gÊnero e refÚgio: a necessidade de polÍticas … · assim, define-se que o foco da pesquisa é...

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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X GÊNERO E REFÚGIO: A NECESSIDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO PROJETO DE INTEGRAÇÃO DE REFUGIADOS HOMENS NA SOCIEDADE BRASILEIRA. Daniel Braga Nascimento 1 Joanna Burigo 2 Resumo: O presente trabalho visa apresentar o livreto “Avante” por uma perspectiva teórica da sua importância no cenário nacional. AVANTE! é um livreto sobre violência de gênero, e legislação correlata, dirigido a homens refugiados e solicitantes de refúgio no Brasil. O livreto surgiu a partir de um edital lançado pelo ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), o qual a Casa da Mãe Joanna foi selecionado, e que resultou na parceria dos presentes autores e uma equipe gráfica/design. A ideia foi apresentar informações sobre a legislação vigente no Brasil acerca de crimes como assédio, estupro e violência doméstica de forma acessível e universal. A legislação brasileira é clara na igualdade formal no que se refere a homens e mulheres. No entanto, diversos refugiados chegam ao Brasil sem saber da legislação referente à temática, e trazem consigo sua cultura, onde a mulher, em diversos casos, é vista como um objeto não detentor dos mesmos direitos que o homem. Como “ensinar” a cultura local sem ser imperialista? Inspirados nos gibis e com um personagem forte e de fácil identificação por homens das mais diversas nacionalidades, o projeto contou com pesquisa gráfica e contato direto com refugiados nas Cáritas de São Paulo e Rio de Janeiro. Palavras-chave: Refugiados. Direitos Humanos. Masculinidades. Violência. O presente artigo visa transcorrer sobre o tratamento dado a solicitantes de refúgio e refugiados masculinos, bem como a percepção desses em relação a legislação relacionada a violência de gênero no Brasil. Tal estudo se deu em virtude do edital para consultoria em gênero e comunicação social feita para o ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), do qual os autores desenvolveram um folheto destinado a informar homens refugiados sobre as obrigações enquanto homem no Brasil, frente a legislação brasileira e background na literatura de masculinidades. Os diversos fluxos migratórios do presente século ganharam uma maior atenção na mídia internacional nos últimos anos, tendo em vista massas de refugiados deslocarem-se para Europa, América Latina e na grande maioria, aos países limítrofes aos países em conflito ou geradores de 1 Mestrando em Direito Internacional Público UFRGS, Advogado do GAIRE/SAJU/UFRGS Grupo de Assessoria a Imigrantes e a Refugiados, [email protected] 2 Fundadora da Casa da Mãe Joanna, Mestre em Gênero, Mídia e Cultura pela London School of Economics, [email protected]

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

GÊNERO E REFÚGIO: A NECESSIDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO PROJETO DE

INTEGRAÇÃO DE REFUGIADOS HOMENS NA SOCIEDADE BRASILEIRA.

Daniel Braga Nascimento1

Joanna Burigo2

Resumo: O presente trabalho visa apresentar o livreto “Avante” por uma perspectiva teórica da sua

importância no cenário nacional. AVANTE! é um livreto sobre violência de gênero, e legislação

correlata, dirigido a homens refugiados e solicitantes de refúgio no Brasil. O livreto surgiu a partir

de um edital lançado pelo ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), o qual

a Casa da Mãe Joanna foi selecionado, e que resultou na parceria dos presentes autores e uma

equipe gráfica/design. A ideia foi apresentar informações sobre a legislação vigente no Brasil acerca

de crimes como assédio, estupro e violência doméstica de forma acessível e universal. A legislação

brasileira é clara na igualdade formal no que se refere a homens e mulheres. No entanto, diversos

refugiados chegam ao Brasil sem saber da legislação referente à temática, e trazem consigo sua

cultura, onde a mulher, em diversos casos, é vista como um objeto não detentor dos mesmos

direitos que o homem. Como “ensinar” a cultura local sem ser imperialista? Inspirados nos gibis e

com um personagem forte e de fácil identificação por homens das mais diversas nacionalidades, o

projeto contou com pesquisa gráfica e contato direto com refugiados nas Cáritas de São Paulo e Rio

de Janeiro.

Palavras-chave: Refugiados. Direitos Humanos. Masculinidades. Violência.

O presente artigo visa transcorrer sobre o tratamento dado a solicitantes de refúgio e

refugiados masculinos, bem como a percepção desses em relação a legislação relacionada a

violência de gênero no Brasil. Tal estudo se deu em virtude do edital para consultoria em gênero e

comunicação social feita para o ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados),

do qual os autores desenvolveram um folheto destinado a informar homens refugiados sobre as

obrigações enquanto homem no Brasil, frente a legislação brasileira e background na literatura de

masculinidades.

Os diversos fluxos migratórios do presente século ganharam uma maior atenção na mídia

internacional nos últimos anos, tendo em vista massas de refugiados deslocarem-se para Europa,

América Latina e na grande maioria, aos países limítrofes aos países em conflito ou geradores de

1 Mestrando em Direito Internacional Público UFRGS, Advogado do GAIRE/SAJU/UFRGS –

Grupo de Assessoria a Imigrantes e a Refugiados, [email protected] 2 Fundadora da Casa da Mãe Joanna, Mestre em Gênero, Mídia e Cultura pela London School of

Economics, [email protected]

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refugiados. O presente estudo irá focar nos refugiados e solicitantes de refúgio do sexo masculino

que vivem no Brasil. Não apenas no Direito, mas em outras disciplinas, buscou-se respostas ao

tratar da temática.

É na abordagem disciplinar que o presente trabalho apoia-se, visto a abordagem jurídica

não conseguir dar conta das questões conexas ao presente estudo. É nesse sentido que Voutira e

Dona (2007, 165) referem que “o estudo dos refugiados é multidisciplinar na sua abordagem”, pois

“contém e representa diferentes disciplinas que emprestam e redefinem suas ferramentas teóricas

para o estudo dos refugiados, embora pesquisadores individuais em suas próprias áreas

desenvolvam uma linguagem específica para conversar, criativamente, entre si e com outros

autores.” Adentra-se, assim, na conceituação do objeto de estudo.

Primeiramente, cumpre esclarecer o conceito clássico de refugiado conforme a Convenção

de 1951:

Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:

I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade,

grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa

ou não queira acolher-se à proteção de tal país;

II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual,

não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso

anterior;

III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu

país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.

A teoria majoritária na conceituação de refugiados advém dos estudos dos migrantes

forçados e dos refugiados classificando os migrantes em duas categorias: voluntários (migração por

motivo de estudo, trabalho, relações amorosas, etc) e migrantes forçados ou involuntários

(traficados, solicitantes de asilo, deslocados ambientais e por fim, os refugiados) (Castles, 2003, 12-

5).

A abordagem clássica do conceito de refugiados, adotada em 1951, sofreu mudanças e

expansões, conforme os demais países ratificavam o tratado e organizam a sua legislação interna

sobre a temática. Conforme Liliana Jubilut, as hipóteses de concessão de refúgio

são as elencadas nos diplomas internacionais universais que tratam da matéria e constituem

os padrões mínimos de proteção a serem resguardados. No entanto, como já mencionado, a

efetivação dessa proteção ocorre no âmbito interno de cada Estado, os quais têm,

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consequentemente, a faculdade de aumentar este rol, fato que aconteceu, por exemplo, no

caso brasileiro, que adota a grave e generalizada violação de direitos humanos como

justificativa para o reconhecimento do status de refugiado (2007, p. 43)

Durante este trabalho, iremos utilizar as literaturas de masculinidades, cultura e refúgio. E

para isso, convém referenciar Doreen Indra, a qual problematiza que “é crítico, portanto, de estar

consciente de que, ao pesquisar ‘refugiados, comunidades refugiadas, cultura e refúgio e

preocupações relacionadas à temática de refúgio, deve-se perguntar as apropriadas questões

relacionadas à gênero: qual refugiado, qual comunidade, cultura e matéria3.” (1987, p.2, tradução

nossa).

Assim, define-se que o foco da pesquisa é refugiados ou solicitantes de refúgio do sexo

masculino, oriundos de países em que a hegemonia masculina é presente, ou seja, onde culturas

apresentam a mulher em um status inferior, da qual não há uma igualdade de gênero tanto material

como formal.

Conforme dados do ACNUR, em abril de 2016, no Brasil, eram reconhecidos 8.863

refugiados, de 79 nacionalidades distintas, sendo que 28,2% desses refugiados são mulheres. Assim,

a população foco deste trabalho são os 71,8% de refugiados do sexo masculino (3.364 refugiados).

As principais nacionalidades são: Síria (2.298), Angola (1.420), Colômbia (1.100), República

Dominicana do Congo (968) e Palestina (376).

Iremos adotar a postura de Liliana Jubilut, para quem o refúgio é um instituto do Direito

Internacional, não se tratando de ato discricionário do Estado – ao conceder o refúgio – mas sim um

reconhecimento do status de refugiado vinculado a diplomas e hipóteses legais bem definidos

(JUBILUT, 2007). Trata-se de um instituto jurídico, reconhecimento internacionalmente, que visa a

proteção da pessoa humana por fundado temor de perseguição. Tal proteção advém da Convenção

de Genebra, de 1951, revisada pelo Protocolo de 1967.

Tendo isso em vista, importante localizar o Direito Internacional dos Refugiados, o qual

faz parte do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Enquanto o primeiro protege apenas o ser

humano na situação de perseguição por sua raça, religião, nacionalidade, etnia, opinião política e

3 It is critical therefore to be conscious when researching "refugees, "refugee communities", "refugee culture", and "refugee concerns" to ask the appropriate gender-linked questions: what refugee, whose community, culture or concern?

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pertencimento a grupo social, o Direito Internacional dos Direitos Humanos é mais abrangente, lato

sensu, objetivando a proteção de todos os seres humanos.

Ao iniciar o projeto, a equipe se deparou com os seguintes questionamentos: a) como

repassar de forma a ser escutado diversas informações sobre legislação de violência de gênero para

uma população extremamente heterogênea, visto serem provenientes dos mais diversos países do

mundo? Além disso, teve-se um cuidado para transmitir as ideias de forma a não se tornar um

material imperialista no que se refere a cultura e integração. Durante dois meses, o projeto foi fruto

de uma árdua pesquisa de design, brainstorming e inclusive imersão nas Cáritas de São Paulo e Rio

de Janeiro, a fim de se ter contato direto com a população de migrantes.

A Noruega, por exemplo, realiza aulas de como deve-se tratar as mulheres, visto que para

Abdu Osman Kelifa – muçulmano proveniente do Chipre da África, era impensável ver mulheres

em roupas curtas, tomando bebidas alcoólicas e beijando em público. No Chipre, apenas prostitutas

se beijam em público, e os casais representados nos filmes locais “apenas se abraçam, mas nunca se

beijam”.

Essa “adaptação” do refugiado masculino no país de destino visa prevenir a violência sexual

e também ajudar o imigrante a se adaptar à sociedade norueguesa – e europeia – mais aberta em

relação as sociedades altamente segregadas e em que a mulher não pode exibir o corpo, nem

expressar atitudes de afeto em público. O curso ocorre em um centro de acolhida na cidade de

Sandnes, no oeste do país. Um manual é entregue aos inscritos com frases sobre o que pode e o que

não pode na Noruega. Conforme a reportagem “Na Noruega, é proibido forçar alguém a fazer sexo,

mesmo quando você está casado com essa pessoa”. A referência ao Estado laico e indicação de que

as leis do país não seguem a religião, também fazem parte do Manual.

Na legislação brasileira também há diversos crimes de violência de gênero, tais como o

estupro e a agressão. O reconhecimento da mulher e a expressa elucidação pela Constituição

Federal de 1988, refere que homens e mulheres são iguais em direitos e deveres, conforme o art. 5º

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se

aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

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Os avanços na luta pela igualdade de gênero visam reduzir as desigualdades formais e

materiais entre homens e mulheres. No conceito de Connel, há uma hegemonia masculina em que

globalmente, o homem domina a mulher. Assim, em relação às diferenças entre homens e mulheres

Connel (1987, 183) refere que

há uma ordem de versões de feminilidade e masculinidade no nível de toda a sociedade, em

algumas formas análogo aos padrões de relacionamentos face a face com as instituições. As

possibilidades de variação, por óbvio, são vastamente melhor. A complexidade nos

relacionamentos envolvendo milhões de pessoas garante que diferenças geracionais e

étnicas, bem como padrões de clase, entrem em jogo. Mas a respeito da organização de

gênero em uma grande escala deve ser mais esquelética e simplificada do que

relacionamentos frente à frente. As formas de feminilidade e masculinidades constituem,

nesse nível, algo como sendo estilizadas e empobrecidas. Sua interelação é centrada em um

único fato estrutural, a dominação global do homem sobre a mulher.

O presente artigo não pretende elucidar o que é gênero, tampouco adentrar as diversas

teorias e tentativas de conceituação da igualdade de gênero. Como bem explica Haraway (1991, p.

128)

pelo menos eu sabia que o que estava acontecendo com sexo e gênero em inglês não era o

mesmo que se passava com género, genre e Geschlecht. As histórias específicas do

movimento de mulheres nas vastas áreas do mundo nas quais essas linguagens eram parte

da política vivida eram as razões principais das diferenças. Os velhos gramáticos, antes

hegemônicos – incluídos aí os sexologistas – tinham perdido o controle sobre gênero e seus

irmãos – que proliferavam. A Europa e a América do Norte não podiam começar a

disciplinar o destino de suas linguagens imperializantes no século vinte. Entretanto, eu não

Donna Haraway 205 tinha nenhuma pista sobre o que fazer com meu problema sexo/gênero

em russo ou chinês. Aos poucos, ficou claro que também tinha poucas pistas sobre o que

fazer com sexo/gênero em inglês, mesmo nos Estados Unidos, e muito menos no mundo

anglófono. Há tantos tipos de inglês, apenas nos Estados Unidos, e todos eles subitamente

pareciam relevantes para essas cinco laudas de texto para um dicionário marxista alemão

que estava se separando de seus pais franceses para prestar atenção aos novos movimentos

sociais. Meu inglês era marcado por raça, geração, gênero (!), região, classe, educação e

história política. Como poderia este inglês ser a minha matriz para sexo/gênero em geral?

Existia alguma coisa, mesmo em palavras, se em nada mais, como “sexo/gênero em geral”?

Obviamente não. Esses não eram problemas novos para quem escreve para dicionários mas

me senti, bem, galinha, politicamente galinha. Mas as editoras trabalham e um prazo final

estava próximo. Era tempo de arrancar uma pena e escrever. Afinal de contas, no final do

século vinte, somos literalmente a corporificação de tecnologias da escrita. Isto é parte da

implosão de gênero no sexo e na linguagem, na biologia e na sintaxe, possibilitada pela

tecnociência ocidental.

Nessa linha, não cabe aos autores definir o que seria gênero ou igualdade de gênero.

Utilizamo-nos dos conceitos de hegemonia masculina para exemplificar o cenário em que

refugiados e solicitantes de refúgio se encontram antes de vivenciarem seus processos de

deslocamento através do instituto do refúgio. É partir desse contexto que o indivíduo traz consigo a

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cultura de seu país de origem, conceito amplo que carrega importantes referências para entender a

lógica de deslocamento e inclusão em uma nova sociedade.

A Sociologia desenvolveu uma distinção central entre cultura e estrutura social. Conforme

Alejandro Portes (2008, p.6, tradução nossa), cultura é “o campo dos valores, estrutura cognitiva e

conhecimento acumulado4.” Língua e valores são os elementos mais profundos da cultura, a

primeira como primeiro e fundamental elemento da comunicação humana e os segundos como força

motivacional por trás dos princípios orientadores, individual ou coletivo (Durkheim [1897] 1965;

Weber [1904] 1949 apud Portes, 2008, p.6, tradução nossa). Valores são fortemente arraigados no

conceito de cultura, mas estão em um plano mais profundo, visto que raramente são invocados na

vida cotidiana.

Valores não são normas e essa distinção é importante porque a primeira representa

princípios morais gerais e a segunda diretivas concretas para ação. Valores fundamentam normas

que são regras que prescrevem o que fazer e o que não fazer para a conduta diária do indivíduo.

Essas regras podem ser formais e codificadas em Constituições e leis, ou podem ser implícitas e

informalmente reforçadas. O conceito de normas têm sido usado, ao menos, desde Durkheim

([1901], 1982 apud Portes, 2008, p. 6, tradução nossa) para se referir a esse reprimido elemento da

cultura.

Nesse ponto, é interessante destacar o conceito de cultura. BAUMAN, 2012 apresenta três

formas de caracterizar cultura. Cultura como conceito hierárquico, cultura como conceito

diferencial e cultura como sentido genérico. A primeira – a qual iremos utilizar para orientar este

artigo - seria a cultura como conceito hierárquico. Nesse sentido

Nós reprovamos uma pessoa que não tenha conseguido corresponder aos padrões do grupo

pela “falta de cultura”. Enfatizamos repetidas vezes a “transmissão da cultura” como

principal função das instituições educacionais. Tendemos a classificar aqueles com quem

travamos contato segundo seu nível cultural. Se o distinguimos como uma “pessoa culta”,

em geral queremos dizer que ele é muito instruído, educado, cortês, requintado acima de

seu estado “natural”, nobre. Presumimos tacitamente a existência de outros que não

possuem nenhum desses atributos. Uma “pessoa que tem cultura” é o antônimo de “alguém

inculto.

Nesse primeiro conceito, muito se percebe das diferenças culturais, especialmente do

ocidente tentando tornar “culto” o oriente, na tentativa de transformar tudo que for oriental, algo

4 Culture is the realm of values, cognitive frameworks, and accumulated knowledge.

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que não corresponde com a minha cultura, de modo que tento hierarquizar uma cultura como

inferior a minha, que seria a necessidade de transmissão dessa cultura. Há uma oposição entre

culturas “requintadas” e culturas “grosseiras”.

Que cada povo possui a sua cultura é visível, mas há um ponto central de todas elas: a

soberania. Dentro de cada Estado regem leis, decretos e uma Constituição que é superior a qualquer

cultura que seja contrária ao seus princípios. Jurgen Habermas (2002, p.166), ao falar da inclusão

do outro, indica que “Em geral, a discriminação não pode ser abolida pela independência nacional,

mas apenas por meio de uma inclusão que tenha suficiente sensibilidade para a origem cultural das

diferenças individuais e culturas específicas.” Foi nessa linha, que o folheto Avante buscou

apresentar a legislação de violência doméstica, preconceito contra LGBTIs e gênero. Na primeira

parte do trabalho são apresentados todos os direitos dos solicitantes de refúgio: carteira de trabalho,

CPF, utilizar os serviços de educação e saúde, não devolução, etc.

Dentre os direitos de solicitante de refúgio consta “não ser discriminado por orientação

sexual ou identidade de gênero”. Foi através desse ponto que o livreto aborda a legislação correlata

no Estado brasileiro. A lei Maria da Penha parece óbvia para brasileiros, mas para alguns países o

simples adultério da mulher com o homem é condenado com apedrejamento em praça pública. Em

76 países, a homossexualidade é criminalizada e no Brasil, apesar de ser o país com maior número

de assassinato de homossexuais e transexuais no mundo, possui decisões e resoluções favoráveis

aos direitos LGBTIs.

Tendo em vista as legislações ocidentais conferirem uma maior liberdade e

reconhecimento às questões de gênero, o debate sobre refugiados atrela-se, muitas vezes, a questões

de gênero, e setores conservadores, utilizam-se de fatos ocorridos entre refugiados e população

feminina para instalar a aversão ao refugiado. Tal posição é muito bem tratada por NORBERT

ELIAS (1994) o qual traz a ideia de estabelecidos e outsiders: o núcleo de residentes antigos de

algum local atribui valor elevado aos padrões e legislações, às normas e ao estilo de vida criado

entre si. Mais que isso, os recém-chegados em uma comunidade são vistos como uma ameaça à

ordem, pois os residentes antigos acreditam que o contato iria rebaixar o status e a estima de sua

comunidade no mundo em geral. Em ordens sociais de extrema mobilidade, especialmente como é o

nosso mundo e fluxos migratórios atuais – é comum que as pessoas sejam extremamente sensíveis

em relação a tudo que possa ameaçar a sua posição.

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Para diversos meios de comunicação europeus, os ataques sexuais na cidade de Cologne,

Alemanha, no ano novo de 2015/2016, foi uma percepção de que a conduta dos recém-chegados

feria a sua sensibilidade e que essas ações eram marcas de inferioridade social. Nos diversos meios

de comunicação, a palavra “estrangeiro” e “homens de aparência árabe ou do norte da África era

relacionada aos ataques sexuais. A divulgação incendiou o debate político sobre a imigração e foi

utilizado como argumento contrário à integração e imigração.

É importante, no entanto, atentar para um possível imperialismo no que se refere a uma

imposição de uma cultura superior. Conforme Edward Said (2007, p. 62) “Que direito temos de

assumir esses ares de superioridade em relação aos povos que decidimos chamar de orientais?”. O

autor alerta para o imperialismo Ocidental e suas visões sobre o que seria oriental

há ocidentais, e há orientais. Os primeiros dominam; os últimos devem ser dominados, o

que geralmente significa ter suas terras ocupadas, seus assuntos internos rigidamente

controlados, seu sangue e seu tesouro colocados à disposição de uma ou outra potência

ocidental (2007, p. 68)

Portanto, procurou-se, a todo tempo, ver o mundo como se refugiado fosse, afinal trata-se

de ocidentais “civilizando” orientais. Orientais aqui se enquadrariam todos aqueles refugiados que

possuem uma cultura, um país de origem com leis que não colocam a mulher em igualdade ao

homem, mas em uma posição de submissão. Edward Said (2007), ao falar sobre como ocidentais

sempre lidaram com o oriental refere que as sociedades humanas, ao menos nas culturas mais

avançadas, quase nunca ofereceram ao indivíduo algo que não fosse imperialismo, racismo e

etnocentrismo para lidar com “outras” culturas.

Para o criminalista alemão Christian Pfeiffer (2016), a integração entre estabelecidos e

imigrantes é vista de forma otimista e afirmou que, de um modo geral, imigrantes masculinos tendem a

abandonar a cultura machista com o decorrer dos anos. Os imigrantes vêm de países com forte

dominação masculina. Por isso, seria necessário um tempo até que eles se habituem ao fato de que na

Alemanha isso é diferente – é necessário um tempo de integração.

Como referido, cumpre salientar que na grande maioria dos países de origem desses

refugiados há uma hegemonia masculina, como explica Connell (CONNELL, 1987, p. 184-185) “a

ideia de hegemonia vencedora que é especificamente figuras de linguagens, tais como personagens

de filmes estrelados por Humphrey Bogart, John Wayne e Sylvester Stallone”. Não se pode deixar

de analisar o percurso de um refugiado até o país destino e perceber que em muito sua

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masculinidade foi atacada. Na visão da masculinidade hegemônica o homem é o provedor, o dono,

proprietário, a última voz, de modo que em um processo de refúgio ele se vê sem todos os fatores

que sustentavam a sua masculinidade.

Na grande maioria dos países de origem dos refugiados, a religião predominante é o

Islamismo. Para tal religião, a condição feminina merece especial atenção. Conforme Domenico de

Massi

as mulheres devem ser monogâmicas e podem se casar apenas com muçulmanos; a

poligamia é reservada aos homens, que podem ter ao mesmo tempo até quatro mulheres. O

marido pode repudiar a mulher quando quiser; a mulher pode deixa-lo apenas em poucos

casos bem específicos. O adultério feminino é púnico com penas que, ainda, hoje, em

algumas regiões, chegam à morte. O divórcio, como no Ocidente, é admitido apenas na

Tunísia e na Turquia. Os anticoncepcionais são proibidos. A prática do coitus interruptus é

prevista mais para manter a esposa jovem e atraente, evitando-lhe os efeitos de muitas

gestações, do que para controlar a natalidade. Segundo a shari’a, a mulher não pode

participar da vida econômico-produtiva, não tem liberdade de iniciativa e, em alguns casos,

nem mesmo a liberdade de ir e vir.

Vê-se diversos aspectos que a um brasileiro ou alemão pode soar absurdo, mas é

importante o colocar-se do outro lado para entender o choque de realidades que um refugiado

masculino registra ao ver mulheres em posições de poder desde a entrada no aeroporto, onde são

recebidos por uma policial federal mulher, até a sua entrevista de elegibilidade, no CONARE

(Comitê Nacional para Refugiados), podendo ser realizada por uma mulher. No livreto, a mulher é

retratada em diversas posições de poder, como as referidas, a fim de mostrar ao refugiado a

realidade brasileira.

Assim sendo, ao apresentar o material AVANTE, buscamos tentar entender como seria

receber um material que poderia mostrar a ele que ao integrar-se em uma sociedade plural, mais

aberta, ele não precisaria deixar sua masculinidade de lado, apenas entender que há leis que regem o

país e que estas visam o respeito a tudo aquilo que não for masculino: aí se enquadram mulheres,

trans, LGBTS – também apresentados nas situações vividas pelo personagem do livreto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se, pois, uma necessidade de uma política pública semelhante a apresentada no

início do trabalho, o qual referencia a experiência da Noruega na temática. O atual fluxo migratório

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vem de países com forte hegemonia masculina, e isso inclui na temática de refúgio o papel da

bagagem cultural da qual os solicitantes de refúgio e refugiados possuem e que importam na

construção de um programa de acolhimento e elaboração de políticas públicas, especialmente no

que se refere à gênero, por parte do Estado, organizações civis e organismos internacionais. A

relação entre locais e estrangeiros é algo que deverá ser enfrentado, e que pela sua irreversibilidade,

irá pautar os debates da Agenda Internacional.

O presente trabalho não visa exaurir o tema, mas utilizar-se de uma abordagem

transdisciplinar para pensar em como a bagagem cultural dos refugiados deve ser colocada em pauta

no momento de criar-se alguma política pública. A integração é a única ferramenta que possuímos

para a atual crise migratória, e a questão de gênero é chave essencial para entender como realizar

essa integração de forma a respeitar a ambos os lados. O livreto Avante, auxilia e vem como

ferramenta de integração de refugiados masculinos a afim de melhor preparar a comunidade e o

governo para recebê-los.

A temática dos refugiados continuará a crescer e exigir posturas tanto da academia como do

governo em busca de teorias que possam atuar na prática as questões e dilemas envolvendo as

questões de deslocamento forçado e suas implicações nas sociedades de destino.

Referências

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Gender and Refugee: the need for policies for integrating male refugees into Brazilian society

Astract: This paper aims to presents the booklet “AVANTE!” from a theoretical perspective of its

importance in the current Brazilian political scenario. AVANTE! is an institutional booklet on

gender violence and related legislation, aimed at male refugees and asylum seekers in Brazil. The

booklet is the product of a tender issued by the UNHCR (High Commissioner of the United Nations

for Refugees), for which Casa da Mãe Joanna was selected, which resulted in the partnership

between the present authors and a team of graphic designers. The idea was to offer information

about current legislation in Brazil that is related to crimes such as harassment, rape and domestic

violence, in a palatable and universal manner. Brazilian law is clear on formal equality with respect

to men and women. However, many refugees arrive in Brazil without knowing the legislation, and

bring with them their culture, where women, in many cases, are seen as objects that are not entitled

to the same rights as men. Our main challenge was to “teach" about local culture, customs and law

without being imperialist. Inspired by comic books and with a strong lead character that allows for

easy identification by men of various nationalities, the project included graphic research and direct

contact with refugees in Caritas in São Paulo and Rio de Janeiro.

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Keywords: Refugees. Human Rights. Masculinities. Violence.