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Page 1: Galvao Rilmara Representacao Da Masculinidade Nordestina

Representação da Masculinidade Nordestina noCinema Brasileiro: uma Análise dos Signos

Identitários

Rilmara Alencar Galvão∗

Índice1 Introdução 12 Imagem e Semiótica 23 Representação de um Nordeste 44 Considerações Finais 115 Referências 11

Resumo

Este artigo trata das representações dohomem nordestino nos filmes brasileiros eestuda os signos mais empregados nos pro-cedimentos estéticos que o cinema utiliza.Para isso, considera-se relevante avaliar osaspectos típicos da região, como o fenômenoda seca e os costumes religiosos e cultu-rais, além de observar os feitios que eviden-ciam a masculinidade nordestina. Nesse in-tuito, serão objetos desta análise os filmesbrasileiros “O Auto da Compadecida”, “Lis-bela e o Prisioneiro” e “O Homem que de-safiou o Diabo”.

∗Graduada em Comunicação Social – Habilitaçãoem Jornalismo – FIP, e especialista em Assessoria deComunicação pela mesma instituição

Palavras-chave: Representação; Mas-culinidade; Nordeste.

Abstract

This article deals with the northeasternman representations on Brazilian movies andstudies the most employed signs in esthe-tical procedures which cinema makes useof. For that, it’s considered relevant eva-luating the typical aspects of the region, asthe dryness phenomenon and religious tra-ditions, besides observing features that e-vidence northeastern masculinity. This waythere will be objects of this analysis Brazi-lian movies, such as: “O Auto da Com-padecida”, “Lisbela e o Prisioneiro” and “OHomem que Desafiou o Diabo”.

Keywords: Representation; Masculinity;Northeast.

1 Introdução

A construção de sentidos imagéticos advémdo repertório cultural instituído na coletivi-dade, por meio das relações de convivên-

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cia. Neste sentido, a inserção grupal per-mite que o indivíduo absorva novas acepçõese significações acerca da realidade e deco-difique suas representações. No caso do es-paço imagético nas produções audiovisuais,mais precisamente no cinema, projeta-se aconstrução daquilo que fora absorvido noconvívio social e, acrescenta-se a este, es-tratégias de representação que possibilitemnovas leituras de sentido e reinterpretaçõessociais. Deste modo, a escolha de cada e-lemento não se processa de forma ocasionale aleatória, mas são pinçadas metodologi-camente para conceber realidades e realçarseus feitios.

Neste caso, as imagens que se projetamnas telas de cinema nascem no convívio, sãolançadas cotidianamente e nuançadas pelasrepresentações imagéticas expressas na mí-dia. E, considerando que quando visualiza-dos os objetos e outras informações são in-terpretados conforme o repertório cumula-tivo de experiências, constata-se que, muitomais do que complementos imagéticos, osobjetos em cena são envoltos de significação.

O presente artigo trata dos elementos re-presentativos da masculinidade nordestina efocaliza suas análises nos símbolos visuaisque potencializam sua representatividade nocinema. Para isso, serão objetos desta análiseos filmes brasileiros “O Auto da Compade-cida”, “Lisbela e o Prisioneiro” e “O Homemque desafiou o Diabo”, que irão possibili-tar apontamentos dos signos identitários dohomem-nordestino tratado no cinema.

2 Imagem e Semiótica

Para entender a leitura icônica da mídia vi-sual é preciso entender que o uso de ima-gens não se propõe apenas a simular deter-minada situação, ou seja, além de realçar ofato que está sendo retratado, a imagem sug-ere por meio de seus signos a construçãode tantas outras informações como fonte doconhecimento. Souza (2001) afirma que “acada dia fica mais evidente que é necessáriouma análise em profundidade que dê contados usos da imagem como fonte de infor-mação e conhecimento” (p. 17). Nessa pers-pectiva percebe-se que dependendo das ima-gens usadas e de como as cenas se apresen-tam é preciso pensar na maneira como seusefeitos são sentidos através da apreensãodo público e como são feitas suas leituras,se naturalmente ou de forma manipulada.Desse modo, assim como explica MARTINE(1996):

Quanto mais vemos imagens, maiscorremos o risco de ser engana-dos [...] a utilização das imagensse generaliza e, contemplando-asou fabricando-as, todos os diasacabamos sendo levados a utilizá-las, decifrá-las, interpretá-las. Umdos motivos pelos quais elas po-dem parecer ameaçadoras é que es-tamos no centro de um paradoxocurioso: por um lado, lemos asimagens de uma maneira que nosparece totalmente “natural”, que,aparentemente, não exige qualqueraprendizado e, por outro, temosa impressão de estar sofrendo demaneira mais inconsciente do que

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consciente a ciência de certos ini-ciados que conseguem nos “ma-nipular”, afogando-nos com ima-gens em códigos secretos que zom-bam de nossa ingenuidade. (p. 10).

Compreender imagem como um termo en-volto de complexidade é o ponto de partidapara justificar a necessidade de delimitaçãodeste estudo e esclarecimento dos termosaqui trabalhados. Isto é, circunscrita de tan-tos significados e teorias, convém entendê-la diante da perspectiva semiótica para, comisso, abordar as significações e interpre-tações.

Sendo a semiótica uma ciência dos signos,“é possível dizer que tudo pode ser signo,pois, uma vez que somos seres socializados,aprendemos a interpretar o mundo que noscerca” (MARTINE, 1996, p. 29).

Entrando no campo da significação, faz-se necessário entender a semiótica comoparte do processo que reveste o campodas construções visuais. Neste sentido,compreende-se a semiótica como uma ciên-cia que

Ocupa-se do estudo do processode significação ou representação,na natureza e na cultura, doconceito ou da idéia. Maisabrangente que a linguística, a qualse restringe ao estudo dos sig-nos lingüísticos, ou seja, do sis-tema sígnico da linguagem ver-bal, esta ciência tem por ob-jeto qualquer sistema sígnico –Artes, Música, Fotografia, Ci-nema, Culinária,Vestuário, Gestos,Religião,Ciência, etc.1

1 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/

Com isso, para estudar as imagensinserindo-as no campo da semiótica, é pre-ciso considerar o modo de produção de sen-tido, e mais precisamente, evocar uma ati-tude interpretativa na mente daqueles que aspercebem.

2.1 Cinema: Construção deSignos

Compreender o cinema como um elementocultural revestido de simbologia é o pontomais relevante e fundamental para estudaros fenômenos semióticos presentes nesteartefato, essencialmente imagético. O fatoé que, inegavelmente, mesmo recoberto deinteresses mercadológicos, o cinema pos-sui interesses culturais e intelectuais, queconsequentemente geram reboliço dentro docampo de pesquisas das ciências sociais.Ou seja, a própria percepção daquilo quese exibe produz efeitos diretamente liga-dos a culturalidade do povo, seus costumes,crenças e tradições. É por isso que as pro-duções fílmicas são determinantes no co-tidiano quando abordam questões polêmicase, muitas vezes, sugerem análises, adapt-abilidade e resoluções antes não pensadas.Conseqüentemente, é a partir da exibiçãoimagética e das idéias impressas no cinemaque se gera um acervo sígnico essencial naspercepções cotidianas.

Não é à toa que a utilização de sig-nos como uma constante da vida mo-derna tornou-se ponto de estudo de váriospesquisadores que analisam o espaço coti-

wiki/Semi%C3%B3tica>. Acesso em 20 de novem-bro de 2008.

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diano, as relações sociais, a mídia e a cul-turalidade como fenômenos proliferadoresde significados capazes de gerar tantas i-novações e modernismos. A partir disso,o estudo do cinema e suas representaçõesimagéticas se volta para a compreensão dosfenômenos da semiótica, a fim de julgaressenciais os signos presentes, mesmo aque-les mais sutis, mas que se mostram rele-vantes no recorte fílmico.

Para incluir neste estudo a importânciasígnica das imagens é preciso entender signocomo “qualquer coisa de qualquer espécie(uma palavra, um livro, uma biblioteca, umgrito, uma pintura, um museu, uma pes-soa, uma mancha de tinta, um vídeo) querepresenta uma outra coisa” (SANTAELLA,2004, p 8). Para complementar, Santaella(2004) acrescenta:

Qualquer coisa que esteja presenteà mente tem a natureza de umsigno. Signo é aquilo que dácorpo ao pensamento, às emoções,reações, etc. Por isso mesmo, pen-samentos, emoções e reações po-dem ser externalizados. Essas ex-ternalizações são traduções maisou menos fiéis de signos internospara signos externos. (p. 10).

A partir dessa definição, constata-se queo cinema é um dos campos propensos eao mesmo tempo facilitadores dessas resig-nificações de objetos e conceitos da coti-dianidade, que, revestido de caráter cultural,utiliza-se da representação como mecanismovital para as interpretações, adaptações eproduções fílmicas, que inerentemente su-gere releituras da realidade.

E ao passo em que se aprecia o cinemae suas propriedades, percebe-se que, per-

meado de simbologia, o cinema visceral-mente presente no cotidiano das pessoas,adota estratégias que possibilitam as futurasinterpretações e abre portas para a criticidadeem relação ao tratamento dado às imagens.

3 Representação de um Nordeste

É evidente que a criação e/ou recriaçãode signos representativos, aliados a outrosefeitos (visuais e sonoros) conduzem a resul-tados ou interpretações de seus elementos.No caso do cinema brasileiro, e mais precisa-mente em relação a abordagem do Nordeste,percebe-se a confluência de vários elemen-tos que ressaltam justamente seus aspectosreconhecidamente típicos, ou seja, a tipici-dade que vem da significação.

Primeiro, é importante observar os símbo-los que individualizam o Nordeste em suasrepresentações, como a seca, por exemplo,que nitidamente se tornou marca da região,caracterizando uma estrutura social de ex-ploração e miséria. Citando Castoriadis(1995), Antunes (2002) explica que

A identificação entre seca eNordeste é perfeitamente naturale compreensível, pois a seca foi amatriz, a “mãe” da região, aquiloque, desde o início (finais doséculo passado) lhe conferiu umaidentidade própria. Em torno deum fenômeno climático - falta ouirregularidade de chuva - foi-secriando e aprofundando uma“significação imaginária” [...].(p.125).

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Aliado ao fenômeno da estiagem, outrapeculiaridade faz-se importante na represen-tação nordestina: a feição natural-religiosa,que mostra, entre outros sentidos, a resig-nação de quem vive uma situação dada porDeus. Conforme Antunes (2002, p. 126),“os nordestinos tendem a atribuir à Naturezaou a Deus a responsabilidade pelos gravesproblemas da região, tornando, assim, seumundo social uma realidade dada e, por-tanto, imutável (ou, se mutável, não depen-dente dele, mas de Outro)”.

Nesse cenário, povoam ainda os com-ponentes sociais, políticos e econômicosque dão movimento às disputas por terra,dinheiro e poder. A partir dessas pecu-liaridades, vão se consolidando as cons-truções simbólicas que dão visibilidade as“caras” do Nordeste, que vai sendo vi-sualizado como espaço geográfico permeadode disputas, problemas socais, costumes etradições, e ainda com figuras caricatas, si-tuações grotescas, religiosidade extremadae outros aspectos constantemente midiatiza-dos.

No caso dos aspectos representativos dopovo nordestino, apresenta-se a marca deluta sempre alinhada aos princípios reli-giosos e tradicionais, em que homem e mu-lher têm crenças, obedecem princípios, de-fendem suas honras e etc., mas que, ape-sar dos mesmos ares, são individualizadosem suas representações. Contudo, este es-tudo limitar-se-á a análise da representaçãoda masculinidade nordestina, a fim de co-nhecer os signos usados no cinema brasileiroe mais precisamente nos filmes escolhidoscomo objetos deste artigo.

3.1 Masculinidade Nordestina noCinema

Alguns elementos expõem o nordestinocomo um ser forte, rude e viril, cuja mas-culinidade é encarada como sinônimo deforça. Nos filmes brasileiros esses aspectosaparecem associados a diversos signos quevão aos poucos desenhando e reconfigurandoa imagem do indivíduo que se torna muitomais um elemento decorativo, maquiado eprevisível pela tipicidade, do que protago-nista pela distinção de suas ações. Nesse sen-tido Andrade explica que

Proveniente dos mitos fundantesda região como o cangaço, osretirantes e o coronelismo, taisdiscursos tomam idéias regional-istas para estabelecer uma ver-são molde para a masculinidadedo nordestino, baseado de formaessencialista e unitária no ser-tanejo, elemento este importantena construção discursiva da regiãoNordeste.

Sobre a questão da representaçãoimagética do ser nordestino nos filmesbrasileiros a professora Carla Paiva2 afirmaque “os filmes operam e categorizam umamultiplicidade de imagens, marcadas ereconhecidas por estereótipos fincados nadominação econômica e política”.

2 Professora do Departamento de CiênciasHumanas (DCH II/ UNEB) que desenvolve apesquisa Signos de Nordestinidade: Análiseda representação das identidades nordestinaspresentes no cinema brasileiro. Disponível em<http://multicienciaonline.blogspot.com/2008/03/as-representaes-sociais-do-nordestino.html>. Acessoem Novembro de 2008.

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De antemão considera-se uma ressalvapara abordar que é justamente no períodoque vai de 1924 a 1930 que se intensifi-cam as discussões acerca da masculinidadenordestina. Desse modo, “o nordestino édefinido como um homem que se situa nacontramão do mundo moderno, que rejeitasuas superficialidades, sua vida delicada, ar-tificial, histérica.” (ALBUQUERQUE JU-NIOR, 2003, p. 162).

Nesse sentido, o autor ainda define onordestino como sendo

Um homem de costumes conser-vadores, rústicos, ásperos, mas-culinos; um macho capaz de res-gatar aquele patriarcalismo emcrise; um ser viril [...] o nordes-tino é inventado como um tipo re-gional, como figura que seria ca-paz de se contrapor às transfor-mações históricas em curso desdeo começo do século, vistas comofeminizadoras da sociedade e quelevavam a região ao declínio. (p.162-163)

Para complementar, Albuquerque Juniorainda explica que o “Nordeste precisavade um novo homem, capaz de resgataresta virilidade, um homem capaz de rea-gir a feminização que o mundo moderno,a cidade, a industrialização, a Repúblicahaviam trazido” (p.163).

Outro fato, como a condução e do uso dafaca como instrumento de reação a afrontastorna o nordestino áspero, rude, agressivoe peculiarmente representado nos filmes,dando ao utensílio cortante o poder sim-bólico de força e de macheza admirável.

É por isso que no caso do cinema, o indi-víduo aparece associado a signos tão forte-mente definidos e evidenciados constante-mente, a fim de estereotipá-lo com traçospaisagísticos, acima de tudo, previsíveis.Acontece que no decorrer do processo deconstrução de visibilidade da região, foramsendo criadas paisagens decisivas, como a-presenta Albuquerque Junior (2008):

Paisagem que se tornará crista-lizada, petrificada, cumulada deícones, símbolos, objetos, signosque perderão o seu caráter fugidio,o seu carater equívoco, o seucaráter polissêmico,para serem do-mados pelo discurso e pela práticada estereotipia, da repetição, daidentidade, que procuram criaruma paisagem imutável, uma pai-sagem ahistórica, atemporal, pai-sagem de pedra, paisagem árida deseus sentidos e significados. (p.206).

Entre os signos associados ao Nordestepercebe-se a alocação de nordestinos emmeio a símbolos como a seca e aridez, po-breza e miserabilidade e os fenômenos re-ligiosos. Aliado a estes, ainda se apresen-tam temas como a virtude, a coragem ou afé do nordestino, nesse caso, tanto homemcomo mulher. A pesquisadora Carla Paiva3

salienta:

Esses signos de nordestinidadepreocupam a medida que são in-seridos na sociedade, contribuindopara a formação do imagináriopopular que se perpetua em outras

3 Idem.

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áreas, inclusive na educação, nahistória e no jornalismo estabele-cendo a afirmação do estereótipode que todo nordestino é um ser-tanejo forte que sofre com a seca ea miséria do local em que ele estáinserido.

Tendo em vista que, de acordo comAndrade4 o “cinema é um artefato cul-tural, instrumento pedagogizante que educao ser nordestino através de seus discur-sos, atribuindo padrões sociais que modelamos sujeitos” observa-se que quando tratamde assuntos regionais, e mais precisamente,de temas nordestinos, as telas do cinemabrasileiro exacerbam os lugares-comuns ea tipicidade, ao passo em que desgastam elimitam as interpretações do público e/ou ro-tulando os fatos, ações e perfis dos nordesti-nos inclusos no ambiente ou situação.

O fato é que diante de tantas reconstruçõesimagéticas, o próprio indivíduo sofre com avulnerabilidade de seu tratamento nas telasdos filmes e a partir disso, nota-se a con-servação de estereótipos sociais e a reformu-lação destes de acordo com os papéis sociais.Estereotipado, o nordestino assume, então,comportamentos previsíveis e uma posiçãode destaque nacional, uma vez que a figurado “macho-nordestino” tem sido relacionadaa uma masculinidade por excelência, ape-gado as tradições e acostumado ao “habitat”ruralizado.

Na medida em que as narrativas fílmi-cas vão moldando territórios e criando per-sonagens, criam-se também sujeitos, cari-catos e/ou heróicos, mas, sobretudo, figuras

4 Aluna mestranda do Programa de Pós-graduaçãoem Educação pela Universidade Federal da Paraíba –UFPB.

que identificam, através de signos, a vida dohomem nordestino.

3.2 O Auto da Compadecida5

Escrita por Ariano Suassuna6 em 1955 o“Auto da Compadecida” foi adaptado parao cinema em 1998 e dirigido por Guel Ar-raes7. Usando a cidade de Cabaceiras comoum cenário tipicamente nordestino, o filmeconta a história de dois nordestinos astutos,“João Grilo” e “Chicó”.

A narrativa apresenta personagens cu-riosos e com aspectos caricatos que vão nodecorrer da história burlando com espertezaas normas para viver. Perpassando por re-lações de gênero, nota-se que os homens-

5O Auto da Compadecida foi inicialmente pro-duzido como uma minissérie de quatro capítulos, ex-ibida na Rede Globo de Televisão em janeiro de 1998.Filmado próximo a Cabaceiras (cidade situada noSertão Paraibano e considerada a ‘roliúde nordestina’,por ter sido cenário de 18 filmagens dentre documen-tários e filmes). Devido ao grande sucesso obtido,o diretor Guel Arraes e a Globo Filmes resolveramadaptá-lo para o cinema.

6 Ariano Vilar Suassuna é professor, pesquisadorde folclore, dramaturgo e romancista, além de mem-bro da Academia Brasileira de Letras. Ele nasceu emJoão Pessoa em 1927, residindo atualmente em Re-cife. Acredita ser um defensor da cultura popular,que segundo ele, estaria sendo absorvida pela culturanorte-americana.

7 Guel Arraes é diretor, roteirista e produtor. Filhode um ex-governador de Pernambuco, Miguel Arraes.É natural de Recife e na época da ditadura militar foiexilado com sua família para Argélia. Trabalha narede Globo desde 1981, sendo responsável por algunsepisódios televisivos, como: Lisbela e o Prisioneiro,Caramuru: a invenção do Brasil, Armação Ilimitada,TV Pirata, Sexo Frágil, Retrato Falado, Fantástico en-tre outros.

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personagens trabalhados no filme represen-tam protótipos de indivíduos inseridos nonordeste e que enfrentam as mesmas dificul-dades.

Encontram-se no decorrer do filmevisíveis exemplos de representação da figuramasculina perfazendo diversas situações.São as imagens em constante movimentoque figuram os personagens, caracterizamsuas atitudes e fixam a identidade do sermasculino ali representado, quando seapregoa, estrategicamente, observaçõesanalíticas. Contudo, faz-se necessário umaapresentação, mesmo sucinta e simplóriasobre o perfil de alguns destes personagens.

O filme que envolve no enredo duas fi-guras matutas (João Grilo e Chicó), porémapresentadas com simplicidade, como esper-tos e astutos, apresenta “João Grilo” – vividopor Matheus Nastchergaele – como estrate-gista e líder intelectual da dupla, que originadiversas façanhas e artifícios para encarar osdesafios ao longo do filme. João Grilo as-sume esse papel através de seus atos de es-perteza e da criação de possíveis soluçõesque dão movimento as cenas. Chicó (Sel-ton Mello), por sua vez, reveste-se de outrosatributos, entre eles a virilidade masculina –exemplo do relacionamento com a mulher dopadeiro e com Rosinha , esta última filha deum Coronel que exigiu várias provas da co-ragem e do amor de Chicó, que quer casar-secom Rosinha.

No filme não se apresenta nenhumamenção sobre a sexualidade de João Grilo,que circula em quase todas as cenas com seuar cômico, caricato, ligeiro. Além disso, a fédo matuto ainda apresenta-se nuançada comhumor através de questões especificamenteregionais, como é o caso da promessa, dacrença na vida pós-morte e da temência a

Deus. A questão da religiosidade dá aberturaao filme que se molda a partir da exibição da“Paixão de Cristo” que simultaneamente secompactua com a situação sofrível em quevive o pobre.

Chicó é um tipo sertanejo viril, pelassuas estratégias e apresentações de conquis-tas e quer mostrar-se durante todo o filmecomo um homem corajoso e com traçõesde herói. Isso pode ser observado nas suasvárias histórias imaginárias que aparecemcomo recortes.

O filme endossa o gosto feminino porhomens machos e valentes, com traços de-safiadores. É o caso de Dora (Denise Fraga),a mulher do padeiro – adúltera e fogosa – quese envolve com Chicó e concomitantementecom Vicentão (Bruno Garcia) que retratadocomo macho viril utiliza-se da peixeira paraimpor-se, apesar de recuar algumas vezes.Nesse sentido, Dora aparece como uma mu-lher adúltera, mas que não deixa o marido evive assim uma autonomia limitada.

Nesse caso, Eurico, o padeiro marido deDora, é apresentado como o homem traído,figura tão caricaturada na região, e por issomesmo reproduzida pelo filme.

As figurações da masculinidadeapresentam-se diluídas numa mesmarealidade, em que vários perfis comportam-se num mesmo espaço, com distinçõesentre si, mas sempre com posições justifi-cadas e apoiadas nas referências culturais etradicionais.

Entre os tipos encontrados, pode apon-tar o cabra-macho, aquele homem grosseiro(como é o caso do coronel) que impõem suaautoridade aos subordinados, e ainda o e-xemplo mais forte do personagem Severinode Aracajú (Marco Nanini), um cangaceiromatador.

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Ressalva-se ainda abordar o símbolo deordem das autoridades religiosas que trans-formam a instituição da igreja em recor-rentes signos de respeito e medo. No decor-rer de todo o material, percebe-se ainda den-sos teores de religiosidade, como tipicidadedos sertanejos, a quem a Compadecida (Fer-nanda Montenegro) se compadece do sofri-mento.

3.3 Lisbela e o Prisioneiro8

O filme Lisbela e o Prisioneiro conta ahistória de um malandro, aventureiro e con-quistador que se envolve com uma moçaingênua e sonhadora que adora ver filmesamericanos e sonha com heróis do cinema.No decorrer do filme percebe-se a confluên-cia de caracteres que vão, aos poucos, deter-minando o caráter de seus personagens.

Leléu Antonio da Anunciação (SeltonMello) é um aventureiro viajante que chegaa cidade com feitios de conquistador eencontra-se com Lisbela de Nogueira e Lima(Débora Falabella) que está noiva e deverácasar-se em breve com Douglas (Bruno Gar-cia), um pernambucano com sotaque cariocae gírias paulistas, metido a moderno.

Logo no início do filme percebe-se umcenário tipicamente nordestino e com feitiossertanejos refletidos diretamente em suas fi-guras.

8 Filme brasileiro de 2003, do gênero comédiaromântica, dirigido por Guel Arraes. É uma adap-tação da peça de teatro homônima de Osman Lins. Ofilme é uma produção da Globo Filmes e da NatashaFilmes, junto com o estúdio Twentieth Century Fox.Foi o sétimo filme mais visto em 2003 no Brasil.

Apesar de noiva, quando Leléu chega àcidade Lisbela se encanta por ele e a partirdisso passam a viver uma história permeadade típicos moldados nordestinos. Lisbela de-siste do casamento com Douglas e se envolvecom Leléu. Em conseqüência disso, todoo enredo do filme vai tratar desse romanceconturbado.

Leléu aparece como símbolo de virilidade,e o moçoilo reflete em seus atos de conquistaas marcas de um nordestino conquistadorque se envolve em ritualísticos eventos depré-acasalamentos para enfim satisfazer suaspaixões. No cenário surgem personagenscomo Inaura (Virgínia Cavendish), uma mu-lher casada e sedutora que atrai Leléu paraperto de si, mesmo sabendo dos riscos quecorreria caso o marido valentão e matador,Frederico Evandro (Marco Nanini) desco-brisse tudo.

A história, ambientalizada pelos toques denordestinidade, vai perfazendo um carátercômico, romântico e até de ação. Eaí percebe-se as reconstruções da masculi-nidade nordestina retratada no filme, em queos costumes e preceitos tipicamente nordes-tinos são fortemente apregoados pelo meiosocial.

No final, ações de bravura, coragem e ex-pressões de amor fazem com que Lisbela eLeléu sigam seus destinos juntos.

Nesta análise ressalva-se que as própriasatitudes do homem nordestino vão se con-figurando ao longo do filme e sendo pré-moldadas através das experiências, costumese modelos tradicionalistas que conservam.Apesar da sugestão de ludicidade, isto é, dotrato com a imaginação e com elementoslúdicos, a figura do homem aparece semprecom vistas para observações.

A depender da situação, Leléu se mostrava

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corajoso e esperto, e em outras circunstân-cias ele deixava-se desenhar. Contudo, énotório que há tratamento da questão viril ecorajosa do sertanejo, endossada pelas situ-ações, além da lealdade e da preservação dahonra, como é o caso do marido valentão queno decorrer do filme procura por Leléu paraacertar as contas por ter se envolvido comsua esposa e ao mesmo tempo deve lealdadea este.

O homem aparece como porto-seguro dasmulheres, já que o casamento apresenta-secomo um costume respeitado na região. E é amulher que, no desenrolar do filme, aparecenuma busca intensa da felicidade por meiodos relacionamentos, atribuindo ao homemalém do papel de conquistador, uma ex-pressão de força, segurança e certeza para amanutenção da família.

3.4 O Homem que Desafiou oDiabo

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O filme brasileiro “O Homem que de-safiou o diabo” apresenta um enredo car-regado de elementos que condecoram a nar-rativa e a preenche de simbologias.

A história se inicia com a chegada deZé Araújo (Marcos Palmeira) à cidade deJardim dos Caiacós, quando na oportunidadeseduz uma moça quarentona e é obrigadopelo pai dela a casar-se. A partir disso, a nar-rativa, que dá vazão a imagem de Zé Araújocomo um homem escravo, seja do sogro, nosnegócios, ou da mulher, na cama. Todo o

9Filme do gênero comédia, lançado no Brasil noano de 2007 sob a direção de Moacyr Góes.

enredo vai sendo rodeado de nuanças que en-fatizam a sexualidade e sua vivência na so-ciedade tradicionalista em que estavam in-cursos.

Zé Araújo, um caixeiro-viajante casadocom Dualiba fora surpreendido por Zé Pre-tinho (Leandro Firmino) ainda criança, coma esposa Dualiba (Lívia Falcão) em situaçõesinusitadas e a partir disso fora vítima de cha-cotas, mangações e gozação dos vizinhos eda cidade. Nesse aspecto percebe-se então,que a preservação de uma imagem livre dechacotas tornara-se questão de honra, de-vendo o homem reagir.

Com isso, Zé Araújo se revolta e “cai nomundo”, como ele mesmo diz no filme. Elebate na mulher, humilha o sogro, vinga-sedas chacotas dos amigos e passa a encar-nar uma nova personalidade, agora a de umhomem livre, em busca de prazeres carnaise dispostos a desafiar o diabo para continuarsua aventura na procura de uma terra melhorde se viver, “onde as montanhas são de ra-padura e os rios são de leite”.

Zé Araújo muda de nome, passando achamar-se Ojuara “Araújo de trás pra frente”.Segue à cavalo por terras desconhecidas,encara aventuras e situações de medo. Efaz, inclusive um desafio com o Cão Miúdo(Helder Vasconcellos), no qual ele luta até ofinal do filme.

Aspirante de uma vida menos sofrida, deum amor tranqüilo, de paz e de fartura,Ojuara passa o filme todo caminhando, en-contrando pessoas e relacionando-se comelas. Entre as relações, sempre se destacavaa virilidade aflorada e os rápidos instantes desatisfação sexual. Nesses casos, Ojuara seenamora de Genifer (Fernanda Paes Leme)e enfrenta um monte de desafios para con-seguir ficar com ela.

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Representação da Masculinidade Nordestina no Cinema Brasileiro 11

No final, ao lado de Genifer, como sem-pre quisera, Ojuara começa a sentir efeitosde um desafio feito lá no início do filme, éaí que o Cão Miúdo reaparece para pegar o“patacão”, parte do ouro que lhe pertence,assim como havia prometido desde o iníciodo filme.

Na luta e na exibição de sua coragem,Ojuara acaba colocando em risco a vida deGenifer, que morreu grávida.

No cenário nordestino-sertanejo o filmeapresenta uma masculinidade realçada naousadia, na rudeza e no ser destemido queOjuara tornou-se. Além disso, a masculi-nidade é avivada no aspecto viril expostonos relacionamentos em que o personagemse envolve.

4 Considerações Finais

Nas produções analisadas constatou-se a re-criação de um espaço próprio para as re-presentações, que lhes fosse fiel ao encon-trado na região, que fosse envolto de tipi-cidade, costumes, peculiaridades e apresen-tasse nuanças próprias.

No cenário construído e na paisagem na-tural estrategicamente escolhida apresentam-se figuras pitorescas, mas não menos reais,histórias fantasiosas, mas não menos interes-santes e tipos exclusivos de se tratar questõesde gênero, de tradições e costumes, aspec-tos geográficos e econômicos, religiosidadee etc.

Quanto as abordagens do ser masculinonos filmes “O auto da Compadecida”, “OHomem que desafiou o diabo” e “Lisbela eo Prisioneiro”, vale ressaltar as imagens es-terotipadas, e até caricaturadas de seus per-

sonagens, que apesar de traços e efeitos cria-tivos dos cineastas são certamente correla-cionados com o que de fato se apresenta nacotidianidade. Amiúde, o que se observaclaramente na atualidade são as construçõesidentitárias do homem através dos elementossígnicos que adquirem significação no decor-rer do processo de convivência entre as pes-soas e da força que se apregoa nesses ele-mentos.

5 Referências

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ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Mu-niz. Nos destinos de fronteira: história,espaços e identidade regional. Recife:Bagaço, 2008.

ANDRADE, Vivian Galdino de. Sinaisde gênero e sexualidade: as ‘mas-culinidades’ inscritas nas imagensem movimento. Disponível em:<http://multicienciaonline.blogspot.com/2008/03/as-representaes-sociais-do-nordestino.html>. Acesso em novem-bro de 2008.

ANTUNES, Nara Maria de Maia. Caras noespelho: identidade nordestina atravésda literatura. In: BURITY, JoanildoA. Cultura e Identidade: Perspecti-vas interdisciplinares. Rio de Janeiro:DP&A, 2002).

MARTINE, Joly. Introdução à análise daimagem. Campinas: Papirus, 1996.

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12 Rilmara Alencar Galvão

SANTAELLA, Lúcia. Semiótica Aplicada.São Paulo: Pioneira Thomson Lear-ning, 2004.

SOUZA, Hélio Augusto Godoy de. Docu-mentário, realidade e semiose: os sis-temas audiovisuais como fontes de co-nhecimento. São Paulo: Annablume:Fapesp, 2001.

Filmes Assistidos

O Auto da Compadecida

Lisbela e o Prisioneiro

O Homem que desafiou o diabo

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