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EDITORIAL

Quando uma bela imagem se esfuma... 3

PONTOS DE VISTA

Reforçar a eficácia da ajuda: uma perspectiva ACP 4

Queremos acção, não palavras 5

PERSPECTIVA 6

DOSSIER

Crise alimentar

Sementes da ira, sementes de mudança 11

Quando a agricultura se convida para a mesa dos grandes 12

“Necessitamos de uma política agrícola mundial” 14

Questões abertas 16

O “potencial considerável” da África 18

Pacífico: uma segurança relativa 20

As Caraíbas interrogam-se sobre a sua dependênciadas importações 22

INTERACÇÕES

A Eslovénia impõe respeito a Cotonu 23

Cooperação UE, a Reunião e o Oceano Índico 24

A governação sob todos os seus aspectos em Liubliana 25

Realçar os elementos positivos da migração 27

COMÉRCIO

Será que Moçambique poderá tornar-se num dragão económico africano? 29

EM FOCO

Um dia na vida de Derek Walcott 31

NOSSA TERRA

Satélites ao serviço da erradicação da pobreza 33

REPORTAGEM

Gana

Gana moderno, longe do Gana antigo 36

Preparando as eleições de Dezembro 38

Providência, prudência e planeamento 41

Novo apoio da União Europeia utilizado para a governação e os transportes 43

Um papel primordial na região 45

Gana – povo simpático (até demais) 46

Restaurar o passado para o futuro 47

DESCOBERTA DA EUROPAReunião

Essência de culturas. Esbatimento de preconceitos 48

História 50

Vocabulário para compreender a história 51

A Reunião aposta na alta tecnologia. Surpreendente! 52

Até quando? 54

Teixeira da Mota, primeira mãe da Reunião e outras histórias 55

Neve e fogo sob os trópicos 56

Quase 2 mil milhões da UE para dinamizar a economia reunionense 57

CRIATIVIDADE

Afrique in visu: encontro de fotógrafos em linha 58

Cultura contemporânea no Senegal: Dak’art 2008 ‘Afrique: Miroir?’ 59

Os anti-heróis do Zimbabué em pé de igualdade 61

Atletismo jamaicano: um modelo para o mundo 61

A provocação afectuosa 62

PARA OS MAIS JOVENS

Temos fome! 63

CORREIO DO LEITOR/AGENDA 64

ÍndiceO CORREIO, Nº 6 NOVA EDIÇÃO (N.E.)

C rreioN. 6 N.E. – JUNHO JULHO 2008O

A revista das relações e cooperação entre África-Caraíbas-Pacífico e a União Europeia

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Nandipha Mntambo, The fighters , dimensões variáveis,couro, resina, poliéster, corda parafinada, 2006.

© Cortesia ZA - young art from South Africa, Palazzo delle Papesse, em Siena.

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N. 6 N.E. – JUNHO JULHO 2008

Editorial

3

Quando uma bela imagem se esfuma...

As últimas notícias da África do Sul nãoeram boas e o mal-estar da maior parte doscomentaristas era evidente. A verdade éque a imagem do país que realizou prova-

velmente a revolução mais simpática do século XX, arevolução enraizada no humanismo, no perdão e naempatia, acabava de ser manchada por alguns gruposde valdevinos que atacavam sem discernimento osestrangeiros mais vulneráveis do que eles e os imi-grantes africanos, seus irmãos de infortúnio nos subúr-bios desprovidos. Pior ainda, aqueles grupelhos debrutos que haviam começado foram adquirindo adep-tos, obrigando o Estado a reagir, após tanta hesitação,para jugular a caça ao bode expiatório.

Um fotografia tão bela que se esvaneceu e amachucou.Algo de supremo que se desmoronou.

Estes horríveis excessos permitiram, porém, enrique-cer a reflexão com questões relativas à imigração.Primeiro, revelando que o fardo dos refugiados oriun-dos dos países pobres é suportado por outros paísespobres. É sabido que só os emigrantes do Zimbabué naÁfrica do Sul são cerca de três milhões. E vários paí-ses africanos, muito mais pobres do que África do Sul,acolhem numerosos migrantes de territórios vizinhos.

Por acaso, os ministros do Grupo de Estados de Áfri-ca, Caraíbas e Pacífico estavam reunidos emConselho no momento em que a situação não eramuito calma na África do Sul para lançar o observa-tório ACP sobre as migrações. O Correio relata tam-

bém esse aspecto. Era uma ocasião para alguns delesincitarem os seus colegas a tomar medidas legislati-vas firmes contra todas as formas de racismo e dexenofobia. Desta vez, um apelo deste tipo não visavapaíses desenvolvidos mas os próprios membros dafamília ACP. Uma espinha dolorosa no pé dos apre-goadores comodistas.

Damos também notícias da frente da crise alimentar.É o nosso grande tema, no qual se vê que as regiõespobres têm por vezes mais trunfos do que aquilo quese pensa. É o caso de vários países da África e doPacífico. Vemos aí também que não existe realmentecarência de produtos alimentares. O que falta, issosim, é uma distribuição da produção que garanta asegurança alimentar de todos. Sendo assim, a carên-cia mais importante é a ausência de uma política agrí-cola global.

Há quem esteja mais ciente disso do que outros. Écertamente o caso da Reunião que é objecto da rubri-ca ‘Descoberta Região da Europa’ deste número danossa revista, e que foi promotora de uma estratégiade co-desenvolvimento do Oceano Índico, com osseus vizinhos de Madagáscar, Maurícia, Seicheles eComores, que abrangerá numerosos eixos, indo deuma frota de pesca comum até à vigilância sobre asalterações e a migração entre as ilhas de empresas ede trabalhadores. Uma imagem que embeleza!

Hegel GoutierEditor-chefe

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Reforçar aEFICACIA DA AJUDA:uma perspectiva ACP

EFICACIA DA AJUDA: POSTURA DO GRUPO ACP E DA

COMISSÃO EUROPEIAP ontos de vista

4

ADeclaração de Paris de 2005 per-mitiu aos ministros dos paísesdesenvolvidos e em desenvolvi-mento chegar a um “consenso glo-

bal sem precedentes” que previa medidas delongo alcance e tangíveis, destinadas a melho-rar significativamente a prestação e a gestãoda ajuda ao desenvolvimento. Esta resoluçãofoi tomada no contexto das metas do ODM,estabelecidas no âmbito da Declaração doMilénio da ONU e também em referência aoconsenso de Monterrey de 2002 sobre o esca-lonamento progressivo da Ajuda Pública aoDesenvolvimento (APD) para 0,7% do RNBdos países doadores até 2015.A Declaração de Paris realçou cinco princípiosimportantes destinados a orientar a prestaçãoda ajuda: propriedade, alinhamento, harmoni-zação, gestão dos resultados e responsabilida-de mútua. Foram também identificados dozeindicadores de progresso com metas específi-cas a realizar até 2010. A avaliação da presta-ção e do impacto da ajuda na sequência daDeclaração de Paris mostra que a realidadeestá longe de ser encorajadora. Por essa razão,o terceiro fórum de alto nível de Acra foi opor-tuno para chamar novamente a atenção dosdoadores e dos países parceiros sobre o quefora acordado em Paris. Compreensivelmente, uma discussão sobre aeficácia da ajuda é inútil se não houver umaumento de volume da ajuda. As actuais previ-sões indicam que, em breve, haverá carênciasa nível do volume da APD, que terão impactoprincipalmente nos Estados pobres e frágeis*.Este desenvolvimento potencial ameaça minaro Consenso de Monterrey e pôr em perigo arealização dos ODM. A UE, que registou umadiminuição da contribuição da ajuda para2007, referiu que envidaria todos os esforçospara assegurar que as contribuições estejam

dentro do objectivo de duplicar a sua APD até2010, assim como a satisfação dos compro-missos para 2015. Em nome do Grupo ACP,agradeço à UE os seus esforços. No entanto, têm de ser dados mais passos ime-diatamente por todos os doadores e paísesbeneficiários para reavivar o entusiasmo queconduziu à Declaração de Paris. Um pontoimportante é o da propriedade. Os países bene-ficiários devem poder sentir que são co-pro-prietários do processo de prestação da ajuda. ADeclaração de Paris indica a quantificação dapropriedade a alinhar pela Estratégia deRedução da Pobreza de um determinado país.Um estudo conjunto ACP-UE revelou que esteprocesso limita as oportunidades de reforçar apropriedade**.A questão é saber quem conhece melhor osproblemas de um país que solicita ajuda. Asagências governamentais, e mesmo os mem-bros da sociedade civil, conhecem melhor osproblemas do que as agências dos doadores.Contudo, para assegurar a responsabilização,as agências doadoras envolvem-se mais noprocesso do que o necessário. O Grupo ACP, omaior bloco dos países beneficiários da ajuda,considera que a propriedade pode ser melhora-da através de um diálogo franco e informado. Outra preocupação para o Grupo ACP é a“previsibilidade da ajuda”. Os atrasos naentrega criam problemas aos governos dospaíses beneficiários. A introdução dos contra-tos dos ODM da UE é um passo na boa direc-ção para solucionar este problema. Outra preo-cupação é a necessidade de melhorar a coerên-cia política nos sectores de grande significadopara os países em desenvolvimento, como aagricultura, o comércio, o investimento e amigração. Isto requer alinhamento político porparte dos doadores e dos beneficiários, a fimde garantir que os esforços para aumentar a

eficácia da ajuda numa determinada área nãocriem obstáculos noutra área. Na realidade, as questões como a capacidadede absorção da ajuda, constituem, para osEstados beneficiários, limitações práticas quenão podem ser ignoradas por nenhuma daspartes interessadas. No entanto, essa é, em pri-meiro lugar, a principal razão pela qual aDeclaração de Paris foi adoptada. Os paísesbeneficiários também deveriam fazer maisesforços, tanto aos níveis bilateral como mul-tilateral, para sensibilizar os doadores, incluin-do os novos membros como a China, a ArábiaSaudita e a Venezuela, a aderir e apoiar com-promissos importantes, como os expressos nasconferências de Monterrey e de Paris. Só destaforma poderemos reentrar em pista para redu-zir significativamente a pobreza e realizar asmetas dos ODM. �

* Banco Mundial, Global Monitoring Report 2008: MDGsand the Environment, Washington DC, p. XIX.** Assembleia Parlamentar Paritária ACP-UE: Comitésobre o Desenvolvimento Económico, Finanças eComércio, 03.03.2008 [DT\704928EN & APP 100.249].

Reforçar aEFICACIA DA AJUDA:uma perspectiva ACPKadré Désiré Ouedraogo

EFICACIA DA AJUDA: POSTURA DO GRUPO ACP E DA

COMISSÃO EUROPEIA

Paisagem de Madagáscar. © EC

Cortesia da Embaixada do Burquina Faso

Presidente do Comité de Embaixadores ACPS. Ex.ª o Embaixador do Burquina Faso

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PALAVRAS

N. 6 N.E. – JUNHO JULHO 2008 5

Por vezes, são as questões mais sim-ples que nos deixam perplexos:“Porque é que”, perguntava-me umajovem numa sessão de apresentação

a estudantes italianos, “ainda há pobreza ape-sar de todos os esforços das políticas de desen-volvimento?”Se a pergunta viesse de uma perito, a respostateria sido mais simples. Ter-lhe-ia falado dosindicadores de pobreza, mencionando que, nosprimeiros cinco anos deste século, há mais 24%de crianças que vão à escola, tentando demons-trar que foi a política de desenvolvimento quefez a diferença. Mas o ponto crucial é que aindaexiste pobreza absoluta em grande escala etemos que fazer mais e melhor para a reduzir.Convenhamos que a estudante tinha razão. É por isso que não podemos falhar em Acra.Não é repetindo as promessas que fizemos naDeclaração de Paris de 2005, dizendo e repe-tindo que queremos coordenar a ajuda aodesenvolvimento que o conseguiremos.Quando os ministros dos países doadores e emdesenvolvimento se reunirem de 2 a 4 deSetembro para abordar a eficácia da ajuda,terão de passar da retórica à acção. Isso seráum teste crucial para Acra.Os países doadores ainda têm muito que provar.Mas os nossos países parceiros também têm defazer a sua parte: têm de desenvolver uma visãodo que pretendem mudar nos seus países, assu-

mir a liderança dos programas e executá-los.Mas é da nossa maior responsabilidade termosa certeza de que o dinheiro que gastamos é bemgasto – só a Comissão Europeia e os Estados-Membros gastaram 46 mil milhões de euros em2007, o que é mais de metade da ajuda mundialoficial ao desenvolvimento. É claro que a UE fez progressos consideráveisnos últimos três anos, com inúmeros bonsexemplos, especialmente no domínio da coor-denação da ajuda. Mas há ainda muito porfazer. Temos que passar desta fase de teste àacção concreta numa escala mais alargada.Mais do que subscrever uma magnífica decla-ração escrita, preparada de antemão pelosembaixadores, temos de ter uma discussãofranca que se traduza num plano de acção con-creto, para ser seguido por todos os países,tanto doadores como parceiros.Concretamente, a Comissão Europeia propõeque as acções se concentrem em quatro áreasessenciais: A previsibilidade da ajuda: os doadoresdevem adoptar sistematicamente programasplurianuais que reflictam os compromissosfinanceiros plurianuais. A anualidade do orça-mento não é desculpa. É isso que a ComissãoEuropeia tem feito na última década!Utilização ao desenvolvimento de sistemaspor país: para reduzir a burocracia nos paísesem desenvolvimento, os países doadores

devem ter mais em conta a situação do paísparceiro, adaptando as suas contribuições aosseus ciclos orçamentais, aos seus quadrosregulamentares e aos seus procedimentos deadjudicação. Uma abordagem baseada nos resultados:em vez de impor condições políticas ex antesem deixar aos países em desenvolvimentouma alternativa real e espaço para discussõespolíticas internas, devemos devolver-lhes oque lhes pertence. Os programas de ajudadevem ser orientados para efeitos e resultadosconcretos e mensuráveis, com o país parceirono posto de pilotagem.Divisão do trabalho: para limitar o númerode doadores a trabalhar nos países em desen-volvimento, os doadores devem ceder o lugara quem tenha melhores conhecimentos e coor-denar o seu trabalho. Não será fácil obter o resultado esperado.Alguns doadores contentar-se-ão com belaspalavras em vez de avançar para acções concre-tas, e alguns países parceiros contentar-se-ãocom uma retórica alto e bom som conservado-ra em vez de assumirem a sua parte de respon-sabilidade e de reformarem sistemas afectadospor uma má governação. Mas para se conseguiro resultado esperado não há outra alternativasenão trabalhar em conjunto, a nível da UE e anível internacional, para dar uma resposta posi-tiva às perguntas dos nossos jovens. �

Queremos ACÇÃO, não PALAVRAS

Stefano Manservisi

Três anos depois de se comprometerem a tornar a ajuda mais eficaz, os países doadoresdeparam-se com um teste crucial de credibilidade: na sua reunião em Acra, no Gana,terão de mostrar se passam ou não da retórica à acção real.

Director-Geral do Desenvolvimento,Comissão Europeia

Stefano Manservisi, Director-Geral da DGDesenvolvimento, e Giovanni Bersani, Presidente

Honorário da Convenção de Lomé, entrevistados por umaestudante na Reunião com as escolas de Bolonha, 9 de

Maio de 2008, A Europa no Dia das Escolas. Cortesia de Africa e Mediterraneo.

Pontos de vista

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Oriol Freixa Matalonga*

Os países ACP beneficiam do novo destaque sobre a cultura eo desenvolvimento. O sector é uma das onze áreas centraisda política espanhola de cooperação para o desenvolvimen-to. Nesse âmbito, estão a ser desenvolvidas sete novas áreas:

formação de capital humano para a gestão cultural; aspectos políticos dacultura; aspectos económicos da cultura; educação e cultura, patrimóniocultural; comunicação e cultura e direitos culturais. Foram elaborados pro-gramas específicos como, por exemplo, ACERCA (gestão cultural), FOR-MART (educação e cultura) e apoio a empresas recentemente criadas(economia e cultura). Está a ser alargado o programa de subsídios à coo-peração científica, visto serem os recursos disponíveis para o programadestinados a encorajar a cooperação interuniversidades e estabelecimentosdo ensino superior, tanto na África como na América Latina.Com a aplicação do Plano África, está a ser promovida uma aberturacrescente aos países ACP e, especialmente, aos países africanos dogrupo. A Rede de Centros Culturais Espanhóis no Estrangeiro (151 cen-

tros em 107 países) tem sido reforçada, uma vez que há espaço para ointercâmbio cultural e o diálogo através da criação da Casa África, CasaÁrabe, Casa Ásia, Casa Sefaradi (sefardita) e Casa América Catalunya.Também tem sido dado mais apoio a uma rede de bibliotecas árabes efoi criado o Cinema do Fórum de Apoio ao Hemisfério Sul.Paralelamente, o Banco de Boas Práticas em projectos de cultura edesenvolvimento recentemente criado recolhe registos de resultadosbem-sucedidos e avalia o impacto da cooperação cultural.Há igualmente apoio adicional para instituições multilaterais centradasna cultura, tais como as iniciativas financiadas pela UNESCO para asregiões africanas, e para a iniciativa de espaço cultural ibero-america-na, a fim de criar novos programas importantes. A Espanha tambémaumentou a sua presença nas organizações e instituições internacionaisatravés de agendas culturais. Além disso, o Fundo para os Objectivos do Milénio Espanha-Programadas Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) fez recentementeda cultura e do desenvolvimento uma das cinco prioridades básicas,atribuindo mais de 95 milhões de dólares dos EUA a esse objectivo.Entre os seus beneficiários iniciais, encontram-se vários países ACP:Etiópia, Mauritânia, Namíbia, Senegal e Moçambique.A nível internacional, a assinatura da Convenção da UNESCO sobre aProtecção e Promoção da Diversidade de Expressão Cultural ilustra aposição do país de que a diversidade cultural é uma força motriz dedesenvolvimento. A nova estratégia também está em sintonia com adeclaração de política ACP de Dacar de 2003, o plano de acção dasindústrias culturais ACP e a declaração de Santo Domingo de 2006.As estatísticas contidas no Relatório do Comité de Ajuda eDesenvolvimento, que contém uma avaliação da Cooperação Espanholanos últimos cinco anos, mostra que a Espanha está em posição ideal parasatisfazer os seus objectivos de cooperação e desenvolvimento e respei-tar o compromisso do Primeiro-Ministro Rodríguez Zapatero de alcan-çar o objectivo de afectar, até 2012, 0,7% do Produto Interno Bruto(PIB) à cooperação para o desenvolvimento. Isto significa que a Espanhaestá bem posicionada para ser um dos principais fornecedores globais daAjuda Pública ao Desenvolvimento num futuro próximo. �

* Perito em cooperação cultural internacional

Para mais informações, consultar o sítio web:http://www.aecid.es/09cultural/02ccult/9.2.1.htm

6

P erspectiva

Novo foco cultural daCOOPERAÇÃO espanhola

Oriol Freixa Matalonga*

A cultura como objectivo de desenvolvi-mento humano está a ser fomentada peloGoverno do Primeiro-Ministro de Espanha,José Luis Rodríguez Zapatero. Já está a darfrutos esta estratégia inovadora, lançadano final de 2007, que marca uma mudançaradical nas relações entre cultura e desen-volvimento. A nível internacional, a assina-tura da Convenção sobre a Promoção daDiversidade da Expressão Cultural daOrganização das Nações Unidas para aEducação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)pela Espanha, mostra que o país acreditana diversidade cultural como força motrizde desenvolvimento.

Projecto de formação e atelier de dançacontemporânea em Angola, da empresa Fernando

Hurtado, financiado pela AECID. © AECID

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N. 6 N.E. – JUNHO JULHO 2008

Uma tróica da União Europeia condu-zida por Tjasa Zivko, em nome daPresidência eslovena, esteve emFiji, em 19 e 20 de Junho, para ava-

liar a evolução política, incluindo as medidastomadas pelo governo provisório com vista arealizar eleições legislativas em Março de 2009. Posteriormente ao golpe de Estado militar docontra-almirante Frank Bainimarama, emDezembro de 2006, o governo provisório assu-miu, em Abril de 2007, uma série de 13 com-promissos na sequência de conversações comrepresentantes do Grupo ACP (África,Caraíbas e Pacífico) e da UE, a título do artigo96° do Acordo de Cotonu. A deposição deLaisenia Qarase, Primeiro-Ministro eleitodemocraticamente, foi considerada comoconstituindo uma violação dos “elementosessenciais” do Acordo de Cotonu, de que Fiji éparte signatária – respeito pelos direitos huma-nos, pelos princípios democráticos e peloEstado de direito. A delegação da UE quis ser informada da datadas eleições e da natureza da “Carta do Povo”em matéria de reforma constitucional. Foi ditoà delegação, que também incluía PatrickRoussel, embaixador francês, em representa-

ção da próxima Presidência da UE, e RogerMoore, director da Direcção-Geral doDesenvolvimento da Comissão Europeia, quea elaboração de uma proposta de “Carta doPovo pela Reforma e o Progresso” poderia vira atrasar o calendário eleitoral. Segundo o FijiTimes, Aiyaz Sayed-Khaiyum, procurador-geral interino de Fiji, teria dito à tróica da UEque a reforma eleitoral era necessária para queas eleições em Fiji se processassem por sufrá-gio universal e se distanciassem da institucio-nalização da etnicidade. A delegação da UEavistou-se igualmente com Laisenia Qarase,primeiro-ministro deposto. Uma delegação de embaixadores ACP tambémse deslocou a Fiji de 12 a 16 de Maio para pro-ceder à sua própria avaliação. Ratu EpeliNailatikau, ministro dos NegóciosEstrangeiros, Cooperação Internacional eAviação Civil do governo provisório de Fiji,declarou, em 13 de Junho, numa reunião deministros ACP em Addis Abeba que “o paísestava empenhado em realizar eleições demo-cráticas, livres e transparentes em Março de2009”. Destacou algumas das medidas jáadoptadas, nomeadamente a nomeação, no fimde Maio de 2008, de um novo supervisor elei-

toral e afirmou que atribuíra uma dotação doOrçamento de Estado de 2008 para suportar ostrabalhos preparatórios da eleição, incluindo aelaboração dos cadernos eleitorais. Afirmouainda estarem em curso negociações com aComunidade Britânica, a Assembleia ACP-UEe o Fórum das Ilhas do Pacífico sobre a evolu-ção política. Nos bastidores da reunião da Organização dasNações Unidas para a Alimentação e aAgricultura (FAO) em Roma, Louis Michel,Comissário europeu, advertiu o contra-almi-rante Frank Bainimarama que os fundos pro-postos para compensar a queda no preço doaçúcar vendido à UE, decorrente da reformado sector açucareiro da UE, podiam ser conge-lados se não fosse cumprida a promessa derealizar eleições até Março de 2009. LouisMichel, reconhecendo embora os problemasexistentes no actual sistema eleitoral de Fiji,declarou, numa reunião franca com o presi-dente interino, que a reforma eleitoral nãopodia servir de desculpa para atrasar as elei-ções. Segundo informações colhidas junto defuncionários comunitários, asseverou que emdemocracia só o eleitorado – e apenas este –podia referendar os políticos. �

7

Debra Percival

Visita de avaliação A FIJI

Bandeira das Ilhas Fiji. © iStockphoto.com/ Selensergen

Perspectiva

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Os ministros do grupo de naçõesdos 79 membros da África,Caraíbas e Pacífico (ACP), quese reuniram em Adis Abeba

(Etiópia) de 9 a 11 de Junho, têm dúvidas se osAcordos de Parceria Económica (APE) queestabelecem zonas de comércio livre entreEstados ACP e a UE se adequam às suasnecessidades de desenvolvimento.“Há o risco de estes pactos deformarem a inte-gração regional”, disse Mohamed AdmedAwalesh, Ministro da Solidariedade Nacionalde Jibuti, que presidiu à reunião dos ministrosACP. Esta mensagem foi apresentada com fir-meza aos seus 27 parceiros da União Europeia(UE) numa reunião conjunta, na capital daEtiópia, em 12 e 13 de Junho.“Embora os progressos feitos até agora emmatéria de negociações dos APE possam sercompatíveis com as regras da OMC, nós, naACP, receamos que elas não sejam adequada-mente compatíveis com as nossas necessida-des de desenvolvimento”, disse o Primeiro-Ministro da Etiópia, Ato Meles Zenawi.Enfrentando os condicionalismos de prazopara concluir os APE até 31 de Dezembro de2007, os Estados ACP puseram um termo àassinatura de acordos provisórios em blocos

comerciais mais pequenos, ou individualmen-te, e não em grupo como previsto inicialmen-te, disseram os ministros ACP. O Fórum dasCaraíbas, CARIFORUM, é o único organismoACP que assinou, até à data, APE completosem toda a região*.Os ministros também exprimiram a sua preo-cupação sobre a posterior erosão das preferên-cias comerciais em matéria de açúcar e debananas nas conversações da OrganizaçãoMundial do Comércio (OMC) em curso.Numa declaração, disseram que seria extrema-mente difícil associarem-se a qualquer consen-so na ronda de negociações da OMC em Dohasem um “tratamento adequado” para estes pro-dutos. E o alto nível dos preços do petróleo,que provocou o aumento dos custos dos trans-portes, poderia minar a eficiência do montantede 1,24 mil milhões de euros dos fundoscomunitários já afectados às EstratégiasPlurianuais de Adaptação (MAAS) nalgunspaíses ACP produtores de açúcar, para com-pensar a redução de 36% do preço do açúcarda UE aplicável a partir de Outubro de 2009. Os Estados ACP pediram à ComissãoEuropeia garantias de que o açúcar não seráincluído como produto tropical na actual rondade negociações de Doha sobre o comércio

mundial e de manter a actual cláusula de sal-vaguarda especial para os derivados de açúcarcom elevado teor de açúcar. Pediram igual-mente à Comissão uma análise dos riscospotenciais dos compradores e importadoresque tentam tirar proveito da baixa de 36% dospreços a partir de Outubro de 2009. Os países ACP instaram os seus parceiros daUE a rejeitar qualquer proposta de reduçãodrástica da actual taxa de 176 euros por tone-lada aplicada às bananas importadas para aUnião Europeia provenientes de países nãoACP. O Dr. Arnold Thomas, Embaixador dosEstados das Caraíbas Ocidentais (ECS) emBruxelas, afirmou que a banana era, em todosos sentidos, uma questão “candente”. “Eladevora os nossos salários, devora os nossosmeios de subsistência, devora o nosso empre-go e devora o nível de desenvolvimentosocioeconómico que realizámos nas últimasquatro décadas”, disse aos ministros ACP.D.P. �

* O Fórum das Caraíbas (CARIFORUM) do grupo deEstados de África, Caraíbas e Pacífico (ACP) inclui:Baamas, Barbados, Belize, Domínica, Granada, Guiana,Haiti, Jamaica, São Cristóvão e Neves, Santa Lúcia, SãoVicente e Granadinas, Suriname, Trindade e Tobago e Cuba.Em 16 de Dezembro de 2007, a União Europeia celebrouum APE com todos os membros CARIFORUM, exceptocom Cuba.

PREOCUPAÇÕES COMERCIAISpesam sobre os ministros ACP

Membros do Comité de Acompanhamento Ministerial ACP doAlgodão reunidos na sua 87ª Sessão do Conselho de Ministros

ACP em Adis Abeba, Junho de 2008.© Robert Iroga

PerspectivaPerspectivaPerspectiva

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Preparativos para a Cimeira Preparativos para a CimeiraUE-ÁFRICA DO SUL

“Se cada autoridade local comos seus recursos (emboralimitados) decidisse gemi-nar-se com uma cidade, um

município, um distrito, uma província ou umaregião do Sul, o mundo mudaria e a pobrezadiminuiria rapidamente”, escreve o Comissáriodo Desenvolvimento, Louis Michel, numacarta aberta de 16 de Junho destinada às auto-ridades locais dos 27 Estados-Membros da UE.

A carta insta as autoridades locais da UE, quetenham planos de estabelecimento de relaçõescom um parceiro no Sul, a assinarem uma“convenção de geminação” no evento anualdas Jornadas Europeias do Desenvolvimento(JED), organizado pela Comissão Europeia emEstrasburgo, França, de 15 a 17 de Novembro.O tema central das JED 2008 é o papel das“autoridades locais no desenvolvimento”.Neste contexto, muitas autoridades locais da

União Europeia já efectuaram acordos degeminação ao abrigo dos quais foram elabora-dos projectos com muito sucesso a custosmuito baixos.As autoridades locais que adiram a esses pla-nos de geminação e estejam interessadas emselar o seu compromisso durante as JED,podem apresentar as suas propostas àComissão Europeia antes de 20 de Setembro:[email protected] D.P. �

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Novas áreas de cooperação e dife-renças de pontos de vista sobre asfuturas relações comerciais entre aÁfrica do Sul e a União Europeia

(UE) eram os temas que figuravam no topo daagenda da reunião interministerial realizadaentre as duas partes em Liubliana, capital daEslovénia, em 3 de Junho, antecedendo a pri-meira cimeira UE-África do Sul em Bordéus,França, em 25 de Julho. Na reunião co-presidida por Nkosawana DlamniZuma, ministro dos Negócios Estrangeiros daÁfrica do Sul, e por Dimitrij Rupel, ministro dosNegócios Estrangeiros da Eslovénia, o diálogopolítico cobriu um leque tão vasto de questõescomo a situação no Zimbabué e a crise noMédio Oriente. Nela participaram igualmenteLouis Michel, Comissário responsável pelo

Desenvolvimento e Ajuda Humanitária, e Jean-Christophe Belliard, enviado pessoal da PolíticaEstrangeira e de Segurança Comum da UniãoEuropeia (PESC) para África. Apesar de a África do Sul ser um dos 79 mem-bros do Grupo ACP (África, Caraíbas ePacífico) celebrou acordos bilaterais decomércio e ajuda para o desenvolvimentoseparados com a UE. As duas partes mostra-ram-se empenhadas em prosseguir as conver-sações para a conclusão de um Acordo deParceria Económica (APE) reciprocamentevantajoso – um acordo de comércio livre –entre os 14 membros da Comunidade deDesenvolvimento da África Austral (SADC) ea UE. Não obstante, a África do Sul chamou aatenção para as dificuldades levantadas à suaagenda de integração regional pelo facto de a

UE ter rubricado um APE “parcial” com osparceiros da União Aduaneira da ÁfricaAustral (SACU) – Botsuana, Lesoto, Namíbiae Suazilândia – organização de que a África doSul também é membro. A UE declarou esperarque as conversações com os Estados ACP quetinham rubricado os APE parciais culminas-sem em acordos plenos até ao fim de 2008,incluindo outros domínios de comércio comoos serviços e os contratos públicos. A Áfricado Sul frisou não haver do seu lado qualquercompromisso relativamente a tal calendário, jáque não era parte no acordo parcial.Na mesa da cimeira estarão presentes novasáreas de cooperação bilateral – paz e seguran-ça, cooperação em matéria de ambiente, ciên-cia e tecnologia, regime aduaneiro, energia,migração e transporte. D.P. �

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DESENVOLVIMENTO

Ismail Farouk, GHB626GP, 2006,Cortesia ZA - young art from South Africa, Palazzo

delle Papesse, em Sena

Perspectiva

Acções de geminação para o

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por Marie-Martine Buckens

Os “revoltados da fome” lembramaos dirigentes do mundo inteiro,demasiado propensos nestedomínio a aplicar a política da

avestruz: a crise alimentar é real. É de uma talamplitude que força os peritos e os governos arepensar as políticas agrícolas existentes. Acrise não resulta de uma penúria global – comopretendem alguns, agitando regularmente oespectro do sobrepovoamento – mas de umadisfunção mais profunda. O mundo descobrecom espanto – e é particularmente verdadepara a União Europeia a 15, onde os agriculto-res representam apenas 1,6% da populaçãoactiva, mesmo se esta percentagem quaseduplicou com a adesão de 10 Estados daEuropa Central e Oriental – que a agriculturafoi sempre a base sobre a qual se construíramos Estados. A auto-suficiência alimentar daspopulações é uma condição prévia à instaura-ção de outras políticas. É pois gigantesca aobra que espera os dirigentes do mundo. Paraalguns (ler a entrevista de Matthieu Calame), aúnica solução a longo prazo passa pela criaçãode uma Política Agrícola Mundial. �

CRISE ALIMENTAR D ossier

Arroz de Bouaké. © Fataiphotorush

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DossierCrise alimentar

N. 6 N.E. – JUNHO JULHO 2008 1111

Antes de mais, há os números que dãovertigens. Triplicação do preço dotrigo desde 2000 – 130% de aumen-to só em 2007 –, duplicação do

preço do arroz e do milho no mesmo período. Oarroz prossegue a sua escalada louca, visto queo seu preço na Ásia duplicou novamente nos pri-meiros três meses de 2008, atingindo, em Maio,níveis recorde no mercado de futuros deChicago. E estimativas: a Organização dasNações Unidas para a Alimentação e aAgricultura, a FAO, avalia em 107 mil milhõesde dólares o custo total das importações degéneros alimentícios dos países mais pobres em2007, ou seja, 25% mais do que em 2006.Finalmente, as suposições: até onde irá o preçodo barril de petróleo? Um barril que, no início de2008, já ultrapassava os 100 dólares, ou seja, umaumento de 72% só em 2007, agravando namesma proporção o custo da produção de adu-bos e de pesticidas. A isso acresce “o efeito dosbiocombustíveis”: o entusiasmo da Europa e dosEstados Unidos, nomeadamente, por estas cultu-ras energéticas contribuiu para o alinhamentodos preços dos alimentos pelo do ouro negro.A escalada dos preços dos alimentos afectouseveramente as economias fragilizadas. Nototal, há cerca de 40 países confrontados comuma crise alimentar, mesmo em países tradi-cionalmente auto-suficientes, como a Costa doMarfim, ou exportadores, como o Egipto. NoHaiti, no Bangladesh ou nos Camarões, aspopulações exprimiram a sua revolta na rua.Sem esquecer a Guiné, a Etiópia, os Camarõesou a Mauritânia. Ou ainda o México, onde opreço do alimento de base, a tortilla de milho,aumentou 14% em 2006, e a Indonésia, onde opreço do arroz duplicou num ano.

> Será um fenómeno temporário?

Não, pensa a maior parte dos especialistas. Ealguns sublinham que a escalada actual dos

preços sucede a 30 anos de preços particular-mente baixos, para não dizer de dumping, anível mundial. “Os tempos da alimentação abaixo preço internacional pertencem ao passa-do”, declarava no Parlamento Europeu, em 22de Abril deste ano, o Comissário Europeu doDesenvolvimento, Louis Michel, que prosse-guia: “Os preços dos produtos alimentares nãovoltarão aos níveis do passado e a sua volatili-dade pode aumentar, se não forem tomadasmedidas rapidamente.” No entanto, os preçosdeverão baixar, “mas apenas ligeiramente”,precisa Marc Debois, chefe de sector naUnidade de Recursos Naturais da Direcção deDesenvolvimento da Comissão Europeia. Eacrescentou: “A volatilidade dos preços deve-ria caracterizar-se por picos mais frequentes,um pouco como o que se verifica, nas devidasproporções, em matéria de clima.”

> Será penúria alimentar?

Também não. Nas suas Perspectivas sobre aAgricultura Mundial no horizonte 2015-2030,a FAO afirma: “A baixa das taxas de cresci-mento da produção agrícola e do rendimentodas culturas, a nível mundial (…) nos últimosanos não resulta da falta de terras nem deágua, mas do abrandamento da procura deprodutos agrícolas”. Porquê? Uma populaçãomundial cuja taxa de crescimento começa adiminuir; mas também “o facto de se atingirhoje, em muitos países, níveis de consumoalimentar por habitante bastante elevados, enão se pensa que poderão aumentar muitomais”. No entanto, acrescenta a FAO, “tam-bém é verdade que uma parte da populaçãomundial, que se mantém obstinadamente ele-vada, continua a viver numa pobreza extremae, por conseguinte, não dispõe dos rendimen-tos necessários para traduzir as suas necessi-dades em procura efectiva”. Manifestamente, a procura está no auge, quer

por efeito de saturação – nos países ricos –quer, mais prosaicamente, porque uma franjaimportante da população mundial não dispõede meios para comprar o seu pão quotidiano.Por isso, a FAO prevê que o crescimento daprocura mundial de produtos agrícolas, queera em média de 2,2% nos últimos 30 anos,caia para 1,5% por ano nos próximos 30 anos.Nos países em desenvolvimento, o abranda-mento será ainda mais espectacular, de 3,7%para 2%. Isto deve-se, em parte, à procura deprodutos alimentares pela China ter ultrapas-sado a fase de crescimento rápido. Resta esta“proporção obstinadamente forte” da popula-ção mundial que não tem meios para pagar osalimentos a um preço que, in fine, reflecte oshumores comerciais dos grandes exportado-res: suficientemente baixo, desde há 30 anos,para abafar a produção local e torná-la depen-dente de produtos de base importados, edemasiado alto actualmente para os poderpagar. “A globalização em matéria de alimen-tação e de agricultura, estima por seu lado aFAO, dá esperanças mas não descarta proble-mas. Permitiu, no conjunto, reduzir a pobrezana Ásia.” No entanto, reconhece, “tambémprovocou a expansão das sociedades alimen-tares multinacionais, que têm o potencial paradominar os agricultores em muitos países”. Econcluiu: “Os países em desenvolvimentodevem dispor de quadros jurídicos e adminis-trativos que lhes permitam enfrentar as amea-ças, colhendo ao mesmo tempo os benefí-cios.” Hoje, a noção de auto-suficiência ali-mentar ganha, enfim, alguns galões.M.M.B. �

Sementes da ira,sementes de mudança

Após as “revoltas da fome”, passado o primeiro choque, os analistas fazem as contas.Sim, os preços atingiram níveis recorde, mas eram singularmente baixos desde há 30anos. Sim, certas regiões do mundo têm um défice agrícola, mas a penúria global éuma ilusão. Breve exame da situação com base nos números da FAO.

Palavras-chaveRevoltas da fome; preços alimentares;penúria alimentar; globalização; multina-cionais agroalimentares; Haiti; Camarões.

CRISE

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“Aajuda de emergência énecessária, mas deve serlimitada no tempo”,declarou em 5 de Junho,

em Roma, Louis Michel. O ComissárioEuropeu do Desenvolvimento referia-se aos3,20 mil milhões de euros prometidos pordiversos doadores, nomeadamente pelo BancoMundial, pelos Estados Unidos, pelo BancoIslâmico de Desenvolvimento e pela França,sem esquecer os 550 milhões de euros já mobi-lizados pela Comissão Europeia. “Estou con-victo”, prosseguiu Louis Michel, “que estaajuda de emergência deve ser limitada notempo e que é necessário autorizar limitesvoluntariosos para assegurar uma transiçãorápida para mecanismos de segurança alimen-tar de natureza estrutural”.Do mesmo modo que o Banco Mundial emAbril último, ou ainda o Ministro francês daAgricultura, Michel Barnier, o Comissário do

Desenvolvimento reconheceu: “Após anos desubinvestimento – ou mesmo de desinteressepelo sector do desenvolvimento rural – oregresso da agricultura assumiu um papel pre-ponderante.” Mas a Comissão Europeia negater sido apanhada desprevenida. “A crise ali-mentar empurrou para a actualidade políticadossiês preparados há meses pelo executivoeuropeu”, explica Marc Debois, chefe de sectorna Direcção-Geral do Desenvolvimento daComissão Europeia, responsável pelos recursosnaturais. Um deles, importante, é o que abordaa agricultura em África (ler o artigo seguinte).

> Ajuda europeia

Mais globalmente, retoma-se o ProgramaEstratégico da União Europeia para aSegurança Alimentar. Em 2007, este instru-mento foi cindido em dois: por um lado, aajuda humanitária de emergência, entregue

AGRICULTURAQuando a AGRICULTURAse convida para a mesa dos grandes

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Dossier Crise alimentar

Encerramento da conferência de imprensa peloDirector-Geral. Conferência de alto nível relativa àSegurança Alimentar Mundial: Desafios das AlteraçõesClimáticas e Bioenergia. Organização das NaçõesUnidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO),Roma, 3 a 5 de Junho de 2008. © FAO/Giulio Napolitano

Mary Chinery-Hesse, Conselheira Principal doPresidente da República do Gana, na sua alocução no

High Level Segment. © FAO/Giulia Muir

Louis Michel, Comissário Europeu doDesenvolvimento e da Ajuda Humanitária, na sua

alocução no High Level Segment.© FAO/Giulia Muir

Prevista há muito tempo, a Cimeira da FAO, que reuniu 180 nações em Roma nopassado mês de Junho, isto é, alguns meses apenas depois das primeiras revoltas dafome, foi uma decepção. O seu fracasso relativo revelou a falta de visão a longo prazodas nações sobre a política a adoptar em matéria agrícola. Prevaleceu a defesa dosinteresses a curto prazo: supressão das subvenções para uns, defesa dos biocombustíveispara os outros. Mas uma só reunião não podia dar respostas a desafios piedosamenteignorados pela maioria das instituições financeiras internacionais. Lado positivo: todosreconheceram, em Roma, que a agricultura é um assunto demasiado sério para serdecidido unicamente através de milhares de milhões de euros de ajuda alimentar.

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pela direcção ECHO da Comissão Europeia,por outro um programa de financiamento deactividades regionais ou globais relativas àsegurança alimentar. Cada linha beneficia decerca de 250 milhões de euros por ano. “É atítulo desta segunda linha”, explica MarcDebois, “que nós financiamos, nomeadamen-te, o programa de alerta da FAO. Além disso,as acções financiadas devem estabelecer aligação entre ajuda de emergência e desenvol-vimento e só são financiadas se existir umaestratégia operacional com o país em causa”. O programa estratégico foi estabelecido para operíodo 2007-2013. Neste quadro, a segundalinha de actividades regionais já foi objecto deuma programação até 2010 e beneficia de umorçamento de 925 milhões de euros. “Vamosutilizar este instrumento, pelo menos em parte,para combater a crise alimentar actual”, disseMarc Debois. Resta a primeira linha, a daemergência. “Já foram gastos 230 milhões deeuros, desde o início de 2008, a título da ajudaalimentar de emergência, independentementedo país”, indica Marc Debois que acrescenta:“Para responder aos pedidos, foi solicitado umaumento de 60 milhões de euros, utilizando areserva orçamental.” Esta ajuda, sublinha ele,“deveria ser concedida utilizando, se possível,a produção local ou regional”.

> Voltar-se para os países mais necessitados

Tratando-se dos países ACP, a UE previu umaverba especial de ajuda de emergência no qua-dro do Fundo Europeu de Desenvolvimento(FED). Foram afectados 200 milhões para o ano2008. Mas estes fundos só serão concedidos seresponderem a condições estritas. A começarpelo pedido oficial de ajuda do país em causa.Em seguida, se possível, por uma avaliação cor-recta das necessidades. “O risco”, acrescentaMarc Debois, “é que alguns Estados-Membrosdêem a sua preferência a certos países. Trata-se,pois, de assegurar uma selecção correcta para

evitar que alguns países se encontrem ‘órfãos’ou ‘demasiado ajudados’”. “De momento, e após um rápido inquérito juntodas delegações da Comissão nos países tercei-ros – qual foi o impacto real da crise sobre ospreços, se houve aumento, se causaram de factoproblemas, quais foram as medidas tomadaspelos governos e quais são os riscos de agrava-mento, tanto a nível alimentar como político –,identificámos três dezenas de países aos quaispoderíamos conceder ajuda”, referiu.

> Prioridade ao desenvolvimentorural

A mais longo prazo, e alertada nomeadamentepor um relatório do Banco Mundial que, em2007, fazia mea culpa e insistia na necessida-de de reorientar os financiamentos para a agri-cultura, a Comissão Europeia decidiu reabili-tar este sector. “Apoiar uma política agrícolacoerente, criar oportunidades, foi tudo descu-rado desde há vinte anos”, reconhece MarcDebois, lembrando que a ajuda concedidaanteriormente pela UE representava 20% doseu orçamento total de ajuda ao desenvolvi-mento, contra 3,4% hoje. O último (e 10.°)Fundo Europeu de Desenvolvimento progra-mado para o período 2008-2013, corrige estacarência. “O desenvolvimento rural no seuconjunto beneficia de uma duplicação das ver-bas, ou seja, 1,2 mil milhões de euros no âmbi-to do 10.° FED contra 650 milhões de euros noanterior”, declarou, em Roma, Louis Michel.E acrescentou: “Isso nem sempre foi fácil:tivemos que arranjar argumentos para conven-cer os nossos parceiros da necessidade de seempenharem mais neste sector.”

> Integração regional e governação

A agricultura é, acima de tudo, uma questão decriação e organização dos mercados agrícolaslocais e regionais, lembrou o Comissário

Europeu do Desenvolvimento. “Seria possíveldiminuir cerca de um terço das penúrias ali-mentares do mundo”, sublinhou ele em Roma,“melhorando as redes de distribuição e ajudan-do a ligar melhor os pequenos agricultores aosmercados”, defendendo uma integração regio-nal, indispensável na luta contra a insegurançaalimentar. Por último, é necessário reforçar agovernação alimentar mundial. “Pensonomeadamente na FAO”, declarou LouisMichel, em Roma, “que tem de voltar a seruma agência de primeiro vulto”. E insistiunuma melhor coordenação entre doadores: “AComissão considera que a resposta da Uniãodeverá coadunar-se com iniciativas maisamplas, tais como a lançada pelo Secretariadodas Nações Unidas (o CFA – ComprehensiveFramework for Action – Quadro exaustivo deacção) e o recente apelo da FAO a uma inicia-tiva global sobre os preços agrícolas (ISFP–Initiative for Soaring Food Prices).”M.M.B. �

Palavras-chaveMarie-Martine Buckens; Louis Michel;Jacques Diouf; ajudas de emergência;comércio; OMC; pequeno agricultor.

Dia de abertura da Conferência de alto nível relativa àSegurança Alimentar Mundial: Desafios das AlteraçõesClimáticas e Bioenergia. Organização das Nações Unidaspara a Alimentação e a Agricultura (FAO), Roma, 3 a 5 deJunho de 2008. © FAO/Giulia Muir

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Na sua opinião, quais são as razões da crise alimentar quealastra há meses nos ACP?

No meu entender, uma das razões é que estes países não sãoEstados, na acepção histórica do termo. Saíram das colónias.O problema é estrutural. Os que se desenvolveram não passa-ram por uma etapa indispensável que é a criação de mercadointerno. Tomemos o caso do Japão: a sua primeira preocupa-ção foi erigir direitos aduaneiros para poder produzir.Inversamente, estes países, principalmente em África, manti-veram-se fornecedores de matérias-primas.Ora, assistimos a 30 anos de queda dos preços agrícolas,devido principalmente às subvenções concedidas pela Europae os Estados Unidos aos seus agricultores. É este “par infer-nal” o principal responsável pela crise actual. Como diz umprovérbio africano: “Quando dois elefantes se batem, é a ervaque sofre.” Ao baixar os preços dos produtos alimentares,abafaram os países que não dispunham de meios para subven-cionar a sua agricultura. Os pequenos agricultores deixaramde produzir e assistiu-se à constituição de uma “plebe” urba-na, pouco produtora. Instala-se um círculo vicioso. Os gover-nos destes países estão apanhados entre dois imperativos con-traditórios: aumentar os preços para salvar a sua produção oudiminuí-los para os consumidores.A isto acresce ainda a especulação sobre as matérias-primas, aque eu chamaria uma doença de oportunidade, porque só é pos-sível num mercado muito tenso. Outra doença oportuna: osbiocombustíveis, desenvolvidos para absorver os excedentesdos países que subvencionam a sua agricultura, como é o casotipicamente dos Estados Unidos ou da Europa, onde os bio-combustíveis emergiram quando foi criado o sistema de poisiodas terras, condição necessária à prossecução das subvenções.Mas existe uma segunda causa da situação actual, muitas vezesmal conhecida: estes países não desenvolveram uma fiscalidadeadequada. O aparelho de Estado é essencialmente financiadopelos impostos sobre os produtos de importação e de exportação.Assim, num país como o Burquina Faso, é a exploração agríco-la, de algodão essencialmente, que financia o Estado, o que otorna particularmente vulnerável às flutuações de preços destamatéria. Ora, o que é importante é a riqueza criada internamen-te. A UE poderia desempenhar um papel importante ajudandoestes países a criar bons planos de fiscalidade, ajudando-os aomesmo tempo a conceber o seu desenvolvimento de outra forma.

Dossier Crise alimentar

“Necessitamos de uma política agrícola MUNDIAL”

Recolha das colheitas, Etiópia. © François Misser

Agricultor etíope ocupando-se dassuas culturas. © François Misser

Encontro com Matthieu Calame, engenheiro agrónomo, perito na Fundação CharlesLéopold Mayer e autor de La tourmente alimentaire - Pour une politique agricolemondiale (Ed. CLM,- Abril de 2008)*.

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É uma primeira acção que a UE poderia desenvolver a médio prazo. Ea curto prazo?

Não se pode fazer a economia de ajudas a curto prazo, mesmo se foremmás a longo prazo. Resta saber como vão ser distribuídas, e por quem,estas ajudas. Outra regra importante a respeitar: comprar, se possível,produtos locais e associar os sindicatos agrícolas, se existirem. Estaajuda a curto prazo não está isenta de efeitos perversos. A fome existetanto nas zonas urbanas como rurais – um produtor de algodão tambémpode estar em situação de fome. Mas muitas vezes, por uma questão deestabilidade política, o abastecimento começa pelas cidades, o que pro-voca um fluxo maciço dos agricultores para as cidades. Não tenho nenhuma solução milagrosa. De um modo global, veria combons olhos um sistema – que, aliás, existia no século XIX na Europa, asfamosas “Oficinas de Estado” – onde cada um está ligado a umMunicípio, onde a população se dirige em caso de crise. Trata-se de umprocesso de descentralização e não creio que possamos escapar a ele.Na Europa, vigora este processo: porque não apoiar uma descentraliza-ção deste tipo nestes países?

A longo prazo, que preconiza como modelo de relações entre a UE e osACP, em matéria agrícola?

Antes de mais, recorde-se que estes países não se emanciparam domodelo económico que os liga à metrópole, quando os laços de solida-riedade com esta se esvanecem. Do lado europeu, não temos uma diplo-macia integrada. Perdura portanto, e com frequência, um clientelismo,como é o caso da “Françafrique” ou do Reino Unido com as suas anti-gas colónias. Este clientelismo está no âmago do relacionamento entreos países ACP e a UE. Daí resulta uma falta de vontade de desenvolveruma produção concorrencial. Estes países não passaram pelas etapas,primeiro do proteccionismo, em seguida do desenvolvimento, e, porúltimo da diversificação da sua produção. Mas voltemos à sua pergunta, partindo da constatação que é primordialreinvestir nos instrumentos da terra. Não nos esqueçamos que o Estadosempre se construiu à volta da agricultura. A questão é: o que pode fazera UE tendo em conta a sua história, em especial a história da PolíticaAgrícola Comum (PAC)? Uma PAC relativamente bem conseguida –com as suas fraquezas, nomeadamente sociais e ambientais – porque foibaseada no princípio de um mercado unificado e regulado. E a hipóte-se que faço a longo prazo é que é do interesse de todos criar uma polí-tica agrícola mundial.

Na sua opinião, devia ser criada uma política agrícola mundial: mascomo ponderar os interesses de cada um?

Lembre-se das negociações entre a Alemanha e a França aquando dacriação da PAC: os Alemães queriam manter preços elevados para pro-teger a sua agricultura, quando Paris queria preços baixos para favore-cer as suas exportações. Os Alemães obtiveram o que queriam, mas, emcontrapartida – foi esse o “preço a pagar” – tornando-se no primeirocontribuidor líquido da Comunidade Europeia. Respeitadas as devidasproporções, teríamos de utilizar o mesmo raciocínio a nível mundial.Assim, pode-se imaginar que os países ricos paguem para ter um mer-cado livre – recorrendo aos seus recursos do mercado não agrícola. É incontestável que a sua criação é difícil, mas haverá alternativa? Senão há organização, em caso de crise, por mais pequena que seja, todoscomeçam por fechar as suas fronteiras. Assistimos a reacções rígidas daTailândia ou do Vietname que recusaram exportar o seu arroz. Estasreacções são a origem de conflitos enormes. Temos de desconfiar dos

cenários de retracção nacionais ou regionais. Por isso, a única alterna-tiva é o estabelecimento de acordos internacionais.

De acordo pelo longo prazo. Mas o que poderia fazer já a UE na cenainternacional?

Talvez a UE pudesse apresentar à Organização Mundial do Comércio(OMC) propostas para ajudar os países ACP. Poderia consistir em relan-çar as negociações para permitir a estes países, não só beneficiar de exo-nerações sobre as tarifas para os produtos como a banana ou o açúcar –estes produtos “conforto” para nós, países ocidentais – mas propor oalargamento destas negociações a todos os produtos agrícolas. É verda-de, isso pode pôr problemas, nomeadamente à Tailândia, exportadora dearroz miúdo para o Senegal, mas porque não associá-la ao debate?M.M.B. �

* A fundação Charles Léopold Mayer para o progresso do homem (ex-fundação para oProgresso do Homem, daí a sua sigla fph) é uma fundação independente. O seu objectivoestatutário é muito vasto: financiar, através de dons ou de empréstimos, pesquisas e acçõesque concorrem, de forma significativa e inovadora, para a evolução do homem através daciência e do desenvolvimento social.

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Palavras-chaveMarie-Martine Buckens; Matthieu Calame; PAC (Política AgrícolaComum); subvenções; algodão; Burquina Faso.

Fotografia de Matthieu Calame. Cortesia de Matthieu Calame

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> O acesso à terra, desafio crucial

Em África, se cada país dispõe de um regimefundiário original, ele resulta o mais das vezesde um casamento forçado entre direito priva-do, importado pelos colonizadores, e direitocolectivo ou consuetudinário. Cada sistemafundiário arrasta consigo um modo de produ-ção: baseado na monocultura (com as culturasde exportação, como o café ou o amendoim),no modelo “ocidental”; multifuncional e, mui-tas vezes, mais respeitador dos equilíbrios eco-lógicos, no segundo caso. Mas o regime fun-diário não regula tudo. Outros factores têmmuito peso, a começar pela migração daspopulações que fogem dos conflitos e da misé-

ria, ou ainda o conflito que opõe os agriculto-res e os caçadores e as autoridades dos parquesnaturais.O caso sul-africano. A questão fundiária fazparte dos problemas que assustam a nova Áfri-ca do Sul. Mas, explica Thierry Vircoulon,autor de L’Afrique du Sud démocratique ou laréinvention d’une nation (Paris, L’Harmattan,2005), “em vez do problema fundiário, tem dese falar dos problemas fundiários!” Desde1994, explica ele, a reforma agrária tem difi-culdade em reequilibrar a repartição fundiáriaa favor das comunidades anteriormente espo-liadas: a imensa maioria das quintas ainda sãohoje propriedade dos Brancos e a imensamaioria dos trabalhadores de explorações agrí-

colas ainda são africanos, acrescentando:“Esta situação, que envenena as relações inter-raciais, dissimula um segundo problema fun-diário negligenciado erradamente: o das terrastribais.” Geridas pelas autoridades tradicionaismas pertencentes de jure ao Estado, estas ter-ras são cobiçadas por diversos grupos consti-tutivos do mundo rural africano, cujos interes-ses são divergentes, senão antagónicos. Osegundo problema fundiário da África do Sul– a destribalização da terra – emerge assimlentamente depois de dez anos de democracia.É necessário, pensa Thierry Vircoulon, “ultra-passar o discurso político dominante paracompreendermos que a questão fundiária sul-africana não é um confronto Brancos/Negros,

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Questões ABERTASAo reabilitar a auto-suficiência alimentar, os países em desenvolvimento deverãoresponder à questão – fontes de muitos conflitos – do acesso à terra. E também aolugar que estão dispostos a conceder aos biocombustíveis e aos OGM.

Campos de milho. © Fataiphotorush

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mas um problema que opõe também os grupossociais de um mundo rural africano que sedebate com uma transformação rápida e umagrande pobreza”.

> A falsa boa ideia dos biocombustíveis?

“É necessário gelar as subvenções e os inves-timentos destinados à produção de biocombus-tíveis.” É esse, pelo menos, o parecer deOlivier De Schutter, nomeado em Maio últimoRelator especial para o direito à alimentaçãopelo Conselho dos Direitos do Homem dasNações Unidas. Alguns esperavam um discur-so mais diferenciado, mas este eminente juris-ta belga retomou a iniciativa do seu calorosoantecessor, o suíço Jean Ziegler. Olivier DeSchutter sublinhava em Junho passado, na vés-pera da Cimeira da FAO: “Seriam necessárioscem milhões de hectares para produzir 5% doscombustíveis em 2015, e isso é muito simples-mente insuportável. Os objectivos dos EstadosUnidos de 136 mil milhões de litros de bio-combustíveis para 2022 e da União Europeiade 10% de biocombustíveis para os transportesem 2020 são irrealistas. Abandonando estesobjectivos, enviaríamos um sinal forte aosmercados que o preço das colheitas de génerosalimentícios não vai subir indefinidamente,desencorajando assim a especulação.”A UE, por sua vez, tem uma posição modera-da, argumentando nomeadamente sobre os

benefícios que poderiam advir dos biocombus-tíveis para os países em desenvolvimento queos cultivariam. Se os preços elevados que elesprovocam forem desfavoráveis aos consumi-dores, reconhece-se na Comissão Europeia,são, em contrapartida, muito benéficos para osprodutores. “A subida dos preços alimentaresnão deve ser sistematicamente consideradanuma perspectiva negativa”, lembrou LouisMichel, Comissário Europeu do Desenvolvi-mento, e prosseguiu: “Ela também é geradorade oportunidades para os países em desenvol-vimento que têm o potencial de exportar géne-ros alimentícios.” Os biocombustíveis tornar-se-iam então numa nova cultura de renda, aomesmo título que o algodão ou o café. Com orisco de os Estados se desviarem, como no pas-sado, de uma cultura de alimentos diversifica-da. Entretanto, várias empresas privadas jáadquiriram terras em África para produzir bio-combustíveis, principalmente a partir da pur-gueira (jatropa). É o caso, nomeadamente, emMoçambique, na Etiópia ou na Tanzânia. Põe-se novamente a questão do fundiário: em certoscasos, as empresas adquiriram as terras por umperíodo de 99 anos; é difícil ao Estado centralrecuperá-las se quiser aumentar a sua produçãoalimentar.

> Que fazer dos OGM?

Os organismos geneticamente modificados(OGM), sustentam os seus defensores, permi-

tirão produzir alimentos em terras marginais,em especial solos áridos, mas também produ-tos enriquecidos em vitaminas, sem contar queeles necessitam menos de pesticidas. São argu-mentos que convenceram vários países emdesenvolvimento, mesmo se os cépticos des-ses mesmos países se interrogam sobre oalcance destas qualidades. Uma coisa parececerta: os OGM só podem desenvolver-se numaeconomia agrícola já estruturada, onde os agri-cultores dispõem de fundos suficientes parapagarem sementes caras (e com patentes); oque explica o seu fracasso nomeadamentejunto dos produtores indianos de algodão, queacabam muitas vezes na ruína. O que explica,sem dúvida, também porque é que a Aliançapor uma Revolução Verde em África (AGRA),financiada por duas fundações americanas – ade Bill Gates e a de Rockefeller – e presididapelo ex-Secretário-Geral da ONU, KofiAnnan, declarou, numa primeira fase, não que-rer difundir os OGM em África. Numa primei-ra fase, porque a Aliança Verde tenciona recor-rer a ela na altura própria. Mas os OGM já estão bem implantados nal-guns países de África. Após a África do Sul,foi a vez do Burquina Faso que, em 2003, lan-çava culturas experimentais de algodão trans-génico, em colaboração estreita com a firmaamericana Monsanto. Em 2006, sete novospaíses africanos produtores de algodão(Benim, Mali, Chade, Camarões, Costa doMarfim, Gana e Togo), apoiados pelo BancoMundial, empenharam-se em criar um CentroRegional de Biotecnologia, decidindo “quealém dos adubos, tem de se integrar a questãodas sementes e a passagem aos OGM”. Alitambém se trata de apoiar uma cultura derenda, aliás em estado lastimável face aos pro-dutores subvencionados da Europa (pelomenos até 2000), dos Estados Unidos e daChina.Mas muitos analistas aceitam dizer que a crisealimentar é acima de tudo política e social eque é a capacidade de instaurar quem permitiráresolver o problema. E alguns receiam o avan-ço tecnológico que desvia do problema darepartição da produção e da capacidade dopoder de compra. É o parecer do próprio res-ponsável pela FAO, o senegalês Jacques Dioufque, pelo menos em 2006, declarava que osOGM em África “não são uma prioridade”para atingir os Objectivos de Desenvolvimentodo Milénio. M.M.B. �

Palavras-chaveMarie-Martine Buckens; Regime fundiário;África do Sul; terras tribais; conflitoBrancos/Negros; biocombustíveis; OGM.

Espaço para secagem do arroz. © Fataiphotorush

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O “potencial considerável”

O “potencial considerável” da África

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Dossier Crise alimentar

Adoptado na Cimeira de Maputo no decurso da segunda assem-bleia ordinária da União Africana, em Julho de 2003, oPrograma Integrado para o Desenvolvimento da Agriculturaem África (CAADP) apresenta o programa mais conseguido

dos países africanos para responder ao desafio da crise alimentar. EmMaputo, os dirigentes africanos empenharam-se a elevar até 10% dosorçamentos nacionais o apoio orçamental ao sector agrícola. Em confor-midade com os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), quevisam reduzir para metade a pobreza e a fome até 2015, o CAADP ambi-ciona 6% de crescimento anual no sector agrícola. Para isso, identificaquatro grandes domínios para os investimentos: terra e gestão da água,infra-estruturas rurais e capacidades de acesso aos mercados, alimentos eredução da fome e investigação agrícola e vulgarização.

> A revolução verde segundo a AGRA

O CAADP não é, porém, a única resposta africana. Entre as múltiplasrespostas sugeridas, há a famosa nova “revolução verde” apoiada por

duas fundações americanas – Rockefeller e Gates – e presidida pelo ex-Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan. Os promotores desta Aliança para uma Revolução Verde em África(AGRA) assinaram, na Cimeira da FAO, em Junho passado, um proto-colo com a FAO, o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola(FIDA) e o Programa Alimentar Mundial (PAM) para a “optimizaçãoda produção nas zonas dos ‘celeiros de trigo’ da África”. Esta nova parceria “visa agora fazer a diferença optimizando a produ-ção alimentar nas zonas que disponham de condições relativamentefavoráveis em termos de precipitação, solos, infra-estruturas e merca-dos”, explica um comunicado da FAO. Uma iniciativa que, segundo oseu presidente, faz parte da visão estratégica da AGRA para “estabele-cer parcerias que unam as forças e os recursos dos sectores público eprivado, da sociedade civil, das organizações de agricultores, dos doa-dores, dos cientistas e dos empresários de uma ponta à outra da cadeiade valores agrícola”. Além disso, acrescenta, “fará progredir o objectivo do CAADP daNPDA”.

Falar do “potencial considerável” deste continente, singularmente a África subsariana,é reconhecer a dramática situação alimentar em que ele se encontra actualmente. Masa África está a despertar, como se depreende das diversas iniciativas tomadas há algunsanos, nomeadamente e sobretudo o vasto programa de desenvolvimento agrícola daNova Parceria para o Desenvolvimento de África (NPDA) da União Africana (UA).

Kofi Annan, Presidente doOrganismo, AGRA, na cerimónia

de assinatura de um Memorandode Acordo entre a Aliança para

uma Revolução Verde em África(AGRA) e os responsáveis da FAO,

IFAD e WFP. Conferência de altonível relativa à Segurança

Alimentar Mundial: Desafios dasAlterações Climáticas e Bioenergia.

Organização das Nações Unidaspara a Alimentação e a Agricultura

(FAO), Roma, 3 a 5 de Junho de2008.

© FAO/Giulia Muir

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> A colaboração europeia“Acreditamos profundamente na abordagem do programa CAADP daNPDA”, refere Marc Debois, chefe de sector na DG deDesenvolvimento da Comissão Europeia, que prossegue: “Primeiro,pelo que ela promove, em seguida, porque, politicamente, ela permite-nos fortalecer os nossos laços com a União Africana.” De momento, aComissão Europeia interroga-se sobre o que coloca na “parceria” quepropõe na sua comunicação “Promover a agricultura africana”(Advancing African Agricultura), elaborada em 2007 e aprovada peloConselho de Ministros da UE. “A ideia”, prossegue Marc Debois, “écriar mesas-redondas nacionais onde os intervenientes – representantespolíticos, industriais, agricultores, ONG, etc. – definem uma políticaagrícola para o país. O Gana fê-lo”.

Na realidade, o documento da Comissão propõe uma acção simultanea-mente a curto e a longo prazo. Tratando-se do longo prazo, o documen-to favorece o apoio à investigação e ao desenvolvimento, prevendoembora acções para a gestão dos recursos naturais. Mas o curto prazomantém-se auspicioso. Estão previstos mecanismos de gestão de risco,assim como um programa de alerta tecnologicamente avançado, emcolaboração com a FAO, que já dispõe de um sistema de recolha deinformações, prevendo instrumentos que permitam ajudar os governoslocais, confrontados com uma crise, a utilizar as informações recolhi-das. M.M.B. �

DossierCrise alimentar

19N. 6 N.E. – JUNHO JULHO 2008

Palavras-chaveMarie-Martine Buckens; AGRA (aliança para uma revolução verde);Kofi Annan; arroz.

ALGUNS NÚMEROSA segurança alimentar e nutricionista continua a ser o

desafio fundamental da África. Cerca de 200milhões de habitantes deste continente sofrem de

subnutrição, o que corresponde a um aumento de 15%desde o início dos anos 90 e quase ao dobro da subnutriçãodo final da década de 60. Por sua vez, Jeffrey Sachs, conse-lheiro especial do Secretário-Geral da ONU e autor do livroLa Fin de la pauvreté, considera que serão necessários 8 milmilhões de dólares por ano para renovar a agricultura africa-na (contra 5 mil milhões de dólares para a Ásia e 3 milmilhões para o resto do mundo). Como fazer? A filosofia deJeffrey Sachs é simples: “Para superar esta crise, devemos aju-dar financeiramente os produtores agrícolas nos paísespobres, o que aumentaria a produção e, por conseguinte,faria baixar os preços. Isso ajudaria igualmente a diminuir aurgência actual.” Uma visão que não partilha a Comissão.“Opomo-nos a este tipo de ajuda vertical, a começar pelonosso Comissário”, faz questão de sublinhar Marc Debois,prosseguindo: “A situação é tão complexa que não podemossatisfazer-nos com ajuda específica que consistiria, por exem-plo, em inundar os agricultores com adubos, sem, previa-mente, assegurar estruturas de distribuição e conselhos deutilização.” �

SOLUÇÕESComo muitos países em desenvolvimento, os países

africanos dependem do exterior para o seu aprovi-sionamento de cereais. O que incendiou a situação

com a explosão dos preços alimentares. Uma das soluçõesseria tornar a África auto-suficiente em arroz. As superfíciesexistem, as variedades também – nomeadamente o famosoarroz Nerica ultimado pela ADRAO, o Centro do Arroz paraa África. O seu director, o Dr. Papa A. Seck, considera que,para o conseguir, impõem-se medidas, uma das quais é oapoio maciço à rizicultura, sublinhando nomeadamente adesregulação do comércio internacional. “Até há um anorecente”, explica, “os 11.000 rizicultores americanos rece-biam subvenções no valor de 1,4 mil milhões de dólares porano. Ao contrário, os 7 milhões de rizicultores africanos con-tinuam a bater-se num mercado liberalizado sem nenhumasubvenção e com um acesso restrito ao crédito, aos meios deprodução e à informação sobre o mercado”. �

Mesa-redonda n.° 4 sobre a Conferência de alto nível relativa à Segurança Alimentar Mundial: Desafios dasAlterações Climáticas e Bioenergia. Organização das

Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO),Roma, 3 a 5 de Junho de 2008. © FAO/Giulia Muir

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PACÍFICO: uma segurança

relativa

PACÍFICO: uma segurança

relativa

As Ilhas do Pacífico, como referem todos os peritos, sofremessencialmente de três males: isolamento, exiguidade e fre-quência das catástrofes naturais. Três males que afectamsobremaneira a segurança alimentar das ilhas, em especial

as mais pequenas, como Tonga, Niue ou Vanuatu.

> Dependência

O isolamento geográfico agrava na mesma proporção o preço dos pro-dutos a importar ou exportar. A exiguidade, explica K.L. Sharma,professor da Universidade do Pacífico Sul em Fiji, é sinó-

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Dossier Crise alimentar

Uma agricultura de subsistência aliada a recursos haliêuticos ainda existentes permite,por agora, às ilhas do Pacífico não serem severamente afectadas pela subida dos preçosdos géneros alimentícios. Com algumas reticências importantes, como a incerteza sobreo valor mercantil das culturas de exportação, nomeadamente o açúcar das Ilhas Fiji, ouos efeitos devastadores dos ciclones.

Praia na Baía de Oarsmans nas Ilhas Fiji. © Andrew Potter. Imagem extraída de BigstockPhoto.com

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nimo de recursos naturais limitados e, por isso, de dependência dos pro-dutos importados. Uma dependência que aumentou nos últimos anossob o efeito conjugado de três factores. Primeiro, a atracção pelos géne-ros alimentícios importados, acondicionados e, muitas vezes, baratos.Paralelamente, políticas governamentais “inconsistentes”, segundoK.L. Sharma, permitiram a determinados géneros importados suplantara produção local. É o caso do arroz fijiano, cuja produção local passoude 29.000 para 14.000 toneladas entre 1993 e 2002, “devido principal-mente”, prossegue Sharma, “à supressão das ajudas concedidas peloGoverno em forma de fornecimento de produtos agrícolas ou de conse-lhos técnicos, à não renovação dos arrendamentos de terras, à desregu-lação do mercado e, in fine, à preferência pelo arroz importado, que,além do mais, é mais barato que o arroz local”. E apesar dos esforçosposteriormente empreendidos pelas autoridades locais para revitalizar osector, o país continua a ser importador líquido de um género cujopreço atingiu níveis recorde no primeiro trimestre deste ano. Outro fac-tor: a devastação das culturas pelos ciclones. Os Fijianos ainda se lem-bram do impacto do ciclone Ami que, em 2003, destruiu quintas, infra-estruturas, culturas de arrendamento e de víveres. Custo estimado: 66milhões de dólares.

> A experiência samoana

No entanto, as culturas e criações tradicionais – mandioca, taro, noz decoco, fruta-pão, porco, carne de aves de capoeira – mantêm-se próspe-ras em muitas ilhas, a começar pelas Ilhas Fiji, onde a produção dita desubsistência – por oposição à produção comercial a grande escala – con-seguiu mesmo infiltrar os mercados das cidades, alimentando uma pro-porção não negligenciável de uma população citadina em rápida expan-são. Em 2002, refere K.L. Sharma, “a produção de subsistência repre-sentava 6% do PIB e 37% da produção agrícola, florestal e haliêutica”.Belo desempenho, e Fiji é muitas vezes citada como exemplo a seguirpor outras ilhas do Pacífico que, embora possuam uma cultura tradicio-nal robusta, carecem de experiências em matéria de desenvolvimentocomercial. Falta gerir uma incógnita de peso: o impacto dos ciclones.“Cultivem tanto inhame quanto puderem e armazenem-no em previsãodos ciclones. Quando não houver taro, nem fruta-pão, nem bananas, osinhames serão a vossa reserva de alimentos.” É o conselho dado por umagricultor de Samoa e retomado na ficha técnica elaborada pela Rededas Nações Unidas para o desenvolvimento rural e a segurança alimen-tar. Com efeito, quanto mais tempo ficar o inhame na terra, maior é oseu rendimento. Este género alimentício não é afectado pelos efeitosdos furacões. Mas que fazer após a passagem de um ciclone? As penú-rias de água e de alimentos podem durar de duas semanas a oito meses.A brochura passa em revista outras estratégias de adaptação, tais comoprivilegiar as culturas rápidas, como a mandioca e a batata doce.Quanto ao armazenamento, os agricultores sugeriram um retorno aoshábitos locais, como o de fazer fermentar a fruta-pão e as bananas numburaco cavado no solo (‘biscoito de Samoa’). Conselhos vitais parauma população que depende, na proporção de dois terços, da agricultu-ra de subsistência, (incluindo as florestas e as pescas) para sobreviver.M.M.B. �

Palavras-chaveMarie-Martine Buckens; Fiji; arroz; culturas tradicionais; ciclones;inhame; taro.

AS VIRTUDES DO TARO

Taro, talo, dalo, dago, aba, anega, aro, ma: nomes tãodiferentes para designar a mesma planta que, háséculos, assegura aos Oceânicos uma nutrição de pri-

meira escolha. Se o seu nome varia de ilha para ilha, os seustubérculos e as suas folhas saborosas têm o mesmo valornutritivo em todo o lado. E que valor! Repare-se: fibras, cál-cio e ferro nos tubérculos; vitaminas A, C, B2 e B1 nas folhas.No entanto, este “tesouro alimentar”, como o qualifica adouta FAO numa das suas fichas técnicas, está ameaçado.“Em muitas ilhas”, explica a FAO, “o taro já não ocupa navida quotidiana o lugar importante que ocupava outrora. Oseu preço é, muitas vezes, elevado. Os citadinos que traba-lham todo o dia acham, por vezes, que é mais rápido cozerarroz do que cultivar ou comprar taro e prepará-lo. Hoje emdia, muitos insulares preferem comprar arroz em vez destetubérculo nutritivo, pela simples razão que ele coze maisdepressa”. É certo que o arroz é rico em proteínas e calorias,mas não se compara com o taro em matéria de sais mineraise de vitaminas. A FAO confirma: “Os legumes importados acustos consideráveis da Europa não têm comparação comeste saboroso tubérculo, rico em elementos nutritivos, que seencontra facilmente na região”. A ficha técnica da FAO nãose limita a narrar dados meramente nutritivos ou técnicos.Inclui igualmente receitas para saborear em:http://www.fao.org/WAIRdocs/x5425f/x5425f01.htm �

CEREAIS IMPORTADOS

Aatracção cada vez mais acentuada das populaçõesdo Pacífico pelos cereais, como o arroz ou o trigo,paga-se a pronto, como testemunham as últimas

estimativas de K.L. Sharma:As ilhas Cook, Samoa e Tonga dependem a 100% das impor-tações de cereais.A dependência de Fiji passou de 79 para 90% no período de1993-2002 em virtude, principalmente, do declínio (50%)da sua produção de arroz.No mesmo período, a dependência da Papua-Nova Guinérecuou ligeiramente (99 para 97%), quando a das IlhasSalomão passou de 91 para 95%.Todas as ilhas dependem a 100% das importações para fari-nha de trigo.As ilhas Cook, Vanuatu, Samoa, Tonga e Fiji estão dependen-tes das importações de arroz numa escala que vai de 65 a100%. �

N. 6 N.E. – JUNHO JULHO 2008

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Na página 20: Pimenta vermelha seca. © Fataiphotorush

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AS CARAÍBAS INTERROGAM-SEsobre a sua dependência das importaçõesO aumento dos preços dos géneros alimentícios nas Caraíbas, em especial no Haitionde ocorreram tumultos mortais, chama a atenção para a forte dependência daregião em matéria de importação de produtos alimentares. As fraquezas do sectorestão inventariadas e surgem vozes a reclamar actos concretos.

O aumento dos preços dos géneros alimentícios nas Caraíbas, em especial no Haitionde ocorreram tumultos mortais, chama a atenção para a forte dependência daregião em matéria de importação de produtos alimentares. As fraquezas do sectorestão inventariadas e surgem vozes a reclamar actos concretos.

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“A crise não tem origem naspenúrias alimentares, masnos preços”, explica o Dr.Chandra Madramootoo,

de origem guianesa e decano da faculdade deAgricultura da Universidade McGill, noCanadá. Numa entrevista, explicou-nos quetodos os países da Comunidade e do MercadoComum das Caraíbas (CARICOM) sofremcom a rápida subida dos preços. Segundo ele,a Guiana e o Belize não estão tão afectados: aGuiana é produtora de arroz.As Caraíbas estão muito afectadas peloaumento dos preços, devido à sua forte depen-dência da importação de géneros alimentícios.O aumento dos custos de transporte, quesobem ao mesmo tempo que o preço do barril,provoca, por sua vez, uma subida dos preçosdos produtos alimentares. Raros são os paísesda Comunidade das Caraíbas que ainda pos-suem uma verdadeira agricultura. O Dr.Madramootoo deu o exemplo de Santa Lúcia:há trinta anos, a agricultura ainda representava25 a 30 por cento do seu produto interno bruto(PIB). Hoje, não representa mais do que 5 ou6 por cento, sendo ultrapassada pelo turismo.No Haiti, Jean-Baptiste Chavannes, porta-vozdo Movimento Campesino Nacional doCongresso de Papaye (MPNKP), amplamenterepresentativo dos agricultores, já tocou oalarme perante o agravamento da factura daimportação de produtos alimentares. Numaentrevista concedida à revista O Correio nofinal do ano passado, em Port-au-Prince, capi-tal do Haiti, declarou: “Nós importamos todosos anos produtos alimentares no valor de 300milhões de dólares. É uma catástrofe.” Nadécada de 60, o Haiti vivia ainda na auto-sufi-ciência alimentar, mas os produtores locais dearroz, de aves de capoeira e de ovos desapare-ceram progressivamente do mercado.

> O peso da liberalização Segundo Chavannes, a agricultura sofre comos anos de negligência no Haiti. O seu declí-nio foi precipitado pela liberalização, na déca-da de 80, sob o reino dos Duvalier, bem comopela forte dependência das importações. Ogolpe de misericórdia dado à agricultura localocorreu entre 1991 e 1994, durante o embargoeconómico que proibia a importação de forra-gens para a pecuária. A partir daí, a instabili-dade política que enfraqueceu a administra-ção, a falta de crédito para a compra de produ-tos que daí resultou, o empobrecimento dasterras aráveis sob o efeito da desflorestaçãopara lenha de aquecimento e as fracas infra-estruturas aceleraram o declínio do sector.Segundo Chavannes, 50% do território nacio-nal não é cultivável.Para o Dr. Madramootoo, há penúrias esporá-dicas, em particular de aves de capoeira e dearroz, devido à forte procura internacional.Levantam-se vozes na região, diz ele, paradenunciar a exportação do arroz guianês. Eacrescenta que os pescadores lutam parasobreviver por causa dos preços elevados doscombustíveis.Como quer que seja, teria sido necessárioenfrentar muito mais cedo os problemas daagricultura. Entre eles, o Dr. Madramootoocita a distribuição de água, os laços entre aagricultura e os outros sectores de actividade,como o turismo, a insuficiência dos investi-mentos privados, as pequenas dimensões dasexplorações agrícolas, a falta de mão-de-obraqualificada, a insuficiência das infra-estrutu-ras de transporte, a falta de seguros e a mise-rável valorização dos produtos locais. O rum(de cana-de-açúcar) é um dos raros produtosagrícolas de valor acrescentado. D.P. �

AS CARAÍBAS INTERROGAM-SEsobre a sua dependência das importações

Palavras-chaveAgricultura; Caraíbas; Dr. ChandraMadramootoo.

Lista dos perigos quecorre a agricultura nasCaraíbas segundo o Dr.MadramootooOs caprichos da meteorologiaA falta de mão-de-obra altamente qualificadaA fraqueza dos mercados e a mediocridadedas infra-estruturas de transporteA falta de capitais e de seguros para asempresas de alto riscoA fraqueza dos laços entre a agricultura eoutros sectores da economiaO custo elevado dos produtos agrícolasimportados e da energiaA insuficiência de investigação e desenvol-vimentoA inadequação da cadeia entre a produçãopropriamente dita e o sector agroalimentar A pequena dimensão das explorações A falta de potencial de valor acrescentadoA falta de valorização da produção primária�

Prémio Agrícola do Haiti. Pintura deL. Saul, Villa Créole, Port-au-Prince,Haiti 2007. © Debra Percival

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I nteracções

Foi uma carga de trabalho enorme para a pequena equipa eslovenade peritos em desenvolvimento, pois queríamos ter a certeza queestava tudo em ordem de marcha, diz Uroš Mahkovec, conselhei-ro ACP na Representação da Eslovénia junto da União Europeia.

Isto incluiu a preparação de conversações para transformar os Acordos deParceria Económica (APE) “provisórios” assinados – os acordos decomércio livre ACP-UE – em acordos “completos” até ao final do ano eresolver com os parceiros do CARIFORUM* as pequenas dificuldadesremanescentes nos textos jurídicos com vista à assinatura dos seus APEregionais completos no final de Julho de 2008, em Barbados. Quarenta edois Estados ACP – a maior parte dos quais está incluída nos PaísesMenos Desenvolvidos (PMD) – ainda não assinaram os seus APE.Acompanhar a Cimeira de Lisboa África-UE e manter o dinamismo naconsecução dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) naagenda da Cimeira da UE em Junho de 2008, foram outras prioridadesda Presidência. E o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros daEslovénia é agora um rosto conhecido, após uma série de “troikas” bila-terais entre a anterior, a presente e a futura presidências da UE, incluin-do a Nigéria, Cabo Verde e África do Sul. O apoio das duas presidências anteriores, primeiro da Alemanha e depoisde Portugal, foi incalculável para a Eslovénia, sublinha Uroš Mahkovec.Este trio de países elaborou uma estratégia de desenvolvimento conjun-ta ao longo de 18 meses (Janeiro de 2007 a Junho de 2008). A contribui-

ção especial da Eslovénia consistiu em levar os Estados-Membros da UEa prestar mais atenção aos efeitos dos conflitos armados sobre as mulhe-res e as crianças nas políticas dos países em desenvolvimento. DuasOrganizações Não Governamentais (ONG) – Together, o Centro regio-nal para o bem-estar psicossocial das crianças especializado no aconse-lhamento psicológico, e International Trust Fund (ITF), envolvida emprojectos de desminagem – já são globalmente reconhecidas pela expe-

riência de trabalho adquirida no terreno nos Balcãs.Uroš Mahkovec diz que, apesar da Eslovénia ser um pequeno país naUE, também contribui para a flexibilidade: “Todos sabem que não hánenhuma agenda nacional intransponível.” Aponta para os progressosfeitos em matéria de Acordos de Parceria Económica (APE). AEslovénia organizou uma reunião de 30 ministros ACP “importantes”na sua capital, Liubliana, para debater os APE. Na sua opinião, aNigéria, por exemplo, é agora menos hostil à ideia de um APE, desdeque sejam respeitados os receios do país de perdas fiscais.

A Eslovénia impõe respeito a Cotonu

Não é fácil avaliar uma contribuição individual por país da União Europeia (UE) paraas relações com os Estados da África, Caraíbas e Pacífico (ACP) durante os seus seismeses de presidência rotativa da União Europeia. Há sempre um elemento de“manutenção do status quo”. Como a Eslovénia, que assumiu a sua presidência em 1de Janeiro de 2008, passa a pasta à França (1 de Julho – 31 de Dezembro), vamos vercomo é que um dos Estados-Membros, não só mais pequenos mas também maisrecentes da União Europeia, sem tradição de política de desenvolvimento nacional,impôs a sua marca e imprimiu os seus próprios conhecimentos ao processo.

“Todos sabem que não há nenhuma agenda nacional

intransponível.”

2323N. 6 N.E. – JUNHO JULHO 2008

Victor Borges (à direita), Ministrodos Negócios Estrangeiros de Cabo

Verde na reunião da Tróica da UEem Cabo Verde, em 27.5.2008,com Andrej Ster, Secretário deEstado Esloveno dos Negócios

Estrangeiros (à esquerda). © Conselho da União Europeia

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> Posição moderada Esta “posição mais moderada” em relação aosAPE foi assinalada numa reunião ministerialconjunta ACP-UE em 12 e 13 de Junho, emAdis Abeba, onde uma resolução conjunta jun-tou ambos os parceiros “… no compromisso deenvidarem os esforços necessários para assegu-rar que todas as regiões concluem APE total-mente compatíveis com a Organização Mundialdo Comércio (OMC) que tenha em devido res-peito as especificidades dos ACP”. UrošMahkovec diz que a redacção desta resoluçãofoi um sucesso em si mesma. Pela primeira vezem 33 anos de reuniões do género, foi alcança-do um acordo conjunto. O texto também englo-bava uma atenção reforçada à agricultura naspolíticas ACP-UE e a necessidade de uma acçãoa empreender por ambos os parceiros para queos Objectivos de Desenvolvimento do Miléniosejam atingidos até 2015. “104 países (77 ACP e 27 UE) representammais de metade dos fóruns multilaterais. Seisto puder ser conseguido noutros domínios,como a OMC, será um excelente precedente.”Ao falarmos com Uroš Mahkovec, sente-seque há respeito pelo tipo de solidariedade quese pode obter através da Convenção ACP-UEde Cotonu (2000-2020). Enquanto Estado da UE desde Maio de 2004,a Eslovénia é um dos doze países que contri-bui pela primeira vez para programas de ajudaaos Estados ACP financiados pela UE, noâmbito do 10.° Fundo Europeu deDesenvolvimento (FED), com 22,682 mil

milhões de euros em seis anos (2008-2013), apartir de 1 de Julho de 2008. A Eslovénia con-tribuirá com 40,827 milhões de euros. É ummontante elevado para um pequeno país e estáa desencadear uma reorganização interna dasua administração com planos para a criaçãode uma agência especializada em desenvolvi-mento. A única presença diplomática daEslovénia é no Cairo. Mas há a adopção denovas oportunidades de Cotonu, tal como asoportunidades para empresas e pessoas daEslovénia.Para a Eslovénia, a recente missão da “troika”às Ilhas Fiji, de 19 a 20 de Junho, para avaliara situação política e o compromisso das Fiji deorganizar novas eleições parlamentares, nasequência do golpe de Estado militar emDezembro de 2006, encabeçado peloComandante Frank Bainimarama, demonstra opoder do diálogo inscrito no artigo 96.° deCotonu. A destituição do Primeiro-Ministrodemocraticamente eleito, Laisenia Qarase, foiconsiderada uma violação dos “elementosessenciais” do Acordo de Cotonu: os direitoshumanos, os princípios democráticos e o esta-do de direito (ver artigo separado sobre asIlhas Fiji no ‘Round up’). D.P. �

* Ver artigo nesta edição sobre a reunião ministerial ACP‘Round-up’.

Sítios web: www.itf-fund.si; www.together-foundation.si

Palavras-chaveDebra Percival; Eslovénia; APE; 10.° FED;Cotonu; Fiji.

ONG eslovenas desejam expandir os seusconhecimentos e experiência adquiridosno terreno. Vítima de minas reabilitada,

Albânia. Fundo Fiduciário Internacional deDesminagem e Assistência às Vítimas das

Minas (ITF). © Arne Hodalic

Para o período 2007-2013, o montante dofinanciamento do Fundo Europeu deDesenvolvimento Regional (FEDER)eleva-se a 35,4 milhões de euros, aos

quais se acrescentam as quotas-partes do Estadofrancês e da Reunião para perfazer 47,3 milhõespara um programa operacional “Oceano Índico”,envolvendo, por um lado, a Reunião e, por outro,as restantes ilhas ACP do Oceano Índico:Madagáscar, Maurícia, Seicheles e Comores.Este programa comporta três vertentes, respectiva-mente: o desenvolvimento sustentável e o ambien-te, visando reforçar as competências na matéria,

desenvolver a investigação e a inovação e apoiar aluta contra os riscos naturais; a integração econó-mica regional para acompanhar o sector privadoreunionense em projectos de cooperação econó-mica e favorecer o intercâmbio de conhecimentos,nomeadamente nos domínios da segurança maríti-ma e da gestão das reservas de pesca; e, últimavertente, o desenvolvimento humano e a solidarie-dade internacional em benefício de uma integra-ção regional harmoniosa em termos de intercâm-bio cultural e desportivo e de cooperação emmatéria de formação, educação e inserção.Também estão em execução, ou em vias de o ser,

projectos financiados pelo FED na região, ao todo8 projectos que totalizam 54 milhões de euros,entre os quais um Programa Regional deProtecção dos Vegetais (PRPV), que beneficia de4,85 milhões de euros de um montante total de 6,6milhões de euros. A Reunião, não elegível paraeste fundo destinado aos ACP, financia a sua par-ticipação com um montante de 1,24 milhão deeuros. A comparticipação dos quatro países ACPeleva-se a 510.000 euros. �

COOPERAÇÃOUE, a Reunião e o Oceano Índico

Palavras-chaveReunião; ACP; FED; FEDER

Hegel Goutier

Interacções UE-ACP

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A governação

Na capital eslovena, a governação,a democracia e os direitos dohomem, com crises do Chade, doQuénia e as negociações dos

Acordos de Parceria Económica (APE) nohorizonte, desencadearam discussões inflama-das entre parlamentares da Europa e dosEstados ACP (África, Caraíbas e Pacífico).Sinal positivo, a Assembleia ParlamentarParitária (APP) conseguiu chegar a um acordosobre o escaldante dossiê do Quénia, saudandoo fim da crise alcançado e a mediação de KofiAnnan. Os parlamentares vindos dos quatrocontinentes solicitaram a Nairobi que as infra-cções à lei eleitoral fossem “objecto de uminquérito imparcial e rigoroso”, mas congratu-laram-se pelo acordo político alcançado ao maisalto nível do Estado numa resolução de urgên-cia. A mediação de Kofi Annan é “a prova deque os Africanos têm capacidade para resolvereles próprios as suas crises”, congratulou-sePeya Mushelenga, parlamentar namibiano. Em contrapartida, sobre o Chade, não se evi-tou o fracasso. A parte ACP, invocando aausência de qualquer representante chadianona sala, recusou-se a votar um texto de com-promisso que denunciasse a repressão desen-

cadeada pelo Presidente Idriss Déby contra aoposição não armada. Uma oposição amarga-mente denunciada por muitos dos seus colegaseuropeus, que viram nesta recusa uma tentati-va de obstrução de Jamena e uma prova dapusilanimidade de alguns parlamentares ACP,agora que estavam em cima da mesa questõesrelativas aos direitos do homem e à governa-ção. Para o deputado alemão Jürgen Schröder,“é deplorável que eles tenham rejeitado umtexto tão equilibrado”, longamente negociado,que condenava os ataques dos rebeldes arma-dos contra o Presidente Déby assim como ocomportamento da ONG francesa da Arche deZoé. “A estabilidade sustentável do país passapor uma abertura política a todas as suas com-ponentes internas”, advertiu Louis Michel. Com a sua paixão habitual, lembrou que odesenvolvimento dos países ACP exigia preci-samente o reforço da boa governação e subli-nhou que a consolidação dos Estados era umobjectivo essencial da política da Comissão.“Reforçar as instituições públicas é a priorida-de da nossa acção”, explicou o Comissário,tomando como prova o aumento importante daparte da ajuda orçamental directa, inscrita no10.° Fundo Europeu de Desenvolvimento, pre-

N. 6 N.E. – JUNHO JULHO 2008 2525

A governaçãosob todos os seus aspectos em Liubliana“Não há 36 concepções do princípio de separação do Estado, da presunção deinocência ou da liberdade de expressão!” Louis Michel, Comissário Europeu doDesenvolvimento, deu o tom dos debates da 15ª Assembleia Parlamentar ParitáriaUE-ACP, de 17 a 20 de Março, em Liubliana.

Sebastien Falletti*

Cais Gallus, Liubliana. © Ljubljana Tourist Board Archive

Presidente do ParlamentoEuropeu, Hans-Gert Pöttering. © Parlamento Europeu

InteracçõesUE-ACP

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vista para o período 2008-2013. Doravante,47% da verba irá directamente para os orça-mentos dos países ACP para que melhorem osseus serviços públicos em sectores-chavecomo educação ou a saúde. Trata-se de umanova abordagem que também implica maisresponsabilidade por parte dos governos emmatéria de direitos do homem e de democraciae um verdadeiro diálogo político com a UE.A insistência sobre o papel do Estado visavaigualmente tranquilizar os parlamentaresescaldados pelas negociações dos Acordos deParceria Económica (APE). Após a paixãodesencadeada por este dossiê sensível na ses-são anterior em Kigali, Ruanda, em Novembrode 2007, a pressão baixou ligeiramente emLiubliana, sem no entanto apagar as inquieta-ções. “O conflito e a controvérsia perturbaramo conjunto do processo dos APE”, lembrouGlenys Kinnock, Co-Presidente da APP nasessão de abertura. O seu colega do lado ACP,Wilkie Rasmussen, das Ilhas Cook, não deixoude apontar o dedo às consequências das sub-venções agrícolas europeias sobre as econo-mias dos países pobres e de beliscar a estraté-gia de negociação da Comissão.O Comissário virou-se deliberadamente para ofuturo a fim de convencer os países africanose do Pacífico a negociar APE completos comoo fizeram os seus homólogos da região dasCaraíbas. Na sequência da assinatura de acor-dos ditos “provisórios” no final de 2007, a fim

de se conformar com as exigências da OMC, aUnião Europeia (UE) convida os países ACP atransformar o ensaio ratificando os acordosprovisórios e concluindo APE completos.Tranquilizou-os quanto às consequênciassociais e ao carácter progressivo da aberturacomercial. “Não sou apóstolo da liberalizaçãoselvagem”, disse Louis Michel, que reafirmouo empenho da UE em acompanhar financeira-mente os países ao longo da sua abertura aomercado mundial. Beneficiou do apoio doComité Económico e Social Europeu (CESE),que saudou o capítulo social do APE celebra-do com a região das Caraíbas, e convidou osEstados africanos a seguir esta via. Contudo, oacesso ao mercado é uma condição “necessá-ria, mas não suficiente do desenvolvimento”,afirmou Gérard Dantin, representante doCESE.Para que as economias ACP possam reforçarprogressivamente a sua competitividade antesde mergulharem no “grande banho” da compe-tição global, a Comissão aposta na integraçãoregional. Louis Michel prepara uma comuni-cação sobre o assunto para Setembro e convi-dou os parlamentares ACP a exprimir os seuspontos de vista no âmbito da consulta públicaem curso. Os APE prevêem uma liberalizaçãode 80% do comércio de mercadorias dos paí-ses ACP num período transitório de 15 anos.Os debates de Liubliana demonstraram que oassunto estava longe do epílogo. “Ficaram sem

resposta inúmeras questões”, lembrou AliFarah Assoweh, Ministro das Finanças deJibuti e Presidente interino do Conselho dosPaíses ACP, referindo uma série de condiçõesprévias à assinatura de um APE, nomeadamen-te a protecção dos sectores mais sensíveis daeconomia dos ACP e um financiamento com-plementar que acompanhe o processo de libe-ralização do comércio. “A caminhada paraAPE completos será ainda longa e dolorosa”,concluiu. A assembleia, que tinha pela primeira vezcomo anfitrião um dos “novos” Estados-Membros que aderiram à UE em 2004, muda-rá de horizonte na sua próxima sessão, masnão mudará de temáticas. Governação, desen-volvimento ou comércio, os parlamentares, asONG e os comissários têm ainda muito a dizerpara provar que as relações UE-ACP tambémsão “uma união entre os povos”, no dizer deHans-Gert Pöttering, Presidente doParlamento Europeu. O encontro já está agen-dado para Port Moresby, na Papua-NovaGuiné, de 22 a 28 de Novembro de 2008. �

* Jornalista em funções em Bruxelas.

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Palavras-chaveAssembleia Parlamentar Paritária (APP);ACP; APE; Chade; Eslovénia.

Ponte do Dragão (pormenor), Liubliana. © Ljubljana Tourist Board Archive

Interacções UE-ACP

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Realçar os elementos positivosda MIGRAÇÃO

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“Énosso dever corrigir as percepções negativas e realçaros elementos positivos da migração” – disse Sir JohnKaputin, secretário-geral do Grupo ACP. A“Resolução do Grupo ACP sobre Migração e

Desenvolvimento” adoptada na reunião será apresentada ao FórumMundial sobre Migração e Desenvolvimento, a realizar em Manila, nasFilipinas, em Outubro de 2008. A resolução apela a mais investigaçãosobre o porquê da migração, incluindo os problemas relacionados comas alterações climáticas, e à interrupção urgente da descarga de resíduostóxicos nas águas ACP – prática essa que induz a migração. Outra reco-mendação consiste na melhoria da gestão do asilo, da migração e damobilidade pelos governos ACP.A resolução também incentiva o Secretariado ACP a realizar até 2009um estudo sobre as melhores práticas para a promoção da integraçãodos migrantes nos países de acolhimento. Apela à concepção de solu-ções inovadoras para a migração ilegal, de modo a fazer parar a “fugade cérebros” de trabalhadores qualificados dos países ACP. A migração“circular” – que permite uma maior flexibilidade aos trabalhadores deentrarem em mercados de trabalho no estrangeiro e regressarem aos res-pectivos países de origem com maior facilidade – deve ser levada por

diante – afirmaram os ministros ACP. A resolução diz ainda que osgovernos devem abordar a questão dos migrantes que trabalham semdocumentação e que os Estados ACP devem ratificar instrumentos jurí-dicos para combater o tráfico de seres humanos. Respondendo às perguntas dos jornalistas sobre a recente onda de vio-lência na África do Sul contra os migrantes oriundos do Zimbabué, asenadora Elma Campbell, ministra de Estado e da Imigração dasBaamas, que presidiu à reunião em Bruxelas, disse: “Exortamos osEstados ACP a implementar a legislação para combater o racismo e axenofobia e sensibilizar a opinião pública para o fenómeno.”

> Observatório das Migrações ACP

Aya Kasasa, responsável pelos assuntos culturais e migratórios noSecretariado ACP, declarou aos jornalistas que está a ser criado um“Mecanismo de Migração ACP” com 25 milhões de euros ao abrigo do9° Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED). Numa primeira fase,está a ser organizado o processo de concurso do Secretariado ACP paraescolher um consórcio que crie um Observatório das Migrações centrale uma rede de observatórios em seis regiões ACP: África Ocidental,

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Os benefícios da migração e informações mais fiáveis sobre os fluxosmigratórios nos Estados de África, Caraíbas e Pacífico (ACP) – de forma aincorporar melhor os interesses dos migrantes nas políticas dedesenvolvimento – foram temas que estiveram no centro da segunda reuniãodos ministros ACP responsáveis pelas questões de asilo, migração emobilidade, que se realizou em Bruxelas a 29 e 30 de Maio.

Muitas obras de arte exibidas durante o Dak’art relacionavam-se com questões de imigração, Angèle

Etoundi Essamba, Veil in the wind 3, Dak’art 2008‘Afrique: miroir?’ Foto por Iside Ceroni

InteracçõesACP

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África Central, África Oriental e ÁfricaAustral, Caraíbas e Pacífico. Inicialmente,centrar-se-á na migração entre países ACP enão no êxodo Sul-Norte. Muito amiúde, osmigrantes não são integrados em projectos dedesenvolvimento. O Observatório incluirá investigadores acadé-micos, a sociedade civil, redes de migrantes eaté migrantes individuais. Terá por missãorecolher factos e estudar os fluxos migratórios,a natureza e o volume da migração, os projec-tos existentes para migrantes, as estatísticaseconómicas e sociais e os efeitos da migraçãona pobreza, no comércio e na saúde. O objecti-vo é fornecer informação e investigação recen-te e propor iniciativas aos decisores. “Não esta-mos interessados na duplicação de esforços,mas outrossim no reforço da investigação jáexistente” – disse Andrew Bradley, secretário-geral adjunto do Grupo ACP para os assuntospolíticos e o desenvolvimento humano. SirJohn Kaputin acrescentou: “Enquanto paísesem vias de desenvolvimento, os Estados ACPsão chamados a desempenhar um papel activopara dar forma ao debate sobre migração.” Numa fase posterior, o Mecanismo procurará

reforçar a capacidade dos órgãos regionaisACP e dos ministérios nacionais em matériade migração em 12 países-piloto: Senegal,Nigéria, Tanzânia, Quénia, RepúblicaDemocrática do Congo, Camarões, Angola,Lesoto, Haiti, Trindade e Tobago, Papuásia-Nova Guiné e Timor Leste. Outra componentedo Mecanismo, a realizar posteriormente, seráreforçar o papel da sociedade civil nos debatessobre questões que afectam os migrantes. Ndioro Ndiaye, directora adjunta daOrganização Internacional da Migração, con-vidada a falar na reunião ministerial, disse:“...a ajuda ao desenvolvimento concedida pelaUE deveria dar mais atenção e mais valor aosesforços da diáspora dos países ACP nosEstados-Membros da UE, e ao seu potencialpara multiplicar a ajuda ao desenvolvimentoatravés de remessas, transferência de conheci-mento e experiência profissional.” Outra convidada, Annemie Turtelboom, minis-tra da Imigração e Asilo da Bélgica, aplaudiuo facto de o debate sobre a migração na UE teravançado desde 2006, quando a “Europa via amigração numa óptica defensiva”.“Os que pensam que podem impedir ou suster

a migração com medidas repressivas estãoenganados.” Disse que tudo apontava para queem 2050 a população activa da Bélgica sofres-se uma redução de 360.000 trabalhadores. “Sea Bélgica fechasse as suas fronteiras à imigra-ção, o défice seria de 984.000 pessoas, o querepresenta 23 por cento da população [ativa]”– disse aos ministros ACP.Apelou para que a migração fosse organizadae gerida de forma a beneficiar todos: migran-tes, país de origem e país de destino. “É o quedesignaria por vitória tripla” – disse AnnemieTurtelboom aos seus homólogos ACP. Referiuque essa ideia se articulava com a proposta decriar um “cartão azul europeu” para os traba-lhadores migrantes. “O projecto de organizar amigração económica é uma alternativa àmigração clandestina e é uma das medidasdestinadas a combater o trabalho ilegal” –declarou aos ministros ACP. D.P. �

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Palavras-chaveMigração; Ministros ACP; Debra Percival.

Babacar Niang, Illegal emigration, Dak’art 2008 ‘Afrique: miroir?’Foto por Iside Ceroni.

Interacções ACP

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Desde o ano 2000, a economia deMoçambique tem registado umataxa de crescimento anual de 8% eo país tem beneficiado do aumento

do investimento estrangeiro directo, especifi-camente em recursos minerais, mas também naindústria, na agro-indústria e nos serviços, aopasso que a construção de infra-estruturasainda está em franco desenvolvimento. Aomesmo tempo, o país aplicou políticas fiscais emonetárias bem sucedidas. Estas fizeram bai-xar a taxa de inflação de 13% em 2002-2004para 9% em 2005-2007. Moçambique tambémse debate para maximizar a agricultura e aspequenas empresas. Foram introduzidas altera-ções aos sistemas fiscal e bancário a favor dospequenos empresários. A Embaixadora deMoçambique no Benelux e nas ComunidadesEuropeias, Maria Manuela Lucas, acompa-nhou uma visita do seu Presidente aos PaísesBaixos e centrou o seu discurso emUtreque numa indústria financeirasólida nas zonas rurais.Os Países Baixos são um bom exem-plo para Moçambique. No seu dis-curso em Roterdão, o PresidenteGuebuza notou que “em 2006, asexportações [de Moçambique] para

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C omércio

Será que MOÇAMBIQUEpoderá tornar-se num

dragão económico africano?Em 27 de Fevereiro, o Presidente de Moçambique, Armando Emílio Guebuza – numavisita aos Países Baixos – proferiu um discurso dirigido à comunidade neerlandesa nosentido de atrair investimento privado. Na década passada, os sucessivos presidentes deMoçambique pagaram um tributo regular aos seus principais parceiros económicos queexecutam a parte que lhes cabe no processo de tornar Moçambique numa daseconomias mais atractivas de África. Nos últimos cinco anos, as exportaçõesmoçambicanas aumentaram a uma taxa média de 10% ao ano e as previsões apontampara 7% em 2008.

N. 6 N.E. – JUNHO JULHO 2008

Maputo. © Umberto Marin-TimeForAfrica Onlus

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os Países Baixos elevaram-se a mais de 1,4 milmilhões de dólares dos EUA em relação aos 6,5milhões de dólares dos EUA em 2001.Similarmente, as importações a partir dos PaísesBaixos passaram de 9,4 milhões de dólares dos EUAem 2001 para 423 milhões de dólares dos EUA em2006”. Com um investimento de 1 milhão de dólaresdos EUA em Moçambique em 2003, a China ocupa-va a nona posição na tabela dos maiores investidoresdo país. Em 2007, tinha subida ao sexto lugar com60 milhões de dólares dos EUA investidos, mas ficamuito longe do maior investidor, os Estados Unidosda América, com 5 mil milhões de dólares dos EUA. Nos últimos anos, Moçambique cresceu na suaatractividade como destino de investimento. É umdos países cujos investimentos estrangeiros foramgarantidos pela Agência Multilateral de Garantia dosInvestimentos (MIGA) do Banco Mundial desde1994. Alguns dos sectores da carteira comercial daMIGA são: a indústria transformadora, os produtosagrícolas, o turismo, o petróleo e o gás e as infra-estruturas. O sector do turismo, por exemplo, regis-tou, ao todo, 144 milhões de dólares dos EUA em2006. E as zonas selvagens intactas da Reserva doNiassa no Norte de Moçambique tornaram-se numgrande destino turístico. O Governo de Moçambiqueespera obter grandes receitas neste sector durante oCampeonato do Mundo de Futebol, em 2010 naÁfrica do Sul.

A supressão de subsídios, a redução e simplificação das tarifas deimportação e a liberalização da comercialização das colheitas contam-se entre as reformas económicas. Foi aplicado um vasto programa deprivatizações no sector bancário e em empresas estatais do sector datransformação. Foram adoptados novos códigos fiscais para atenuar oimpacto da inflação no passado. Num futuro próximo, Moçambique tem potencial para desenvolvernichos de mercado importantes em vários sectores. Só foi explorada atéao presente uma pequena quantidade das suas reservas de petróleo e degás e o país dispõe de enormes recursos minerais. O Governo está a apos-tar muito no desenvolvimento potencial da agricultura, não só para a pro-dução de alimentos mas também de energia. As estimativas do potencialbioenergético do país são de cerca de 40 milhões de litros de biodiesel ede 21 milhões de litros de bioetanol por ano. Contudo, o Governo estáplenamente consciente da necessidade de equilibrar esse potencial comexplorações agrícolas para nutrir a sua população. O crescimento econó-mico não parece ter sido afectado pelas inundações de 2007 no país. Será que Moçambique poderá tornar-se brevemente num dragão econó-mico africano? A resposta está relacionada com outra questão. Apesarda actual taxa de crescimento, quanto tempo levará a baixar os núme-ros de 50% da população moçambicana que ainda vive na pobreza? OGoverno de Moçambique também parece estar a dar toda a sua atençãoa esta questão. H.G. �

3030

Palavras-chaveHegel Goutier; Moçambique; economia; MIGA; Armando EmílioGuebuza; Maria Manuela Lucas.

Maputo, publicidade móvel. © Umberto Marin-TimeForAfrica Onlus

Catedral de Maputo. © Hegel Goutier

Comércio

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Walcott publicou o seu primei-ro poema aos 14 anos. Osdanos causados por 400 anosde regime colonial nas

Caraíbas, apesar da celebração da hibridizaçãodas suas culturas com uma busca de identida-de pessoal, são temas centrais do seu trabalho:abundância de poemas e mais de 20 guiões,nomeadamente Henri Christophe (1950), TiJean and his Brothers (1958) e Dream onMonkey Mountain (1967). O poema North andSouth (1981) trata de uma busca pessoal deidentidade:“a colonial upstart at the end of the empire,a single, homeless, circling satellite.”(“um arrivista colonial no fim do império,um satélite único, sem domicílio, em forma decírculo.”) Walcott frequentou o Colégio de Santa Maria,Castries, Santa Lúcia, estudou no UniversityCollege of the West Indies em Kingston,Jamaica, e também frequentou a escola de tea-tro de Nova Iorque (1958-1959). No início dasua carreira foi professor nas Caraíbas, tam-bém trabalhou como jornalista para a PublicOpinion na Jamaica e como escritor e críticode arte dramática para o Trinidad Guardian.Igualmente precoce foi a sua paixão pelo tea-tro. Com apenas 20 anos, criou o St Lucia ArtsGuild. Em 1966, formou a companhiaTrinidad Theatre Workshop.

> PintorNa esteira do seu pai, aguarelista amador,dedica agora mais tempo à pintura, apreenden-do a essência da estupenda beleza natural de

Santa Lúcia: “Estive lá há dois dias e foi umdia formidável… espantoso,” disse-nos quan-do nos encontrámos em Lovaina. É em Santa Lúcia, durante a pausa do circuitoliterário, que a vida se aparenta a qualquer tipo

N. 6 N.E. – JUNHO JULHO 2008 31

E m foco

Um dia na vida de DEREK WALCOTTPOETA, DRAMATURGO, ARTISTA E LAUREADO DO PRÉMIO NOBEL

Derek Walcott é membro de um “jet set” literário. Hoje, é o convidado doServottefonds Herman* a ler poemas na Universiteit Katholieke Leuven (UniversidadeCatólica de Lovaina). Na próxima semana**, parte para o festival literário deCalabash, na Jamaica, para ler um novo poema, ‘The Mongoose’, que faz troça deoutro escritor caribenho de Trindade e Tobago, V.S. Naipaul. Natural de Santa Lúcia,Walcott foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 1992 pela sua retomade epic Omeros (1990), que transpõe o drama da Ilíade e da Odisseia de Homeropara um cenário caribenho. É também um dos académicos mais famosos daUniversidade de Boston.

Derek Walcott, Parma 2001.

© Antonio Dalla Libera

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de rotina: “Depois de tomar o pequeno-almo-ço e de fazer algum trabalho, saio para meiamanhã de natação e regresso para o almoço euma pequena soneca. Nunca trabalho atémuito tarde da noite, embora às vezes as tardesde trabalho se prolonguem quando tenhoensaios de teatro.” A alegria da natação éapreendida numa das suas pinturas, intituladaO Nadador. Muito simplesmente. Descreveum homem só, que vadeia no mar quando asondas entram em roldão e lhe batem no corpo.O artista prefere a realidade de uma paisagemou de um retrato à arte abstracta.Tendo passado vários anos a ensinar escritacriativa na Universidade de Boston, ainda temuma base perto de Nova Iorque, mas agorapassa mais tempo em Santa Lúcia, na sua pontanorte, o Cabo, de onde se vê, de um lado, o Mardas Caraíbas e, do outro, o Oceano Atlântico.

> Rivière Dorée

Walcott interrompe a nossa conversa parasugerir que olhemos pela janela que dá para avelha praça de Lovaina. A universidaderemonta a 1425. Surpreendentemente talvez,ele nada diz sobre os edifícios com empenamagnificentemente reconstruídos.Provavelmente, ele estará mais inspirado nos

prazeres sensuais naturais de Santa Lúcia e dasCaraíbas do que na corrente de casas de café ede snack-bar porta-sim porta-não da praça.Evocará um dos seus locais preferidos emSanta Lúcia, Rivière Dorée, perto de Choiseul,no Sul, uma enseada de pesca escondida,banhada à noite por uma luz dourada. “Tenho um novo livro de poemas a publicar nopróximo ano. Em geral, falo do que nos aconte-ce pessoalmente, do que me acontece comoescritor, do que se passa na nossa vida, daquilo

que perdemos e daquilo que ganhamos.” A suavoz é melodiosa e isso envolve-nos.Interagindo com o entrevistado, fica-se com asensação de que se está dentro da peça. A qual-quer momento, ele pode deixar “cair” uma“pérola” descritiva.Voltemos a Santa Lúcia. O que há de tão espe-cial a dizer da ilha onde nasceu? “A topografiade Santa Lúcia, as montanhas cónicas abruptas eo mar. Ter isso todos os dias na vida é uma bên-ção.” No entanto, ele está manifestamente preo-cupado com os efeitos do turismo nas Caraíbas,em geral, e na sua ilha, em especial:“Quando o espaço é exíguo, quando as pessoassão diferentes e quando se tem de ser delicadosobre a história de um determinado lugar, pode-se ter um grande presságio. Precisamente agora,tenho alguém que está a tentar construir um con-junto de condomínios junto à minha casa. Está ainvadir a soleira da minha porta como invadiráas soleiras das portas de muitas mais pessoas.”E ele prossegue: “Há grandes hotéis em cons-trução e só nos resta sorrir e ser felizes, serpolidos, mas isso é perigoso e eu escrevo sobreisso.” O turismo não é um crime, afirmou, massente que os promotores e os governos deviamfazer algo mais para desenvolver a riquezacultural das Caraíbas. “Tudo o que se pode fazer é tomar a mesmaindústria e forçar as pessoas a pagarem peloque estão a fazer. Por exemplo, construir umteatro, um museu e obter algumas bolsas deestudo. Eles têm receio de tributar o investidorturístico mas, se não o fizerem, a nossa econo-mia será efémera.”

> “A minha praia”

Derek Walcott prossegue: “Tinha por hábito irà ‘minha praia’ (Rodney Bay). Sabe, todas as

pessoas caribenhas têm a sua própria praia.Tinha... Agora há lá um hotel. Eu sinto-medeslocado pelo hotel, o que é um sentimentoestúpido porque posso nadar noutro lado qual-quer, mas eu penso que aquela praia me per-tence. Não penso que um hotel seja uma com-pensação suficientemente boa para o que euperdi. Esta é uma espécie de metáfora paratudo nas Caraíbas. Não se pode ter um paíscom uma barraca para albergar um teatro.Estou muito desgostoso com a convencionali-dade dos governos caribenhos.”Voltemos aos seus planos imediatos: “Demomento, estou a trabalhar em guiões.Vou fazer dois cinemas, espero.” Ele diz que umé um guião de Ti-Jean, o outro é uma peçadoméstica criada em Port of Spain, Trindade eTobago. “Ti-Jean é uma fábula sobre um rapaze seus dois irmãos que se desenvolve emSoufrière, Santa Lúcia. Um irmão é fisicamen-te forte. O outro pensa que é intelectual, umgrande advogado que questiona tudo. Moral dahistória: venha o diabo e escolha!”, diz Walcott. Este Outono, Derek Walcott estará emLondres para encenar a peça do irlandêsSeamus Heaney, The Burial of Thebes, noGlobe Theatre. Ele gosta muito da companhiae do contacto com os outros que o teatro lheproporciona. Na noite seguinte, reencontrámo-nos na PassaPorta, um espaço literário na baixa deBruxelas. Após a leitura de Omeros, DerekWalcott respondeu às perguntas feitas por umauditório bem informado sobre a identidadedas Caraíbas, o uso do crioulo na literatura,etc. Manifestamente, aprecia a reverência peloseu trabalho, mas, a dada altura, um olhar devulnerabilidade na sua dissecção inexorávelque um autor da sua envergadura é forçado ater, invadiu-lhe o rosto. Provavelmente, aguar-da com impaciência a rotina das braçadasmatinais na piscina de Santa Lúcia, fonte dasua inspiração. D.P. �

* O Servottefonds Herman foi criado em 2004 em homena-gem ao professor de literatura inglesa, Herman Servotte, jáfalecido, a fim de promover o estudo da literatura inglesa.

** A jornalista encontrou o poeta em Lovaina em 15 deMaio de 2008.

Sítios web: www.fondshermanservotte.bewww.passaporta.be

Palavras-chaveDebra Percival; Derek Walcott; SantaLúcia; Caraíbas; Prémio Nobel; literatura.

No topo: Soufrière, Santa Lúcia.Cenário para ‘Ti-Jean’ 2006.© Mark Percival

Em foco

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Aextinção de árvores, lagos, flora efauna, a expansão das terras agrí-colas e os incêndios são alguns dosdados que podem ser monitoriza-

dos por imagens de alta definição provenientesde satélites instalados a 850 quilómetros daTerra. Por seu turno, isto significa melhorar agestão dos recursos florestais e evitar os con-flitos armados, elementos susceptíveis de con-duzir à erradicação da pobreza, afirma AlanBelward, chefe da Unidade de MonitorizaçãoGlobal do Ambiente do Centro Comum deInvestigação (CCI) da Comissão Europeia. Aequipa do CCI estuda “a forma de maximizara exploração dos satélites na ajuda ao desen-volvimento”.A investigação e a estatística recolhidas pelasua equipa de 8-9 cientistas, incluindo umestagiário africano, sedeada em Ispra, Itália,

vêm colmatar uma lacuna importante eminformação e ajudam os dadores e os governosno planeamento e na formação das decisões.Centrado actualmente em África, nada indicaque não possa eventualmente ser aplicado nasCaraíbas e no Pacífico, disse Alan Belward.A tecnologia dos satélites não é nova. O pri-meiro satélite de comunicação geoestacionáriofoi lançado em 1957 e o primeiro satélite deobservação em 1972. No entanto, foi só nosúltimos 10 anos que começaram a ser utiliza-dos na previsão agrícola e como “instrumentode desenvolvimento”. Entre os contratos con-cluídos pelo CCI para utilização de satélitesfigura um com a Organização Europeia para aExploração de Satélites Meteorológicos(EUMETSAT), que recolhe estatísticas meteo-rológicas e monitoriza as alterações climáticas. Em termos gerais, a obtenção de imagens por

satélite pode ser usada em quatro vertentes dapolítica de desenvolvimento: protecção dosrecursos naturais; assistência humanitária eajuda ao desenvolvimento; iniciativas pararedução das catástrofes naturais; estimativasprecoces do rendimento das culturas e avisosde redução anormal nas colheitas.Alan Belward mostra-nos imagens de altadefinição do lago Chade em 1963 para efeitosde comparação com uma imagem mais recen-te. Revelam a alarmante contracção do lago. Adegradação do solo, a desflorestação e a perdada biodiversidade também podem ser monito-rizadas desta forma.

> Quem escapa aos impostos?

Imagens de estradas em zonas florestaispodem identificar actividades de abate de

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N ossa terra

SATÉLITES ao serviço da erradicação da pobrezaO vínculo entre a tecnologia dos satélites e a erradicação da pobreza não é óbvio. OCentro Comum de Investigação (CCI) da Comissão Europeia analisa imagens de altadefinição para este efeito. Um impulso político concreto para iniciar a investigaçãoemanou da Cimeira de Chefes de Estado e de Governo de África e da UE em Dezembrode 2007.

Agricultura de mudança no Sudão. À esquerda,imagem de satélite tirada nos anos 70. À

direita, vêem-se as novas superfícies agrícolasem verde-claro nos anos 2000. © JRC, Ispra

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árvores, fornecendo assim informações àsautoridades sobre desflorestação ilegal e sobrequem deve ser tributado. Alan Belward frisa anecessidade de os países africanos disporemdestas estatísticas. Estas podem ser transmiti-das a organismos como o Observatório dasFlorestas Africanas (FORAF) que abriu novasinstalações em Kinshasa ao abrigo da parceria

florestal da bacia do Congo e pretende desen-volver a monitorização das actividades deabate de árvores ao longo da bacia do Congo. As imagens analisadas pelo CCI mostram que,em África, desde os anos setenta, 50.000 qui-lómetros quadrados de vegetação naturalforam transformados em terras agrícolas – oque equivale a uma vez e meia a superfície daBélgica, embora seja apenas um quinto da taxade perda registada no Sul da Ásia e metade daverificada no Amazonas. Alan Belward disseque a taxa actual de desflorestação nos paísesda bacia do Congo – Camarões, Gabão,Burundi, República do Congo – é apenas de0,17%, o que se deve à melhoria na gestão dosrecursos florestais.Uma outra imagem da área conhecida por“Park W”, que se estende do Benim, passandopelo Burquina Faso, ao Níger, identifica asmanchas de actividade agrícola no perímetrodo parque. As imagens por infravermelhosdetectam as zonas onde há incêndios. Os guar-das florestais são directamente avisados atra-vés de mensagens enviadas por SMS ou porcorreio electrónico para que investiguem osincêndios. O desenvolvimento de sistemas dealarme automático contra incêndio pode vir ater repercussões enormes em sectores como agestão dos recursos florestais, aponta AlanBelward.As ameaças à biodiversidade também podemser registadas como dados espaciais de siste-mas de informação geográfica. O CCI monito-riza o desaparecimento da biodiversidade em741 zonas protegidas em África, que abrigam280 espécies de mamíferos, 381 espécies deaves e 930 espécies de anfíbios. Os dadosactualizados de dez em dez dias são recolhidospela União Internacional para a Conservação

da Natureza (IUCN). Foi criado um sítio webpara divulgar os resultados ao público.Para além da conservação, os satélites podemser úteis na assistência humanitária. As ima-gens de alta definição podem monitorizar oscampos de refugiados em zonas de crise comoo Darfur, permitindo calcular o número derefugiados no campo e a necessidade de assis-tência. O CCI coopera com o Banco Mundiale outras instituições na definição de umametodologia que permita observar e, eventual-mente, prever riscos como sismos, com vista alimitar a devastação normalmente gerada.As culturas também são monitorizadas commodelos agrometeorológicos desenvolvidosem mais de 30 países vulneráveis a crises epenúrias de produtos alimentares. Devido àsrepetidas situações de insegurança alimentar eà falta de monitorização regional, o Corno deÁfrica é alvo de observação atenta. Entre Abrile Outubro, são publicados relatórios mensaissobre o estado das culturas, as colheitas, asperspectivas e as prováveis penúrias, sendo ainformação transmitida às delegações da UE eaos parceiros das NU.D.P. �

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Palavras-chaveCCI; África; florestas; conservação;Debra Percival.

No topo:Imagens de satélite mostrando o abandono daagricultura em Angola. À esquerda, anos 70 – note-se amancha verde-brilhante ao centro. A partir de 2000, eladesapareceu © JRC Ispra

À esquerda: Imagens do Lago Chade agora (no topo) eem 1963 (em baixo), uma massa de água mais extensa. © JRC Ispra

Nossa terra

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R eportagem

N. 6 N.E. – JUNHO JULHO 2008 35

GANABody Este número é dedicado ao Gana, consideradocomo uma das estrelas cintilantes no firmamento africa-no, país que, entre 30 de Setembro e 3 de Outubrodeste ano, acolhe a sexta cimeira dos 79 membros doGrupo ACP (África, Caraíbas e Pacífico) na sua capital,Acra. A popularização da democracia multipartidária, ofirme crescimento económico, o aumento da taxa depessoas alfabetizadas e um sector não estatal muitoactivo são alguns dos seus atributos amplamente reco-nhecidos. Ganeses altamente qualificados – para referirapenas um, o antigo Secretário-Geral das NaçõesUnidas (NU), Kofi Annan – destacam-se no plano inter-nacional em todos os sectores de actividade. A perma-nente diáspora nacional, dentro e fora do continente,continua a enviar remessas financeiras para o país, con-

tribuindo para o seu desenvolvimento económico. Ossoldados ganeses são procurados para missões demanutenção de paz regionais e da ONU. Aproveitando o facto de John Agyekum Kufuor, actualPresidente, terminar o seu segundo mandato emDezembro de 2008, data em que terão lugar as eleiçõespresidencial e legislativa, damos a conhecer a históriado país e o que o futuro político lhe reserva. Analisamosse poderá continuar a beneficiar do forte dinamismodas exportações de produtos de base, pese embora ocrescimento acentuado em duas das suas principaisimportações – petróleo e produtos alimentares – ecomo a ajuda da União Europeia (UE) contribui para aconsecução dos Objectivos de Desenvolvimento doMilénio (ODM).

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Dossier por Francis Kokutse, Debra Percival, Hegel Goutier

Imagem de Elmina desde Elmina.Apoiando-se no passado para criar

um futuro melhor, por E. vanSteekelenburg (ed.).

Cortesia de KIT Publishers. Contacto:www.kit.nl/publishers

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Osimbolismo é forte. Em 1957,quando a Costa do Ouro era oprimeiro país africano prestes aganhar a independência do poder

colonial, os líderes foram colher ao passado oprestigioso nome de Gana. Tal como o antigoGana, a moderna nação deve a sua riqueza aoouro. Na realidade, o Gana actual não temnada a ver com o Gana do passado, que cobriaas zonas setentrionais do actual Senegal e aszonas meridionais da actual Mauritânia. OGana moderno situa-se 600 quilómetros parasudeste. Não só o local é diferente, mas tam-bém são poucos os laços étnicos entre as popu-lações do Gana antigo e moderno. Foi provavelmente no dealbar do primeiromilénio D.C. que vários clãs de povos Soninkeforam reunidos por Dinga Cisse para criar anação ganesa. O verdadeiro nome do país erareino Soninke, enquanto Gana era o título dorei. Os escritores árabes retiveram-no, porém,como o nome do Estado.

> Era dourada e declínio

O antigo Gana era rico em minas de ouro, deacordo com as descrições de vários escritoresárabes como Al-Hamdani. Prosperou tambémcom o comércio de sal e cobre e, em menorescala, com o tráfico de escravos. A capital,Kumbi Saleh, tirou partido da sua localizaçãocomo ponto final das rotas do deserto do Saarapercorridas por comerciantes magrebinos.Foram as relações comerciais que trouxeram oIslão ao país. Os muçulmanos que viviam emKumbi Saleh começaram por morar longe dopalácio do rei mas mais tarde alguns deles, osmais instruídos, integraram a administraçãolocal. Por uma multiplicidade de motivos durante osdois primeiros séculos do segundo milénio, oGana entrou em declínio. As causas principaisforam os longos períodos de seca e a aberturade novas rotas para outras minas de ouro des-cobertas em Bure, na actual Guiné. O Gana foi

então ocupado pelos Almoravides; não é certose invadiram o país com o seu exército ou se asua influência foi gradual. Posteriormente, orei dos Sossos, Sumanguru, ocupou o país masem 1236 foi derrotado por Sundiata Keita e,quatro anos depois, o Gana foi absorvido peloseu império, o Mali.

> Civilização Asante

Escavações arqueológicas indicam que o Ganamoderno já era habitado no princípio da Idadedo Bronze, cerca de 4000 anos A.C. Mas noinício do século X, a moderna população doGana começou a fixar-se na actual localizaçãodo país. No entanto, foi só no fim do séculoXVII que a maioria dos grupos étnicos queconstituem a nação ganesa se reuniu, entreeles o povo Akan, Twifu e Mande, sendo esteúltimo proveniente da moderna Nigéria (naaltura os Estados Hausa). Um dos ramos dopovo Akan, os Asante, seria chamado adesempenhar um papel proeminente na consti-tuição do Gana moderno. Os Asante forma-vam grupos mais homogéneos e, antes domeio do século XVII, passaram por umaexpansão rápida, estabelecendo uma naçãoforte. No fim do século XVII, o seu soberano,Osei Tutu, foi proclamado Asantehene, rei dosAsante. Os Asante conquistaram muitos outrosEstados Akan. O seu império deu autonomiasuficiente a cada Estado, embora o interessecomum fosse sempre preservado, resultandonum Estado muito bem organizado a partir domeio do século XVIII e início do século XIX.

> Era britânica

No início do século XVI, os habitantes daCosta do Ouro, especificamente os Akan,começaram a comerciar com os Portugueses,que chegaram em 1471. Aventureiros de quasetodos os países europeus tentaram fixar-se naCosta do Ouro. Os Holandeses seguiram-se aosPortugueses e, mais tarde, vieram os Ingleses,

os Suecos e os Dinamarqueses. Os Britânicoscriaram em 1750 a Companhia de MercadoresAfro-Britânica. O tráfico de escravos suplan-tou o comércio aurífero na Costa do Ouro como estabelecimento de grandes plantações nasAméricas. A costa ocidental de África tornou-se rapidamente no primeiro fornecedor deescravos para o continente americano. Noséculo XVIII, 4,5 milhões de escravos forammandados da África Ocidental para a América. Em 1844, os Britânicos assinaram um acordopolítico com os chefes tribais da etnia Fante.Em 1873, prenderam o chefe Asante, Kumasi, eestabeleceram uma colónia na Costa do Ouro.Ao contrário dos Franceses que formaram gran-des colónias administradas por um governador-geral, a Grã-Bretanha optou por colónias sepa-radas com uma autonomia relativa.No fim de uma longa guerra Anglo-Asante, osBritânicos converteram o reino Asante numprotectorado em 1896. A administração localfoi subdividida entre os chefes tradicionais nasautoridades nativas e os representantes eleitospelo povo nas câmaras e assembleias munici-pais. Em 1902, os territórios setentrionaisforam proclamados um protectorado britânico.O fim da Primeira Guerra Mundial ditou amudança de poder no Togo alemão, que pas-sou para o controlo britânico em 1919.Durante a Segunda Guerra Mundial, as tropasafricanas da Costa do Ouro lutaram, naEtiópia, contra as forças italianas e, naBirmânia, ao lado dos Britânicos e dosIndianos, contra o exército japonês.

> Rumo à independência

O primeiro movimento nacionalista a optarpela emancipação da Costa do Ouro, se nãopela independência total, foi a ConvençãoUnida da Costa do Ouro (UGCC), criada, em1947, por um grupo de intelectuais dos quais osecretário-geral era Kwame Nkrumah, políticovisionário e activista. Depois de ter estudadonos Estados Unidos da América e na Grã-

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Gana moderno,longe do Gana antigo

HISTÓRIA DO GANA

Reportagem Gana

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Bretanha, Kwame Nkrumah foi um dos parti-cipantes, em 1945, no Congresso Pan-Africano em Manchester. Em Junho de 1949,Kwame Nkrumah rompeu com a UGCC, queconsiderava muito conservadora, e criou umaorganização pró-independência, a Convençãodo Partido Popular (CPP). Entretanto, KwameNkrumah tornou-se um dos “Veranda boys”(um grupo de jovens mais próximos do povodo que da elite). Foi preso e encarcerado e tor-nou-se num dos mais populares líderes dopaís. Em 1950, a CPP lançou uma campanhade “acção positiva” (acção não violenta).Kwame Nkrumah foi de novo preso, bemcomo muitos outros líderes, transformando-onum símbolo, num mártir, num herói. Quandoainda estava na cadeia, em Fevereiro de 1951,foi eleito membro da assembleia nas primeiraseleições legislativas ao abrigo da nova consti-tuição e o seu partido, a CPP, ganhou com umamaioria de dois terços.O partido da comunidade Asante, oMovimento de Libertação Nacional (NLM),criado em 1954, opôs-se à CPP, que reclama-va a independência imediata, e a assembleiafoi dissolvida em Julho de 1956. O governadorconcordou em conceder a independência seaprovada por dois terços dos membros daassembleia. A CPP venceu mais uma vez comuma maioria de dois terços. Antes da eleição,foi organizado um referendo pelas NaçõesUnidas sobre o futuro da Togolândia Britânica(ligada à Costa do Ouro) e da Togolândia

Francesa. Este referendo levou à reunificaçãodas duas partes do Togo sob regime francês.A independência da nova nação, o Gana, foicelebrada em 6 de Março de 1957. O país pas-sou a república por referendo em 1 de Julho eKwame Nkrumah converteu-se num dos maisproeminentes líderes do Terceiro Mundo. Em1964, o Gana foi proclamado um regime uni-partidário. Dois anos depois, um golpe deEstado militar derrubou Kwame Nkrumahdurante uma visita à China. O Partido deLibertação Nacional tomou o poder.

> Noite sem fim do golpe deEstado

O Partido do Progresso, presidido por Kofi A.Busia, ganhou as eleições de 1969 e este tor-nou-se Primeiro-Ministro. Mas um golpe deEstado organizado pelo general IgnatiusAcheampong em Janeiro de 1972 trouxe aopoder o Conselho de Salvação Nacional(NRC), uma junta militar. O NRC foi substi-tuído em 1975 por outra junta militar, oSupremo Conselho Militar (SMC), tambémpresidido por Ignatius Acheampong. EmJunho de 1979, foi organizado um violentocontra-golpe de Estado por jovens oficiaiscomandados pelo tenente Jerry JohnRawlings. Muitos membros do SMC foramexecutados e expulsos oficiais superiores doexército. Hilla Limann tornou-se Presidente daRepública em Julho de 1979 mas a administra-

ção pública ficou sob a tutela do “Movimentode 4 de Junho”, um grupo militar. Uma taxa deinflação muito alta e o aumento do custo devida daí decorrente fez Hill Limann perder oapoio dos trabalhadores e de alguns segmentosdo exército. Jerry John Rawlings lançou o seusegundo golpe de Estado no fim de 1981.

> Fim pacífico

Manteve-se como presidente do ConselhoProvisório de Defesa Nacional durante 12anos até restaurar um regime multipartidárioem 1990 e organizar eleições, que venceu emJaneiro de 1993. Deixou o poder em 7 deJaneiro de 2001 após dois mandatos e foi subs-tituído por John Agyekum Kufuor que aindaocupa o lugar. A partir do momento em que Jerry Rawlingsestabeleceu um regime multipartidário, oGana parece ter consolidado a sua democraciae ter adoptado os princípios da boa governa-ção. A boa reputação de que goza nas instân-cias internacionais, bem como junto dos inves-tidores, vem confirmar este facto. H.G. �

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Palavras-chaveHegel Goutier; Gana; Costa do Ouro;Togolândia; Dinga Cisse; Soninke; Asante;Kwame Nkrumah; Jerry Rawlings; KofiBusia; Ignatius Acheampong; HillaLimann; John Kufuor.

John Kufuor, Presidente do Gana ePresidente em exercício da UniãoAfricana em 2007 (à direita). Alto

Representante da UE, Javier Solana (à esquerda). Cimeira África-UE 2007.

© Conselho Europeu

ReportagemGana

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PREPARANDOas eleiçõesde DezembroFrancis Kokutse*, Debra Percival

Legado da participação do Gana em missões da ONU. Membroda força de polícia ganesa, Léopoldville, República do Congo(Agosto de 1960), parte de dois contingentes de polícia ganesesenviados ao abrigo da resolução do Conselho de Segurança daONU, 14.7.1960. © Nações Unidas

Reportagem Gana

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Opaís regista fortes taxas de cresci-mento desde 2000, apesar dasubida dos preços do petróleo. Ocrescimento do PIB em termos

reais no período de 2000 a 2005 foi de 3,7 porcento para 5,9% e para 6,2 % em 2006. Istodeve-se aos assinaláveis resultados da produ-ção e comercialização do cacau, construção,ouro, recursos florestais, transportes, armaze-namento e comunicações, segundo os dadosestatísticos da Comissão Europeia. Nos primeiros dois meses de 2008, diz PaulAcquah, governador do Banco Central doGana, as exportações de mercadorias ascende-ram a 868 milhões de dólares, em comparaçãocom 690,3 milhões de dólares para o mesmoperíodo em 2007. O ouro tem tido um papel derealce, nas palavras de Paul Acquah: “Asexportações de ouro foram de 404,4 milhõesde dólares para os primeiros dois meses de2008 contra 263,71 milhões de dólares regista-dos para o mesmo período em 2007.” Segundoele, as exportações de grãos e produtos à basede cacau sofreram, porém, um ligeiro declínio,rondando 227,4 milhões de dólares para os pri-meiros dois meses de 2008 em comparaçãocom os 247 milhões de dólares registados parao mesmo período em 2007.No momento em que as subidas nos preços dopetróleo e dos produtos alimentares dão ori-gem a um ciclo de grandes transformaçõeseconómicas à escala mundial, John Kufuor feznotar recentemente que “devido à sua força eresiliência natural, a nossa economia foi capazde suportar o terrível impacto do mercado”. Isso não significa que o país esteja ao abrigodos efeitos da crise mundial. Segundo JohnKufuor, no ano transacto, o valor das importa-ções de petróleo bruto passou de 500 milhõesde dólares em 2005 para os actuais 2,1 milmilhões de dólares.

> Serenando os ânimosO Presidente afirmou recentemente: “Certosefeitos dolorosos da escalada do preço dopetróleo incluem o aumento da gasolina e dogasóleo nas bombas de abastecimento e oagravamento do custo dos transportes queafectam a distribuição dos produtos alimenta-res e dos bens em geral, e vêm dificultar a vidados cidadãos.” Mas para contrariar esta ten-dência “a agricultura teve bons resultados noano passado e, em consequência, estão dispo-níveis nos mercados locais certos produtoscomo milho, inhame, banana-pão, cassava etaro” e o governo vai não só dar mais atenção,mas também aumentar o investimento na agri-cultura. John Kufuor apressou-se a intervirpara serenar os ânimos dos ganeses quanto ao

aumento dos preços dos alimentos. Foramlevantados os direitos de importação aplicá-veis ao arroz e ao óleo vegetal por forma adiminuir o preço desses produtos.Frank Agyekum, vice-ministro da Informação,afirma que o inquérito ao nível de vida da popu-lação revela que este é o mais elevado dos últi-mos oito anos, mas Elvis Efriyie Ankrah, vice-secretário-geral do NDC (partido da oposição),contesta a afirmação. Diz que o baixo nível devida “foi ignorado a favor de valores que nãoreflectem o nível de vida real da população”. Outros argumentam que, tendo em conta ocrescimento das exportações de produtos debase, o Gana deveria estar “numa posição

invejável” o que não é o caso. A agricultura éainda muito artesanal. Há incertezas quanto aoregime de propriedade, acesso limitado a insu-mos e estradas em más condições. Acresce queo sector industrial é dominado por pequenasempresas com baixa produtividade. Em 2005,o investimento directo estrangeiro foi apenasde 156 milhões de dólares de acordo com aConferência das Nações Unidas sobre oComércio e o Desenvolvimento (Cnuced).Tony Aidoo, um antigo ministro da Defesa,membro do NDC, diz que o NPP “chegou aopoder no momento em que a economia estava acrescer e prestes a recuperar a vitalidade. Em1982, o Conselho de Defesa Nacional Provisório(PNDC), que se transformou no NDC, tinharegistado uma taxa de crescimento negativa deoito por cento. Este valor subiu para uma taxa decrescimento positiva de sete por cento e estabili-zou nos cinco por cento em 2000”.Nas palavras de Tony Aidoo “o governo tembeneficiado de um período de prosperidade noque se refere aos produtos de base”, acrescen-tando que os impostos e os preços dos serviçospúblicos continuavam a aumentar, agravandoassim a vida da população. Aditou ainda: “Estegoverno tem-se caracterizado pelo clientelis-mo partidário, pelo espírito vingativo e pelotribalismo a um nível inaudito neste país.’’Faz concretamente referência ao facto de osmembros de um anterior governo do NDCterem sido julgados e presos a coberto dafamosa lei sobre “prejuízos financeiros aoEstado”. Convirá dizer, a propósito, que a ditalei foi promulgada pelo NDC quando estavano poder. Frank Agyekum faz notar que “nin-guém está preso hoje sem ter passado pelo tri-bunal”. Aditou que o governo era elogiado àescala mundial pela sua boa gestão. “O gover-no rejeitou a lei sobre difamação e actualmen-te as pessoas gozam de liberdade de expressão,

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As eleições presidenciais e legislativas estão marcadas para Dezembro do ano em cursoe todos os olhos estão postos num sucessor do actual Presidente, John Agyekum Kufour,no poder desde Janeiro de 2001, no termo dos dois mandatos autorizados pelaConstituição do país. O Gana, em anos recentes, tem vindo a ocupar os lugarescimeiros nas classificações internacionais para o continente africano no que se refere areformas económicas, respeito dos direitos políticos, liberdades cívicas e liberdade deimprensa**. Durante a sua presidência, o país registou um elevado nível de crescimentoeconómico. A crítica formulada pela oposição é que o Presidente Kufuor limitou-se abeneficiar dos aumentos dos preços dos produtos de base como o ouro. O partido daoposição Congresso Democrático Nacional (NDC) acusa o governo de clientelismopartidário e diz que, quase no termo da sua presidência, John Agyekum Kufour já nãogoza do apoio do Novo Partido Patriótico (NPP), partido que o levou ao poder.

levantados os direitosde importação aplicá-veis ao arroz e ao óleo

vegetal

ReportagemGana

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o que pode ser comprovado pelas inúmerasestações de rádio em FM espalhadas por todoo país com os seus programas de linha abertaque permitem que o comum dos ganeses parti-cipe emitindo os seus pontos de vista.”

> Sociedade civil influente

A influência da sociedade civil no processodecisório está a aumentar. Os movimentos deagricultores, os sindicatos e as associaçõesprofissionais mantiveram-se sempre em cenamas outros como associações de desenvolvi-mento local, grupos de defesa dos direitos dasmulheres, associações de solidariedade, asso-ciações de pais e professores e organizaçõesreligiosas dão uma nova ressonância à socie-dade civil. as palavras de Steve Manteaw, coordenador decampanha da ISODEC, uma organização nãogovernamental (ONG) de desenvolvimentosocial integrado: “A única tentativa de oposi-ção real no país nos últimos sete anos temvindo da sociedade civil.” Steve Manteaw dizque o parlamento é fraco por causa dos que ocompõem. “Alguns são ineptos e não têmcapacidade para analisar cabalmente os assun-tos.” Afirmou ter sido contactado pelo gover-no para reforçar as capacidades dos membrosda Câmara este ano, por exemplo, realizandoum seminário de formação para 30 parlamen-tares.Segundo Steve Manteaw, a ISODEC tem sidoapoiada pelas autoridades eclesiásticas nosesforços para reforçar a prática democrática.Menciona, nesse contexto, o Conselho Cristãoque tem participado activamente na CampanhaMundial contra a Pobreza e a Conferência dosBispos Católicos que desenvolve muito traba-lho no domínio da boa governação.A lentidão dos progressos em termos de igual-dade de oportunidades entre homens e mulhe-res vem obscurecer a imagem modelar doGana a nível internacional. As mulheres estãosub-representadas na vida pública e quase nãotêm acesso a bens económicos. Há legislação

para proteger os direitos das mulheres e crian-ças como a Política Nacional para as Mulherese as Crianças de 2004 e a Política de Apoio àPrimeira Infância, mas a implementação avan-ça com dificuldade, segundo os observadores.

A descentralização também está atrasada devi-do às preocupações com a capacidade local.Embora o orçamento de 2007 tivesse autoriza-do uma transferência significativa de funcio-nários públicos dos serviços e repartições dosministérios para os órgãos distritais para apli-cação em 2008, as reformas políticas a nívellocal continuam a ser problemáticas. Um terçodos membros das Assembleias Distritais e oschefes dos Executivos Distritais são nomeadospelo Presidente em vez de serem eleitos. Alémdisso, os litígios de cunho tribal sobre questõesrelacionadas com transmissão e sucessão porherança podem dar origem a conflitos locais. “Nos últimos sete anos, o governo não temsido claro relativamente ao que pretende emtermos de governo local,” diz John Larvie,coordenador de programas do Centro deDesenvolvimento Democrático, expressando oseu ponto de vista: “Ainda que seja suposto ogoverno local ser não militante, o governoviciou o processo com a nomeação dos chefesdos executivos distritais segundo bases parti-dárias. Mesmo os 30 por cento de membrosdas assembleias distritais nomeados pelogoverno foram escolhidos segundo bases par-tidárias e as decisões continuam a ser tomadasa partir do centro, o que invalida toda e qual-quer tentativa de descentralização.”Quanto às perspectivas de futuro, algunsobservadores políticos no Gana receiam que opaís adopte a via queniana – referindo-se aosconfrontos que se seguiram ao anúncio dos

resultados das eleições no Quénia, dizVladimir Antwi-Danso, um investigadorsénior do Centro de Assuntos Internacionaisda Universidade do Gana. Adverte que “háfocos de conflito que podem deflagrar de ummomento para o outro se os políticos nãoderem a devida atenção às eleições”.Frank Agyekum concorda que “a segurança danação está em causa e, por isso, o governoreforçou a Comissão Eleitoral para que organi-ze eleições credíveis e justas de tal modo queos proveitos conseguidos pelo governo nãosejam destruídos pelo rancor e a violênciadurante e depois das eleições”. Pelo seu lado, o Presidente prometeu que: “AComissão Eleitoral teria à sua disposiçãotodos os recursos necessários para que pudes-se organizar eleições credíveis e justas.” Até à data, os partidos políticos lançaram assuas campanhas sem qualquer dificuldade mastal não significa que o governo não enfrenteproblemas, diz John Larvie: “O PresidenteKufuor não parece ter mão firme sobre osministros, o que se deve às frequentes remode-lações de governo.”Elvis Efriyie Ankrah do NDC disse que pare-cem existir sinais de dissidência entre a presi-dência e o partido no poder. “Quando oPresidente apoiou Stephen Ntim no últimocongresso de delegados nacionais, os mem-bros do partido decidiram votar nos candidatosde sua escolha. Estes foram seguidos pelosdelegados votando contra Alan Kyermanten,que era a escolha do Presidente Kufuor comoseu herdeiro. Presentemente, o partido estácontra ele por ter designado Evans Atta Mills,o candidato presidencial do NDC, para umadistinção nacional.” Nas últimas eleições, o Presidente JohnKufuor obteve 52,45 por cento dos votos eJohn Atta-Mills, do Congresso DemocráticoNacional, 44,64 por cento numa corrida eleito-ral, que, no Gana, é tradicionalmente disputa-da por dois partidos. Elvis Efriyie Ankrah acrescentou que os elei-tores mais argutos “iriam votar para escolher ocandidato que julgassem mais apto a governaro país”. �

* Jornalista em funções em Acra.

** Nos últimos relatórios anuais do “Doing Business”(Banco Mundial, 2006) o Gana conta-se entre os 10 maio-res reformadores. Em 2005, o Gana era o quarto classifica-do em África no que se refere ao índice de crescimentocompetitivo do Banco Mundial.

Palavras-chaveGhana; politique ; président JohnAgyekum Kufuor ; Francis Kokutse,Debra Percival .

A descentralizaçãotambém está

atrasada

Tropas ganesas entre a missão da ONU no Sudão, 2006. © Nações Unidas

Reportagem Gana

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De todos os países da região, dá aimpressão que a Providência esco-lheu o Gana para o recompensar dasua gentileza. O país passou por

todo o tipo de dificuldades mas saiu ileso.Como outros países da região, teve a suaquota-parte nas roturas da sua vida políticacom intervenções militares. Felizmente, foi oúnico país que não esteve envolvido emnenhum conflito civil grave. Beneficiando da acção do governo doPresidente John Agyekum Kufuor, tem-seregistado um crescimento da economia que semantém robusta. E com a recente descoberta deenormes jazidas de petróleo, há sinais de que opaís se prepara para dar um salto gigante. O

Presidente Kufuor não conseguiu disfarçar oseu sonho de um Gana melhor quando disse,numa recente comunicação à nação, que a subi-da dos preços globais do petróleo era apenasum momento decisivo e que “as dificuldadespresentes podem ser apenas temporárias. Porisso, confiemos no futuro com esperança”.Kufuor tem razão. Com as descobertas depetróleo superiores a 3,9 mil milhões de barris,pode-se dizer que os Ganeses são abençoadosnesta altura do seu desenvolvimento e que ofacto poderia dever-se à Providência que sorriàs pessoas. Contudo, alguns analistas discor-dam que seja tudo devido à Providência. O paísvem preparando a sua prosperidade futuradesde a década de 60, advertem. “Tem sido

feito muito trabalho nessa direcção”, disse FredSagoe, um antigo empregado da GhanaNational Petroleum Corporation. “Foram fei-tas prospecções de petróleo em todo o país e osresultados estão à vista. O país também conse-guiu formar um grande número de engenheirosdo petróleo que estão a trabalhar em todo omundo, o que dá a impressão de que o país pre-parava o seu futuro em silêncio”, acrescentou.

> O legado de Kwame Nkrumah

Vladimir Antwi-Danso, um alto assistente deinvestigação do Centro de NegóciosInternacionais da Universidade do Gana, dizque “as bases da economia do país foram lan-

PROVIDÊNCIA,prudência e planeamentoA estabilidade política passada e presente vai de par com uma economia robusta quetem permitido um bom planeamento e crescimento económicos. As novas jazidas depetróleo são um bom presságio para o futuro.

Espaço Comercial, Acra, Gana 2008. © D. K. Anobil

ReportagemGana

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çadas na primeira legislatura do governo deKwame Nkrumah”. Na altura, poucas pessoasacreditavam que a maior parte das políticaspostas em prática beneficiariam o país maistarde. Houve os que criticaram Nkrumah, masas suas políticas foram orientadas na direcçãoque o país está a tomar.Antwi-Danso disse no início que o Gana erauma economia fechada. Foi posto em marchaum importante programa de substituição que,na altura, foi considerado uma opção errada.No entanto, “permitiu a construção de infra-estruturas que estiveram na base de uma taxade emprego elevada no país”, afirmou. Umbom exemplo disso é o Projecto Hidroeléctricodo Volta, em Akosombo, que é hoje a principalfonte de energia do país. Além disso, Tema Porte toda a sua área concelhia, que fazia parte doplano de industrialização de Nkrumah, mante-ve-se um dos principais legados que Nkrumahdeixou ao país.Antwi-Danso disse que, na altura, o Governotambém embarcou num programa educacionalacelerado através do Ghana Education Trustque criou. Isto conduziu à construção de maisescolas em todo o país. “O efeito desta políti-ca é que o país tem recursos humanos altamen-te qualificados, que até exporta para algunspaíses desenvolvidos e beneficia actualmentedas respectivas remessas”, disse.O Governador do Banco do Gana, PaulAcquah, confirmou o aumento das remessas.As transferências privadas provenientes doestrangeiro através de bancos e empresasfinanceiras elevaram-se a 1,380 mil milhõesde dólares dos EUA nos primeiros dois mesesde 2008, o que representa um aumento de48,7% em relação aos 927,9 milhões de dóla-res dos EUA registados no período correspon-dente de 2007. “Segundo os dados das trans-

ferências totais no final de Fevereiro de 2008,houve um aumento de 275,5 milhões de dóla-res dos EUA para os indivíduos, em compara-ção com os 202,3 milhões de dólares dos EUAem Fevereiro de 2007”, disse Acquah numaconferência de imprensa recente em Acra.Seja qual for o crescimento de que o país des-frute actualmente, a sua base de sustentaçãoestá no passado. Alguns analistas económicosdizem que o país, entre a década de 70 e o finalda década de 80, viveu tempos difíceis. É, porisso, atribuído muito mérito ao antigoPresidente, Jerry Rawlings, que conseguiumanter a estabilidade política no país numaaltura em que muitos dos seus vizinhos searruinavam com todo o tipo de conflitos civis.

> Abrigo seguro no Gana

Jacob Fredua, um motorista de táxi em Acra,lembra que, “na altura em que a Libéria e aSerra Leoa estavam debaixo de fogo,Rawlings conseguiu manter o Gana intacto.Quando o Togo estava em guerra durante aúltima presidência de Gnassingbe Eyadema, oGana concedeu refúgio aos Togoleses. Quandoos Costa-marfinenses decidiram matar-se unsaos outros, utilizou-se o nosso país paraencontrar uma solução ao problema na Costado Marfim”. Isto não significa que o Gana não tenha tidoproblemas para resolver. Houve focos de inse-gurança nalgumas partes do país. No Norte, naRegião Este Superior e, ultimamente, nasregiões do Volta, houve alguns tumultos civisque não perturbaram a paz, muito emboratenha havido vítimas a lamentar.Antwi-Danso diz que foi a estabilidade políti-ca que deu ao Gana uma vantagem sobre osseus vizinhos, permitindo ao país crescer. “A

melhoria da situação do país deve-se ampla-mente a uma injecção maciça de capital”,acrescentou.Antwi-Danso tem razão. Quando o Gana apli-cou um Programa de Ajustamento Estrutural(PAE) em meados dos anos 80, o capitalestrangeiro serviu para revitalizar uma econo-mia doente. “O actual regime, que vigora hásete anos, pôde prosseguir o processo dereconstrução através de políticas económicasprudentes”, prosseguiu Antwi-Danso. O actualgoverno também conseguiu gerar investimen-to estrangeiro substancial ao incluir o país nalista dos Países Pobres Altamente Endividados(PPAE). Isto proporcionou uma redução multi-lateral da dívida. “Foram perdoados cerca de6,2 mil milhões de dólares dos EUA, graças aoestatuto de PPAE declarado pelo país”, disseAntwi-Danso.Assim, os fundos gerados localmente, quepodiam ter sido afectados ao pagamento dadívida, foram, em vez disso, utilizados parafinanciar projectos de infra-estrutura, gerandoempregos no tecido económico. Isto permitiuao país manter o seu crescimento e controlar ainflação até este ano, quando os aumentos glo-bais dos preços do petróleo e a inerente crisealimentar afectaram parte do crescimentomodesto granjeado nos últimos seis anos.Apesar disso, Antwi-Danso diz que o Governotambém foi fiel à justeza económica e dá méri-to ao “Banco do Gana, que também soubecrescer e caminhar com a sua política monetá-ria”. F.K. �

Palavras-chaveFrancis Kokutse; Gana; política;Presidente John Agyekom Kufuor; crise ali-mentar; petróleo.

Nouakchott Opus incerto, obra de Philippe Bernard. © Philippe Bernard (www.afriqueinvisu.org)

Um comércio de bens florescente. © EC/T. Dorn

Reportagem Gana

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Um montante de 175 milhões deeuros destina-se ao apoio orça-mental geral. A UE é um dosvários doadores que estão a canali-

zar os fundos de desenvolvimento directamen-te para o orçamento do Estado a fim de ajudar,por exemplo, a realizar reformas económicas ea desenvolver o sector privado. Desde 2003, os doadores que fornecem estetipo de ajuda têm-se reunido num fórum deApoio ao Orçamento Multidoadores (MDBS).São actualmente dez: UE, França, Canadá,

Dinamarca, Alemanha, Países Baixos, Suíça,Reino Unido, Banco Africano deDesenvolvimento (BAD) e Banco Mundial.As partes envolvidas no MDBS controlamregularmente a ajuda orçamental e discutem asavaliações para a elegibilidade do financia-mento, avaliando aspectos como a evolução doGoverno na aplicação de políticas macroeco-nómicas orientadas para a estabilidade, areforma das finanças públicas e a prossecuçãodos objectivos de redução da pobreza. Espera-se que a UE apresente, no âmbito do 10.° FED,

dois programas de ajuda orçamental separa-dos, cada um com a duração de três anos.

> Governação

Os 95 milhões de euros atribuídos à governa-ção ajudarão a fomentar a descentralização. Osfundos para esta área consistirão, em parte,num apoio ao orçamento e, em parte, numaajuda a projectos, indicam os funcionários daComissão Europeia, financiando projectoscomo vias de penetração e instalações de água

Novo APOIO DA UNIÃOEuropeia utilizado para a

governação e os transportesUma concentração persistente no apoio orçamental e à governação e o estabelecimentodo Gana como terminal de transportes ocupam um lugar proeminente no pacote dedespesas de 367 milhões de euros em seis anos do 10° Fundo Europeu de Desenvolvimentoestabelecido entre a União Europeia e o Governo do Gana (2008-2013).

Praia de Acra. © Igino Schraffl

ReportagemGana

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e de saneamento. Este financiamento corres-ponderá a 2000 microprojectos previstos nosFED anteriores, principalmente no domínio daeducação, da saúde e da água. Uma avaliaçãorecente descobriu que o envolvimento dasAssembleias de Distrito era crucial para osucesso de tais projectos. As verbas reservadas à governação serão utili-zadas para reforçar a sociedade civil (8 milhõesde euros) e instituições de governação não exe-cutivas (4 milhões de euros) para que ambaspossam encetar o diálogo com o governo locale agir como “guardiãs”. O financiamento noâmbito do 10.° FED destina-se especialmenteàs organizações básicas e rurais. O financia-mento também poderá ser afectado, eventual-mente, a instituições de governação não execu-tivas, como o Ghana Audit Service, para ajudara reforçar as relações com o parlamento.

> Transportes

Foram reservados 76 milhões de euros para ostransportes. O sector dos transportes é vistocomo essencial para a redução da pobreza. AUE tem apoiado a elaboração de um PlanoNacional de Integração dos Transportes queabranja portos, instalações portuárias, cami-nhos-de-ferro e estradas. Com a nova tónicana integração regional, o 10.° FED tomará emconsideração a beneficiação e a construção deestradas nacionais de modo a fazer do Ganaum centro de transportes regional. Está orça-mentada a reabilitação de estradas nacionaisno Oeste do Gana, mas uma nova construçãosó será efectuada após uma avaliação social eambiental. Se os benefícios forem considera-dos insuficientes, as atenções podem ser des-viadas para outras estradas nacionais, como acontinuação do corredor leste, indicam os fun-cionários da UE.

> Comércio e conservação

Dos 21 milhões de euros remanescentes, espera-se a afectação de 9 milhões de incentivo aocomércio, tendo o Gana assinado recentementeum acordo de parceria provisório com a UE.Espera-se que os fundos ajudem o país a sermais competitivo em matéria de exportações nãotradicionais e possam igualmente ser canaliza-dos para melhorar a documentação aduaneira. São afectados 8 milhões de euros da quantiaremanescente à gestão dos recursos naturais,incluindo o reforço dos organismos básicos deregulação envolvidos na gestão dos recursosnaturais, e também ao apoio da Aplicação daLegislação, Governação e Comércio no SectorFlorestal (FLEGT) da UE para limitar a explo-ração florestal ilegal.

São também afectados 2 milhões de euros doorçamento total à migração, à diáspora e àsegurança. Um projecto como este, referem os funcioná-rios da UE, poderia consistir na compilação deum directório dos profissionais ganeses, regis-tando os dados das respectivas empresas comendereços e-mail de acesso fácil. Está igual-mente prevista assistência técnica para melho-rar a capacidade das agências de polícia e demigração na aplicação da legislação. Cinco por cento da população do Gana fazparte da diáspora, calculando-se que, só emÁfrica, reside um milhão de Ganeses (citadoem Twum Baah 2005) e 189.461 inscritos nabase de dados da migração da Organização deCooperação e Desenvolvimento Económicos,não incluindo a Alemanha. Outros estudosapontam para a existência de 600.000 Ganesessó no Reino Unido e na União Europeia. A diáspora é igualmente uma fonte de divisassubstancial, tanto através das remessas para oGana como do turismo. Muitos Ganeses sãoaltamente qualificados e trabalham no sectorda saúde no estrangeiro. A construção no Ganaé o principal sector de crescimento e é parcial-mente financiada pelas remessas. A lei foirecentemente alterada para permitir a duplanacionalidade aos Ganeses e alargar o voto aosque vivem no estrangeiro. Em 2006, tambémfoi criado um Ministério do Turismo e dasRelações da Diáspora. Há também mais doismilhões de euros para um mecanismo de coo-peração técnica. Além do pacote conhecido como o pacote ‘A’,estão orçamentados mais 6,6 milhões de eurospara os dois primeiros anos do 10.° FED nopacote ‘B’, que cobre necessidades imprevis-tas, como assistência de emergência, iniciati-vas de redução da dívida internacionalmenteaceite e apoio para mitigar os efeitos secundá-rios da instabilidade nas receitas da exporta-ção. Como membro da Organização Regionalda África Ocidental, a ComunidadeEconómica dos Estados da África Ocidental(ECOWAS), o Gana também beneficiará do10.° programa indicativo regional da UE paraa região da África Ocidental e é elegível paraposterior financiamento, tanto ao abrigo dasfacilidades de Energia e Água da UE como daparceria UE-África no campo das infra-estru-turas. D.P. �

Palavras-chaveGana; FED; ajuda orçamental; governa-ção; Debra Percival.

Superfície: 240.000 km²

Independência: 6 de Março de 1957

Presidente: John Agyekum Kufuor (NovoPartido Patriótico)

População: 23,1 milhões de habitantes Principais exportações: cacau, ouro, madeira,bauxite, alumínio, minério de manganês

Principais importações: géneros alimentícios,combustíveis, bens de investimentoValor das exportações: 4 mil milhões de dóla-res dos EUA

Valor das importações: 8 mil milhões de dóla-res dos EUA (2007)

Esperança de vida à nascença, em anos: 59,7

Taxa de mortalidade infantil (por 1000 nados-vivos): 76

RNB: 12,8 mil milhões de dólares dos EUA

RNB per capita: 510 dólares dos EUA

Índice do PNUD: 135 sobre 177 (Relatório deDesenvolvimento Humano das NaçõesUnidas de 2007-2008)

Legislatura nacional: 230 membros eleitospor sufrágio universal de 4 em 4 anos.Próximas eleições presidenciais e legislativasprevistas para Dezembro de 2008.

Principais partidos políticos: Novo PartidoPatriótico (NPP), Congresso DemocráticoNacional (NDC), Convenção Nacional doPovo (PNC), Partido da Convenção do Povo(CPP), Movimento Unido do Gana (UGM) eo Partido Reformista Nacional (NRP).

Fontes: Governo do Gana, ComissãoEuropeia, Banco Mundial, PNUD, CIA

* Estatísticas para 2006, salvo indicação em con-trário

O GANA EM NÚMEROS*

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Mapa do Gana 2007. © Universidade do Texas em Austin

Reportagem Gana

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Deve haver qualquer coisa que temproporcionado ao Gana desempe-nhar um papel de liderança naÁfrica Ocidental, muito embora

não seja um grande agente económico. OsGaneses orgulham-se de ser muito pacíficos eisso tem-se reflectido no facto de o país terescapado a todos os traumas de guerras civisque afectaram os seus vizinhos.Em Abril deste ano, a African Business, umarevista pan-africana publicada em Londres,colocava a Nigéria em terceiro lugar numalista das empresas de países africanos maiscotadas no continente. Entre as 200 empresasmais cotadas de África, trinta são nigerianas. Eas estatísticas regionais da revista para a Áfri-ca Ocidental são ainda mais reveladoras. Naclassificação das 50 maiores empresas da Áfri-ca Ocidental estabelecida pela revista, aNigéria tem 45 empresas e o Gana apenasduas. Mais ainda, estas empresas – o StandardChartered Bank e o Ecobank Ghana Limited –não são exclusivamente ganeses.Assim sendo, poder-se-ia pensar que fosse aNigéria, mais do que o Gana, a desempenharum papel de liderança no contexto regionaldos negócios na África Ocidental. Não é issoque se verifica. Um analista radicado em Acra,Jos Anyima-Ackah, afirma que, enquanto oGana se pode ufanar de estabilidade e cresci-mento económicos no interior de um sistemademocrático sustentável, já o mesmo não sepode dizer da Nigéria. Anyima-Ackah observou que o Gana conseguiudesenvolver no continente africano e na sub-região um papel central em matéria de investi-mento comercial, o que a Nigéria não tem sido

capaz de realizar. Estes factos incomodamalguns nigerianos que vêem o seu país como umgigante incapaz de se assumir como tal. Vladimir Antwi-Danso, alto investigador doCentro de Assuntos Internacionais daUniversidade do Gana, diz que “a razão pelaqual o Gana ainda atrai negócios sérios, apesarda falta de grandes agentes comerciais, se deveà percepção de que a Nigéria é um país corrup-to. Isso não significa que não haja corrupçãono Gana. Ela existe mas de forma subtil, aopasso que, na Nigéria, a corrupção é descara-da, e isso tem ajudado o Gana a exercer umpapel de liderança na sub-região, fazendo deleo exemplo a seguir”.

> O efeito de alavanca do Gana

Em toda a história do país, o Gana tem sidoum porto de abrigo seguro para a maior partedos seus vizinhos. Durante as guerras civis daNigéria, foi em Aburi, uma pequena cidadefora de Acra, que as facções antagónicasencontraram a paz. O Gana concedeu refúgio atogoleses, costa-marfinenses, serra-leoneses eliberianos em fuga durante as guerras civis nosseus vários países. Foi isto que proporcionouao Gana algum efeito de alavanca sobre osoutros países nos negócios do agrupamentoregional – a Comunidade Económica dosEstados da África Ocidental (ECOWAS).Segundo o jornalista nigeriano Laide Thomas,“à parte a paz que os Ganeses tomam poradquirida, o Gana é o único país da região comcapacidade para fazer avançar as coisas. Háaprovisionamento de água sem interrupção namaior parte das cidades do país, podendo

dizer-se o mesmo da electricidade. Logo,quando os responsáveis do Gana falam do rumoa seguir para qualquer país, os responsáveis dosoutros países ouvem-nos com atenção”.Não surpreende, portanto, que Antwi-Dansoafirme: “O Gana tornou-se num destino para oestabelecimento de empresas.” Daí que aComunidade Económica dos Estados da África

Ocidental (ECOWAS) tenha decidido implan-tar o Banco Central do organismo neste país. OInstituto Monetário da África Ocidental estásedeado no Gana e tudo isto veio demonstrarque o “Gana desempenha naturalmente umpapel primordial na agenda da ECOWAS”.O papel que continua a desempenhar tem feitogradualmente do país um centro comercial daÁfrica Ocidental. Tema Port, fora de Acra, tor-nou-se na base de trânsito para os Estados inte-riores, como o Burquina Faso, o Mali e oNíger, e isto “porque o país abriu as suas por-tas à circulação de mercadorias e de serviços”.F.K. �

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Um PAPELprimordial na região

O Gana pode não ser um agente económico tão grande como o seu vizinho, mas temuma dinâmica eficaz superior ao seu peso nos fóruns regionais.

Palavras-chaveFrancis Kokutse; Cooperação regional;Gana; ECOWAS; finanças.

Bandeira ganesa em Elmina. Apoiando-se no passado para criar um futuro melhor, por E.vanSteekelenburg (ed.). © www.kit.nl/publishers

o Gana é o único paísda região com

capacidade para fazeravançar as coisas

ReportagemGana

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Para preparar o país para o súbito inte-resse enquanto destino turístico, asautoridades avançaram com umplano ambicioso para atrair pelo

menos 700.000 visitantes até finais do próxi-mo ano. Têm motivos para estar esperançadasporque, desde 2005, quando o país registouum total de 450.000 visitantes, os númerostêm aumentado anualmente, segundo E. V.Hagan, director do Ministério do Turismo eRelações com a Diáspora. Em 2006, houve 500.000 visitantes e no anopassado registou-se um total de 600.000. Comoconsequência, E. V. Hagan diz que o governoestá a tentar utilizar o sector como parte de umesforço nacional para reduzir a pobreza encora-jando as pessoas a criar emprego através deacções de formação profissional que lhes per-mitam gerar rendimentos para si próprias.O súbito interesse no Gana enquanto destinoturístico não é um acaso. Wilhelm Koch, umalemão de férias em Acra disse: “O país foi-merecomendado por um amigo que passou aquiquatro semanas há dois anos. Não resisti a virvisitar e, sobretudo, a confirmar o que ele que-ria dizer com pessoas simpáticas.” Nas pala-

vras de Wilhelm Koch: “Não estou desaponta-do com a minha visita porque as pessoas sãomuito simpáticas e não parece que estamoslonge de casa. Falta é um plano coordenadopara tornar o turismo mais aliciante.”Segundo E. V. Hagan, o governo “vai utilizaros próximos quatro anos para melhorar as ins-talações em todas as atracções turísticas, demodo a alcançar este objectivo. Nesse sentido,estamos a desenvolver todas as atracções turís-ticas no país por forma a torná-las acessíveisaos visitantes”.

> Desenvolvimento turístico

Foram seleccionadas vinte e uma atracçõesturísticas, incluindo o local do antigo mercadode escravos em Assin Manso e o ponto de pas-sagem final dos escravos em Assin Praso.Além disso, a maior árvore da ÁfricaOcidental, a cidade de Akim Oda, o mercadode escravos em Salaga e as quedas de água deWli ficarão mais atractivos para os visitantes.Apesar destes esforços, Osah Thompson-Mensah, um analista do Ecobank em Acra, dizque o país tem de envidar esforços considerá-

veis para que o sector do turismo assuma cadavez mais peso na economia.“Os hotéis existentes cobram demasiado pelosserviços prestados que, de qualquer maneira,não são topo de gama” – referiu OsahThompson-Mensah. “Além disso, as instala-ções não satisfazem as necessidades dos visi-tantes. Trata-se de áreas que merecem a aten-ção das agências envolvidas no desenvolvi-mento turístico.”Mas a estabilidade do país e o alto perfil inter-nacional jogam a seu favor. Segundo OsahThompson-Mensah: “é importante que oinvestimento no sector aumente para que opaís possa vir a beneficiar do turismo”.Disse ainda que o turismo do Gana tem umfuturo promissor: “Resta garantir que osdesafios a enfrentar pelo sector possam sersuperados.”F.K. �

GANA – povo simpático (até demais)Alguns ganeses julgam-se demasiado simpáticos. Esta expressão traduz-se por“Akwaaba” na língua local, o Akan, e significa “bem-vindos”. Reflecte-se no acolhimentoincondicional reservado a quem entra em qualquer casa no Gana. Esta simpatia é onéctar que atrai os visitantes estrangeiros quais insectos.

Palavras-chaveGana; Turismo; Francis Kokutse.

À espera dos pescadores.© Igino Schraffl

Reportagem Gana

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PASSADOFUTURO

Restaurar o PASSADOpara o FUTURO

N. 6 N.E. – JUNHO JULHO 2008

Um projecto de 2 milhões de eurosao abrigo do 9º Fundo Europeu deDesenvolvimento (FED) teve iní-cio em 2004 integrado na estraté-

gia “Elmina 2015: Partir do passado paraconstruir um futuro melhor”.Derivada do português “A mina”, Elmina éuma cidade importante no passado do Gana e,no século XVI, ocupava o centro do comérciode ouro da África Ocidental. O castelo de S.Jorge da Mina remonta a 1482. Os holandesesconquistaram Elmina aos portugueses em1637, transformando a cidade no seu centronevrálgico na Costa do Ouro e, em finais doséculo XVII, num entreposto de tráfico deescravos para as plantações nas Américas. Até ao século XIX, prosperou graças à agricul-tura, à pesca e à indústria de serviços como otransporte e o armazenamento. Os holandesesacabaram por abandonar o tráfico de escravose, em 1872, venderam as suas colónias naCosta do Ouro aos ingleses em troca do reco-nhecimento dos direitos sobre Bengkulu, nailha de Sumatra, na Indonésia. A cidade deElmina foi bombardeada pelos ingleses devidoà recusa do rei de Elmina em aceitar o novogoverno britânico. Acra tornou-se o centro daadministração colonial britânica e a importân-cia de Elmina diminuiu.

> Novo impulsoO castelo e o forte de Elmina são consideradospatrimónio mundial pela Organização dasNações Unidas para a Educação, a Ciência e aCultura (UNESCO) e são muito visitados peladiáspora ganesa ao recordar o tormento sofridopelos seus ascendentes na África Ocidental.Para celebrar os 300 anos de relações diplomá-ticas entre o Gana e os Países Baixos, foi lança-do o “projecto Elmina 2015 – Partir do passadopara construir um futuro melhor”. Em 2002, eem consulta com os neerlandeses, a populaçãolocal, incluindo líderes religiosos e donos dehotéis entre outros, elaborou cerca de 80 projec-tos destinados a dar um novo impulso à cidade. O financiamento ao abrigo do 9º FundoEuropeu de Desenvolvimento (FED) destinou-se a 10 áreas: reparação da entrada e dos terra-ços superiores do Castelo de S. Jorge; renova-ção e trabalhos de jardinagem e paisagismo doForte de S. Jago; instalações turísticas emElmina; renovação de 15 casas históricas; cons-trução de escadas nas colinas de S. José e deJava; remodelação da praça de Nana KobinaGyan; restauração da capela do século XIX e dacasa do povo; renovação do cemitério holandêse arredores; expansão do museu católico e reno-vação de quatro postos militares Asafo.

Presentemente, Elmina não só está firmemen-te radicada no mapa turístico, como tambémregista importantes repercussões económicasno sector público e privado como bares, aloja-mentos turísticos e indústria pesqueira. Estarevitalização é retraçada por uma brochurailustrada, recentemente publicada pela delega-ção da CE em Acra. Citado na publicação,Christopher Ewusi, director dos serviços deturismo de Elmina, diz que com 15-20 visitan-tes por dia Elmina está a receber o dobro donúmero de turistas em relação a 2007 e oshabitantes locais alugam as casas renovadas àroda da praça para grandes eventos familiarescomo casamentos e funerais. 305.100 euros (aproximadamente 400.000cedis ganeses) a título do 9º FED foram cana-lizados para a recuperação do Forte Ussher –Antiga Acra, que também está inscrito na listado património da UNESCO. Trata-se de outrareminiscência do tráfico de escravos transa-tlântico. D.P. �

www.encounterelmina.comwww.delgha.eu.europa.eu

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Ao restaurar parte do passado do Gana em Elmina e Usshertown - Antiga Acra, a UEcontribuiu para aumentar as chegadas de turistas ao Gana. O projecto Elmina foi um“salva-vidas” – refere um residente.

Palavras-chaveGana; turismo; UNESCO; DebraPercival.

Praça Nana Kobina Gyan, Elmina desde Elmina. Apoiando-seno passado para criar um futuro melhor, por E.vanSteekelenburg (ed.). © www.kit.nl/publishers

ReportagemGana

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D escoberta da Europa

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Essência de culturas.Esbatimento depreconceitosA Reunião é, sem dúvida, uma das regiões com mais elevado grau de miscigenação

étnica, mas caracteriza-se sobretudo por uma rara miscigenação religiosa, em que amesma pessoa pode entregar-se ao culto católico e tâmul ou mesmo católico emuçulmano. Esta osmose espiritual está intrinsecamente associada à história da ilha.

Reunião

Reportagem por Hegel Goutier

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Palavras-chaveHegel Goutier; Reunião; Zorèy; Reunião;zoréoles; Paul Vergès.

Esta dispõe de outros trunfos notáveis,nomeadamente a sua aposta no futuropara o seu desenvolvimento económi-co: 30% da sua energia é de fonte sus-

tentável com o objectivo de ser a primeira terrano mundo a atingir os 100%. Sem contar coma beleza das suas paisagens que tanto vestemas praias para o descanso ou o surf como asaltas montanhas ocasionalmente cobertas deneve. E a hospitalidade verdadeiramente únicada população. Mas que o leitor se tranquilize,o paraíso não existe.A história da Reunião é a de uma ilha sempopulação autóctone, onde a instalação dos pri-meiros habitantes data do século XVII, algunshomens franceses e malgaxes, e mulheres mal-gaxes, em número de resto insuficiente para oshomens. Assim começou a miscigenação.

> História de mulheres

Depois disso e durante muito tempo, da metró-pole vieram poucas mulheres, já que a ilha eraconsiderada inóspita e a viagem muito arrisca-da. E os homens, colonos e, com mais razão,escravos e mais tarde “libertos” ou “engajados”,deviam solicitar os favores das raras mulheresao alcance do seu desejo e estatuto. As origensvariadas das mulheres e a convivência, desde oberço, de religiões diferentes e estruturadas –catolicismo, crenças tradicionais malgaxes, hin-duísmo e, mais tarde, islamismo – constituirãoo alambique de onde sairá uma essência de cul-turas, que culminou em esbatimento de precon-ceitos. Esta miscigenação redundou numa bele-za física das pessoas, superior à média, e operounão só um eclectismo suave nos contactos

humanos mas também uma relativa tolerância,senão uma abertura religiosa.

> Deuses partilhados

A maioria dos chineses da região é católicaembora continue a praticar certos rituais dopaís de origem. Mais rara, mas também pre-sente, é a dupla confissão muçulmana e católi-ca. Como Prisca, jovem mestiça indo- euro-peia, aliás mais europeia do que indiana, quetrabalha na hotelaria. Nas suas palavras: “Énormal, aqui todos somos mestiços, quanto amim sou três quartos europeia mas cresci comas duas religiões.” E explica “um reunionenseque não seja mestiço é coisa que não existe,mesmo que pense que não o é”; e percebe-selogo a diferença entre um branco crioulo e umzorèy, aquele que não é ilhéu de raiz.Fatura, indo-muçulmana de terceira geração,embora se considere muçulmana não rejeita aherança da educação cristã durante muitotempo imposta nas escolas da ilha. Não hesitaem convidar quem fotografe a sua magníficaresidência privada a entrar para a visitar e par-tilhar com ela, as suas três filhas e as filhasdestas, o lanche da tarde de domingo. O queseria shocking em muitos locais. É proprietáriade uma loja de roupa interior fina na cidade.Testemunho mais que eloquente da simpatia eda hospitalidade dos reunionenses e tambémda abertura de espírito nas práticas religiosas.Os mais belos exemplos desta aculturação reli-giosa são provavelmente as mais de 500pequenas capelas de Santo Expedito espalha-das por toda a região à frente das quais tâmu-les e cristãos vêm fazer as suas preces. Todosse juntam. O santo é cristão, a decoração e osimbolismo são indianos. Sem que isso tenha aver com o comércio da fé presente em muitospaíses pobres onde a esperança é a única segu-rança social. A miséria extrema não existe nailha e os pobres recebem uma ou outra formade assistência social.

> Efeitos colaterais positivos daassimilação

Um elemento importante para compreender aReunião é o “assimilacionismo” extremo da

administração francesa nesta ilha durante umlongo período. Após a abolição da escravatura(1848) e depois de a colónia ter recorrido aoserviço de “engajados” do Sul da Índia, daregião de Bombaim, da China e, mais tarde, doVietname e não só, tudo era feito para evitar oenraizamento de comunidades culturais. A lín-gua francesa, a religião católica, o códigonapoleónico eram o denominador comum, bemcomo os nomes franceses ou afrancesados,apelidos incluídos, impostos a todos. O quehoje representa um quebra-cabeças para osgenealogistas. Esta assimilação forçada contri-buiu provavelmente para a abertura de espíritoda Reunião tanto nas relações inter-raciaiscomo na prática religiosa. As consequênciasdas acções políticas são frequentemente desti-tuídas de todo e qualquer juízo moral.

> “Zoréoles”

Foi preciso chegar ao meio do século XX paraque a liberdade religiosa fosse realmente com-pleta. Os recém-chegados à ilha misturam-sepouco, quase nada no que se refere aos comer-ciantes paquistaneses e chineses, e menos que amédia para os zorèys, ainda que os “zoréoles”,filhos de zorèys e de crioulos, não sejam raros. Christophe Tézier, chefe de redacção de umdos dois diários locais de grande tiragem,entende que “a harmonia mestiça é um facto.Como prova, há brancos ricos e brancospobres. Na zona mais carenciada da ilha, só hábrancos, os descendentes dos novos cortadoresde cana-de-açúcar após a abolição da escrava-tura. O casamento multirracial é comum.Ainda que as comunidades paquistanesas echinesas sejam muito fechadas e se presencieuma certa segregação em certas mulheres ára-bes e em algumas raras famílias brancas.”Mas no conjunto, a sociedade reunionense éprovavelmente única, o que leva Paul Vergès,Presidente do Conselho Regional da ilha, adizer que “a Reunião transpôs o estádio dadiversidade cultural para constituir uma socie-dade intracultural. Toda a população estáconsciente da integração de elementos cultu-rais de África, da Ásia e da Europa.” H.G. �

N. 6 N.E. – JUNHO JULHO 2008

Cidade de Saint-Denis. Templo Tâmul. Catolicismo, religiõesmalgaxes, hinduísmo e, mais tarde, islamismo – fizeram

parte de um pot pourri de culturas 2008. © Hegel Goutier

Descoberta da EuropaReunião

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AReunião é oficialmente habitadadesde 1663, data da fixação dosprimeiros colonos propriamenteditos. Na verdade, os primeiros

habitantes da ilha tinham sido deportados deMadagáscar em 1646 por Jacques de Pronis,administrador da Companhia Francesa dasÍndias, a quem tinham criticado as malversa-ções em proveito de uma amante malgaxe. A ilha não era porém desconhecida. Primeiro,navegadores árabes, provavelmente egípcios,tinham arribado por volta do século XII. É aDina Morgabim ou Mghrebin dos primeirosportulanos. Mais tarde, os portugueses, aoexplorar a rota do cabo da Boa Esperança paraas Índias, não tardam a seguir-lhes as pisadas.O primeiro deles, no regresso da viagem a Goade 1512 a 1516, é Pedro Mascarenhas. Dondeo nome de ilhas Mascarenhas partilhado pelaReunião com Maurícia e a ilha irmãRodrigues.Os navegadores farão aí escala regular, apre-ciando a beleza da flora e a variedade dafauna. Em 1638, o capitão Goubert, em nomede Luís XIII, estabelece a soberania francesana ilha então denominada em francêsMascarin. Quatro anos depois, a CompanhiaFrancesa das Índias, criação do cardialRichelieu, obtém deste uma concessão por 10anos tendo, como administrador, Jacques dePronis, instalado no Forte Dauphin, emMadagáscar. Em 1649, o capitão RogerLebourg, sempre em nome do Rei, apodera-seda ilha e rebaptiza-a “ilha Borbom”. É elequem encontrará de boa saúde os exiladosdados por mortos que recuperará.

> Refúgio de amotinados

Em 1654, Flacourt, que sucedeu a dePronis, retoma o velho hábito de sedesembaraçar dos inimigos. Destavez a vítima é Antoine Couillardacompanhado de sete voluntá-rios franceses e de seis criadosmalgaxes. Permanecerão quatroanos em Borbom antes de fugi-rem num barco em escala. E,em 1663, instalam-seLouis Payen mais umcompanheiro e 10 cria-

dos malgaxes. Verdadeiros colonos porquecomeçaram a desenvolver uma agricultura euma pecuária embrionária. Posteriormente,Etienne Regnault, nomeado governador deBorbom, fixa-se com uma vintena de colonosem 1665. Também são enviados malgaxes. O desenvolvimento da colónia faz-se muitolentamente de início. É a introdução em 1715

do café, com plântulas provenientes do Iémen,que a vai acelerar. A Companhia Francesa dasÍndias é então um Estado dentro do Estado,controlando toda a economia de Borbom etodo o negócio entre a colónia e a metrópole,acumulando lucros fenomenais. É a época emque o célebre pirata Olivier Le Vasseur conhe-cido como O Falcão, entre outros, percorria aságuas do oceano Índico. Em Abril de 1721 ter-se-á apoderado do navio “Vierge du Cap”,naufragado por um ciclone, e saqueado ouro,diamantes e pedras preciosas que terá enterra-do nos arredores da cidade de Saint-Gillesantes de acabar no cadafalso em Borbom em1727. Ocasionalmente, diz-se na ilha, certosproprietários enriquecem devido às obras deterraplenagem realizadas na região. Durante quase um século, o café será respon-sável por uma fase de grande crescimentoeconómico. Depois do café, a ilha virar-se-ápara as especiarias introduzidas por PierrePoivre em 1767.

> Ilha Bonaparte

Entretanto, chega a Revolução Francesa. OCódigo Negro, em vigor desde 1685, continua aassimilar o escravo a um bem móvel. Ao invésdas Antilhas, não há sobressaltos em Borbomem 1789. O decreto de 4 de Fevereiro de 1794sobre a abolição da escravatura aplicado nasAntilhas, sobretudo em Santo Domingo (Haiti),foi aqui ignorado. Mais precisamente, ditou uma“união” movida por uma vontade independen-tista. E isto até ao restabelecimento da escrava-tura por Napoleão em Maio de 1802. Para coroareste episódio, em 1806, a ilha muda de nome,

passando-se a chamar “ilha Bonaparte”. Depois de várias tentativas, os ingleses,que, entretanto, se instalaram em

Maurícia e Rodrigues, conseguiramconquistar a ilha Bonaparte em

1810 antes de a retroceder noâmbito do Tratado de Paris em1814 (na realidade em Abril de1815), data em que a ilha reto-ma a denominação de Borbom,

quando a França regressaà monarquia. Mauríciae Rodrigues permane-cem inglesas.

HISTÓRIA Cidade de Saint-Paul. Estátua da Virgem.Para evitar a distinção cultural da

comunidade: língua francesa, religiãocatólica e código napoleónico imposto a

todos, 2008. © Hegel Goutier

Descoberta da Europa Reunião

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> Monocultura da cana-de-açúcar e período de desalento

Durante o século XIX, a agricultura evoluiupara a monocultura da cana-de-açúcar. O quecausou um crescimento exponencial da popu-lação que quase duplicou de 1848, ano da ver-dadeira abolição da escravatura, a 1869. Apósum período de grande prosperidade chega acrise açucareira por volta de 1860. Ciclones,epidemias de cólera e perturbações sociaiscontribuem para instalar o desalento. A partirde 1880, há uma perda de interesse da Françapela Reunião em proveito de Madagáscar.Opera-se uma tentativa de diversificação, doaçúcar para a baunilha e as plantas aromáticaspara perfume, sobretudo o gerânio de que aReunião se tornará o primeiro exportadormundial de essência.

> Empenhamento cívicoMesmo sem recrutamento os reunionensesparticiparão em massa na Primeira GuerraMundial: 15.000 voluntários dos quais 3000mortos. Na Segunda Guerra Mundial, o poderlocal apoia o regime de Vichy, o que lhe acar-reta o bloqueio inglês. A ilha será libertada em1942 pelas Forças Francesas Livres. Mas aregião é então subdesenvolvida.O Partido Comunista Reunionense, liderado pelafamília Vergès, e o sindicato dos ferroviárioslutarão pela departamentalização. Uma estratégiaconcertada entre a Reunião e a Martinica, comAimé Césaire como porta-bandeira, a Guadalupee a Guiana culminará na lei da departamentaliza-ção de 19 de Março de 1946.Os anos 60 serão os da modernização. AReunião recuperou o atraso. Tem a aparênciada sociedade europeia moderna, com as suas

redes viárias, o desenvolvimento das teleco-municações, etc. A Reunião é a única regiãomonodepartamental de França. Existe actual-mente um projecto de bidepartamentalizaçãoapoiado pelo partido comunista e uma parte dadireita. Saint-Pierre será a segunda sede de cir-cunscrição. Actualmente, Paul Vergès, reeleitopela esquerda em 2004, preside ao ConselhoRegional (departamento), a instância que gereos planos de desenvolvimento da ilha, eNassimah Dindar (UMP) preside ao ConselhoGeral (departamento). Um comunista e umamulher muçulmana. H.G. �

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Vocabulário para compreender aHISTÓRIACrioulos: Gros Blancs, Petits Blancs e Cafres.Gros Blancs (descendentes dos grandes fazen-deiros ricos). Petits Blancs (pequenos agricul-tores das montanhas). Cafres, os negros reu-nionenses (do árabe kafir: infiel). A distinguirdos negros não crioulos, comorianos e maio-tenses. Os crioulos representam dois terços dapopulação.

Malbars: Indianos (de religião hindu), os che-gados depois do meio do século XIX como“engajados” para trabalhar nas plantações decana-de-açúcar. Representam 20% da popula-ção. Na realidade, são principalmente tâmules

da região de Madrasta. Sobretudo pequenosfazendeiros. Alguns enriqueceram.

Zarabes: +/- 5%. Indianos muçulmanos princi-palmente da zona de Guzarate (norte deBombaim). Chegados no início do século XX.Controlam perto de metade da economia da ilha.

Chineses: Por volta de 1860-1870 e no decur-so do segundo decénio do século XX. Provêmprincipalmente da região de Cantão. Pequenocomércio, mercearia e grande distribuição.Apenas 3% da população. Católicos e de mis-cigenação religiosa.

Zorèys: Metropolitanos, quadros e funcioná-rios, peritos num horizonte temporal de curto emédio prazo. 6% da população.

No alto da pirâmide social, os Gros Blancs eos Zarabes. Em baixo, os Petits Blancs e osnegros não crioulos. H.G. �

Palavras-chaveHegel Goutier; Dina Morgabim; Mghrebin;Ilhas Mascarenhas; Madagáscar; IlhaBorbom; Paul Vergès; Nassimah Dindar;Ilha Bonaparte.

Palavras-chaveHegel Goutier; crioulo; malbar; zarabe;zorèy.

N. 6 N.E. – JUNHO JULHO 2008

Ilhéus da Reunião: Fatura (à direita), adolescentes (ao centro) e Prisca

(à esquerda), 2008. © Hegel Goutier

Descoberta da EuropaReunião

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A Reunião aposta na ALTA TECNOLOGIA.A Reunião aposta na ALTA TECNOLOGIA.

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Ohomem é igual a si próprio, dopaleio à cultura, nas suas confe-rências de imprensa muito apre-ciadas pela retórica que mantém

em suspenso mesmo os seus detractores.Nesse dia, Paul Vergès manifestava a sua gran-de preocupação quanto à situação da Reuniãoque considera “em estado de alerta máximo”devido ao estado global da Terra. Para concre-tizar as soluções que preconiza: o investimen-to nas tecnologias do futuro em que a Reuniãojogou todos os seus trunfos e o co-desenvolvi-mento com os vizinhos do oceano Índico. Começou por cativar a audiência com umadialéctica subtil sobre os elos existentes entrea contestação difusa, aqui e ali, por todo omundo, as incidências planetárias da dicoto-mia Clinton-Obama, as próximas eleições para

a presidência da Comissão Europeia, a demo-grafia mundial, o aumento do número de tor-nados nos Estados Unidos e outras perturba-ções climáticas, a mais recente na Birmânia, eo preço das matérias-primas e do petróleo. Aacrescer às negociações dos acordos de parce-ria entre os Estados ACP (África, Caraíbas ePacífico) e a União Europeia e a mundializa-ção da economia.“Perante isso, a Reunião deve desenvolver-serapidamente quando ao mesmo tempo sofreem cheio os efeitos da mundialização.” Osagricultores receiam que os acordos de parce-ria económica (APE) tragam a concorrênciados seus vizinhos e porém parceiros do co-desenvolvimento preconizado por PaulVergès. O sector privado teme a abolição do“octroi de mer” que autoriza as autarquias

locais da ilha a aplicar direitos de importaçãopor mar a certos produtos. E o que aconteceráao famoso projecto “Comboio-Eléctrico” quevinha revolucionar a circulação na ilha, afecta-do directamente pela subida vertiginosa dopreço da energia e das matérias-primas?Para nos fazer compreender melhor as suasestratégias de desenvolvimento para a suaregião, a Reunião, Paul Vergès concedeu umaentrevista exclusiva ao Correio.

Perante as constatações a que chega sobre asituação global que pesa sobre um pequenoterritório como a Reunião, dispõe de que mar-gem de manobra?

Uma evidência para nós na Reunião é a modés-tia do nosso território e a modéstia da nossa

Conversa com Paul Vergès, Presidente do Conselho Regional

Surpreendente!

Montgaillard. Sede do «ConseilRégional» 2008. © Hegel Goutier

Descoberta da Europa Reunião

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população. Para a nossa estratégia de desenvol-vimento, observámos as grandes correntes pla-netárias e permanentes. Concentrámo-nos nocrescimento demográfico. Éramos 300.000habitantes em 1946, temos hoje uma populaçãode mais de 800.000. E de um milhão em breve.Depois, vêm as alterações climáticas. As nossaspraias são muito apreciadas, mas ignora-se que50% dos nossos recifes coralinos morreram eque, sem eles, as praias desaparecerão. O tercei-ro grande vector reside no comércio. A activida-de primária da Reunião incide no ciclo da cana-de-açúcar, desde a plantação à extracção doaçúcar. Como consequência dos acordos entre aUnião Europeia e a OMC, espera-se uma quedade 36% no preço do açúcar até 2013. Que fare-mos depois? Para exportações que orçam por400.000 euros, importamos 4.300.000 euros,tudo isto agravado pelo preço dos transportes.

Nesse caso, quais são os seus trunfos?

Somos uma região intertropical. Esquematica-mente, o século XXI será o do espaço e domar. Por um lado, estamos, à semelhança daGuiana, na posição mais favorável para a con-quista do espaço. Aqui é necessário menos umterço de energia para lançar um satélite do quenuma base americana. Por outro lado, o mar éo ponto de partida de todas as alterações cli-máticas. Nele existem nichos de investigação einovação sobre os recursos haliêuticos e a bio-diversidade, por exemplo. A Reunião é umaregião ultraperiférica da UE e um departamen-to francês, por isso temos beneficiado deapoios estruturais e de transferências educa-cionais. Estes têm sido aplicados na formaçãotécnica e universitária. E avançamos o maispossível na técnica e no conhecimento. Umdos 10 ciclotrões franceses utilizados na inves-tigação em oncologia encontra-se aqui. Fomosafectados por uma epidemia causada pelovírus chikungunya. Criámos um centro deinvestigação sobre patologias emergentes. Vamos instalar um sistema de satélites que nospermita conhecer a evolução ambiental numdiâmetro de 2500 km e prever, assim, as catás-trofes climáticas como a seca e a erosão dolitoral, a temperatura do mar a diferentesníveis e o estado das colheitas.Conseguimos que o parlamento francês votas-se uma das nossas propostas de lei que torna aadaptação às alterações climáticas uma priori-dade nacional. Quando se analisam os resulta-dos das cimeiras nacionais do ambiente, aFrança atingiu o nosso nível de há dez anos.Nessa altura, já queríamos a autonomia ener-gética. Antecipámo-nos às disposições deQuioto. A Reunião será a primeira região domundo a fornecer 100% da sua energia. Já

chegámos a 30%, três vezes mais do que amédia da UE. E isto incluindo, entre outras, aenergia hidráulica e a biomassa. Começámos a investigar as ondas oceânicasque “viajam” do Antárctico até virem morrernas nossas costas. Apenas Portugal segueactualmente a mesma pista. Vamos estudar odinamismo das correntes para a instalação nosfundos marinhos do equivalente às turbinaseólicas. Duas experiências similares estão a serrealizadas, sendo a primeira na Bretanha, emFrança, e a segunda numa outra região euro-peia. Utilizamos ainda uma outra força de reac-ção dinâmica, o gradiente de temperatura entreo fundo marinho e a superfície, de 5 a 20 graus. Além disso, é possível explorar os cursos deágua potável subterrâneos que correm a cercade cem metros de profundidade. Temos essaágua. No Havai, já é comercializada em garra-fa. Encarregámos uma missão de estudar nolocal como passar à prática.

Qual é a posição dos vossos vizinhos do ocea-no Índico relativamente a estes trunfos no con-texto do co-desenvolvimento que promove?

A partir da situação objectiva exposta, temosde fazer face à mundialização: há que transfor-mar as relações entre a União Europeia e ospaíses ACP. Como consolidar a nossa integra-ção na UE ao mesmo tempo que a do nossoespaço geoeconómico? Por isso, desenvolve-mos o conceito de co-desenvolvimento. Não ode cooperação que pressupõe o estabelecimen-to de contactos entre um país desenvolvido eoutro em vias de desenvolvimento. QuandoMadagáscar tinha 4 milhões de habitantes, aReunião contava 250.000. Hoje, Madagáscartem 19 milhões e a Reunião 800.000. Em2025, seremos 1 milhão e Madagáscar 30milhões. Lá para 2050, Madagáscar terá 43,5milhões de habitantes, ou seja 11 vezes apopulação de 1940. Teremos, pois, às nossasportas um país mais populoso do que a Françano meio do século XX.

Segundo o Instituto Francês de InvestigaçãoMarítima, os países não ribeirinhos (Europa,Pacífico) são responsáveis por 97% da pescade grandes pelágicos no oceano Índico. Ora onosso desenvolvimento demográfico determi-na uma grande necessidade de proteínas. É,pois, dever da UE ajudar os países do oceanoÍndico a construir a sua frota. Passamos assimdo global ao local. Queremos, com os nossosvizinhos de Madagáscar, Maurícia, Seicheles eComores, exercer uma actividade de pesca queseja capaz de suprir as necessidades proteicasde 40 milhões de malgaxes no prazo de 40anos. H.G. �

* Artigo 14°, n° 1, Versão consolidada do Tratado da UniãoEuropeia (Tratado de Lisboa) 9.5.2008 PT Jornal Oficial daUnião Europeia C 115/13.“O Parlamento Europeu exerce, juntamente com oConselho, a função legislativa e a função orçamental. OParlamento Europeu exerce funções de controlo político efunções consultivas em conformidade com as condiçõesestabelecidas nos Tratados. Compete-lhe eleger oPresidente da Comissão.”

N. 6 N.E. – JUNHO JULHO 2008 53

Palavras-chaveHegel Goutier; Camille Sudre; LaurentMédéa.

Palavras-chaveHegel Goutier; Paul Vergès; APE; tecno-logias; Reunião.

Oproblema mais sério daReunião é a taxa de 30% dedesempregados, o que explica,considera o sociólogo Laurent

Médéa, uma juventude por vezes desorienta-da. A maioria das receitas da ilha provém daajuda financeira da metrópole. As empresassão muito amiúde apoiadas financeiramentepor ajudas da França e da União Europeia, oque redunda na sua falta de competitividade.Um outro flagelo, frequentemente denuncia-do pela imprensa local, reside na economiasubterrânea – droga, caça e pesca furtiva,jogo ilegal.Os motins de Chaudron em 1991 contra acorrupção, para defender a estação de rádioe televisão “Freedom”, são expressões dedescontentamento popular. Seguiu-se-lheuma “operação mãos limpas”. Vários diri-gentes políticos foram condenados à prisão.Foram atingidas praticamente todas as famí-lias políticas. Camille Sudre, símbolo da lutapela transparência, foi eleito Presidente doConselho Regional em 1992, mas a sua elei-ção foi invalidada por questões processuais.Maggie Sudre, sua esposa, foi eleita comosuplente em 1993. A Reunião conta 63.000 utentes do rendi-mento mínimo de inserção (titulares de pres-tações sociais) e 100.000 analfabetos numapopulação de 800.000 habitantes. H.G. �

SOMBRAS A OBSCURECER O SOL

PROBLEMAS ECONÓMICOS E SOCIAIS

Descoberta da EuropaReunião

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Explica que Ziskakan é uma corrente vinda de todo o lado, Índia,Ásia, Europa e não apenas uma justaposição. “Como em todasas ilhas, a nossa cultura é feita de violação e violência, mas oque resultou é belo, fruto do sofrimento, de vários sofrimentos

paralelos, que acabaram por se juntar. O Ziskakan reflecte o país.”Mais do que uma banda, o Ziskakan é um movimento. Criado há trintaanos, o grupo de Gilbert Pounia começou por tocar as músicas locais,sega e maloya. Antes disso, esta mal era tolerada, quase proibida. Graçasa uma mobilização que envolveu cada vez mais reunionenses, “a nossacultura saiu da clandestinidade”. À época, era um escândalo ver o tam-bor numa cena oficial. Seria considerado como uma provocação.No início, o grupo tocava nos canaviais de cana-de-açúcar. Ele e os com-

panheiros foram ensinar a música às pessoas do povo, consciencializá-las,projectando por exemplo diapositivos sobre a África do Sul em luta con-tra o apartheid. “A música era um suporte da acção. O falar crioulo tam-bém, mesmo para dizer que a montanha era bela, mesmo para jogar a cartado tradicionalismo e do folclorismo.” É a língua em si que era vítima deum ostracismo que a perseverança do Ziskakan e de outros grupos, queseguiram as suas pisadas, iria obrigar a atenuar e depois a desaparecer. O Ziskakan trabalha desde o início em muitas vertentes, desde a difu-são musical, a edição de livros de poesia, de contos tradicionais, à adap-tação para o teatro de muitas obras do acervo tradicional. E logo a par-tir das primeiras oportunidades, Gilbert Pounia ia beneficiar do movi-mento das rádios livres para dar a palavra a todos, retirar a mordaça

“Ziskakan?” do crioulo “Até quando?”. A pergunta era feita pelos artistas há 30 anosquando os pilares da cultura crioula e popular eram mal vistos, a língua crioulaproibida nas escolas, a música e a dança tradicional (maloya) afastadas dos grandesteatros, o tambor maldito, assimilado à selvajaria. Gilbert Pounia é um ícone no seupaís, mas é difícil arrancar-lhe um “eu” na conversa porque de tudo o que fez, crioue revolucionou, esbaterá o prestígio por trás de um “alguém” ou de um “nós”modesto, como uma oferenda a todos os que se aglutinaram à sua volta. Trata-se deextremo requinte mais do que modéstia.

A adulação por Gilbert Pounia e os seus artistas do Ziskakan permanecerá na Reunião

Até QUANDO?

Cidade de Saint-Denis. Museu LéonDierx, Instalação. Foto: Hegel Goutier.

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primeira mãe da Reunião e outras histórias

imposta à cultura popular. Aproveitou para dar a conhecer artistas deoutras partes como Joby Bernabé da Martinica, Toto Bissainthe doHaiti, Patrick Victor das Seicheles.Um grande colóquio organizado pelo Ziskakan sobre a cultura reunionen-se, em 1981, cristalizou as vontades numa nova compreensão da nature-za profunda desta terra. E, na senda da chegada ao poder da esquerda emFrança, o movimento amplia-se, mas a parte mais importante estava feita.“Quando a esquerda chegou, o caminho estava desbravado. No entanto,a vitória da esquerda encheu-nos de esperança.”O Ziskakan optou então pela experiência política? “Caso se refira àJimmy Hendricks Experience, sim, sorri Gilbert Pounia. Não, somos ape-nas guitarristas. Continuámos a fazer o que fazíamos antes, tocar, traba-lhar o crioulo e criar imagens ainda mais belas nesta língua tão colorida.”Em contrapartida, os políticos adoptaram o Ziskakan a partir de 81. Antes,só o Partido Comunista o tinha ousado. Daí em diante, as portas das salasde espectáculos começaram a abrir-se. “E depois, Philippe Constantin daPolygram gostou do nosso trabalho e foi o primeiro a editar-nos em gran-de escala. O seu interesse era surpreendente porque não só não entro em

moldes como não estava disposto a formatar a minha música de modo acaber nos três minutos regulamentares para passar na rádio.”Volvidos trinta anos, o Ziskakan tem o mesmo sucesso na Reunião.Gilbert Pounia continua a ser venerado. O grande actor francês, “o nossoamigo” Richard Bohringer, anda em digressão com um dos seus espec-táculos de contos, Ti Jan, criado em crioulo e adaptado para francês. OZiskakan edita e produz também artistas de todo o Oceano Índico, comoo poeta Michel Ducasse e a escritora Shenaz Patel da Maurícia. Prepara-se para editar um livro de um filósofo malgaxe. H.G. �

Último albúm dos Ziskakan: “Banjara”, Ziskakan, Maio 2008, Banjara. http://www.myspa-ce.com/ziskakanContacto em França: [email protected] Reunião: [email protected]

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Palavras-chaveGilbert Pounia; Ziskakan; crioulo; Richard Bohringer; TotoBissainthe; Joby Bernabé; Patrick Victor; Michel Ducasse; ShenazPatel; Reunião; Hegel Goutier.

Após as desventuras de Louis Payene do seu companheiro, que viramfugir, com os escravos malgaxes,as duas mulheres que os tinham

acompanhado, Etienne Regnault tentou, em1665, chamar de França mulheres para a vinte-na de primeiros colonos. Não havendo nenhu-ma metropolitana “normal” interessada emfazer esta longa viagem ao desconhecido, eledescobriu o que procurava em Salpêtrière,refúgio de órfãs, delinquentes e prostitutas.Das vinte mulheres embarcadas, só duas che-garam ao Oceano Índico. Perante o fracasso, foi decidido procurar asduas dezenas de mulheres na colónia portu-guesa de Goa, na Índia, em 1678. Foi entãoque os angariadores desencantaram Teixeirada Mota, uma indiana com 11 filhas de paiportuguês. Todas, mãe e filhas, aceitaram emi-

grar. Foram as primeiras mestiças da ilha.Com elas, foi criada a linhagem dos Técher(de Teixeira).Cada barco passou a ser uma boa ocasião paratrazer mais mulheres da Índia. A partir da ins-tauração da escravatura, por volta de 1690,foram trazidas algumas escravas de África.

> Santo Expedito venerado, inesperadamente, por cristãos ehindus

A verdadeira liberdade de culto foi instauradano fim do século XIX. Assistiu-se, então, àconstrução de mesquitas, pagodes e outrosespaços de culto não cristãos. E a miscigenaçãoreligiosa não se fez tardar. O catolicismo tinhasido imposto com proselitismo a uma popula-ção sobremaneira analfabeta. A simbólica das

cores é muito forte nas religiões. Para o catoli-cismo, branco e azul são cores nobres, o ver-melho representa o mal. Ora, o vermelho é acor de Kali, a deusa principal do hinduísmo.A igreja não apreciava os motivos da devoçãodos católicos pelo Santo Expedito, muitasvezes implorado por fazer mal a outrem, pin-tou em vermelho as capelas dedicadas aosanto. Efeito inesperado: uma atracção doshindus pelos paramentos vermelhos do santo euma fidelidade persistente dos católicos.Voltou-se o feitiço contra o feiticeiro. �

* Patrice Louaisel é psicossociólogo e guia de conferênciassobre as questões identitárias e sobre as religiões. Contacto:[email protected]

primeira mãe da Reunião e outras históriasComentários de Patrice Louaisel*, apresentados por Hegel Goutier

Palavras-chaveReunião; Teixeira da Mota; SantoExpedito; Kali.

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Oratório de Santo Expedito, 2008. © Hegel Goutier

TEIXEIRA DA MOTA,TEIXEIRA DA MOTA,

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Hoje custa a crer que, no início da sua colonização, poucos estivessem dispostos ainstalar-se na ilha da Reunião, lugar considerado sem interesse e onde era impossívelviver. O visitante actual não tem a menor dúvida em utilizar catálogos turísticospejados de termos como “ilha paradisíaca” e “região de contrastes”. Exagero?!

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Imagine, no que parece um círculo de pertode 200 quilómetros, praias abrigadas emenseadas que se reflectem na superfícieespelhada da água ou dissimuladas como

piscinas por trás das linhas rochosas que as pro-tegem da ondulação. E, à distância de algunshectómetros, outras com vagas impetuosasdesafiando a audácia dos surfistas mais aguerri-dos. Volte as costas ao mar e suba à montanhasempre próxima, onde corre uma brisa frescaentre a folhagem como nos países temperados.Também cai neve no Piton des Neiges, como opróprio nome sugere, ainda que de 20 em 20anos. A última vez, no ano passado, pouco fal-tou para que a grande afluência de curiosos quefaltaram ao trabalho para admirar a neve provo-

casse tumulto quando se viram bloqueados pelapolícia com receio de derrocadas.Logo, na montanha, neve… ou fogo. O Pitonde la Fournaise fervilha, o vulcão está activohá anos. A lava da última erupção, vai paradois anos, ainda está rubra em certos locais.Não deixe de ver a igreja de Santa Rosa, queescapou milagrosamente ao monstruoso rio delava da erupção de 1977. Como testemunho, épreservada a lava consolidada, recolhendo adevoção dos peregrinos.Todas as partes da ilha são dignas de uma visi-ta. A começar pela capital Saint-Denis, simul-taneamente francesa, indiana e mestiça, comas suas belas cases (casas) crioulas, vivendascoloniais (construídas num belo estilo vitoria-

no conhecido como Gingerbread), edifícioselegantes e magníficos locais de culto, a cate-dral, a mesquita, os templos tâmules, os pago-des budistas, igrejas várias. Os Hauts de Saint-Denis estão repletos de espaços tranquilosentre imóveis de prestígio com vista para omar, como os da universidade.No Sotavento, a Oeste, magníficas paisagenscampestres parecem protegidas do burburinhomoderno, como o Moulin à eau (moinho deágua) de Saint Paul, situado numa aldeia emque o tempo parece ter parado. Um pouco maisadiante, estendem-se belas praias, das quaisSaint-Gilles-Les Bains é uma das preferidas. Ebasta subir um pouco para ficar inebriado como perfume dos gerânios. Ainda mais acima

NEVE e FOGOsob os trópicosHoje custa a crer que, no início da sua colonização, poucos estivessem dispostos ainstalar-se na ilha da Reunião, lugar considerado sem interesse e onde era impossívelviver. O visitante actual não tem a menor dúvida em utilizar catálogos turísticospejados de termos como “ilha paradisíaca” e “região de contrastes”. Exagero?!

TURISMO

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encontram-se três bacias vulcânicas que consti-tuem o Piton des Neiges com as suas múltiplascascatas, como o Voile de la Mariée (véu danoiva). E basta subir um pouco para ficar ine-briado com o perfume dos gerânios. Ainda maisacima encontram-se três bacias vulcânicas queconstituem o Piton des Neiges com as suas múl-tiplas cascatas, como o Voile de la Mariée (véuda noiva). Entretanto, não deixe de admirarSainte-Suzanne, à frente das eventuais brumase das chuvas torrenciais de Salazie, com os seuscampos de cana-de-açúcar prostrados à sombrade majestosos templos tâmules.Para a baunilha, a variedade Borbom, amelhor do mundo segundo se diz, há que irmais para sudeste do lado de Basse Vallée eaproveitar para admirar os múltiplos rios delava do vulcão. Mas os magníficos aromas e asbelas cores da natureza persegui-lo-ão ondequer que vá, a fantasia das minúsculas flores daantígona cor-de-rosa ou branca, hibiscos, todoo tipo de fetos, vetiveres, orquídeas – família a

que pertence a baunilha – sem esquecer asnotas mágicas e capitosas do ilangue-ilangue. Todas estas visitas abrem o apetite. Quanto àscuriosidades gastronómicas, poderá parar emSaint-Paul perto do moinho para provar umtanreque, mamífero da família do ouriço, gui-sado ou com caril. Tudo isto regado com vinhoda região de Cilaos, ou com a sua água mine-ral. Pode confiar nos tibars ao longo das ruasou das estradas. A qualidade e a limpeza sãogarantidas. Um outro caril original é o debichiques, alevins de caboz ou de boucheronde (“boca redonda”) que vivem no mar esobem os cursos de água. É o caviar local, pro-duto relativamente caro que as papilas gustati-vas muito apreciam. H.G. �

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Palavras-chaveHegel Goutier; Piton des Neiges; Piton de laFournaise; baunilha Borbom; tanreques;bichiques.

Os recursos da União Europeia,que contribuíram amplamentepara o rápido desenvolvimentoeconómico da ilha da Reunião,

elevam-se a cerca de 1 milhar de milhões deeuros, só a cargo do Fundo Europeu deDesenvolvimento Regional (FEDER) noperíodo 2007-2013, ao qual há que acrescerdiferentes outros apoios. Para o período 2000-2007, o total dos fundos estruturais europeusconcedidos à ilha a título do FEDER, doFundo Europeu de Orientação e GarantiaAgrícola (FEOGA), do InstrumentoFinanceiro de Orientação da Pesca (IFOP) e

do Fundo Social Europeu (FSE) elevaram-se a1,7 mil milhões de euros, um montante delonge superior às contribuições da França parao conjunto destes programas, ou seja, 62%contra 38%.Os programas a desenvolver com os fundoseuropeus foram definidos em coordenaçãocom a região e a França no âmbito de umdocumento único de estratégia e dizem respei-to: à melhoria da competitividade das pessoas,à melhoria da competitividade económica comum realce especial para o desenvolvimento deum pólo económico do Oceano Índico orienta-do para a investigação, as TIC e o turismo, a

engenharia financeira e a ajuda às empresas; arealização de infra-estruturas entre outrashidráulicas e de pesca; a melhoria da competi-tividade do território, nomeadamente atravésdas redes de transporte e da construção de alo-jamentos; e a “compensação dos obstáculosligados à ultraperiferia”: insularidade, relevo eclima difíceis e pequena superfície. H.G. �

Quase 2 mil milhões da UE paraDINAMIZAR A ECONOMIA REUNIONENSE

Palavras-chaveHegel Goutier; Reunião; FEDER;FEOGA; IFOP; FSE.

A lava do “Piton de la Fournaisevolcano” 2008.

© Hegel Goutier

Ponte 2008. © Hegel Goutier

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C riatividade

Sandra Federici*

AFRIQUE IN VISU : encontro defotógrafos EM LINHA

A história da fotografia africana está ligada de perto à história de Rencontresafricaines de la photographie de Bamaco, que a levaram à atenção do público emgeral. A Bienal de Bamaco e a investigação feita pela Revue Noire revelarampersonalidades importantes como Seydou Keita e Malick Sidibé.

Estes autores foram introduzidos nomercado da arte por coleccionadores ecomerciantes de arte, que conseguiram,por um lado, criar um grande interesse

ao redor deles, e, por outro, reforçar a imagemda fotografia africana nos “anos sessenta-seten-ta”, definindo-a como uma “fotografia de estú-dio”, consagrada especialmente à representaçãoda imagem humana. É de sublinhar que, nas últi-mas edições, a direcção de Simon Njami abriu aBienal às inovações estilísticas e à participaçãointernacional e tentou atingir o público localatravés do programa ‘off’.

> Novas formas de promoção dosartistas africanos

Mas Bamaco não é só uma vitrina para osartistas africanos. Nos últimos dois a três anosemergiram novas formas de “lançamento” defotógrafos africanos. A maior parte delas sãoblogs e sítios web onde os fotógrafos podempublicar autonomamente as suas fotografias,biografias e manifestações artísticas.O processo não utiliza uma estrutura vertical,em que o comerciante/curador/coleccionador(a maior parte das vezes ocidental) escolhe umautor, protegendo-o do esquecimento e apre-sentando as suas obras de arte no mercado: aestrutura de blog funciona muito mais comoInternet, como um intercâmbio contínuo entreos nós de uma plataforma não hierárquica e ili-mitada. Isto é uma pequena revolução que aInternet proporcionou ao sistema de arte afri-

cana, à sua capacidade de autodefinição eautopromoção, mesmo se, do ponto de vistaeconómico, os resultados só serão visíveis amédio ou a longo prazo, em contraste com opoderio dos operadores clássicos do mercado. Um dos projectos mais activos e dinâmicos éAfrique in Visu, iniciado em Outubro de 2006no Mali, em parceria com a École dePhotographie de Bamaco. Os organizadoressão a investigadora Jeanne Mercier e o fotó-grafo Baptiste de Ville d’Avray, ambos france-ses. A falta de estruturas, de formação e depolíticas culturais sólidas e coerentes são osprincipais problemas que este projecto enfren-ta na organização de seminários e de residên-cias de artistas em África e na criação de umacomunidade web forte.

> Comunidades criativas e Internet

Para além do fórum, o que parece funcionarmuito bem é a recolha de informações sobrejovens fotógrafos africanos e sobre as iniciati-vas mais importantes como exposições, semi-nários e conferências (há cerca de 2500 con-sultas do sítio web por dia). Regularmente, odestaque vai para um sítio web pessoal doautor em particular, tentando arrastá-lo parafora do enorme World Wide Web e estimulan-do observações sobre as suas obras. Alémdisso, o sítio web inclui uma selecção de ima-gens muito interessantes tiradas em África porartistas africanos e não africanos: Hip hop &société (em Brazzaville) por Badouin

Mouanda; Architecture sans architecte (Mali)por Alioune Ba; Brazzaville au quotidien, peloCollectif génération Elili…“Os nossos principais objectivos são a realiza-ção da autoformação profissional, através dointercâmbio de informação sobre o saber-fazer”, afirma Jeanne Mercier, “e a boa visibi-lidade, especialmente no contexto africano,que cruza necessariamente as fronteiras africa-nas. Mais ainda, trabalhamos sobre a suanomeação para festivais ou residências.Graças à Afrique in Visu, muitos autores foramcontactados por revistas solicitando-lhes foto-grafias/imagens ou foto-reportagens ad hoc.” Terão os autores acesso fácil aos serviçosweb? “A maior parte dos autores não tem com-putadores nem conta privada de acesso àInternet. Muitos deles editam e publicam digi-talmente as suas fotografias/imagens nos cen-tros audiovisuais situados em centros culturaisfranceses, em cibercafés ou em escolas de artee de fotografia.” A clivagem digital ainda émuito grande, mas, de qualquer forma, a ener-gia destes autores e a sua capacidade de imagi-nação permite-lhes atingir a cena internacional.�

* Directora da revista Africa e Mediterraneo publicada naItália.

© Baudouin Mouanda

Palavras-chaveFotografia; blog; comunidades naInternet; Afrique in Visu; a Bienal deBamaco.

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Cultura contemporânea noSenegal: Dak’art 2008

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Como em todas as bienais de arte, o encontro no Senegal com o Dak’art – o únicoprojecto pan-africano de arte contemporânea no mundo – é um projectoextraordinário a não perder e um magnífico pretexto para visitar um dos centrosculturais mais palpitantes de África. Criado pelo famoso poeta, intelectual e fundadorsenegalês, o Presidente Léopold Senghor, que foi o autor do “Festival des Arts Nègres”em 1966, para promover a cultura afro-central moderna em confronto directo com ocolonialismo europeu, o Dak’art foi redinamizado no final da década de oitenta.

Cultura contemporânea noSenegal: Dak’art 2008‘Afrique: Miroir?’

Aedição deste ano, intitulada ‘Afrique: Miroir?’ (“África:Um Espelho?”), abriu de 9 de Maio a 9 de Junho e foimaior e mais interessante do que nunca. Incluiu não sóartistas provenientes de toda a África, mas igualmente pro-

jectos paralelos envolvendo o design, a moda e a música de África,assim como conferências e debates sobre um vasto leque de projectosculturais internacionais, inclusive os novos meios de comunicaçãosocial.

> 130 exposições para um projecto senegalês

A “vernissage” oficial no Museu T. Monod (IFAN) foi inaugurada pelopróprio Presidente Wade, que defendeu eloquentemente a importânciada cultura contemporânea no Senegal como um instrumento de coope-ração internacional e de desenvolvimento nacional. Naturalmente, esteprojecto é senegalês, financiado e organizado por um Comité Directivochefiado por Ousseynou Wade e presidido pelo recém-chegado GérardSenac, coleccionador e protector de arte, director da Eiffage, uma dasempresas mais importantes do Senegal, e patrocinador do Dak’art.Fazem parte do grupo: Gilles Hervio, Chefe da Delegação da Comissão

Europeia, Thierry Raspail, Director da Bienal de Lião, em França,Goran Christenson do Museu de Malmö, na Suécia, bem como muitosespecialistas e artistas africanos, tais como Abdoulaye Konaté,Sithabile Mlotshwa da Fundação Thamgidi, o professor de arte,Maguèye Kassé, e o maestro agit-prop, Issa Samb. Com mais de 130 exposições em toda a cidade e nas regiões periféri-cas, a exposição foi dividida em sítios oficiais ‘in’ (IFAN, o MuseuNacional de Arte, e a recentemente restaurada Galérie Le Manège), queinclui uns 35 artistas estabelecidos, como Fathi Hassan e Ndary Lo,assim como uma miríade de situações ‘off’, assistidas por MauroPetroni, residente há muito tempo. Um novo complexo arquitectónicoextraordinário criado em Cornice foi o local para uma retrospectivaimportante para o grande mestre senegalês Iba Ndiaye. Este ano tam-bém foi interessante, com “Regards sur cours”, onde abriram ao públi-co durante o fim-de-semana cerca de 50 courtyards privados (incluindoa vivenda de George Soros!) na Ilha de Gorée, cada um acolhendo umartista. Foi estimulante uma acção paralela na oficina do famoso artistaM. Dimé, em Gorée, mostrando jovens artistas de Dacar, em vídeo,ligados à Dimensão Livre, uma plataforma internacional que liga ascomunidades artísticas à justiça social.

Mary Angela Schroth* Ndary Lô, La Muraille verte, Dak’art 2008 Afrique : miroir ? Photo Valentina Peri

Ndary Lô, Green wall, Dak’art2008 ‘Afrique: miroir?’

Foto por Valentina Peri

Criatividade

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> Um ponto de encontro verdadeiramente internacional

A base das operações deste ano foi uma “aldeia” hospitaleira, construí-da na ex-IFAN, onde jornalistas e público podiam encontrar-se e cum-primentar-se, ver uma série de vídeos e participar em vários encontroscom personagens notáveis, como o conservador de museus e escritorSimon Njami (criador de “Africa Remix”, director de “Rencontres afri-caines de la photographie” em Bamaco, Mali), o angolano FernandoAlvim (organizador do pavilhão de Arte Africana na Bienal de Venezado ano passado), e Salah Hassan do Fórum dos Artistas Africanos.Igualmente interessantes foram os contactos com artistas e jornalistasdo Senegal, como o famoso cartonista T.T. Fons, criador de“Goorgoorlou”. A vivenda de arte Ker Thiossane acolheu um festivalinteressante intitulado Afro Pixel, baseado na participação de artistasafricanos que utilizam a Internet e meios multimédia digitais. ElioGrazioli, de Milão e “Lettera 27” chefiou um debate sobre a criação deWikiAfrica Art concebida para a Wikipedia. Dak’art é um local verdadeiramente internacional e houve exposiçõesde artistas provenientes de Espanha, Alemanha, França e IlhasCanárias, bem como de Israel, em muitos locais. Obviamente, oSenegal e os seus artistas foram protagonistas importantes: uma dasexposições mais qualificadas foi instalada e executada por uma só pes-soa – V. Diba – na galeria de Joelle Le Busy Fall. Como nos anos anteriores, a extraordinária designer de moda OumouSy organizou, não apenas um, mas três espectáculos de moda separa-dos, com jovens designers senegaleses, bem como a sua própria obra –tudo no seu espaço Metissacana. O “Théâtre National Daniel Sorano”apresentou uma obra original, “La Mort et l’Ecuyer du Roi”, de WoleSoyinka, e vários clubes nocturnos, como Just for You e Pen’Art, foramdestinos para os que desejavam terminar a noite com música e dançalocais. �

*Perita de arte e directora da Galeria de Arte “Sala 1”, em Roma (Itália)

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PRÉMIOS DE DAK’ART 2008:Grande Prémio “Léopold Sédar Senghor”:Mansour Ciss KanakassyNdary Lo

Prémio do Ministério da Cultura e doPatrimónio Histórico:Nkosikhona Ngcobo

Prémio da União Europeia:Johann Van Der Schijff

Prémio da Organisation Internationale de laFrancophonie:Jems Robert Kokobi

Prémio da Cultura Francesa (“Afrique etCaraïbes en création”):Guy Bertrand Woueté Lotchouang

Prémio da Cidade de Dacar:Amadou Kan Sy

PRÉMIO “OFF” DA UNIÃOEUROPEIA:

Primeiro: Mbaye Ndoye, pinturaSegundo: Mamadou Faye, designTerceiro: Ibrahima Niang (em arte Piniang), vídeo

Menções especiais (IN/OFF):

- Saïdou Dicko, fotografia- Ousmane Mbaye, design

Palavras-chaveDak’Art 2008; arte contemporânea; Senegal.

Fathi Hassan, Whispering memory. Cortesia do autor e Sala 1, Roma

CissMansour “Kanakassis”, The De-Berlinisation Laboratory, Dak'art2008 ‘Afrique Miroir?’ Foto por Valentine Peri

Criatividade

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N. 6 N.E. – JUNHO JULHO 2008

Colocar Clark Gable e Vivien Leigh,protagonistas inesquecíveis dofilme E tudo o vento levou, na capade um romance africano será uma

escolha editorial no mínimo inesperada. E, noentanto, na sua vontade de ilustrar a obra deCalixthe Beyala, La piantagione (tradução deLa plantation, Albin Michel, 2005), com omais célebre dos beijos cinematográficos, aeditora italiana Epoché limita-se a insinuar oque, páginas a fio, surge como um dos temascentrais do livro da romancista camaronesa: odestino de uma jovem africana branca, BluesCornu, confrontada com a derrocada de ummundo de privilégios erigido sobre os mean-dros da discriminação racial. À semelhança deTara, avassalada pela Guerra de Secessão dos

Estados Unidos da América (1861-65), a famí-lia Cornu terá, também ela, de passar pelossobressaltos da História. No Zimbabué do“presidente democraticamente eleito por todaa vida” (o seu nome nunca é citado), o ano2000 anuncia o fim próximo dos riquíssimosagricultores brancos, forçados a abandonar opaís para ceder o lugar aos negros africanos. E,tal como Scarlett O’Hara, Blues prefere as ter-ras aos homens, convencida de que “amanhã,será um novo dia”. Mas as semelhanças ficam-se por aí. Enquanto na produção de Hollywoodos negros não são mais que acessórios, Lapiantagione não atribui aos brancos os primei-ros papéis. É certo que Calixthe Beyala,conhecida pela sua luta contra o racismo euro-peu, toma desta vez o partido dos colonizado-res, mas isso corresponde sobretudo a umdesígnio manifesto de descrever um panorama

onde “só há anti-heróis”. Os desastres acumu-lados por Mugabe no processo de expropria-ção dos fazendeiros brancos levaram a escrito-ra a não retratar um mundo maniqueísta.“Nenhuma personagem”, assegura, “é límpi-da. Aliás, todos os seres humanos têm zonasde luz e de sombra”. Com La piantagione,Calixthe Beyala fugiu à armadilha das identi-dades raciais, traçando retratos de homens emulheres unidos pelo amor ao continente afri-cano. Para o bem e para o mal. �

* No momento da recente publicação em Itália do últimoromance de Calixthe Beyala, La piantagione, Epoché, 2008(La plantation, Albin Michel, 2005).

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Os ANTI-HERÓISdo Zimbabué em pé de igualdade

Joshua Massarenti

A PLANTAÇÃO*

Palavras-chaveCalixthe Beyala; Zimbabué; literatura;racismo.

Desde 1948, a Jamaica ganhou setemedalhas de ouro, vinte e quatro deprata e dezanove de bronze emJogos Olímpicos. Neste ano olím-

pico, o jamaicano Patrick Robinson examina,num livro que vem mesmo a propósito, o quefez dos Jamaicanos atletas tão excepcionais.“O que foi realizado é com poucos ou nenhunsrecursos”, disse Robinson por ocasião do lan-çamento da sua publicação em Bruxelas doJamaican Athletics: A model For the World(Atletismo jamaicano: um modelo para omundo). Robinson é juiz do Tribunal CriminalInternacional de Haia, mas um fervoroso adep-to do desporto. Robinson afirmou que o siste-

ma que tem sido desenvolvido na Jamaica,através do Interscholastic Championships(CHAMPS), é a mola do sucesso a nível júnior.A nível sénior, antes dos anos 70, muitos atle-tas jamaicanos promissores costumavam irpara os Estados Unidos. O College of ArtsScience and Technology (CAST), antes de setornar na Universidade de Tecnologia(UTECH), preencheu o vazio. “Vejo uma enor-me oportunidade para a Jamaica se tornar numcentro do desporto e servir como centro des-portivo global”, disse o autor. D.P. �

Jamaican athletics - a Model for the World porPatrick Robinson.

Atletismo jamaicano: um modelo para o MUNDO

Capa da edição italiana de “A Plantação”, por Calixthe Beyala

Criatividade

Capa de “Atletismo jamaicano”,por Patrick Robinson.

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Há tempos, Dany Laferrière dera-nos esta resposta: “Escrevi livrospara ter mulheres e ganhar dinhei-ro. Tive muitas mulheres e ganhei

muito dinheiro, não é agora que me vou limi-tar a ser escritor.” O autor de sucesso de Comment faire l’amouravec un Nègre sans se fatiguer impressionafavoravelmente mais uma vez. Depois da sériede obras em que tanto fez rir como chorar,inventando um romantismo sem pieguice, semcrinolina, que vai de L’odeur du café aoCharme des après-midi sans fin, votara-se aoutros exercícios: conjugando guião, livro efilme como o seu Vers le Sud. Mas, sobretudo,ilude o leitor. Antes de mais, faz crer que só fala de si pró-prio. Em Je suis un écrivain japonais, ele – oua personagem que fala na primeira pessoacomo numa autobiografia – responde a umfuncionário da Embaixada do Japão que lheperguntava se estava mesmo a escrever sobreo Japão: “Escrevo sempre sobre mim próprio.”E isto passa-se depois da morte de uma baila-rina japonesa que se lança da janela do seuapartamento. Os agentes da polícia montadacanadiana também investigam. O autor (ou apersonagem) fala da sua vida no Haiti, noCanadá. Em primeiro lugar, o que o levou ao

projecto de um livro, cujo título seria Je suisun écrivain japonais. Para receber um adianta-mento de dez mil dólares do seu editor, atirou-lhe de chofre o primeiro título que lhe passoupela cabeça. Depois, teve de escrever. Visita locais suspei-tos, o café Sarajevo com as suas tórridas baila-rinas japonesas quase perversas, quasedemiurgas. Acaba por adoptar Basho (1644-1694), cuja obra tinha vagamente estudado nopassado, fazendo sua a narrativa de La Routeétroite vers les districts du Nord. Entra literal-mente no livro. Ou talvez este monge ardiloso,poeta vagabundo, tenha encarnado nele. Deresto, pagará caro as suas divagações entreBasho e as japonesas do “BaisersIncorporation” no Sarajevo. Suspense!Quando Laferrière – ou a personagem a quechama eu – fala de si, fala da vida, do essen-cial, do amor, da morte. Fala sobretudo detodos nós. Improvisando. Ao som de um jazzcadenciado com muito swing como um êxtase,um prazer. Embala e intimida. Quis falar do livro sem ter lido as últimas pági-nas, não correndo, pois, o risco de revelar achave do enigma, se houver enigma. Por isso,não sei em que história me meti. Mas que his-tória! Desculpe, vou acabar de ler o livro.H.G. �

Je suis un écrivain japonais, Dany Laferrière,268 pp., 2008 Editions Grasset, Paris, França

Palavras-chaveHegel Goutier; Dany Laferrière; Haiti;literatura; japonês.

A PROVOCAÇÃO AFECTUOSA Dany Lafferrière.

Cortesia de Edition Grasset. © D.L.-C.Beauregard

Criatividade

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P ara os mais jovens

N. 6 N.E. – JUNHO JULHO 2008

TEMOS FOME! Por Didier Viode

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Agosto de 2008 > 19-21 Reunião Anual do Fórum do

Pacífico, Niue

Setembro> 1-4 Fórum de alto nível sobre

a eficácia da ajuda, Acra, Gana

> 8-11 13ª Sessão da AssembleiaParlamentar ACPEncontro dos parlamentares daÁfrica, Caraíbas e Pacífico.Bruxelas, Bélgica

> 12-13 Fórum “Media eDesenvolvimento”Ouagadougou, Burquina Faso

> 15-18 4ª Reunião dos Ministros dasFinanças ACP, Bruxelas, Bélgica

Outubro> 2-3 Cimeira dos Chefes de Estado e de

Governo ACP, Acra, Gana

> 16-18 Cimeira da Diáspora Africana,África do Sul

> 27-30 Segundo Fórum Global sobreMigração e DesenvolvimentoManila, Filipinas

Novembro> 15-17 Reunião em Estrasburgo das

Jornadas Europeias doDesenvolvimento de 2008Estrasburgo, França, é a cidadeanfitriã da terceira edição dasJornadas Europeias doDesenvolvimento (JED).O fórum anual é organizado pelaDirecção-Geral doDesenvolvimento da Comissão

Europeia. As autoridades locais e odesenvolvimento é o tema do even-to deste ano. www.eudevdays.eu

> 24-27 16ª Sessão da AssembleiaParlamentar Paritária ACP-UEReunião bianual dos parlamentaresACP com os seus homólogos doParlamento EuropeuPort Moresby, Papua-Nova Guiné

> 29-3 Conferência sobre o Financiamentodo Desenvolvimento: revisão doconsenso de Monterrey, Doha, Catar

Dezembro > 4-5 Chefes das Organizações dos ACP

para a Integração Regional,Bruxelas, Bélgica

> 11-12 88ª Sessão do Conselho deMinistros ACP, Bruxelas, Bélgica �

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Achei os artigos sobre Timor-Leste muitoúteis. Ando há algum tempo a fazer algumapesquisa sobre Timor e a leitura destes artigostem-me ajudado bastante. Estou convicto deque o apoio ao desenvolvimento dos países dosol levante é a melhor maneira de ajudar.Obrigado pela publicação.

Yurithzi

Acho os artigos publicados na Edição Especialn.° 1 (“50 Anos de Cooperação ACP-UE”)

muito instrutivos. Infelizmente, no meu paísnatal, tanto quanto sei, não há publicaçõessobre estes temas e, em geral, as pessoas nãosabem quase nada de África. Mesmo agoraque integrámos oficialmente a UE, não creioque haja quaisquer iniciativas destinadas a aju-dar os países ACP e, no meu entender, a razãodisso é que, pondo de lado a arrogância dealguns políticos, as pessoas costumam consi-derar o país como um beneficiário de progra-mas de assistência e não concebem que possa-

mos ser um país doador e que possamos real-mente “exportar” a nossa experiência paraexecutar um projecto. De qualquer forma,penso que o primeiro passo, e provavelmenteo mais importante, é procurar conhecer os paí-ses ACP.

Rumyana Dobreva

Obrigado por tudo o que estão a fazer.Crescent Mwebaze

C orreio do leitor

Endereço: O Correio – 45, Rue de Trèves 1040 1040 Bruxelas (Bélgica)Sítio Web: [email protected] Correio electrónico: www.acp-eucourier.info

AgendaJunho – Julho 2008

A palavraaos leitores!

Estamos interessados na sua opinião e nas suas reacções aosartigos desta edição.Sendo assim, diga-nos o que pensa deles.