gaio - a tragédia grega e o homem moderno nos escritos de schiller

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Fernando Nicolazzi, Helena Mollo & Valdei Araujo (org.). Caderno de resumos & Anais do 4º. Seminário Nacional de História da Historiografia: tempo presente & usos do passado. Ouro Preto: EdUFOP, 2010. (ISBN: 978-85-288-0264-1) 1 A tragédia grega e o homem moderno nos escritos de Schiller Géssica Góes Guimarães Gaio * “O homem não é apenas o que é, mas igualmente o que tomou por ideal, mesmo quando não o tenha inteiramente realizado, pois seu ser se caracteriza também pelo mero fato de o querer.” (BURCKHARDT. Apud: MEIER, 1997: 50) Na segunda metade do século XVIII, era comum verificar entre os intelectuais alemães um certo elogio à Grécia. Dentre estes, Winckelmann se destacou por sua posição afirmativa a respeito do legado grego para a cultura ocidental. Em suas pesquisas, Winckelmann estudou a arte antiga e afirmou que o ideal de beleza dos gregos deveria permanecer como referência aos artistas modernos. Essa “nostalgia da Grécia”, presente em toda a obra de Winckelmann, também contagiou seus leitores, que alternaram graus mais e menos acentuados em defesa do modelo Clássico de arte. Entre os entusiastas da antiguidade podemos citar Lessing e Goethe, este último chegou a recriar a peça original de Eurípides, Ifigênia, em 1779, em um gesto claro de reconhecimento da importância que o paradigma grego de arte possuía em seu trabalho. Embora seu amigo e contemporâneo Schiller tenha observado que a montagem de Goethe em nada se comparava com a grega, principalmente porque seu desfecho conciliador a afastava de seu gênero poético inicial, a tragédia, e a aproximava da epopeia. São exatamente as considerações de Schiller que nos interessam nesse trabalho. O objetivo central consiste em compreender como a Grécia se revelava aos olhos do dramaturgo alemão, e ponderar se há influências do ideal de homem da antiguidade grega na concepção moderna de homem que Schiller apresentou, sobretudo, em seus textos filosóficos sobre a educação estética do homem. Por conseguinte, a trilha a ser seguida nos permitirá reunir o “ateliê filosófico” de Schiller – é assim que ele mesmo * Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, sob a orientação do Professor Doutor Luiz Costa Lima. Este trabalho é financiado pela CAPES.

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GAIO - A Tragédia Grega e o Homem Moderno Nos Escritos de Schiller

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Fernando Nicolazzi, Helena Mollo & Valdei Araujo (org.). Caderno de resumos & Anais

do 4º. Seminário Nacional de História da Historiografia: tempo presente & usos do

passado. Ouro Preto: EdUFOP, 2010. (ISBN: 978-85-288-0264-1)

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A tragédia grega e o homem moderno nos escritos de Schiller

Géssica Góes Guimarães Gaio∗

“O homem não é apenas o que é, mas igualmente o que tomou por ideal, mesmo

quando não o tenha inteiramente realizado, pois seu ser se caracteriza também

pelo mero fato de o querer.” (BURCKHARDT. Apud: MEIER, 1997: 50)

Na segunda metade do século XVIII, era comum verificar entre os intelectuais

alemães um certo elogio à Grécia. Dentre estes, Winckelmann se destacou por sua

posição afirmativa a respeito do legado grego para a cultura ocidental. Em suas

pesquisas, Winckelmann estudou a arte antiga e afirmou que o ideal de beleza dos

gregos deveria permanecer como referência aos artistas modernos. Essa “nostalgia da

Grécia”, presente em toda a obra de Winckelmann, também contagiou seus leitores, que

alternaram graus mais e menos acentuados em defesa do modelo Clássico de arte.

Entre os entusiastas da antiguidade podemos citar Lessing e Goethe, este último

chegou a recriar a peça original de Eurípides, Ifigênia, em 1779, em um gesto claro de

reconhecimento da importância que o paradigma grego de arte possuía em seu trabalho.

Embora seu amigo e contemporâneo Schiller tenha observado que a montagem de

Goethe em nada se comparava com a grega, principalmente porque seu desfecho

conciliador a afastava de seu gênero poético inicial, a tragédia, e a aproximava da

epopeia.

São exatamente as considerações de Schiller que nos interessam nesse trabalho.

O objetivo central consiste em compreender como a Grécia se revelava aos olhos do

dramaturgo alemão, e ponderar se há influências do ideal de homem da antiguidade

grega na concepção moderna de homem que Schiller apresentou, sobretudo, em seus

textos filosóficos sobre a educação estética do homem. Por conseguinte, a trilha a ser

seguida nos permitirá reunir o “ateliê filosófico” de Schiller – é assim que ele mesmo

∗ Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, sob a orientação do Professor Doutor Luiz Costa Lima. Este trabalho é financiado pela CAPES.

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denomina o conjunto de seus textos filosóficos sobre estética, teatro e poesia –,

respeitando as modestas pretensões desse artigo, e uma bela análise sobre os valores do

mundo grego, apresentada em Política e Graça, de Christian Meier.

Em Schiller e os gregos, Pedro Süssekind destacou que, entre os intelectuais

alemães do final do século XVIII, Schiller talvez tenha sido o menos reverente à

cultuada superioridade dos antigos. Contudo, mesmo assim não deixou de reconhecer a

importância dos valores gregos para construção não apenas da arte, como do próprio

homem moderno. O estudo dos clássicos supostamente ocupou Schiller entre 1788 e

1790, mas a busca pela antiguidade não era motivada por uma veneração – como

provavelmente é possível ser encontrada na análise de Winckelmann, para Schiller não

faz sentido a querela entre “antigos e modernos”: para ele a experiência grega é única,

irrecuperável e insuperável, mas que assim o seja! Ele não pretende voltar ao passado.

Schiller ia à Grécia para aprender sobre o modelo de homem que os antigos criaram e

para em seguida transformá-lo, aperfeiçoá-lo à luz das necessidades modernas. Imitar os

Clássicos não figurava entre as pretensões de Schiller, tal atitude era comparada por ele

a um adulto que se comporta tal qual uma criança, pois, embora o comportamento

infantil seja dotado de uma beleza e ingenuidade natural, ele não passaria de uma

caricatura se encenado por um adulto.

Quando comparou o teatro grego e o moderno, em “Sobre a arte trágica”,

Schiller advogou pela superioridade deste último em expressar o que, segundo ele, era o

principal objetivo da tragédia: a liberdade. E parece que essa é a principal crítica de

Schiller aos gregos: para ele faltava aos antigos a liberdade dos homens, ainda muito

submisso aos planos e caprichos dos deuses: “estes [os gregos] transpunham para o

Olimpo o que deveria ser realizado na Terra" (SCHILLER, 2002: 80).

O jogo entre necessidade e liberdade é decisivo no pensamento de Schiller, os

seus escritos transbordam essa tensão entre natureza e vontade; razão e moral. Em

algumas passagens ele afirmou que o principal objetivo da educação estética era

permitir ao homem ser livre, mesmo que essa liberdade fosse alcançada através da

conciliação entre a razão prática e a razão pura. A liberdade era o que Schiller buscava

na antiguidade, ele queria conhecer a liberdade entre os gregos, acreditava que a

liberdade era o princípio que guiava a arte grega e intencionava a retomada desse ideal.

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O poeta alemão exortava seus contemporâneos a espelharem-se nos gregos não para

copiá-los, mas em busca de inspiração e para também alçar a liberdade ao posto de ideal

de sua arte.

Em Poesia ingênua e sentimental, Schiller analisou dois gêneros atemporais de

poesia: a ingênua – comumente identificada com a arte Clássica, mas não sinônimo

desta – e a sentimental – relacionada à experiência artística dos poetas geralmente

denominados como românticos. O poeta ingênuo guarda uma relação estreita com a

natureza, enquanto no poeta sentimental a cisão entre natureza e cultura é inegável. É a

reconciliação com a natureza que o poeta sentimental deve buscar, mas segundo

Schiller, através da razão e da liberdade. Segundo Pedro Süssekind, “o sentimental

busca, por sua vez, exatamente o que o ingênuo é (natureza), assumindo como ideal

aquilo que constitui no outro uma situação de fato. (...) Em vez de buscar o

restabelecimento do ingênuo, o que o homem moderno deve buscar é o ideal de uma

harmonia que o ingênuo representa” (SÜSSEKIND, 2005). Os gregos oferecem aos

modernos o ideal de natureza, que deve ser realizada na arte através da liberdade. A

liberdade que o poeta sentimental possui é a do pensamento, através da capacidade

infinita do pensamento de entender a natureza e a si mesmo, buscando a harmonia entre

necessidade e liberdade.

A antiguidade é compreendida por Schiller como um manancial, no qual os

poetas modernos devem buscar o seu ideal de beleza, e para ele o segredo da beleza na

arte grega residia na relação ingênua entre o homem e a natureza. Acredito que ao

estudar a Grécia Clássica, Schiller também se interessou pela relação do homem grego

com a política de seu tempo, e a experiência antiga contribuiu para o ideal de educação

estética do homem ao passo que forneceu ao dramaturgo alemão exemplos para a

construção de um ideal também para a ação política em seu tempo.

Faz-se necessário reafirmar que Schiller não pretendia transportar o modelo da

arte grega para o seu presente, nem mesmo acreditava que os valores antigos para a

política e a vida social poderiam ser revividos pelos homens dos setecentos. Não

interessava a ele esta imitatio, pois em seu julgamento, a cultura clássica limitava a

liberdade dos homens, e a liberdade era a meta suprema de todo o seu arquétipo

filosófico.

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Após essa consideração, no entanto, podemos perceber a forte influência do

modelo de homem e de política Clássico para a formação do ideal de moral e liberdade

elaborados por Schiller. Em Política e graça, Christian Meier afirmou que na pólis

ateniense política e graça eram companheiras, e que peitó e cáris (persuasão e graça)

estavam intimamente ligadas. Mas o que significava a graça para os gregos? Quais

seriam as implicações desse relacionamento estreito entre a graça e a política para a

construção do ideal de homem Clássico? E, por fim, como Schiller poderia ter sido

afetado pela descoberta dessa relação?

Embora Christian Meier tenha afirmado a impossibilidade de definir como os

gregos compreendiam como “graça”, ele se esforçou – apoiando-se na antropologia

histórica – em nos esclarecer acerca um provável significado dessa relação entre graça e

política para os gregos:

“O que convence não são meramente os argumentos, mas algo que está para

além deles: o modo de formulá-los, de enunciá-los, a atitude para dizê-los,

enfim, justamente a graça, na qual convergem o espírito e a sensibilidade, a

naturalidade e a consciência, a medida e a liberdade.”

A graça possuía autonomia em relação à beleza e à capacidade de argumentação,

mas estava associada a elas na realização da política no mundo grego do século V.

Meier destacou que para Péricles, grande líder da democracia grega, graça significava

naturalidade, segurança e elegância no comportamento dos cidadãos; já o sentido

tradicional de charis para os gregos enfatizava o respeito mútuo, a obrigação em

retribuir uma doação. Na mitologia, o poder de convencimento de Atena era proveniente

de sua graça, e por intermédio dela muitos conflitos foram evitados, como podemos

verificar pela atuação da deusa em tantas peças do teatro grego. Mas agir com graça não

era privilégio de todos. O homem comum certamente era desprovido de tal privilégio –

como de tantos outros. Não obstante, Meier analisou que o desenvolvimento da graça é

uma questão da sociedade, e que na sociedade ateniense do século V a. C. o estético

prevaleceu sobre o religioso, portanto, para ele havia uma relação estreita entre a graça e

a o aperfeiçoamento estético dos cidadãos através do teatro, da música e da dança, por

exemplo, mesmo com a grande interferência da mitologia no cotidiano e pensamento.

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A democracia grega, conforme concluiu Christian Meier, emergiu do ideal de

liberdade que contagiou a nobreza grega no período Clássico. Os nobres valorizavam a

autonomia, a autarquia, evitam dissolver-se, perder o controle de si mesmo. Essa

valorização da liberdade impediu que uma monarquia centralizadora se erguesse entre

os gregos, que mantiveram a independência entre suas cidades-estados. E a própria

poesia teria se beneficiado dessa liberdade, pois estava livre de compromissos políticos

com dinastias ou casas reais. “Os poetas puderam exprimir-se livremente e direcionar o

mito, para grande contentamento de seus ouvintes. Foi possível, destarte, que um

mundo dos deuses, de incomparável beleza, surgisse como criação poética”. (MEIER,

1997: 40)

O papel desempenhado pela graça na política, no momento de construção da

democracia grega, teria sido, provavelmente, garantir a conciliação entre os cidadãos

atenienses, afinal,

“como fazer emergir da vida coletiva a conciliação, senão pela retórica

persuasiva e conciliadora? (...) nas sociedades dependentes de compromissos, a

graça aliou-se ao comedimento e assumiu a função que, normalmente, no

Estado, era desempenhada pelo poder, por seus órgãos de execução e pelas

diversas formas de representação”. (MEIER, 1997: 44, 46 e 47)

Nesta citação Meier nos ofereceu com muita clareza seu argumento: na

sociedade Clássica, a graça desempenhou o papel que as leis e a coerção desempenham

nos Estados, sobretudo, nos Estados Nacionais que conhecemos hoje. A educação grega

ensinava aos cidadãos o autocontrole dos gestos e a graça através de formas variadas de

arte, até mesmo por via de uma supervalorização da beleza. Essa educação estética

preparava o homem grego para o convívio social, e garantia o bom entendimento entre

os cidadãos na realização do jogo político. Em Política e graça, o autor afirma que –

embora desconheça as causas desse processo – o refinamento do estilo foi concomitante

ao enfraquecimento político da nobreza, sugerindo que com a nova sociabilidade foi

substituída a autoridade por uma solidariedade que exigia muito mais dos indivíduos,

mais polidez e maior economia dos sentimentos, uma vez que não seria o braço forte da

lei que cercearia suas ações, mas o seu próprio entendimento do que seria ser livre e

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respeitar a liberdade alheia. Dessa maneira, esse enfraquecimento do poder da nobreza

abriu o espaço para a emergência de um governo democrático.

A beleza e a graça provavelmente desempenharam um papel tão

fundamental para o sucesso da democracia grega como a poesia e a filosofia. Fica

evidente na análise de Meier o ideal que a Grécia Clássica perseguia: autonomia, graça,

reflexão, beleza. As tragédias gregas eram expressão da interface desses ideais, no palco

eram encenados os problemas e anseios que assolavam a população e, por mais que tais

problemas fossem apresentados pela mediação do mito, ainda assim se tratava de uma

realidade que afetava os indivíduos. Meier analisou a Orestia, de Ésquilo, que colocou

no palco do teatro e discutiu no âmbito do mundo mítico as questões políticas que eram

tão próximas ao cotidiano dos cidadãos: o esvaziamento do Areópago e a formação da

democracia. Podemos, então, concluir que “substancial parte do pensamento político da

época se estruturou sob a forma da arte”. (MEIER, 1997: 73)

Em seus estudos sobre os gregos, Schiller teria afirmado que a “graça é uma

beleza que não é dada pela natureza, mas desenvolvida pelos sujeitos”, e gracioso seria

o adjetivo do homem nobre, distinto. (SCHILLER. Apud: MEIER, 1997: 28) Em seu

elogio aos gregos, o intelectual alemão louvou não apenas a simplicidade dos gregos,

mas sua totalidade, a indivisibilidade do homem grego, que mantinha unida natureza e

cultura. O homem moderno, por sua vez, aos seus olhos, era fragmentado, diminuído

pela cisão daquilo outrora era indivisível nos gregos. A pressão que o Estado exerce

sobre os indivíduos; as exigências do pensamento científico, cada vez mais

particularizado; a inserção do homem em uma comunidade nacional; somados, estes

fatores contribuem para a fragmentação do indivíduo e a corrupção de sua totalidade.

Não se vê a humanidade no indivíduo, apenas o homem, e o que Schiller mais temia era

esse distanciamento do homem de sua humanidade, essa supervalorização do indivíduo

que poderia distorcer as relações sociais, e solapar qualquer tentativa de pensar o

coletivo.

Por esse motivo, para ele o estágio de civilização e polidez alcançado pelos

cidadãos dos setecentos não significava nada além de aparência, quando a verdadeira

graça e beleza haviam sido deixadas para trás.

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“A glória da formação e do refinamento, que fazemos valer, com direito, contra

qualquer outra mera natureza, não nos pode servir contra a natureza grega, que

desposou todos os encantos da arte e toda a dignidade da sabedoria sem tornar-

se, como a nossa, vítima dos mesmos”. (SCHILLER, 2002: 35)

Schiller anunciou o desgaste da sociedade na qual estava inserido e afirmou que

a diminuição da sensibilidade e o esvaziamento da imaginação catalisaram essa

corrupção do homem moderno e que uma educação estética impunha-se como

necessária para a conquista plena da liberdade para o homem moderno. O estudo da

antiguidade Clássica forneceu não somente a Schiller, mas para a grande parte dos

intelectuais alemães das últimas décadas do século XVIII, o ideal de homem que

conciliava natureza e vontade, que realizava a política por meio da graça e que atribuiu

à estética uma influência maior do que a religião entre a população, pois se o mito

estava presente em todas as atividades artísticas, era, sobretudo, para destacar o ideal de

humanidade que eles perseguiam, uma vez que “embora decompusesse a natureza

humana e a projetasse, ampliada em suas partes, em seu magnífico círculo divino, não a

dilacerava, mas a mesclava de maneiras diversas, já que em deus algum faltava a

humanidade inteira”. (SCHILLER, 2002: 36)

Na Grécia Clássica o lugar que homem ocupava no cosmos estava entre os

animais – o domínio da phisis – e os deuses – o espaço da imortalidade. Portanto, o

ideal de homem estava entre o que ultrapassava a mera necessidade e se inseria no

anseio pela imortalidade. A pólis era uma reposta a essa diferenciação do homem: uma

vez que suas necessidades tivessem sido supridas, a vida e os valores da pólis diziam

respeito àquilo que o homem podia escolher, ponderar e criticar – pois não há debate

sobre a necessidade de alimentar-se ou abrigar-se do frio. Mas no mundo da pólis o

homem/animal pode elevar-se para além de suas necessidades e buscar o

homem/imortal.

O mundo moderno inseriu a necessidade na política. O Estado deve suprir as

leis, a segurança, a educação, a saúde e, até mesmo a cultura, para seu povo. A política

moderna não possui o mesmo papel e as mesmas possibilidades do mundo grego. Na

configuração moderna, tornou-se cada vez mais difícil a conciliação entre política e

graça. Todavia, é importante lembrar as limitações da democracia grega, que sustentava

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sua pólis a preço de uma grande exclusão, para não correr o grave risco de idealização

de uma democracia que não existiu.

Mas se hoje a liberdade não está no mundo da política, como na antiguidade

Clássica, onde encontraríamos tal liberdade? Segundo Schiller, na experiência estética.

E essa experiência estética que promoveria a liberdade, poderia também ampliar a

compreensão da política, como uma conquista e não como uma derrota.

Bibliografia

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