gerenciando a diversidade cultural

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18 Organizaçªo, Recursos Humanos e Planejamento GERENCIANDO A DIVERSIDADE CULTURAL: experiŒncias de empresas brasileiras ABSTRACT Despite the extremely diversified cultural context in which Brazilian enterprises operate, the issue of cultural diversity is new in their agen- da. The emergence of this theme is much more related to the need to create competitive advantages by developing diversified competencies, usually following policies which are established by the headquarters of local subsidiaries, instead of attending to legal procedures, as in the USA and Canada. Departing from a conceptual elaboration about cul- tural diversity and its management, this article presents the results achieved in a research among leading Brazilian firms. The points that emerge as a conclusion can be generalized for other countries. RAE - Revista de Administraçªo de Empresas Jul./Set. 2000 RESUMO Apesar do contexto cultural diversificado em que atuam as empresas brasileiras, o tema diversidade cultural é recente em sua agenda. Surge em subsidiárias de empresas americanas, em um primeiro momento, por pressão da matriz e, em seguida, ligado à necessidade de criar vantagens competitivas desenvolvendo competências diversas; não acontece por imposição legal, como ocorre nos EUA e no Canadá. Par- tindo da elaboração de um referencial conceitual sobre diversidade cul- tural e seu gerenciamento, este artigo apresenta os resultados obtidos por meio de uma pesquisa realizada com empresas brasileiras e medi- ante um estudo de caso mais aprofundado. PALAVRAS-CHAVE Diversidade cultural, administração de recursos humanos, estudos comparativos. KEY WORDS Cultural diversity, human resources management, comparative studies. Sªo Paulo, v. 40 n. 3 p. 18-25 Maria Tereza Leme Fleury Mestre e Doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), Livre-Docente em Administração pela USP, Vice-Diretora e Professora Titular da FEA (USP) e Editora da RAUSP. E-mail: [email protected]

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Page 1: Gerenciando a Diversidade Cultural

18 RAE � v. 40 � n. 3 � Jul./Set. 2000

Organização, Recursos Humanos e Planejamento

GERENCIANDO ADIVERSIDADE

CULTURAL:experiências de

empresas brasileiras

ABSTRACTDespite the extremely diversified cultural context in which Brazilianenterprises operate, the issue of cultural diversity is new in their agen-da. The emergence of this theme is much more related to the need tocreate competitive advantages by developing diversified competencies,usually following policies which are established by the headquarters oflocal subsidiaries, instead of attending to legal procedures, as in theUSA and Canada. Departing from a conceptual elaboration about cul-tural diversity and its management, this article presents the resultsachieved in a research among leading Brazilian firms. The points thatemerge as a conclusion can be generalized for other countries.

RAE - Revista de Administração de Empresas � Jul./Set. 2000

RESUMOApesar do contexto cultural diversificado em que atuam as empresasbrasileiras, o tema diversidade cultural é recente em sua agenda. Surgeem subsidiárias de empresas americanas, em um primeiro momento,por pressão da matriz e, em seguida, ligado à necessidade de criarvantagens competitivas desenvolvendo competências diversas; nãoacontece por imposição legal, como ocorre nos EUA e no Canadá. Par-tindo da elaboração de um referencial conceitual sobre diversidade cul-tural e seu gerenciamento, este artigo apresenta os resultados obtidospor meio de uma pesquisa realizada com empresas brasileiras e medi-ante um estudo de caso mais aprofundado.

PALAVRAS-CHAVEDiversidade cultural, administração de recursos humanos, estudos comparativos.

KEY WORDSCultural diversity, human resources management, comparative studies.

São Paulo, v. 40 � n. 3 � p. 18-25

Maria Tereza Leme FleuryMestre e Doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), Livre-Docente em

Administração pela USP, Vice-Diretora e Professora Titular da FEA (USP) e Editora da RAUSP.E-mail: [email protected]

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Gerenciando a diversidade cultural: experiências de empresas brasileiras

Os brasileiros valorizam sua origem diversificada,

incluindo as raízes africanas, presentes na

música, na alimentação, no sincretismo religioso.

Mas é uma sociedade estratificada, em que o

acesso às oportunidades educacionais e às

posições de prestígio no mercado de trabalho

é definido pelas origens econômica e racial.

INTRODUÇÃO

Neste ano, os brasileiros comemoraram os 500 anosde sua existência para o mundo ocidental. O projetode colonização brasileiro, assim como o da maioriados países latino-americanos, diferentemente dos Es-tados Unidos e do Canadá, fundamentou-se sobre obinômio exploração da riqueza tropical (cana-de-açúcar, madeira, minerais e café) e exploração do tra-balho escravo (no início, os índios nati-vos e, mais tarde, os negros trazidos daÁfrica).

Durante o século XIX, o Brasil pas-sou por transformações significativas emtermos políticos (Independência, instau-ração da Monarquia e, finalmente, a pro-clamação da República) e em termos eco-nômicos (com o processo de industriali-zação e urbanização da Região Sudestedo país). Culturalmente, o país tambémsofreu mudanças, com a vinda de imi-grantes europeus e asiáticos. Esses imi-grantes tinham um nível educacional su-perior ao da população local e, princi-palmente no caso dos italianos e espa-nhóis, tradição de lutas políticas ligadasao anarquismo.

Ao longo da História, determinados padrões cul-turais foram se desenvolvendo no país, como resulta-do da formação de uma população culturalmentediversificada e miscigenada pelos casamentos inter-raciais. Ao mesmo tempo, foi se constituindo umasociedade na qual o trabalho manual sempre foi des-valorizado e relegado aos escravos e à população debaixa renda. Com os processos de industrialização eurbanização, uma classe média mais heterogênea sur-giu no cenário brasileiro, mas a desvalorização do tra-balho manual permaneceu.

Assim, uma sociedade contraditória foi emergin-do. Os brasileiros valorizam sua origem diversificada,incluindo as raízes africanas, presentes na música, naalimentação, no sincretismo religioso; gostam de seimaginar como uma sociedade sem preconceitos deraça ou cor. Mas, por outro lado, é uma sociedadeestratificada, em que o acesso às oportunidades edu-cacionais e às posições de prestígio no mercado detrabalho é definido pelas origens econômica e racial.

Neste contexto diversificado e contraditório, otema diversidade cultural é relativamente novo naagenda das empresas brasileiras. Surge no bojo dosprocessos de mudança, vivenciados pelas empresasno ambiente altamente competitivo dos anos 90; apa-rece, também, em empresas subsidiárias de multina-

cionais americanas, em conseqüência de pressões damatriz; não tem origem em dispositivos legais, comoocorre em outros países, como os Estados Unidos eCanadá.

Este artigo objetiva trazer o tema da diversidadecultural em empresas brasileiras para a pauta das dis-cussões. Iniciando com uma breve recuperação con-ceitual, apresentaremos os resultados de uma pesqui-sa empírica com empresas brasileiras.

CONCEITUALIZANDO ADIVERSIDADE CULTURAL

A questão das minorias e da diversidade culturaltem sido um tema relevante nos países da América doNorte � EUA e Canadá. Desde a década de 60, osmovimentos políticos a favor da integração racial le-varam à promulgação de leis visando à igualdade deoportunidades de educação e ao emprego para todos.

Nos EUA, o Affirmative Action foi promulgadono final da década de 60 como resposta à discrimina-ção racial observada nas empresas e instituições deensino. Por regulamentação federal, as empresas quetinham contratos com o governo ou que dele recebi-am recursos e benefícios deviam avaliar a diversida-de existente em seu corpo de funcionários e procurarbalancear sua composição, em face da diversidadeexistente no mercado de trabalho. Esses grupos in-cluíam: mulheres, hispânicos, asiáticos e índios (de-ficientes físicos foram incluídos após 1991) (Agócs eBurr, 1996, p. 32).

No Canadá, o Employment Equity Act e o FederalContractors Program, promulgados em 1986, foramdelineados nos moldes do Affirmative Action norte-americano. De acordo com Agócs e Burr (1996), es-sas leis visavam a ampliar o espaço das minorias, nãosomente aumentando e melhorando a representação

©2000, RAE - Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil.

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Organização, Recursos Humanos e Planejamento

O tema diversidade cultural pode ser estudado sob

diferentes perspectivas: no nível da sociedade,

no nível organizacional e no nível do grupo ou

indivíduo. Os padrões culturais, expressando

valores e relações de poder, precisam ser

referenciados e analisados em todos os níveis.

numérica, por meio do sistema de cotas nas empre-sas, mas também promovendo relações mais eqüitati-vas e justas de emprego.

Em artigo recente, Jain (1998), avaliando esses pro-gramas em diferentes países (EUA, Canadá, Índia,Malásia, África do Sul, Grã-Bretanha e Irlanda doNorte), concluiu que o crescimento econômico é umpré-requisito para o sucesso de tais programas e quea legislação é uma condição necessária, mas não su-ficiente, para o seu êxito.

Com um enfoque mais pragmático, a gestão da di-versidade cultural foi uma resposta empresarial à di-versificação crescente da força de trabalho e às ne-cessidades de competitividade. Em 1985, os dadosprojetados por estudos do Instituto Hudson para o ano2000 estimaram uma força de trabalho para os EUAcom diferentes características: os brancos diminuiri-am sua participação no mercado de trabalho, e o seg-mento mulheres brancas aumentaria, seguido por ho-mens e mulheres negros.

Subbarao (1995) notou que a diversidade da forçade trabalho é um fenômeno internacional, presente nospaíses desenvolvidos ou em desenvolvimento. Há di-versos aspectos a serem considerados ao se pensar noque significa diversidade: sexo, idade, grau de ins-trução, grupo étnico, religião, origem, raça e língua.Mamman (1995) e Nilson (1997) assumem tambémque o conceito de diversidade cultural inclui não so-mente a raça e o sexo mas também grupos étnicos,região de origem, idade, etc.

Como conceitualizar a diversidade cultural? A di-versidade é definida como um mix de pessoas comidentidades diferentes interagindo no mesmo sistemasocial. Nesses sistemas, coexistem grupos de maioriae de minoria. Os grupos de maioria são os grupos cu-jos membros historicamente obtiveram vantagens emtermos de recursos econômicos e de poder em rela-ção aos outros.

Verificamos, assim, que o tema diversidade cultu-

ral pode ser estudado sob diferentes perspectivas: nonível da sociedade, no nível organizacional e no ní-vel do grupo ou indivíduo. Os padrões culturais, ex-pressando valores e relações de poder, precisam serreferenciados e analisados em todos os níveis.

Segundo Thomas (1996), a gestão da diversidadecultural implica adotar um enfoque holístico para criarum ambiente organizacional que possibilite a todos opleno desenvolvimento de seu potencial na realizaçãodos objetivos da empresa. Não é um pacote com solu-

ções prontas nem um programa pararesolver a questão da discriminaçãoe do preconceito.

Cox (1994) assume que as dife-renças de identidade individuais( tanto f ís icas quanto cul turais)interagem com uma complexa gamade fatores individuais, grupais e or-ganizacionais (o clima da diversi-dade) para determinar o impacto dadiversidade nos resultados individu-ais e organizacionais. Os resultadosindividuais são divididos em variá-veis de resposta afetiva (satisfação,

identificação organizacional e envolvimento no tra-balho) e em variáveis de desempenho (performance,mobilidade no cargo e compensação). Os resultadosorganizacionais podem impactar o nível de atendi-mento, de turnover, de qualidade do trabalho e delucratividade.

Central a essa proposta é a noção de que a diversi-dade presente nas organizações provocará impactostanto em termos da eficácia organizacional como in-dividual e de que o contexto organizacional é rele-vante para determinar se esse impacto será positivoou negativo. Outra característica da proposta é o fatode que ela está estruturada sobre dimensões psicoló-gicas e sociais, que têm clara aplicabilidade nas vári-as dimensões da identidade de grupo (por exemplo,não só sexo e raça, mas nacionalidade, descrição docargo, religião, classe e assim por diante) e são apli-cáveis à experiência de membros de ambos os gru-pos: maioria e minoria nas organizações. Notamos,por exemplo, que o não-gerenciamento da diversida-de pode conduzir a forte conflito intergrupal entremembros da maioria e da minoria, reduzindo os re-sultados efetivos do trabalho para homens de ambosos grupos (Knomo e Cox, 1996).

Segundo Cox, a administração da diversidade cul-tural significa planejar e executar sistemas e práticasorganizacionais de gestão de pessoas de modo amaximizar as vantagens potenciais da diversidade eminimizar as suas desvantagens (Cox, 1994, p. 11).

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Gerenciando a diversidade cultural: experiências de empresas brasileiras

A nosso ver, é necessário acrescentar ainda mais umadimensão: administrar a diversidade significa adicio-nar valor à organização.

Entre os benefícios potenciais da gerência da di-versidade, Cox menciona os seguintes:� atrair e reter os melhores talentos no mercado de

trabalho;� desenvolver os esforços de marketing, visando a

atender segmentos de mercado diver-sificados;

� promover a criatividade e a inovação;� facilitar a resolução de problemas;� desenvolver a flexibilidade organiza-

cional.Em suma, o objetivo principal da ges-

tão da diversidade cultural é administraras relações de trabalho, as práticas deemprego e a composição interna da for-ça de trabalho a fim de atrair e reter osmelhores talentos dentre os chamadosgrupos de minoria. Isso pode ser feitopor políticas de recrutamento que incor-porem os critérios relacionados à diver-sidade cultural do mercado de trabalho.

Entretanto, como mudar os padrões culturais do-minantes em uma organização? Que políticas e práti-cas para a gestão de pessoas devem ser implementa-das para isso? A realização de uma pesquisa entreempresas brasileiras propiciou pistas interessantespara discutirmos essas questões.

ADMINISTRAÇÃO DA DIVERSIDADENAS ORGANIZAÇÕES BRASILEIRAS

O tema da desigualdade racial e sexual tem sidoobjeto de intensa discussão no Brasil, levada adiantepor grupos defensores dos negros, mulheres e homos-sexuais. Os debates atingem mais a mídia, repercutin-do sobre as esferas governamentais, com poucas medi-das concretas, entretanto, sendo tomadas a respeito.

Em 1996, foi criado o Programa Nacional de Di-reitos Humanos, visando à implementação de atos edeclarações internacionais relacionados aos direitoshumanos e contando com a adesão brasileira. Umadelas é a Convenção 111 da OIT sobre a discrimina-ção nas relações de emprego, ratificada pelo governolocal em 1965. Foi somente em 1995 que o governobrasileiro, enquanto participava da Conferência ILO,enfrentando acusações apresentadas por representan-tes dos trabalhadores brasileiros a respeito do não-cumprimento de compromissos assumidos por empre-sas locais, solicitou cooperação técnica ao ILO paraa formulação e implementação efetiva de políticas

para promover a igualdade nas oportunidades de em-prego e no tratamento (Ministério do Trabalho doBrasil, 1996).

Verificamos, assim, que medidas governamentais paracombater a discriminação no emprego são muito recen-tes. A nosso ver, esbarram em uma barreira cultural im-plícita: a não-aceitação do preconceito e da discrimina-ção racial. Como já mencionamos, o Brasil é um país he-

terogêneo, fruto de inúmeros fluxos imigratórios desde omomento de sua formação; faz parte da ideologia nacio-nal conceber-se como um país sem preconceitos.

O interesse das empresas brasileiras na gestão dadiversidade cultural é também recente, surgiu nos anos90. A grande maioria das companhias que estão de-senvolvendo programas são subsidiárias de empresasnorte-americanas.

Visando à melhor compreensão desse tema, não so-mente de um ponto de vista acadêmico mas tambémpara subsidiar trabalhos de intervenção, realizamosuma pesquisa exploratória em empresas brasileiras.Três perguntas orientaram o desenho da pesquisa:� Quais as origens do programa de gestão da diver-

sidade cultural e como este foi implementado naempresa?

� No caso das subsidiárias, quais eram as diferençasentre os programas implementados nas matrizes eos desenvolvidos nas empresas brasileiras?

� Quais eram as principais políticas e práticas efeti-vamente implantadas para o gerenciamento da di-versidade cultural?Em termos de procedimentos metodológicos, al-

guns esclarecimentos são necessários: para realizar apesquisa, foram contatadas 15 empresas, que, por meiode seminários e da mídia, divulgavam estar desenvol-vendo programas de administração da diversidadecultural. Destas, somente 7 concordaram em nos re-ceber para conversar sobre o programa; as outras nãoquiseram participar da pesquisa, alegando que seu

Como mudar os padrões culturais dominantes

em uma organização? Que políticas e práticas

para a gestão de pessoas devem ser implementadas

para isso? A realização de uma pesquisa

entre empresas brasileiras propiciou pistas

interessantes para discutirmos essas questões.

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Organização, Recursos Humanos e Planejamento

programa era ainda muito embrionário ou inoperante.Inicialmente, apresentaremos os dados coletados

em seis das empresas; nestas, entrevistamos o geren-te responsável pelo programa e coletamos as infor-mações disponíveis em documentos. O último casoapresentado diz respeito a uma empresa na qual esta-mos desenvolvendo um projeto com o uso da meto-dologia de pesquisa�ação, objetivando a implemen-tação de um programa de diversidade cultural; a dis-cussão mais detida desse caso traz alguns insights in-teressantes sobre o tema.

No primeiro grupo, cinco das empresas pesquisa-das são subsidiárias de multinacionais norte-ameri-canas e uma delas é brasileira. Os projetos desenvol-vidos pelas empresas estão ainda em sua fase inicial.As subsidiárias estão monitorando o que ocorre nasmatrizes, em termos de políticas e práticas, e, então,avaliando sua aplicabilidade e possível adaptação àrealidade brasileira.

O Quadro 1 sintetiza os principais dados coleta-dos. Algumas observações podem ser feitas a partirdesse quadro:

CONCEITO DE DIVERSIDADE

Quadro 1 � A gestão da diversidade em equipes no Brasil

ÁREA PRÁTICAS DE DIVERSIDADE

Computadores/

comunicação

� Foco: locais de trabalho não excludentes.

� Matriz ððððð Diversidade significa não-discriminação.

Uso de dados e indicadores quantitativos

sobre a composição dos empregados.

� Cada subsidiária desenvolve seu próprio programa.

� Apesar de não haver nenhuma política de

recrutamento que vise explicitamente a aumentar

a diversidade, a força de trabalho é diversificada.

� Identificação e eliminação das barreiras à

promoção de carreira.

Química � A diversidade é considerada uma questão

estratégica para se obter vantagem competitiva.

� Conceito global � prática local.

� Matriz ððððð Políticas de diversidade bem desenvolvidas

incluem raça e gênero.

Uso de dados e indicadores quantitativos

sobre a composição dos empregados.

� A abordagem da diversidade está apenas focada

na mulher.

� Treinamento de diversidade nos EUA.

� Iniciando programas internos de treinamento.

� Comunicação sobre programas de diversidade.

� Políticas de recrutamento e carreira: em relação

à mulher.

Têxtil � Respeito pelas diferenças.

� Matriz ððððð Um programa em curso por longo tempo e

bem desenvolvido inclui raça, gênero e

homossexuais.

� Conceito global � prática local.

� Iguais oportunidades para negros e mulheres.

� Promoções e carreira são, no entanto,

primariamente focadas na mulher.

� Programas de treinamento sobre diversidade.

� Comunicação interna sobre programas de

diversidade.

Eletrônica � A diversidade é definida não só pela raça e pelo

sexo mas também pela idade e pelo perfil cultural.

� Matriz ððððð Velho e desenvolvido programa.

� Os programas de participação nos lucros

incluem todos os empregados.

� O planejamento administrativo da carreira tem

de indicar mulheres e negros.

Química � Curso de dupla ação: reconhecer a diversidade

entre os empregados.

� As vantagens competitivas vêm da diversidade e

do talento dos funcionários.

� Matriz ððððð Programa bem desenvolvido.

� Política e programas culturais.

� Subsidiárias de Los Angeles estão estudando

como implementar o programa de diversidade

da matriz.

Cosméticos � Uma força de trabalho diversificada é uma

vantagem competitiva.

� Matriz (brasileiro).

� Políticas de recrutamento visando a uma força

de trabalho diversificada.

� Desenvolvimento de oportunidades de carreira

para todos os funcionários.

N. DE EMPR.

778

1.531

600

6.500

1.200

3.000

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Gerenciando a diversidade cultural: experiências de empresas brasileiras

� políticas de recrutamento e pessoal de seleção: asempresas estão investindo em projetos para diver-sificar sua força de trabalho, focando prioritaria-mente a questão do gênero; em outras palavras, es-tão recrutando mais mulheres, para balancear seucorpo de empregados. Uma das empresas está in-cluindo também negros em sua estratégia de di-versificação;

� políticas de treinamento: as empresas têm enviadoseus gerentes para programas de trei-namento para conscientização das di-ferenças culturais. Apenas uma dasempresas pesquisadas investiu na rea-lização de programas aqui a esse res-peito;

� comunicação: as companhias estão in-vestindo em projetos de comunicaçãointerna, com a finalidade de divulgaros objetivos do programa de diversi-dade a todos os empregados.

Essas empresas estão tentando desen-volver um enfoque próprio, adaptado à re-alidade brasileira. A decisão de começaro programa pelas mulheres, aumentando a participa-ção feminina na composição do corpo de funcioná-rios, é justificada pelo fato de a mulher se encontrardisponível nas diversas profissões. Negros são consi-derados mais difíceis de ser encontrados para ocupa-ções que demandem níveis educacionais mais eleva-dos, refletindo as desigualdades presentes na socie-dade brasileira. No entanto, mesmo que nos últimosanos tenham existido claras evidências da ascensãoeducacional da mulher, acreditamos que as barreirasculturais à incorporação das mulheres em organiza-ções brasileiras são menores que as barreiras à incor-poração dos negros. A avaliação de pessoas de ori-gem asiática é ambígua: elas são consideradas geral-mente bem-educadas e, algumas vezes, são tratadascomo grupos de minoria.

Em síntese, o conceito da diversidade cultural ado-tado por essas companhias é ainda bastante restrito,incorporando apenas o gênero e, timidamente, a raça. 

O caso da companhia ALPHAA ALPHA é subsidiária de uma companhia norte-

americana. Tem duas plantas no Brasil, uma no setorde equipamentos e outra no setor químico.

A matriz da empresa se encontra nos EUA, e asfiliais, em 22 países; emprega 17 mil pessoas emaproximadamente 100 plantas ao redor do mundo,com um faturamento de US$ 6 bilhões. A empresacomeçou suas atividades nos EUA em fins do século

XIX, na produção e comercialização de equipamentosagrícolas.

A empresa investe em tecnologia e, nos últimosanos, tem realizado diversas aquisições visando a am-pliar sua participação no mercado global. Em termosde gestão de recursos humanos, é uma empresa quali-ficada como mais para conservadora, pelos padrõesamericanos; as subsidiárias têm autonomia para de-senvolver seus próprios modelos. Realiza, globalmen-

te, uma pesquisa bianual sobre o clima organizacio-nal, procurando monitorar as percepções e expectati-vas dos empregados.

No Brasil, a empresa tem operado desde os anos70, com as duas plantas na Região Sudeste do país. Ofaturamento anual é de US$ 170 milhões, e a empresaemprega aproximadamente 500 pessoas. A missão dacompanhia no Brasil é �ser reconhecida como um cen-tro de excelência no setor agrícola� e as competênci-as de seus empregados são consideradas fundamen-tais para alcançar seus objetivos. A área de RecursosHumanos desempenha um papel importante nessa es-tratégia.

Na década de 80, a empresa fornecia equipamen-tos para o governo americano e começou a elaborarum programa de diversidade cultural, de cunho bemlegalista, no enfoque do Affirmative Action. Nos anos90, foi criado o Corporate Council of Minorities, e adiversidade começou a ser considerada parte da es-tratégia dos negócios, a ser divulgada como um valorimportante para toda a empresa.

Para a ALPHA, o conceito de diversidade culturalengloba os seguintes aspectos:� reconhecimento de que pessoas de origens dife-

rentes têm talentos e habilidades diferentes e quepodem contribuir para o crescimento da empresa;

� respeito pelo indivíduo, independentemente deraça, sexo, religião ou origem;

� criação de possibilidades para o desenvolvimento

O conceito de diversidade está relacionado

ao respeito à individualidade dos empregados

e ao reconhecimento desta; gerenciar

a diversidade implica o desenvolvimento

das competências necessárias ao

crescimento e sucesso do negócio.

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Organização, Recursos Humanos e Planejamento

do negócio e das carreiras dos empregados, livrede preconceitos.Nos EUA, as principais estratégias definidas para

administrar a diversidade foram:� comunicação do programa;� desenvolvimento de liderança;� políticas de recrutamento e seleção.

Um manual foi elaborado como guia para a imple-mentação do programa pelas subsidiárias. A ALPHAdo Brasil foi a primeira companhia do grupo a procu-rar implementar o programa fora dos EUA. O princi-pal executivo da subsidiária brasileira participou dasatividades do Corporate Council of Minorities e trou-xe o manual visando à sua tradução e adaptação à re-alidade brasileira.

Durante um workshop interno envolvendo os diri-gentes da empresa, foi decidido que o manual não seriasimplesmente traduzido e adaptado (o processo usualde �tropicalização�), mas que eles desenvolveriamseus próprios conceitos e enfoque para trabalhar adiversidade no Brasil. Notou-se que o conceito de di-versidade está relacionado, principalmente, ao respei-to à individualidade dos empregados e ao reconheci-mento desta; gerenciar a diversidade implica o desen-volvimento das competências necessárias ao cresci-mento e sucesso do negócio. Em outras palavras, ad-ministrar a diversidade deve adicionar valor à com-panhia.

A empresa iniciou um projeto de pesquisa�ação,apoiada por uma consultoria, no qual os diagnósticosdeveriam subsidiar a definição de objetivos e ações.

A primeira etapa do projeto foi mapear a compo-sição do quadro de funcionários da empresa. É inte-ressante mencionar que nenhuma das outras firmasbrasileiras estudadas possuía dados disponíveis a res-peito da composição dos seus empregados em termosde raça, origem, sexo, etc. Os dados coletados daALPHA do Brasil estão apresentados na Tabela 1.

Essa pesquisa inicial mostrou um retrato muito ho-mogêneo da força de trabalho da companhia. Ela écomposta por homens brancos, relativamente jovens,a maioria deles nascidos e educados na região de SãoPaulo. Acompanhando os processos de seleção, trei-

%

Tabela 1 � Composição dos funcionários da ALPHA do Brasil

GÊNERO IDADE

Feminino

Masculino

8,7

91,3

RAÇA % %

Branco

Negro

Oriental

83,1

15,8

1,0

15 a 20 anos

21 a 30 anos

31 a 40 anos

41 a 50 anos

Mais de 50 anos

3,7

27,2

46,6

19,1

3,0

namento e promoções na carreira durante um ano emeio, a empresa verificou que esse perfil se tornouainda mais acentuado.

Como um segundo passo, uma pesquisa foi con-duzida entre os empregados, visando a apreender suaspercepções sobre a diversidade cultural. Observou-seque a maioria deles não percebem as políticas de re-cursos humanos � recrutamento e seleção, treinamen-to e promoção � como contribuindo para um ambien-te culturalmente diversificado; notou-se também quea companhia não investe na formação de equipesdiversificadas de trabalho. Os homens brancos se sen-tem muito mais comprometidos com os objetivos dacompanhia do que os outros grupos; os negros se sen-tem mais prejudicados do que outros grupos, princi-palmente em processos de avaliação de desempenho.

Essas informações causaram surpresa entre os ges-tores da empresa e confirmaram sua decisão de de-senvolver o programa, com estratégias e indicadorespróprios.

O ponto principal para a definição do programafoi relacioná-lo às estratégias de negócios e ao de-senvolvimento de competências, ou seja, a empresaalmeja ter uma política de valorização da diversidadevisando a atrair, reter e desenvolver os melhores ta-lentos, quebrando as barreiras de gênero e origem,além de introduzir práticas que facilitem o trabalhoem equipes diversas e a rotação das pessoas entre árease unidades.

Duas linhas de trabalho foram, assim, desenvol-vendo-se na empresa: uma mais convencional, comorecrutar mulheres com formação em agronomia paraa área comercial, uma vez que elas podem trazer con-tribuições relevantes a essa função; recrutar tambémpessoas em outras regiões do país, e não somente deSão Paulo; programar a rotação interna da área admi-nistrativa à operacional e entre unidades; formar equi-pes heterogêneas, por exemplo, na área de P&D paradesenvolvimento de produtos. A outra linha foi como propósito de rever os objetivos estratégicos, ascompetências e as práticas de diversidade. Assim,workshops foram realizados e novos programas e prá-ticas de gestão de pessoas foram elaborados. Um

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Gerenciando a diversidade cultural: experiências de empresas brasileiras

exemplo foi o programa de liderança, desenhado paratrabalhar essas questões com os empregados, em to-dos os níveis da organização.

Com referência à comunicação, ponto importantedo programa na matriz, os avanços têm sido graduais,pois se observou que, se não houver resultados práti-cos a serem divulgados, o processo decomunicação cairá no vazio e o programaem descrédito. A forma utilizada para co-municar o programa são encontros em queas pessoas discutem o tema e se sensibili-zam para as barreiras invisíveis existen-tes na organização.

Estando em pauta o programa de diver-sidade há três anos, a empresa criou indi-cadores, diferentes das tradicionais cotaspraticadas nos EUA, para mensurar sua eficácia. Es-ses indicadores devem estar relacionados aos objeti-vos do negócio. Definiram-se, assim, indicadores deinput (relacionados, por exemplo, ao recrutamento deuma força de trabalho diversificada, job rotation eassim por diante) combinados com indicadores deoutput (resultados de vendas, atendimento a clientes,novos produtos, resultados da pesquisa interna de cli-ma). O programa tem sido avaliado positivamente pelaempresa, tanto no Brasil como nos Estados Unidos,que passaram inclusive a rever certas estratégias láadotadas.

A nosso ver, o caso da ALPHA exemplifica a po-sição assumida por empresas brasileiras a respeito daquestão da diversidade cultural. Embora o programatenha sido introduzido por incentivo da matriz, hou-ve a necessidade de se desenvolver uma abordagemlocal, adaptada à realidade brasileira, ou seja, se oconceito foi globalmente definido, a prática é conce-bida localmente e tem que ser consistente com a es-tratégia do negócio. A metodologia da pesquisa�açãose mostrou adequada para esse trabalho.

COMENTÁRIOS FINAIS

Em um país como o Brasil, com uma sociedadeheterogênea e com muitas desigualdades sociais, otema da diversidade cultural assume relevância. Tra-balhar e denunciar o imaginário popular de uma

sociedade livre de preconceitos, cujo acesso às posi-ções no sistema educacional e no mercado de traba-lho é aberto a todos, é importante para fazer avançaressas questões num país que se quer democrático.

Do ponto de vista das empresas, entretanto, o focoprecisa ser menos ideológico e mais estratégico, paraque programas dessa natureza frutifiquem. Não nosparece também interessante equacionar essa questãocom a abordagem legal desenvolvida em países daAmérica do Norte, ou seja, estabelecendo, por exem-plo, cotas para garantir o acesso das minorias aos em-pregos. A nosso ver, um caminho promissor é ampli-ar o foco de atuação, incorporando ao programa obje-tivos econômicos e sociais, mostrando, por exemplo,como uma política de gestão da diversidade culturalpode atrair e desenvolver novas competências, adi-cionando valor ao negócio.

Em um país em que as empresas enfrentam os desa-fios da competitividade e da onda de fusões e aquisi-ções, trazendo para o cenário doméstico novos joga-dores, com diferentes culturas, essa diversidade é umtema bastante atual. m

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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O ponto principal para a definição do programa

foi relacioná-lo às estratégias de negócios

e ao desenvolvimento de competências.