geometria e concepcao do espaco

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Prova Final do Curso de Arquitectura, que explora a evolucao dos processos de representacao do espaco e a sua importancia para a Arquitectura ao longo da Historia

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Page 5: Geometria e Concepcao do Espaco

ABSTRACT

O presente trabalho centra-se na evolução das relações entre Geometria e

Arquitectura. Começando pela obra de Euclides, Elementos, um marco no

início do estudo da Geometria, e acompanhando os avanços nesta discipli-

na, tentamos perceber a influência que estes exerceram na produção arqui-

tectónica. Por outro lado, identificando pontos de clivagem na prática ou

teoria da Arquitectura, procuraremos ecos nos processos de representação,

em particular, e na Geometria no geral.

Uma das ideias principais do trabalho é exactamente os processos de represen-

tação, a que Vitrúvio chamou de dispositio. O estudo da sua evolução permi-

tirá, eventualmente, compreender melhor a História da Arquitectura. Tra-

ta-se aqui de perceber as mudanças que se operaram no próprio conceito de

espaço.

O percurso inicia-se na discussão acerca da continuidade do espaço, tão

bem ilustrada pelos paradoxos de Zenão. Põem-se aqui frente a frente as

concepções espaciais de Euclides e de Pitágoras, e explora-se um pouco as

potencialidades de ambas estas visões, e a sua aplicação na Arquitectura,

nomeadamente no âmbito da idealização das Ordens e da operatividade da

construção. Veremos como a simbologia da Geometria e da Matemática se

mantém bastante presa à teologia e cosmologia até ao início do Renasci-

mento.

No Renascimento identificamos o ponto de partida para grandes mudanças

que é a descoberta da Perspectiva. Analisaremos a importância deste evento

para uma aproximação do espaço geométrico ao espaço real, mas também

para grandes avanços da Geometria no sentido da sua libertação do espaço

euclideano, com a Geometria Projectiva, e as suas consequências indirectas

Page 6: Geometria e Concepcao do Espaco

a longo prazo. Até ao séc. XIX, a Geometria mudou bastante, tendo-se

criado novas convenções de representação, como a Dupla Projecção Orto-

gonal com Monge, e a Axonometria. Descobriram-se ainda as geometrias

não-euclideanas, tendo-se chegado à conclusão que as várias geometrias não

são mais que protocolos, mais ou menos apropriados às situações em estu-

do, tendo-se finalmente afirmado a Geometria como disciplina autónoma.

Ao longo destas inovações, a Arquitectura sofreu também várias mudanças,

as mais importantes (para o nosso estudo) durante os sécs. XVIII e XIX,

com os novos materiais e tecnologias trazidos pela Revolução Industrial.

Passando para as mãos dos engenheiros, a arquitectura de vanguarda apoia-

va-se no desenho de estruturas, e aqui a Geometria revela-se importante na

definição e estudo de formas.

O séc. XX traz grandes mudanças com o Modernismo, com o betão, com

a aplicação de novas formas de construir (como as telas de Frei Otto ou as

geodésicas de Fuller). Traz sobretudo novos ritmos e novas sensibilidades.

A noção de espaço alterou-se profundamente desde a Teoria da Relatividade

de Einstein, mas também com a nova facilidade de transportes e comunica-

ções e com um conceito novo: o ciberespaço.

O computador é a nova ferramenta nas mãos do arquitecto e, ainda sem o

distanciamento devido, coloca-nos agora talvez mais questões que respos-

tas…

Page 7: Geometria e Concepcao do Espaco

A muitas pessoas gostaria de agradecer o apoio e a par-

tilha do entusiasmo durante o período que durou este

trabalho, talvez nem coubessem neste curto espaço e

talvez eu me esquecesse de algumas…

Em especial, gostaria de agradecer à minha Família, que

nunca deixou de estar ao meu lado. À Adelaide, que nun-

ca deixou de me acompanhar. Ao meu orientador, o pro-

fessor João Pedro Xavier, que já durante as aulas de

Geometria do 1º Ano me despertara um entusiasmo ain-

da maior pela Geometria, e que agora partilhou desse

entusiasmo no desenrolar desta prova. E aos meus Ami-

gos!

Page 8: Geometria e Concepcao do Espaco
Page 9: Geometria e Concepcao do Espaco

Is Geometry the essence of form,

or just a convenient means of description?

Branko Kolaveric

Page 10: Geometria e Concepcao do Espaco
Page 11: Geometria e Concepcao do Espaco

ÍNDICE

INTRODUÇÃO _________________________________________________________ 7

EUCLIDEANISMO E ARQUITECTURA ______________________________________ 11

Grécia ____________________________________________________________ 11

Roma_____________________________________________________________ 20

Renascimento _____________________________________________________ 26

NOVAS GEOMETRIAS __________________________________________________ 37

A Geometrização do Espaço I ________________________________________ 37

Geometria Projectiva _______________________________________________ 40

A Geometrização do Espaço II ________________________________________ 49

Geometrias Não-Euclideanas ________________________________________ 56

DESTE LADO DO ESPELHO ______________________________________________ 67

Axonometria ______________________________________________________ 70

Estruturas Não-Euclideanas _________________________________________ 73

Os Fractais ________________________________________________________ 87

5

Page 12: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

6

CONCLUSÃO _________________________________________________________ 97

BIBLIOGRAFIA _______________________________________________________ 103

ÍNDICE DE IMAGENS__________________________________________________ 109

Page 13: Geometria e Concepcao do Espaco

INTRODUÇÃO

Qual é a natureza do espaço? Qual é o nosso conceito de espaço? Terá sido

sempre o mesmo ao longo do tempo? E de que forma se apropriam os

arquitectos desse conceito, ou conceitos, para criarem Arquitectura, a orga-

nização do espaço? São perguntas complexas, sem dúvida. Mas despertam-nos

a vontade de trilhar alguns caminhos no sentido de ganhar uma consciência

mais alargada da história desta realidade ao mesmo tempo tão tangível e tão

elusiva que é o espaço.

A busca do conceito de espaço não pode começar senão por dois ramos

que se cruzam – a Arquitectura e a Geometria. A Arquitectura foi mudan-

do ao longo do tempo, com novos gostos, novos materiais, novas tecnolo-

gias e, não menos importante, com novas ferramentas de representação do

espaço. A Geometria é uma das principais ferramentas do arquitecto, mes-

mo se muitas vezes ele próprio não se apercebe. Mais que uma disciplina

que estuda o espaço, é a linguagem que utilizamos para o organizar e arti-

cular. Está no desenho da planta e do alçado, na construção da maquete ou

modelação do modelo virtual, mas está também no esquisso quando, à mão

7

Page 14: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

8

livre procuramos o equilíbrio da forma e a proporção das partes. Durante

vários séculos, os arquitectos utilizaram a régua e o compasso. Em Geome-

tria, estas eram as ferramentas com que alguém instruído deveria conseguir

resolver qualquer tipo de problemas.1 Mas novos tempos trouxeram novos

problemas que a geometria de Euclides não resolvia, e novos materiais e

tecnologias. Estamos agora muito distanciados dos métodos gregos de dese-

nho, construção ou idealização das formas. Temos hoje ferramentas infor-

máticas potentes que estendem a nossa ideia de espaço e multiplicam a nos-

sa capacidade de produção. Como evoluiu o casamento da Arquitectura

com a Geometria no decorrer destas mudanças, e qual é a sua presente

situação, o que significa a Geometria para um arquitecto de hoje?

A Arquitectura deve à Geometria, entre outras coisas, os processos de

representação. E a evolução desses processos pode ajudar a compreender a

própria História da Arquitectura. Por outro lado, existindo uma ligação for-

te entre aquelas duas disciplinas, não será a Arquitectura também responsá-

vel pelo desenvolvimento da Geometria? Poderíamos então aproximar-nos

de uma outra questão que se nos coloca: são as formas de representação

responsáveis pela nossa ideia de espaço? (Ideia é uma palavra importante,

que na sua forma original grega significava tanto imagem como forma. E

Vitrúvio utilizou-a para definir as suas dispositio, os seus modos de represen-

tação.) Qual é a fronteira que separa a representação da concepção?

1 Existem apenas três problemas da Geometria Euclideana que não podem ser resolvidos

com estas ferramentas: a trissecção de um ângulo, a duplicação do cubo e a quadratura

do círculo (o desenho de um quadrado com a mesma área ou o mesmo perímetro de um

círculo dado)

Page 15: Geometria e Concepcao do Espaco

INTRODUÇÃO

9

Começando pela primeira compilação conhecida dos conhecimentos de

geometria, Elementos de Euclides (séc. III a.C.), e até aos nossos dias, tenta-

remos identificar pontos-chave nas mudanças dos processos de representa-

ção e concepção do espaço que a Geometria fornece à Arquitectura.

Encontraremos períodos em que esta simbiose foi fecunda e outros em que

não o foi tanto. Tentaremos identificar formas distintas desta relação em

três grandes períodos de uma linha temporal de mais de vinte e três séculos:

o entendimento cosmológico e teológico da Geometria desde o Período

Clássico ao Renascimento; a visão racionalista e todas a mudanças que mar-

caram a Idade Moderna e o Iluminismo; o novo entendimento da Arqui-

tectura e a nova visão do Universo que o séc. XX trouxe e que culminou

na Idade da Informação, que vivemos hoje e não sabemos que consequên-

cias trará.

Page 16: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

10

Page 17: Geometria e Concepcao do Espaco

EUCLIDEANISMO E ARQUITECTURA I

parte

Grécia

Os filósofos gregos deixaram um marco na história da Matemática: foram

eles que inauguraram os processos axiomáticos no estudo científico. Eucli-

des (c. 325 a.C. – 265 a.C.) elabora a obra Stoichea (Elementos), em que

compila os conhecimentos de geometria e do que hoje se chamaria de teoria

dos números segundo um sistema que se apoia em algumas premissas base, de

entendimento muito simples, para derivar, por dedução, processos e solu-

ções cada vez mais complexos. É a estrutura dos Elementos que formaliza

este sistema axiomático permitindo que estes livros se mantenham como

obra de referência durante mais de dois mil anos, sem que se tenham

encontrado erros de lógica.

Este é um salto gigantesco nos processos de aquisição e processamento do

saber. Antes de Euclides a Matemática tinha um carácter muito empírico,

11

Page 18: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

12

nada como o entendimento abstracto que hoje temos.2 As ciências explica-

vam os fenómenos por meio da mitologia, sem uma aproximação naturalis-

ta ao caso. Euclides, no seguimento de sábios como Tales de Mileto (c. 624

a.C. – 546 a.C.) e Pitágoras (c. 580 a.C. – 520 a.C.), 3 que trazem conhe-

cimentos de culturas mais antigas (o Egipto, a Babilónia, a Fenícia), aban-

dona essa abordagem e tenta chegar às respostas por meio de uma com-

preensão mais profunda da realidade. O salto importante que se dá é a per-

cepção de que conseguimos compreender o mundo em que vivemos por

meio de uma projecção num plano abstracto que controlamos. É a ideia

subjacente da Filosofia, um plano em que apenas se trabalham as ideias. Por

meio da manipulação e organização de conceitos base consegue-se, a partir

de então, provar situações desconhecidas por dedução lógica. É a tão famo-

sa lógica grega, a ferramenta que vai permitir o avanço matemático e cientí-

fico.

Platão (427 a.C. – 347 a.C.) define a teoria das ideias, em que separa o mun-

do natural do mundo das imagens (cujo termo em grego é o mesmo para

ideia). Para Platão, o mundo das ideias existia fora do mundo material e

independentemente deste, e o mundo material não era mais que uma som-

bra ou uma cópia efémera daquele.

2 Vários sistemas numéricos da Antiguidade diferenciavam os numerais consoante o

objecto de contagem. A forma de referir, por exemplo, seis peixes ou seis barcos era dife-

rente, porque o seis (neste caso; o número no geral) não se assumia como entidade abs-

tracta e autónoma, sendo antes uma qualidade específica do grupo a que se referia. Isto

ilustra o carácter empírico da matemática que surge, como aritmética, para resolver

problemas práticos de situações relacionadas com o comércio ou a administração.

3 Tales de Mileto e Pitágoras, bem como Eudoxo, fundam um tipo de ciência naturalista

que se afasta das mitologias para encontrar explicações naturais para os fenómenos.

Page 19: Geometria e Concepcao do Espaco

EUCLIDEANISMO E ARQUITECTURA

13

A ideia de um mundo que pode ser conhecido apenas por meios de abs-

tracção vem introduzir na ciência o conceito de prova formal.4 Este permite

à Matemática avançar em terrenos puramente lógicos, sem necessidade de

verificação empírica. Elementos5 de Euclides é a obra que eterniza este

método na sua estrutura.

Euclides estrutura a sua obra começando por definir os termos que irá utili-

zar. Apresenta primeiro vinte e três definições que explicam o que se enten-

de por conceitos como ponto, linha, superfície, ângulo ou círculo, triângulo, qua-

drilátero... Seguidamente apresenta os postulados, em que define as regras da

geometria que vai passar a apresentar:

I. É possível traçar uma recta entre quaisquer dois pontos;

II. É possível prolongar um segmento de recta infinitamente numa

linha recta;

III. É possível traçar um círculo com qualquer centro e qualquer raio;

IV. Todos os ângulos rectos são iguais entre si;

4 A prova formal é o elemento-chave para a construção dos sistemas axiomáticos, de que

Elementos é o primeiro exemplo. Por meios puramente dedutivos, prova teoremas redu-

zindo-os até aos axiomas. Permite, com bases muito simples, construir teorias comple-

xas.

5 Disponível em:

http://aleph0.clarku.edu/~djoyce/java/elements/elements.html (inglês)

http://www.mat.uc.pt/~jaimecs/euclid/elem.html (português)

Page 20: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

14

V. Se, ao sobrepor uma recta a outras duas rectas, os ângulos internos

produzidos somarem menos que dois ângulos rectos, essas duas rec-

tas, se prolongadas o suficiente, encontrar-se-ão do lado em que os

ângulos internos somam menos que dois ângulos rectos.

E por fim lança alguns conceitos que fazem parte do senso comum e que,

como tal, são apresentados como noções comuns. Estes afirmam, por exem-

plo, que coisas iguais a outra coisa são iguais entre si, ou que o todo é

maior que qualquer das suas partes.

A partir daqui, Euclides tece raciocínios lógicos cada vez mais complexos,

por dedução, sempre com base nestas primeiras premissas. Cada teorema ou

proposição pode ser desmontado até à sua raiz, provando a sua veracidade

com a veracidade das definições, postulados ou noções comuns.6

Esta obra, pela sua inexpugnabilidade lógica, pela complexidade que atinge

com elementos tão simples, e pela descrição de um sistema tão abstracto,

mas ao mesmo tempo tão intuitivo, tornou-se uma obra de referência, cujo

conhecimento era indispensável para qualquer pessoa educada. Foi utilizada

como manual de Geometria em plena Idade Média, já que a Geometria

integrava o Quadrivium7, e até ao séc. XX. Depois da Bíblia é a obra com

6 Euclides não pode ser tido como o inventor desta geometria. Os conhecimentos que são

apresentados em Elementos são anteriores, muitos são mesmo de outras civilizações, do

Egipto ou da Mesopotâmia. É a estruturação axiomática deste saber que é o seu rasgo de

génio.

7 O Quadrivium é o conjunto de ciências estudadas nas universidades medievais, o corpo

de disciplinas que uma pessoa culta devia dominar. Compunha-se de quatro partes:

Matemática, Música, Geometria e Astronomia.

Page 21: Geometria e Concepcao do Espaco

EUCLIDEANISMO E ARQUITECTURA

15

maior número de edições, uma das primeiras a ser impressa e uma das mais

estudadas durante mais de dois mil anos. Este peso na cultura ocidental não

pode ter deixado de influenciar a produção arquitectónica.

No entanto, a influência pode ter sido menor do que possamos julgar hoje

em dia. Michele Sbacchi8 afirma que a arquitectura pós-Euclides é marcada

sobretudo pelo confronto entre duas visões diferentes do Universo em dis-

cussão na Grécia Antiga. Esse confronto reflectir-se-ia pelo método de pro-

jectação arquitectónica, que podia incidir sobre o desenho geométrico ou o cál-

culo aritmético. Estas duas visões divergem num único conceito – a continui-

dade.

Pitágoras defende a existência do vazio. Aristóteles, falando dos pitagóricos

diz que o cosmos respira no vazio e que este, ao ser inalado, separa a natu-

reza das coisas e distingue-as, do mesmo modo que separa e distingue os

termos sucessivos numa série. Não é, então, apenas possível descrever o

cosmos por meio da Matemática: o cosmos é Matemática. A natureza das

coisas é a natureza dos números e estas coisas relacionam-se harmoniosa-

mente. Como numa escala musical, em que as notas são organizadas por

relações matemáticas numa sucessão harmónica, no universo as coisas arti-

culam-se em harmonia por relações também matemáticas. A matéria é a

soma de partículas mínimas indivisíveis separadas pelo vazio, tal como os

números são distintos e separados.

Zenão (490 a.C. – 425 a.C.) ataca esta visão da realidade discreta com os

seus paradoxos:

8 SBACCHI, 2001

Page 22: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

Imaginemos uma flecha em movimento. Se o tempo é composto de instan-

tes, como o espaço é composto de partículas indivisíveis, em cada instante a

flecha ocupa apenas o seu espaço, logo, está imóvel. Se todas as unidades de

tempo ou de espaço são iguais entre si, uma flecha em movimento acaba

por ser igual a uma flecha em repouso num determinado instante, ou em

todos os instantes, porque os instantes são iguais. Logo, o movimento não é

possível, porque a flecha não “sabe” para onde se deslocar no instante ime-

diato.

Para Zenão o espaço não pode ser discreto, ou então assume a forma unitá-

ria que Parménides9 lhe atribuía.

Face a esta visão aritmética do mundo, Euclides traz uma visão geométrica.

A realidade pode não ser uma soma de partículas, mas um produto. Uma

linha recta pode não ser vista como uma série de pontos, mas como o per-

curso que um ponto produz ao deslocar-se segundo uma direcção.10 Esta

visão supera algumas dificuldades que a numerologia pitagórica enfrentava,

como a existência de números irracionais.11 Uma vez que a realidade era con-

tínua, era divisível ao infinito. A Geometria apresentava uma descrição do

16

9 Parménides foi professor de Zenão e é considerado um dos mais importantes sábios pré-

socráticos. Afirmava que a nossa percepção do mundo em mudança é errada, uma ilusão.

Concebia-o antes como uma unidade indestrutível e imutável.

10 No meio informático, estas diferenças estão patentes entre as imagens vectoriais (como

as de softwares CAD) e as imagens em mapa de bits (bitmaps, de que o conhecido forma-

to jpeg é um exemplo).

11 Um número irracional é um número não inteiro, não exprimível por meio de uma razão

entre números inteiros. φ, 2 , 3 , π são exemplos deste tipo de números.

Page 23: Geometria e Concepcao do Espaco

EUCLIDEANISMO E ARQUITECTURA

universo de uma forma mais sensível. Acabava por ser menos abstracta e

mais abrangente que a matemática dos números racionais.

Mas Zenão, mais uma vez, ataca esta visão com os seus paradoxos:

Paradoxo da Dicotomia: não há movimento porque o que se move deve

chegar a meio do percurso antes de chegar ao fim e, assim sempre, ad infini-

tum. Um objecto não se pode mover de um ponto ao seguinte porque não

há ponto seguinte.

fig. 1

Paradoxo de Aquiles: o mais rápido nunca alcançará o mais lento, porque

quando atingir o ponto em que este estava já o mais lento terá avançado

um pouco, e assim sucessivamente, ad infinitum.

fig. 2

Assim, para Zenão, o cosmos também não podia ser contínuo, porque seria

infinitamente indivisível e, portanto, estático. Estes paradoxos nunca foram

tomados com a seriedade devida. De facto, o que se antevê nesta incapaci-

dade lógica de explicar o Universo como contínuo ou discreto é a indisso-

ciabilidade espaço-tempo que Einstein viria a fixar na Teoria da Relativi-

17

Page 24: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

18

dade Especial e a ideia de velocidade instantânea. De facto, é como se a fle-

cha ao mover-se não ocupasse apenas o seu espaço. Mas até lá, e até ao

advento das geometrias não-euclideanas, o espaço permaneceu nesta ambi-

valência pitagórico-euclideana.12

A visão pitagórica do mundo implicava uma intimidade muito grande entre

os números e a forma, e assumia que os fenómenos complexos podiam ser

decompostos em fenómenos simples. Implicava também uma série de leis

reguladoras que articulavam as partes: a harmonia. E afirmava que a beleza

era produzida pelo número, pela proporção, pela harmonia.

Embora o aparecimento de ordens arquitectónicas seja anterior a Pitágoras,

não podemos descurar a relação óbvia que surge quando falamos da

decomposição de fenómenos em elementos simples e da harmonia dos

números e da modulação e proporção em números inteiros nas ordens gre-

gas. Cada ordem era de facto um sistema numérico que, partindo de um

módulo base, geralmente um diâmetro ou meio diâmetro da coluna, per-

mitia calcular todas as dimensões do edifício. Funcionavam como algorit-

mos que davam forma automaticamente ao edifício com base em pouquís-

simas variáveis.

O Pártenon é dos templos gregos mais estudados. Foi construído entre

447a. C. e 438 a. C., logo entre Pitágoras (570-497 a. C.) e Platão (428-

12 Na verdade, ainda hoje não se provou uma ou outra teoria. Se, por um lado, temos a Teo-

ria da Relatividade que explica o Universo de forma satisfatória à macroscala, por outro,

temos a Teoria Quântica que explica as relações ao nível atómico e sub-atómico segundo

princípios discretos. Apesar dos esforços, Einstein não conseguiu unificar estas teorias

sobre uma mesma “Teoria de Tudo”, e ainda hoje não se consegue uma explicação unitá-

ria. Ver KAKU, 2005, capítulo 9.

Page 25: Geometria e Concepcao do Espaco

EUCLIDEANISMO E ARQUITECTURA

19

347 a. C.). Um estudo feito no sentido de encontrar um módulo chegou à

medida do tríglifo, que corresponderia a 1 pé, e que, subdividida em 16,

resulta numa unidade equivalente à polegada, que permite determinar todas

as medidas do templo em números inteiros. O mesmo estudo identificou

nas proporções entre as partes, as mesmas proporções harmónicas que Pitá-

goras determinava para a sua escala musical.13

Euclides traz a construção geométrica para a arquitectura. Não que seja

uma inovação, porque já eram utilizados conhecimentos geométricos práti-

cos em obra, mas acredita-se que não o fossem na idealização do projecto.

Agora era possível, como Platão nos diz no diálogo Menão, calcular um

número ou desenhá-lo. Do mesmo modo, a arquitectura podia ser calculada

segundo as harmonias pitagóricas ou traçada segundo os métodos euclidea-

nos.

A arquitectura dos templos gregos pode ser decomposta em algoritmos. De

facto, as ordens gregas assumem uma lógica numérica forte. Mas as suas

relações podem também ser analisadas segundo o ponto de vista de Eucli-

des. O que nos falta é a razão que dá a forma aos edifícios, o conjunto de

ideias que definem o algoritmo ou a construção geométrica de base.

Vitrúvio (80 a.C. – 25 a.C.) reflecte este problema no seu De Architectura

Decem Libri.14 Mas acaba por não nos dar a solução…

13 Ver KAPPRAFF, Jay; Anne Bulcken's Analysis of the Proportions of the Parthenon and its

Meanings

14 MACIEL, 2006

Page 26: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

20

Roma

Os Decem Libri são o primeiro tratado de arquitectura conhecido. O seu

conteúdo é variado, incidindo em matérias de urbanismo/paisagismo,

arquitectura/engenharia e construção. Não sendo um trabalho original é,

porém, uma compilação das melhores formas de construir, baseando-se o

autor na sua própria experiência e em tratados anteriores que se perderam.

Vitrúvio afirma admirar Pitágoras e Platão15 e dá importância ao número. No

entanto, não se perde com problemas de ordem filosófica no que respeita à

concepção de uma realidade contínua ou discreta. Vitrúvio tem o carácter

pragmático dos romanos sendo, para mais, engenheiro militar. Assim, inte-

ressa-lhe a prática, como ele próprio afirma, se bem que devidamente

apoiada pela teoria.

No seu tratado, Vitrúvio estuda a arquitectura grega e tenta definir (ou

redefinir) as ordens arquitectónicas. O seu trabalho vai no sentido de

encontrar os cânones das medidas e proporções das várias partes do edifício.

Mas Vitrúvio parece afastar-se da arquitectura grega...

Análises aos templos gregos existentes encontram, por um lado, relações

numéricas de acordo com as regras pitagóricas, com o recurso a proporcio-

nalidades da harmonia musical, com o uso de números considerados espe-

ciais ou sagrados, mas também mostram relações fora desta lógica e que

estão de acordo com métodos euclideanos de busca da proporção, em que

15 “(...) os ensinamentos de Pitágoras, Demócrito, Platão, Aristóteles e outros produzem

frutos sempre frescos e florescentes” MACIEL, 2006, p. 325

Page 27: Geometria e Concepcao do Espaco

EUCLIDEANISMO E ARQUITECTURA

se encontram proporções mais próximas de construções geométricas de rec-

tângulos n e n.

É evidente que um templo grego assume modulações baseadas em números

inteiros: é possível encontrar um módulo na dimensão de um elemento do

edifício que se repete para dar todas as outras dimensões. Isto está evidente

nos Decem Libri. E, no entanto, a descrição que Vitrúvio faz dos templos

gregos não é correcta.16 Não é de crer que os gregos criassem ordens que

depois não soubessem respeitar. Como também não é de crer que Vitrúvio

não tivesse entendido as razões que levaram os arquitectos gregos a fazer os

templos de forma diferente à descrita por Vitrúvio.

As ordens apresentadas podem ter sido meramente uma melhoria, sob o

ponto de vista de Vitrúvio, ao modo de construir grego, uma interpretação

crítica, em vez de uma simples descrição.

Lionel March, debruçando-se sobre as relações aritméticas presentes nos

templos gregos, encontra em paralelo as relações musicais de Pitágoras e

indícios de proporções irracionais derivadas da geometria de Euclides. O

que parece difícil, tendo em conta uma modulação com base na multiplica-

ção de um módulo, logo, sempre funcionando em razões de números intei-

ros.

16 Ao descrever os templos gregos, apresenta como regra simples de disposição de colunas

a relação de (n, 2n-1), sendo n o número de colunas do lado menor. Os templos dóricos

mais antigos surgem com relações várias de (6, 17), (6, 13), (8, 17), (6, 14), traduzindo-se em

(n, 3n-1), (n, 2n+1), (n, 2n+1) e (n, 2n+2), respectivamente. Mesmo templos mais recentes,

como o Pártenon ou o templo de Apolo em Dídima apresentam a relação de (n, 2n+1)16.

Para uma análise mais detalhada, ver MARCH, 1998, p. 124 e seguintes.

21

Page 28: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

Mas haviam sido criados sistemas de convergência de razões entre números

inteiros para números irracionais.17 Esta convergência traz para a arquitectu-

ra a possibilidade de representação de proporções incomensuráveis segundo as

mesmas técnicas de modulação usadas tradicionalmente em relação com as

regras de harmonia musical de Pitágoras. Rectângulos de proporção 2 e

3 (diagonais do quadrado e do cubo) podiam ser construídos com as pro-

porções 1217 e

712 , respectivamente, com um erro mínimo, indetectável em

obra.

March propõe ainda um tipo de organização que mistura as duas visões

(aritmética e geométrica). Refere que relações dificilmente explicáveis

segundo os princípios de harmonias musicais ou mesmo segundo as propor-

ções irracionais mais usadas ( 2 e 3 ) poderá ser atribuída a uma génese

organizativa poligonal dos templos.

fig. 3 – Esquema dos templos de Silene, dórico inicial. cf MARCH, 1998, p. 125

Mas Vitrúvio introduz algo de novo na arquitectura: fala-nos dos processos

de representação, a que chama de dispositio:

17 Para uma explicação deste processo ver MARCH, 1998 pp. 65-69

22

Page 29: Geometria e Concepcao do Espaco

EUCLIDEANISMO E ARQUITECTURA

23

São estas as espécies de disposição, que em grego se diz ideæ: icnogra-

fia, ortografia, cenografia. A icnografia consiste no uso conjunto e ade-

quado do compasso e da régua, e por ela se fazem os desenhos das for-

mas nos terrenos das zonas a construir. A ortografia, por seu turno,

define-se como o alçado do frontispício e figura pintada à medida e de

acordo com a disposição da obra futura. Por fim, a cenografia é o bos-

quejo do frontispício com as partes laterais em perspectiva e a corres-

pondência de todas as linhas em relação ao centro do círculo.18

Não parece que estes processos representativos tivessem impacto evidente

no processo de projectação da obra. Vitrúvio fala da icnografia como um

processo auxiliar para início da construção, criando no chão um esquema

da obra; refere a ortografia e a cenografia como processos representativos para

melhor comunicação do projecto. Este, no entanto, era produzido com o

auxílio de cálculos aritméticos e traduzido em desenho. Mas era sempre o

simbolismo do número e das relações entre os números que interessava.

Sbacchi19 refere que os dois processos de pensar a forma – a Aritmética e a

Geometria – reflectiam dois círculos diferentes de pessoas. Por um lado,

junto dos patronos, dos pensadores e de outras pessoas de elevados estratos

sociais ou culturais, o léxico do arquitecto era matemático e numerológico.

Era nesta linguagem que se exprimia o significado da arquitectura. Por outro,

junto dos operários, carpinteiros, pedreiros ou canteiros, o vocabulário era

18 MACIEL, 2006, p. 37 (Vitrúvio, I, II, 2)

19 SBACCHI, 2001

Page 30: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

24

geométrico, pois é por meio da geometria que se constrói mais facilmente

o significante da Arquitectura.20

Os processos geométricos facilitam a visualização e a construção de objec-

tos, além de que podiam ser também entendidos segundo as tradições

numerológicas. Desta forma, ainda durante o período romano se vê uma

generalização do uso de técnicas geométricas, como o ad quadratum, a cha-

mada secção sagrada e o uso de polígonos na produção arquitectónica.

Estes tipos de construções geométricas, visíveis em edifícios, como o Pan-

teão, têm sobretudo uma larga representação nos vários tipos de revesti-

mento que surgem, quer nos pavimentos de mosaico, quer nos revestimen-

tos de paredes de opus cæmenticum, o antepassado do betão.

Mas Roma adopta a geometria para outras escalas: o desenho das suas cida-

des. Já os gregos o tinham feito, criando cidades de malha ortogonal que se

ia adaptando ao terreno, como Mileto.21

20 Operários da construção não possuíam cultura para manusear tratados ou deixar docu-

mentos sobre as suas actividades: os conhecimentos que possuíam eram transmitidos

oralmente. No entanto, Sbacchi refere manuscritos medievais oriundos destas tradições

que falam de Mestre Euclides. Sobre significado e significante: MACIEL, 2006, p. 30 (Vitrú-

vio, I, I, 3)

21 Mileto é já um desenho helenístico, da era pós-Alexandre. O cuidado que há com a orto-

gonalidade e com a modulação dos quarteirões é superior ao que vemos em cidades

anteriores, como o dos porto dos Pireus (Atenas), ou Cirene, que apesar de apresentarem

a intenção da ortogonalidade como geometria organizativa, sacrificam a pureza do

desenho a adaptações à topografia e a uma construção pouco organizada ao longo do

tempo.

Page 31: Geometria e Concepcao do Espaco

EUCLIDEANISMO E ARQUITECTURA

fig. 4 – Mileto

Os romanos pegam na experiência grega e criam uma regra para o urba-

nismo colonial. Começando com um cruzamento de eixos, como num

referencial cartesiano, o cardo e o decumanus definem o centro da cidade, o

forum, de onde vão traçando paralelas aos dois eixos. O limite da planta é

preferencialmente quadrado. Esta forma tem origem no acampamento mili-

tar, mas adquire significado religioso. A localização da cidade, bem como os

elementos base são determinados por sacerdotes, o que não implica clara-

mente um carácter puramente sagrado na fundação de uma cidade, mas

associa a natureza simbólica da forma geométrica à função do plano.

fig. 5 – Timgad

25

Page 32: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

26

Renascimento

Depois da queda do Império Romano (séc. IV), com as invasões bárbaras

primeiro, depois com as invasões árabes, o medo do fim do mundo na pas-

sagem do milénio, as guerras fratricidas das disputas territoriais, a Europa

viveu séculos difíceis. As mudanças foram profundas e de várias ordens:

políticas, sociais, religiosas, territoriais. Uma das grandes mudanças é a

noção de Cristandade, uma consciência de pertença a uma comunidade

maior que os reinos, e de um código de conduta superior às vontades dos

senhores feudais. É uma visão diferente das noções clássicas de helenismo

ou de império, dos gregos e dos romanos, porque estes aceitam as diferen-

ças para conseguir enquadrar as pluralidades na unidade, enquanto que o

Cristianismo quer esbater as diferenças sob um conjunto unitário de valo-

res. Não há um império que una pela força militar as suas províncias, antes

uma consciência colectiva de pertença a um povo.

Esta noção traz uma nova tipologia à arquitectura e espalha-a por toda a

Europa – a igreja, que vai buscar as suas raízes à basílica e às catacumbas

romanas, e culminará nas catedrais góticas das capitais europeias.

Os construtores não são homens de uma classe educada, preocupados com

outras áreas do saber além da construção, como advoga Vitrúvio. São ope-

rários detentores de conhecimentos tradicionais que são transmitidos oral-

mente e mantidos em segredo nas suas comunidades, as guildas.

As mitologias mudaram, e com elas as simbologias. As regras de Pitágoras

são esquecidas e são adoptados processos expeditos para a solução dos pro-

blemas construtivos. As ordens arquitectónicas acabam, dando lugar a estilos

arquitectónicos, que não definem as obras de forma tão rígida como aquelas

o faziam.

Page 33: Geometria e Concepcao do Espaco

EUCLIDEANISMO E ARQUITECTURA

27

Os templos eram agora para ser vividos por dentro, não por fora. O carác-

ter que Lionel March atribui às ordens gregas, de experimental e didáctico

na matemática perde-se, porque agora os templos não são locais de con-

templação, mas locais de oração. A sua simbologia não reside na sua forma,

mas no seu ambiente, na sua luz, nas esculturas que representam episódios

ou personagens bíblicas.

A Idade Média é um período obscuro. Os vários ramos da ciência, se não

retrocederam, estagnaram. O próprio conceito é pejorativo, cunhando estes

séculos como um período de transição entre duas eras douradas – a Época

Clássica e o Renascimento.

O contacto com os árabes, após as invasões da Península Ibérica e com as

Cruzadas, veio trazer uma nova vontade de conhecimento. Os árabes

tinham uma cultura mais avançada que os cristãos, e tinham preservado as

obras clássicas de que já não se tinha memória na Europa. Várias obras de

sábios gregos, incluindo Elementos de Euclides, são conhecidas na Europa

medieval em traduções árabes, já nos finais da Idade Média. Além disso, os

árabes demonstraram bastante interesse pelas ciências, em especial pela

Matemática, sendo eles os maiores responsáveis pelos avanços científicos

durante os séculos da Idade Média.22 E começa a surgir uma nova mentali-

dade, uma sensação de que os homens não são vigiados por um deus obscu-

rantista, e que podem avançar na ciência e nas artes de forma mais livre.

22 A Idade Média foi um período obscuro apenas para os europeus. Para o império árabe foi

uma época florescente, em que se desenvolveram as ciências, as artes e a própria reli-

gião. Foi um período de renovação cultural de que a Europa se mantinha afastada.

Page 34: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

28

Depois do teocentrismo medieval, começa a surgir um antropocentrismo

renascentista que retoma várias ideias do período clássico.

O arquitecto renascentista quer ser como o arquitecto ideal de Vitrúvio,

versado em muitas matérias, preparado para muitas situações diversas, já não

um pedreiro das guildas medievais, mas um homem informado e culto.

O texto de Vitrúvio, apesar de não se ter perdido durante a Idade Média,

perdera a sua importância. Mas os patronos de Quatrocentos, num gosto

pelo classicismo perdido, querem construir como os romanos, talvez para

simular, com a riqueza que entretanto foi recuperada, um poder que se

prendia à nostalgia de um Império perdido.

No entanto, os Decem Libri eram herméticos nos seus termos técnicos em

grego, sem tradução para o latim. Alberti (1404 – 1472), que em 1450

escreve o seu De Re Aedificatoria, que é quase uma adaptação do De Architec-

tura de Vitrúvio para o Renascimento, tem de encontrar neologismos para

muitas das ideias expressas em grego.23

Mas, aparte o carácter revivalista do Renascimento, há uma inovação que

traz uma nova temática para a arquitectura. Em 1413, em Florença, Brunel-

leschi (1377 – 1446) faz a primeira demonstração pública de um método de

representação que permitia retratar os objectos exactamente como eram

vistos – a Perspectiva.

Desde a Antiguidade que a Perspectiva era estudada, mas de um ponto de

vista mais anatómico que geométrico, pois que se referia à óptica, e não ao

processo de projecção de um objecto num plano segundo raios visuais.

23 VILA DOMINI, 2003

Page 35: Geometria e Concepcao do Espaco

EUCLIDEANISMO E ARQUITECTURA

fig. 6 – perspectiva artificialis

Brunelleschi encontra um método rigoroso para representar cenas tridi-

mensionais em superfícies bidimensionais de uma forma muito próxima da

visão: identifica o observador com um centro de projecção, idealiza a tela

como um plano transparente – o quadro – que se intersecta com a pirâmide

visual, criando a perspectiva.

O salto que é dado é o da percepção que a Perspectiva é uma projecção. As

projecções existiam já desde a Antiguidade, tendo Claudio Ptolomeu (c. 90

– 168 d.C.) descrito na sua obra Geographia métodos de projecção cartográ-

fica com centro de projecção a distância finita.

fig. 7 – cópia quatrocentista de um mapa de Ptolomeu (c. 150 d.C.)

29

Page 36: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

Mas apesar dos esforços por se encontrar um método científico de repre-

sentação das três dimensões, nunca houvera esta junção de cartografia e

perspectiva naturalis que Brunelleschi conseguiu demonstrar junto ao Battis-

terio de San Giovanni.

A descoberta de perspectiva eleva às artes liberales a pintura, a escultura e a

arquitectura, dando-lhe carácter científico. É um reflexo da revolução bur-

guesa que se vai sentindo pela Europa e o advento da arquitectura de autor.

A perspectiva vem permitir uma nova forma de projectar. Agora é possível

conhecer previamente o resultado final de um projecto antes da fase de

construção. Além disso, surge um novo dado no programa – o observador.

De sujeito secundário nos cálculos do arquitecto, o observador encontra

agora um lugar privilegiado, no projecto, que se desenvolve em seu torno,

e no edifício, que se começa a conformar especificamente para ser usufruí-

do de determinadas posições.

Brunelleschi cria o processo e aplica-o em arquitectura. Para a basílica de

Santa Maria del Santo Spirito, faz um esboço para demonstrar o resultado

final usando a perspectiva e, comparando-o com uma fotografia actual é

surpreendente o resultado!

fig. 8

fig. 9

Depois de Brunelleschi, é Alberti quem dá corpo à Perspectiva no tratado

30

Page 37: Geometria e Concepcao do Espaco

EUCLIDEANISMO E ARQUITECTURA

31

De Pictura, de 1435, sendo a primeira publicação do método de construir

perspectivas. Alberti publica em latim e em italiano vulgar o modo optimo,

que explica um processo rápido e simples de construir um espaço perspécti-

co.

Mas Alberti não associa a Perspectiva à Arquitectura. Considerando que a

Perspectiva “engana o olho”, por não oferecer de imediato as verdadeiras

medidas dos edifícios representados, Alberti exclui-a do seu tratado de

arquitectura (De Re Aedificatoria, 1452). Falando da dispositio de Vitrúvio,

autoriza apenas a icnografia e a ortografia, substituindo a cenografia pelo

perfil, ou corte. É aqui que Alberti vacila: querendo definir a arquitectura de

uma nova época, não percebe que a Perspectiva vai ser uma ferramenta

importante de projecto na mão do arquitecto.

Mas é em 1475, pela mão do pintor e matemático Piero della Francesca

(1418? – 1492) que a Perspectiva é tratada com o devido interesse, no tra-

tado De Prospectiva Pingendi. Piero não fica pelos processos simplificados dos

pintores, como poderia sugerir o título, mas estuda exaustivamente, e com

olho clínico e avisado de matemático, esta nova ferramenta de representa-

ção:

Piero della Francesca, o artista-cientista, é a personagem exacta. Ele,

melhor que ninguém, está em condições de reunir numa só pessoa a

componente artística do pintor – interessado, por inerência, nos pro-

blemas de representação – e a componente científica própria de um

matemático – indispensável na procura de um suporte geométrico para

os traçados – encarnando a síntese entre a arte e a ciência (já latente em

Page 38: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

32

homens como Brunelleschi) preconizada por Alberti, na sua cruzada

para obter um novo e condigno estatuto para a arte.24

Infelizmente, o tratado de Piero é conhecido apenas por um pequeno cír-

culo de amigos, e a teoria da Perspectiva acaba por vir a ser conhecida no

resto da Europa graças, sobretudo, a Dürer (1471 – 1528), que publica um

tratado que é largamente difundido pela nova técnica de imprensa. Dürer

havia, no entanto, cometido alguns erros na sua obra que comprometiam o

rigor do traçado perspéctico que, fruto da grande difusão do seu tratado,

também se espalharam larga e rapidamente por toda a Europa.25

Mas, até ao ressurgir do interesse dos matemáticos pela Geometria, a Pers-

pectiva seria ferramenta exclusiva de pintores e arquitectos, que viam nela

um elo de ligação entre o mundo abstracto e perfeito da Geometria e o

mundo sublunar, afastado da perfeição pelo peso da materialidade. A Pers-

pectiva dava um novo estatuto às artes, dando-lhe rigor científico.

De facto, a visão foi sempre considerada um dos sentidos nobres (com a

audição) que nos aproximavam do divino. Os sentidos que nos ligam mais

à matéria (tacto, paladar e olfacto) prendiam o espírito aos prazeres sensuais.

Assim, a Perspectiva, que representa com rigor o que os olhos vêem, foi

considerada como um meio científico de aquisição do saber. S. Tomás de

Aquino afirma que: A beleza é o objecto do poder cognitivo, e chamamos belas às coi-

sas que nos dá prazer ver.26

24 XAVIER, 1997, p. 33

25 XAVIER, 1997, p. 54

26 Para S. Tomás, não há maior prazer que o verdadeiro conhecimento, a descoberta de

orientação e sentido num universo hostil e desorientador. Por esta razão, acreditava que

Page 39: Geometria e Concepcao do Espaco

EUCLIDEANISMO E ARQUITECTURA

Assim, a Arquitectura e a Pintura começam a mover-se em torno da Pers-

pectiva. Sendo esta tendencialmente central, para promover o equilíbrio,

tão prezado pelo espírito quatrocentista, também a pintura e a arquitectura

se centralizaram. Além disso, a pintura começou a dar ênfase aos espaços

arquitectónicos e urbanos, privilegiados na comunicação da Perspectiva.

fig. 10 – Giuliano da Sangallo and Domenico Ghirlandaio (?), Cidade Ideal.

Urbino, Galleria Nazionale della Marche

fig. 11 – Anónimo, Cidade Ideal, Florença, Palazzo Pitti

fig. 12 – Pietro del Donzello (?), Cidade Ideal, Berlim, Museu Bode

a arte não devia imitar a aparência da natureza, mas antes o próprio propósito do uni-

verso, a inteligência que se move para objectivos certos por meios definidos. Tradução

livre de PÉREZ-GÓMEZ, 2000, p. 12

33

Page 40: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

Em 1461-64 surge o Tratatto di Architettura, de Antonio Avelirno Filarete,

em que se aplica claramente a perspectiva ao serviço da Arquitectura, ao

contrário do que fizera Alberti, que a associava apenas com a Pintura. Fila-

rete utiliza-a, e demonstra a sua preferência pela simetria que o ponto de

vista central proporciona.27

A centralidade na arquitectura do Renascimento sente-se na simetria dos

edifícios, de igrejas e palácios, de praças e jardins. E faz surgir a cidade ideal,

que assume muitas formas, mas que iria firmar a tendência do polígono

estrelado, que se viria a desenvolver até ao séc. XIX e seria mesmo respon-

sável pelo desenvolvimento da Geometria Descritiva por Monge28.

fig. 13 – Filarete, Sforzinda, 1457

27 Veja-se XAVIER, 2006, pp. 67, 68

28 Gaspard Monge trabalhou no exército francês como desenhador, numa época em que a

busca da fortificação ideal ocupava muito do tempo de arquitectos e estrategas. Sendo-

lhe atribuída a tarefa de desenhar uma fortificação que impedisse o inimigo, indepen-

dentemente da sua posição, de ver ou atirar sobre postos de combate, Monge desenvol-

veu um processo gráfico simples em alternativa aos métodos utilizados na altura. Este

método ficou conhecido como Método de Monge e tem sido central no estudo da Geo-

metria desde então.

34

Page 41: Geometria e Concepcao do Espaco

EUCLIDEANISMO E ARQUITECTURA

35

A Perspectiva foi um ponto-chave, quer para a Arquitectura, quer para a

Geometria. Na Arquitectura promoveu um interesse de arquitectos e

patronos pela métrica, pelo rigor dos traçados e pelos processos de repre-

sentação e a sua relação com a obra acabada, bem como a consciência da

presença de um observador que frui o espaço e o reconstrói mentalmente.

Na Geometria despoletou uma dinâmica que teve várias consequências:

- A origem da Geometria Projectiva, que subvertia o espaço euclideano;

- O interesse sobre outras projecções e processos de representação;

- A eventual descoberta de geometrias que escapam à nossa intuição e

negam, por completo, o espaço euclideano.

Mas estas são águas mais profundas, a navegar mais à frente…

Page 42: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

36

Page 43: Geometria e Concepcao do Espaco

NOVAS GEOMETRIAS I

parte I

A Geometrização do Espaço I

Antes do Renascimento, a Matemática, a Geometria e as ciências no geral

funcionavam, de certa forma, afastadas do mundo real. Tinham como

objectivo mais a descrição de uma ordem celeste do que o conhecimento

do mundo habitado. A própria arquitectura tinha um pouco desse carácter

hermético. Segundo Pérez-Gómez:

Projectar a forma geométrica de um edifício era um acto profético, uma

forma de conjura e adivinhação, não apenas a vontade pessoal do autor.

O desenho arquitectónico não pode portanto ser visto como um artefac-

to neutro que possa ser transcrito de forma não ambígua para um edifí-

cio.29

O Renascimento, berço do antropocentrismo moderno, dilui a fronteira

entre mundo ideal e mundo real, preconizando a derradeira quebra desta

37

29 PÉREZ-GÓMEZ, 2000, p. 8. (tradução livre)

Page 44: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

38

separação no Positivismo e Maquinismo oitocentista. Começa a surgir uma

nova estrutura do mundo complementada por uma nova estrutura do saber.

Faltava à Geometria um carácter de descrição objectiva do mundo. A Terra

era a imagem de um mundo melhor, e os edifícios eram modelos imperfei-

tos da Jerusalém Celeste, de que o arquitecto medieval era um mero intér-

prete.

No Renascimento o mundo mudara. Havia-se descoberto novos mundos

com as caravelas portuguesas, outras fronteiras com o telescópio e o

microscópio. O Homem recuperava o seu papel activo na busca do conhe-

cimento e libertava-se dos obscurantismos medievais.

A Geometria começou a ganhar então um papel na organização e descrição

do mundo, sobretudo com a descoberta da Perspectiva. E parece-nos que a

arquitectura, dando-lhe corpo material e servindo-lhe de campo experi-

mental, acabou por ter também um papel de relevo. O arquitecto do

Renascimento era, além disso, um indivíduo culto, preparado em várias

matérias, no seguimento do que Vitrúvio defendera. É, aliás, de notar que

Alberti, autor do primeiro tratado de arquitectura depois de Vitrúvio, não

era arquitecto, mas um humanista preocupado com a proliferação do gosto

gótico por toda a Europa.

A preocupação de Alberti passa muito pela Geometria. Sinal disso é a sua

redefinição da dispositio vitruviana de forma a que os processos de represen-

tação em nada enganem o olho, substituindo a cenografia pelo perfil, como

vimos, e entregando a Perspectiva aos pintores.

O arquitecto deixava de ser um intérprete da obra de Deus, mas o inventor

de um espaço que é seu. Começa a perceber o mundo na sua estrutura

Page 45: Geometria e Concepcao do Espaco

NOVAS GEOMETRIAS

39

geométrica, estabelecendo uma relação biunívoca entre o espaço de Eucli-

des e o mundo que habita. Se, desde Platão, a Geometria descrevia um

mundo perfeito e abstracto, inacessível senão pela imaginação e pelas ciên-

cias especulativas, depois de Alberti e Piero Della Francesca passa a descre-

ver o nosso mundo.30 Cria-se um espaço geométrico à imagem do espaço

dos homens: uma nova relação, coerente com as novas relações Homem-

Deus e Ciência-Religião que se começam a sentir. E passam assim a ser

uma ferramenta de percepção e organização do mundo.

Não obstante, o espaço representativo e o espaço real mantêm-se afastados

por uma cortina teológica. De facto, toda a Revolução Científica, que

começou a surgir ainda no séc. XVI e que culminou na Revolução Indus-

trial e no Positivismo de Comte, se moveu numa certa ambiguidade entre

ciência e religião.

A Geometria esbarrava continuamente em dogmas religiosos quando aflo-

rava a questão do infinito que, com a Perspectiva, se começou a representar.

A princípio, esta questão não era sequer notada, por bastar, para muitos,

conhecer um processo expedito de desenhar perspectivas correctamente

sem levantar questões de ordem matemática. Pérez-Gómez afirma que a

Perspectiva não veio mudar a percepção do espaço durante o Renascimen-

to.

Quando questionados acerca de linhas paralelas, qualquer pessoa res-

ponderia que, no mundo real, essas linha jamais se encontrariam.31

30 Veja-se XAVIER, 1997, pp. 108, 109, onde se descreve a posição quer de Alberti, quer de del-

la Francesca no estudo da Perspectiva: como pittore scrive.

31 PÉREZ-GÓMEZ, 2000, p. 20.

Page 46: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

40

Não terá, de facto, alterado a percepção (concepção) do espaço, mas forne-

ceu as ferramentas necessárias para isso.

Hoje em dia, qualquer estudante do ensino secundário sabe que a linha do

horizonte e os pontos de fuga representam o infinito. Mas até ao Renascimen-

to, o infinito era Deus, e não era representável. O punto centrico32 não era

um ponto de fuga, mas antes um “contra-olho”, um ponto auxiliar no

quadro para criar a ilusão de profundidade. Mesmo pensando em termos

projectivos, o punto centrico era visto apenas como a projecção do olho, não

como a projecção do ponto do infinito.

Seria a aproximação matemática que se iria fazer à Perspectiva que viria

expandir o espaço euclideano e transformá-lo definitivamente.

Geometria Projectiva

Dürer fora à Itália para aprender a Perspectiva e levá-la para a Alemanha.

Cinquenta anos depois do De Prospectiva Pingendi, publica o seu tratado,33

em que denota bastante interesse nas propriedades projectivas das figuras.

32 Punto centrico é o ponto para onde se dirigem as linhas perpendiculares ao quadro

numa perspectiva. Na 1ª tavoletta de Brunelleschi correspondia ao reflexo do olho do

observador, possível razão por que começou a ser conhecido como contra-olho ou con-

tra-observador.

33 Underweisung der Messung mit dem Zyrkel und Richtscheyt, in Linien, Ebenen, und

ganzen Corporen, 1525

Page 47: Geometria e Concepcao do Espaco

NOVAS GEOMETRIAS

Dürer apresentou correcções ópticas a fazer para que, por exemplo, uma

inscrição numa parede, seja lida sem a percepção da diminuição das palavras

com a altura.

De facto, Dürer interessa-se tanto pelas propriedades projectivas que publi-

ca Vier Bücher von Menschlichen Proportion, em que apresenta um dispositivo

projectivo que permite derivar as várias proporções do corpo humano, de

forma a criar figuras diferentes de acordo com idade, género e tipo físico,

que distingue em “normal”, “monstruoso” e “grotesco”.

fig. 14 – Albrecth Dürer, gravura de Vier Bücher

von Menschlichen Proportion, 1520

41

Page 48: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

Estas experiências abrem caminho a ensaios no campo das deslocações do

observador até situações limite. O resultado destas transformações geomé-

tricas são anamorfoses oblíquas, na pintura, e as perspectivas aceleradas e contra-

perspectivas, na arquitectura. Uma anamorfose é, basicamente, uma perspec-

tiva. No entanto, o observador não olha na perpendicular para o Quadro,

colocando-se antes numa situação em que o raio visual principal faz um

ângulo acentuado, originando fortes distorções para quem veja o quadro de

um ponto de vista ortogonal.

fig. 15 – Hans Holbein, o Novo, Os Embaixadores, 1533

O elemento estranho aos pés dos embaixadores é um crânio em anamorfose oblíqua.

A anamorfose, bem como a perspectiva acelerada, pode ter tido origem em

situações específicas em que a perspectiva não produzisse resultados equili-

brados.34

34 Ver VELTMAN, 1997, p. 40 e seguintes.

42

Page 49: Geometria e Concepcao do Espaco

NOVAS GEOMETRIAS

43

Estas experiências marcam sobretudo uma tendência que ultrapassa a vonta-

de de equilíbrio do renascimento. Michelangelo (1475-1564) é muitas

vezes considerado um dos maiores artistas do Renascimento, mas as suas

obras evidenciam já alterações no equilíbrio que o colocam na passagem

para o Maneirismo. E é precisamente o entendimento da Geometria, da

Perspectiva e das proporções que marcam essa diferença.

Michelangelo comenta acerca de Vier Bücher von Menschlichen Proportion:

Trata apenas do tipo e das medidas dos corpos, a que pode atribuir uma

regra, criando figuras rígidas como estacas; e pior, não diz uma única

palavra acerca dos gestos e dos actos humanos.35

A Michelangelo interessa a vida, a expressão do espírito. E isso não é con-

seguido através da Geometria (pelo menos da geometria clássica que privi-

legia a simetria e o equilíbrio).

Pérez-Gómez diz-nos dele:

Ao contrário de um número crescente dos seus contemporâneos, Miche-

langelo resistiu a fazer arquitectura através de projecções geométricas,

uma vez que apenas podia conceber o corpo humano enquanto em

movimento. (…) Ele compreendia a vida do todo através da articulação

das partes do corpo humano. Assim, Michelangelo raramente exprimia a

profundidade por meio da perspectiva geométrica. Ao invés, ele via na

profundidade como a primeira dimensão, e revelava-a capturando o

movimento de uma figura.36

35 PÉREZ-GÓMEZ, 2000, p. 41, trad. livre.

36 PÉREZ-GÓMEZ, 2000, p. 41, trad. livre.

Page 50: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

Dinamismo é a palavra-chave e é através da geometria, afinal, que Miche-

langelo o vai expressar de forma excepcional na Praça do Capitólio, em

Roma.

fig. 16 – Michelangelo, Praça do Capitólio, Roma, 1538 – 1650

Planta e Perspectiva de Michelangelo

Incumbido pelo Papa de requalificar a praça, Michelangelo constrói um

edifício que a conforme, dando-lhe simetria (o Palácio Novo), e desenhan-

do um espaço trapezoidal, que vai ser tratado como um espaço central, em

torno da estátua de Marco Aurélio, mas, simultaneamente, como espaço

axial. Esta ambivalência do espaço vai potenciar um dinamismo próprio das

contraperspectivas, criando sensações diferentes à medida que é percorrido.

A contraperspectiva, como a perspectiva acelerada, é um caso especial da

perspectiva, que resulta no princípio de que todos os pontos de um mesmo

traço visual têm a mesma perspectiva. Isto permite criar distorções no espa-

ço que não são notadas de um ponto de vista escolhido. Tal como as ana-

morfoses. A diferença entre contraperspectiva e perspectiva acelerada reside

na direcção em que se distorce o espaço – comprimindo-se na contrapers-

pectiva e expandindo-se na perspectiva acelerada. Assim, um espaço em

44

Page 51: Geometria e Concepcao do Espaco

NOVAS GEOMETRIAS

perspectiva acelerada parece maior do que realmente é, enquanto um espa-

ço em contraperspectiva parece mais pequeno do que é na realidade.37

fig. 17 – Três espaços com a mesma perspectiva, em planta, perfil e perspectiva

Mas a passagem para o séc. XVII vê uma mudança cultural que é marcada,

em primeira análise, pela deslocação do centro cultural europeu de Itália

para a França, e pela queda do Latim como língua universal e a ascensão do

Francês para o substituir. A Europa é assolada por uma guerra violenta que

opõe católicos a protestantes (Guerra dos Trinta Anos, 1618 – 1648) e

transforma-se profundamente na sua face política e cultural. Na ciência

começa a sentir-se uma vontade de reestruturação que acabe de vez com os

mitos medievais e que forneça ao homem moderno um corpo de saber cla-

ro, sem ambiguidades, e funcional.

É neste sentido que Girard Desargues (1591-1661) tenta reformular a

Geometria criando um corpo único com um mesmo processo para resolver

todos os problemas. Desargues interessa-se por criar soluções que se revelas-

sem práticas no campo da arquitectura. Publica então trabalhos sobre Pers-

pectiva, Estereotomia e Gnomónica. Mas a sua obra de maior relevo é

37 Para uma explicação detalhada e história da Contraperspectiva, da Perspectiva Acelera-

da e da Perspectiva, ver XAVIER, 1997

45

Page 52: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

Brouillon Project d’une Atteinte Aux Evennements des Rencontres du Cone Avec

un Plan (1639), em que, inventa uma nova forma de geometria, mais geral

que a de Euclides, e que inclui a Geometria Euclideana, a Perspectiva e as

projecções paralelas num único processo.

fig. 18 – Teorema de Desargues – se as três rectas que unem os vértices correspondentes

de dois triângulos [ABC] e [A’B’C’] se encontram num mesmo ponto (centro de projecção),

então, as três intersecções dos pares de lados correspondentes incidem numa única recta

(eixo de projecção). Desta forma, os triângulos são projectivos ou, enquadrando o sistema

em Perspectiva, um é a perspectiva do outro, sendo o observador o centro de projecção.

A Geometria Projectiva expande a compreensão euclideana do espaço,

demarcando-se um pouco das interpretações teológicas de conceitos geo-

métricos, nomeadamente o infinito. Um dos seus princípios é a indistinção

de rectas paralelas, afirmando num dos seus postulados que quaisquer rectas

complanares se intersectam num ponto, podendo esse ponto estar no infinito

(no caso das rectas paralelas).38

38 A definição dos axiomas da Geometria Projectiva não está ainda fechada, um pouco gra-

ças à abertura que se iria dar, mais tarde, com a descoberta das geometrias não-

euclideanas e com a organização das geometrias por Klein. No entanto, a sua principal

46

Page 53: Geometria e Concepcao do Espaco

NOVAS GEOMETRIAS

47

ivo de Desargues.

No entanto, o trabalho de Desargues não teve logo muito impacto na

Matemática (em grande parte pelo pequeno número de exemplares impres-

sos: há notícia que Leibniz quis adquirir um, em 1675, nunca o conseguin-

do encontrar). Com efeito, a sua importância só se revela bastante mais

tarde quando, já no séc. XIX, Jean-Victor Poncelet (1788 – 1867) publicou

Traité des propriétés projectives des figures (1822), um verdadeiro tratado sobre

(…) os princípios da projecção central das figuras no geral e das secções

cónicas em particular, as propriedades das secantes e das tangentes

comuns a estas curvas, aquelas dos polígonos nelas inscritos e circuns-

critos, etc.39

Na introdução ao seu livro, Poncelet afirma a sua vontade de fazer

desaparecer a grande quantidade de “casos” na geometria tradicional,

oferecendo uma abordagem unificadora, uma reafirmação clara do

object

Já as aplicações práticas da Geometria Projectiva na arquitectura, exploradas

por Desargues, não ficaram esquecidas, graças à publicação de uma série de

livros40 por parte do seu aluno dilecto, Abraham Bosse.

43

característica à época era efectivamente a mudança na compreensão do espaço e das

capacidades de representação. Sobre os axiomas da Geometria Projectiva ver

http://www.partnership.mmu.ac.uk/cme/Geometry/M23Geom/ProjGeometry/ProjGeom

AxsDefs.html e http://mathworld.wolfram.com/ProjectiveGeometry.html

39 PONCELET, 1822, prefácio, trad. livre

40 - La manière universelle de M. des Argues Lyonnois pour poser l’essieu & placer les

heures & autres choses aux cadrans au soleil, 16

- La pratique du trait à preuve de M. des Argues Lyonnois pour la coupe des pierres en

architecture pratiquer la perspective, 1645

Page 54: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

fig. 19 – Abraham Bosse, placa 15 de Moyen Universel de pratiquer…, 1653

Demonstra-se nesta gravura a forma de projectar numa abóbada um sistema de linhas-

guia para o desenho de uma perspectiva.

No pequeno círculo de amigos de Desargues contavam-se Étienne Pascal, o

seu filho Blaise Pascal e René Descartes. Pascal admirava o trabalho de

Desargues e veio a trabalhar sobre as secções cónicas, entre vários outros

assuntos.41 Descartes partilhou da vontade unificadora de Desargues, mas o

seu objectivo era bastante mais abrangente: quis organizar todo o conheci-

53

- Manière universelle de M. des Argues pour pratiquer la perspective par petit-pied comme

le géometral…, 1648

- Moyen Universel de pratiquer la Perspective sur les tableaux, ou surfaces irrégulières,

ensemble quelques particularités concernant cet arte t celuy de la gravure en taille

douce, 16

41 Ver FIELD, J.V.; Girard Desargues; 1995; disponível em www-history.mcs.st-

andrews.ac.uk/biographies

48

Page 55: Geometria e Concepcao do Espaco

NOVAS GEOMETRIAS

49

mento como ramos de uma mesma árvore, e quis encontrar o método que

permitisse progredir igualmente em qualquer ramo do saber.

A Geometrização do Espaço II

Descartes (1596-1650) despoletou, antes de mais, uma nova forma de pen-

samento científico, elegendo a dúvida como método: duvidando de tudo

quanto não seja objectivamente verdade, chegamos eventualmente a uma

verdade absoluta, depois de dispersas todas as dúvidas. Esta nova maneira de

abordar as questões, aliada aos avanços matemáticos e científicos que a par-

tir daí ganharam ritmo exponencial, derrubou uma série de barreiras ao

conhecimento, acabando por marcar uma viragem na cultura ocidental. A

Revolução Francesa que acabou com as monarquias absolutas e instaurou

um regime inovador e equalitário, a Revolução Industrial que mudou não

só os processos de produção mas os transportes, o território e a própria

sociedade, a Teoria da Evolução que afastou definitivamente o Homem do

seu criador dando-lhe carácter de máquina evolutiva, todas estas transfor-

mações tiveram as suas raízes no sistema de pensamento que Descartes

inaugurou.

De todas as mudanças que varreram a Europa nos sécs. XVII e XVIII, a

mais largamente influente foi uma transformação epistemológica que

hoje chamamos “Revolução Científica”. Frequentemente associamos

esta revolução com as ciências naturais e com mudanças tecnológicas,

mas a Revolução Científica foi, na realidade, uma série de mudanças na

estrutura do próprio pensamento europeu: dúvida metódica, verificação

empírica e sensorial, a abstracção do conhecimento humano em ciên-

cias separadas e a visão do funcionamento do mundo como uma

máquina. Estas mudanças modificaram em grande medida todos os

outros aspectos da vida, desde a vida do indivíduo à vida do grupo. Estas

Page 56: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

50

alterações na visão do mundo também podem ser registadas na pintura,

escultura e arquitectura; podemos ver que as pessoas dos sécs. XVII e

XVIII viam o mundo de forma bem diferente.42

Descartes privilegia o indivíduo sobre a tradição dando importância ao pen-

samento e percepção individuais em detrimento de supostas verdades vei-

culadas por qualquer ciência. Cogito ergo sum é a afirmação que eu, o sujeito

dotado de pensamento, sou a base para a verdade que aceito. É uma afirma-

ção radical de quebra e recomeço.

E Descartes fornece uma Geometria que pretende demonstrá-lo.

Tentei demonstrar em Dioptrique e Météores que o meu método é

melhor que o vulgar, e com Géometrie pretendo demonstrá-lo.43

A Geometria de Descartes é diferente da tradicional. Não é sintética, ou seja,

não exprime graficamente o seu espaço, mas fá-lo com o recurso a expres-

sões matemáticas. A Geometria Analítica conseguiu assim contornar proble-

mas difíceis ou impossíveis para a geometria tradicional, e vinha abrir cami-

nho a avanços notáveis na Matemática, como o Cálculo moderno, desen-

volvido por Newton e Leibniz.

Mas durante este período de inovação científica e filosófica, a Arquitectura

(e a arte em geral) apresentava uma tendência diferente. Após a Reforma

Protestante, a Igreja Católica tentou impor-se de forma mais autoritária, e a

arte serviu-lhe de veículo. Da mesma forma, os soberanos absolutistas e a

aristocracia sentiam-se ameaçados por uma vaga de mudança que igualava

42 HOOKER, Richard, The European Enlightment

43 De uma carta a Mersenne, tradução livre de O’CONNOR, J. J.; ROBERTSON, E. F.; René

Descartes; 1997, www-history.mcs.st-andrews.ac.uk/biographies/descartes.html

Page 57: Geometria e Concepcao do Espaco

NOVAS GEOMETRIAS

51

os homens entre si e os aproximava de um Deus que prezava o despoja-

mento. A escultura, a pintura e a arquitectura do período barroco servem

um propósito propagandístico da Igreja e da aristocracia. A arte barroca é

extremamente rica e complexa, para louvar um Deus absolutista que esco-

lhe alguns de entre os homens para O representar e para os governar.

As formas barrocas são voluptuosas, privilegiando as curvas, favorecendo o

movimento e a contemplação. São obras esmagadoras, que pretendem exi-

bir o poder pela magnificência da forma e dos materiais. O Renascimento

mostrava equilíbrio e simetria, o Maneirismo angustiava, obrigando o

observador a reflectir, o Barroco inebria, reduzindo o observador à passivi-

dade.44

Mas as novas tendências culturais que prezavam uma simplicidade de cos-

tumes e a igualdade entre todos, e que iriam dar início à Revolução, come-

çam de novo a virar-se para a antiguidade clássica. Ressurge o interesse pela

Grécia e por Roma. Surge a Arqueologia como ciência. Uma das formas de

veicular a informação gráfica destes períodos é a gravura, de que os traba-

lhos de Piranesi (1720-1778) sobre Roma são excelentes exemplos. Vários

arquitectos são influenciados pelas perspectivas de Piranesi, como Étienne-

Louis Boullée (1728-1799). Nota-se um entendimento algo diferente da

44 Passividade social, leia-se. Espera-se que o visitante de uma igreja ou palácio se sinta

distanciado da beleza que o envolve, reduzido à sua posição social e feliz por poder

participar do esplendor e magnanimidade da Igreja e da Coroa. Em contraponto, destrói

a passividade de observação, promovendo o percurso pelo espaço e em torno das obras

para melhor se aperceber da sua complexidade.

Page 58: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

Antiguidade, com uma sensibilidade mais atenta à funcionalidade das obras

romanas.45

fig. 20 – Piranesi, Antichita Romanae, tav. XIV, Vista do Panteão, 1748

O estilo monumental de Boullée é inspirado nas formas clássicas, mas

adquire uma dimensão geométrica nova, que reflecte a dimensão utópica da

sociedade ideal e de uma arquitectura que transparece o fim a que se desti-

na. A Geometria ganha uma projecção bastante maior na arquitectura, fruto

talvez de uma crescente industrialização e mecanização que punham a

engenharia e a técnica na vanguarda do progresso. A arquitectura que se

prendia à decoração conotava-se cada vez mais com o esquema social em

queda.46

45 Piranesi envolveu-se, cerca de 1755, numa discussão à volta da importância da influên-

cia grega na arte romana, defendendo acerrimamente a arte etrusca, que considerava

verdadeiramente funcional, tendo os romanos evoluído destes, enquanto que, paralela-

mente, os gregos criavam uma arte meramente decorativa. Ver LAMERS-SCHÜTZE, p. 88

46 As ferramentas de representação promoveram de certa forma uma estagnação da arqui-

tectura, ao mesmo tempo que permitiam um desenvolvimento da técnica construtiva,

por induzir um certo formalismo. Por exemplo, a invenção do papel transparente permi-

tia aos jovens arquitectos coleccionar formas interessantes e aplicá-las sem critério. As

52

Page 59: Geometria e Concepcao do Espaco

NOVAS GEOMETRIAS

fig. 21 – Étienne-Louis Boullé, Projectos para Casa Comunal e Biblioteca do Rei, 1785

Boullée foi professor na École Nationale des Ponts et Chaussées, influenciando

vários arquitectos posteriores.

A partir da “Era da Representação”, os projectos teóricos tornaram-se

um meio privilegiado para questionar a possibilidade de uma

arquitectura verdadeiramente poética num mundo prosaico.

Simultaneamente, a sua arquitectura [dos projectos teóricos] constrói

uma ficção, uma vida potencialmente poética no futuro, de que o

melhor exemplo é a original e grandiosa narrativa de Ledoux

L’Architecture considerée sous le rapp rt de l’art, des moers et de la

legislation (1806), uma teoria arquitectónica radicalmente diferente da

tradiçã

o

o científica vitruviana clássica.47

O clima de evolução tecnológica do séc. XVIII promoveu o aparecimento

de uma arquitectura desenhada por engenheiros, cada vez mais preocupados

com a funcionalidade do que com o estilo. Até ao início do séc. XX, a

gravuras de Piranesi, por exemplo, podiam transmitir uma ideia de paisagem ideal, está-

tica. (ver NERDINGER, Winfried; De l’Épure Baroque a l’Axonometrie)

47 PÉREZ-GÓMEZ, 2000, pp. 79, 80, trad. livre

53

Page 60: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

54

arquitectura de vanguarda era produzida por engenheiros que se especiali-

zavam cada vez mais em Matemática e em Física, deixando para trás a edu-

cação clássica do arquitecto tradicional. Novos materiais exigiam novos

conhecimentos e novas formas de construção. E os engenheiros estavam à

altura do desafio.

O séc. XVIII viu também uma organização do conhecimento em ciências

autónomas e avançou no sentido da concepção do Universo como um

gigantesco mecanismo que funciona e evolui segundo um sistema de regras

simples que a ciência pode compreender. Desde que Newton desvendara o

funcionamento das forças que regem os corpos em 1687, até à Teoria da

Evolução da Espécies de Darwin, em 1859, o mundo transformara-se radi-

calmente em praticamente todos os aspectos.

A industrialização precisava de processos de representação rigorosos, fáceis de

compreender e expeditos na resolução de problemas. E é precisamente em resposta

a estas necessidades que Gaspard Monge (1746-1818), na altura desenhador

do exército francês, desenvolve um processo inicialmente orientado para o

desenho de fortificações, mas que se viria a revelar muito útil no futuro

para quaisquer processos de produção – a Geometria Descritiva.

Este era um método puramente sintético, que assentava no princípio da

projecção ortogonal, incluindo duas projecções no mesmo desenho, inter-

relacionadas (outro nome para o Sistema de Monge é Sistema de Dupla Pro-

jecção Ortogonal). Monge imaginou um referencial de dois planos perpendi-

culares em que se projectavam ortogonalmente os elementos a desenhar.

Rodando um dos planos 90º, sobrepunham-se, mostrando na mesma folha

as projecções da peça. Este processo evoluiria mais tarde para incluir outras

projecções da peça no mesmo desenho, originando sistemas de múltipla pro-

Page 61: Geometria e Concepcao do Espaco

NOVAS GEOMETRIAS

jecção ortogonal, como o Sistema Americano e o Sistema Europeu.

A Geometria, quer a Descritiva, quer a Analítica, começava a adquirir uma

função técnica e a abandonar a simbólica, que até aí nunca tinha perdido. A

Revolução Industrial, com o seu carácter mecânico catapultou a Geometria

e a Matemática para um campo em que deviam solucionar problemas de

ordem prática e, neste sentido, fugiram definitivamente das mãos dos artis-

tas e arquitectos para as mãos dos matemáticos e engenheiros. A Geometria

entrava numa era de ouro, em que se definiu finalmente como uma ciência

autónoma e se formalizou no sistema que hoje conhecemos.

O homem do séc. XIX cria instrumentos de controle, quer do mundo

social, quer do natural, à luz da ciência e da técnica. É no séc. XIX que o

arquitecto adquire as ferramentas de representação que hoje conhece.

fig. 22 – Exemplo de uma projecção ortográfica de uma patente americana (1913), mos-

trando duas vistas do mesmo objecto.

Mas o arquitecto era cada vez mais ameaçado pelo racionalismo dos enge-

55

Page 62: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

56

nheiros e sociólogos, que protagonizavam o progresso e viam a arquitectu-

ra, que se mantinha eclética, como uma reminiscência do Antigo Regime.

O engenheiro era o homem do momento. Depois da Revolução Francesa

foi criada em Paris a École Polytechique, que treinou classes profissionais de

cientistas e engenheiros. A Geometria Descritiva era uma das matérias prin-

cipais lá leccionadas. Como afirma Pérez-Gómez, foi a disciplina paradig-

mática quer para os arquitectos, quer para os engenheiros, e tornou-se o

melhor processo de representação, pela sua objectividade, sem as ambigui-

dades que até então todo o desenho arquitectónico ia tendo.48

Estava completamente definida a estrutura do espaço: os engenheiros traba-

lhavam-no e dominavam-no utilizando a geometria de Monge, e esta

assentava nos princípios de Euclides. Espaço era Geometria e Matemática, e

estas eram objectivas e claras. E eternas!

Ou não!...

Geometrias Não-Euclideanas

A Geometria Euclideana apresentava, havia já séculos, uma questão que

permanecia sem solução. Como sabemos, Euclides expôs a sua geometria

com cinco postulados que definiam o espaço a que se referiam. O espaço

euclideano é contínuo49, infinito50, homogéneo, isotrópico51 e de curvatura nula.52 É

48 PÉREZ-GÓMEZ, 2000, p. 84

49 Significando que não tem interrupções, buracos, cortes… os três primeiros postulados

implicam esta característica.

Page 63: Geometria e Concepcao do Espaco

NOVAS GEOMETRIAS

57

o postulado em que se define esta última característica do espaço – o quin-

to, ou Postulado das Paralelas – o responsável por uma discussão que durou

dois mil anos, e que viria, em último caso, a dar origem às geometrias não-

euclideanas.

Este postulado não se apresentava com uma forma tão óbvia como os ante-

riores. Facto que levou, ao longo dos séculos, vários pensadores a tentar

eliminá-lo, provando-o com os restantes postulados (reduzindo-o assim a

um teorema). Ou então, em alternativa, a encontrar uma forma tão óbvia

quanto a dos restantes. Todas as tentativas falharam. Em 1733, um jesuíta

italiano, Girolamo Saccheri, publicou Euclides ab omni nævo vindicatus. O

objectivo desta obra, como o próprio nome indica, era fechar a discussão à

volta da Geometria Euclideana. Por redução ao absurdo mostraria que não

havia outra geometria possível. Mas, ao negar o Quinto Postulado, Saccheri

não encontrou contradições lógicas. Chegou, no entanto, a resultados tão

contra-intuitivos, que os assumiu como impossíveis, logo como prova de

que a única geometria possível era a Euclideana. Sem se aperceber, dava os

primeiros passos na definição das geometrias não-euclideanas.53

No segundo quartel do séc. XIX, Nicolai Lobachevsky (1792 – 1856) e

János Bolyai (1802 – 1860) criam os primeiros exemplos de geometrias que

ulado.

50 Sem limite. O Segundo Postulado mostra-o, bem como o quinto.

51 De facto, homogéneo e isotrópico são, basicamente, sinónimos, implicando que o espa-

ço tem as mesmas características em todas as suas partes e todas as suas direcções.

52 O conceito de curvatura surge com as geometrias não-euclideanas, não com Euclides.

Mas é uma ideia latente, presente já em Elementos, quando é definido o Quinto

Post

53 CACHE, 1999

Page 64: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

58

não cumprem o Quinto Postulado de Euclides, definindo espaços diferen-

tes. Mas mais uma vez, os resultados resultavam tão contra o senso comum,

que o próprio Lobachevsky viria a chamar à sua geometria de Geometria

Imaginária.

Esta assumia os quatro primeiros postulados de Euclides e alterava o quinto,

referindo que por um ponto exterior a uma recta passam mais do que uma

paralela à recta dada.54 Este conceito vem transformar a noção de recta, que

ainda hoje temos, como “linha direita”. O termo mais correcto será geodési-

ca55, que assume formas e características diferentes conforme o espaço em

questão. Assim, temos o espaço hiperbólico de Lobachevsky, com número

infinito de paralelas – curvatura negativa; o espaço de Euclides, com uma

paralela – curvatura nula; o espaço elíptico, estudado por Riemann (1826 –

1866), sem rectas paralelas – curavatura positiva. Mudando apenas o Quinto

Postulado para definir diferentes geometrias, delimitamos o campo da Geo-

metria Absoluta, composta pelos quatro primeiros postulados, dos quais

nenhum pode ser alterado ou removido, sob pena de se fazer colapsar tam-

bém os outros.

54 À época, como ainda hoje, a forma adoptada do Postulado das Paralelas era a definição

de Playfair: por um ponto exterior a uma recta passa no máximo uma recta paralela à

recta dada.

55 [linha] que, sobre uma superfície, nos dá a mais curta distância entre dois pontos Dic. da

Língua Portuguesa Contemporânea; Academia das Ciências de Lisboa/Verbo; 2001

Page 65: Geometria e Concepcao do Espaco

NOVAS GEOMETRIAS

fig. 23

A quebra da exclusividade da Geometria Euclideana foi um ponto-chave na

história da Geometria e preconizou a quebra da estrutura do Universo

como Newton a definira. Durante algum tempo, as geometrias não-

euclideanas eram apenas bizarrias da Matemática, olhadas com alguma

curiosidade lúdica, até que, no virar para o séc. XX surgiram simultanea-

mente em dois campos distintos que lhe viriam a conferir a dignidade que

mereciam – na Física e na Arquitectura!

Na Física, pela mão de Einstein (1879 – 1955) que encontrou num modelo

de Riemann a explicação para fenómenos que não conseguia explicar num

espaço euclideano. Einstein deitava por terra o universo tradicional, cons-

truindo outro novo, com novos conceitos.56 É o nascimento da Teoria da

Relatividade, que durante muito tempo escaparia à compreensão de muitos

cientistas, e que, um século volvido, ainda é vista pelo público geral como

04, p. 77

TP56

PT “Consideremos um simples carrossel ou um disco em rotação. Em repouso, sabemos

que a sua circunferência é igual a π vezes o diâmetro. No entanto, assim que o carrossel é

posto em movimento, o bordo exterior passa a deslocar-se mais rapidamente que o

interior e, portanto, segundo a relatividade, deveria encolher mais que o interior,

distorcendo a forma do carrossel.” Este é o paradoxo de Ehrenfest, que levou Einstein a

concluir que o espaço é curvo e a adoptar a geometria de Riemann. KAKU, 20

59

Page 66: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

60

2

algo tirado de um romance de ficção científica, uma curiosidade matemáti-

ca de que todos conhecemos a forma famosa de sem sabermos

sequer do que se trata… Einstein iniciava o novo século com um novo

Universo, uma nova Física. As certezas determinísticas a que chegara a

Revolução Científica eram desmontadas, trocadas por um sistema aberto

que iniciaria, desta vez, uma verdadeira revolução que ainda vivemos hoje.

mce =

Na Arquitectura, por intermédio, não de um arquitecto, mas de um enge-

nheiro russo,57 Vladimir Shukhov (1853 – 1939), que na Exposição Pan-

Russa de 1896, em Nizhni-Novgorod, apresenta três obras verdadeiramen-

te notáveis mas muito pouco conhecidas, inovadoras na forma e nos tipos

construtivos. Shukhov construiu, na mesma exposição a primeira estrutura

hiperbolóide, a primeira estrutura em concha e a primeira estrutura tensionada em

aço. Nestas aplicações, Shukhov compreendeu as possibilidades que davam

as formas não-euclideanas, no que concerne ao seu interesse intrínseco e às

suas excelentes propriedades estruturais.

TP57

PT Como pormenor interessante, Einstein também não era físico, e redefiniu a física…

Page 67: Geometria e Concepcao do Espaco

NOVAS GEOMETRIAS

fig. 24 – V. Shukhov, Torre Hiperbolóide,

Nizhni-Novgorod, 1896

fig. 25 – V. Shukhov, Pavilhão Oval,

Nizhni-Novgorod, 1896

fig. 26 – V. Shukhov, Pavilhões em concha, Nizhni-Novgorod, 1896

É necessário aqui abrir um parêntesis de explicação para estas formas não-

euclideanas. Não existem elas no espaço euclideano? Não podem ser des-

critas por outras geometrias? Podem, de facto, e a verdade é que o foram; e

foram construídas (são-no ainda) com o recurso a outros métodos além das

geometrias não-euclideanas. Piero della Francesca deixou-nos exemplos de

um processo de representação geométrico de superfícies “não geométricas”

61

Page 68: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

– nada mais nada menos que projecções cotadas (que ainda lhe serviriam

para controlar as perspectivas de objectos complexos como, por exemplo,

uma cabeça humana). O método das projecções cotadas tem sido, e é, utili-

zado para representar superfícies complexas ou irregulares com elevado

grau de rigor.

fig. 27 – As projecções cotadas de Piero del-

la Francesca

fig. 28 – E. Miralles, Como Acotar un Crois-

sant

Uma das aplicações em que a exigência é elevada é a engenharia naval. Mas

outras, como a topografia, podem ser referidas. Além disso, superfícies

geométricas não-euclideanas são construídas com as ferramentas euclideanas

das nossas empresas de construção, como as torres de arrefecimento de cen-

trais termoeléctricas ou nucleares, ou as formas muito complexas de edifí-

cios como os de Frank Gehry. Mas, apesar de ser possível descrever formas

62

Page 69: Geometria e Concepcao do Espaco

NOVAS GEOMETRIAS

63

como a hiperbolóide ou as superfícies minimais com processos tradicionais,

é mais simples e proveitoso fazê-lo com o recurso à geometria adequada a

cada situação. Da mesma forma que a multiplicação é uma forma simplifi-

cada de uma soma de várias parcelas idênticas. É pela formulação mais sim-

ples que se percebe melhor as características destas formas, permitindo estu-

dá-las e utilizá-las de forma consequente, do ponto de vista estrutural.58

Assim, as várias geometrias, a euclideana e as não-euclideanas, são ferra-

mentas para estudar os espaços e as formas a que melhor se adequam. São

convenções.59 Como Poincaré (1854 – 1912) deixa claro, a Geometria é o

resumo das regras segundo as quais as imagens60 dos objectos no espaço se

e Euclides

nder.

TP58

PT Hoje em dia, a utilização de referenciais não-euclideanos ou não-cartesianos é

bastante facilitada pelo uso do computador, que funciona apenas sobre esquemas

matemáticos e deixa de lado a intuição, que nos faz visualizar facilmente apenas a

geometria plana d

59 Poincaré afirma: (…) não faz sentido considerar a questão: “a Geometria Euclideana é

verdadeira?” como não faz sentido perguntar se o sistema métrico é verdadeiro ou os

antigos sistemas de medidas são falsos, ou se as coordenadas cartesianas são verdadei-

ras e as polares falsas. Uma geometria não pode ser mais verdadeira que outra; pode ser

mais conveniente. A Geometria Euclideana é, e será, a mais conveniente. EMMER, 2004, p.

10

60 Poincaré nega qualquer relação da Geometria com a experiência, se a houvesse, a

Geometria seria rude e cheia de erros e excepções. Mas não: a Geometria estuda objectos

ideais, não objectos reais. E o espaço ideal, com os seus objectos abstractos, as imagens,

é o resultado de uma depuração feita no nosso processo cognitivo. A Geometria acaba

por cumprir o papel de codificação do espaço em imagens, assumindo-se como

linguagem para o podermos compree

Page 70: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

movem e sucedem.61 Poincaré analisa os grupos de transformações a que os

objectos podem ser sujeitos, acabando por chegar à Topologia, que publicou

em Analysis Sitûs (1895). Topologia significa literalmente análise de posição, e

é, digamos, o “grau zero” da Geometria, ou seja, o estudo das propriedades

dos objectos que se mantêm invariantes sob transformações contínuas de

todo o tipo. Apenas a adição ou subtracção de cortes no objecto não é per-

mitida. Imaginemos uma bóia de praia, em forma de donut, de um plástico

extremamente maleável. Poderíamos esticá-la ao máximo, mas não lhe

podíamos abrir cortes, nem fazer desaparecer o buraco central. A Topologia

seria a ferramenta mais adequada para estudar as relações dos pontos desse

objecto. O “buraco” no objecto topológico é o que define o seu genus.

Assim, a esfera tem genus 0, o donut tem genus 1, e por aí em diante.

fig. 29 – Três objectos de genus 1

Mas a viragem do século não trazia para a Arquitectura um ritmo tão ele-

vado de mudança quanto o que já trazia a Engenharia, impulsionada pela

61 POINCARÉ, Jules Henry; Geometry and Space; disponível em www.euclides.org

Já Felix Klein (1849 – 1925) tinha descrito a Geometria como o estudo das propriedades

das figuras que se mantêm invariantes sob um grupo de transformações, separando-se

em vários ramos (várias Geometrias) de acordo com o grupo de transformações. Cf.

EMMER, 2004, p.10; KLEIN, 1872

64

Page 71: Geometria e Concepcao do Espaco

NOVAS GEOMETRIAS

65

Revolução Industrial e pelas novas técnicas e materiais ao dispor. A arqui-

tectura europeia dos finais do séc. XIX e inícios do séc. XX ficaria marcada

antes pela busca de uma estética dos processos artesanais, afastada do mundo

das máquinas (Arts and Crafts, Art Nouveau…), e por um estilo eclético que

não representava nem as alterações tecnológicas, nem as alterações sociais.

Num período em que a engenharia era louvada pelas obras “modernas”

que produzia, a arquitectura vivia uma certa crise, que iria dar origem pou-

co depois, a processos de ruptura e renovação como a Bauhaus (aberta

entre 1919 e 1933) ou o Movimento Moderno (reuniões dos CIAM entre

1928 e 1959).

O novo espírito que inflamou, depois, a arquitectura, ainda na primeira

metade do século, era um espírito de funcionalidade, contra o ecletismo fin

de siècle. Le Corbusier comparava os edifícios ao automóvel, ao avião, ao

transatlântico. A casa começava a ser considerada uma machine a habiter, ins-

pirada nas técnicas da indústria que florescia. A história foi rejeitada. A for-

ma simplificava-se, rejeitando a ornamentação supérflua. A geometria abs-

tracta tomava conta dos novos edifícios e as formas eram quase exclusiva-

mente euclideanas. Ponto, recta, plano – estes eram os elementos da arquitec-

tura. A curva era rara.

Mas o novo século era muito mais complexo do que possa parecer a uma

primeira vista. Euclides não seria o único protagonista da nova arquitectura.

Page 72: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

66

Page 73: Geometria e Concepcao do Espaco

DESTE LADO DO ESPELHO I

parte II

Em 1872, Charles Dogson, matemático inglês, publica Trough the Looking

Glass (Alice do Outro Lado do Espelho), sob o pseudónimo de Lewis Car-

roll. Alice atravessa o espelho para encontrar um universo paralelo, em que

as regras são diferentes das nossas, em que o espaço tem propriedades dife-

rentes. Alguns autores vêem nesta obra (e na que Carroll publicara ante-

riormente – Alice in Wonderland) indícios da sua formação matemática, e de

uma atenção aos avanços científicos e matemáticos da época. Nos finais do

séc. XIX, o conceito de espaço desligou-se da sua concepção geométrica.

As várias geometrias começaram a ser entendidas como protocolos para

situações distintas. Como Poicaré evidenciara, a Geometria Euclideana não

é mais verdadeira que as geometrias não-euclideanas, apenas mais conveniente.

E a Geometria, nas suas diferentes facetas, revelar-se-ia importante para ser-

vir diferentes fins, e para abrir novas portas à nossa percepção da realidade.

O desenho de estruturas arquitectónicas modificou-se radicalmente após a

Revolução Industrial. Até então, os edifícios eram construídos segundo um

princípio simples de sobreposição de elementos, que dominava apenas os

esforços de compressão das peças, evitando ao máximo as forças de tensão.

A construção era feita essencialmente em alvenaria, pelo que não era possí-

67

Page 74: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

68

vel utilizar a tensão como força estrutural. A madeira era o único material

com resistência à tensão e à torção, mas o tamanho limitado das peças nun-

ca permitiu grandes avanços no desenho de estruturas diferentes das tradi-

cionais.62

A Revolução Industrial trouxe novos materiais para a construção e novas

formas de construir. As vigas de ferro, os cabos de aço, a standardização e

pré-fabricação vieram alterar bastante o rumo da engenharia e da arquitec-

tura. Aliando os novos materiais aos novos processos de cálculo estrutural, o

desenho de estruturas ganhou uma importância maior do que até aí.

A nova forma de construir criou uma nova imagem arquitectónica. Como

afirma Armero:

O desenvolvimento de novos materiais foi decisivo para o abandono do

sistema mural, em que se baseavam as formas tradicionais de composi-

ção. Parecia que a técnicas tão inovadoras correspondia um espectro

formal completamente renovado e, consequentemente, os sistemas

geométricos do ciclo mural são abandonados.

No campo da indústria e da engenharia, havia tempo que emergia um

novo vocabulário formal sem hesitações: a engenharia do séc. XIX e os

novos desenhos industriais encontravam sem problemas uma nova lin-

ue se evidencia.

62 Um exemplo interessante da aplicação da madeira para o controlo das forças de tensão

é a sua utilização na reconstrução pombalina da Baixa Lisboeta. Os edifícios pombalinos

eram estruturados por uma gaiola de madeira que lhes conferia resistência adicional em

caso de sismo. Na verdade, o tipo de construção da Baixa Pombalina pode ser

considerado de alta tecnologia anti-sismo. No entanto, o processo construtivo não

alterou a imagem arquitectónica, mantendo-se dissimulado, situação que a partir da

Revolução Industrial não se verifica, sendo o edifício moldado muitas vezes pela

estrutura, q

Page 75: Geometria e Concepcao do Espaco

DESTE LADO DO ESPELHO

69

guagem absolutamente alheia à tradição, nascida da análise científica e

prática dos problemas.63

As estruturas desenvolvidas a partir da Revolução Industrial tendem a uma

evidenciação da estrutura sob a pele arquitectónica. Como já Boullée tinha

defendido, a arquitectura torna-se transparente, não escondendo já nem a sua

função, nem a sua estrutura.

Durante vários anos, a Arquitectura agoniza na encruzilhada para o séc.

XX. Sem compreender completamente os avanços na engenharia, privile-

gia o estilo, o ecletismo, uma decoração que descobre formas exóticas nas

colónias ultramarinas. Mas, ainda no primeiro quartel do séc. XX, come-

çam a surgir movimentos de renovação na Arquitectura.

O Modernismo é racionalista, rejeita a decoração e preza o funcionalismo.

Conjuga a natureza estrutural do edifício com o resultado formal, mas

liberta a forma das necessidades estruturais, o que é apenas possível com as

novas técnicas de construção, que tornam a estrutura mais ligeira. Em 1929,

Le Corbusier constrói a Villa Savoye, em que evidencia os “Cinco Pontos

para uma Arquitectura Nova”:

1. Utilização de pilotis, de forma a libertar o solo da “pegada” da casa;

2. Cobertura plana, para utilização pelos residentes, com um jardim,

por exemplo;

3. Planta livre, sem as paredes de suporte, deixando a função estrutural

aos pilotis;

63 ARMERO, 2004, trad. livre

Page 76: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

4. Janelas em banda, para uma máxima iluminação natural;

5. Fachada livre, já sem a função estrutural.

Mas o Modernismo acaba por ver a sua liberdade formal coarctada pela

própria tecnologia que a podia desinibir. A estrutura feita com peças pré-

fabricadas e standardizadas promove, por um lado, a modulação e repetição

do desenho, por outro o uso do ângulo recto. Assim, a geometria moder-

nista é essencialmente aritmética, semelhante à das ordens gregas.

fig. 30 – Le Corbusier, Sistema Dom-Ino, 1914-17

Axonometria

A busca do racionalismo encontrou a geometria adequada à construção. A

quadrícula era o método mais simples e eficaz de desenhar estruturas, de

modular o espaço e de utilizar aproveitar as vantagens das peças pré-

fabricadas. E encontrou o método de representação que deixava transpare-

cer todas estas vontades – a axonometria.

70

Page 77: Geometria e Concepcao do Espaco

DESTE LADO DO ESPELHO

Fig. 31 – Herbert Bayer, Escritório de Walter Gropius na Bauhaus, 1923

Não sendo um processo representativo novo, é, contudo, durante o séc.

XX que é mais aplicado na arquitectura. A axonometria, sendo um método

de projecção paralela, não apresenta distorções na imagem em relação ao

objecto,64 pelo que é mais intuitiva que a perspectiva. A perspectiva repre-

senta o que os olhos vêem, a axonometria representa o que a memória

conhece.65 Em arquitectura, a axonometria apresenta uma vantagem clara:

mantém as proporções das várias partes do desenho, ao mesmo tempo que

apresenta uma visão geral do conjunto. Alia, portanto, as melhores caracte-

rísticas das perspectivas com as das plantas e alçados. E esta característica

seria determinante para o seu uso durante o séc. XX.

dos casos.

64 Em rigor, não é bem assim. Existem sempre reduções nas dimensões se a representação

for feita por processos projectivos. No entanto, o tratamento da axonometria como

projecção efectiva é algo tardio. Até esse entendimento projectivo da axonometria, esta

era uma convenção, em que as medidas se mantinham inalteradas, simplificando

bastante o seu manuseamento. De facto, ainda hoje é assim na maioria

65 Ver COLQUHOUN, 1992

71

Page 78: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

72

Nos finais do séc. XIX, a axonometria começou a ser ensinada em escolas

de engenharia e isso deu origem à sua aplicação na avant-garde do século

seguinte. Como Colquhoun afirma, a obra de arte deixa de ser vista como

uma manifestação de beleza externa, mas antes como um esquema operativo

do funcionamento da realidade.66 Enquadra-se então perfeitamente no espí-

rito da primeira metade do séc. XX, em que o Construtivismo, a Bauhaus

e os CIAM querem uma nova objectividade, uma racionalização da arquitec-

tura em que os edifícios são concebidos como máquinas.

Para os arquitectos modernistas, com a excepção parcial de Le Corbu-

sier e Mies van der Rohe, a projecção axonométrica é prática quotidiana.

Na obra de Hannes Meyer e de Hans Wittwer o uso da axonometria

assume tons polémicos (…). Mas o contributo maior é dado pela obra de

três outros protagonistas: Alberto Sartoris, Theo Van Doesburg e El Lis-

sitsky. Dentre eles, Sartoris era o único arquitecto profissional, e os seu

desenhos são os mais “arquitectónicos”: aparentemente o menos ligado

a valências teóricas ou metafísicas. Mas com Sartoris, não menos que

com os outros, a axonometria torna-se uma forma de arte em si, intrin-

secamente ligada ao valor do objecto representado.67

O trabalho de Sartoris evidencia um grande cuidado e interesse pela repre-

sentação. E é aí que a axonometria é importante: tendo conhecido a sua

teorização no séc. XVIII, a sua aplicação mais importante liga-se com a

representação de fortificações, e, de alguma forma, à representação de

maquinaria, tal como o método de Monge, mas, ao contrário deste último,

que permanece uma ferramenta técnica, a axonometria é um poderoso veícu-

lo comunicativo, mais aberto ao observador comum. Transporta para a repre-

66 COLQUHOUN, 1992, pp. 18, 19

67 COLQUHOUN, 1992, p. 20, trad. livre

Page 79: Geometria e Concepcao do Espaco

DESTE LADO DO ESPELHO

sentação mais força, dando-lhe, inclusivamente, o carácter de obra de arte.

Encarna o espírito modernista de identificação da técnica com a estética.

fig. 32 – Axonometria de Alberto Sartoris

Mas o avanço alucinante da tecnologia e da indústria fornecia constante-

mente novos materiais e técnicas construtivas, e estas exigiam experimenta-

lismo.

Estruturas Não-Euclideanas

O estudo de formas não-ortogonais que resolvessem problemas estruturais

conduziu ao uso das geometrias não-euclideanas. As formas de igual resistência

não cumprem as regras do ângulo recto. Ao olharmos à volta, vemos na

Natureza estruturas altamente eficientes. E, olhando com atenção, quase

não vemos indícios da geometria de Euclides. Mas, como diz Armero,

Deus geometriza:

73

Page 80: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

74

Porque é que Deus geometriza? Porque as formas do Universo são mani-

festações de acções físicas. Tanto as formas inertes como os organismos

vivos se comportam de acordo com leis que produzem regularidade. A

geometria é a manifestação plástica de uma lei de formação.

As diferentes configurações naturais aparecem como consequência do

Princípio de Mínima Energia: “em qualquer mudança que se efectue na

Natureza, a quantidade de acção para tal mudança há-de ser a mínima

possível”.68

Porque não, então, olhar à nossa volta para encontrar sistemas geométricos

aplicáveis à arquitectura?

Frank Lloyd Wright introduziu na linguagem arquitectónica o termo orgâ-

nico em 1908:

Apesar de a palavra “orgânico” se referir geralmente a algo com caracte-

rísticas de animais ou plantas, a arquitectura orgânica de Frank Lloyd

Wright toma um novo significado. Não é um estilo mimético, porque

[Wright] nunca quis construir formas representativas da natureza. Em

vez disso, a arquitectura orgânica é uma reinterpretação dos princípios

naturais, filtrados pelas mentes inteligentes de homens e mulheres, que

podem então construir formas mais naturais que a própria Natureza.

A arquitectura orgânica envolve respeito pelas propriedades dos mate-

riais (não se faz uma flor com aço) e respeito pela harmonia entre a for-

ma e a função de um edifício (por exemplo, Wright rejeitou a ideia de

fazer um banco semelhante a um templo grego). A arquitectura orgânica

é também a tentativa de integração dos espaços num todo coerente: um

68 ARMERO, 2004, trad. livre

Page 81: Geometria e Concepcao do Espaco

DESTE LADO DO ESPELHO

casamento entre o local e a estrutura e uma união entre o contexto e a

estrutura.69

No entanto, e apesar de Wright ter uma tendência experimentalista para as

novas tecnologias e materiais, em alguns casos considerada à frente do seu

tempo, não experimentou as formas plásticas naturais. Antes explorou as for-

mas organizativas da Natureza. Assim, chegou a esquemas também eles não-

euclideanos, mas não de alguma geometria estudada até então: as estruturas

repetitivas, semelhantes em várias escalas, que Wright usaria bastante,

seriam estudadas décadas depois – os fractais.

Mas a Natureza oferecia formas, além de estruturas. A teia de aranha, o favo

de mel, a folha de uma planta, a película da bola de sabão, qualquer forma

existente na Natureza é eficaz e económica. E essas formas não respeitam

um sistema ortogonal plano. E no entanto, alguns arquitectos provaram que

podiam ser aplicadas à Arquitectura, com resultados interessantes, do ponto

de vista estrutural e do ponto de vista estético.

fig. 33 – ninho de térmitas no Burkina Faso

69 ELMAN, Kimberly; Frank Lloyd Wright and the Principles of Organic Architecture;

disponível em www.pbs.org/flw/legacy, trad. livre

75

Page 82: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

76

(www.earth-auroville.com)

Frei Otto (n. 1925), chamou a atenção do público com uma estrutura ten-

sionada que resultava numa parabolóide hiperbólica.

Superfícies Mínimas

fig. 34 – Frei Otto, Pavilhão em Kassel, 1955

O princípio é simples: um quadrilátero cujos vértices são deslocados para

fora do plano, criando uma superfície mínima70 entre as arestas. As superfícies

mínimas são eficazes do ponto de vista estrutural, uma vez que apresentam

esforço mínimo em cada um dos seus pontos. O seu uso em arquitectura

70 A superfície mínima apresenta uma curvatura média igual a zero. Na prática, apresenta

um esforço mínimo em cada um dos seus pontos. A superfície mínima é uma superfície

não-euclideana, facilmente encontrada ao submergir uma estrutura de arame numa

solução com sabão, criando uma película entre as arestas. O seu estudo foi empírico até

bem recentemente, altura em que os computadores assumiram um papel importante na

sua investigação.

Page 83: Geometria e Concepcao do Espaco

DESTE LADO DO ESPELHO

77

ade

sobre esta tipologia construtiva, com dezenas de exemplos construídos.

implica a utilização de materiais com resistência à tensão, tipicamente telas,

com o aspecto de tendas. Com o uso de cabos cada vez mais rígidos, tor-

nou-se possível construir coberturas em materiais diferentes, como vidro,

acrílicos ou lâminas de metal. Frei Otto tem-se tornado a maior autorid

fig. 35 – Frei Otto, Sternwellenzelt, Tanzbrunnen, 1957

fig. 36 – Sternwellenzelt, maquete com película de sabão

Esta estrutura combina dois elementos-chave: a membrana, que é composta

por uma tela ou malha de cabos, que suporta esforços de tensão; para dar

forma a esta “pele”, é necessário, no entanto, criar um segundo sistema,

normalmente com o recurso a postes, que suportam os cabos de ancoragem

da membrana. Os postes estão sujeitos apenas a esforços de compressão,

pelo que neste tipo de estruturas se separam os tipos de forças e se criam

Page 84: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

78

ntos resolvem esforços diferentes e funcionam eficazmente num

todo.

estruturas adequadas para cada um. Esta filosofia construtiva foi explorada

sobretudo por Buckminster Fuller, que a chamou de tensegrity71. Na Natu-

reza pode ser encontrada, por exemplo, num esqueleto, em que ossos e

ligame

fig. 37 - Kenneth Snelson, Easy Landing, 1977

Buckminster Fuller e a Cúpula Geodésica

O caso de Buckminster Fuller (1895 – 1983) é verdadeiramente apaixonan-

te. À beira do suicídio, em 1927, após uma série de dificuldades que lhe

surgiram em pouco tempo, decidiu tentar provar que um só homem podia

mudar a qualidade de vida no mundo, e que a tecnologia pode salvar o Mundo de

si próprio, desde que seja devidamente utilizada. Sempre muito interessado em

engenharia naval e aeronáutica, Fuller desenvolveu uma série de estruturas

novas, trabalhando num limbo entre a geometria pura e a engenharia. E o

mais interessante é que o fazia de forma intuitiva, sempre experimental-

71 Tensegrity (tension+integrity) é um termo de Fuller, mas tinha sido já experimentada nas

esculturas de Kenneth Snelson desde 1948.

Page 85: Geometria e Concepcao do Espaco

DESTE LADO DO ESPELHO

79

nalidade e inovação. No site do Buckminster

Fuller Institute podemos ler:

strui-

iste e funciona

s do sempiterno e

santemente inter-cambiante Cenário Universal.

os comportamentos inerentemente

cos e pela esfera. Pondo em equação a eficiência energética, a economia de mate-

mente. Na prática foi uma personagem renascentista em pleno séc. XX.

Um inventor pouco preocupado com a teorização à volta das suas criações,

interessado antes na sua funcio

Os 99% da Humanidade que não entendem Cálculo e outros ramos de

matemática avançada vêem a ciência e a tecnologia, especialmente esta

última, como uma nova doença da sociedade. As pessoas do hemisfério

ocidental associam a tecnologia essencialmente com armas de de

ção maciça, exaustão dos recursos naturais e poluição ambiental.

A “distorção cúbica” do pensamento popular impede os tecnologica-

mente iletrados de perceber que o Universo físico cons

inteiramente de acordo com a tecnologia mais refinada.

O que a ciência descobre mas não consegue comunicar ao público é que

a tecnologia do Universo, a que nós chamamos de “Natureza”, opera

simplesmente como um integral complexo de leis matemáticas exactas.

Estas leis governam todas as omni-interacomodaçõe

inces

(…)

Apenas há meio século atrás, a ciência da Sinergética apresentou uma

matemática conceptual, experimentalmente verificável, que acomoda

todas dinâmicas morfológicas d

quadridimensionais da Natureza.72

O seu objectivo foi sempre uma optimização dos recursos, perseguindo a

máxima resistência com o mínimo de material. Com este objectivo apro-

ximou-se da Geometria, ganhando especial interesse pelos sólidos platóni-

72 Tradução livre de www.bfi.org

Page 86: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

riais, a resistência estrutural e a relação área/volume Fuller inventou a cúpula geo-

désica.

fig. 38 - Buckminster Fuller, Pavilhão Americano da Expo 67 em Montreal

A cúpula geodésica assenta nas propriedades estruturais do triângulo e da

esfera. Partindo de um sólido platónico de lados triangulares (tetraedro,

octaedro ou icosaedro), subdivide-se cada uma das faces em triângulos cada

vez mais pequenos (chama-se frequência ao número de divisões de cada face,

quanto maior a frequência, mais aproximada da esfera se torna a cúpula

geodésica), alterando a curvatura da superfície, e criando uma estrutura que

divide as cargas igualmente por cada peça individual.

80

Page 87: Geometria e Concepcao do Espaco

DESTE LADO DO ESPELHO

fig. 39- esferas geodésicas com diferentes bases e frequências

Apesar de no início não se acreditar na possibilidade de aplicação da cúpula

geodésica na arquitectura com resultados vantajosos, a verdade é que,

segundo o Buckminster Fuller Institute, já foram construídas mais de

200.000. Existem, aliás, várias empresas nos Estados Unidos especializadas

no fabrico de vivendas em forma de cúpula geodésica em kits “faça-você-

mesmo”, que enviam desmontadas para qualquer parte do mundo a preços

bastante económicos e com grande variedade de tipologias.

fig. 40 - Modelo "Texas" do Econ-O-Dome, um tipo de vivenda pré-fabricada pela Dome

Home Kits

Uma característica interessante destas estruturas é que podem ser construí-

das em quase qualquer material, desde perfis de aço a folhas de papel, man-

81

Page 88: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

82

tendo sempre uma resistência notável. É talvez, arriscamos dizer, o derra-

deiro triunfo da Geometria no campo da engenharia, uma estrutura que

deve a sua resistência quase unicamente à sua forma. E que, notavelmente,

se torna mais resistente e relativamente mais barata com o aumento de

tamanho.

De facto, esta estrutura geométrica é de tal modo eficaz, que, recentemen-

te, foi descoberto o que se considera hoje o material mais resistente que é

possível existir. Os Fullerenos são uma família de alótropos do carbono em

que os átomos se organizam segundo esquemas estudados por Fuller (a

quem devem o nome) e que se assemelham a esferas geodésicas. Descober-

tos em 1985, têm vindo a ganhar cada vez mais importância, uma vez que

se consegue hoje manipular a forma das suas moléculas, o que pode vir a

permitir um salto considerável na chamada nanotecnologia.

O Betão Armado

O betão armado não nasceu ligado à rectícula, mas antes à ponte e ao

arco, e foi neste campo dos sistemas não adintelados que os engenhei-

ros encontraram um novo catálogo formal.73

O betão armado vinha já desde a segunda metade do séc. XIX a provar a

sua aptidão para a construção de estruturas diferentes das tradicionais. As

estruturas em betão armado aliam a resistência à compressão, própria da

pedra, à resistência à tensão, característica do aço; com a vantagem de

poderem ser construídas no local ou em estaleiro. As vantagens da técnica

de cofragem haviam sido já desenvolvidas desde as cúpulas romanas, mas só

com a estrutura em ferro se descobriram as potencialidades da junção de

73 ARMERO, 2004, tradução livre

Page 89: Geometria e Concepcao do Espaco

DESTE LADO DO ESPELHO

dois materiais com características diferentes – o ferro e o betão. Com esta

nova técnica era agora possível construir virtualmente qualquer forma, e

vários arquitectos recusaram limitar-se à estrutura tradicional.74

Em 1896, Vladimir Shukhov tinha construído um pavilhão com a forma de

calote esférica, com vigas de ferro cruzadas. Esta estrutura em concha viria a

ser explorada ao longo do séc. XX com outros materiais além do ferro.

Sobretudo com o betão armado, iria ter um impacto importante na liberta-

ção da forma das estruturas recticuladas.

fig. 41 - Planetário Carl Zeiss, Jena, Alemanha, 1926

Em 1950, Eero Saarinen constrói o auditório de Kresge, no MIT, o qual

marca um ponto de viragem na arquitectura de Saarinen, e também um

74 Armero aponta como forma de desfazer o rigorismo racionalista a relação com o espaço

envolvente, a exigência do programa, a análise de fenómenos como a circulação, a luz ou

outros. Genericamente, formas de enriquecer o traçado do edifício com elementos

exteriores ao desenho geométrico.

83

Page 90: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

marco importante na história das estruturas de betão. Antes dele, fora cons-

truído um planetário em Jena, Alemanha, considerada a primeira estrutura

em concha: com uma armação em aço e uma concha de betão de apenas

seis centímetros de espessura. Mas o auditório de Saarinen é a primeira

estrutura de grande escala deste tipo. E viria a abrir a porta a uma estética

arquitectónica cada vez mais arrojada.

fig. 42 - Eero Saarinen, Auditório de Kresge, MIT, Massachussets, 1950

fig. 43 - Eero Saarinen, Terminal TWA, Aeroporto Internacional John F. Kennedy, Nova

Iorque, 1956-62

Estruturas com paredes finas, como lâminas e conchas são os elementos

construtivos mais comuns na Natureza e em tecnologia. Isto é indepen-

dente da escala específica; podem ser pequenas como membranas de

84

Page 91: Geometria e Concepcao do Espaco

DESTE LADO DO ESPELHO

células ou minúsculas peças mecânicas ou enormes, como fuselagens

ou torres de arrefecimento. Esta tendência para aplicar paredes tão

finas quanto possível é uma estratégia de optimização natural para

reduzir cargas desnecessárias e os materiais de construção. Além da

delgadeza, é utilizado o efeito vantajoso da curvatura para transferir as

cargas de forma óptima, um princípio de design já conhecido pelos anti-

gos mestres. O seu conhecimento heurístico considerável permitiu-lhes

criar edifícios notáveis, como o Panteão romano (115 – 126) e Hagia Sofia

(532 – 537) em Constantinopla, ainda existentes hoje.75

fig. 44 – Justo García Rubio, Terminal de Autocarros Em Casar de Cáceres

O betão, material plástico por excelência, vem abrir as portas a uma arqui-

tectura cada vez mais escultórica. A partir dos anos 50, a arquitectura per-

deu muitas das limitações impostas por estilos ou por limitações técnicas.

Vivia-se uma liberdade muito significativa na produção de formas novas.

No entanto, a Geometria nem sempre teve um papel de relevo nesta

reformulação estética da arquitectura. Obviamente que contribuiu bastante

75 BISCHOFF, M., et al; Models and Finite Elements for Thin-walled Structures; disponível em

www.wiley.co.uk

85

Page 92: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

86

para a renovação do reportório formal. Desde os trabalhos de Le Corbusier,

em que a proporção recuperava o papel que havia tido nas tradições clássi-

cas, até às novas formas de Brasília, passando pela pureza de linhas de Mies,

a Geometria contribuiu bastante, quer fornecendo novas formas, quer

facultando técnicas. Mas, na grande maioria dos casos, as influências que a

arquitectura sofre por parte da Geometria não são sensíveis aos grandes

avanços que esta dava. As formas que Niemeyer utiliza são já conhecidas de

há séculos, as proporções do Modulor vêm dos gregos, e a abstracção das

obras de Mies é euclideana. E olhando para as formas de Saarinen, não con-

seguimos encontrar reflexos da inovação nos processos que a geometria

oferecia. A Geometria passava para o campo dos teóricos e deixava de ser

acompanhada pelos arquitectos. Com excepções, como vimos, em arqui-

tectos que, experimentalmente e sem recurso a tecnologias inovadoras,

conseguem criar, de facto, algo de novo na Arquitectura e na Geometria,

como vimos com Shukhov, Otto e Fuller, como também Wright e Gaudí.

Os Fractais

Falando de Wright e Gaudí, o tema fundamental a tratar, no que diz res-

peito à Geometria, é o conceito que aquele trouxe para o léxico arquitec-

tónico, mas que este aplicava já de certa forma: a arquitectura orgânica.

Nikos Salingaros, em nome de uma arquitectura mais humana, ataca a filo-

sofia modernista:

Enquanto a Nova Arquitectura não trata da ecologia per se, prepara, não

obstante, o terreno para uma abordagem ecológica ao projecto e à cons-

trução. Temos discutido a forma como as leis científicas podem estabe-

lecer uma relação entre o homem e o seu ambiente, e esta dá-se devido

às características fractais das estruturas. As estruturas naturais são

Page 93: Geometria e Concepcao do Espaco

DESTE LADO DO ESPELHO

87

fractais, enquanto apenas os edifícios tradicionais o são. O Modernismo

ensina-nos a eliminar as estruturas fractais e a substitui-las por estrutu-

ras não-fractais. Esta filosofia não respeita uma árvore nem um edifício

antigo. Assim que nos apercebermos que nos atraem apenas as estrutu-

ras fractais, reverteremos as nossas prioridades, e apreciaremos uma

árvore, mais que um cubo de vidro modernista.76

Tínhamos visto anteriormente que Wright se inspirava nas estruturas natu-

rais para construir formas mais naturais que a própria Natureza. E que esta aborda-

gem conduzia a estruturas fractais. Mas o que é então um fractal?

O termo fractal surge em 1975 num trabalho de Benoit Mandelbrot, Les

Objects Fractals: Forme, Hasard et Dimension. Não sendo a primeira publica-

ção de Mandelbrot sobre o tema, é considerada o ponto de partida para a

teoria do caos.77 Wolfgang Lorenz escreve assim:

A melhor forma de definir um fractal é através dos seus atributos: é

“rugoso”, ou seja, em nenhuma parte é regular; é “semelhante a si mes-

mo”: as suas partes assemelham-se ao conjunto; “desenvolve-se por ite-

rações”, o que quer dizer que as transformações são aplicadas repeti-

damente; e “depende das condições iniciais”. Outra característica é que

um fractal é “complexo” mas, apesar disso, pode ser descrito por algo-

ritmos simples – o que também significa que, por detrás da maioria dos

objectos naturais irregulares existe alguma ordem. 78

Portanto, deste lado do espelho em que as formas são complexas, afinal existe

ordem! E pode ser expressa por algoritmos! E melhor ainda, esses algorit-

mos são simples! Não parece credível, mas de facto, basta gastar alguns

76 SALINGAROS, 2001, trad. livre

77 OSTWALD, 2001

78 LORENZ, 2002, p. 8, trad. livre

Page 94: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

momentos a pensar nos dados todos do problema. E lembrarmo-nos que

bastam algumas transformações simples para atingir níveis de complexidade

praticamente impenetráveis.

Um exemplo: os ramos de uma árvore. Partindo de um esquema de cres-

cimento simples conseguimos obter uma forma que nos faz lembrar uma

árvore, adicionando condições iniciais diferentes, chegamos a formas menos

simétricas, mais caóticas. Se pensarmos na lista possível de variantes que

influenciam o crescimento de uma árvore verdadeira, como a presença de

determinados nutrientes, os ventos dominantes ou o clima, entre uma lista

infindável de condições iniciais diferentes (e que se vão alterando ao longo

do tempo de crescimento da árvore) vemos que, partindo de um esquema

inicial simples, o percurso se complexifica de tal forma que se torna impos-

sível de prever o resultado.

fig. 45 – Dois fractais cujo esquema de desenvolvimento é o mesmo: cada segmento se

subdivide em dois mais pequenos. No segundo fractal, adiciona-se um factor aleatório que

altera o comprimento e o ângulo dos segmentos. O segundo tem uma forma mais “natu-

ral”, enquanto o primeiro é mais “geométrico”

88

Page 95: Geometria e Concepcao do Espaco

DESTE LADO DO ESPELHO

Uma das características de um fractal é a sua beleza.79 Possivelmente Nikos

Salingaros tem razão ao afirmar que a ligação entre o Homem e a Natureza

se deve a uma mesma estrutura intrínseca, e que os fractais, revelando essa

estrutura, nos parecem belos.

fig. 46

A investigação à volta de estruturas iterativas vem já desde os finais do séc.

XIX mas, é já no séc. XX, em 1904, que Helge von Koch cria o primeiro

gráfico de um fractal, o conhecido floco de neve de Koch. Mandelbrot estuda

este tipo de estruturas e, em 1975, dá-lhes o nome de fractais, do Latim frac-

tus – quebrado. No entanto, seria o computador a permitir estudar grafica-

mente as propriedades dos fractais e a revelar a sua beleza e semelhança com

as formas naturais.

79 Quase todos os autores que falam sobre os fractais sublinham esta característica. Ver

SALINGAROS, 2001; LORENZ, 2002; HARRIS, 2007

89

Page 96: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

O próprio Mandelbrot afirma que os edifícios modernistas não têm caracte-

rísticas fractais, enquanto os tradicionais as têm. Porquê? Um edifício

modernista é, geralmente, muito abstracto, definido por rectas, planos e

volumes puros. Não apresenta uma das características mais importantes de

um fractal – o desenvolvimento iterativo.

fig. 47 – Mies van der Rohe, Casa Farnsworth

Observando um edifício tradicional, conseguimos ver características fractais.

Uma catedral gótica é o exemplo clássico de uma organização fractal da

decoração, mas mesmo a arquitectura vernacular apresenta irregularidade e

auto-semelhança.80

80 LORENZ, 2002, cap. 5

90

Page 97: Geometria e Concepcao do Espaco

DESTE LADO DO ESPELHO

fig. 48 – Uma fachada de azulejo tradicional apresenta propriedades fractais

Tipicamente, na arquitectura anterior ao Modernismo, a decoração era uma

parte importante do edifício. As superfícies decoradas e texturadas ofere-

ciam uma transição de escalas até ao ponto de podermos distinguir o grão

da pedra ou da argamassa do reboco. À medida que se faz a aproximação ao

edifício vai-se descobrindo elementos novos em cada escala, o que cativa a

cada momento a atenção. Na arquitectura, um edifício “fractal” não tem de

ter rigor geométrico. Alguns conceitos podem ser retirados da Geometria,

mas dificilmente encontraremos um fractal transformado em habitação de

alguém…

O entendimento do conceito arquitectura orgânica de Wrigth é um caminho.

Os edifícios de Wright não eram orgânicos na sua aparência, mas na sua

estrutura. Não parecendo uma planta, ou uma ave, ou um rio, as obras de

Wright procuravam desenvolver-se segundo os princípios que, na Nature-

za, ditavam a forma das coisas.

91

Page 98: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

fig. 49 – Frank Lloyd Wright, Fallingwater

Olhando para Fallingwater, a Casa da Cascata (1939), não vemos um fractal,

mas vemos uma inserção no local de uma série de volumes que se asseme-

lham às grandes pedras que formam a cascata, ao vermos mais de perto

vemos o mesmo arranjo em “lascas” na textura das paredes de pedra. O

edifício é orgânico sem parecer “natural”, e é fractal sem ser rigidamente

“geométrico”.

Mas Wright não conhecia a palavra fractal. Mas, em 1978, Peter Eisenman

já conhecia o conceito e a teoria do caos começava a extravasar o domínio da

Matemática e a interessar os artistas. O seminário de arquitectura de Canna-

regio, Veneza foi marcado pelo projecto de Eisenman House 11a, conside-

rado como a primeira apropriação conhecida de um conceito da teoria da complexidade

por um arquitecto.81

81 OSTWALD, 2001, trad. livre

92

Page 99: Geometria e Concepcao do Espaco

DESTE LADO DO ESPELHO

fig. 50 – Peter Eisenman, House 11a, 1978

Eisenman foi pioneiro na aplicação da teoria dos fractais na arquitectura,

tendo sobretudo em conta a escala e a repetição de elementos. Ostwald

identifica um período de uma década em que o princípio da complexidade

trazido para a arte e a arquitectura pela geometria fractal se torna motor de

várias obras de arquitectura, de que o primeiro mentor é Eisenman. Perío-

do após o qual os princípios fractais começaram a tornar-se incómodos

porque foram mal interpretados.

Mal interpretados, consideramos, porque a razão para a vontade de aban-

donar o uso da geometria fractal que Ostwald refere foi antes uma vontade

de abandonar uma estética arquitectónica que prezava antes o caos, como o

próprio autor refere. E caímos numa contradição se consideramos que, por

um lado a arquitectura orgânica, que promove uma filosofia fractal e um uso

naturalista dos materiais, é uma forma de aproximar o homem da Natureza

pela arquitectura, e por outro, vemos a geometria fractal como mero repo-

sitório de formas complexas que, por serem “caóticas” reflectem o quoti-

diano das nossas cidades.

93

Page 100: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

fig. 51 – Coop Himmelblau, Casa Aberta

Lorenz aponta:

Obviamente, é perigoso pensar que sabemos o suficiente sobre geome-

tria fractal e o seu background matemático, de forma a que possamos

começar a usar esta “nova” geometria em cada campo da nossa vida.

Mas não estamos já – com todo o nosso contexto social – numa posição

em que podemos lidar com qualquer questão que surja do uso destas

novas teorias científicas, e não é isto mais importante que dar toda a

atenção à busca do resultado final neste momento? Usar novas teorias

implica definir primeiro a forma como estas podem ser úteis num campo

específico, e encontrar aplicações num passo seguinte. Hoje podemos já

olhar para outras possíveis aplicações da geometria fractal: ciências

naturais, medicina, análise de mercado, indústria, ecologia – e arquitec-

tura?82

Perguntar hoje se a arquitectura é um campo de aplicação possível das

geometrias complexas é, de facto, pertinente. Apesar de todo o historial de

82 Lorenz, 2002, p. 5, trad. livre

94

Page 101: Geometria e Concepcao do Espaco

DESTE LADO DO ESPELHO

95

aplicações de geometrias inovadoras, complexas ou não-intuitivas, em obras

ou teorias arquitectónicas, vivemos hoje um momento de grande – e rápida

– viragem. É que agora surgiu um elemento novo: o computador pessoal que,

num espaço de poucos anos, cumprindo a Lei de Moore, se tornou mais

potente, mais pequeno e mais barato.83

Se Elementos, a descoberta da Perspectiva, as Geometrias Não-Euclideanas

ou os Fractais foram marcos na história comum da Geometria e da Arqui-

tectura, o computador pessoal que está ao alcance de qualquer estudante ou

arquitecto não o é menos. Estamos num ponto de viragem, e é agora

necessário colocar as perguntas certas, para que as novas tecnologias nos

permitam encontrar as respostas que queremos.

83 Gordon Moore, co-fundador da Intel, constatou que a cada dois anos os computadores

duplicavam a sua capacidade de processamento, mantendo o custo. Isto promoveu uma

proliferação explosiva do computador. Nos inícios dos anos 90, não eram muitos os ate-

liers de arquitectura a possuírem um computador, e, nessa altura, a utilidade deste como

auxiliar de projecto era bastante limitada tendo em conta os parâmetros actuais. Hoje

em dia, são inúmeras as aplicações CAD (Computer Aided Design) que auxiliam o arqui-

tecto em qualquer fase do projecto, inclusive no processo de construção em que siste-

mas CAM (Computer Aided Manufacturing) se tornaram já imprescindíveis para obras

como o museu Guggenheim de Bilbao por Frank Gehry.

Page 102: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

96

Page 103: Geometria e Concepcao do Espaco

CONCLUSÃO

Não há homem primitivo, há meios primitivos.84

Le Corbusier tinha razão. A vontade do Homem de se conhecer e de con-

trolar o seu ambiente é constante. As ferramentas para o fazer nem sempre

estão à nossa disposição, mas dispomos da capacidade de as encontrar. E

descobrimos, por vezes com surpresa, que os novos meios abrem portas

insuspeitas, levantando questões para além das soluções fornecidas: a evolu-

ção gera evolução.

A Arquitectura e a Geometria, evoluindo em paralelo, influenciaram-se

mutuamente na busca de respostas e produziram por vezes resultados notá-

veis de profunda simbiose. Surgidas de necessidades reais, cruzaram-se

depressa pelo seu interesse comum – o espaço. Se a Arquitectura o organiza,

a Geometria estuda-o. E é fácil ver como, ao longo da história, mudam

97

84 LE CORBUSIER, Vers une Architecture, 1923

Page 104: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

98

quer as formas de organizar o espaço, quer a maneira de o ver e mesmo sis-

tematizar.

Procurámos, ao longo deste percurso, responder a uma questão que vem de

trás: representamos o que vemos ou vemos o que conseguimos representar?

Esta questão nem é inócua nem fácil de responder. Assim, procurámos

exemplos práticos que pudessem indicar, talvez não uma resposta, mas um

caminho. As relações entre a Arquitectura e a Geometria pareceram-nos

terreno privilegiado para os encontrar.

Encontrámos as relações mútuas que intuíamos, os desenvolvimentos de

uma e de outra parte suscitados por necessidades ou sensibilidades específi-

cas. Descobrimos algo de que talvez não tivéssemos consciência: que a pró-

pria concepção do espaço, não só a configuração do Universo e do Mundo,

mas a própria estrutura que é a essência do nosso conceito de espaço

mudou com o tempo, e factores fundamentais dessa mudança foram inova-

ções geradas no seio da Geometria, como a definição do Espaço Euclidea-

no, ou a descoberta da Perspectiva, ou várias outras. Isto ficou muito claro

ao ver a quebra que se deu na concepção da realidade quando Einstein

abandonou a imagem euclideana e cartesiana do espaço para a substituir por

um modelo de Rienmann.

A Arquitectura viveu sempre muito influenciada pela Geometria, por

razões óbvias. O construtor sempre dela se serviu para resolver os proble-

mas de ordem prática (a estereotomia, o cálculo das estruturas…) de ordem

estética (a proporção, a ordem…) e de ordem simbólica. De facto, a Geo-

metria sempre foi a ferramenta de eleição do arquitecto. Se de algumas

vezes o foi meramente como linguagem da forma e como método de dese-

nho, de outras gerou obras de uma simbiose perfeita de que tanto a Geo-

Page 105: Geometria e Concepcao do Espaco

CONCLUSÃO

99

metria como a Arquitectura saíram aumentadas no seu valor.

Desde Elementos até aos fractais, passando pela Perspectiva, ao longo do

tempo a Geometria acompanhou a Arquitectura, avançando ambas a ritmos

semelhantes, comungando dos avanços mútuos na maioria das ocasiões.

Mas o séc. XX trouxe um ritmo novo. Duas guerras mundiais aceleraram

os avanços tecnológicos e trouxeram à segunda metade do século uma fer-

ramenta nova – o computador.

Talvez não tenhamos, por vezes, a noção que o computador mudou radi-

calmente o mundo – estamos muito imersos nesse processo para conse-

guirmos o distanciamento necessário para o perceber. Mas, num momento

em que os arquitectos são chamados a ter uma consciência cada vez mais

abrangente, é conveniente colocar em discussão o papel das novas tecnolo-

gias.

À produção arquitectónica, o computador forneceu, antes de mais, uma

potente ferramenta de desenho. O estirador do arquitecto tornou-se obso-

leto, face às facilidades oferecidas pelas novas tecnologias que aumentam o

rigor e a rapidez, facilitam a reprodução de cópias e permitem transições de

escala imediatas num mesmo desenho. Permitem ainda criar modelos tridi-

mensionais num espaço virtual que podem ser fácil e economicamente

manuseados e transformados. São vantagens inéditas e irresistíveis, sobretu-

do a uma nova geração que tende a já nem conhecer as vantagens da pro-

dução arquitectónica “artesanal”.

É neste momento de transição que nos parece bem premente a necessidade

de reflexão sobre estes novos processos de representação e criação arquitec-

Page 106: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

100

tónica.85 O que é o computador nas mãos de um arquitecto? Olhamos à

volta e vemos várias aplicações possíveis. Gehry utiliza-o para digitalizar as

suas maquetes, controlar as superfícies e, finalmente, produzir os elementos

necessários por processos automáticos. M. Sei Watanabe usa-o como

máquina quase-pensante, em que introduz parâmetros que irão permitir-lhe

calcular a forma de uma cidade, de um edifício, de uma estrutura… Muitos

engenheiros civis vêem no computador um excelente auxiliar no cálculo

estrutural, possibilitando a execução de estruturas cada vez mais arrojadas.

Vários arquitectos e técnicos de desenho não vêem mais que uma óptima

base de dados que permite facilmente armazenar plantas e alçados e articular

várias partes de uns e outros, fazendo a casa ao gosto do freguês, numa

“arquitectura” vazia e sem significado. A grande maioria usa o computador

como um substituto mais cómodo, eficaz, potente e portátil do estirador.

Não julgamos caber aqui uma análise ao impacto do computador na arqui-

tectura da passagem do milénio – falta-nos o distanciamento temporal

necessário a uma observação imparcial, bem como o espaço físico de publi-

cação… Fazendo o ponto de situação do problema da representação e con-

cepção do espaço, parece-nos, no entanto, incontornável esta questão do

impacto das novas tecnologias. E julgamos que para a compreender, é

85 Mas não só… o mundo paralelo do ciberespaço vive quase autonomamente nas mais

variadas vertentes, desde a arte à finança. Não é apenas um pedaço de espaço virtual em

que um grupo de jovens se defrontam num qualquer torneio de armas de fotões em

ambiente de ficção científica: não, os jogos multiplayer foram um início e são, de facto,

um motor importante no desenvolvimento deste Novo Mundo. Mas o ciberespaço é ver-

dadeiramente um Universo paralelo em que várias pessoas vivem efectivamente, traba-

lhando, encontrando-se, fazendo negócios e divertindo-se. A psicologia até já identifica

patologias relacionadas com desequilíbrios na distinção da realidade real…

Page 107: Geometria e Concepcao do Espaco

CONCLUSÃO

101

necessário traçar paralelos na História da Arquitectura. Não são outros que

aqueles que aflorámos ao longo deste estudo.

É importante perceber que vivemos num período em que se define um

novo conceito de espaço, que ultrapassa já a concepção física e científica do

termo. Mais longe que nunca do determinismo iluminista, movemo-nos

agora num universo cada vez mais imaterial e complexo. As telecomunica-

ções encolheram o mundo, a Internet ganhou uma autonomia completa e

incontrolável, abrindo as portas a um novo universo sem fronteiras e, até

prova em contrário, sem limites à sua expansão. A tecnologia da construção

evolui a cada dia, permitindo formas arquitectónicas que julgamos, à pri-

meira vista, serem apenas maquetes ou modelos virtuais. As fronteiras entre

o material e o virtual, entre o possível e o impossível são tão inconstantes,

tão permeáveis, que muitas vezes nos sentimos nós próprios obsoletos numa

vaga imparável de automatização e computorização, ultrapassados pelos

cyberjunkies, hackers e outras personagens que saíram já dos filmes de ficção

científica pós-apocalíptica para a nossa realidade palpável.

Mas, como dizia alguém acerca da globalização, podemos discuti-la, como tam-

bém podemos discutir se o Outono vem a seguir ao Verão, mas isso em nada a irá

abrandar. Da mesma forma podemos, e devemos, discutir o impacto do

computador na arquitectura, em todas as suas vertentes, mas de forma a

tentar compreender os benefícios, e os meios agora ao nosso dispor para

produzir boa arquitectura.

No fundo, é apenas continuar um trabalho que vem já a ser feito desde que

da primeira vez se pensou num abrigo como qualificação do espaço. A Geo-

metria foi sempre uma boa ferramenta. Com o tempo fomos aperfeiçoando

técnicas, estéticas e modos de ver o espaço. Hoje apresentam-se-nos novos

desafios e novas ferramentas. Nada mais.

Page 108: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

102

Page 109: Geometria e Concepcao do Espaco

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Page 114: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

108

Page 115: Geometria e Concepcao do Espaco

ÍNDICE DE IMAGENS

fig. 1 – Paradoxo da Dicotomia....................................................................................................................... 17

Ilustração pelo autor

fig. 2 – Paradoxo de Aquiles ............................................................................................................................ 17

Ilustração pelo autor

fig. 3 – Esquema dos templos de Silene ...................................................................................................... 22

Ilustração pelo autor, baseada em MARCH, 1998, p. 125

fig. 4 – Mileto.......................................................................................................................................................... 25

http://www.upf.edu/materials/fhuma/portal_geos/tag/t2/img/2.07mileto.jpg

fig. 5 – Timgad ........................................................................................................................................................ 25

http://www.upf.edu/materials/fhuma/portal_geos/tag/t2/img/2.17timgad.jpg

fig. 6 – perspectiva artificialis ......................................................................................................................... 29

Ilustração pelo autor

fig. 7 – cópia quatrocentista de um mapa de Ptolomeu ...................................................................... 29

http://en.wikipedia.org/wiki/Image:PtolemyWorldMap.jpg

figs. 8 e 9 – Santo Spirito, Brunelleschi, Perspectiva e fotografia .................................................... 30

http://www.schools.net.au/edu/lesson_ideas/renaissance/renaissance_perspective.html

fig. 10 – Giuliano da Sangallo and Domenico Ghirlandaio (?), Cidade Ideal. ................................ 33

VELTMAN, 1986, p. 4

fig. 11 – Anónimo, Cidade Ideal....................................................................................................................... 33

VELTMAN, 1986, p. 4

109

Page 116: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

110

fig. 12 – Pietro del Donzello (?), Cidade Ideal............................................................................................. 33

XAVIER, 2006, p. 127

fig. 13 – Filarete, Sforzinda ............................................................................................................................... 34

http://www.univ-tours.fr/ash/polycop/archives/sanger/icono/vauban/index.htm

fig. 14 – Albrecth Dürer, gravura de Vier Bücher ..................................................................................... 41

http://www.nlm.nih.gov/exhibition/historicalanatomies/durer_home.html

fig. 15 – Hans Holbein, o Novo, Os Embaixadores................................................................................... 42

http://www.nationalgallery.org.uk/collection/features/potm/2004/june/img/june_screensaver.jpg

fig. 16 – Michelangelo, Praça do Capitólio, Roma ................................................................................... 44

Planta: http://www.storiaeconservazione.unirc.it/Home%20Page%20Docenti_file/Antinori/Michelangelo/page_01.htm Perspectiva: http://en.wikipedia.org/wiki/Image:CampidoglioEng.jpg

fig. 17 – Três espaços com a mesma perspectiva .................................................................................... 45

Ilustração pelo autor

fig. 18 – Teorema de Desargues. ..................................................................................................................... 46

Ilustração pelo autor

fig. 19 – Abraham Bosse, placa 15 de Moyen Universel de pratiquer…........................................... 48

http://expositions.bnf.fr/bosse

fig. 20 – Piranesi, Antichita Romanae, tav. XIV, Vista do Panteão .................................................... 52

http://visualiseur.bnf.fr/Visualiseur?Destination=Gallica&O=IFN-2000054

fig. 21 – Étienne-Louis Boullé, Projectos para Casa Comunal e Biblioteca do Rei ..................... 53

http://expositions.bnf.fr/boullée

fig. 22 – Exemplo de uma projecção ortográfica de uma patente americana. ........................... 55

http://en.wikipedia.org/wiki/Image:Orthographic_example.gif

fig. 23 – Rectas paralelas ................................................................................................................................... 59

Ilustração pelo autor

fig. 24 – V. Shukhov, Torre Hiperbolóide ..................................................................................................... 61

http://en.wikipedia.org/wiki/Image:First_Hyperboloid_Tower_by_Vladimir_Shukhov_1896.jpg

fig. 25 – V. Shukhov, Pavilhão Oval ................................................................................................................ 61

http://en.wikipedia.org/wiki/Image:Oval_pavilion_by_Vladimir_Shukhov_1896.jpg

Page 117: Geometria e Concepcao do Espaco

ÍNDICE DE IMAGENS

111

fig. 26 – V. Shukhov, Pavilhões em concha................................................................................................. 61

http://en.wikipedia.org/wiki/Image:Double_curvature_steel_lattice_Shell_by_Shukhov_in_Vyksa_1897_shell.jpg

fig. 27 – As projecções cotadas de Piero della Francesca .................................................................... 62

http://panizzi.comune.re.it/eventi/1996/piero/image/pierone.gif

fig. 28 – E. Miralles, Como Acotar un Croissant ........................................................................................ 62

http://blogs.ya.com/tengo-sueno/c_41.htm

fig. 29 – Três objectos de genus 1................................................................................................................... 64

Ilustração pelo autor

fig. 30 – Le Corbusier, Sistema Dom-Ino...................................................................................................... 70

http://www.usc.edu/dept/architecture/slide/ghirardo/cd3/022_cd3.jpg

fig. 31 – Herbert Bayer, Escritório de Walter Gropius na Bauhaus .................................................. 71

http://www.rakennustaiteenseura.fi/taiteentutkija/2004-3/3_hyvonen/artikkeli.htm

fig. 32 – Axonometria de Alberto Sartoris .................................................................................................. 73

http://www.athenaeum.ch/Sartoris/Dr_Brum.gif

fig. 33 – Ninho de térmitas no Burkina Faso ............................................................................................. 76

http://www.earth-auroville.com/?nav=menu&pg=earthworld&id1=17

fig. 34 – Frei Otto, Pavilhão em Kassel ........................................................................................................ 76

http://freiotto.com/FreiOtto%20ordner/FreiOtto/FreiOttoZelteGross.htm

fig. 35 – Frei Otto, Sternwellenzelt, Tanzbrunnen .................................................................................. 77

http://www.gothtronic.com/?page=10&id=17

fig. 36 – Sternwellenzelt, maquete com película de sabão................................................................. 78

http://www.textile-roofs.de/TR07_report-02.htm

fig. 37 - Kenneth Snelson, Easy Landing...................................................................................................... 79

http://www.kennethsnelson.net/sculpture/outdoor/11.htm

fig. 38 - Buckminster Fuller, Pavilhão Americano da Expo 67 em Montreal ................................. 81

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/8c/Biosph%C3%A8re_Montr%C3%A9al.jpg

fig. 39 - Esferas geodésicas ............................................................................................................................... 81

Ilustração pelo autor (figura produzida com o software WinDome e Autocad 2005)

fig. 40 - Modelo "Texas" do Econ-O-Dome ................................................................................................... 82

http://www.one-eleven.net/~domekits/floorplans.htm

Page 118: Geometria e Concepcao do Espaco

GEOMETRIA E CONCEPÇÃO DO ESPAÇO

112

fig. 41 - Planetário Carl Zeiss, Jena, Alemanha.......................................................................................... 84

http://www.arche.psu.edu/thinshells/module%20I/case_studies.htm

fig. 42 - Eero Saarinen, Auditório de Kresge .............................................................................................. 85

http://www.bc.edu/bc_org/avp/cas/fnart/fa267/saarinen.html

fig. 43 - Eero Saarinen, Terminal TWA........................................................................................................... 85

http://en.wikipedia.org/wiki/Thin-shell_structure

fig. 44 – Justo García Rubio, Terminal de Autocarros em Casar de Cáceres ................................. 86

http://www.archidose.org/Jun05/060605a-pic.html

fig. 45 – Dois fractais cujo esquema de desenvolvimento é o mesmo........................................... 89

Ilustração pelo autor (figura produzida com o software Geometer's Sketchpad)

fig. 46 – Floco de neve fractal.......................................................................................................................... 90

Ilustração pelo autor (figura produzida com o software Fractal Snowflake Generator)

fig. 47 – Mies van der Rohe, Casa Farnsworth .......................................................................................... 91

http://en.wikipedia.org/wiki/Image:Mies_van_der_Rohe_photo_Farnsworth_House_Plano_USA_1.jpg

fig. 48 – Uma fachada de azulejo tradicional apresenta propriedades fractais ........................ 91

Fotografias pelo autor

fig. 49 – Frank Lloyd Wright, Fallingwater ................................................................................................. 92

http://www.pagetwister.com/generic/templates/cej_news_wide.cfm?id=545&secver=sec1name&pid=33&storyid=1819

fig. 50 – Peter Eisenman, House 11a ............................................................................................................. 93

http://www.arch.ethz.ch/~kurmannd/sculptor/presentations/dream_extend/design.html http://www.arc1.uniroma1.it/saggio/DIDATTICA/Cad/2007/LEZ/12/index.htm http://www.a-theory.tuwien.ac.at/CONTENTS/ARCHIVE/ArchiveContents/ entwerfenWS00_01/schoolofdesign/scaling/scaling2.htm

fig. 51 – Coop Himmelblau, Casa Aberta ..................................................................................................... 94

http://news.bbc.co.uk/hi/spanish/photo_galleries/newsid_5118000/5118566.stm