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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 3807 GEOGRAFIA ESCOLAR CONTEMPORÂNEA: PERCEPÇÃO DOS PROFESSORES DA ESCOLA ESTADUAL ERON DOMINGUES MARECHAL CÂNDIDO RONDON- PR BÁRBARA REGINA FERRARI 1 Resumo: A Geografia passou por mudanças significativas a partir de 1970, quando se propõe uma renovação em seu modo de entender o espaço e as relações que nele se manifestam, tem-se, portanto, o início de uma Geografia Crítica. Também, iniciam-se alterações nos métodos didáticos para o ensino da Geografia em sala de aula, com vistas à ruptura da concepção de que a aula é fundamentada em um repassar de informações por parte do professor, excluindo a participação dos alunos. Buscou-se verificar neste trabalho como essas transformações interferiram na geografia escolar e como os professores perceberam as modificações na prática, com o estudo da Escola Estadual Eron Domingues, a partir de entrevistas com professores inativos e ativos, verificando que estes passaram por mudanças metodológicas e como estes entendem a importância e a utilidade da geografia. Palavras-chave: Geografia Escolar; metodologias de ensino; percepção dos professores. Abstract: Geography has undergone significant changes since 1970, when it proposes a renewal in its way of understanding the space and relationships that it manifest, we have, therefore, the beginning of a Critical Geography. Also, starting up changes in teaching methods for the teaching of geography in the classroom, in order to break the conception that the class is based on a pass information from the teacher, excluding student participation. We attempted to verify this work as these changes interfere in school geography and how teachers realize the changes in practice to the study of the State School Eron Domingues, based on interviews with retired teachers and active by checking that these underwent methodological changes and as they understand the importance and usefulness of geography. Key-words: School geography ; teaching methodologies ; perception of teachers. 1 Introdução Pensar para que serve a Geografia e qual é a sua importância no contexto escolar, remete-nos à reflexão sobre como professores e alunos estão entendendo esta ciência. Apesar das mudanças que ocorreram em sua teoria e em seu ensino, alunos e professores ainda não expressam com facilidade a importância em se estudar esta disciplina. Em vista desta constatação, buscou-se neste texto evidenciar a necessidade de mostrar que a Geografia possui participação importante na formação dos alunos. 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados. Email de contato: [email protected]

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

3807

GEOGRAFIA ESCOLAR CONTEMPORÂNEA: PERCEPÇÃO DOS PROFESSORES DA ESCOLA ESTADUAL ERON DOMINGUES –

MARECHAL CÂNDIDO RONDON- PR

BÁRBARA REGINA FERRARI1

Resumo: A Geografia passou por mudanças significativas a partir de 1970, quando se propõe uma renovação em seu modo de entender o espaço e as relações que nele se manifestam, tem-se, portanto, o início de uma Geografia Crítica. Também, iniciam-se alterações nos métodos didáticos para o ensino da Geografia em sala de aula, com vistas à ruptura da concepção de que a aula é fundamentada em um repassar de informações por parte do professor, excluindo a participação dos alunos. Buscou-se verificar neste trabalho como essas transformações interferiram na geografia escolar e como os professores perceberam as modificações na prática, com o estudo da Escola Estadual Eron Domingues, a partir de entrevistas com professores inativos e ativos, verificando que estes passaram por mudanças metodológicas e como estes entendem a importância e a utilidade da

geografia. Palavras-chave: Geografia Escolar; metodologias de ensino; percepção dos professores.

Abstract: Geography has undergone significant changes since 1970, when it proposes a renewal in its way of understanding the space and relationships that it manifest, we have, therefore, the beginning of a Critical Geography. Also, starting up changes in teaching methods for the teaching of geography in the classroom, in order to break the conception that the class is based on a pass information from the teacher, excluding student participation. We attempted to verify this work as these changes interfere in school geography and how teachers realize the changes in practice to the study of the State School Eron Domingues, based on interviews with retired teachers and active by checking that these underwent methodological changes and as they understand the importance and usefulness of geography.

Key-words: School geography ; teaching methodologies ; perception of teachers.

1 – Introdução

Pensar para que serve a Geografia e qual é a sua importância no contexto

escolar, remete-nos à reflexão sobre como professores e alunos estão entendendo

esta ciência. Apesar das mudanças que ocorreram em sua teoria e em seu ensino,

alunos e professores ainda não expressam com facilidade a importância em se

estudar esta disciplina. Em vista desta constatação, buscou-se neste texto

evidenciar a necessidade de mostrar que a Geografia possui participação importante

na formação dos alunos.

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande

Dourados. Email de contato: [email protected]

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No que tange ao ensino de Geografia, ele passou por modificações ao longo

da história. Do Ensino Tradicional (descritivo e mnemônico) até o Ensino Crítico

(progressista, visando formação do sujeito ativo e participativo) em que várias foram

as alterações metodológicas implantadas em sala de aula na contemporaneidade.

Segundo Santos (2008), o conhecimento escolar da Geografia mudou muito nas

últimas duas a três décadas.

Essa mudança pode ser atribuída a diversos fatores, dentre os quais estão as

transformações ocorridas na própria sociedade. Tais transformações inferiram e

ainda interferem na educação escolar, tornando-a elemento constitutivo dos mais

destacados. Algumas delas podem ser pontuadas a partir das políticas

educacionais, influenciadas pelo atual contexto político, econômico e cultural.

Para entender como alguns procedimentos metodológicos, o uso de novos

recursos, concepções da geografia e como essas se concretizam na escola,

realizou-se um estudo de caso na Escola Estadual Eron Domingues – Marechal C.

Rondon-PR, a partir de relatos de professores de geografia inativos e ativos, que

lecionaram no período de 1970 a 2014. Esta escola não foi escolhida ao acaso. Ela

é a escola mais antiga desta cidade e o resgate da memória e da vivência dos

professores fora de grande importância para entender como as grandes

transformações no âmbito da ciência, e as próprias transformações na sociedade,

afetaram esta escola (seu local, seu cotidiano), em especial, à Geografia.

2 – Metodologia

Este trabalho consiste em uma pesquisa realizada no ano de 2014, a

metodologia para o desenvolvimento da pesquisa é de cunho exploratória, com

aporte bibliográfico a partir de leituras, análise, levantamento de dados e alguns

temas como: Geografia Escolar; História do pensamento geográfico e ensino e

aprendizagem.

No que tange à pesquisa de campo, realizou-se um estudo de caso, com

ênfase na técnica de relato oral, com os professores de Geografia (ativos e inativos)

da Escola Estadual Eron Domingues. Estes professores ministraram aulas no

período de 1970 a 2014 (e alguns ainda lecionam na escola), de modo a promover

um panorama contextual sobre a evolução dos conteúdos e das técnicas utilizadas

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para ensinar a disciplina nesta escola, verificando a funcionalidade e a utilidade das

mesmas pela ótica do professor.

Inicialmente, fez-se uma busca de todos os professores que lecionaram na

escola desde a fundação da mesma, em 1958. Priorizaram-se os professores que

atuaram sendo concursados durante um período de 5 anos no mínimo, e que

estivessem dentro do período estudado, pois assim, teriam uma base das mudanças

tanto em âmbito educacional como funcional. Após estabelecer contatos com

alguns, com a colaboração dos mesmos, foi possível agendar entrevistas, uma

conversa, sobre os anos em que lecionaram, sobre o ensino e a Geografia escolar.

No trabalho os professores foram denominados como P1, P2, P3 e P4, sendo P1 o

professor que lecionou de 1963 a 1988; P2 de 1971 a 1994; P3 iniciou em 1993 e

estava prestes a se aposentar no ano de 2014; e P4 iniciou em 2004 e ainda está

em atividade.

O município de Marechal Cândido Rondon, de acordo com o IBGE (2014)

possui 50.299 habitantes e apenas cinco escolas estaduais. Assim, a Escola

Estadual Eron Domingues é a escola mais antiga e a primeira a ser implantado o

Ensino Médio, por isso esta passou por várias mudanças. A escola foi instituída em

uma época em que a realidade e a sociedade eram diferentes e, consequentemente,

o ensino de Geografia também tinha outros interesses. Assim, há professores que

ainda atuam na escola, e que viveram essa mudança de paradigmas da Geografia e

do próprio ensino. Mas nem sempre se adequaram ao momento atual.

Para a análise das informações coletadas, foi utilizada a análise descritivo-

analítica, com ênfase na análise do discurso de Michel Pêcheux2 com a finalidade de

categorizar em tempo histórico as características didáticas apresentadas nos relatos

orais coletados. Levou-se em consideração a percepção de cada professor a

formação acadêmica, analisando como ocorreu a adaptação de mudança

2 Análise do Discurso segundo Pêcheux verifica as circunstâncias com que um discurso é

produzido, considerando-se as dimensões simbólicas, historicidade e a ideologia do sujeito.

Consultar, PÊCHEUX, Michel. Análise Automática do Discurso (AAD 69). Parte I. In:

GADET, Françoise; HAK, Tony. Por uma Análise automática do discurso: uma introdução à

obra de Michel Pêcheux. (trad. Bethânia S. Mariani et al). 2. ed. Campinas, SP: Editora da

UNICAMP, 1993, p. 61-105.

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metodológica, quanto ao uso de recursos em sala, e também do entendimento dos

mesmos sobre as concepções da geografia (para que serve e utilidade) desde a

década de 1970 até 2014, assim como as mudanças globais, nacionais, que afetam

o lugar, a escola.

3 – Geografia escolar e percepção dos professores

A Geografia escolar teve seu surgimento juntamente com a sistematização da

Geografia como um conhecimento científico, no século XIX. Da mesma forma que a

ciência geográfica passou por modificações ao longo dos anos, buscando novos

paradigmas que se adequassem a realidade, a Geografia escolar também se

modificou.

É possível perceber que muitas mudanças foram significativas para o seu

desenvolvimento. Teve-se produções acadêmicas, que a afirmaram como ciência,

dando-lhe um objeto de estudo, - o espaço -, além das problemáticas que envolvem

a sociedade e relações de poder que nesse espaço se estabelecem.

A Geografia, como disciplina escolar oferece sua contribuição para que alunos e professores enriqueçam suas representações sociais e seu conhecimento sobre as múltiplas dimensões da realidade social, natural e histórica, entendendo melhor o mundo em seu processo atual da chamada mundialização da economia (PONTUSCHKA et al, 2009, p.38).

Assim, a Geografia escolar se solidifica a partir da percepção do espaço e dos

sujeitos que o modificam. Contudo, em seu desenvolvimento, nota-se que esta

tomou rumo diferente da ciência geográfica. Enquanto alguns professores seguiam

com discussões acerca das problemáticas existentes na sociedade, a sua maioria se

prendia a um tipo de livro didático tornando o conteúdo algo estático e fragmentado,

sendo visto um espaço que parece “não ter vida”.

A Geografia em seu início teve um conteúdo descritivo das paisagens. No

Brasil há “Toda uma literatura e uma iconografia voltadas para a descrição e esboço

de classificação, distribuição e localização das paisagens brasileiras [...]”

(MOREIRA, 2009, p.30). A paisagem era a natural, vista como as diferenciações de

áreas existentes em que cada uma possuía a sua individualidade.

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Com a renovação do pensamento geográfico, percebe-se a importância do

homem como um elemento construtor dessa paisagem, tendo assim como objeto

“[...] o estudo das relações entre o homem e o meio, ou, posto de outra forma, entre

a sociedade e a natureza” (MORAES, 2002, p.18).

O espaço desde sempre foi um elemento a ser pensado e (re) organizado, e é

por meio da relação entre os homens e o meio que ele se constitui. É sabido que em

seu início, a Geografia era um conhecimento destinado às classes dominantes, pois

esta possuía o conhecimento de lugares estratégicos, que lhes davam vantagens

sobre os inimigos, e desta forma conhecer o espaço era fundamental, até para a

própria sobrevivência.

Com a evolução de técnicas e instrumentos, a Geografia também passou por

modificações, mas a descrição de paisagens e dos elementos naturais não deixou

de ser fundamental. Ensinava-se nas escolas os aspectos físicos de cada região, de

seu país ou Nação.

A Geografia esteve presente nas escolas inicialmente de forma indireta

juntamente com a história. “Sua presença ocorria por meio da história do Brasil e da

língua nacional, cujos textos enfatizavam a descrição do território, sua dimensão,

suas belezas naturais” (VLACH, 2008, p.189). Portanto, não se tinha até o momento

uma Geografia científica autônoma, mas pautada em modelos franceses e ancorada

na história do Brasil e na descrição das paisagens.

As produções geográficas até os anos 70 deixavam de discutir os problemas

sociais e até mesmo os ambientais, tendo uma pretensão à neutralidade, alegando

que estes não eram geográficos (VESENTINI, 2008).

A Geografia na década de 1970/80 apresenta um caráter local. Como afirmou

P1 ela partia do conhecido para o desconhecido. Por exemplo, trabalhava-se com o

município, estudando todos os seus elementos, como o relevo, clima, e como o

homem vivia ali, colocando o homem dentro desse contexto apenas como elemento,

mostrando uma fragmentação na geografia.

O professor P4 lembra que em sua época [década de 1980, na Escola

Estadual Eron Domingues] de estudante os temas eram realmente voltados a uma

Geografia física, além de existir um decoreba quanto ao nome de rios, capitais, as

regiões. “[...] quando eu cursei o fundamental aqui, lembro muito, muito decoreba,

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nossa como eu decorava rio, nome de rio, região, capital, tinha muito disso, muita

leitura e responde questão [...]”. (P4, 2014).

Desta forma, para uma Geografia Renovada, que ganha força a partir da

década de 1970, e continua em um processo de modificações, não somente de

renovação, mas novas reflexões e pesquisas que vem a contribuir para novos

olhares e debates mais amplos, o objeto da Geografia é o estudo do espaço social,

político, construído pelo homem.

O que propomos como objeto dessa Geografia renovada é o estudo das

sociedades humanas em sua obra de permanente reconstrução do espaço

das gerações precedentes, através das diversas instâncias da produção

(SANTOS, 2008, p.240).

É de maneira diferente que o homem se relaciona com o espaço, e com isso,

constrói “novos espaços” por meio das relações sociais. “A Geografia é uma ciência

social e, ao ser estudado, tem de considerar o aluno e a sociedade em que vive”

(CALLAI, 2010, p.57). É por isso que, ao se estudar o espaço, leva-se em

consideração seu agente transformador: o homem.

A partir da década de 1980, se intensifica o processo de renovação da

Geografia escolar, correspondendo ao movimento de renovação curricular dos anos

1980, o que não significa uma renovação de suas matrizes. Buscava-se “[...]

melhoria da qualidade do ensino, a qual, necessariamente, passava por uma revisão

dos conteúdos e das formas de ensinar e aprender as diferentes disciplinas dos

currículos da escola básica” (PONTUSCHKA et al., 2009, p.68). Sentia-se a

necessidade de discutir questões relacionadas à vivência dos alunos e a situação do

país, trabalhando com alguns conceitos como modo de produção e trabalho. Esses

conceitos mostram-se importantes para retratar a realidade social e levantar

discussões acerca das manifestações, como os movimentos sociais.

Assim, o professor P1 percebe mudanças de um pensamento tradicional para

um pensamento crítico3, desde a década de 1970 até 2014, afirmando que

3 Sabe-se que não foi somente uma mudança de um pensamento tradicional para o crítico, pois dentro da

Geografia encontram-se várias correntes, dentre elas Teorético quantitativa, Humanista, Cultural e que formam

essa nova visão de Geografia.

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[...] o pensamento crítico é uma das nossas funções também, formar o pensamento crítico através de observações, pesquisas, leituras e tudo (...) no meu tempo [anos 70/80] não era tanto, mas hoje em dia sim, aí estão os movimentos de rua e o pensamento crítico evoluiu (P1, 2014).

Além disso, complementa que há novos materiais disponíveis ao professor o

que auxilia em suas aulas. Esses são alguns avanços que vieram para educação

num todo, porém, na geografia se encontram temas e conteúdos subdivididos e

dissociados entre si.

Todas as tentativas são em direção a renovações que implicam mudanças na postura, na linguagem e nas atividades de aprendizagem necessárias para que o aluno reflita sobre a realidade, a sociedade e a dinâmica do espaço. No entanto o discurso praticado nos séculos XIX e XX continua a ser reproduzido até hoje. Por isso a Geografia escolar ainda aparece no currículo como sendo aquela área de conhecimento de menor aplicação prática fora da escola, mesmo que essa situação receba críticas desde meados de 1980 (CASTELLAR, 2005, p. 211-212).

Assim, a partir da década de 1970, a geografia escolar vem sendo discutida

por professores e geógrafos, na tentativa de aproximar a realidade dos alunos, de se

fazer um ensino significativo e não mostrar o homem apenas como um elemento da

paisagem e do espaço. Entretanto, o que se vê ainda na década de 80 são

conteúdos determinados pelo Estado, fracionados e um ensino com pouca inovação,

lembrando em que se vive num momento tênue da história brasileira, a ditadura

militar.

Diante dessa situação, o professor P2 relata que a Geografia não tinha um

tema específico, mas era um conjunto de temas que tinham que ser trabalhados,

estes ainda determinados pelo Estado. “Dava-se ênfase aos aspectos físicos, o

universo e toda essa questão, e os aspectos sociais, econômicos que eram temas

trabalhados em todas as séries, só que numa série trabalhava Geografia do Brasil,

na outra as Américas, e na outra o mundo”. Permanecendo uma abordagem com

várias divisões como, Geografia física, humana, econômica, regional.

Há a separação dos assuntos e o livro didático evidencia muito bem essa

questão, ao abordar diversos temas dividindo-os em seus capítulos. Hoje, isso ainda

é algo presente nos livros didáticos, e é um dos materiais mais utilizados e de

subsídio aos professores e alunos. É observado que muitos professores

trabalhavam e ainda trabalham seguindo essa separação proposta pelo livro.

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Em meados de 80 e 90, que se evidencia de fato a introdução de um

pensamento mais crítico e libertador, no qual se estimula o pensamento dos alunos

e a participação destes. É por isso, que se tem a ênfase de uma Geografia política e

social, no qual se discutem mais teoria e problemas sociais.

“Começou a vir a questão da dialética, essa questão toda de análise mais

aprofundada das questões e tudo mais, então ela se tornou uma Geografia mais

analítica, de interpretação, de conhecimento nesse sentido” (P2, 2014). Por isso, os

professores perceberam uma mudança quanto as temáticas no sentido de que

desde os anos 1990 e mais recentemente, há uma maior relação entre os aspectos

físicos e os aspectos sociais e econômicos. “A dosagem hoje parece que pesa igual,

da física e da econômica”, afirma o professor P3.

No entanto, isso não parece ser suficiente para se romper com essa

dissociação que existe entre a geografia física e humana, percebendo que a

conversa entre essas duas “frentes” ainda é truncada. O importante não é trabalhar

um ou outro, mas que haja a interação dos elementos, e por vezes não é isso que

acontece.

Diante desse processo, o professor P2 afirma que procurou se adaptar à

realidade dos alunos, as mudanças que ocorriam, uma vez que tinham que fazer o

planejamento, mudando conforme necessidade e buscando metodologias

diferenciadas. Concorda que a metodologia utilizada hoje em dia é interessante, na

busca de um sujeito mais participativo, formulador de opiniões, porém, em sua

época, também se incentivava o aluno a pensar criticamente sobre seu lugar de

vivência e problemas que o cercava.

Complementa ainda que a diferença é que o processo era devagar para haver

mudanças, tinha essa perspectiva, mas com menos ênfase que atualmente. O livro

didático sempre foi um importante instrumento, e o principal material didático do

aluno, apresentando um enfoque mais tradicional, no entanto não caracterizava

como único recurso, buscando-se textos e atividades complementares. Assim, na

realidade

Ensinar Geografia implica desenvolver o mesmo método que ela usa na construção do conhecimento geográfico que está em contínua transformação. Ensinar Geografia significa dar conta do processo de que levou à atual organização do espaço [...] o espaço não pode ocorrer por

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meio da transmissão de conteúdos programado e subdivididos por séries (ALMEIDA, 1991, p.86).

Percebe-se que as transformações, tanto curriculares, quanto na própria

ciência geográfica, método, conceitos e técnicas ainda estão ocorrendo, pois ao

considerar a educação um processo coletivo, que implica na relação com o outro, é

possível dizer que há muitos encontros acontecendo (GALLO, 2008). O professor P4

diz sobre as mudanças oportunas e que contribuem para um ensino dialogado, mas

sem que haja excessos em metodologias diferenciadas.

Hoje a gente tem mais liberdade de não só trabalhar especificamente com o livro, pergunta e resposta, você consegue trabalhar esse mesmo conteúdo, essa mesma abordagem de outras formas, cartazes, paródias, músicas, que é uma forma mais atrativa para o aluno, só que a gente tem que cuidar para não pecar no excesso desse diferente, o excesso do diferente e o pouco conteúdo agregado a esse diferente, então não adianta você diversificar tanto na metodologia se você não consegue agregar conteúdo para o aluno (P4, 2014).

Quanto a opinião dos professores relativo à importância da Geografia e a

utilidade da mesma na vida do aluno, mostra-se uma síntese no quadro 01.

Professor/Período que lecionou

Para que serve a Geografia? Qual a utilidade?

P1 (1963-1988)

Serve para se localizar. Importante se localizar no tempo e no espaço.

P2 (1971-1994)

Serve para conhecer o meio, o espaço o qual o aluno está inserido, e que suas ações

influenciam e são influenciadas no espaço.

A Geografia é uma construção humana e faz parte do cotidiano, do

dia-a-dia, da vida.

P3 (1993 até o momento)

[...] serve pra transformar algo que está errado na cidade

dele ou até no país, dependendo de como ele vai

engajar na luta [...].

Acredita ser mais importante para alunos de Ensino Médio (entendem

mais); Importante para se tornar uma pessoa mais crítica e atuante.

P4 (2004 até o momento)

[...] serve para conhecer um pouco melhor o mundo que se vive atualmente, que não foi sempre assim [...]e que

toda essa história, não pode ser esquecida, uma vez que

tudo o que o aluno está fazendo hoje vai trazer

consequências para o futuro.

[...] a importância da Geografia, porque é uma relação entre os

seres humanos e sobre um ambiente; [...] é saber trabalhar,

saber o que ele pode, o que é bom e o que não é bom dentro desse contexto, seja no contexto social, ambiental, é de saber o que eu

estou deixando, se eu estou fazendo a minha parte ou não.

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Quadro 01. Síntese da opinião dos professores entrevistados Fonte: Pesquisa de campo (2014).

Todos os professores relacionam que a geografia serve para entender o

mundo, o espaço em que vivemos, tanto quando o professor diz para se localizar,

desde perceber as mudanças na cidade, em seu meio, assim como pelas

próprias ações dos sujeitos e como estas se apresentam na realidade de cada um.

Argumentam também que quanto a sua utilização é preciso se localizar no

espaço, pois sendo este produto das relações sociais, está em construção

constante, levando em consideração as vivências dos sujeitos e suas análises sobre

este espaço vivido.

Verifica-se que cada professor tem a sua concepção de Geografia e isto

acarreta em um ensino diversificado. Por isso, o seu ensino vai de acordo com o que

o professor espera ao ensinar tal disciplina e como ele explica a importância em se

estudar tais temas.

Portanto, como afirma Callai (2010), três razões são essenciais para se

estudar a Geografia: a primeira para conhecer o mundo e obter informações; a

segunda, é que a Geografia é a ciência que estuda, analisa e tenta explicar o

espaço produzido pelo homem; e a terceira é que ela tem o objetivo de formar o

cidadão, contribuindo com o dever da escola. Nesse sentido, percebe-se que é um

amplo conhecimento o da Geografia, e é ela quem tem a função de mostrar e trazer

informações sobre os diversos lugares existentes no globo, uma vez que, esses

lugares não deixam de ser uma produção do próprio homem.

4 – Considerações finais

A Geografia esteve e ainda está em mudanças e no âmbito de novas

reflexões, no entanto, parece que os movimentos de inovação permanecem em sua

maioria na academia. Muito mais na teoria do que na prática, deixando uma

defasagem no que se aproxima ao ensino e à Geografia escolar.

Os professores identificam mudanças adotadas em sua própria metodologia,

que foram adequando-as com o passar dos anos. Além, de uma busca de aproximar

os alunos dos debates em sala, fazendo com que estes se percebam como agentes

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do conhecimento, ao estimular suas habilidades e outras potencialidades individuais

e coletivas.

Perceberam também que com a inovação tecnológica, muitos recursos foram

surgindo, auxiliando no trabalho em sala, mas que o uso do livro didático ainda é

fundamental. Os professores P1 e P2 apontam como fatos negativos uma maior

autonomia dada aos alunos, afirmando que hoje o trabalho do professor se torna

mais difícil, havendo muitos casos de desrespeito por parte dos alunos. Por outro

lado, apontam como fator positivo uma maior autonomia do trabalho do professor,

em que este além de ter mais instrumentos e ferramentas para utilizar em suas

aulas, é quem as planeja, tanto coletivamente, mas também individualmente.

Há ainda desafios enfrentados pelos professores, quanto a algumas

metodologias e formas de avaliação um tanto quanto tradicionais, além de

conteúdos abordados superficialmente. No entanto, este estudo procurou relatar a

evolução do ensino da Geografia em uma importante escola da cidade de Marechal

Cândido Rondon reafirmando que ela é uma disciplina dinâmica e em conjunto com

professores e alunos vem sendo repensada.

Hoje, a Geografia serve para o aluno situar-se como um sujeito crítico e

participativo, frente às diferentes realidades. E os professores estão sempre

repensando sua prática quanto à busca de novas metodologias, recursos, para

envolver o aluno e desenvolver novas habilidades e competências.

5 – Referências bibliográficas

ALMEIDA, R. D. A propósito da questão teórico-metodológica sobre o ensino de

geografia. Terra Livre, São Paulo; n.8, p. 83-90, 1991.

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