cola” da teoria (as diretrizes

clínicas), ajudou os profissionais neste processo de atualização, de forma sutil e eficaz. Os

resultados expressivos em termos de redução da morbi-mortalidade por IAM pós capacitação

e treinamento das equipes e pós utilização deste instrumental no HGB apontam que é possível

“operacionalizar” a teoria. Fica claro que, se em um projeto piloto, implementado em um

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curto espaço de tempo, o impacto nos resultados da assistência ao IAM foi grande, é possível

melhorar a qualidade do outros cuidados clínicos com iniciativas deste tipo. Cabe destacar

apenas que é fundamental que essas iniciativas de melhoria da qualidade sejam

implementadas de forma mais sistêmica, englobando diversos pontos de atenção à saúde. Isso

porque, como a população busca serviços de saúde de qualidade, ao encontrá-lo, como em um

“oásis”, o divulga bastante, fazendo com que a procura por este bom serviço aumente muito.

Isto o sobrecarrega, comprometendo novamente sua qualidade. Iniciativas isoladas tendem a

trazer melhorias pontuais e transitórias nos serviços de saúde, sendo este um grande problema

no SUS. Como ainda não há no Brasil uma política de Estado para a saúde pública, trazendo,

por exemplo, um plano de cargos e salários para os profissionais do setor, quando há

descontinuidade política, são substituídos gestores, profissionais de saúde e de apoio. Além

disso, em função dos baixos salários e da falta de estabilidade nos empregos, estes

trabalhadores estão sempre em busca de novos postos de trabalho. Essa grande rotatividade

nos recursos humanos dificulta e compromete qualquer iniciativa de capacitação da mão de

obra.

Descolamentos da realidade

Muito foi discutido a respeito da questão “foco no paciente” como elemento central de uma

política de melhoria da qualidade da assistência em saúde. Embora nas experiências estudadas

de fato tenha havido, em algum grau, esta preocupação, me parece que a operacionalização do

princípio “foco no paciente” na maioria dos serviços de saúde brasileiros ainda está distante.

Primeiro porque, em geral, não há uma cultura organizacional de compartilhamento das

decisões clínicas. Tradicionalmente, a formação médica não enfatiza a valorização do saber

popular, dos interesses e desejos dos pacientes nas decisões clínicas nem o hábito de partilhar

suas decisões com outros profissionais de saúde. Médicos, em geral, seguem sua prática de

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forma bastante autônoma, ouvindo pouco as contribuições de profissionais que dominam

outros campos do saber. Segundo: como dizer que há foco no paciente sendo habitual na

maioria dos hospitais públicos brasileiros a demora na obtenção de exames, procedimentos e

cirurgias com muitos pacientes chegando a falecer por outras causas (negligência, iatrogenia,

falta de insumos...) que não a que deu origem a sua internação? A responsabilização clínico-

sanitária das equipes de saúde ainda é pequena e pouco enfatizada pela gestão, na forma de

premiações ou punições. A proposta de se construir projetos terapêuticos individualizados,

fruto de discussões multidisciplinares, ainda é incipiente. Na prática, em grandes hospitais,

freqüentemente superlotados, esse tipo de discussão fica restrito a casos de extrema

complexidade clínica. O prontuário, por exemplo, que deveria ser um espaço de troca de

experiências e impressões clínicas, para registro do plano terapêutico elaborado por toda a

equipe, é um bom exemplo da fragmentação da assistência. Na maioria dos serviços de saúde

é apenas um local onde se registram decisões individuais, executadas por cada um dos

profissionais de saúde que atendem àquele paciente. O próprio paciente, com freqüência, não

tem acesso às impressões da equipe descritas no prontuário... Ainda que se possam criar

comissões para avaliação do desempenho institucional ou que se tenham gerentes de unidades

que busquem integrar as diferentes etapas do processo de trabalho em saúde, é comum os

profissionais trabalharem com certa apatia, burocraticamente, mais preocupados com a

execução de suas tarefas específicas e menos com a velocidade da execução das etapas do

tratamento ou com o resultado final da assistência. A inserção vertical dos profissionais de

saúde nos hospitais, na forma de plantonistas, também dificulta o seguimento de longo prazo

dos doentes em seus projetos terapêuticos e contribui para este descompromisso.

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Limitações deste estudo

A primeira limitação deste estudo refere-se à sistematização das abordagens teórico-

metodológicas Clínica Ampliada e a Gestão da Clínica. Embora tenham sido consultadas

diversas fontes para a revisão de literatura relacionadas a estas abordagens, não se configurou

em uma revisão sistemática da literatura.

A segunda limitação do estudo é que, por se tratar da análise de apenas duas experiências e os

critérios de seleção destas terem sido oportunidade / conveniência, os resultados obtidos não

podem ser generalizados para outros serviços de saúde.

Além disso, o que talvez tenha sido uma idéia inicial (analisar experiências que

demonstrassem a aplicabilidade dos referenciais teóricos separadamente) não foi possível. O

que se observou com o decorrer do estudo dos casos foi que estes não podem ser considerados

experiências “puras”, embasadas por apenas um referencial teórico. Nos textos que

descrevem a experiência do Hospital São João Batista, por exemplo, há muitas referências

teóricas que vão de encontro à Clínica Ampliada sem que tenha havido preocupação em

adotá-la exclusivamente como pano de fundo da implementação da experiência.

Importante também destacar o caráter limitado da análise do caso do HGB como experiência-

exemplo de implementação da “Governança/Gestão da Clínica”, uma vez que esta experiência

não apresentou a abrangência organizacional característica deste modelo.

Em relação aos quadros – síntese elaborados nesta dissertação, importante destacar seu

caráter limitado, uma vez que não foram construídos a partir de uma revisão sistemática. O

objetivo destes foi apenas apresentar sucintamente características, propostas, dispositivos dos

modelos e experiências descritas neste trabalho.

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Perspectivas

Resgatar o prazer e o orgulho de trabalhar no campo da saúde, respeitando e valorizando a dor

do outro que nos procura em busca de alívio de seu sofrimento é premente. Motivação para

melhoria da qualidade em todos os níveis... Atrelar mais investimentos para os setores do

hospital que melhor tenham se saído em seus indicadores, inclusão do hospital em rankings de

qualidade que os compare em termos de resultados atingidos, publicação de mais trabalhos

científicos com foco na melhoria da qualidade dos serviços, inclusão da discussão de melhoria

da qualidade nas sessões clínicas dos médicos...

Enfim, mudar a cultura organizacional de um hospital em relação à questão da qualidade

assistencial é tarefa complicada, árdua de ser executada e que demanda tempo, muito tempo.

Em propostas de mudanças complexas como as discutidas neste trabalho, que envolvem um

grande número de profissionais, de diferentes setores e com diferentes formações, é muito

difícil individualizar o “peso” de cada uma das intervenções no resultado global da

experiência. Ainda assim, mesmo considerando a complexidade da implementação de ações

semelhantes às sugeridas nestas experiências, é interessante estudá-las. A sistematização

teórico-metodológica e o estudo de experiências bem sucedidas nos permite compreender os

mecanismos que as tornam possíveis, trazem contribuições para pensar a melhoria da

qualidade assistencial dos hospitais públicos e mantêm a perspectiva de que é viável melhorar

a qualidade dos cuidados prestados pelo SUS.

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ANEXOS

Livreto, folder, crachás e questionário utilizados na sistematização da atenção ao infarto agudo do miocárdio na emergência do Hospital Geral de Bonsucesso (HGB), Rio de Janeiro.

Anexo 1: Crachás

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Anexo 2: Livreto

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Anexo 3: Folder frente e verso

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Anexo 4: Questionário

ATENÇÃO AO INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO

Identificação:

Nome: Prontuário: Sexo: (1) masculino (3) feminino (9) ignorado Idade: Município de residência: Número da AIH: Procedência: (1) casa (2) trabalho (3) rua (4) PAM/centro de saúde (5) hospital público (6) hospital privado (7) outra ...................................... (9) ignorado

Data da admissão no PS: Hora da chegada ao PS: _ _ h _ _ m Data do início dos sintomas: Hora do início dos sintomas: _ _ h _ _ m Data da saída do PS: Motivo da saída do PS: (1) alta (2) transferência para UC (3) transferência enfermaria (3) transferência outro hospital (4) óbito (5) outra (9) ignorado Fatores de risco:

Hipertensão: (1) sim (2 ) não ( 9) ignorado Tabagismo atual: (1) sim (2 ) não ( 9) ignorado

Dislipidemia: (1) sim (2 ) não ( 9) ignorado Diabetes: (1) sim (2 ) não ( 9) ignorado

Confirmação do diagnóstico de IAM:

ECG: ( 1 ) sim ( 2 ) não ( 3 ) sem ECG ( 9 ) ignorado

Enzimática: ( 1 ) sim ( 2 ) não ( 3 ) sem enzima ( 9 ) ignorado

Clínica: ( 1 ) dor típica ( 2 ) outra clínica .......................................... ( 3 ) assintomático ( 9 ) ignorado

Diagnóstico: ( 1 ) IAM com supra ST ( 2 ) IAM sem supra ST (3) BRE ( 4 ) Angina instável

Se IAM com supra ST qual a localização: ( 1 ) anterior ( 2 ) inferior ( 3 ) anterior e inferior ( 9 ) ignorado

Data do diagnóstico de IAM:

Gravidade:

Classe Killip à admissão: (1) sem B3 sem estertor (3) estertor além metade pulmão (5) com IVE Killip ignorado

(2) estertor até metade do pulmão (4) choque (9) ignorado

Fibrilação ventricular: ( 1 ) sim ( 2 ) não ( 9 ) ignorado

Parada cardíaca súbita: ( 1 ) sim ( 2 ) não ( 9 ) ignorado

Angina pós-infarto/reinfarto: ( 1 ) sim ( 2 ) não ( 9 ) ignorado

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Fibrilação atrial/flütter atrial: ( 1 ) sim, aguda ( 2 ) não ( 3) sim, prévia ( 9 ) ignorado

Bloqueio de ramo: ( 1 ) BRD ( 2 ) BRE ( 3 ) BRD+HBAE ( 4 ) BR alternante ( 5 ) Não ( 9 ) ignorado

BAV 2º grau: ( 1 ) Mobitz I ( 2 ) Mobitz II ( 3 ) não ( 9 ) ignorado

BAVT: ( 1 ) sim ( 2 ) não ( 9 ) ignorado

Conduta:

Aspirina: ( 1 ) sim desde o 1o dia ( 2 ) sim depois do 1o dia ( 3 ) sim início ignorado ( 4 ) não ( 9 ) ignorado

Contraindicação à aspirina: ( 1 ) alergia ( 2 ) ap. digestivo ( 3 ) hemorragia ( 4 ) outra ( 5 ) não ( 9 ) ignorado

Clopidogrel: ( 1 ) sim ( 2 ) não

Admissão em UTI: ( 1 ) sim ( 2 ) não ( 3 ) unidade intermediária ( 9 ) ignorado

Data da admissão na UTI: Hora da admissão na UTI: _ _ h _ _ m

Reperfusão: Indicação de reperfusão (ECG + deltaT): (1) sim (2) não (9) ignorado

Realização de reperfusão: (1) sim, farmacológica (2) sim, angioplastia primária (3) não (9) ignorado

Contraindicação à trombólise:

( 1 ) não ( 2 ) história de AVE

( 3 ) dano ou neoplasia no SNC ( 4 ) trauma ou grande cirurgia recente

( 5 ) sangramento gastrointestinal ( 6 ) discrasia sanguínea ou sangramento exceto menstruação

( 7 ) HA severa não controlada ( 8 ) úlcera em atividade

( 9 ) gravidez (10) punções não compressíveis

(11) uso prévio de estreptoquinase (12) outra ..............................................

(99) ignorado

Se reperfusão (1) sim, farmacológica ou (2) sim, angioplastia:

Data da reperfusão: Hora do início da reperfusão: _ _ h _ _ m

Delta tempo entre início dos sintomas de IAM e admissão no PS: _ _ _ _ horas (998 = indeterminado 999 = ignorado) Delta tempo entre início dos sintomas de IAM e início da reperfusão: _ _ _ _ horas (998 = indeterminado 999 = ignorado)

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Se reperfusão farmacológica: Local da trombólise: ( 1 ) emergência ( 2 ) UC ( 3 ) outro hospital Trombolítico: ( 1 ) estreptoquinase ( 2 ) rTPA ( 3 ) outro .............................................................

Betabloqueador: ( 1 ) sim, venoso ( 2 ) sim, só oral ( 3 ) não ( 9 ) ignorado Contraindicação ao betabloqueador: ( 1 ) não ( 2 ) bradicardia ( 3 ) PA sistólica < 100 mmHg ( 4 ) bloqueio ( 5 ) asma/DPOC ( 6 ) doença vascular periférica ( 7 ) disfunção ventricular grave ( 8 ) outra Inibidor da ECA: ( 1 ) sim ( 2 ) não ( 9 ) ignorado

Nitrato IV: ( 1 ) sim ( 2 ) não ( 9 ) ignorado Bloqueador de cálcio: ( 1 ) sim ( 2 ) não ( 9 ) ignorado

Dosagem de LDL sérico: ( 1 ) sim, nas primeiras 24 h ( 2 ) sim, depois ( 3 ) não ( 9 ) ignorado Valor: ______mg/dl Hipolipemiantes: ( 1 ) sim ( 2 ) não ( 9 ) ignorado

Cateterismo cardíaco: ( 1 ) sim ( 2 ) não ( 3 ) prévio à internação ( 9 ) ignorado

Indicação do cateterismo: ( 1 ) angioplastia primária ( 2 ) isquemia pós-infarto ( 3 ) disfunção ventricular ( 4 ) estratificação de risco ( 9 ) ignorado