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1 Genogramas: mapeamento dos sistemas familiares O genograma foi consagrado como uma estrutura práti- ca para a compreensão dos padrões familiares. O propósito deste li- vro é explicar os usos práticos, teóricos, gráficos e clínicos do genograma e o seu potencial para a pesquisa. O formato pa- dronizado do genograma está se transfor- mando em uma linguagem comum para rastrear a história e os relacionamentos familiares (ver a chave impressa na parte interna da capa frontal deste livro). Ape- sar da ampla utilização dos genogramas por terapeutas de família, médicos de família e outros profissionais da área da saúde, não havia um formato de consen- so para os genogramas antes da primeira edição deste livro, em 1985. Mesmo entre os terapeutas com orientações teóricas si- milares havia apenas um frágil consenso sobre quais as informações específicas a serem buscadas, como registrá-las e o que tudo aquilo significava. O formato padronizado do genograma usado neste livro foi desenvolvido na década de 1980 por um comitê de importantes proponen- tes do genograma que trabalham com terapia e medicina de família, incluindo pessoas chave como Murray Bowen, Jack Froom e Jack Medalie. Eles fizeram par- te de um comitê organizado pelo Grupo Norte-Americano de Pesquisa em Cui- dados Primários para definir os símbolos mais práticos para o genograma e chegar a um acordo sobre um formato padroni- zado. Desde que o formato foi original- mente publicado em 1985, houve muitas modificações recomendadas por diferen- tes grupos por todo o mundo. Encaramos o formato incluído nesta edição como um trabalho em andamento, já que o uso de genogramas sem dúvida ampliará ainda mais o formato. Por exemplo, os com- putadores nos conduziram a iniciar o desenvolvimento de uma codificação de cores-padrão para nomes, localização, ocupação, doenças, etc. Os símbolos cer- tamente ainda serão modificados no fu- turo, assim como já foram modificados nas últimas quatro décadas. Os genogramas registram informa- ções sobre os membros de uma família e suas relações em pelo menos três gera- ções. Exibem graficamente as informações familiares de forma a possibilitar uma rá- pida Gestalt dos padrões familiares com- plexos; como tal, são uma fonte muito rica de hipóteses sobre como os problemas clínicos se desenvolvem no contexto da família ao longo do tempo.

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Genogramas: mapeamento dossistemas familiares

O genograma foi consagrado como uma estrutura práti-ca para a compreensão dos

padrões familiares. O propósito deste li-vro é explicar os usos práticos, teóricos, gráficos e clínicos do genograma e o seu potencial para a pesquisa. O formato pa-dronizado do genograma está se transfor-mando em uma linguagem comum para rastrear a história e os relacionamentos familiares (ver a chave impressa na parte interna da capa frontal deste livro). Ape-sar da ampla utilização dos genogramas por terapeutas de família, médicos de família e outros profissionais da área da saúde, não havia um formato de consen-so para os genogramas antes da primeira edição deste livro, em 1985. Mesmo entre os terapeutas com orientações teóricas si-milares havia apenas um frágil consenso sobre quais as informações específicas a serem buscadas, como registrá-las e o que tudo aquilo significava. O formato padronizado do genograma usado neste livro foi desenvolvido na década de 1980 por um comitê de importantes proponen-tes do genograma que trabalham com terapia e medicina de família, incluindo pessoas chave como Murray Bowen, Jack Froom e Jack Medalie. Eles fizeram par-

te de um comitê organizado pelo Grupo Norte-Americano de Pesquisa em Cui-dados Primários para definir os símbolos mais práticos para o genograma e chegar a um acordo sobre um formato padroni-zado. Desde que o formato foi original-mente publicado em 1985, houve muitas modificações recomendadas por diferen-tes grupos por todo o mundo. Encaramos o formato incluído nesta edição como um trabalho em andamento, já que o uso de genogramas sem dúvida ampliará ainda mais o formato. Por exemplo, os com-putadores nos conduziram a iniciar o desenvolvimento de uma codificação de cores-padrão para nomes, localização, ocupação, doenças, etc. Os símbolos cer-tamente ainda serão modificados no fu-turo, assim como já foram modificados nas últimas quatro décadas.

Os genogramas registram informa-ções sobre os membros de uma família e suas relações em pelo menos três gera-ções. Exibem graficamente as informações familiares de forma a possibilitar uma rá-pida Gestalt dos padrões familiares com-plexos; como tal, são uma fonte muito rica de hipóteses sobre como os problemas clínicos se desenvolvem no contexto da família ao longo do tempo.

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Além de apresentar esse formato pa-dronizado, Genogramas: avaliação e inter-venção descreve os princípios interpreta-tivos sobre os quais os genogramas estão baseados, bem como as possibilidades para softwares, que podem registrar in-formações do genograma e armazená-las para recuperação com o propósito de pes-quisa. Além disso, o livro descreve a apli-cação dos genogramas em muitas áreas clínicas. As diretrizes do genograma aqui apresentadas foram desenvolvidas du-rante as últimas décadas em colaboração com muitos colegas. Essas diretrizes ainda estão em desenvolvimento, à medida que progride a forma como pensamos sobre as famílias. Esta terceira edição define ainda mais os símbolos e convenções que fazem do genograma a melhor linguagem escrita para resumir as informações de uma famí-lia e descrever os padrões familiares.

Os genogramas atraem os terapeutas porque são representações gráficas tangí-veis de padrões familiares complexos. A ne-cessidade de tais mapas chegou a tal ponto que o Festival de Música de Salzburg ofe-receu recentemente um tipo de genograma para acompanhar as relações familiares de uma ópera de Mozart (Oestreich, 2006). É claro que, se tivessem conhecimento sobre genogramas, poderiam ter feito um gráfico ainda melhor, como o que fizemos para um dos mais complicados enredos de ópera, Il Trovatore (Figura 1.1).

Neste caso, o velho Conde Di Luna, achando que uma cigana havia enfeitiça-do seu filho, mandou queimá-la no poste. A cigana fez com que sua filha prometes-se vingança. A filha, Azucena, pretendia matar o conde, mas acidentalmente ma-tou o próprio filho e depois criou o filho do conde como se fosse seu. O filho cres-

Espanhóis Ciganos

Azucena

Leonora Manrico

Velho Conde Di Luna

CondeDi Luna

Achava que a mãe de Azucena lançara um feitiçosobre seu filho. Mandou queimá-la na fogueira.

Disse à filha parase vingar do velhoconde pelo seuassassinato.

Prometeu vingar oassassinato da mãe.Por engano matouseu próprio filho edepois criou o filhodo conde.

O filho mais novo do conde tidocomo morto foi roubado por Azucena,que o criou como Manrico. Ele agoravolta disfarçado como trovador(cavaleiro de armadura).

Planeja entrar parao convento porque

teme que o seu amadotenha sido morto.

Figura 1.1 Il Trovatore, de Verdi.

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ceu e se tornou um trovador e cavaleiro que se apaixonou por uma jovem mulher, Leonora, que estava sendo perseguida por seu irmão mais velho, o jovem Conde Di Luna. Neste genograma, mostramos o filho do velho Conde Di Luna em todas as suas encarnações (o filho aparentemente morto do conde, o filho adotado de Azu-cena e o amante trovador de Leonora). No final da ópera, é claro, tudo é revelado, e os três personagens são reconhecidos como um.

Os genogramas permitem mapear claramente a estrutura familiar e ob-servar e atualizar o mapa dos padrões de relações e funcionamento da família à medida que vão surgindo. Para o re-gistro clínico, o genograma possibilita um resumo eficiente, permitindo que uma pessoa que não está familiarizada com o caso obtenha rapidamente uma grande quantidade de informações so-bre a família e analise os problemas e os recursos potenciais. Enquanto as ano-tações escritas em um gráfico ou ques-tionário podem ficar perdidas em um registro, as informações do genograma são imediatamente reconhecíveis e po-dem receber acréscimos e ser corrigidas a cada consulta clínica à medida que se vai sabendo mais coisas sobre a família. Os genogramas podem ser criados para qualquer período da história da família, mostrando as idades e relações daque-le momento para melhor entender os padrões familiares enquanto eles se de-senvolvem através do tempo. Em breve, um software permitirá que os terapeutas acompanhem a linha do tempo ou cro-nologia da família – para acompanhar os detalhes dos principais desenvolvi-mentos nas relações, saúde, etc., durante todo o ciclo de vida da família.

Os genogramas facilitam que tenha-mos em mente a complexidade do con-texto de uma família, incluindo a história, os padrões e os eventos familiares que po-dem ter algum significado para o pacien-te. Assim como nossa linguagem falada potencializa e organiza nossos processos de pensamento, os genogramas auxiliam os terapeutas a pensarem sistematica-mente sobre como os acontecimentos e re-lações nas vidas dos seus clientes estão re-lacionados a padrões de saúde e doença.

A coleta de informações para o geno-grama deve ser parte integrante de uma avaliação clínica mais abrangente, caso se deseje apenas saber quem faz parte da família e quais são os fatos da sua si-tuação atual e história. É uma ferramenta interpretativa que possibilita que os tera-peutas formulem hipóteses provisórias para aprofundar o exame na avaliação da família. O genograma não pode ser usa-do como um livro de receitas para prog-nósticos clínicos, mas pode sensibilizar os terapeutas para aspectos sistêmicos rele-vantes sobre a disfunção atual e sobre as fontes de resiliência. O software logo tor-nará possível estudar os padrões do ge-nograma de múltiplas famílias, além de comparar e contrastar os perfis de todos os casos na base de dados do genograma.

Graças ao novo e impressionante campo da genealogia genética (Harmon, 2006), todos teremos acesso a nossas his-tórias genéticas de formas que jamais imaginamos serem possíveis, e estamos apenas no princípio de todo um novo conjunto de possibilidades de conhecer-mos a nossa família e a nossa herança cul-tural – desde a nossa ligação com Genghis Khan ou Maria Antonieta até a realidade de nossas heranças cultural e racial, que podem estar profundamente ocultadas

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pelas tradições familiares. A possibilidade de mapear nossa árvore familiar com o auxílio de computadores é apenas uma forma pela qual poderemos incorporar as complexidades que conheceremos so-bre nossa herança, e esta é a rota para o estudo dos padrões familiares de relação, funcionamento e doença. Os computado-res são o futuro dos genogramas!

Tipicamente, o genograma é cons-truído a partir das informações reunidas durante o primeiro encontro com um cliente/paciente e revisado quando novas informações vão se tornando disponíveis. A avaliação inicial forma a base para o tratamento. É importante enfatizar, con-tudo, que os terapeutas costumam não compartimentalizar avaliação e tratamen-to. Cada interação do terapeuta com um membro da família informa a avaliação e, assim, influencia a intervenção seguinte.

Os genogramas ajudam o terapeuta a conhecer uma família. Assim, transfor-mam-se em uma forma importante de “se vincular” às famílias em terapia. Ao cria-rem uma perspectiva sistêmica que ajuda a monitorar aspectos familiares através do tempo e do espaço, os genogramas possibilitam que o entrevistador reestru-ture, desintoxique e normatize questões carregadas de emoção. A entrevista do genograma também proporciona um ve-ículo prático para o questionamento sis-têmico que, além de fornecer informações ao terapeuta, começa a orientar os clientes para uma perspectiva sistêmica. O geno-grama ajuda tanto o terapeuta quanto a família a ver o “quadro mais amplo” – isto é, visualizar os problemas no seu con-texto atual e histórico. As informações estruturais, relacionais e funcionais sobre uma família podem ser encontradas em um genograma, tanto horizontalmente no

contexto familiar quanto verticalmente através das gerações.

O exame da dimensão do contexto familiar atual permite que o terapeuta avalie as conexões entre os membros da família nuclear e também com o sistema mais amplo – a família extensa, os amigos, a comunidade, a sociedade e a cultura –, bem como os pontos fortes e as vulnera-bilidades da família em relação à situação como um todo. Consequentemente, incluí-mos no genograma os membros da família nuclear e extensa, bem como os “paren-tes” não consanguíneos que viveram ou desempenharam um papel importante na vida familiar. Também observamos acon-tecimentos relevantes (mudanças, altera-ções no ciclo vital) e problemas (doenças, disfunções). O comportamento atual e os problemas dos membros da família podem ser acompanhados no genograma a par-tir de múltiplas perspectivas. O paciente identificado (o “PI” ou pessoa com o pro-blema ou sintoma) pode ser examinado no contexto de vários subsistemas, tais como irmãos, triângulos e relações recíprocas, ou em relação à comunidade mais ampla, instituições sociais (escola, justiça, etc.), e ao contexto sociocultural. Em breve pode-remos explorar toda uma base de dados de genogramas para padrões particulares: padrões genéticos, doenças, padrões de funcionamento de gênero e irmãos, proba-bilidade de triângulos em que um dos pais está próximo e o outro distante, perdas ou traumas em gerações anteriores, correla-ções entre as várias constelações de siste-mas e assim por diante.

Ao examinarem historicamente o sis-tema familiar e avaliarem as transições do ciclo vital, os terapeutas conseguem colocar as questões presentes dentro do contexto dos padrões evolutivos fami-

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liares. O genograma usualmente inclui pelo menos três gerações de membros da família, bem como os eventos nodais e críticos na história familiar, particular-mente em relação ao ciclo vital. Quando os membros da família são questionados sobre a situação presente no que se refe-re a temas, mitos, regras e questões car-regadas emocionalmente das gerações anteriores, com frequência se tornam claros os padrões repetitivos. Os geno-gramas “deixam o calendário falar” ao sugerirem as possíveis conexões entre os acontecimentos na família ao longo do tempo. Padrões de doença prévia e alte-rações anteriores nas relações familiares causadas por perda e outras mudanças críticas na vida, que alteram a estrutura familiar e outros padrões, podem facil-mente ser observados no genograma. Os genogramas computadorizados possibi-litarão que exploremos os padrões fami-liares e as constelações de sintomas espe-cíficos. Tudo isso oferece uma estrutura para a formulação de hipóteses sobre o que atualmente pode estar influenciando uma crise em uma determinada família. Aliada aos genogramas, usualmente in-cluímos uma cronologia da família, que descreve a história familiar em ordem cronológica. Um programa computado-rizado que reúna e mapeie as informa-ções do genograma com uma base de dados tornará muito mais fácil para o te-rapeuta o rastreamento da história fami-liar porque uma cronologia poderá mos-trar os acontecimentos de um momento particular na história da família.

As aplicações do genograma variam desde simplesmente descrever as infor-mações demográficas básicas sobre uma família, o que pode ser feito em uma en-trevista médica ou de enfermagem de

15 minutos (Wright e Leahey, 1999), até o mapeamento multigeracional do sis-tema emocional da família usando uma estrutura de Bowen (ver Bibliografia por Tópicos: Avaliação, Genogramas e Teoria dos Sistemas), até a geração de hipóteses sistêmicas para intervenções estratégicas e o desenvolvimento de hipóteses “proje-tivas” sobre o funcionamento do incons-ciente a partir das entrevistas do genogra-ma. Alguns sugeriram modificações do formato do genograma (ver Bibliografia por Tópicos: Variações do Genograma, Ecomapas, Linhagens e Sociogramas), tais como a “linha do tempo” de Frie-dman, Rohrbaugh e Krakauer (1988), o genograma de Watts Jones (1998) para descrever a família “funcional”, os dia-gramas dos vínculos de Friesen e Manitt (1991), o genogrid de Burke e Faber (1997) para descrever as redes das famílias lésbi-cas, ou genogramas espirituais/religiosos (ver Bibliografia por Tópicos: Religião, es-piritualidade). Alguns terapeutas enfati-zaram a utilidade dos genogramas para o trabalho com famílias em vários estágios do ciclo vital (ver Capítulo 8 e Bibliogra-fia por Tópicos: Ciclo de Vida Familiar), para rastrear as configurações relacionais complexas vistas em famílias recasadas (ver Bibliografia por Tópicos: Divórcio e Recasamento), engajar e rastrear famílias complexas e culturalmente diversas (ver Bibliografia por Tópicos: Cultura e Raça), explorar questões específicas, como se-xualidade e história sexual da família com genogramas sexuais (Hof e Berman, 1986; McGoldrick, Loonan e Wolsifer, 2006), e fazer intervenções familiares, como com os genogramas lúdicos (ver Capítulo 10). Alguns utilizaram genogramas como base para ensinar adultos analfabetos a lerem, entrevistando-os sobre os próprios

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genogramas, transcrevendo suas histórias e fazendo-os lerem suas narrativas (Da-rkenwald e Silvestri, 1992). Outros usa-ram genogramas de trabalho e carreira para facilitar decisões profissionais (Gib-son, 2005; Moon, Coleman, McCollum, Nelson e Jensen-Scott, 1993) ou para ilus-trar organizações como uma prática mé-dica (McIlvain, Crabtree, Medder, Stran-ge e Miller, 1998). Alguns criativamente ampliaram o conceito de genograma com o que chamam de generograma, o qual mapeia as relações de gênero ao longo do ciclo vital (White e Tyson-Rawson, 1995).

O genograma foi utilizado na evoca-ção de narrativas familiares e ampliação de histórias culturais (Congress, 1994; Hardy e Laslffy, 1995; McGill, 1992; Sher-man, 1990; Thomas, 1998), na identifica-ção de estratégias terapêuticas, como a reestruturação e desintoxicação dos le-gados familiares (Gewirtzman, 1998), em terapia focada na solução (Zide e Gray, 2000), como validação para crianças que estão crescendo em abrigos e em famílias com constelações familiares diferentes (Altshuler, 1999; McGoldrick e Colon, 2000; McMillen e Groze, 1994), na des-coberta dos pontos fortes das famílias e suas respostas únicas para os problemas (Khuehl, 1995) e no trabalho com popu-lações particulares, como crianças (Fink, Kramer, Weaver e Anderson, 1993), idosos e casais em aconselhamento pré-marital (Shellenberger, Watkins-Couch e Drake, 1989). Muitos desses autores reivindica-ram mais pesquisas usando genogramas. Por exemplo, Ingersoll-Dayton e Arndt (1990) escreveram persuasivamente sobre o potencial de pesquisa dos genogramas para os assistentes sociais gerontológi-cos avaliarem e intervirem em casos de adultos idosos ou para profissionais que

apoiam os cuidadores de idosos que estão se sentindo sobrecarregados com a sua função. Makungu Akinyela utiliza geno-gramas para dar um curso sobre a família afro-americana no Departamento de Es-tudos Afro-americanos da Universidade Estadual da Geórgia, em Atlanta. Nesse curso os alunos buscam a história da sua própria família e a colocam em conver-sação com a literatura de pesquisa sobre política, história, migração e desenvolvi-mento cultural das famílias afro-america-nas. Utilizando essa abordagem, os alu-nos podem ver a conexão entre a pesquisa acadêmica e a experiência vivida por suas próprias famílias.

Em anos recentes, boa parte da lite-ratura sobre genogramas teve foco na expansão do seu significado para incluir o contexto mais amplo, embora os gráfi-cos desses genogramas ampliados não tenham sido bem desenvolvidos de um modo geral. Foi dada muita atenção ao “genograma cultural”, referindo-se ao foco específico nos aspectos culturais da história de uma família e ao genograma religioso ou espiritual, que tem seu foco na história religiosa de uma família e nas formas específicas que a religião e a espi-ritualidade assumem nos padrões fami-liares. Foi escrito um livro inteiro sobre “genogramas da comunidade”, embora os gráficos não se pareçam com geno-gramas e não descrevam o mapa de três gerações da família como um contexto bá-sico (Rigazio-DiGilio, Ivey, Kunkler-Peck e Grady, 2005). A dificuldade em descre-ver genogramas ampliados está em apre-sentar múltiplas dimensões em um único gráfico, refletindo o antigo problema de os diagramas manterem o compromisso entre a quantidade de informações incluí-das e a clareza do gráfico. Discutiremos

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alguns desses aspectos na esperança de que no futuro encontremos formas criati-vas de exibir e rastrear as informações do genograma ampliado. Tentaremos pelo menos estimular a discussão sobre como essas questões podem vir a ser descritas visualmente nos gráficos do genograma. Obviamente, os genogramas por compu-tador vinculados a uma base de dados terão muito mais possibilidades de des-crever questões específicas, uma ou duas ao mesmo tempo, ou de fazer gráficos diferentes para diferentes momentos na história da família.

É importante observar que alguns terapeutas de família (como Haley, Minuchin e White) na verdade evitavam a utilização dos genogramas. Haley, por exemplo, com frequência dizia que não acreditava em fantasmas. Entretanto, em-bora terapeutas estruturais e estratégicos de família como Minuchin, Watzlawick e Sluzki não tenham usado genogramas em suas abordagens, preferindo focar nas relações da família nuclear, eles compar-tilham uma preocupação quanto às es-truturas hierárquicas, particularmente as alianças em que se cruzam as fronteiras geracionais. Michael White (2006) sugeriu que a coleta de informações para o geno-grama é problemática porque “privilegia” certas experiências da família de origem na comparação com outras relações, o que pode desqualificar ou não reconhecer es-sas outras pessoas. No entanto, ele e ou-tros profissionais do movimento da tera-pia narrativa expressaram forte interesse por histórias de membros da sociedade que foram marginalizados. Acreditamos que é precisamente esse aspecto – a arti-culação de padrões históricos – um dos aspectos mágicos dos genogramas. Eles podem revelar aspectos da família que

foram ocultados dos seus membros – se-gredos da sua história. Tais revelações ajudam as famílias a entenderem seus di-lemas atuais e oferecem soluções futuras. De fato, um dos aspectos mais atraentes dos genogramas é a forma como eles con-duzem as famílias para além das pers-pectivas lineares unidimensionais que com tanta frequência caracterizaram as explicações psicológicas. Eles na verdade ensinam as pessoas a pensarem sistemi-camente porque, assim que os membros da família e os terapeutas identificam um padrão, sua visão é ampliada ao verem também outros padrões. A grande rique-za do próprio gráfico do genogama facili-ta a identificação de mais de um padrão ao mesmo tempo.

Medicina de família

Foram os médicos de família que primeiro desenvolveram o uso do genogama para registrar e acompanhar a história médica de uma família de modo eficiente e con-fiável (ver Bibliografia por Tópicos: Ser-viços de Saúde, Medicina, Enfermagem, Estresse e Doença; Campbel, McDaniel, Cole-Kelly, Hepworth e Lorenz, 2002; Jolly, Froom e Rosen, 1980; Medalie, 1978; Mullins e Christie-Seely, 1984; Olsen, Dudley-Brown e McMullen, 2004; Rakel, 1977; Rogers, Durkin e Kelly, 1985; Rogers e Holloway, 1990; Sloan, Slatt, Curtis e Ebell, 1998; Taylor, David, Johnson, Phillips e Scherger, 1998; Tomson, 1985; Wimbush e Peters, 2000; Wright e Leahey, 1999, 2000; Zide e Gray, 2000). Foram os médicos de família que primeiro propu-seram a padronização dos símbolos do genograma (Jolly et al., 1980). Crouch

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(1986), um dos médicos de família mais influentes na promoção dos genogramas, também foi um dos primeiros na medi-cina a escrever a respeito do valor de se trabalhar com a própria família com o propósito de desenvolvimento profissio-nal, uma abordagem que foi amplamente promovida por Bowen e seus seguidores durante muitos anos (ver bibliografia so-bre Coaching).

No campo da medicina há muitos esforços para incorporar os genogramas como uma ferramenta básica. Scherger (2005) escreveu um “alerta” a respeito da crise atual na medicina de família e da necessidade de se redesenhar o campo a fim de se permitir que os médicos de fa-mília ofereçam cuidados verdadeiramente orientados à família, para o que a atenção às informações do genograma poderia ser uma parte importante. Ele defende com veemência que o uso de novas tecnologias de informação ajudará a acompanhar e lidar com as famílias de uma forma con-textual, única possibilidade séria de se prestar uma atenção adequada às famílias em nossa sociedade. No entanto, teremos primeiro que desenvolver uma tecnologia para abordar as famílias sistemicamente e treinar os médicos para utilizá-la, a fim de que não sejam sobrecarregados pela con-fusão da papelada e dos serviços solicita-dos pelas companhias de seguro. Em um artigo clássico publicado pelo Journal of the American Medical Association, Rainsford e Schuman (1981) escreveram sobre a im-portância dos genogramas e cronologias familiares para o acompanhamento de casos complexos e carregados de estres-se, os quais muitas vezes requerem mais atenção do sistema de saúde. Eles deram o exemplo de uma família com diversos problemas, como são muitas das que se

apresentam em cada ponto de entrada do sistema de saúde, nas agências de serviço social, em escolas e no sistema de justiça criminal. É de grande importância que se tenham formas claras e abrangentes de acompanhar os padrões de tais famílias, já que estes podem representar muita demanda a qualquer sistema. Os autores apresentaram os eventos estressantes dos membros de uma família e as visitas tera-pêuticas durante um período de 7 anos, ilustrando a importância de que o médico tenha uma visão longitudinal de todos os membros da família juntos para que possa entender a consulta de um determinado membro único num ponto particular no tempo. Os genogramas também permitem que os terapeutas contrastem as visitas ao médico com outros estresses familiares, não apenas para um paciente, mas tam-bém para todos os outros membros da fa-mília. Com este mapeamento incluído em todas as avaliações, seria muito mais fácil identificar quando são necessários recur-sos extras para prevenir as perturbações constantes de disfunções sérias.

Também é importante mostrar o con-texto em torno da família biológica e le-galmente constituída para que se enten-da a família dentro do contexto. A Figura 1.2 ilustra a rede de parentesco informal de amigos que conviveram com a minha própria família nuclear (MM).

São pessoas, algumas mortas há muito tempo e algumas presentes na minha vida diária, que vivem no meu coração. Elas são pessoas que poderiam oferecer um empréstimo, ajudar meu marido ou filho ou me dar força e coragem se eu estivesse em crise. Os genogramas precisam mos-trar não somente os membros biológicos e legalmente constituídos de uma família, mas também a rede de amigos e comuni-

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dade essenciais para que se compreenda a família. Isso inclui as relações atuais e também as que vieram antes e vivem no coração da pessoa, dando-lhe esperança e inspiração em momentos de angústia. É esta rede de parentesco, não apenas os parentes biológicos e não somente aqueles que ainda estão vivos, que é relevante para o desenvolvimento de uma compreensão dos clientes e dos seus recursos possíveis. Tais genogramas são uma parte importan-te da ilustração em maior profundidade do contexto em torno da família nuclear.

A Figura 1.3 ilustra o fato de que a história do genograma da família sempre se desenvolve no contexto de estruturas sociais mais amplas – culturais, políticas, religiosas, espirituais, socioeconômicas, de gênero, raciais e étnicas – as quais or-

ganizam cada membro de uma sociedade em uma localização social particular.

É importante que o genograma seja sempre pensado no seu contexto mais amplo. Na verdade, às vezes definimos os recursos e instituições da comunidade para destacar o acesso que as famílias têm ou a sua falta de acesso aos recursos des-sa comunidade (Figura 1.4). Muitos vêm tentando expandir os genogramas para levar em conta as estruturas sociais mais amplas na compreensão dos padrões do genograma. Alguns já tentaram mapear as conexões históricas ou comunitárias dos padrões nacionais e culturais, por exemplo, usando um genograma para ilustrar as relações multigeracionais, en-tre irmãos adotivos e meio-irmãos en-volvidos na reunificação da Alemanha,

Religião/espiritualidade

Classe/status socioeconômico

Estrutura geopolítica

Cultura/etnia/raça

Gênero/orientação sexual

Figura 1.3 O genograma em contextos múltiplos.

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incluindo o “Tio Sam” e a “Mãe Rússia”, para ilustrar as conexões multigeracio-nais internacionais que podem afetar ne-gativamente as relações “fraternas” dos alemães orientais e ocidentais hoje (Scha-rwiess, 1994). Rigazio-DiGilio e colabora-dores (2005) sugeriram formas de descre-ver a comunidade em termos temporais e contextuais mais amplos. Estes mapas se parecem com ecomapas, ilustrando ao redor de cada pessoa em uma grade esfé-rica os vários acontecimentos e situações que vieram a moldar as experiências dos clientes ao longo do tempo. Embora não sejam realmente genogramas já que não são mapas familiares, eles tentam descre-ver aspectos do contexto dentro do qual as pessoas vivem. Esperamos ansiosa-mente pela evolução dos genogramas para que eles nos possibilitem ilustrar melhor os níveis culturais mais amplos e as dimensões individuais e de parentesco específicas dos padrões familiares.

Uma perspectiva dos sistemas familiares

Uma perspectiva sistêmica orienta os te-rapeutas na utilização dos genogramas para avaliação e intervenção clínica. Essa perspectiva encara os membros da famí-lia como inextricavelmente entrelaçados na vida e na morte, e encara todos os membros da sociedade como basicamen-te interligados. Nem as pessoas, nem seus problemas, nem as soluções para os seus problemas existem no vácuo. Como disse Paulo Freire (1994, p. 31): “Ninguém vai a nenhum lugar sozinho, mesmo aqueles que chegam fisicamente sozinhos... Car-regamos conosco a memória de muitas tramas, um self impregnado em nossa his-tória e cultura”.

Todos estão inextricavelmente en-trelaçados em sistemas interativos mais amplos, dos quais o fundamental é a fa-mília. A família é o principal e, com raras

Polícia, sistemalegal, sistema dejustiça criminal

Sistemas detransporte

Vizinhos eredes deamizade

Serviçosde saúde

Shopping

Emprego Organizaçõespolíticas

Organizaçõesreligiosas

Instituiçõesgovernamentais

Avô

Pai

Filho Filha Filha

Mãe

AvôAvó Avó

EscolasRecursos de

serviço social

Figura 1.4 Genograma dentro do contexto da comunidade.

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exceções, o sistema mais influente ao qual pertencem os homens. Nessa estrutura, a “família” consiste de toda a rede de pa-rentesco de pelo menos três gerações, como existe atualmente e também como se desenvolveu através do tempo (Carter e McGoldrick, 2005). Família é, pela nos-sa definição, aqueles que estão ligados através da sua história biológica, legal, cultural e emocional e pelo seu suposto futuro juntos. O funcionamento físico, social e emocional dos membros da fa-mília é profundamente interdependente, e as mudanças em uma parte do sistema reverberam em outras. Além disso, as in-terações e relações familiares tendem a ser altamente recíprocas, padronizadas e repetitivas. São esses padrões que nos permitem fazer prognósticos provisórios a partir do genograma.

Um pressuposto básico aqui é que os sintomas refletem uma adaptação do sistema ao seu contexto total em um de-terminado momento. Os esforços adap-tativos dos membros do sistema rever-beram através dos seus muitos níveis, do biológico para o intrapsíquico e para o interpessoal (ou seja, a família nuclear e extensa, a comunidade, a cultura e mais além). Além disso, os comportamentos familiares, inclusive problemas e sinto-mas, originam mais significado emocio-nal e normativo em relação ao contexto sociocultural e histórico da família. As-sim, uma perspectiva sistêmica envolve a avaliação do problema com base nesses múltiplos níveis.

As famílias estão organizadas dentro de estruturas biológicas, legais, culturais emocionais, além de uma organização de acordo com a geração, idade, gênero e ou-tros fatores. O ponto em que você se en-caixa na estrutura familiar, como também

no contexto mais amplo, pode influenciar o seu funcionamento, os padrões de rela-ção e o tipo de família que você formará na geração seguinte. O gênero e a ordem de nascimento são fatores-chave que mol-dam as relações e características entre os irmãos. Dadas as diferentes configura-ções estruturais familiares mapeadas no genograma, o terapeuta pode formular hipóteses sobre as possíveis característi-cas de personalidade e compatibilidades relacionais. Etnia (McGoldrick, Giordano e Garcia-Preto, 2005), raça, religião, mi-gração, classe e outros fatores socioeco-nômicos, assim como o estágio em que se encontra a família no ciclo vital (Carter e McGoldrick, 2005) e a localização na his-tória (Elder, 1992) também influenciam os padrões estruturais de uma família. To-dos esses fatores fazem parte do mapa do genograma.

As famílias repetem a si mesmas. O que acontece em uma geração com fre-quência se repete na seguinte – ou seja, as mesmas questões tendem a ser ence-nadas de geração para geração, embora o comportamento possa assumir uma variedade de formas. Bowen deu a isso o nome de “transmissão multigeracional” dos padrões familiares. A hipótese é que os padrões de relação nas gerações ante-riores fornecem modelos implícitos para o funcionamento familiar na geração se-guinte. No genograma exploramos os pa-drões de funcionamento, as relações e a estrutura que continuam ou se alternam de uma geração para a seguinte.

Obviamente, uma abordagem de sis-temas envolve a compreensão do contexto atual e do contexto histórico da família. O “fluxo de ansiedade” (Carter, 1978) em um sistema familiar ocorre ao longo da di-mensão vertical e horizontal (Figura 1.5).

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Para o indivíduo, o eixo vertical inclui a herança biológica e os comportamentos programados, como o temperamento, bem como outros aspectos da composição genética. O eixo horizontal se refere ao desenvolvimento do indivíduo durante a vida influenciado por quaisquer experiên-cias que possam alterar esse curso – rela-cionamentos, migração, saúde e doença, sucesso, experiências traumáticas, etc.

No nível da família, o eixo vertical inclui a história familiar e os padrões de relação e funcionamento que são transmi-tidos para as gerações seguintes, princi-palmente através do mecanismo de trian-

gulação emocional (Bowen, 1978). Esse eixo inclui todas as atitudes familiares, tabus, expectativas, questões pesadas e rótulos com os quais os membros da fa-mília crescem. Tais aspectos nas nossas vidas são tudo o que temos. A questão é o que fazemos com eles. O eixo horizon-tal descreve a família durante o seu mo-vimento ao longo do tempo, enfrentando as mudanças e transições no ciclo de vida familiar. Esse eixo inclui estresses previsí-veis do desenvolvimento e acontecimen-tos imprevisíveis, “os dardos e flechas de uma sorte ultrajante” que podem inter-romper o processo do ciclo vital – morte

Ecologia

Sociedade mais amplaCultura

Amigos e comunidade

Família extensa

Família nuclear

Self físico corporal

Self

mental intrapsíquico

Selfespiritual

Fatores deestresse verticais- Pobreza, política - Racismo, sexismo, elitismo, homofobia- Violência, adições - Padrões emocionais familiares- Mitos, triângulos, segredos- Legados, habilidades e incapacidades genéticas - Crenças e práticas religiosas

Fatores de estresse horizontaisDesenvolvimentais - Transições do ciclo vitalImprevisíveis- Acidentes- Migração- Desastres naturais- Doenças crônicas - Fatores econômicos, desempregoEventos históricos- Eventos econômicos e políticos

Tempo

Figura 1.5 Contexto para avaliação dos problemas.

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prematura, nascimento de um filho com deficiência, migração, doença crônica, perda do emprego, etc.

Em um nível sociocultural, o eixo ver-tical inclui a história cultural e social, es-tereótipos, padrões de poder, hierarquias sociais e crenças, todos transmitidos atra-vés das gerações. A história de um grupo, particularmente um legado de trauma, terá influência sobre as famílias e os indi-víduos ao longo do desenvolvimento das suas vidas (p. ex., o impacto do holocausto nos judeus e alemães, o impacto da escra-vidão e colonização nos afro-americanos, latinos e os que se beneficiaram com essas explorações; o impacto da homofobia nos homossexuais e heterossexuais; etc.). O eixo horizontal se refere às conexões com a comunidade, eventos atuais e políticas sociais à medida que afetam o indivíduo e a família em determinada época. Esse eixo descreve as consequências na vida presente das pessoas de normas herdadas da sociedade sobre racismo, sexismo, eli-tismo, homofobia e preconceitos étnicos e religiosos enquanto são manifestados na estrutura social, política e econômica que limitam as opções de alguns e apoiam o poder de outros (Carter e McGoldrick, 2005b). Com suficiente estresse nesse eixo horizontal, qualquer família experiencia-rá uma disfunção. Além do mais, os fa-tores de estresse no eixo vertical podem curar problemas adicionais, de forma que um pequeno estresse horizontal pode le-var a sérias repercussões no sistema. Por exemplo, se uma jovem mãe mexicana tem muitas questões não resolvidas com a sua mãe ou pai (ansiedade vertical), ela pode apresentar uma dificuldade particu-lar para lidar com as vicissitudes normais da maternidade, combinadas com o racis-

mo que ela vivencia em uma comunidade norte-americana (ansiedade horizontal). O genograma ajuda o terapeuta a acom-panhar o fluxo da ansiedade através das gerações e no contexto atual da família.

As coincidências dos acontecimentos históricos ou eventos concomitantes em partes diferentes de uma família são en-carados não como acontecimentos alea-tórios, mas como ocorrências interligadas sistemicamente, embora as conexões tal-vez não sejam visíveis (McGoldrick, 1995). Além disso, mudanças-chave no relacio-namento familiar parecem ser mais pro-váveis de ocorrer em alguns momentos do que em outros. Elas são especialmente prováveis em pontos de transição no ciclo vital. Os sintomas tendem a se aglomerar em torno dessas transições, como quando os membros da família enfrentam a tare-fa de reorganizar suas relações uns com os outros para passarem à fase seguinte (Arter e McGoldrick, 2005). A família sin-tomática pode ficar parada no tempo, in-capaz de resolver o seu impasse a fim de se reorganizar e seguir em frente. A história e os padrões de relacionamento revelados na avaliação de um genograma proporcio-nam pistas importantes sobre a natureza desse impasse – como um sintoma pode ter surgido para preservar ou para preve-nir algum padrão de relação ou para pro-teger algum legado de gerações anteriores.

Existem muitos padrões de relação nas famílias. São de particular interesse os padrões de distância relacional. As pessoas podem ser muito próximas, mui-to distantes ou estarem em algum ponto intermediário. Em um extremo estão os membros da família que são distantes, estão em conflito ou rompidos uns com os outros. No outro extremo estão as fa-

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mílias que parecem estar emperradas em uma “fusão emocional”. Os membros da família nas relações fusionadas ou pou-co diferenciadas são vulneráveis à dis-função, o que tende a ocorrer quando o nível de estresse ou ansiedade excede a capacidade do sistema para lidar com isso. Quanto mais fechadas se tornam as fronteiras de um sistema, mais imune ele será às interferências do ambiente e, consequentemente, mais rígidos serão os padrões familiares. Em outras palavras, os membros da família em um sistema fechado e fusionado tendem a reagir de modo automático uns aos outros, prati-camente imunes aos eventos externos ao sistema que requerem adaptação às con-dições em mutação. Fusão pode envolver relações positivas ou negativas; em ou-tras palavras, os membros da família po-dem se sentir muito bem em relação uns aos outros ou experimentar nada mais do que hostilidade e conflito. Em qualquer um dos casos, existe um vínculo hiperde-pendente que une a família. Com os ge-nogramas, os terapeutas podem mapear as fronteiras da família e indicar quais subsistemas dessa família estão fusiona-dos e, assim, têm maior probabilidade de estarem fechados a novas influências das condições em mutação.

Como apontou Bowen (1978) e mui-tos outros, as relações entre duas pessoas tendem a ser instáveis. Sob condições de estresse, duas pessoas tendem a descar-regar em uma terceira. Elas estabilizam o sistema ao formarem uma coalizão de dois em relação ao terceiro. A unidade básica de um sistema emocional tende, assim, a ser o triângulo. Como veremos adiante, os genogramas podem ajudar o terapeuta a identificar os triângulos prin-

cipais em um sistema familiar, ver como os padrões triangulares se repetem de uma geração para outra e planejar estra-tégias para modificá-los (Fogarty, 1975; Guerin, Fogarty, Fay e Kautto, 1996).

Os membros de uma família tendem a se encaixar como uma unidade fun-cional. Ou seja, os comportamentos dos diferentes membros da família tendem a ser complementares ou recíprocos. Isso não significa que os membros da família possuem igual poder de influenciar as relações, como fica óbvio a partir dos di-ferenciais de poder entre homens e mu-lheres, entre pais e filhos, entre os mem-bros mais velhos e os mais novos e entre os membros da família que pertencem a culturas, classes ou raças diferentes (McGoldrick, 1998). O que isso significa é que pertencer a um sistema expõe as pessoas a influências recíprocas e as en-volve no comportamento umas das ou-tras de formas intrínsecas. Isso nos leva a ter a expectativa de uma certa adequação ou equilíbrio nas famílias, envolvendo o dar e receber, ação e reação. Assim, a ca-rência em uma parte da família (p. ex., irresponsabilidade) pode ser comple-mentada pelo excesso (hiper-responsa-bilidade) em outra. O genograma auxilia o terapeuta a localizar os contrastes e as idiossincrasias nas famílias que indicam esse tipo de equilíbrio complementar ou recíproco.

Um alerta

Ao longo deste livro faremos asserções sobre as famílias com base nos seus geno-gramas. Essas observações são apresen-

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tadas com hipóteses provisórias, como acontece com os genogramas em geral. Consistem em sugestões a serem subme-tidas a uma exploração mais profunda. Os prognósticos baseados no genograma não são fatos. Os princípios de interpreta-ção dos genogramas devem ser encarados como um mapa rodoviário que, ao desta-car determinadas características do terre-no, nos guia através do complexo territó-rio da vida das famílias.

Muitos dos genogramas aqui apre-sentados incluem mais informações do que a nossa discussão pode abranger. En-corajamos os leitores a usarem esses ge-nogramas ilustrativos como ponto de par-tida para um maior desenvolvimento das

suas próprias habilidades na utilização e interpretação dos genogramas.

Os genogramas são obviamente li-mitados nas informações que exibem, embora futuramente os computadores permitirão que coletemos muito mais informações em um genograma do que podemos exibir de uma só vez. Os tera-peutas sempre reúnem mais informações sobre as vidas das pessoas do que apare-ce em alguma ilustração de genograma. Em breve teremos condições de escolher quais aspectos de um genograma quere-mos exibir para um objetivo particular, tendo ao mesmo tempo condições de manter a história integral na base de da-dos de um computador.

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