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GEOMORFOLOGIA AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO PARA O USO E OCUPAÇÃO DO ESPAÇO URBANO, BOA VISTA RR 1 Marcos de Lima Gomes UFRR – Graduando Geografia e-mail: [email protected] Silvia Ribeiro Silva Farizel UFRR – Graduanda Geografia e-mail: [email protected] Antônio Carlos Ribeiro Araújo Júnior UFRR Professor do Departamento de Geografia e-mail: [email protected] INTRODUÇÃO Ocupar espaços que melhor favoreçam a alimentação, o deslocamento e a proteção sempre fizeram parte da lógica social e o reduto por excelência dotado destes elementos cada vez mais é o espaço urbano. O último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010) mostrou que 84% da população brasileira é urbana, demonstrando que as formas de uso e ocupação são concentradoras. O uso e a ocupação do solo urbano, no entanto, com altas taxas de crescimento, aumentam a demanda pelo "morar", o que acaba por encarecer lotes e residências em áreas com melhor infraestrutura (ruas asfaltadas, energia elétrica, esgoto etc), inviabilizando a ocupação por famílias de baixa renda, acabando por levá-las a ocupar áreas com infraestrutura inferior ou sem nenhuma infraestrutura. Nos últimos 30 anos a cidade de Boa Vista, capital do estado de Roraima teve seu crescimento populacional concentrado e ampliado em mais de 400% passando de uma população de cerca de 60 mil pessoas para mais de 290 mil. As áreas mais valorizadas para a ocupação são tradicionalmente as próximas ao centro da cidade, devido concentrarem grande quantidade de serviços como escolas, serviço de correios, hospitais etc. Para tanto, o esgotamento destas áreas para consumo a 1 Trabalho desenvolvido no âmbito do Laboratório de Análise e Planejamento da Paisagem Amazônica LAPPAM do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Roraima, constando resultados preliminares.

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GEOMORFOLOGIA AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO PARA O USO E

OCUPAÇÃO DO ESPAÇO URBANO, BOA VISTA – RR1

Marcos de Lima Gomes

UFRR – Graduando Geografia

e-mail: [email protected]

Silvia Ribeiro Silva Farizel

UFRR – Graduanda Geografia

e-mail: [email protected]

Antônio Carlos Ribeiro Araújo Júnior

UFRR – Professor do Departamento de Geografia

e-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO

Ocupar espaços que melhor favoreçam a alimentação, o deslocamento e a proteção

sempre fizeram parte da lógica social e o reduto por excelência dotado destes elementos

cada vez mais é o espaço urbano. O último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE, 2010) mostrou que 84% da população brasileira é urbana,

demonstrando que as formas de uso e ocupação são concentradoras.

O uso e a ocupação do solo urbano, no entanto, com altas taxas de crescimento,

aumentam a demanda pelo "morar", o que acaba por encarecer lotes e residências em

áreas com melhor infraestrutura (ruas asfaltadas, energia elétrica, esgoto etc),

inviabilizando a ocupação por famílias de baixa renda, acabando por levá-las a ocupar

áreas com infraestrutura inferior ou sem nenhuma infraestrutura.

Nos últimos 30 anos a cidade de Boa Vista, capital do estado de Roraima teve seu

crescimento populacional concentrado e ampliado em mais de 400% passando de uma

população de cerca de 60 mil pessoas para mais de 290 mil.

As áreas mais valorizadas para a ocupação são tradicionalmente as próximas ao

centro da cidade, devido concentrarem grande quantidade de serviços como escolas,

serviço de correios, hospitais etc. Para tanto, o esgotamento destas áreas para consumo a

1 Trabalho desenvolvido no âmbito do Laboratório de Análise e Planejamento da Paisagem Amazônica –

LAPPAM do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Roraima, constando resultados

preliminares.

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preços acessíveis faz com que áreas afastadas do centro sejam ocupadas, não

representando, todavia, segurança social (acesso a serviços) ou natural (risco à doenças

de propagação hídrica ou associadas, bem como risco à inundação).

A Zona Oeste de Boa Vista tem expressivo papel para se entender os processos de

uso e ocupação por meio da área localizada nas imediações da usina de asfalto da cidade

e lagoa de estabilização da Companhia de Água e Esgoto (CAER), a qual é conhecida

popularmente como bairro São Bento (figura 1).

Figura 1: Mapa de localização da área de estudo (Bacia Hidrográfica do Grande – Boa Vista -RR.

Fonte: Fonte: Base cartográfica IBGE 2011, adaptado Maia, V. V. 2016.

Os processos que desencadearam a estruturação espontânea e planejada deste

espaço trazem como objetivo do trabalho analisar como a gênese e transformação de

formas do relevo estão associadas ao uso e ocupação do espaço urbano na cidade de Boa

Vista - RR, visto que o bairro São Bento será tomado como exemplificação de processos

similares ocorrentes em outras áreas da cidade.

Para alcançar este objetivo foi utilizado referencial teórico pautado na

Geomorfologia Ambiental, a qual considera as ações cumulativas da sociedade como

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inerentes do processo de ocupação espacial, fazendo-se necessário para isso planejar

ações que sejam coerentes do ponto de vista social e físico.

MATERIAIS E MÉTODOS

Para o desenvolvimento da pesquisa foram necessários (i) levantamento

bibliográfico, documental e cartográfico, e (ii) trabalho prático de campo. Para

embasamento teórico foram feitas consultas a referencias geomorfológicas que

auxiliaram no trabalho prático de campo, para fundamentação dos processos de gênese e

transformação do relevo, bem como de uso e ocupação do solo em área urbana.

O trabalho de campo possibilitou o levantamento e caracterização fisiográfica da

área de estudo, coleta de pontos com o Sistema de Posicionamento Global (GPS) modelo

Garmim Etrex 30 que foram primordiais para identificação de possíveis riscos ambientais

relacionados ao uso e ocupação da área, além do registro fotográfico que auxiliou na

elaboração dos croquis. Quanto à observação (sistemática), medição e caracterização do

perfil de resíduos sólidos fez-se necessário a utilização de fita métrica, enxada e picareta.

CONTEXTO DE OCUPAÇÃO DO BAIRRO SÃO BENTO

O bairro São Bento, na zona oeste do município de Boa Vista, a margem direita

da BR-174, no sentido Manaus/AM, está situado na Bacia Hidrográfica do Grande,

próximo a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), a Usina de Asfalto e a área do antigo

lixão.

O bairro São Bento, Segundo Nistal (2014), originou-se por meio da fazenda

Auizinho, a qual pertencia à diocese de Boa Vista, tornando-se sede de atividades sociais

da igreja junto à população indígena, e no decorrer do tempo passou a ser ocupada pelo

poder municipal por meio da implantação da lagoa de tratamento de esgoto, da usina de

asfalto e do lixão, ficando assim, as atividades sociais reduzidas e o local abandonado,

tornando-se sítio de atividades ilícitas, tais como abuso sexual, uso de drogas,

assassinatos e outros.

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Diante da possibilidade da perda da posse das terras, a diocese de Roraima procura

um acordo com uma imobiliária local, com intuito de lotear e vender a área. Assim, foram

abertas ruas paralelas e perpendiculares ao sentindo longitudinal da lagoa de tratamento

de esgoto, sendo a área entre a lagoa e BR-174, preservada para futura expansão.

Após a abertura das ruas, a diocese deixa de cumprir o acordo e diante desse

acontecimento, Souza (2008) diz que a imobiliária Potiguar procura um grupo de pessoas

para invadir uma pequena porção da área, ficando a porção maior para sua especulação,

porém, segundo Nistal (2014) a situação sai do controle e a ocupação irregular é feita por

um grupo bem acima do que era esperado, sendo a ocupação feita em toda a área, inclusive

a pretendida para a especulação (informação verbal, entrevistado 1).

No uso e ocupação durante a criação do bairro São Bento foi observada a atuação

de alguns agentes produtores do espaço urbano como caracterizados por Corrêa (1995),

sendo o principal o agente imobiliário, representado aqui pela imobiliária Potiguar, a

qual segundo Nistal (2014), foi procurada pelo proprietário fundiário “Diocese de Boa

Vista”, provavelmente preocupada com a perda da posse das terras e de não obtenção de

renda fundiária, previamente acordada com a mesma para o loteamento da área. No

entanto, tal acordo não foi concretizado pela Diocese, o que levou a imobiliária a induzir

grupos sociais excluídos a ocupar de forma irregular a área pretendida para loteamento.

Nistal (2014) aponta que em meados de 2002, um grupo de pessoas tentou invadir

o local, porém sem sucesso. Em 13 de janeiro de 2005, a área é novamente ocupada e

dessa ocupação origina-se o primeiro nome da localidade; “Brigadeiro”, sendo

reconhecida por meio do Decreto no 6.837-E de 26 de dezembro de 2005 (RORAIMA,

2005) e declarada de utilidade pública para fins de desapropriação. Em 26 de janeiro de

2005, houve uma proposta por parte do governo estadual, com o intuito de compra das

terras da Diocese para doar àqueles que não tinham casa própria.

Após a transformação em Área Especial de Interesse Social – AEIS, por meio do

Plano Diretor Municipal, Lei no 943, de 28 de novembro de 2006 (BOA VISTA, 2006, p.

22), é então criado o Bairro São Bento, em homenagem aos Beneditinos.

Uma AEIS é o instrumento de política urbana que permite que o Poder Público dê

tratamento diferenciado a uma determinada área, em geral, ocupada de forma irregular,

favela, ou loteamento habitacional de baixa renda, cabendo ao município, providenciar a

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regularização urbanística e fundiária, dos assentamentos precários, conjuntos

habitacionais e loteamentos irregulares, localizados em áreas adequadas à moradia,

mediante a utilização dos instrumentos urbanísticos próprios.

No caso especifico do bairro São Bento a ocupação foi feita de forma

desorganizada, como geralmente são feitas em primeiro momento, sendo reconhecida a

efetividade da função social do solo urbano e, consequentemente legitima a ocupação

inicialmente irregular.

Após várias tentativas de reintegração de posse o espaço começa a ser moldado,

dando origem ao Bairro São Bento. Inicialmente foram compostas por 499 casas de

alvenaria e 1.475 de madeira (NISTAL, 2014, p. 52), construídas pelos ocupantes. No

momento o espaço ocupado compreende em poucas áreas de infraestrutura, com

deficiência de equipamentos urbanos e somente uma área de lazer pública: uma praça em

mau estado de conservação.

Ainda segundo Nistal (2014), a consolidação do bairro São Bento ocorreu por

meio das normas e atos do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC-I) relativos a

habitação social na cidade de Boa Vista, de acordo com análise documental dos atos do

Governo de Roraima e da Prefeitura Municipal de Boa Vista.

TRANSFORMAÇÃO DO RELEVO, USO E OCUPAÇÃO DO ESPAÇO:

ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS

Para o entendimento dos processos geomorfológicos e ambientais na superfície

terrestre, bem como sua gênese e transformação é necessário considerar a inter-relação

do homem com a natureza, uma vez que a intervenção antrópica é vista como a principal

figura da transformação do relevo.

Quanto aos fatores de formação e transformação do relevo Ross (2010) ressalta

que as formas diferenciadas do relevo decorrem da atuação simultânea, porém, desigual

das atividades climáticas (exógenas) e da estrutura da litosfera (endógenas), evidenciando

que tanto o clima quanto a estrutura não se comportam de maneira equivalente.

Nesse contexto, no que se refere às formas antrópicas tais como: cortes em

vertentes, aterro e depósitos atuais Ross (1992) destaca as formas de relevo que são

geradas a partir dos processos erosivos atuais e principalmente indução antrópica.

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Portanto, a ação humana no ambiente natural gera desequilíbrio, tornando o ambiente

instável do ponto de vista morfodinâmico.

Partindo da ideia de que o homem é o principal agente modelador da superfície

terrestre, a geomorfologia ambiental é uma área da ciência geomorfológica direcionada

para o planejamento do uso e manejo da superfície terrestre, a fim de servir como

ferramenta para zoneamento do espaço físico. Desta forma, o homem ao apropriar-se de

uma determinada área da superfície terrestre saberia utilizá-la de forma adequada os

recursos naturais existentes.

Estudos anteriores como projeto RADAMBRASIL que abarcam os arcabouços

geológicos e geomorfológicos do estado de Roraima destacam que Boa Vista, está

inserida na unidade morfoestrutural Pediplano Rio Branco – Rio Negro, apresentando

superfícies de aplainamento com áreas conservadas e dissecadas (Franco et al. 1975). A

litologia empregada nessa região conforme Montalvão et al. (1975) é constituída por

sedimentos inconsolidados, arenosos, com cimento argiloso e intercalações de níveis

conglomeráticos.

Recentemente sob novas denominações, pesquisas realizadas por IBGE (2005),

Boa Vista está situada nos domínios morfoestruturais representados por bacias

sedimentares e coberturas inconsolidadas. Geomorfologicamente, as áreas aplainadas que

pertencem ao Pediplano Rio Branco – Rio Negro foram formadas a partir dos processos

acumulativos nas áreas mais baixas, decorrente da dissecação dos relevos residuais que

se encontram nessa unidade morfoestrutural e que dão origem a várias bacias

hidrográficas de áreas baixas.

A zona oeste de Boa Vista é constituída por um arranjo hidrográfico com

altimetria que varia de 60-80 metros, abarcando a Bacia Hidrográfica do Grande (BHG),

a segunda maior bacia hidrográfica da cidade de Boa Vista, além de outros cursos d’água

importantes como igarapé Paca (um de seus principais afluentes) e que devido à expansão

urbana boa parte desse arranjo é alterado ambientalmente.

O bairro São Bento situa-se na BHG, a qual possui superfícies de origem

antropogênicas (resíduos sólidos) tornando a área um ambiente instável para uso e

ocupação humana (figura 2).

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Figura 2 – Ocupação. (A) Residência sobreposta à ambiente instável. (B) Ocupação em meio a resíduos

sólidos.

Fonte: Autores (2016).

Desta forma, surgem as definições de depósitos tecnogênicos, que segundo

Casseti (2005) são aqueles correspondentes aos processos antropogênicos atuais ou

subatuais, ou seja, produzidos pela ação do homem, quando da apropriação do relevo,

isso devido às transformações na escala do tempo histórico, principalmente em função do

crescimento demográfico e da expansão urbana.

De modo geral, pode-se classificar os depósitos tecnogênicos em construídos e

induzidos: construídos, diretos ou imediatos, são aqueles que resultam diretamente da

ação antropogênica, ou seja, representam o material que não tem mais utilidade, as

barragens diversas, os cortes e aterros, os depósitos de resíduos sólidos, dentre outros. Os

induzidos, indiretos ou mediatos, somente são atribuídos à efetuação humana, resultando

de atividades ligadas ao uso do solo que alteram a cobertura vegetal e induzem os

processos erosivos (OLIVEIRA, 1995).

Associado aos depósitos tecnogênicos está o uso do solo, termo utilizado para

designar as formas de ocupação humana na superfície terrestre (CARLOS, 2001). E a

ocupação de solo urbano são as relações sociais, econômicas e aquisição de moradias

fragmentadas pela especulação imobiliária, segregação espacial e ocupação irregular até

mesmo em áreas de antigo depósito de resíduos sólidos (lixões).

A partir do momento em que a ocupação antrópica ocorre em áreas com

condicionantes irregulares e inadequadas ao seu uso, a vulnerabilidade, ou seja, o grau de

perda para um dado elemento, grupo ou comunidade dentro de uma determinada área

passível de ser afetada por um fenômeno ou processo se faz presente.

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Com a vulnerabilidade, a área fica exposta a suscetibilidade que é a indicação da

potencialidade de ocorrência de processos naturais e induzidos, que se expressam

segundo classes de probabilidade de ocorrência, conferindo à mesma uma designação de

área irregular propicia aos riscos que a esse tipo de ocupação são inerentes.

Diante desse processo de vulnerabilidade, encontra-se no Bairro São Bento uma

área suscetível ao risco, que para Veyret (2007) é a percepção do perigo, da catástrofe

possível, que é visto como a tradução de uma ameaça, de um perigo ao qual o sujeito está

exposto caracterizando assim, a área como uma ocupação irregular.

Segundo relatos de moradores, a área de estudo foi utilizada como depósito de

compostagem de resíduos sólidos, após modificação da sua formação original, qual seja,

material laterítico (piçarra), o qual foi removido para a compactação de estradas na cidade

de Boa Vista, sendo desativada em 2002. (Figuras 3).

O local de habitação, oriundo da compactação dos resíduos sólidos, existe uma

“desestrutura” no terreno, com diversas moradias do tipo madeira, alvenaria e mista, as

quais estão suscetíveis ao perigo, ou seja, estão em uma área passível de ser atingidas por

fenômenos naturais e/ou induzidos que causem efeito adverso, (Instituto de Pesquisas

Figura 3 – Arruamento do bairro São Bento. (A) e (B) Corte de rua em cima do antigo lixão.

Fonte: Autores (2016).

A B

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Tecnológicas, IPT),sendo considerada uma área de risco, pois expõe os moradores à

danos físicos, materiais e patrimoniais, inerentes a essas áreas de habitação de baixa

renda.

Com relação a deslizamentos, a figura 4, que segundo Brasil (2007), poderá

ocorrer sob a influência de condicionantes naturais, antrópicos ou ambos, nota-se sua

possibilidade, onde na área de estudo o agente antrópico, é o principal fator de atuação

por meio da remoção da cobertura vegetal, lançamento e concentração de águas pluviais

e/ou servidas, vazamento na rede de água e esgoto, presença de fossas, execução

deficiente de aterros (compactação, geometria, fundação).

Os impactos deste modelo de ocupação são observados em áreas consideradas

inadequadas para moradia como Áreas de Proteção Permanente (APPs), o que pode

ocasionar desastres, que de acordo com Maffra; Mazzola (2006), são provocados por

enchentes, seca, erosão e os escorregamentos ou deslizamentos de terra, geralmente em

virtude da degradação de áreas frágeis como os antigos depósitos de resíduos sólidos e a

ocupação irregular.

O fator que determina essa área como uma área de risco é dado pela Portaria

Ministerial nº 140, em 5 de março de 2010, devido a mesma apresentar risco geológico e

de insalubridade, como, erosão, solapamento, inundação, taludes, barrancos, áreas

declivosas, encostas sujeitas a desmoronamento, lixões e áreas contaminadas ou poluídas.

Defesa Civil (BRASIL, 2010).

Figura 4 – Risco de deslizamento. (A) Corte de rua sobre o antigo lixão. (B) Moradia instalada em

encosta.

Fonte: Autores (2016).

A B

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Segundo a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA, 2000), durante o

funcionamento do lixão estima-se que tenha sido depositado na área um total equivalente

a 481.680.000 kg de resíduos gerando, assim, uma superfície de origem antropogênica.

A grande demanda por espaços nas cidades, e a consequente falta de

planejamento e organização para novas ocupações por parte do poder público municipal,

justifica a premente necessidade por estudos de cunho geomorfológico (GIRÃO;

CORRÊA, 2004, p. 45).

O processo de uso do solo urbano é mutável, dependendo de necessidades e

interesses do poder público, da sociedade e de agentes privados. O Bairro São Bento, vem

denotar que as alterações em sua geomorfologia, possibilitaram, mesmo que

precariamente, sua ocupação, a qual também esteve associada a interesses de agentes

produtores do espaço.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O uso do solo e a ocupação urbana do atual bairro São Bento, está associado a

fatores sociais e físicos, os quais considerados em separado, dificultam o processo de

apropriação desta área. Ademais, as alterações geomorfológicas causadas

antropicamente, deram origem a um modelado local, o qual passa por intensas

transformações, por vezes perigosas aos ocupantes do bairro.

Para tanto, verificou-se que a falta de políticas públicas voltadas para

complementação do déficit habitacional existente na cidade Boa Vista, propicia a grupos

sociais excluídos ocupar áreas consideradas de risco. Por certo não se deve ocupar áreas

tidas como de riscos eminentes à vida do homem, porém, os agentes produtores do espaço,

aqui exemplificados como grupo socialmente excluídos, buscam por meio da ocupação

irregular uma forma de garantir sua tão sonhada moradia.

Portanto, é oportuno salientar a importância de novos estudos em ambiente urbano

vulnerável ao risco com medidas mitigadoras para prevenção de possíveis eventos

naturais e/ou antrópicos, o que subsidiará o planejamento do solo urbano tanto para o

poder público como também para os grupos afetados pela “desorganização” originada

pelo mau uso e ocupação do solo.

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Também cabe inferir que aspectos físicos devem ser considerados no processo de

planejamento para uso e ocupação do solo, pois suas alterações podem causar efeitos

adversos sobre a dinâmica natural, originando ou transformando espaços em potenciais

áreas de risco ambiental (inundação, deslizamento etc).

REFERÊNCIAS

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Plano Diretor Estratégico e Participativo de Boa Vista. 2006.

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maio de 2014.

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