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GÊNERO E EDUCAÇÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: UM OLHAR SOBRE
OS DIREITOS HUMANOS DA MULHER CIENTISTA
Giselly Dias Mariano Narimatsu1
Tiago Duque 2
RESUMO:
Considerando que a luta em prol dos Direitos Humanos a todas/os é antiga e se deu ligada
a contextos sociais, culturais e econômicos diversos, torna-se fundamental refletir sobre o
surgimento do compromisso em torno dos Direitos Humanos da Mulher Cientista
intrinsecamente associado ao seu reconhecimento social. Isto posto, o presente artigo
objetiva propiciar reflexões acerca da construção dos Direitos Humanos das Mulheres,
pensando Gênero e Ciências no Brasil. Para a produção dos dados será utilizada a
metodologia de investigação bibliográfica ancorada nos pressupostos teóricos abordados
na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Programa Mulher e Ciência (PMC),
lançado no Brasil em 2005, coordenado pela Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM),
visando estimular maior participação feminina no cenário científico e tecnológico no país.
Tais reflexões têm como base teórica autoras/es pós estruturalistas (feministas,
foucaultianas/os, pós-coloniais, e queers).
Palavras-chave: Mulheres; Gênero; Ciência e Tecnologia; Direitos Humanos; Brasil.
INTRODUÇÃO
É de conhecimento que há muito se discute sobre os direitos e, por vivermos em
um mundo contemporâneo no qual todas/os somos detentoras/es de direitos humanos,
podendo exigir que as demandas de mudança e justiça sejam atendidas, configura grande
conquista.
Para contextualizar melhor tal conquista, vale pontuar que esta se deu em um
processo de longa data, ligado a contextos de antagonismos sociais, culturais e
1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação do Campus Pantanal da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul (PPGE/CPAN/UFMS). Corumbá-MS, Brasil. E-mail: [email protected] 2 Doutor em Ciências Sociais, professor do Mestrado em Educação do Campus Pantanal da Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul (PPGE/CPAN/UFMS) e do Mestrado em Antropologia Social da Faculdade
de Ciências Humanas da mesma instituição (PPGAS/FACH/UFMS). Campo Grande-MS, Brasil. E-mail:
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econômicos, intrinsecamente associados à visão masculina acerca do ser humano, nos
quais se optou por excluir as mulheres da história, naturalizando as desigualdades de
gêneros.
Tratando-se delas, o reconhecimento da condição feminina, a busca e a ampliação
de seus direitos humanos, foram ao longo dos tempos conquistados por meio da
mobilização intimista de mulheres, questionando a realidade social, depois, com os
movimentos feministas e demais movimentos sociais, marcados por uma diversidade de
reivindicações em prol da igualdade, em diferentes espaços e lugares, descontruindo a
imagem da mulher ligada a uma figura feminina pacata e regrada.
Segundo estudiosas/os, inspirados/as em feministas como Simone de Beauvoir, a
historiografia das mulheres fora marcada pela ideia clássica de inferioridade de um sujeito
universal feminino em uma estrutura de supremacia masculina veementemente aceita,
posto que atingia a todas as mulheres, desde as mais pobres até as de elite.
Ao longo dos tempos, consideradas subordinadas aos homens, as mulheres
desempenhavam práticas cotidianas embasadas no “sexismo” estereotipadas e vedadas a
espaços públicos, isto é, desempenhavam atribuições a partir das normas de gênero ou
determinismo biológico que as mantinham “naturalmente” restritas à vida privada
(atreladas ao ideal de maternidade).
A imagem da mulher, o tornar-se mulher, na apropriação de Beauvoir por Butler
“(...) é a estilização repetida do corpo, um conjunto de atos repetidos no interior de uma
estrutura reguladora altamente rígida, a qual se cristaliza no tempo para produzir a
aparência de uma substância, de uma classe natural de ser” (2003, p. 59).
Dito isto, nota-se que os registros históricos das primeiras proclamações dos
direitos humanos com as revoluções liberais ocorridas nos séculos XVII e XVIII, dentre
elas a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão3 à época da Revolução Francesa,
em 1789, corroboram quando não consideram mulheres e homens como pessoas de
mesmos direitos, estes concebidos de forma genérica e abstrata com exclusiva
universalidade do homem como sujeito.
3 Tendo em vista o não reconhecimento da mulher, é preciso destacar o pioneirismo na defesa
da democracia e dos direitos das mulheres já à época da Revolução Francesa. Com sua obra “Declaração dos
Direitos da Mulher e da Cidadã”, em 1791, Marie Olympe de Gouges, dramaturga, ativista
política, feminista e abolicionista francesa, opunha-se ao “patriarcado” e ao modo pelo qual a relação entre
homem e mulher se expressava na declaração de 1789.
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Essa declaração, reafirmara e reforçara a ideia de liberdade e igualdade dos seres
humanos dantes proclamada na Declaração da Independência dos Estados Unidos da
América, em 1776. Porém, assim como esta, não referenciara direitos específicos às
mulheres – de certo, como poderiam corretamente serem protegidas, quando
historicamente não as reconheciam?
Desde logo, pensar na concepção de direitos humanos em tais registros, torna-se
essencial para percebermos que o reconhecimento dos direitos da mulher e de que algo lhes
é devido, ocorrera em um secular processo complexo de construção epistemológica
dicotômica entre o feminino e o masculino que em virtude das transformações trazidas
pelo surgimento de novos paradigmas científicos, relativizou o conhecimento histórico e
permitiu a inclusão das mulheres na história.
No entanto, incluir o sujeito feminino na história é muito mais do que reconhecer
que existe uma história das mulheres em uma dialética da dominação versus subordinação,
em um discurso moralizador sobre os seus corpos, pois só reconhecer é trivial, tornou-se
importante destacar que ao passar do tempo, múltiplas formas de resistências elas criaram
para escapar da dominação masculina.
Neste sentido, para refletirmos sobre a proposta dos direitos humanos para as
mulheres, consideramos profícuo perpassar por um breve revisionismo histórico, bem
como, entender o sentido que os principais acontecimentos históricos tiveram em prol
dessa proposta. Assim, aqui, trazer a abordagem feminista pós estruturalista acerca do
compromisso em torno dos seus direitos, em especial da mulher cientista, desafia-nos por
envolver ideias que podem ampliar questões relacionadas com a visão “secular”,
“patriarcal” e “androcêntrica” acerca de mudança e justiça sociais.
Portanto, tendo em vista a historiografia das mulheres, bem como, a vida privada
à qual foram costumeiramente depreciadas, percebemos que normas e convenções sociais
transferiram prioritariamente aos homens o espaço público, a força, a racionalidade, a
ciência4, enfim, o poder, revertendo-se em violação de “seus” direitos.
4Historicamente, a ciência sempre foi vista como uma atividade realizada por homens. Durante os séculos
XV, XVI e XVII, algumas poucas mulheres aristocráticas exerciam importantes funções de interlocutoras e
tutoras de renomados filósofos naturais e dos primeiros experimentalistas. Apesar de suas habilidades e
competências, não lhes eram permitido o acesso às intensas e calorosas discussões que aconteciam nas
sociedades e academias científicas. No século XVIII, com poucas exceções, o acesso das mulheres à
atividade científica se deu em função da posição familiar que elas ocupavam. O século seguinte, com a
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Todavia, recusando sua posição subalterna dentro do espaço privado, lutando por
suas especificidades, mesmo não articuladas em grupos coesos e com vozes mais ou menos
isoladas de descontentamento, as mulheres contribuíram para mudar práticas de
subalternização às minorias políticas nas relações de poder e nas diversas
institucionalidades do Estado, cuja característica não se permitia incorporar a ampla
diversidade humana.
Não sendo ao todo submissas aos homens e bem menos recolhida ao lar,
gradativamente, as mulheres estiveram face a grandes avanços em todas as dimensões, com
relevantes contribuições para o crescimento da sociedade, ainda que, muitas vezes
minimizados quando não totalmente creditados a eles, pois longo de sua velada atividade
científica, lidava e ainda lida, com vários entraves, entre eles a maternidade.
Levando-se em consideração esses aspectos, percebe-se que desde muito antes de
se desencadearem os movimentos sociais e feministas, as mulheres buscavam por
participação em espaços onde não estavam presentes ou sofriam preconceito. Enfim,
buscando por carências extremamente significativas, contrapunham-se à lógica tradicional
de exclusão feminina dos direitos humanos fundamentais, dentre eles educação5.
Ademais, a certificação de que a pessoa humana tem obrigações e direitos
reconhecidos universalmente foi bem posterior, no século XX, com a Declaração Universal
dos Direitos Humanos6 da ONU
7, em 1948.
A Declaração Universal, reafirmando os direitos de liberdade e igualdade e,
visando a universalidade (ou não-discriminação), abrangeu todas as pessoas, inclusive as
mulheres, de modo que pudessem ser reconhecidas e respeitadas por todos, em todos os
tempos e sociedades.
criação dos colégios para mulheres, foram mantidas às margens. A mudança se inicia após a segunda metade
do século XX, quando da necessidade de recursos humanos e da luta pela igualdade de direitos, permitiu-se a elas esse acesso. (LETA, 2003). 5 No século XIX, foi reconhecido o direito à educação da mulher no Brasil, período em que Nísia Floresta
Brasileira Augusta, pseudônimo de Dionísia Gonçalves Pinto (1810-1885), educadora, escritora, poetisa,
ativista e primeira feminista brasileira, fundara em 1838, o primeiro colégio que ensinava ciências e línguas
para meninas. (FERREIRA, 2016) 6 Principal instrumento declarativo dos direitos da sociedade internacional – documento revolucionário na
História da Humanidade que provoca mudanças profundas de mentalidade e de atitude no mundo. 7 Criada após a II Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU) objetiva especificamente
garantir a paz e o desenvolvimento mundial por meio do bom relacionamento entre os países, que se
reuniram voluntariamente para constituir as Nações Unidas.
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Ainda assim, tornou-se insuficiente por tratar o indivíduo de forma genérica e
abstrata, ou seja, todos são iguais só genericamente, mas não especificamente. Zenaide et
al. (2008) ressaltam que se fez necessária a especificação ou diferenciação do sujeito de
direito para uma proteção especial e particularizada a determinados grupos em face de sua
própria vulnerabilidade.
Contudo, no transcorrer histórico, as mulheres não foram reconhecidas com
direito a ter direitos humanos pelo simples fato de existirem. Conforme Sorto (2008), o
reconhecimento da natureza humana dotada de direitos não tem sido fácil e, o esforço pela
legitimação de direitos percorre a história das ideias e dos fatos, das afirmações e das
negações. Não bastasse isso, a construção histórica de direitos da sociedade política
universal passou, e ainda passa, pela intolerância religiosa, econômica e cultural.
A respeito disso, Zenaide et al. (2008) enfatiza que muitas foram as tentativas de
justificar a existência dos direitos humanos e de fundamentá-los, uma vez que constituem
não apenas parâmetro ético da dignidade humana, mas, sobretudo, um projeto político.
Bobbio (2004) reitera, dizendo que o problema grave do nosso tempo, relativos aos direitos
humanos, não é mais de fundamentá-los e sim o de protegê-los.
Segundo pesquisa de Silva (2008), a busca pelos direitos da mulher e o
reconhecimento da condição feminina teve grande contribuição do feminismo8. No Brasil,
o feminismo surgiu profundamente unido aos movimentos políticos dos anos 19609, que a
partir da década seguinte, torna-se emergente com o pós-modernismo como novidade no
campo acadêmico, abrindo espaço para as discussões marginais e tendo como ponto central
o reconhecimento da diferença.
Nesse cenário, após a Declaração Universal, na superação dos desafios
representados pela diversidade de culturas, hábitos, costumes, convenções e
comportamentos próprios das sociedades, culminou a aprovação de outros documentos que
compõem a carta internacional dos direitos, que por outro lado, sem a garantia institucional
do Estado, não se materializam, não têm efetividade e não podem ser garantidos, afirma
Bobbio (2004).
8 Ideologia política. 9 Associado à personalidade, o feminismo de então teve como grande bandeira de luta os direitos sufragistas,
haja vista que durante séculos não se considerou com naturalidade que as mulheres votassem.
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Tomando como referência a obra do referido autor, concluímos que o sentido da
realização dos direitos humanos das mulheres ocorre quando cada vez mais reconhecidas
em suas diferenças específicas com relação aos homens. Mas, não apenas isso, também em
termos de diferença com relação às várias fases da vida e com relação as diferentes formas
de se identificar como mulher, não apenas com relação aos homens, em razão de não se
poder deixar de levar em conta determinadas diferenças, que justificam um tratamento não
igual – daí falar-se em direitos das mulheres, mas também das crianças, das pessoas com
deficiência, da população LGBT10
, dentre outros.
Considerando que existem diferenças entre grupos de indivíduos e de indivíduo
para indivíduo, devemos observar as diferenças entre as próprias mulheres, especialmente
no que se refere a marcadores sociais como classe, raça/cor/etnia e sexualidade. Além
disso, dito de outro, há mulheres crianças, mulheres com deficiência, mulheres lésbicas e
transexuais.
Em vista dessa diferenciação, refiro-me, por exemplo, à criação de uma série de
tratados para propiciar a proteção e a promoção dos direitos da mulher em áreas
consideradas vulneráveis, entre os quais damos destaque à Convenção sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres - CEDAW (1979)11
.
Para Pimentel (2006), a CEDAW simboliza o resultado de inúmeros avanços
principiológicos, normativos e políticos construídos nas últimas décadas sobre os direitos
humanos das mulheres, inovando quanto aos fundamentos da não distinção baseada no
sexo que tenha por objeto prejudicar o exercício pela mulher, mas sim, para o igual acesso
e liberdades das mulheres na vida política, civil e pública, na educação, saúde e emprego
ou em qualquer outra esfera.
Entretanto, mesmo face aos avanços quanto à política de proteção dos direitos das
mulheres, cabe ressaltar que apenas lhes conferiram o reconhecimento e instrumentalidade
de direitos específicos. O usufruto e efetivação desses direitos foram consistentes mediante
mobilização social e política (confrontos e reivindicações) contra barbáries, arbitrariedades
e desigualdades, em especial as sociais.
10 Pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais.
11 Sigla em inglês da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as
Mulheres resultante da reivindicação do movimento de mulheres, a partir da Conferência Mundial sobre a
Mulher, no México, em 1975. Ratificada pelo Brasil em 1984, constitui um dos documentos de maior alcance
entre os produzidos no âmbito internacional. (PIMENTEL, 2006)
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Segundo Zenaide et al. (2008), na exigência de relações democráticas, sob a nova
direita neoliberal a partir dos anos 80, o debate contemporâneo acerca da cidadania e dos
direitos humanos diante de uma redefinição da sociedade, tornada mais complexa, plural,
diversificada e conflitiva, abriu um campo de reflexão da ética dos direitos sobre os
sujeitos sociais, democracia e direitos humanos como prática sociopolítica.
Vale destacar que o feminismo pós-moderno na década de 1980 contou com uma
inovação nos estudos sobre a mulher, mediante a utilização do gênero como categoria de
análise, procurando incorporar o estudo relacional entre homens e mulheres no contexto da
dominação masculina que, apesar do seu caráter essencialista e universalista, foi bastante
útil no contexto da mobilização política, especialmente no sentido de apontar para o quanto
a opressão das mulheres não é algo natural e imutável (PISCITELLI, 2009).
Desta forma, o movimento pós-moderno revelou às mulheres que não há um
poder, mas antes, exercido de maneira oculta. “As mulheres tomaram consciência que se os
homens tinham sempre estado no poder, era porque eles assim se colocavam” (SILVA,
2008, p. 226).
Logo, no Brasil, em virtude da criação do Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher – CNDM, em 1985, e por ocasião da atual Constituição Federal, cujos
fundamentos embasam o Estado Democrático de Direito, mulheres e feministas foram
incansáveis na movimentação pela ampliação e garantia de seus direitos, mostrando-se
uma categoria eficiente no acompanhamento e controle de suas propostas junto ao
Congresso Nacional, intentando ações políticas mais efetivas e mais abrangentes.
Por fim, a movimentação de mulheres e feministas, intensificada a partir da
década de 90 no Brasil, também sofre maior impacto com o advento da Conferência
Mundial de Direitos Humanos12
, em Viena, 1993, a qual reconheceu os direitos humanos
das mulheres e das meninas, intransferíveis e indivisíveis dos direitos humanos universais
e, que a violência de gênero é discordante com a dignidade e o valor da pessoa humana.
No ano seguinte, 1994, representando o esforço do movimento feminista
internacional na tentativa de coibir o alto índice de violência física, psicológica e sexual
contra a mulher, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
12 Documento disponível em: www.dhnet.org.br/direitos/anthist/viena/viena.html. Acessado em 20 jul. 2017.
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contra a Mulher13
conferiu visibilidade aos direitos humanos das mulheres e meninas.
Além disso, permitiu o reconhecimento de novas identidades múltiplas e plurais
na perspectiva de gênero.
Neste cenário, poder-se-ia assegurar às mulheres tratamento especial, de modo a
atender suas especificidades e peculiaridades de sua condição social, em termos de
marcadores sociais da diferença. No entanto, foi após a Conferência Mundial sobre a
Mulher, em Beijing, 1995, que mulheres do Oriente e do Ocidente se organizaram,
unificando suas propostas de direitos humanos com objetivo de integra-las ao texto da
Declaração Universal.
Após essa Conferência realizada na China, surgiram documentos como a
Declaração de Beijing e a Plataforma de Ação14
, os quais propiciaram formular um
programa mundial de igualdade, defesa dos direitos humanos das mulheres e promoção de
sua plena cidadania.
No Brasil, assim como o movimento internacional de mulheres, a atuação e
organizações das mulheres (não-governamentais e governamentais) foram decisivas para
definir uma posição de respeito à cidadania das mulheres brasileiras. Segundo Sorto
(2008), estima-se terem contribuído para a análise dos padrões de inserção política
voltados a incidir na formulação de agendas públicas, na geração de mudanças culturais
orientadas à equidade de gênero e à expansão da cidadania feminina.
Dado o exposto, percebemos que a história dos direitos humanos, particularmente
no século XX, passou por um processo de expansão e especificação dos sujeitos de direitos
e que o movimento de mulheres, sociais e feministas trouxeram grandes conquistas
correspondentes à valorização dos elementos de diferenciação entre os indivíduos.
Contudo, como já foi dito, a questão que desafia a todas/os nós sujeitos
historicamente inseridos em uma realidade social e com necessidades específicas, não é de
caráter filosófico exclusivamente, histórico ou jurídico, mas sim político. Em função de
que nossos direitos possuam eficácia ou sejam plenamente exercidos (produzam efeitos
13 Documento disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/d1973.htm. Acessado em
20 jul. 2017.
14 Documento disponível em:
http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2014/02/declaracao_pequim.pdf. Acessado em 20 jul.
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concretos na realidade), não basta a existência de instrumentos jurídicos e de instituições
responsáveis por sua aplicação, faz-se necessária a exigibilidade.
De certo, afirmarmos nossa condição humana e participarmos plenamente na vida
demanda a nossa própria capacidade de organização e de reivindicação –
independentemente do “sexo”, nacionalidade, classe social, crença religiosa, convicção
moral, orientação sexual, etnia, profissão, opção política e identidade de gênero.
Afinal, aos 69 anos da Declaração Universal, do que adianta dizer que todas/os
têm o mesmo direito, são iguais na diferença, se as desigualdades resultantes da exclusão
social, racial, econômica e cultural, persistem e em constante tensão com interesses e
privilégios?
Indagação absolutamente fundamental, haja vista que o ser humano sempre tende
a estar em situação de busca por reconhecimento, pela afirmação dos seus direitos e
identidades. Nas palavras de Zenaide et al. (2008, p. 14), “[...] o mundo continua sendo
profundamente perverso e injusto, sobretudo com relação aos mais vulneráveis.” – as
mulheres continuam expostas a várias formas de discriminação e violência em todo o
mundo.
Estudo recente publicado no periódico Science, Bian et al (2017) constataram que
desde cedo, a partir dos seis anos, as meninas começam a acreditar serem menos
inteligentes que os meninos na escola, isto é, desde a primeira infância essa noção as afasta
das atividades associadas à ideia de genialidade.
Levando-se em conta o que foi estudado, observamos que estereótipos de gênero
sobre a capacidade intelectual emergem cedo e induzem os interesses das crianças,
tornando as meninas mais propensas a considerar as mulheres menos inteligentes.
Embora, por mais paradoxal que seja, considerando todas as conquistas das
mulheres, as relações de gênero ainda são marcadas por subalternidades – aceitas
sutilmente pela cultura do “patriarcado”, dissidências de gênero, isto é, o inesperado em
relação às expectativas de gênero em relação, neste caso, às mulheres, são sustentadas no
invisível exercício cotidiano do poder, com reflexos na atividade científica do país.
Fato constatado no recente e abrangente relatório intitulado “Gender in the Global
Research Landscape”, desenvolvido pela Elsevier (maior editora científica do mundo), o
qual afirma que as mulheres já produzem metade da ciência do Brasil (49%). Os resultados
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mostraram que a proporção de mulheres que publicam artigos científicos tenha crescido
11% nos últimos 20 anos. No entanto, a quantidade de pesquisadoras muda de acordo com
a área do conhecimento e, nas chamadas “ciências duras”15
elas ainda estão em minoria.
Outra pesquisa recente, em matéria publicada na Folha de São Paulo16
, diz que
são poucas as mulheres que entram nos cursos de exatas, e o número das que se formam é
ainda menor. Na Universidade de São Paulo (USP), elas são menos de 20%, a turma de
física 10% .
As estatísticas evidenciam disparidades e desigualdade de gênero a que ainda
estão submetidas. Diante desse quadro, bem como de outras temáticas de gênero,
compreendemos o quão crucial é a inserção da perspectiva de gênero nas políticas públicas
nacionais designadas à proteção dos direitos humanos das mulheres cientistas, hoje, em
diversas frentes do governo.
Assim sendo, implementar a positivação em torno dos direitos humanos da mulher
cientista, pensando Gênero e Ciências é relevante para atender carências e garantir
participação feminina em áreas científicas onde não estejam, ou estejam pouco presentes
ou sofrem preconceito, haja vista a sub-representação feminina em áreas masculinizadas.
No estudo de Sorto (2008), a positivação dos direitos deve estar acompanhada dos
devidos mecanismos de conscientização, fiscalização e garantia, quando estabelecidas as
políticas de prevenção, visando à remoção das causas que motivam violações.
Neste sentido, e a partir dos pressupostos da Declaração Universal, voltados para
os ideais democráticos e formação cidadã, visando garantias constitucionais para
os direitos, surge a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres - SPM17
, em 2003.
Desde a sua criação, tem contribuído efetivamente para a consolidação das políticas
públicas de gênero, promovendo a transversalidade das políticas para mulheres e a
igualdade de gênero.
15 Os proponentes da classificação política das Ciências em “duras” e “moles”, argumentam que se relaciona
ao rigor do método utilizado. As ciências duras seriam aquelas que usam de rigor científico em suas
observações, experimentos e deduções. Quando formais, utilizam fortemente a Lógica e a Matemática como
ferramentas de construção teórica, quando naturais, dependem muitas vezes de comprovação estatística para
dar credibilidade a seus experimentos. 16Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2016/11/1835995-mulheres-sao-menos-de-20-nos-
cursos-de-ciencias-exatas-da-usp.shtml. Acessado em 20 jul. 2017. 17 Tem função de formulação, coordenação e articulação de políticas para promover a transversalidade das
políticas para mulheres e a igualdade de gênero.
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No compromisso do Estado com a proteção, garantia e promoção dos direitos
humanos das mulheres em torno de áreas estratégicas de atuação, tais como: autonomia,
igualdade no mundo do trabalho e cidadania; educação inclusiva e não sexista; saúde das
mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivos; e, enfrentamento à violência contra as
mulheres, a SPM institui a Política Nacional para as Mulheres - PNPM, em 2004.
Desde então, o país tem contemplado ações, programas e políticas no que se
refere ao processo de consolidação e amadurecimento das políticas para as mulheres,
procurando garantir as suas especificidades de atuação por meio do Plano Nacional de
Políticas para as Mulheres – PNPM18
, criado em 2002.
E, embora não tenha atingido seus objetivos em alguns casos, para a consolidação
dos direitos humanos das mulheres em todas suas faces e dimensões, o Programa Mulher e
Ciência19
(PMC), implementado em 2005, apresenta-se um marco nas questões de
equidade de gênero na produção do conhecimento científico e tecnológico.
Institucionalizado no âmbito do governo federal, o PMC tem fortalecido tanto os
estudos sobre mulheres, relações de gênero e feminismos quanto a iniciativa pioneira de
fomento à participação feminina nas ciências e carreiras acadêmicas em áreas consideradas
masculinas.
Segundo Lima e Costa (2016), em análise dos aspectos das políticas científicas
implementadas no âmbito do PMC, perceberam que para o estudo de Carreiras de mulheres
em C&T e Política Científica e Tecnológica, o gênero foi um marcador aceito como
importante para a pesquisa, porém o percentual de quem não quis identificar seu
pertencimento étnico-racial é similar ao conjunto de aprovadas/os nas quatro chamadas em
todas as temáticas (9,3% do total de 1371).
Para as autoras, faz-se necessário atentar para as distintas questões para a plena
participação feminina nas ciências, uma maior incorporação da interseccionalidade,
considerando que a participação das mulheres negras e indígenas na C&T ainda seja um
18 Foi construído com base na I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres que indicou “as diretrizes
da política nacional para as mulheres na perspectiva da igualdade de gênero, considerando a diversidade de
raça e etnia”. Documento disponível em: www.spm.gov.br/assuntos/pnpm/plano-nacional-politicas-
mulheres.pdf. Acessado em 20 jul. 2017 19 É resultado da parceria entre a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), o Ministério da
Ciência e Tecnologia e Inovação (MCTI), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), o Ministério da Educação (MEC), ONU-Mulheres e Ministério de Desenvolvimento
Agrário (MDA).
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assunto a ser melhor inserido na pauta dos Estudos de Gênero, Ciências e Tecnologias e
também no Programa Mulher e Ciência, haja vista até o presente momento não haver uma
ação específica direcionada para o recorte étnico-racial na pesquisa.
Enfim, percebemos que a Declaração Universal, os tratados e acordos, os Planos e
Programas Nacionais, etc., têm sido importantes instrumentos governamentais para a
implementação de mecanismos de oportunidades igualitárias para todas/os, sem qualquer
distinção. Em outras palavras, tudo isso, tem sido importante para incorporar o princípio da
pluralidade e captar a universalidade das diferenças humanas.
Contudo, nota-se que as mudanças não são tão eficazes, são instrumentos que,
ainda, conclamam o Estado brasileiro a assumir efetivamente os compromissos com as
questões de gênero. Ademais, segundo portal de notícias brasileiro G1, o preconceito das
pessoas ainda é grande com mulheres que querem seguir a carreiras científicas, tendo
fenômenos do machismo e desigualdade de oportunidades, intrinsecamente relacionados20
.
Posto isto, o grande desafio é precisamente a implementação contínua e eficaz dos
Direitos que se acredita pleiteados por estarem proclamados, mas não concretizados em
sua plenitude e, muito particularmente, a superação da ideologia patriarcal que entrelaça os
Direitos Humanos das mulheres, reforçando estereótipos sociais, preconceitos,
discriminação e violência.
A história demonstra, dia a dia, a luta das mulheres cientistas nessa superação.
Sob um novo olhar para a aplicação igual e uniforme dos seus direitos humanos, na
perspectiva pós-moderna, implica, entre outras coisas, ser mais vida real, desconstruir
antigos padrões culturais e sexistas – mulheres podem ser o que quiser, inclusive Físicas e
Engenheiras– campos onde ainda mais rigidamente é o “lugar dos homens”.
Diante da necessidade de viver em sociedade, mais que dispor de um conjunto de
instrumentos e instituições voltadas para a defesa e promoção de dignidade humana da
mulher, faz-se necessário promover a Educação em Direitos Humanos21
, o diálogo e o
respeito à diferença, de modo a pessoa reconhecer a importância do fundamento dos
direitos humanos, e, sobretudo agir, visando à humanidade. Isto é,
20 Disponível em: http://g1.globo.com/educacao/noticia/apos-15-anos-mulheres-continuam-sendo-minoria-
nos-cursos-universitarios-de-ciencia.ghtml. Acessado em 20 jul. 2017 21 Tem como referência o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), elaborado em 2003
e revisado em 2006 pelos Ministérios da Educação e Cultura, da Justiça e pela Secretaria especial dos
Direitos Humanos.
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[...] a educação em direitos humanos, sobretudo no âmbito escolar, deve
ser concebida de forma articulada ao combate do racismo, sexismo, discriminação social, cultural, religiosa e outras formas de discriminação
presentes na sociedade brasileira; (BRASIL, 2003, p. 17).
Daí a urgência de se fomentar amplas políticas de Educação em Direitos
Humanos, sob um novo olhar acerca do processo de concepção desses direitos, ou seja,
uma reinterpretação dos instrumentos e mecanismos dos direitos humanos, suficientemente
adequados para atender as demandas atuais em uma perspectiva da Teoria Queer na
Educação.
Segundo autoras/es pós estruturalistas, queer é uma categoria de campo político
que estuda como as normas hegemônicas interferem o estereótipo da imagem/corpo, ou
seja, como os ditames sociais regidos pela normatividade são polarizados, plasmados. E,
considerando que em um só corpo pode haver várias dissidências, o reconhecimento do
outro, universaliza a ideia de mundo contemporâneo, ou seja, no contato com o outro se
diferenciar dele, negando-se para conseguir identificá-lo.
Sob esse novo olhar às formas de ser uma cientista e mulher em nossa sociedade e
à relação da mulher na ciência, sob o entendimento de gênero na concepção de Louro
(2014) nos leva à crítica da Ciência, ligada à história do movimento feminista
contemporâneo acerca da segregação social e política, as quais, historicamente,
conduziram as mulheres à condição da invisibilidade produzida em meio a múltiplos
discursos. Nas palavras de Meyer:
Gênero, a partir das abordagens feministas pós-estruturalistas, é entendido como uma construção social, cultural, histórica e linguística,
produto e efeito de relações de poder, incluindo os processos que
produzem mulheres e homens, distinguindo-os e separando-os como corpos dotados de sexo gênero e sexualidade. (2003, p. 16)
Chega-se por esse raciocínio, a constatação de que gênero entendido como
categoria teórica, política e analítica, permite relacionar/implodir o binarismo
homem/mulher com as questões sociais, dando significado às relações de poder. A partir
de uma crítica de gênero, como elemento racional nas produções históricas, socioculturais
e econômicas, notamos que não há nada natural.
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Uma formulação crítica de gênero, nos estudos feministas, nos leva a
compreender os indivíduos constituintes de identidades plurais, não estáveis, mas sim
variáveis, podendo ser contraditórias, inclusive as próprias mulheres.
Para Louro (1997), o gênero é “constituinte da identidade dos sujeitos”. Desta
forma, a autora pontua que seja necessário pensar nas relações de gênero e nas
desigualdades entre as mulheres (negra, indígena, rural, pobre, lésbica, deficiente, etc.), de
modo plural, posto que são identificadas por gênero, classe, raça, etnia, idade, etc.,
produzindo diferentes “posições de sujeito”.
Então, a questão social que colocamos é, mesmo partindo de condições desiguais,
a mulher consegue desenvolver pesquisa tão boa quanto a de um homem? Então, por que
isso não se reflete em mesmas oportunidades de inserção feminina em todas as áreas da
Ciência?
Nessa relação, os discursos precisam ser examinados. Todavia, não é só uma
questão gênero, mas também de “sexo”22
– as mulheres sofrem em relação à inserção,
permanência e ascensão científica, a exemplo, quando estão grávidas ou já são mães. Não
bastasse isso, o “sexismo” por sua vez desqualifica a mulher, hierarquiza as relações de
gênero, entre homens e mulheres e entre as mulheres.
Seguindo esta interpretação na perspectiva teórica de Butler (2003) não nos
possibilita compreendermos o “tornar-se” mulher cientista, ou um suposto “devir mulher
cientista”, como algo livre das relações socioculturais e de poder, o que, evidentemente,
limita qualquer decisão supostamente auto definidora das pessoas sobre o “sexo”.
Quando nos referimos à grupos de mulheres, entendemos ainda mais a sua
vulnerabilidade. Assim, ao delinearmos aqui, um estudo sobre mulheres cientistas ao
emprego das teorias feministas, queers e foucaultianas – em reflexão à atribuição de
cientista agravada pela condição da imagem de mãe perfeita – remete-nos a múltiplas
noções do que vem a ser a pessoa humana, sua natureza e constituição.
Outras leituras se fazem necessárias para problematizarmos a produção da
“humanidade” da mulher no viés queer, acerca da matriz de inteligibilidade e “abjeção”, as
22 Utilizamos as palavras “sexo” entre aspas em um sentido crítico, na tentativa de problematizar qualquer
perspectiva bionaturalizante da mulher, destacando, portanto, seu caráter sociocultural.
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quais estão ligadas à reflexão do início deste texto, em particular sobre as diferenças entre
as próprias “mulheres” citadas nos documentos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A breve referência ao contexto de surgimento do compromisso em torno dos
direitos humanos das mulheres, tornou-se necessária para entendermos o efeito que os
movimentos sociais, de mulheres e feministas tiveram sobre elas e sua importância na
criação das políticas para mulheres.
Em torno do cumprimento e respeito pelos direitos humanos das mulheres, notamos
uma história estabelecida por mulheres e feministas que encorajaram o envolvimento
construtivo, produtivo e significativo na política, na identidade e nas normas sociais, as
quais superaram os discursos não fazendo “feminismo”, não somente por meritocracia, ou
filosofia, mas, especialmente por meio de políticas públicas voltadas para atender suas
necessidades e aspirações.
Dessa forma, as relações de gênero nasceram estreitamente ligadas às
mobilizações sociais, de mulheres e feministas, tendo, portanto, o gênero como
desdobramento dessas mobilizações.
Tendo em vista que os direitos humanos são históricos, modificáveis, suscetíveis
de constante transformação e alargamento de seus horizontes, não sendo produto da
natureza, mas sim da civilização humana, as mulheres também o são, logo, várias coisas
socialmente construídas (instáveis).
Com isso, o “sexo” feminino ao qual as mulheres existem, fora socialmente
embutido ao dever de ocupar determinado lugar na sociedade, entendemos que elas não
existem apenas por um grupo, e considerando o tripé da exclusão (classe, gênero e etnia),
participam das relações sociais desiguais a elas.
Então, desestabilizada a imagem das mulheres, como poderão ser reconhecidas
quando experimentam desigualdades sociais entre elas mesmas, por meio de formas
particulares\interdependentes de opressão (racismo, sexismo, homofobia) e por diferentes
formas de poder (classe, gênero, raça)?
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A luta das mulheres cientistas no campo da educação no Brasil demanda
desencadear processos (críticos, autônomos, novos e emancipatórios) permanentes por
direitos iguais, isto é, atingir a igualdade de gênero entre homens e mulheres e entre as
próprias mulheres (sob o ponto vista de que não é permitido tratamento e proteção iguais
em meio a diversidade de distintos status sociais), nos quais cada um revela qualificações
específicas), significa afirmar que os direitos e oportunidades de uma pessoa são
independentes do “sexo” dela mesma.
Em suma, por meio de políticas amplas de gênero e educação, pois os direitos e
garantias constitucionais são para todas/os, entretanto, absorvidos por poucos e garantidos
para uns e outros em nosso país. Garantir a constituição de uma sociedade humanizada
(justa, civilizada e pacificada) se dá, é claro, mediante a implementação de políticas
públicas, pelo controle dos cidadãos às ações do Estado, superando ideias limitadas a
respeito da teoria, natureza, caráter, exigências e efetividades de direitos.
Segundo Cordeiro (2013), o fato conhecido da desproporção entre os gêneros na
atividade científica, embora venha mudando nos últimos anos, é, por sua vez, um reflexo
social mais amplo.
A mesma autora afirma que as diferenças profissionais são historicamente
instituídas, conforme estudos feministas do último século, por imperativos sociais, mesmo
sob a égide de “escolha feminina/masculina”. A classificação profissional e as francas
desproporções entre os gêneros em determinadas atividades propiciam a intrusão nelas de
certos valores socialmente compreendidos para cada grupo.
O olhar para o status das mulheres cientistas brasileiras, a sub-representação em
áreas masculinizadas, em contrapartida, a feminização em outras, ocasionando o abandono
masculino, consolida pensarmos em um grupo que está inserido e reincide as contradições
do próprio processo de mudança nas relações de gênero e “sexo”. Por um lado, apresenta
novas identidades do feminino com atributos desejáveis e legitimados socialmente, em
contrapartida, aponta uma manutenção de construções sociais tradicionais que continuam
direcionando a prática científica em nosso país.
É essencial que reflitamos até que ponto temos sido agentes de processos
discriminatórios e do discurso sobre o corpo da mulher, des/valorizando ou não
características emergentes do seu perfil fisiológico, econômico e social, evidenciadas nos
resultados do PMC.
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