gerenciamento costeiro

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213 Macrodiagnóstico da Zona Costeira e Marinha do Brasil Gestão Costeira Gestão Costeira João Luiz Nicolodi 1 Ademilson Zamboni 2 1 – Geógrafo, Dr. em Geologia Costeira e Oceânica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Técnico da Gerência de Qualidade Costeira e Marinha – Ministério do Meio Ambiente. 2 – Oceanógrafo, Dr. em Ciências da Engenharia Ambiental pela Universidade de São Paulo e Gerente de Qualidade Costeira e do Ar – Ministério do Meio Ambiente. 1 Introdução A s zonas costeiras representam um dos maiores desafios para a gestão ambiental do País, especialmente quando abordadas em conjunto e na perspectiva da escala da União. Além da grande extensão do litoral e das formações físico-bióticas extremamente diversificadas, convergem também para esse espaço os principais vetores de pressão e fluxos de toda ordem, compondo um amplo e complexo mosaico de tipologias e padrões de ocupação humana, de uso do solo e dos recursos naturais e de exploração econômica. No contexto global, a preocupação com a degradação das zonas costeiras suscitou uma crescente conscientização, patrocinada pela atuação de organizações internacionais que se voltaram para o tema. Diferentes países do continente europeu e da América do Norte adotaram legislações inspiradas nas diretrizes e recomendações de convenções e tratados internacionais. Em termos jurídicos, o “Coastal Zone Management Act” de 1972, dos Estados Unidos, pode ser considerado a legislação precursora na matéria. Na legislação brasileira, a Lei nº 7.661/1988 surgiu dezesseis anos depois como fruto de múltiplas influências, tanto provindas da legislação comparada quanto de referências em estudos acadêmicos e científicos. O esquema da Figura 1 ilustra a atual organização da gestão costeira e marinha do Brasil. A Constituição Federal de 1988 consagrou o meio ambiente como bem de uso comum e declarou a Zona Costeira como patrimônio nacional, afirmando um princípio jurídico que sustenta toda a aplicação da legislação federal e estadual para essa faixa do território, gerando, assim, um sistema de alta coerência e eficácia. Figura 1: Fluxograma simplificado da gestão costeira no Brasil.

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Trata das polìticas e estratégias do gerenciamento costeiro no Brasil.

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  • 213 Macrodiagnstico da Zona Costeira e Marinha do BrasilGesto Costeira

    Gesto CosteiraJoo Luiz Nicolodi1

    Ademilson Zamboni2

    1 Gegrafo, Dr. em Geologia Costeira e Ocenica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Tcnico da Gerncia de Qualidade Costeira e Marinha Ministrio do Meio Ambiente.

    2 Oceangrafo, Dr. em Cincias da Engenharia Ambiental pela Universidade de So Paulo e Gerente de Qualidade Costeira e do Ar Ministrio do Meio Ambiente.

    1 Introduo

    As zonas costeiras representam um dos maiores desafios para a gesto ambiental do Pas, especialmente quando abordadas em conjunto e na perspectiva da escala da Unio. Alm da grande extenso do litoral e das formaes fsico-biticas extremamente diversificadas, convergem tambm para esse espao os principais vetores de presso e fluxos de toda ordem, compondo um amplo e complexo mosaico de tipologias e padres de ocupao humana, de uso do solo e dos recursos naturais e de explorao econmica.

    No contexto global, a preocupao com a degradao das zonas costeiras suscitou uma crescente conscientizao, patrocinada pela atuao de organizaes internacionais que se voltaram para o tema. Diferentes pases do continente europeu e da Amrica do Norte adotaram legislaes inspiradas nas diretrizes e recomendaes de convenes e tratados internacionais. Em termos jurdicos, o Coastal Zone Management Act de 1972, dos Estados Unidos, pode ser considerado a legislao precursora na matria.

    Na legislao brasileira, a Lei n 7.661/1988 surgiu dezesseis anos depois como fruto de mltiplas influncias, tanto provindas da legislao comparada quanto de referncias em estudos acadmicos e cientficos. O esquema da Figura 1 ilustra a atual organizao da gesto costeira e marinha do Brasil.

    A Constituio Federal de 1988 consagrou o meio ambiente como bem de uso comum e declarou a Zona Costeira como patrimnio nacional, afirmando um princpio jurdico que sustenta toda a aplicao da legislao federal e estadual para essa faixa do territrio, gerando, assim, um sistema de alta coerncia e eficcia.

    Figura 1: Fluxograma simplificado da gesto costeira no Brasil.

  • 214Macrodiagnstico da Zona Costeira e Marinha do Brasil Gesto Costeira

    importante destacar que o gerenciamento costeiro integra a Poltica Nacional do Meio Ambiente instituda pela Lei n 6.938/1981 e a Poltica Nacional para os Recursos do Mar PNRM (Decreto n 5.377/2005), incorporando, assim, os princpios gerais fixados nessas polticas.

    Por essa via, a concepo sistmica que determina a coordenao das aes dos rgos setoriais, seccionais e locais pode ser aproveitada na implementao do gerenciamento costeiro, resultando na demanda pela articulao com outras polticas pblicas federais.

    nesse contexto que foram elaboradas as cartas de Gesto Costeira, como forma de demonstrar, de forma espacializada, o conjunto articulado com estados e municpios, de polticas e aes do Governo Federal voltadas promoo do ordenamento da zona costeira e marinha do Brasil. Estas cartas indicam o grau de resposta do poder pblico expresso em aes de ordenamento, planejamento, mobilizao, capacitao e fortalecimento institucional, que, em conjunto com outras aes estruturantes, visa ao enfrentamento dos desafios colocados neste espao.

    A primeira verso do Macrodiagnostico, publicada em 1996, fez uma anlise da dinmica dos vetores de comprometimento ambiental da zona costeira, delineando um panorama da questo e ressaltando as dificuldades da gesto ambiental/territorial. Para tanto, os municpios litorneos foram classificados segundo nveis de criticidade de gesto a partir de critrios predefinidos, conforme pode ser observado na Tabela 1 e nas Figuras 2, 3, 4, 5 e 6.

    Indicador Descrio

    Fragilidade dos Ecossistemas

    - Pouco Frgil- Frgil- Muito Frgil

    Risco Ambiental - Participao da indstria qumica no VTI- Participao da metalrgica qumica no VTI- Participao da indstria de papel e celulose no VTI- Presena de refinaria de petrleo- Presena de oleodutos- Presena de terminal petrolfero- Produo e operaes diversas com petrleo

    Comprometimento e\ou tendncias

    - Taxa de incremento populacional- Taxa de urbanizao - Percentual de domiclios servidos por rede de gua- Percentual de domiclios servidos por rede de esgoto- Percentual de domiclios servidos por coleta de lixo.

    Nvel de criticidade de gesto

    1. No comprometida ou com baixo potencial de comprometimento2. No comprometida com mdio potencial de comprometimento3. No comprometida com alto potencial de comprometimento4. Moderadamente comprometida5. Altamente comprometida6. Altamente comprometida em processo de reconverso

    Tabela 1: Indicadores utilizados no Macrodiagnstico da Zona Costeira de 1996 para a definio dos ndices de criticidade de gesto dos municpios costeiros do Brasil (MMA, 1996)

    Figura 2: ndice de criticidade gesto dos municpios da regio Norte (MMA, 1996).

    Figura 3: ndice de criticidade gesto dos municpios de parte da regio Nordeste (MMA, 1996).

  • 215 Macrodiagnstico da Zona Costeira e Marinha do BrasilGesto Costeira

    Figura 4: ndice de criticidade gesto dos municpios de parte da regio Nordeste (MMA, 1996). Figura 6: ndice de criticidade gesto dos municpios de parte da regio Sul (MMA, 1996).

    Figura 5: ndice de criticidade gesto dos municpios de parte da regio Sudeste (MMA, 1996).

    A anlise desses resultados apontou para a tendncia predominante de conflito real ou potencial entre as estratgias que visam proteo ou sustentabilidade e aqueles processos notoriamente espontneos de ocupao e explorao que definiram os tipos de uso hoje predominantes na zona costeira.

    Como sistematizao dessa anlise, o Macrodiagnstico de 1996 apontou algumas recomendaes que deveriam ser incorporadas a polticas, planos e programas desenvolvidos no mbito dos governos federal e estadual e pelos diversos atores e segmentos atuantes na gesto dos ambientes costeiros e marinhos ao longo dos ltimos anos. So elas:

    1. a diversidade fsico-bitica e a fragilidade intrnseca dos ecossistemas requerem a extenso dos mecanismos legais de proteo ambiental, especialmente para reas de alta relevncia ecolgica e submetidas a vetores de ocupao e explorao;

    2. fundamental apoiar os municpios a fim de que implantem localmente seus respectivos planos de gesto ambiental e apliquem a normatizaco disponvel na Unio e nos estados;

    3. fundamental que a gesto ambiental da Unio internalize as prticas de planejamento estratgico, isto , que seja capaz de incluir anlises de tendncias e cenrios e definir metas de longo prazo na formulao de seus planos de gesto para a zona costeira do Pas;

    4. necessrio concentrar esforos visando realizao do zoneamento ecolgico-econmico para toda a zona costeira brasileira.

  • 2 Cartas de Gesto Costeira Instrumentos e Aes de Gesto

    As Cartas de Gesto Costeira tm como objetivo demonstrar, de forma espacializada, o panorama direto ou indireto do conjunto de polticas e aes do Governo Federal, articulado com estados e municpios, voltados promoo do ordenamento do territrio. Ressalta-se que esse conjunto no perpassa todas as iniciativas governamentais, uma vez que estas do nfase apenas s temticas ambientais mais consolidadas e de ordenamento territorial.

    Na Tabela 2, encontram-se resumidos os principais aspectos de cada ao ou iniciativa utilizada neste mapeamento, alm das demais informaes que compem as Cartas de Gesto Costeira.

    Tabela 2: Resumo das principais aes e iniciativas do Governo Federal no que diz respeito gesto costeira no Brasil

    Ao / Iniciativa Resumo

    Projeto Orla O Projeto de Gesto Integrada da Orla Martima Projeto Orla se constitui em uma ao conjunta entre o Ministrio do Meio Ambiente e o Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto, no mbito da sua Secretaria do Patrimnio da Unio (SPU/MP), e est voltado ao ordenamento dos espaos litorneos sob domnio da Unio, aproximando as polticas ambiental e patrimonial, com ampla articulao entre as trs esferas de governo e a sociedade.

    Agenda 21 A Agenda 21 um plano de ao para ser adotado global, nacional e localmente, por organizaes do sistema das Naes Unidas, governos e pela sociedade civil. Constitui-se na mais abrangente tentativa j realizada de orientar em direo a um novo padro de desenvolvimento para o sculo XXI, cujo alicerce a sinergia da sustentabilidade ambiental, social e econmica, perpassando em todas as suas aes propostas. Alm do documento em si, a Agenda 21 um processo de planejamento participativo que resulta na anlise da situao atual de um pas, estado, municpio, regio, setor e planeja o futuro de forma sustentvel.

    Planos Diretores Municipais Os Planos Diretores estabelecem diretrizes para a ocupao do municpio, com base em caractersticas fsicas, atividades predominantes, vocaes, problemas e potencialidades. Dessa forma, as prefeituras, em conjunto com a sociedade, buscam direcionar a forma de crescimento, conforme uma viso de cidade coletivamente construda e tendo como princpios uma melhor qualidade de vida e a preservao dos recursos naturais. Os Planos devem expressar um pacto firmado entre a sociedade e os poderes Executivo e Legislativo.

    Conselhos Municipais de Meio Ambiente CMMA

    Os Conselhos Municipais de Meio Ambiente so uma instncia criada na esfera local. Sua atuao est focada no(a): 1) proposio e acompanhamento da poltica ambiental do municpio; 2) promoo da educao ambiental; 3) proposio de normas legais, bem como na adequao e regulamentao de leis, padres e normas municipais, estaduais e federais; 4) aproximao das polticas estaduais ou federais que tenham impactos sobre o municpio; 5) controle e participao da sociedade no que diz respeito degradao ambiental, sugerindo Prefeitura as providncias cabveis. Deve-se salientar que os Conselhos no tm a funo de criar leis e nem exercem diretamente aes de fiscalizao.

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  • 217 Macrodiagnstico da Zona Costeira e Marinha do BrasilGesto Costeira

    Em uma anlise da relao entre essas iniciativas e as recomendaes constantes na primeira verso do Macrodiagnstico, possvel verificar que os instrumentos de gesto desenvolvidos entre 1996 e 2006 trouxeram alguns avanos, por exemplo, no que diz respeito extenso dos mecanismos legais de proteo ambiental, com a implementao do Sistema Nacional de Unidades de Conservao SNUC, em 2000.

    Alm disso, cabe ressaltar a recomendao de que fundamental apoiar os municpios a fim que implantem localmente seus respectivos planos de gesto ambiental, e apliquem a normatizaco disponvel na Unio e nos estados. Nesse sentido, Projeto ORLA, Agenda 21, Planos Diretores e os Conselhos Municipais de Meio Ambiente constituem-se em instrumentos que, mesmo com finalidade distinta, cumprem o papel de apoio aos municpios.

    Zoneamento Ecolgico- Econmico Costeiro ZEEC

    O Zoneamento Ecolgico-Econmico Costeiro ZEEC um instrumento que orienta o processo de ordenamento territorial, necessrio para a obteno das condies de sustentabilidade do desenvolvimento da zona costeira, em consonncia com as diretrizes do Zoneamento Ecolgico-Econmico do territrio nacional, como mecanismo de apoio s aes de monitoramento, licenciamento, fiscalizao e gesto.Nas Cartas de Gesto Costeira, esto mapeados os Setores Costeiros3 onde o ZEEC j foi implementado e aqueles que, at a publicao deste documento, ainda no haviam finalizado o processo de elaborao do ZEEC, ou at mesmo no o haviam iniciado.

    reas de Excluso Temporria de leo e Gs

    So reas de excluso temporria para as atividades de levantamento de dados ssmicos, perfurao de poos petrolferos e instalao de dutos, levando em considerao os impactos potenciais dessas atividades sobre o perodo reprodutivo das principais espcies marinhas ameaadas de extino e outros ativos ambientais relevantes.

    Unidades de Conservao As unidades de conservao (UC), um tipo especial de rea protegida, so espaos territoriais com caractersticas naturais relevantes, legalmente institudos pelo Poder Pblico, com objetivos de conservao e de limites definidos, sob regime especial de administrao, s quais se aplicam garantias adequadas de proteo. As Unidades de Conservao brasileiras esto sob o contexto do Sistema Nacional de Unidades de Conservao da Natureza SNUC, que constitudo pelo conjunto das unidades de conservao federais, estaduais e municipais e divide-se em dois grupos, com caractersticas especficas: I Unidades de Proteo Integral; II Unidades de Uso Sustentvel. Nas Cartas de Gesto Costeira, esto mapeadas todas as Unidades de Conservao federais e tambm aquelas estaduais j inseridas no cadastro de UCs do Ministrio do Meio Ambiente. Alm disso, todas as Terras Indgenas esto mapeadas, permitindo uma anlise espacial e de sobreposio dessas reas s UCs.

    Mapeamento da Sensibilidade do Litoral ao leo

    A sensibilidade ambiental do litoral ao leo definida por um ndice de Sensibilidade do Litoral ISL, estabelecido com base no conhecimento das caractersticas geomorfolgicas da costa, considerando o tipo de substrato, a declividade do litoral e o grau de exposio energia de ondas e mars. Os ISL variam de 1 a 10, respectivamente, do segmento da linha de costa menos ao mais sensvel ao leo. O mapeamento se d em trs escalas que visam otimizar as aes de planejamento e resposta: a) Operacional (1:50.000); b) Ttica (1:150.000); e Estratgica (1:650.000). No caso dessa ltima, os valores dos ISL so simplificados em trs nveis: 1 Baixa sensibilidade; 2 Mdia sensibilidade; 3 Alta sensibilidade. Essa simplificao foi adotada quando da elaborao das Cartas de Gesto Costeira deste Macrodiagnstico, como forma de compatibilizao de escalas.

    Estimativas Populacionais para os municpios brasileiros IBGE

    Esse dado foi inserido nas Cartas de Gesto Costeira como forma de identificar as tendncias da populao em cada municpio analisado e de dimensionar o grau de influncia dos mecanismos de resposta do governo por meio de suas aes e projetos.Esse dado do IBGE apresenta estimativas anuais de populao dos municpios brasileiros, com data de referncia para 1 de julho, para clculo das cotas do Fundo de Participao dos Estados e Municpios e para reas propostas para constituio de novos municpios e distritos, bem como dos municpios j existentes que alterem seus limites, em atendimento a dispositivos legais. Fornece, ainda, estimativas para expanso dos resultados das diversas pesquisas amostrais.

    Outras informaes utilizadas

    Estradas: Cartas ao milionsimo do IBGERede Hidrogrfica: Cartas ao milionsimo do IBGELimites geogrficos: Malha municipal do IBGE 2002Portos e terminais: ANTAq2 e Marinha do BrasilFerrovias: Cartas ao milionsimo do IBGECotas batimtricas: PETROBRAS/LEPLAC3 com ajustes feitos com utilizao de cartas nuticas da marinha pelo LAGET/UFRJ4.Aeroportos: Cartas ao milionsimo do IBGE, atualizado com dados da Infraero.

    3 Setores Costeiros so unidades de anlise que adotam uma compartimentao litornea (de cunho tradicional, socioeconmico, poltico ad-ministrativo e/ou fsico-natural) definida com base no conhecimento prtico das equipes estaduais de gerenciamento costeiro.

    4 Agncia Nacional de Transportes Aquavirios.

    5 Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira.

    6 Laboratrio de Gesto do Territrio, Universidade Federal do Rio de janeiro.

    Esturio descaracterizado por viveiros de camaro, Cear.

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  • 218Macrodiagnstico da Zona Costeira e Marinha do Brasil Gesto Costeira

    Agrega-se a esse cenrio o Programa Nacional do Meio Ambiente PNMAII, que, em sua segunda etapa (2000 2006), trabalhou com a temtica do Desenvolvimento Institucional e inseriu o subcomponente de Gerenciamento Costeiro em seu escopo, com objetivo de fortalecer a capacidade operativa do poder pblico para o ordenamento territorial e a gesto integrada da Zona Costeira.

    A implementao desses instrumentos trouxe uma conotao de planejamento estratgico, ou seja, incluiu anlises de tendncias e cenrios e definiu metas de mdio e longo prazo na formulao dos planos de gesto para a zona costeira do Pas em diferentes escalas, como preconizava a primeira verso do Macrodiagnstico, de 1996.

    A Tabela 3 indica a relao percentual entre os municpios e a existncia dos instrumentos de gesto aqui avaliados, considerado como base o ano de 2006. Pode-se observar que, nas regies Sul e Sudeste, os percentuais de municpios atendidos so maiores, exceo feita adoo da Agenda 21, quando a regio nordeste supera a regio sul.

    2.1 O mapeamento de sensibilidade do litoral brasileiro

    A flexibilizao do monoplio para explorao do petrleo e gs natural, aliada criao da Agncia Nacional do Petrleo em 1997, impulsionou as atividades de explorao e produo na plataforma continental brasileira, aumentando significativamente o risco de acidentes ambientais provocados pelos derramamentos de leo, os quais afetam outras atividades e usos no mar e em terra e demandam a tomada de decises imediatas sobre prioridades de proteo.

    Com a aprovao da Lei n 9.966, em 2000, foi atribuda ao rgo federal de meio ambiente a responsabilidade de identificar, localizar e definir limites das reas ecologicamente sensveis poluio por leo e outras substncias nocivas ou perigosas em guas sob jurisdio nacional.

    Nesse contexto, foi elaborada a normatizao para elaborao das Cartas de Sensibilidade Ambiental ao leo Cartas SAO que subsidiam o planejamento de contingncia nas escalas nacional, regional e local, desde o Plano Nacional de Contingncia PNC, passando pelos Planos de rea e alcanando os Planos de Emergncia Individuais de empreendimentos situados nas bacias petrolferas mapeadas.

    Estado Percentual do territrio com ZEEC finalizado7

    RS 45%SC 100%PR 100%SP 25%RJ 0%ES 83%BA 100%SE 0%AL 0%PE 70%PB 69%PI 100%CE 95%RN 83%MA 51%PA 20%AP 88%

    Tabela 4: Percentual do territrio dos estados costeiros com o ZEECC elaborado

    7 Esse percentual equivalente ao nmero de Municpios e no rea do territrio correspondente Zona Costeira de cada estado.

    Em relao ao Zoneamento Ecolgico Econmico Costeiro, as Cartas de Gesto Costeira demonstram o percentual do litoral brasileiro que j possui a base tcnica e instrumental para aplicao desse instrumento. Ressalta-se que a existncia do mapeamento das zonas de restries e potenciais no indica, necessariamente, a efetivao do ZEEC, o qual deve ser regulamentado por decreto estadual ou legislao equivalente (Tabela 4).

    Tabela 3: Relao percentual entre o nmero de municpios por regio e a existncia dos quatro instrumentos de gesto: Agenda 21, Conselho Municipal de Meio Ambiente, Projeto Orla e Plano Diretor Municipal

    Regio Agenda 21 CMMA Projeto ORLA Plano DiretorNorte 50% 18% 8% 13%Nordeste 71% 43% 10% 16%Sudeste 81% 66% 28% 40%Sul 68% 63% 20% 37%

    Catador de caranguejo, Tamandar, PE.

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  • 219 Macrodiagnstico da Zona Costeira e Marinha do BrasilGesto Costeira

    Figura 7: Mapeamento de sensibilidade ambiental da Bacia de Santos. Figura 8: Mapeamento de sensibilidade ambiental da Bacia Sergipe-Alagoas-Pernambuco-Paraba.

    8 O mapa de localizao das bacias sedimentares brasileiras pode ser observado no captulo de introduo desta publicao. O mapeamento das bacias do sul da Bahia e Esprito Santo encontravam-se em fase final de elaborao quando da publicao deste Atlas. J o mapeamento das bacias de Campos, Pelotas, Foz do Amazonas e Par-Maranho-Barreirinhas tem seu inicio previsto para 2009.

    A sensibilidade do litoral a derrames de leo classificada por ndices de sensibilidade ISL que variam de 1 (menor sensibilidade, i.e., costes rochosos lisos expostos ao de ondas) a 10 (maior sensibilidade, i.e., manguezais), sendo que, em funo de adequao da escala para esta publicao, esses ndices foram simplificados em: alto, mdio e baixo. As figuras 6, 7 e 8 ilustram esse mapeamento para as bacias sedimentares de Santos, Sergipe-Alagoas-Pernambuco-Paraba e Cear-Potiguar8.

  • 220Macrodiagnstico da Zona Costeira e Marinha do Brasil Gesto Costeira

    Cabe ressaltar que, alm de orientar a tomada de deciso quanto proteo dos ecossistemas costeiros marinhos e a salvaguarda da vida humana durante o combate e resposta a derrames de leo, as Cartas SAO compem a base de informaes oficiais para o planejamento e controle da explorao e produo de petrleo e gs, podendo subsidiar, ainda, o licenciamento ambiental do setor.

    nesse contexto de articulao com as outras polticas incidentes na Zona Costeira e Marinha que a gesto integrada vem sendo implementada desde 1988 no Brasil.

    3 Anlise da Gesto Integrada da Zona Costeira e Marinha do Brasil

    Diferente do modelo convencional de gesto, que se ocupa de atividades ou temas especficos, a gesto integrada busca superar a fragmentao inerente ao processo tradicional de gerenciamento setorial, bem como preencher as lacunas de jurisdio e competncia entre as diferentes esferas de governo e promover a integrao com os atores sociais que atuam numa determinada regio.

    Passados vinte anos da instituio da Lei n 7.661/1988, num perodo de rpida ocupao desordenada dos espaos costeiros, crescente explorao de seus recursos naturais e degradao de seus servios ecolgicos, ainda so pouco visveis sociedade brasileira os resultados alcanados com o processo de gesto costeira no Pas. Dentre os avanos mais recentes, destacam-se:

    o grande incremento na participao dos municpios litorneos, a partir de 2001, com a criao do Projeto de Gesto Integrada da Orla (Projeto Orla), com mais de 60 Planos de Gesto j elaborados, bem como o estreitamento dos laos com a Secretaria do Patrimnio da Unio para a conduo desses processos;

    a regulamentao da Lei do Gerenciamento Costeiro (Lei n 7.661/1988) atravs do Decreto n 5.300/2004;

    Figura 9: Mapeamento de sensibilidade ambiental da Bacia Cear-Potiguar.

    Trinta reis coberto de leo em centro de recuperao do IBAMA.

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  • os esforos de integrao entre a gesto da zona costeira e dos recursos hdricos, especialmente atravs de instncias de discusso especficas (i.e., Cmara Tcnica de Gesto Integrada de Bacias Hidrogrficas, Sistemas Estuarinos e Zona Costeira CTCOST), no mbito do Conselho Nacional de Recursos Hdricos CNRH, a partir de 2005, com proposta de integrao territorial, instrumental e institucional da gesto dos dois sistemas;

    a Agenda Ambiental Porturia e seus desdobramentos, como o Programa Nacional de Capacitao Ambiental Porturia, que atua no desenvolvimento de agendas locais visando insero da varivel ambiental na gesto porturia, estimulando o aprimoramento de mecanismos especficos de gerenciamento ambiental para o setor e o fortalecimento da interface porto-cidades;

    a continuidade no fortalecimento e desenvolvimento institucional das coordenaes estaduais de gerenciamento costeiro, mediante o suporte gerencial, tcnico e financeiro de projetos especficos;

    a intensa participao brasileira em fruns internacionais relativos gesto costeira e marinha.

    Deve-se ressaltar que alguns dos principais instrumentos previstos pela Poltica Nacional de Gerenciamento Costeiro, como os Planos Estaduais e seus Zoneamentos, encontram-se em diferentes fases de desenvolvimento. No que diz respeito aos instrumentos de monitoramento e relatrios de qualidade ambiental, constata-se que estes ainda esto em fase embrionria, sendo que as metodologias para sua elaborao e implementao ainda carecem de padronizao e diretrizes mais claras.

    No entanto, configura-se um cenrio em que a gesto da informao em todos os nveis e por meio de diferentes iniciativas, como o Projeto ORLA, o REVIZEE9, Mapeamento de Sensibilidade ao leo e o prprio ZEEC, pode contribuir em curto e mdio prazo para a definio de indicadores de qualidade ambiental e de gesto e implementao de um programa de monitoramento da Zona Costeira e Marinha.

    A causa da maioria desses entraves relaciona-se com a dificuldade de aplicao de alguns conceitos em nossa sociedade nos estgios iniciais de um longo processo de transio rumo a um modelo mais sustentvel, porm, so extremamente necessrios aos processos de gesto integrada. Esses conceitos relacionam-se com a premissa bsica da gesto integrada imbudas na regulamentao da Lei do Gerenciamento Costeiro: a conduo descentralizada e participativa dos processos de gesto, a qual pode ser potencializada pela implementao do Projeto ORLA atrelado aos esforos para elaborao dos Planos Diretores e da Agenda 21 que permitam traar cenrios mais abrangentes.

    9 O Programa de Avaliao do Potencial Sustentvel de Recursos Vivos na Zona Econmica Exclusiva.

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  • Apesar da existncia de instncias de participao da sociedade civil na elaborao e no acompanhamento dos instrumentos de gesto costeira, observa-se que esta ainda limitada, uma vez que a divulgao desses espaos e da sua importncia no ordenamento dos usos e formas de ocupao da zona costeira ainda insuficiente para despertar um maior interesse da sociedade civil. Esse carter refora a importncia de ampliar os espaos de iniciativas como a Agenda 21 e os Conselhos Municipais de Meio Ambiente, agilizando as discusses e proposies emanadas, por exemplo, dos Planos de Gesto Integrada da Orla.

    Pode-se considerar que, mesmo adotados em perodo relativamente recente, os processos socioparticipativos tm se fortalecido e mostram-se, em sua quase totalidade, desejavelmente irreversveis como forma de delinear aes que conduzam consolidao de cenrios de sustentabilidade mais fidedignos.

    A participao da sociedade nos Conselhos Nacionais, na elaborao/reviso dos Planos Diretores, nos Conselhos Estaduais e Municipais de Meio Ambiente, na elaborao das Agendas 21, dos Planos de Gesto Integrada da Orla e nos Planos de Manejo de Unidades de Conservao, por exemplo, so indicadores do aumento da permeabilidade da idia de que transformaes a partir da vontade coletiva so possveis e necessrias. Trata-se de indicativos claros de prticas que tornem as polticas, entre elas as de gesto integrada da nossa costa, mais perenes e afinadas com demandas necessrias ao cumprimento de metas de crescimento sem perdas ambientais, com aplicao de recursos em setores especficos da economia sem excluso de ganhos sociais e aproveitamento da oferta de servios ambientais sem onerar os sistemas de produo.

    Nesse sentido, cabe salientar que o governo federal ainda tem papel preponderante na conduo desses processos, at que o modelo integrado de gesto seja uma prtica e no uma exceo em nossa sociedade e at que os mecanismos que garantem a sustentabilidade estejam to arraigados em nossa cultura poltica, social e econmica, que a devida prioridade seja dada pelos gestores pblicos em relao aos processos de gesto integrada e seus instrumentos.

    Em linhas gerais, o presente Macrodiagnstico da Zona Costeira e Marinha no s atualiza informaes levantadas na dcada passada, como incorpora novas abordagens associadas ao saneamento bsico, indstria do petrleo, aos processos erosivos e oceanogrficos, ao risco tecnolgico, biodiversidade, alm de apresentar um mapa de como se distribuem as iniciativas para o compartilhamento da gesto ambiental/territorial numa perspectiva em escala municipal e de maior envolvimento da sociedade.

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  • 223 Macrodiagnstico da Zona Costeira e Marinha do BrasilGesto Costeira

    Ao se tomar como referncia o diagnstico anterior e suas recomendaes, pode-se perceber um avano significativo na elaborao de instrumentos como o Zoneamento Ecolgico Econmico Costeiro nos estados que, independentemente de terem sido conduzidos por iniciativas locais ou por fomento oriundo de planos e programas federais, refletem uma diretriz tcnico-poltica e uma viso de rede ou sistema ento adotadas para o gerenciamento costeiro.

    Por outro lado, as prprias transformaes no territrio, explcitas nas 96 cartas deste documento, revelam que os instrumentos de planejamento de que dispnhamos na dcada de 1990 no foram capazes, em sua plenitude, de incorporar a mecnica do crescimento em todas as suas vertentes e, por conseqncia, a mecnica dos impactos associados.

    Esse aspecto uma manifestao clara dos efeitos da transferncia do foco de planejamento territorial para o setorial, que induziu sobreposio dos mecanismos e instrumentos de comando e controle aos de planejamento de uso e ocupao da Zona Costeira.

    Os aspectos legais, assim como o controle social, tambm devem ser levados em considerao. A Lei n 7.661/1988, regulamentada em dezembro de 2004 pelo Decreto n 5.300, trouxe, alm do detalhamento instrumental, complementaridades aos mecanismos de conduo poltica da gesto costeira, dando mais ateno a integrao com outras polticas como a de gesto de recursos hdricos e escala municipal (recomendao do Macrodiagnstico de 1996).

    Nesse ltimo aspecto, sem substituir os Planos Municipais de Gerenciamento Costeiro (previstos no PNGC), o Projeto ORLA ganha destaque como forma de alcanar essa esfera de planejamento e execuo, alimentando-se da base de informaes e do instrumental desenvolvidos nas escalas estadual e federal, e abrindo possibilidades para uma prtica ainda incipiente no gerenciamento costeiro, a participao social.

    Se a criticidade para gesto da Zona Costeira apresentada h cerca de 10 anos mostrava reas altamente comprometidas e reas comprometidas, mas em processo de reconverso distribudas principalmente na costa sudeste (sobretudo nos litorais capixaba, fluminense e paulista), em algumas reas do sul e nas principais regies metropolitanas do nordeste e norte (com destaque para Salvador, Recife, Natal, Fortaleza, So Lus e Belm) , a viso atual mais completa em termos de informao mostra que infelizmente esse quadro se expande para novas fronteiras de ocupao litornea.

    Por outro lado, a anlise de 1996 no permitia ainda vislumbrar o alcance das respostas para gesto, apenas indicar as demandas. Aqui reside o diferencial dos dois diagnsticos: maior volume de informaes e um perfil quantitativo espacialmente registrado de aes importantes para o gerenciamento costeiro (listadas na Tabela 1), muitas delas inexistentes na dcada de 90, e que alcanam reas como o extremo norte e o extremo sul do Pas, permitindo hoje a tomada de decises polticas mais ajustadas realidade dessa poro do territrio, o realinhamento de planos, programas e de investimentos.

    Este documento amplia, dessa forma, as condies para anlises estruturalmente mais aprofundadas da poltica nacional e de suas articulaes, reafirmando a necessidade de fortalecimento tcnico-institucional das esferas estadual e municipal como um esforo continuado e abrindo a discusso para leituras qualitativas dos mecanismos de participao social nas instncias decisrias no contexto da gesto costeira.

    Por fim, constitui-se em um subsdio importante para a complementao dos demais instrumentos previstos no PNGC, como o monitoramento e os relatrios de qualidade ambiental, especialmente quando se sobrepem ao cenrio exposto, efeitos no totalmente previsveis do crescimento descontrolado de determinados setores, das mudanas do clima, da dinmica populacional e das ofertas dos servios pblicos necessrios manuteno e ao bom aproveitamento dos recursos socioambientais da Zona Costeira e Marinha do Brasil.

  • Foto: Fabiano Peppes.

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