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42 Uma estratégia de inserção no mercado para produtos do Semiárido Clovis Guimarães Filho 1 1— Médico Veterinário, M.Sc., Consultor em agro- negócio da Caprino-ovinocultura, Ex-pesquisador da Embrapa Semiárido; e-mail: [email protected] A valorização dos produtos ca- prinos e ovinos através da fixa- ção de um padrão diferenciado de qualidade e de sua certificação é, no contexto atual de grande expan- são da caprino e da ovinocultura, a grande, senão única, alternativa estratégica capaz de assegurar a plena expressão do potencial des- sas atividades no semiárido e, ao mesmo tempo, de preservar os recursos da caatinga e promover o bem estar das populações que nela vivem e dela dependem. A mesma afirmação pode ser feita também para outros pro- dutos típicos do semiárido, tan- to animais, como os produtos apícolas, suinícolas e avícolas, quanto vegetais, como os fei- jões, os derivados do caju e as frutas nativas, entre outros. A diferenciação dos produtos se dá a partir da incorporação aos mesmos de uma identidade ter- ritorial e cultural ligada estreita- mente ao ambiente geográfico onde são produzidos. Certificação de Indicação Geográfica Foto: Haroldo Abrantes/SECOM SOCIOECONOMIA

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Page 1: Geográfica Foto: Haroldo Abrantes/SECOM · 44 Por referir-se também aos aspec-tos culturais de produção, que incluem a obediência a padrões tradicionais e a características

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Uma estratégia de inserção no mercado para produtos do Semiárido

Clovis Guimarães Filho1

1— Médico Veterinário, M.Sc., Consultor em agro-negócio da Caprino-ovinocultura, Ex-pesquisador da Embrapa Semiárido; e-mail: [email protected]

A valorização dos produtos ca-prinos e ovinos através da fixa-

ção de um padrão diferenciado de qualidade e de sua certificação é, no contexto atual de grande expan-são da caprino e da ovinocultura, a grande, senão única, alternativa estratégica capaz de assegurar a plena expressão do potencial des-sas atividades no semiárido e, ao mesmo tempo, de preservar os recursos da caatinga e promover o bem estar das populações que nela vivem e dela dependem.

A mesma afirmação pode ser feita também para outros pro-dutos típicos do semiárido, tan-to animais, como os produtos apícolas, suinícolas e avícolas, quanto vegetais, como os fei-jões, os derivados do caju e as frutas nativas, entre outros. A diferenciação dos produtos se dá a partir da incorporação aos mesmos de uma identidade ter-ritorial e cultural ligada estreita-mente ao ambiente geográfico onde são produzidos.

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O CONCEITO DE INDICAÇÃO GEOGRÁFICA

A certificação de indicação geo-gráfica é obtida mediante registro no Instituto Nacional de Proprie-dade Industrial – INPI, com base na legislação em vigor (atos nor-mativos 134/97 e 143/98 e resolu-ção 075/2000).

O produto pode ser certificado como Denominação de Origem (DO) ou como Indicação de Pro-cedência (IP), ambas certifica-ções similares às existentes em vários países, sobretudo na Euro-pa. O selo IP certifica um produto de uma região que se tenha no-tabilizado como centro de produ-

ção de um determinado produto. Podem ser certificados com o selo DO todos os produtos cuja autenticidade e tipicidades se de-vam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos aí fatores naturais (solo, clima) e/ou humanos (tradição, cultura). É necessário que haja uma cla-ra ligação estabelecida entre o produto, o território e o talento do homem (o saber-fazer).

A escolha deve ser definida me-diante uma análise criteriosa da natureza do produto e de vários outros fatores. Ambas as certifi-cações contemplam uma abor-dagem territorial, porém para a IP as exigências com relação à vin-culação do produto com os fato-res naturais e humanos são bem menores, acarretando a vanta-

gem de se acelerar e simplificar o processo de concessão do selo. Tanto a DO como a IP cons-tituem um poderoso instrumento de organização profissional do produtor rural, não sendo possí-vel a utilização da sua marca por produtores de outras regiões.

Entre os maiores benefícios da certificação de indicação geo-gráfica está a melhoria acentu-ada do produto, estabelecendo sua diferenciação em relação a produtos similares. Além disso, a certificação agrega valor ao mesmo, facilita a inserção do produtor no mercado, protege o produto, fortalece as organiza-ções dos produtores e, sobretu-do, valoriza a região pela promo-ção e preservação da cultura e da identidade locais.

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Por referir-se também aos aspec-tos culturais de produção, que incluem a obediência a padrões tradicionais e a características úni-cas de uma determinada região, a indicação geográfica se presta a angariar a confiança do público e oferecer opções às suas prefe-rências individuais, contemplan-do, em sua essência, ideias como know-how, qualidade, extração controlada, além de outros fatores predominantemente subjetivos, tais como tradição, charme, so-fisticação e simpatia pessoal por uma determinada região ou país (BARROS; SOUZA, 2004).

CERTIFICAÇÕES DE INDICAÇÃO GEOGRÁFICA NO MUNDO E NO BRASIL

Dentre as DOs e IPs europeus mais conhecidas no mundo po-dem ser citados o “Champagne” e os vinhos “Bordeaux”, para vi-nhos das regiões francesas do mesmo nome, os vinhos “Ma-deira” da Ilha da Madeira, os queijos franceses “Camembert” (leite de vaca) e “Roquefort” (leite de ovelha) e os presuntos crus “de Parma” e “Pata Negra” espanhol. Em termos de Amé-rica Latina estão os mais co-nhecidos “Café da Colômbia”, “Tequila” do México, “Pisco” do Peru e o “Cordeiro Patagônico”

argentino, sem esquecer os tra-dicionais charutos cubanos.

Na Europa, os produtos caprinos e ovinos com certificação de ori-gem são inúmeros. Os exemplos mais conhecidos são o borrego e o queijo “Serra da Estrela”, em Portugal, os cordeiros “Ternasco de Aragon” e “Manchego”, na Espanha, os queijos “Roquefort”, de leite de ovelha, e “Chabichou de Poitou”, de leite de cabra, na França, e os queijos Feta, de leite de ovelha, na Grécia.

No Brasil o processo é relativa-mente recente. Existem apenas dois produtos certificados como Denominação de Origem: o café do cerrado mineiro e o arroz do li-toral norte gaúcho. A Indicação de Procedência foi a opção escolhida pelos produtos nacionais que já detêm certificação de indicação geográfica: o “Vinho do Vale dos Vinhedos”, RS, o “Gado do Pampa Gaúcho da Campanha Meridio-nal”, RS, a “Cachaça de Parati”, RJ, os vinhos da Pinto Bandeira, RS, as peles do Vale dos Sinos, RS e a manga e a uva do Vale do São Francisco. Outras iniciativas em busca dessa certificação estão em andamento, entre elas o algodão colorido e têxteis do semiárido pa-raibano (Denominação de Origem), os queijos do Serro e o da Serra da Canastra-MG e o queijo de coalho do Agreste Pernambucano e os vi-nhos do Vale do São Francisco.

Existe, ainda, o caso da “cachaça do Brasil”, único produto certifica-do por decreto presidencial, em função, segundo Barros e Sou-

za (2003), da falta de diferencia-ção desse produto em relação à aguardente de cana proveniente de outros países, ocasionando maiores taxas alfandegárias nos EUA e até mesmo o uso desta expressão para identificar destila-dos fabricados em outros países.

OS PRODUTOS POTENCIALMENTE CERTIFICÁVEIS NO SEMIÁRIDO

Somente a diferenciação dará condições de competitividade aos nossos produtos caprinos e ovinos. A criação de uma ou mais marcas de cabrito, de borrego ou de queijo de cabra da caatinga, com certificação de Indicação de Procedência (IP) ou de Denomi-nação de Origem (DO), se funda-mentaria nas relações do animal com o bioma, via um sistema pro-dutivo utilizador de um mínimo de insumos externos e maximizador de tipicidades locais/regionais disseminados pelos distintos es-paços do semiárido.

A ideia inicial é de trabalhar mais com o caprino que com o ovino, em função da maior facilidade de associação desta espécie com o bioma caatinga, responsável maior pelas suas especificidades (GUIMARÃES FILHO, 2005). Ou-tro fator favorável ao caprino diz respeito às maiores limitações de

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competitividade do ovino face à forte concorrência que se delineia com o crescimento exponencial da atividade, especialmente no Centro-Oeste e Sudeste.

Entre os produtos típicos do se-miárido brasileiro potencialmente elegíveis para um processo de avaliação, melhoria da qualidade e posterior certificação podemos citar a “carne de sol de Picuí” e o “queijo de manteiga”, ambos do Seridó paraibano/norte riogran-dense, estes já com ações iniciais junto ao INPI, o “cordeiro de Tauá--CE”, o “cabrito de Uauá-BA”, o “cabrito do Sertão pernambucano do São Francisco”, o “queijo de lei-te de cabra do Cariri”, o “queijo de coalho de Bodocó-PE”, o “mel de abelhas do Araripe-PE”, a “galinha caipira do semiárido piaueinse“ e o “doce de leite de Afrânio-PE”, en-tre outros. A “manta do bode dos sertões pernambucano e baiano do São Francisco”, cujas possibili-dades para certificação como DO foram levantadas desde 2002 por pesquisadores da Embrapa Semi-árido, já é objeto de estudo inicial pelo Instituto Nacional do Semiári-do (INSA), em parceria com aquela unidade da Embrapa. Podem ser citados também potenciais produ-tos de origem vegetal, como a “ca-juína dos tabuleiros litorâneos do Ceará e da região de Picos-PI”, a “castanha-de-caju da Serra do Mel--RN”, o “arroz vermelho do vale do Piancó-PB”, o “feijão Canapu do Vale do Guaribas-PI”, a “rapadura de Triunfo-PE” e o “abacaxi de Sou-za-PB”. Entre os produtos baianos com grande potencial, poderiam ser destacados, além do “cabri-

to de Uauá” e a “manta retalhada do bode do sertão baiano do São Francisco”, “o cordeiro de Casa Nova-Remanso”, a “cachaça de Abaíra”, o ”umbu de Canudos”, o “mel de abelhas de Tucano”, o “ta-pete de sisal de Valente”, a “pinha de Presidente Dutra”. Outros pro-dutos apresentam potencial, mas precisam ainda de um levantamen-to e caracterização mais precisa, como alguns queijos de leite de vaca, como o “requeijão Cardoso” da região de Remanso, as farinhas de mandioca, o mel de melipônidas e o coco licuri, entre outros.

Uma proposta para produção e certificação para cabritos com IP foi elaborada e apresentada ao Sebrae-BA e à Secretaria de Agri-cultura deste Estado e ao MAPA ainda no início de 2008, até agora sem retorno, em termos de ini-ciativas. O “cabrito de Uauá” é uma das propostas mais viáveis, inclusive para uma Denominação de Origem. A região de Uauá, na Bahia, já ganhou notoriedade na-cional como a “capital do bode”, o que deve ajudar muito no proces-so de obtenção do selo de Indica-ção de Procedência. A proposta do “cabrito de Uauá” prevê um processo de produção em bases agroecológicas, incluindo entre suas qualidades mercadológicas: (1) uso mínimo de agroquímicos e rigoroso controle higiênico-sanitá-rio na produção, processamento e distribuição; (2) baixos teores de gordura, colesterol e calorias, em relação aos demais tipos de carne; (3) sabor característico as-sociado ao pasto natural (sabor da caatinga), maciez e suculên-

cia; (4) forte identidade com os fatores naturais (solo, clima, ve-getação, raças autóctones) e hu-manos (tradição, cultura) do meio geográfico onde é produzida em harmonia com o bioma caatinga.

O sabor da caatinga, implícito na carne do “cabrito de Uauá”, viria da associação dos genótipos na-tivos (Repartida, Marota, Canin-dé, Curaçá, etc. e seus mestiços) com a vegetação de caatinga, da qual se alimentam, pelo menos em parte de sua vida. Na realida-de, as qualidades da sua carne e da sua pele estão intrinseca-mente associadas ao processo de seleção natural a que foram submetidos os caprinos trazidos pelos colonizadores a partir de 1535, permeado por longas ca-minhadas através da vegetação seca e espinhosa, ingerindo uma dieta natural extremamente diver-sificada e submetido a intensa incidência solar, a altas tempe-raturas, a prolongados períodos de escassez de água e de outros alimentos. Essa condição lhes acarretou uma alta rusticidade, sem perda de prolificidade, em-bora em detrimento da função leiteira e do porte. É, portanto, uma carne construída ao longo de 470 anos, o que lhe dá, no caso dos animais jovens, uma coloração tendendo para rósea e um sabor agradável bastante ca-racterístico, diferente do observa-do em qualquer outro tipo.

O cabrito seria abatido com idade entre 6 e 10 meses (dente-de-leite), com peso vivo médio de 23 a 28 kg e peso de carcaça de 10 a 12 kg e sua

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produção estaria delimitada a uma área correspondente ao Território Sertão do São Francisco, compos-to por 14 municípios, abrangendo uma superfície total superior a 61 mil km2 e com um rebanho caprino da ordem de 2 milhões de cabeças, correspondendo a aproximada-mente 20% do rebanho nordestino (IBGE, 2008). A área proposta para a etapa piloto do projeto é constitu-ída dos municípios de Uauá, Canu-dos, Curaçá e Juazeiro, se possível em comunidades de fundo de pasto (Figura 1).

O sistema produtivo proposto é apenas uma referência, devendo ser adaptado às circunstâncias de cada unidade e de cada produtor. Não é flexível, contudo, no que con-

cerne à exigência da predominância de raças nativas e de processos agroecológicos de cultivo e criação. Nesse sentido, o sistema procura contemplar as principais práticas de convivência com a seca e de pre-servação ambiental recomendadas pelas instituições de pesquisa, para zonas semiáridas, sistematizadas no uso preferencial de recursos au-tóctones, de pastos cultivados tole-rantes a seca, de métodos racionais de uso da vegetação nativa, de ar-borização dos pastos cultivados, de suplementação alimentar nos perío-dos secos com bancos de proteína/energia, de estabelecimento de re-servas estratégicas alimentares para períodos de estiagem prolongada, de uso mínimo de insumos externos e de interação com agricultura, ex-

trativismo e outros subsistemas da propriedade. O “Gado do Pampa Gaúcho” segue, de alguma forma, muitas dessas premissas, mesmo elegendo raças exóticas (Hereford e Angus) como as únicas aceitas pelo seu Regulamento Técnico. A sua base alimentar é constituída de pas-tagens nativas e nativas melhoradas e pastagens cultivadas de inverno em regime extensivo, não sendo permitido o uso de pastagens de verão. Os animais devem perma-necer livres todo o ano, não sendo permitido suplementação alimentar com grãos no último ano antes do abate do animal.

A utilização da vegetação da caa-tinga e de raças nativas são premis-sas básicas no processo produtivo

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do “cabrito de Uauá”. Mesmo que esses fatores limitem um pouco a capacidade de um abate em idade mais precoce, isto não constitui pro-blema maior, já que essa aparente desvantagem poderia ser neutraliza-da pela produção de carcaças mais leves ou largamente compensada, tanto por custos unitários de pro-dução menores, quanto pelo maior valor agregado ao produto pelas suas especificidades mercadológi-cas. Carcaças mais leves têm tam-bém larga aceitação no mercado brasileiro. No exterior, um dos mais famosos cordeiros da Espanha, o “cordero Manchego”, com Deno-minação de Origem, é abatido aos 90 dias, com peso vivo de 22 a 28 kg e carcaça de 10 a 14 kg. Em ou-tras palavras, o produtor do “cabrito de Uauá” não teria maiores preo-cupações com comparações de ganhos-de-peso ou idade ao abate em relação às raças exóticas espe-cializadas. A qualidade do produto teria uma maior relevância.

Como importante instrumento do sistema de gestão de qualidade,

a rastreabilidade será prioriza-da no processo de produção do “cabrito de Uauá”. O obje-tivo é que todos os produtos dentro de um supermercado, de um açougue ou de um res-taurante sejam conhecidos e controlados, bem como todas as unidades produtoras e trans-formadoras que enviam esses produtos. Os procedimentos, inicialmente, terão como base aqueles estabelecidos pelo MAPA, consideradas as natu-rais adaptações à espécie ca-prina e às nossas condições de produção. O sistema identifica-rá animais, carcaças e cortes em suas embalagens e confi-gurações de transporte e esto-cagem, em todas as etapas de produção e suprimento. Por sua complexidade e por implicar significativos custos adicionais, o sistema de rastreamento de-verá ter uma implantação gra-dativa (período de carência mí-nimo de 36 meses), visando sua consolidação em uma etapa posterior do empreendimento.

O PROCESSO DE CERTIFICAÇÃO - UMA AGENDA DE TRABALHO

O reconhecimento de uma indi-cação geográfica ao INPI pode ser requerido por um sindicato, associação, instituto ou qualquer outra pessoa jurídica de repre-sentatividade coletiva, com legí-timo interesse e estabelecida no respectivo território.

A certificação de IP ou de DO cre-dencia a organização requerente como responsável pelo monito-ramento regular da qualidade do produto e pelo atendimento às exi-gências de certificação. Para isso, a associação tem que estar formal-mente constituída e possuir um sis-tema de controle interno (Conselho Regulador). Ao Conselho Regu-lador caberá a elaboração e im-plementação de um regulamento técnico, uma espécie de “manual de obrigações” (normas e proce-

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dimentos de criação, seleção dos animais a certificar, rastreabilidade, transporte, abate, processamento final, rotulagem, não esquecendo as infrações e penalidades) a se-rem cumpridas pelos produtores. Antes, porém, é necessário que se identifiquem e definam as especifi-cidades do produto a ser certifica-do, vinculando-as a uma ou mais características próprias daquele espaço e se delimite a sua zona de produção. O meio geográfico marca e personaliza o produto pelo que a delimitação da zona produ-tora torna-se pré-requisito indispen-sável. O processo junto ao INPI é ilustrado na Figura 2.

No pedido de registro de uma IP constam elementos específicos que devem ser apresentados.

São eles:

� Elementos que compro-vem ter o nome geográfico se tornado conhecido como centro de extração, produção ou fabricação do produto de prestação de serviço;

� Elementos que com-provem a existência de uma estrutura de controle sobre os produtores ou prestadores de serviços que tenham o direito ao uso exclusivo da indicação de procedência, bem como sobre o produto ou a prestação do serviço distinguido com a Indicação de Procedência;

� Elementos que com-provem estar os produtores ou prestadores de serviços

estabelecidos na área geográ-fica demarcada e exercendo, efetivamente, as atividades de produção ou de prestação de serviço.

Para um programa estadual vol-tado para certificação de seus produtos, as etapas de implan-tação poderiam compreender:

1. Formação de competências regionais em organização e implementação de proces-sos de IGs;

2. Identificação, zoneamento e seleção dos produtos de maior potencial para serem trabalhados e submetidos à certificação;

3. Fortalecimento do nível or-ganizacional dos produtores (associações, cooperativas, etc.) e formação de conse-lhos reguladores e grupos gestores e formatação de arranjos organizacionais que permitam a incorporação de novos atores;

4. Estruturação de redes locais de apoio técnico e gerencial (capacitações e assistência técnica qualificada);

5. Estabelecimento de programa de financiamento direcionado para estruturar a produção, beneficiamento e comerciali-zação dos produtos;

6. Pesquisas e ações de apoio à regulamentação técnica do produto a certificar (especi-

ficidades técnicas e merca-dológicas, padronização da qualidade, definição de DO ou IP, delimitação e caracte-rização geográfica, sistemas de produção e beneficiamen-to, rastreabilidade, rotulagem, controle da produção, etc.).

A estratégia de lançamento de cada produto no mercado se baseará, ainda, em um plano de marketing a ser desenvolvido pela associa-ção/cooperativa, com o apoio do Sebrae-BA, o qual procurará criar, desenvolver e fixar a imagem dessa linha de produtos junto aos consu-midores. Esse plano deve começar com a escolha da marca, definindo--se por uma que se identifique com o produto e se adeque às embala-gens, equipamentos de exposição e peças publicitárias a serem criadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma, é necessário que políti-cas públicas sejam implementadas no sentido de buscar consolidar o reconhecimento local e regional de produtos regionais como os acima sugeridos, iniciando a caminhada para sua valoração e um posterior reconhecimento nacional. Uma ação inicial por parte da pesquisa seria essencial para fundamentar um processo de identificação e es-pacialização das potenciais marcas de cabritos, borregos, queijos, méis e outros produtos, baseados em elementos de identidade coletiva

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e ativos e fatores diferenciais que, segundo Flores (2003), permitiriam desenvolver novos negócios rela-cionados com agregação de valor, aproveitando as tipicidades e os pa-trimônios culturais e sociais específi-cos, tão abundantes no Semiárido.

É bastante procedente o alerta de Altmann (2006) de que a simples aplicação de um selo de garantia de qualidade por si só não asse-gura a colocação dos produtos no

mercado em condições vantajo-sas. O produto e seu sistema têm que ser plenamente conhecidos e respeitados por produtores, processadores e distribuidores e, sobretudo, reconhecido pelos consumidores, o que exige, tam-bém, concomitantes investimen-tos em marketing.

Concebido e operado dessa ma-neira, tais empreendimentos per-mitiriam a obtenção de resultados

efetivamente impactantes na me-lhoria dos processos de utilização dos recursos naturais de solo, água, planta e animal do bioma caatinga e de gestão do espaço rural como um todo, na maior va-lorização da cultura e do saber--fazer locais e no melhor ordena-mento e equilíbrio no processo de integração econômica e social entre as distintas condições agro-ecológicas e sócio-econômicas existentes nessa região.

ReferênciasALTMANN, R. Certificação de qualidade e origem e desenvolvimento rural. In: LAGES, Vinicius et al. (Org.). Valorização de produtos com diferencial de qualidade e identidade: indicações geográficas e certificações para competitividade nos negócios. Brasília: Sebrae, 2005. p.133-140

BARROS e SOUZA ADVOGADOS. Panorama interno e externo da proteção às indicações geográficas. 2004. 9p. (disponível na internet)

FLORES, M. X. Projeto de fortalecimento das capacidades competitivas dos pequenos produtores rurais: desenvolvimento territorial e estraté-gias inovadoras. Brasília: EMBRAPA/CONTAG/Fundação Lyndolpho Silva/SEBRAE-BID, 2003. 46 p (documento de trabalho não publicado).

GUIMARÃES FILHO, C. Uma estratégia de inserção no mercado para a caprino e a ovinocultura de base familiar do Semi-Árido. In: SEMI-NÁRIO NORDESTINO DE PECUÁRIA – PECNORDESTE, 9. 2005, Fortaleza, CE: FAEC/CNA/SENAR/SEBRAE, 2005. CD-ROM

OSÓRIO, J. C. S. et al. Sistema de produção de cordeiros para abate: produção integrada Herval Premium.In: SEMINÁRIO NORDESTE RURAL, Aracaju-SE, 2005. CD-ROM.