gerontologia-conceitos basicos

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Ementa Esta disciplina é fundamentada no campo teórico da Gerontologia. O conhecimento gerontológico tem muito a contribuir para a cultura e para vida em sociedade. Trata-se de área com ligações com muitas disciplinas, como Psicologia, Ciência Política, Filosofia, Socio- logia e História. Muitos teóricos têm gerado conhecimento sobre o que significa envelhecer para aqueles que estão envelhecendo. Estas análises, que operam com conceitos derivados das Ciências Humanas e Sociais, são teorias emergentes do envelhecimento que pre- cisam ser aplicadas em muitas pesquisas para se estabelecerem como referenciais. Desta forma, vão se tornar mais e mais confiáveis e respei- tadas à medida que seus conceitos sejam testados com mais precisão e os estudos derivados destas teorias indiquem sua capacidade de prever fatos ou fenômenos. Esta disciplina pretende oferecer a oportunidade para a discussão e o aprofundamento dos conceitos básicos que vão possibilitar a consti- tuição de um novo paradigma no qual os idosos possam ser considerados cidadãos ativos e participantes. Conteúdo programático e docentes Introdução à Gerontologia Célia Pereira Caldas. Enfermeira, professora adjunta da Faculdade de Enfermagem da UERJ, vice-diretora da UnATI, mestre pela UERJ e doutora pela UFRJ. Interdisciplinaridade em Gerontologia Teresinha Mello. Psicólo- ga, professora do Instituto de Psicologia da UERJ, doutora pela PUC do Rio de Janeiro. 1 MÓDULO CONCEITOS BÁSICOS EM GERONTOLOGIA Coordenação – Professora Célia Pereira Caldas

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Page 1: GERONTOLOGIA-CONCEITOS BASICOS

EmentaEsta disciplina é fundamentada no campo teórico da

Gerontologia. O conhecimento gerontológico tem muito a contribuirpara a cultura e para vida em sociedade. Trata-se de área com ligaçõescom muitas disciplinas, como Psicologia, Ciência Política, Filosofia, Socio-logia e História. Muitos teóricos têm gerado conhecimento sobre o quesignifica envelhecer para aqueles que estão envelhecendo.

Estas análises, que operam com conceitos derivados das CiênciasHumanas e Sociais, são teorias emergentes do envelhecimento que pre-cisam ser aplicadas em muitas pesquisas para se estabelecerem comoreferenciais. Desta forma, vão se tornar mais e mais confiáveis e respei-tadas à medida que seus conceitos sejam testados com mais precisão e osestudos derivados destas teorias indiquem sua capacidade de prever fatosou fenômenos.

Esta disciplina pretende oferecer a oportunidade para a discussãoe o aprofundamento dos conceitos básicos que vão possibilitar a consti-tuição de um novo paradigma no qual os idosos possam ser consideradoscidadãos ativos e participantes.

Conteúdo programático e docentesIntrodução à Gerontologia – Célia Pereira Caldas. Enfermeira,

professora adjunta da Faculdade de Enfermagem da UERJ, vice-diretorada UnATI, mestre pela UERJ e doutora pela UFRJ.

Interdisciplinaridade em Gerontologia – Teresinha Mello. Psicólo-ga, professora do Instituto de Psicologia da UERJ, doutora pela PUC doRio de Janeiro.

1MÓDULO

CONCEITOS BÁSICOS EM GERONTOLOGIACoordenação – Professora Célia Pereira Caldas

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16 MÓDULO 1

O desenvolvimento histórico e teórico da Gerontologia – CéliaPereira Caldas.

Desenvolvimento e envelhecimento: paradigmas contemporâneos– Célia Pereira Caldas.

A prática gerontológica na atenção à saúde do idoso – LucianaMotta. Médica, coordenadora do ambulatório Núcleo de Atenção aoIdoso da UnATI, mestre pela UERJ.

Ementas Introdução à Gerontologia – Célia Caldas

Nesta aula serão apresentados os conceitos e os princípios básicosem Gerontologia, particularmente aqueles que fundamentam as aborda-gens da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização Mun-dial da Saúde (OMS), segundo as quais o envelhecimento populacionalé uma das maiores conquistas da humanidade. As pessoas idosas são umafonte preciosa de recursos para a nossa sociedade. No entanto, suascontribuições são ignoradas. Podemos responder ao desafio de envelhe-cer se formos valorizados, em vez de sermos considerados apenas um“peso” para os sistemas econômicos. Para isto, é necessário que organi-zações multinacionais, nacionais, regionais e locais, públicas, privadas ounão-governamentais estabeleçam políticas e programas que visem um“envelhecimento ativo”.

Interdisciplinaridade em Gerontologia – Teresinha MelloOs cuidados necessários à pessoa idosa precisam dar conta da com-

plexidade do processo do envelhecimento. Para isso, é necessário todoo conhecimento disponível, em todas as áreas do saber. Nesta aula, serãoabordados os conceitos e tipos de práticas interdisciplinares einterparadigmáticas e apontada a possibilidade de uma abordagemtransdisciplinar.

O desenvolvimento histórico e teórico da Gerontologia – CéliaPereira Caldas

O propósito desta aula é apresentar o desenvolvimento histórico eas aplicações das teorias do envelhecimento, pois é muito importante afundamentação teórica nos discursos sobre os problemas do envelheci-

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mento. Vamos procurar integrar as perspectivas evolucionárias biológi-cas, sociais e culturais numa abordagem transdisciplinar.

Desenvolvimento e envelhecimento: paradigmas contemporâneos– Célia Pereira Caldas

A aula vai focalizar a evolução do campo desde a década de 1970,quando começaram a se delinear os paradigmas Life-Span, em Psicologia,e Life Course, em Sociologia, num contexto intelectual e social influenci-ado não só pelos avanços científicos precedentes na Biologia, na Socio-logia e na Psicologia do Desenvolvimento como também pelo progressosocial e pelas mudanças demográficas nos países que produziam conhe-cimento. Atenção especial será dada aos avanços metodológicos propor-cionados pela adoção desses novos paradigmas, pelas teorias contempo-râneas e pelos dados empíricos a eles vinculados.

A prática gerontológica na atenção à saúde do idoso – LucianaMotta

Esta aula se destina a discutir o processo de avaliação e assistênciaintegral ao idoso, com o objetivo de exercitar o planejamento de inter-venção em equipe, de acordo com o paradigma de atenção integral.Será apresentado o modelo de trabalho desenvolvido no NAI/ UnATI/UERJ.

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A Gerontologia é um campo interdisciplinar que visa estu-dar as mudanças típicas do processo do envelhecimento e de seusdeterminantes biológicos, psicológicos e socioculturais. É um campomultiprofissional e multidisciplinar. Embora a Gerontologia envolva mui-tas disciplinas, a pesquisa repousa sobre um eixo formado pela Biologia,pela Psicologia e pelas Ciências Sociais.

A Geriatria é o estudo clínico da velhice. Compreende a preven-ção e o manejo das doenças do envelhecimento. É uma especialidadeem Medicina e também em Enfermagem, Odontologia e Fisioterapia.

Em termos biológicos, o envelhecimento compreende os processosde transformação do organismo que ocorrem após a maturação sexual eque implicam na diminuição gradual da probabilidade de sobrevivência.No entanto, o envelhecimento e o desenvolvimento são processos quecoexistem ao longo do ciclo vital.

A idade cronológica é uma informação que não diz muito sobre oreal envelhecimento humano, embora seja um parâmetro importantepara o planejamento de políticas de atenção ao idoso ou para a gestãode serviços. A única característica importante a ser destacada em relaçãoao processo de envelhecimento humano é a heterogeneidade. Ou seja,cada indivíduo envelhece de maneira própria, pois se trata de um pro-cesso multifatorial.

Tradicionalmente, considera-se a velhice uma “terceira idade”; ainfância é a primeira idade, e a idade adulta, a segunda. Hoje, com oaumento da expectativa de vida já próximo ao limite biológico da espé-cie humana, fala-se de uma “quarta idade”, que seria um período difícilde se determinar, pois foge ao critério cronológico. A quarta idade seriauma fase da vida na qual o organismo não consegue dar conta das de-

AULA 1

INTRODUÇÃO À GERONTOLOGIACélia Pereira Caldas

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mandas exigidas pelo meio ambiente e os recursos externos – meios deapoio e suporte – se tornam insuficientes. Ou seja, na quarta idade valeo conceito de idade funcional e não o conceito de idade cronológica.

A capacidade funcional é o principal indicador da capacidadeadaptativa do ser humano. Sua determinação nos informa sobre a idadeou o envelhecimento funcional do indivíduo, e isso não depende daidade cronológica. Ou seja, existem pessoas jovens cronologicamente ebastante envelhecidas funcionalmente, e vice-versa.

Já a idade social é determinada pela atualidade da participação nasociedade. O envelhecimento social ocorre quando existe umdesengajamento do indivíduo, que deixa de interagir socialmente. Istoé, quando a sociedade oferece oportunidade para o engajamento e osindivíduos mantêm a capacidade de se adequarem ao desempenho depapéis sociais, o envelhecimento social pode até não ocorrer. A aposen-tadoria e a chamada “síndrome do ninho vazio”, que é quando a mulherque se dedicou à família se vê só com a partida dos filhos, são situaçõesque podem precipitar o envelhecimento social. Por isso, é muito impor-tante que o indivíduo atualize seus projetos de vida.

Idade psicológica e envelhecimento psicológico se referem à rela-ção entre a idade cronológica e as capacidades de percepção, aprendi-zagem e memória – potencial de funcionamento futuro –, e inclui umsenso subjetivo de idade, na comparação com outros. Embora haja umaalteração das funções cognitivas, perceptíveis em testes de desempenhomental com o avançar da idade, não foi detectada uma alteração marcantena personalidade.

Destacam-se como características psicossociais do envelhecimento,a vivência de perdas, o declínio físico, a intensificação de reflexões sobrea vida e a diminuição de perspectiva de futuro. São características de umprocesso natural de desenvolvimento em fases avançadas da vida, ou seja,de um envelhecimento normativo.

O envelhecimento normativo pode ser sistematizado em dois ní-veis: o primário, que está presente em todas as pessoas, por ser geneti-camente determinado, e o secundário, que varia entre indivíduos e édecorrente de fatores cronológicos, geográficos e culturais.

O conceito de envelhecimento bem-sucedido (Rowe & Kahn, 1987)envolve baixo risco de doenças e de incapacidades, funcionamento físicoe mental excelente e envolvimento ativo com a vida. Depende da capa-cidade de adaptação às mudanças físicas, emocionais e sociais. Esta ha-

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bilidade é o resultado da estrutura psicológica e de condições sociaisconstruídas ao longo da vida.

Para um envelhecimento bem-sucedido, é necessário que haja asubstituição simbólica das inexoráveis perdas por ganhos em outras di-mensões; é preciso o atendimento às necessidades sociais, com boas con-dições de vida e oportunidades socioculturais, e a renovação dos projetosde vida.

Já o envelhecimento malsucedido se dá quando ocorre perda dosprojetos de vida; falta de reconhecimento; dificuldade de satisfazer suaspróprias necessidades; sentimentos de fragilidade, incapacidade, baixaestima, dependência, desamparo, solidão, desesperança; ocorrência deansiedade, depressão, hipocondria e fobias.

As doenças que colocam a vida em risco, a morte de pessoa pró-xima, a saída dos filhos de casa, as mudanças de residência, a privaçãoda autonomia e as perdas materiais são circunstâncias importantes paraque se estabeleça um processo de envelhecimento malsucedido.

Qualidade de vida pode ser definida como “a percepção do indi-víduo de sua posição na vida no contexto da cultura e do sistema devalores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas,padrões e preocupações” (WHOQOL Group). Na velhice, os principaisindicadores de qualidade de vida são a própria longevidade, a saúdebiológica, a saúde mental, a satisfação com a vida, um bom desempenhocognitivo, a competência social, a produtividade e a atividade.

A fragilidade é outro conceito importante em Gerontologia. É defini-da como uma vulnerabilidade que o indivíduo apresenta aos desafios dopróprio ambiente. Esta condição é observada em pessoas muito idosas, ounaqueles mais jovens, que apresentam uma combinação de doenças oulimitações funcionais que reduzem sua capacidade de se adaptar ao estressecausado por doenças agudas, hospitalização ou outras situações de risco.

A fragilidade representa risco de dependência, que se traduz poruma ajuda indispensável para a realização dos atos elementares da vida.

Não é apenas a incapacidade que cria a dependência, mas sim osomatório da incapacidade com a necessidade. Por outro lado, a depen-dência não é um estado permanente. É um processo dinâmico cujaevolução pode se modificar, e até ser prevenida ou reduzida, se houverum ambiente e assistência adequados.

Faz-se necessário classificar a incapacidade em graus de depen-dência: leve, parcial ou total. É exatamente o grau de dependência que

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determina os tipos de cuidados que serão necessários. Para se avaliar ograu de dependência, utiliza-se o Método de Avaliação Funcional. Fun-ção é a capacidade do indivíduo de se adaptar aos problemas cotidianos,ou seja, àquelas atividades que lhe são requeridas por seu entorno ime-diato, o que inclui a sua participação social, ainda que apresente limita-ção física, mental ou social.

Martins Sá (2002), ao apresentar o perfil do gerontólogo, declaraque este profissional precisa estar apto a apreender, histórica e critica-mente, o processo do envelhecimento em seu conjunto; compreendero significado social da ação gerontológica; situar o desenvolvimento daGerontologia no contexto sócio-histórico; atuar nas expressões da ques-tão da velhice e do envelhecimento, com elaboração e implementaçãode propostas para o enfrentamento; realizar pesquisas que subsidiem aformulação de ações gerontológicas; compreender a naturezainterdisciplinar da Gerontologia, com ações compatíveis no ensino, pes-quisa e assistência; zelar por uma postura ética e solidária no desempe-nho de suas funções e orientar a população idosa na identificação derecursos para o atendimento às necessidades básicas e de defesa de seusdireitos.

Referências bibliográficas

MARTINS DE SÁ, J. L. A formação de recursos humanos em Gerontologia: funda-mentos epistemológicos e conceituais. In: FREITAS, E. V. et al. (Org.). Tratadode Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.

MORAGAS, R. M. Gerontologia social: envelhecimento e qualidade de vida. SãoPaulo: Paulinas, 1997.

NERI, A. L. Palavras-chave em Gerontologia. Campinas, SP: Alínea, 2001.ROWE, J. W. & KAHN, R. L. Successful aging. New York: Dell Trade Paperback, 1999.

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O número crescente de idosos no Brasil e no mundo con-duz a pensar na atenção e cuidados adequados a essa faixa da população.O envelhecer é uma etapa do ciclo de vida com perdas e ganhos, inseridaem um momento histórico, sociocultural, econômico e político, comoqualquer outra fase da vida. Diante disso, os profissionais de Saúde sevêem confrontados com as demandas da totalidade do sujeito idoso. Énesse contexto que as práticas interdisciplinares se apresentam como ummodelo adequado para os profissionais que vão trabalhar com adultosmais velhos na área da Educação e da Saúde.

As especializações científicas têm seu apogeu no início do século XX,com o objetivo de possibilitar o aprofundamento do saber. Surgem as rami-ficações que buscam atingir o nível micro, como o estudo do gene de umabactéria, por exemplo. A despeito da importância destes estudos, acompartimentalização favorece o esfacelamento do conhecimento se nãohouver uma ponte para o diálogo e para possíveis ligações. Faz-se necessárioestabelecer conexões lógicas em prol de um objetivo maior. Assim, ainterdisciplinaridade toma expressão na década de 70 do século passado.

Segundo Japiassu (1976), a interdisciplinaridade se faz com a co-laboração de disciplinas diferentes ou de setores heterogêneos de umamesma ciência. Contudo, é preciso que haja interação e um tanto dereciprocidade nos intercâmbios para que cada disciplina, ao final, saiamais enriquecida. O espaço interdisciplinar é, ao mesmo tempo, teóricoe prático, se levarmos em conta a complexidade das questões humanas.Assim, tanto a produção de conhecimento – que tem uma dimensãoteórica – é favorecida pelo intercâmbio disciplinar como a necessidadede atender às demandas sociopolíticas – dimensão prática – são metas daabordagem interdisciplinar.

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INTERDISCIPLINARIDADE EMGERONTOLOGIATeresinha Mello da Silveira

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O termo interdisciplinaridade comporta conotações diversas, e va-ria desde a busca de um consenso, o que nem sempre é possível, até aabertura para acatar o único, o particular, o estranho que poderá levara novas descobertas. As nomenclaturas variantes, multi, pluri etransdisciplinaridade são utilizadas, por vezes, indiscriminadamente. En-tretanto, Vasconcelos (2002) dá a cada termo uma definição própria,embora os cite como “práticas inter”.

As práticas multi estão presentes nos ambulatórios onde se desenvol-vem trabalhos isolados de profissionais de diferentes áreas, sem coopera-ção e sem intercâmbio, e pode ter uma coordenação que, nesse caso,seria apenas administrativa.

As práticas pluri envolvem informações trocadas ou observações fei-tas a respeito de algo ou de alguém, sem proposta de participaçãointerativa, quer nas reuniões de casos clínicos de caráter informativoquer nas avaliações, ou meta de planejamento de ação, sem pretenderacrescentar nada, apenas com interações pontuais.

Vasconcelos (2002) chama a atenção para as práticas pluriauxiliares,que dizem respeito à “utilização de contribuições de um campo de saberpara o domínio de um deles” (p. 112). Num enfoque crítico, o autorcita a expressão “paramédica” como ilustrativa dessas práticas. E apontaque elas tendem ao imperialismo epistemológico, na medida em queuma disciplina se mantém hegemônica ao se apropriar da contribuiçãode outras.

As práticas inter são aquelas que, ao levar em conta que existe umaproblemática comum, envolvem participação interativa, cooperação,questionamentos, trabalho conjunto de olhares diferentes, e promovemrecolocações e mudanças estruturais com geração de reciprocidades.Essas práticas, demandadas por uma coordenação de um nível hierarqui-camente superior, tendem à horizontalização das relações de poder.Neste formato, a coordenação passa a ser estabelecida pela “finalidademaior que redefine os elementos internos dos campos originais” (p.112).

Por fim, o autor cita o campo trans, que seria a radicalização donível inter “com a estabilização de um campo teórico, aplicado ou disci-plinar de tipo novo ou mais amplo” (p. 114), e exemplifica com a SaúdeColetiva e a Ecologia.

Jacob-Filho e Sitta (1996) não fazem distinção entre multi, inter etransdisciplinaridade. Eles sugerem que a discussão sobre essas denomi-

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nações, na prática, deixa de ser importante, e valorizam o conceito maisamplo de equipe. Para eles, “se falarmos de múltiplos profissionais interativos,com interesse de transferir conhecimentos em todos os sentidos, estamosfalando de uma equipe, tenha ela o adjetivo que tiver, e não de umconjunto de profissionais” (p. 440).

Numa equipe multidisciplinar não existe hierarquia de papéis.Profissionais de diversas áreas do saber, com diferentes propostas detrabalho e atuações variadas, agem dentro dos seus limites e interseções,num exercício constante – a interdisciplinaridade é uma construção. Eladeve ser desenvolvida de tal forma que as “ações sejam planejadas eexecutadas segundo um código de ética e de organização comum atodos os integrantes” (p. 442).

O trabalho com idosos, em seu modelo mais atual, se concretiza nainterdisciplinaridade. No entanto, não se trata de quem está com a razãoe sim qual é o objetivo de cada profissional. A prática dainterdisciplinaridade implica numa tentativa constante de acrescentaralgo ao conhecimento de um determinado especialista, em prol da to-talidade da pessoa que procura um atendimento. Torna-se necessáriouma visão de conjunto, na qual olhares diferentes contribuem para acompreensão de um ser global.

Falar em ser global faz lembrar que a interdisciplinaridade se tornamais relevante como um apelo aos estudiosos para se preocuparem como homem enquanto humano. Assim, a interdisciplinaridade, para alémdo técnico e do científico, tem uma chamada ética. Ela inclui umapostura de abertura, de cooperação, de exercício de uma boa comuni-cação, de respeito às diferenças em prol do que se propõe. Desta forma,a interdisciplinaridade transcende o conhecimento e, na medida emque envolve o portador desse saber, ela só é plenamente reconhecívelquando é possível vivê-la.

Por fim, cabe-nos dizer que o exercício da interdisciplinaridadeexige esforço, já que posições diferentes geram conflitos que podem edevem ser geridos pelo grupo, quando não solucionados. Contudo, al-guns fatores favorecem e outros dificultam, ou mesmo obstruem, o fluirda prática em equipe. De fato, é preciso que os participantes sejamrazoavelmente maduros e construtivos, diminuam as lutas pelo poder eequilibrem competição e cooperação, fenômenos sempre presentes nosgrupos. É preciso que haja competência e segurança para que os parti-cipantes não se sintam ameaçados de perder sua identidade profissional

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e mantenham atitudes corporativistas. Resta-nos lembrar que, se a insti-tuição tiver uma outra ideologia de trabalho, as equipes interdisciplinaresestão fadadas a fracassar.

Referências bibliográficas

JACOB FILHO, W. & SITTA, M. C. Interprofissionalidade. In: PAPALÉO NETTO,M. et al. Gerontologia: a velhice e o envelhecimento em visão globalizada. SãoPaulo: Atheneu, 1996. p. 440-450.

JAPIASSU, H. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.VASCONCELOS, E. M. Complexidade e pesquisa interdisciplinar: epistemologia e

metodologia operativa. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.

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A preocupação com o envelhecimento existe desde aAntigüidade. Referências podem ser encontradas em textos arcaicos emsânscrito, em evidências arqueológicas, na Bíblia, nas pinturas em ca-vernas, nos dramas clássicos, na poesia e alegorias medievais, nos re-latos do início da era médica moderna e nos achados dos alquimistas.Mas foi apenas no século XIX que se disseminou um pensamentogerontológico.

Adolphe Quetelet e Jean-Martin Charcot são personagens impor-tantes para o desenvolvimento da Gerontologia no século XIX. AdolpheQuetelet (1842) defendia que “o homem nasce, cresce e morre deacordo com certas leis que precisam ser investigadas”. Jean-Martin Charcot(1867), em sua obra Doenças dos idosos e suas enfermidades crônicas, chamoua atenção nos Estados Unidos para o envelhecimento, pois propunhaparadigmas etiológicos e técnicas modernas.

O início do século XX foi marcado pelas formulações de ElieMetchnikoff, com suas obras A natureza do homem (1903) e O prolongamen-to da vida (1908). A Geriatria surge a partir de 1914, quando I. L.Nascher publicou Geriatria. Embora no formato se pareça muito com ocompêndio de Charcot, o trabalho de Nascher é um precursor da Soci-ologia médica. Seu subtítulo As doenças da velhice e seu tratamento, incluindoo envelhecimento fisiológico, o cuidado domiciliar e institucional e relações médico-legais atesta a orientação transdisciplinar. Esta obra introduz o termoGeriatria e estabelece a agenda para análises abrangentes e integrativasdas condições de vida na velhice.

Em 1922, G. Stanley Hall publicou Senescência. Metade desta obrarecupera os modelos pré-modernos de envelhecimento. Utiliza o concei-to de “senectude bem-sucedida”, e critica os arranjos sociais contempo-

AULA 3

O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO ETEÓRICO DA GERONTOLOGIACélia Pereira Caldas

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râneos. Em seu texto, ele mescla resultados da pesquisa básica sobre oenvelhecimento com sugestões práticas para os idosos.

Nos anos anteriores à Segunda Grande Guerra, as abordagensholísticas ganham força nos Estados Unidos. Os cientistas se preocupamcom o estabelecimento de uma “grande teoria” que abrangesse todo oconhecimento de outras disciplinas para explicar o envelhecimento. Arealização mais destacada deste período foi a obra Problemas do envelheci-mento, de 1939, organizada e editada por E. V. Cowdry, com recrutamen-to de 25 cientistas e apoio financeiro do Conselho Nacional de Pesquisa.Esta obra permanece como um marco, pelo qual se pode avaliar osesforços subseqüentes para a construção teórica gerontológica.

Ao longo de todo o século XX houve uma polarização entre osteóricos e os cientistas que se preocupavam com o envelhecimento: al-guns especialistas afirmaram que o envelhecimento resultava de “doen-ças degenerativas” enquanto outros consideravam o envelhecimento comoum processo natural, sem relação com qualquer particular patologia.

John Dewey, o mais importante filósofo norte-americano nesta época,enfatizava a dificuldade inerente ao fato de se desconectar dados “cien-tíficos” do contexto “social”. Ele foi um precursor do reconhecimentode que, não importam os mecanismos subjacentes, as expressões dasnuanças dos contextos sociais podem traduzir a diferença entre o queRowe & Kahn (1987) se referiram meio século após como envelheci-mento “normal” ou “envelhecimento bem-sucedido”.

Na segunda edição de Problemas do envelhecimento, em 1942,Lawrence Frank apontou que “o problema é multidimensional e irárequerer para sua solução não apenas uma abordagem multidisciplinar,mas também uma correlação sinóptica de diversos achados e diversospontos de vista”. Estas posições emolduraram a agenda do desenvolvi-mento da Gerontologia no século XX.

Os esforços de Cowdry, John Dewey e Lawrence Frank para cons-truir teorias baseadas na multidisciplinaridade não foram continuadospelas gerações subseqüentes de pesquisadores do envelhecimento. Amaioria dos gerontólogos construiu sua reputação ao se aprofundar nostemas relativos ao envelhecimento, em sua especialidade de origem. Apartir de então, teorias inovadoras passaram a surgir do trabalho realiza-do no interior de campos específicos e não de investigações conduzidascom lógica interdisciplinar. A American Geriatrics Society, fundada em1942, complementaria a missão da Gerontological Society of América

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(1945), mas se subscreve aos cânones das Ciências Médicas e endossaapenas secundariamente os princípios da pesquisa transdisciplinar.

O esforço para gerar teorias ressurge no pós-Guerra. Só que agoracada área se preocupa com seus objetos próprios, sem buscar umaintegração de saberes com os outros campos de conhecimento. Assim, aBiologia desenvolve as teorias biológicas do envelhecimento e as CiênciasHumanas e Sociais aperfeiçoam as teorias psicológicas e sociais.

Os biólogos assumem como definição de envelhecimento “umasérie de mudanças letais que diminuem as probabilidades de sobrevivên-cia do indivíduo” e passam a se preocupar com a busca pelosdeterminantes ou marcadores do envelhecimento. As teorias biológicasmais conhecidas são as seguintes: Teoria do Envelhecimento Celular(Weismann, 1882); Teoria do Uso e Desgaste (Pearl, 1928); Teoria dosRadicais Livres (Harman, 1956); Teoria da Mutação Somática (Curtis,1961); Teorias Imunológicas (Walford, 1969; Finch & Rose, 1995); eTeorias Hormonais – Relógio Biológico (Denckla, 1975).

Nas Ciências Sociais, principalmente na Psicologia e na Sociologia,observa-se maior esforço para gerar teorias do envelhecimento. Na Soci-ologia, há três gerações distintas de conceituações. A primeira, de 1949a 1969, caracterizou a Gerontologia Social, cujos precursores são as obrasPersonal Adjustment in old Age (Cavan, Burgess, Havinghurst &Goldhammer, 1949) e Older People (Havinghurst & Albrecht, 1953). Sãoos marcos teóricos da Gerontologia Social.

Estes esforços se alinhavavam com as abordagens da Psicologia So-cial e tratavam das várias formas de atividade e da satisfação de viver.Para explicar o ajuste em face do suposto declínio entre os idosos, estasabordagens se baseavam em fatores de nível micro, como papéis, normase grupos de referência. As teorias desta geração destacam o indivíduocomo a unidade de análise, no seu esforço de explicar os padrões ótimose os padrões não funcionais de ajuste. Estas teorias foram apresentadascomo modelos aplicáveis universalmente, independentes de arranjoscontextuais ou sociais. Virtualmente sem exceção, os primeiros esforçosse concentraram no ajuste individual, com os fatores sociais considera-dos como inquestionavelmente dados. São alguns exemplos de teoriassociológicas da primeira geração: Teoria do Desengajamento(Cumming & Henry, 1961); Teoria da Atividade (Havighurst, 1968);Teoria da Modernização (Cowgill & Holmes, 1972); e Teoria daSubcultura (Rose, 1965).

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A segunda geração das teorias sociológicas do envelhecimento, de1970 a 1985, adotou uma abordagem estrutural no nível macro e incluiua estratificação por idade e teorias de modernização. O foco estava nasformas pelas quais as condições estruturais cambiantes ditam os parâmetrosdo processo de envelhecimento e a situação do idoso como uma catego-ria coletiva. Como reação aos seus pares da primeira geração, os teóricosda segunda geração sugerem que o foco no nível individual é reducionistae desnecessário. Nesta abordagem, considera-se que as pessoas envelhe-cem de acordo com a maneira que a sociedade se organiza, com aagenda política, e com o posicionamento dos indivíduos na hierarquiasocial. A unidade de análise nesta concepção é a circunstância estruturale não os atributos derivados do indivíduo. São alguns exemplos das te-orias sociológicas da segunda geração: Teoria da Continuidade (Atchley,1989); Teoria do Colapso de Competência (Kuypers & Bengtson, 1973);Teoria da Troca (Dowd, 1975); Teoria da Estratificação por Idade (Riley,Johnson & Foner, 1972); e Teoria Político-Econômica do Envelhecimento(Walker & Minkler, década de 1980).

A terceira geração de teorias sociológicas do envelhecimento, nadécada de 1990, busca uma posição intermediária. Os atores são vistoscomo contribuintes ativos para os seus próprios mundos. A perspectiva éfazer a síntese das duas gerações anteriores. A terceira geração incorpo-ra a preocupação estruturalista com a distribuição de recursos, com as-pectos econômicos, e com os rumos da economia; mas também reconhe-ce que os atores criam significado e até a estrutura tem nuanças distin-tas, de acordo com o modo como é vista pelos atores. Talvez a transiçãomais importante tenha sido o reconhecimento de que o envelhecimentoé um processo baseado em experiências, não ocorre isoladamente, e éaltamente influenciado pelas condições do entorno. Exemplos de teoriassociológicas da terceira geração: Teoria do Construcionismo Social; Te-oria Crítica; Perspectiva do Curso de Vida.

Na Psicologia, o envelhecimento é visto como parte do processo dedesenvolvimento humano. Algumas teorias psicológicas do envelhecimen-to visam características amplas, como a personalidade, enquanto outrasexploram facetas particulares da percepção ou memória. Em qualquercaso, o propósito da Psicologia de Desenvolvimento Adulto e do Envelhe-cimento é explicar como o comportamento se organiza no adulto e emque circunstâncias se torna ótimo ou desorganizado. As teorias psicoló-gicas do envelhecimento podem ser sistematizadas em três paradigmas:

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Paradigma da Mudança Ordenada (Bühler, 1935; Jung, 1930; Erikson,1950); Paradigma Contextualista (Neugarten, 1969; Havighurst, 1951);e Paradigma do Desenvolvimento ao Longo de Toda a Vida (Life-SpanDevelopment), de orientação dialética (Riegel, 1973, 1975, 1976).

Referências bibliográficas

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O Paradigma do Desenvolvimento ao Longo de Toda aVida (Life-Span Development) é reconhecido como fundamental para ainvestigação gerontológica mais atual. Embora seja uma abordagem ori-ginada na Psicologia, esta perspectiva teórica é fruto de uma sínteseentre as perspectivas sociológicas e psicológicas. Suas formulações têmorigem nas óticas do Ciclo de Vida – da Psicologia – e do Curso de Vida –da Sociologia.

Na Psicologia, a perspectiva do Ciclo de Vida, proposto por ErikErikson na década de 1950, adota o critério de estágios como princípioorganizador do desenvolvimento – Paradigma da Mudança Ordenada.Na Sociologia, o ponto de vista do Curso de Vida – a partir de 1970 –entende que a sociedade constrói percursos de vida na medida em queprescreve expectativas e normas de comportamento apropriado para asdiferentes faixas etárias – teorias sociológicas de segunda e terceira ge-ração.

Ainda na Psicologia, Erikson (1950) consagrou o termo “Ciclo deVida” quando o utilizou em sua teoria de desenvolvimento sobre as oitoidades do homem. Em sua concepção, as idades representam ciclos;também a vida humana, uma vez completa, representa um ciclo. O autorexerceu influência sobre os teóricos dos modelos de Curso de Vida –Sociologia – e Life-Span – Psicologia.

Na Sociologia, a perspectiva do Curso de Vida começa a se firmarna década de 1970 e é usada para se analisar questões como a naturezadinâmica e processual do envelhecimento; como o envelhecimento émoldado pelo contexto, pela estrutura social e pelos significados culturais;e como o tempo, o período histórico e a coorte acomodam o processo deenvelhecimento, tanto para indivíduos como para grupos sociais.

AULA 4

DESENVOLVIMENTO E ENVELHECIMENTO:PARADIGMAS CONTEMPORÂNEOSCélia Pereira Caldas

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Nesta visão, critérios de classe social, etnia, profissão e educação seentrelaçam com a idade para determinar a posição dos indivíduos e dosgrupos na sociedade. Pode ser identificada a partir da Teoria daEstratificação por Idade – segunda geração –, mas se firma como umaperspectiva de terceira geração – década de 1990. É influenciada pelasteorias psicológicas do relógio social e das tarefas evolutivas – ParadigmaContextualista, em Psicologia.

A perspectiva de Curso da Vida apresenta os seguintes elementos:o envelhecimento acontece desde o nascimento até a morte – não háum foco exclusivo na velhice; o envelhecimento envolve processos soci-ais, psicológicos e biológicos; a experiência de envelhecer é marcada porfatores históricos de coorte.

O primeiro teórico a propor uma visão dialética no âmbito daPsicologia do Desenvolvimento foi Klaus Riegel, ao apresentar a perspec-tiva dialética da cognição (Riegel, 1973). Esta teoria se refere à capaci-dade de se viver em meio a contradições e à habilidade que o ser hu-mano tem de sintetizar o conhecimento como resultado de uma longaexperiência de vida. Neste ponto de vista, os idosos podem não ser bem-sucedidos em operações formais em testes cognitivos, mas têm êxito emavaliações dialéticas. Operações formais não representam a medida dainteligência na maturidade. O pensar, em qualquer idade, é essencial-mente dialético.

Riegel (1975, 1976) também contribuiu com este paradigma pormeio de outra abordagem: a perspectiva dos Eventos da Vida, que con-sidera que a pessoa vai mudando à medida que a estrutura social setransforma. Assim, a situação pessoa–ambiente é totalmente passível deintervenção por meio de medidas físicas, psicológicas e sociais. O desen-volvimento é influenciado pelos seguintes processos: processo biológicointerno de maturação e declínio sensorial na idade avançada; processoextra-físico de maturação, que envolve eventos traumáticos; processo dematuração psicológica; e processo de maturação sociológica. Os dois úl-timos envolvem a capacidade de interagir em sociedade.

Em 1987, Baltes propõe o Paradigma Life-Span, de orientaçãodialética. Para isso, Baltes sintetiza as idéias de Riegel, a perspectivacontextualista – Teoria do Relógio Social e Teoria das Tarefas Evolutivasda Vida Adulta e da Velhice – e a Teoria da Aprendizagem Social, e asintegra com o Paradigma da Mudança Ordenada (Bühler e Erikson), oque resulta na proposição de que existem três classes de influência sobre

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o desenvolvimento: a) normativas, graduadas por idade; b) normativas,balizadas por história; e c) não-normativas.

As variáveis normativas graduadas por idade são as influências bio-lógicas e socioculturais claramente associadas à passagem do tempo. Porexemplo, maturação física; casamento, etc. As variáveis normativas liga-das à história são eventos de alcance genérico, que são vividos por indi-víduos de uma dada unidade cultural e que guardam relações commudanças biossociais que afetam todo o grupo etário. São exemplos, aguerra, as crises econômicas, etc. As variáveis não-normativas podem serde caráter biológico ou ambiental e não atingem a todos os indivíduosde um grupo etário ao mesmo tempo. Podemos exemplificar com de-semprego, divórcio, adoecer repentinamente, etc.

A descrição do envelhecimento cognitivo como um duplo processoque prevê o aperfeiçoamento da inteligência cristalizada e, ao mesmotempo, o declínio da inteligência fluida exemplifica essa questão. OParadigma de Desenvolvimento ao Longo de Toda a Vida – Life-Span –adota uma perspectiva de “declínio com compensação”. De fato, háprejuízos nas capacidades biológicas e comportamentais. No entanto, odeclínio é moderado por experiências sociais que produzem capacida-des socializadas estáveis ou até crescentes.

Para Baltes (1987, 1997), a idade cronológica não causa o desen-volvimento nem o envelhecimento, mas é um importante indicador. Naverdade, o desenvolvimento se estende por toda a vida. Trata-se de umprocesso finito e limitado por influências genético-biológicas,determinantes que o indivíduo na velhice seja cada vez mais dependen-te dos recursos da cultura e, simultaneamente, cada vez menos responsivoàs suas influências. Com o envelhecimento, diminui a plasticidadecomportamental, definida como a possibilidade de mudar para se adaptarao meio. Fica resguardado o potencial de desenvolvimento, dentro doslimites da plasticidade individual, a qual depende das condições histórico-culturais. Cada idade tem sua própria dinâmica de desenvolvimento.

Referências bibliográficas

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____. Teorias psicológicas do envelhecimento. In: FREITAS, E. V. et al. (Org.). Tratado

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de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.SIQUEIRA, M. E. C. Teorias Sociológicas do Envelhecimento. In: FREITAS, E. V.

et al. (Org.). Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: GuanabaraKoogan, 2002.

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A interdisciplinaridade é intrínseca à constituição do cam-po da Gerontologia, pois o processo de envelhecimento permeia todosos aspectos da vida, do biológico ao social, e demanda um trabalho emequipe para sua operacionalização.

Martins de Sá (1998) trabalha a definição de Gerontologia comociência e explicita que ela utiliza conteúdos científicos e técnicos deoutros campos, dos quais participam dimensões biológicas, psíquicas, so-ciais, culturais e estéticas. “Não se pode fragmentar o objeto porque aparte que ela isola ou arranca do contexto originário do real – o velhoe o processo de envelhecimento – só pode ser explicada efetivamentena integridade de suas características” (p. 43).

Assim, a Gerontologia não se limita a uma incorporação de saberes,mas é um processo de criação contínua de novas estruturas conceituaise operacionais. Estes conhecimentos, ao romperem com as estruturasdisciplinares de origem, são recombinados, reconstruídos e sintetizadosde forma a configurar uma nova totalidade. Portanto, ainterdisciplinaridade é característica do processo de estudo daGerontologia, com troca permanente de conhecimentos, movimentoconstante e estabilidade dinâmica. A estrutura teórico-metodológica podeser explicada como um conjunto de procedimentos interligados,interdependentes e coerentes.

Outro autor, Bass (2000), também analisa o conceito deGerontologia, e lista suas bases de conhecimento:

estudo científico do envelhecimento, perpassa por várias discipli-nas incluindo a biologia, psicologia, sociologia, ciência política,história, antropologia, economia, humanidades, ética, sendo inte-

AULA 5

A PRÁTICA GERONTOLÓGICA NAATENÇÃO À SAÚDE DO IDOSOLuciana Branco da Motta

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grada a profissões como saúde pública, enfermagem, serviço social,direito e medicina, entre outras. (p. 97)

O debate acadêmico acerca da interdisciplinaridade surge comocrítica à fragmentação do saber e da produção de conhecimento.

O reconhecimento da realidade como complexidade organizadaimplica que se busque compreendê-la mediante estratégias dinâ-micas e flexíveis de organização da diversidade percebida, de modoa se compreender as múltiplas interconexões nela existentes.(Lück, 2002)

Desse modo, a Gerontologia objetiva trabalhar com uma visão derealidade que ultrapasse os limites disciplinares e conceituais do conhe-cimento e extrapole a síntese de conhecimento simplesmente porintegração dos seus campos de origem, com vista à associação dialéticaentre dimensões polares como teoria e prática, ação e reflexão, conteú-do e processo. A prática interdisciplinar permite a superação da frag-mentação, da linearidade e da artificialização, tanto do processo de pro-dução do conhecimento como do ensino e do afastamento em relaçãoà realidade (Lück, 2002).

No campo da ciência, a interdisciplinaridade mostra a necessidadede se superar a fragmentação da produção de conhecimento. Seu obje-tivo é ultrapassar a visão restrita de mundo e compreender a complexi-dade da realidade, e com isso resgatar a centralidade humana na reali-dade e na produção do conhecimento como ser determinante e deter-minado. Representa uma nova consciência da realidade, do pensar, eambiciona a troca, a reciprocidade e a integração entre diferentes áreas,com o objetivo de resolver os problemas de forma global e abrangente.

A realidade é construída mediante uma teia de eventos e fatoresque ocasionam conseqüências encadeadas e recíprocas, é dinâmica, emcontínuo movimento, e construída socialmente. A verdade é relativa,pois o que se conhece depende diretamente da ótica do sujeito, nãotem significado próprio, que é atribuído pelo ser humano. Desta forma,a interdisciplinaridade vem como uma reação a esta fragmentação emdiversos campos, como o da Ciência, no qual pretende contribuir paraa superação da dissociação do conhecimento produzido. Na Educação,representa uma condição para a melhoria de qualidade pela superação

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contínua da sua clássica fragmentação disciplinar, uma vez que orientaa formação global (Lück, 2002).

É necessária uma mudança de atitude individual e institucionalpara que a interdisciplinaridade floresça. No campo da Saúde, ainterdisciplinaridade acena com a possibilidade da compreensão integraldo ser humano e do processo saúde–doença (Feuerwerker, 1998). Aconstrução da interdisciplinaridade ultrapassa a renovação da estratégiaeducativa. E necessita ser consolidada por uma reestruturação acadêmi-ca e institucional comprometida com a formação do profissional adequa-do para prestar atendimento eficaz, humano, baseado nas demandas doprocesso saúde–doença (Sobral, 1990).

Vasconcelos (2002) contextualiza e define tipos de “práticas” deprodução de conhecimento e interpretação da realidade como multi,inter e transdisciplinares. A prática multi é composta por campos de sabersimultâneos, que mantêm um objetivo único, porém sem cooperação, erealiza um trabalho isolado e sem troca de informações. Na pluri, há umajustaposição de campos em um mesmo nível, no qual aparecem as rela-ções existentes entre eles, com objetivos múltiplos e cooperação, porémsem coordenação. Na trans, há a estabilização de um campo teórico,aplicado ou disciplinar de tipo novo ou mais amplo em relação aos quelhe embasam. E na inter, na qual a interação participativa constrói umeixo comum a um grupo de saberes, há apresentação de objetivos múl-tiplos, com horizontalização das relações de poder e coordenação.

Há uma busca de mudança estrutural que gere reciprocidade,identificação de problemática comum, um trabalho conjunto que colo-que os princípios e conceitos básicos dos campos originais, um esforço dedecodificação em linguagem mais acessível e de tradução de sua signi-ficação para o senso comum que incorpore o interesse na aplicabilidadedo conhecimento produzido. Portanto, há uma recombinação dos ele-mentos, o que permite, com o tempo, a criação de campos novos desaber: teóricos, práticos ou disciplinares.

Para Vasconcelos (2002), as práticas inter se desenvolvem em cam-pos como as disciplinas, teorias, paradigmas, campos epistemológicos,profissões e campos de saber e fazer. Porém, o termo “disciplina” éutilizado mais freqüentemente para exprimir este contexto – a interaçãoentre fronteiras de saber.

Vasconcelos (2002) ressalta os obstáculos e limitações encontrados.No campo das profissões e instituições, o conflito se deve ao processo de

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inserção histórica – na divisão social e técnica do trabalho e na constitui-ção dos saberes enquanto estratégia de poder – e ao mandato socialsobre um campo de saber. A formalização das profissões se acompanhado reconhecimento de reivindicações de um saber e competência exclu-sivos, aos quais é atribuído um mandato social para tomar decisões, re-alizar tarefas específicas, controlar recursos e responsabilidade legal, ecristalizar uma divisão social e técnica do trabalho. A legislação profissi-onal e assistencial influencia as práticas profissionais e também as políti-cas sociais, a sociedade civil e o Estado.

A institucionalização de organizações corporativas, como sindicatose conselhos, que estabelecem fronteiras de saber e competência, exercecontrole na formação e prática, nas normas éticas, e defende interesseseconômicos e políticos de cada grupo. A cultura profissional tende aassumir valores culturais, imaginários e identidades sociais, preferênciastécnicas e teóricas, estilos de vida, padrões de relação com a clientela,com a sociedade e com a vida política.

Outro fator de dificuldade é a precarização das condições de tra-balho, nas quais os vínculos informais e frágeis, a multiplicidade de ocu-pações, a competitividade e a introdução de tecnologia levam a umasituação na qual a estruturação e o desenvolvimento da equipe se tor-nam difíceis.

Referências bibliográficas

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