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Gabriele Carneiro Feltrin da Silva A FOTOGRAFIA NA CONSTRUÇÃO DA ESTÉTICA PUBLICITÁRIA NO CINEMA DE FERNANDO MEIRELLES Santa Maria, RS 2010

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Gabriele Carneiro Feltrin da Silva

A FOTOGRAFIA NA CONSTRUCcedilAtildeO DA ESTEacuteTICA PUBLICITAacuteRIA NO

CINEMA DE FERNANDO MEIRELLES

Santa Maria RS

2010

2

Gabriele Carneiro Feltrin da Silva

A FOTOGRAFIA NA CONSTRUCcedilAtildeO DA ESTEacuteTICA PUBLICITAacuteRIA NO

CINEMA DE FERNANDO MEIRELLES

Trabalho final de graduaccedilatildeo (tfg)

apresentado ao Curso de Comunicaccedilatildeo

Social ndash Publicidade e Propaganda Aacuterea

de Ciecircncias Sociais do Centro

Universitaacuterio Franciscano - Unifra como

requisito parcial para aprovaccedilatildeo na

disciplina Trabalho Final de Graduaccedilatildeo

II

Orientadora Patriacutecia de Oliveira Iuva

Santa Maria RS

2010

3

Gabriele Carneiro Feltrin da Silva

A FOTOGRAFIA NA CONSTRUCcedilAtildeO DA ESTEacuteTICA PUBLICITAacuteRIA NO

CINEMA DE FERNANDO MEIRELLES

Trabalho Final de Graduaccedilatildeo apresentado ao Curso de Publicidade e Propaganda Aacuterea

Ciecircncias Sociais do Centro Universitaacuterio Franciscano ndash Unifra como requisito para

aprovaccedilatildeo parcial para obtenccedilatildeo do grau de Bacharel em Publicidade e Propaganda

________________________________________________________

Patriacutecia de Oliveira Iuva ndash Orientadora (Unifra)

________________________________________________________

Carlos Alberto Badke (Unifra)

________________________________________________________

Pauline Fraga (Unifra)

Aprovado em de de

4

Agradecimentos

Em primeiro lugar quem merece todo meu reconhecimento eacute a minha famiacutelia Em

especial minha Matildee a pessoa mais importante da minha vida e responsaacutevel pelo que sou

por sempre ter acreditado em mim e me apoiado em minhas decisotildees Aos meus familiares

deixo aqui meu muito obrigada pela confianccedila pelo apoio e pela compreensatildeo

Agradeccedilo ainda a famiacutelia formada durante a graduaccedilatildeo aos queridos amigos que

tornaram essa jornada mais alegre e interessante Obrigada por fazerem parte dessa

aventura junto comigo

Ofereccedilo minhas palavras de gratidatildeo agrave minha orientadora Patriacutecia Iuva que ao meu

lado ajudou a construir esse trabalho Agrave professora Taiacutes Ghisleni que me acompanhou

durante o uacuteltimo ano de faculdade atraveacutes da monitoria e soube compreender minhas

duacutevidas sempre com palavras de apoio

Agradeccedilo aos demais mestres responsaacuteveis pela minha formaccedilatildeo Estendo esse

agradecimento a todos que de alguma forma contribuiacuteram para que hoje este sonho se

tornasse realidade

Aos meus amigos queridos que souberam me ouvir pelo incentivo constante e por

estarem sempre presentes nos momentos mais importantes pelos gestos de amizade

Agradeccedilo a Deus por estar sempre presente na minha vida e tornar tudo possiacutevel

5

RESUMO

Este estudo tem como objetivo analisar a fotografia audiovisual mais especificamente na

sua relaccedilatildeo com o a autorialidade de Fernando Meirelles Busca-se compreender como o

autor constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na fotografia de seus filmes a qual se configura

atraveacutes da interface publicidade e cinema Para isso construiu-se como corpus de anaacutelise

frames ou seja fragmentos de quatro filmes que foram analisados de modo a compreender

a construccedilatildeo e a relaccedilatildeo de sua expressividade bem como seu vieacutes publicitaacuterio A

dimensatildeo da publicidade delineou o foco da pesquisa uma vez que se anseia pela anaacutelise

do caraacuteter publicitaacuterio da fotografia audiovisual Para tanto a relaccedilatildeo existente entre a

esteacutetica audiovisual e a linguagem videograacutefica responsaacutevel pela construccedilatildeo de uma

esteacutetica publicitaacuteria evidenciada na obra fiacutelmica

Palavras-chave fotografia audiovisual esteacutetica publicitaacuteria cinema autoral interfaces

publicidade cinema

ABSTRACT

The objective of this study to analyze the photograph audiovisual more specifically in its

relationship to authorial Fernando Meirelles We seek to understand how the author builds

the aesthetics of advertising photography in his films which is formed through the

interface and cinema advertising For this we constructed a corpus analysis of frames ie

fragments of four films that have been analyzed to understand the relationship building

and its expressivity and its bias in advertising The size of the advertising outlined the

focus of research since it yearns for character analysis audiovisual advertising

photography To this end the relationship between aesthetics and audiovisual video

language responsible for the aesthetics advertising evident in film work

Keywords audiovisual photography advertising aesthetics film copyright interfaces

advertising cinema

6

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas 39

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas (Plano aberto e plano conjunto) 41

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas (em sentido horaacuterio

Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal) 42

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas

quando as personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo 43

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas 44

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus (em sentido horaacuterio primeiro meacutedio

em conjunto e dois gerais) 45

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus (em sentido

horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal) 46

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus 47

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus 47

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela 48

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus 49

Figura 11 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel 49

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel (em sentido horaacuterio plano meacutedio

em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em plongeacutee e plano aberto em

conjunto)

51

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel (em sentido

horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee) 52

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel (variaccedilatildeo entre suave e dura) 53

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel 54

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a Cegueira 54

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira (Plano geral em conjunto e

grande plano geral) 56

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela

porta de vidro)

56

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira 57

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro

―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel 58

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira 59

7

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO________________________________________________________ 8

1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual________________________________________ 12

11 Interfaces cinema e publicidade________________________________________ 18

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual_______________________________________ 21

21 Iluminaccedilatildeo__________________________________________________________ 25

22 Cor_________________________________________________________________ 26

23 Enquadramentos_____________________________________________________ 28

231 Planos_______________________________________________________ 29

232 Acircngulos de Filmagem_________________________________________ 30

233 Movimentos de cacircmera__________________________________________ 30

3 O Cinema de Autor_____________________________________________________ 31

4 Metodologia___________________________________________________________ 37

5 Anaacutelises______________________________________________________________ 39

51 Domeacutesticas__________________________________________________________ 39

52 Cidade de Deus_______________________________________________________ 44

53 O Jardineiro Fiel_____________________________________________________ 49

54 Ensaio sobre a Cegueira_______________________________________________ 54

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS_____________________________________________ 60

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS______________________________________ 63

ANEXOS_______________________________________________________________ 65

8

INTRODUCcedilAtildeO

A esteacutetica publicitaacuteria no cinema surge diante do contexto cultural da diversidade e

da multiplicidade no qual se percebe a fusatildeo entre a linguagem videograacutefica e a fotografia

do cinema Segundo Aumont (1995 p15) ―a esteacutetica do cinema eacute portanto o estudo do

cinema como arte o estudo dos filmes como mensagens artiacutesticas capazes de atrair a

atenccedilatildeo do espectador diante de uma determinada narrativa

O filme como produto cultural de massa atinge puacuteblicos diversificados que

reconhecem os seus coacutedigos suas linguagens e muito dessa adaptaccedilatildeo se deve ao

crescimento da TV e agrave tecnologia do viacutedeo A esteacutetica publicitaacuteria traduz o indiviacuteduo

contemporacircneo multifacetado acostumado com o acuacutemulo cada vez maior de

informaccedilotildees inserido em uma sociedade de massa multimidiaacutetica

A publicidade em relaccedilatildeo agrave sua funcionalidade busca positivar as qualidades e os

atributos dos serviccedilos eou produtos Por meio da persuasatildeo busca vender uma marca

seduzir e influenciar o espectador a consumir um determinado produto ndash tanto no campo

das ideacuteias quanto no campo dos discursos - que representa Nesse sentido ela usa e abusa

de recursos ligados agrave emoccedilatildeo e agrave identificaccedilatildeo sociocultural fazendo com que o

consumidor seja atraiacutedo e se identifique pela criaccedilatildeo Segundo Castells (1999 p22)

―entende-se por identidade a fonte de significado e experiecircncias de um povo

Experiecircncias essas que correspondem ao modo de vida em sociedade aos valores

culturais aos quais os indiviacuteduos estatildeo inseridos e que caracterizam a criaccedilatildeo de tal

identidade Carvalho (1996 p13) acrescenta que ―a publicidade impotildee nas linhas e

entrelinhas valores mitos ideais e outras elaboraccedilotildees simboacutelicas capazes de reformular

as tendecircncias culturais

Enquanto isso o cinema do ponto de vista funcional busca contar uma histoacuteria ndash

ficcional ou natildeo poreacutem como uma produccedilatildeo muitas vezes de entretenimento O objetivo

principal eacute procurar uma identificaccedilatildeo diante de seu puacuteblico divertir emocionar refletir e

transportaacute-los para a tela Stam (2003 p53) destaca que ―o cinema natildeo apenas evidencia o

movimento poeacutetico das coisas do mundo mas traduz as percepccedilotildees modificadas da vida

urbana contemporacircnea criando uma multiplicidade de informaccedilotildees em meio agrave sociedade

de massa Entatildeo como objeto cultural o cinema eacute capaz de entreter e disseminar

ideologias e tendecircncias para um grande nuacutemero de pessoas simultaneamente pois se

caracteriza como um produto coletivo da cultura de massa

9

Este trabalho constroacutei-se no cenaacuterio de interfaces entre publicidade e cinema a

partir da anaacutelise da concepccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria na fotografia dos filmes de

Fernando Meirelles

Vale ressaltar que a fotografia eacute um elemento fundamental na construccedilatildeo da esteacutetica

audiovisual Eacute a partir de sua composiccedilatildeo que o estilo da obra eacute retratado na tela Sendo

assim eacute preciso escolher com cuidado cada um dos componentes fotograacuteficos a fim de se

obter o resultado expressivo desejado Para Martin (2003 p57) a iluminaccedilatildeo ―constitui

um fator decisivo para a criaccedilatildeo da expressividade da imagem Aleacutem disso eacute elemento de

criaccedilatildeo da ―atmosfera da cena A atmosfera cecircnica por sua vez eacute difiacutecil de analisar pois

estaacute atrelada agrave subjetividade ou seja agrave capacidade de percepccedilatildeo de cada espectador tendo

um papel impreciso Natildeo se pode esquecer da utilizaccedilatildeo das cores sejam elas quentes ou

frias conotando reaccedilotildees psicoloacutegicas nos espectadores bem como o contraste cromaacutetico e

luminoso eficaz na significaccedilatildeo de cada cena

De acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber cada vez mais a interferecircncia

da publicidade na atual produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este

papel de fonte de referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem

audiovisual nas produccedilotildees contemporacircneas e diante disso tem-se como objetivo

compreender como o diretor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na

fotografia de seus filmes Arquiteto por formaccedilatildeo Fernando Meirelles comeccedilou sua

carreira na aacuterea audiovisual realizando viacutedeos experimentais com um grupo de amigos

ainda durante a faculdade Posteriormente fundou a produtora independente Olhar

Eletrocircnico e nunca mais deixou de trabalhar como diretor tanto na publicidade quanto no

cinema No cinema dirigiu os filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O

Jardineiro Fiel (2005) e Ensaio sobre a Cegueira (2008) Esses filmes constituem o objeto

empiacuterico deste trabalho que para alcanccedilar seu objetivo geral busca (1) analisar as

interfaces existentes entre publicidade e cinema (2) estudar a fotografia enquanto

elemento da esteacutetica audiovisual e (3) verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando

Meirelles em seus filmes

Jaacute haacute algum tempo percebe-se um crescente nuacutemero de cineastas com vasta

experiecircncia no mercado publicitaacuterio profissionais que realizaram muitos trabalhos como

diretores de filmes publicitaacuterios e dela migraram para o cinema Possuem portanto uma

visatildeo abrangente da linguagem audiovisual o que possibilita diferentes abordagens

esteacuteticas tanto no cinema quanto na publicidade A existecircncia de profissionais oriundos de

outras aacutereas trabalhando nas produccedilotildees audiovisuais reflete na nova relaccedilatildeo estabelecida

10

entre a noccedilatildeo de arte ciecircncia e tecnologia Esses domiacutenios antes mais distantes agora se

veem envolvidos em processos de troca combinaccedilatildeo fusatildeo Sobre as novas tecnologias

Popper apud Parente (1993) diz que

Em todo caso e em grande parte graccedilas aos novos meacutetodos de transmissatildeo de

imagens e agrave difusatildeo massiva dos conhecimentos e informaccedilotildees entramos no

presente em uma era em que o pensamento teacutecnico e o pensamento simboacutelico se

encontram em que o impacto das novas tecnologias provoca uma mutaccedilatildeo

decisiva na esfera cultural (PARENTE 1993 p213)

Covaleski (2009) acrescenta que tanto a televisatildeo quanto o cinema satildeo os uacutenicos

meios audiovisuais que possibilitam a utilizaccedilatildeo na publicidade da maioria dos elementos

de persuasatildeo e de sentido unindo o som a imagem o movimento e o texto escrito Deste

modo a publicidade trabalha com narrativas sinteacuteticas que se adequam ao tempo reduzido

de 30 eou 45 segundos para vender a ideacuteia do produto que anuncia Em oposiccedilatildeo o

cinema possui em meacutedia cerca de 90 minutos suficientes para mostrar o enredo contar a

histoacuteria apresentar os personagens e desenrolar toda a narrativa

As relaccedilotildees entre cinema e publicidade televisual partem das caracteriacutesticas da

obra final que eacute gerada em cada um desses gecircneros de comunicaccedilatildeo No

cinema a obra cinematograacutefica a peliacutecula de curta meacutedia ou longa-metragem

na publicidade televisual o comercial o filme ou viacutedeo publicitaacuterio que

obedecem aos formatos impostos pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo Os propoacutesitos

para os quais as obras fiacutelmicas cinematograacuteficas ou publicitaacuterias satildeo geradas

visam a atender interesses e objetivos que vatildeo do comercial ao artiacutestico

(COVALESKI 2009 p93)

Portanto a poacutes-modernidade cultural a qual representa o surgimento de outras

dimensotildees esteacuteticas eacute a grande chave para esta anaacutelise cujo foco recai sobre o elemento

de linguagem fotograacutefica Isto eacute recai na fotografia e na sua capacidade de construir

sentidos acerca de um momento que nunca mais aconteceraacute e ao mesmo tempo congelaacute-

lo possibilitando a representaccedilatildeo desta realidade deste momento uacutenico

Assim tal pesquisa articula a abordagem de temas de grande importacircncia para a

comunicaccedilatildeo audiovisual visto que possibilitam o surgimento de outras tendecircncias nas

produccedilotildees cinematograacuteficas contemporacircneas Para isso a revisatildeo teoacuterica perpassa pela

introduccedilatildeo sobre o tema do trabalho em que as temaacuteticas abordadas satildeo apresentadas bem

como o corpus escolhido para anaacutelise e os objetivos da pesquisa o primeiro capiacutetulo

discute teoricamente a linguagem e a esteacutetica audiovisual bem como as interfaces

existentes entre publicidade e cinema o segundo capiacutetulo aborda a fotografia na esteacutetica

audiovisual enfatizando os elementos expressivos fotograacuteficos ndash iluminaccedilatildeo cor

11

enquadramentos planos acircngulos e movimentos de cacircmera o terceiro capiacutetulo teoriza

sobre o cinema de autor e aborda o autor em questatildeo Fernando Meirelles o quarto

capiacutetulo elucida o processo metodoloacutegico aplicado no desenvolvimento do trabalho o

quinto capiacutetulo encarrega-se de demonstrar os exerciacutecios analiacuteticos empreendidos nos

frames do corpus e o sexto capiacutetulo preocupa-se com as consideraccedilotildees finais da pesquisa

12

1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual

Por poder ser captada simultaneamente pelo olho e pelo ouvido a linguagem

audiovisual permite o envolvimento completo do seu espectador diante da fusatildeo do som e

da imagem em movimento A fusatildeo entre aacuteudio e viacutedeo possibilita um paralelo entre o

racional e o sensorial de modo que a mesma consegue dizer muito mais do que

conseguimos captar pois chega simultaneamente por muito mais caminhos do que

conscientemente percebemos

O viacutedeo incluiacutedo em um meio de comunicaccedilatildeo de massa eacute utilizado como forma

de expressatildeo aleacutem de estruturar novas teacutecnicas tanto no processo de gravaccedilatildeo e de poacutes-

produccedilatildeo Tais teacutecnicas satildeo responsaacuteveis por todo o cruzamento de narrativas hoje

utilizadas pelo cinema e pela publicidade

O viacutedeo eacute um sistema hiacutebrido ele opera com coacutedigos significantes distintos

parte importados do cinema parte importados do teatro da literatura do raacutedio e

mais modernamente da computaccedilatildeo graacutefica aos quais acrescenta alguns

recursos expressivos especiacuteficos alguns modos de formar ideacuteias ou sensaccedilotildees

que lhe satildeo exclusivos (MACHADO 1997 p 190)

Dubois (2004 p77) define a estetizaccedilatildeo videograacutefica como ―uma linguagem (ou

uma esteacutetica) particular (mas de nenhum modo exclusiva) que pertence a loacutegicas

diferentes e potildee em jogo questotildees de ordem muito diversa que as do cinema O

surgimento do viacutedeo possibilitou novas tecnologias como por exemplo a televisatildeo

Diante disso o autor classifica dois modos principais de representaccedilatildeo em viacutedeo

O modo plaacutestico (a ―videoarte em suas formas e tendecircncias muacuteltiplas) e[] o

modo documentaacuterio (o real ndash bruto ou natildeo ndash em todas as suas estrateacutegias de

representaccedilatildeo) E sobretudo ndash eacute o que os une contra a transparecircncia - ambos

com um senso constante do ensaio da experimentaccedilatildeo da pesquisa da inovaccedilatildeo

(DUBOIS 2004 p77)

De acordo com Gutierrez (1992) dentro de noacutes acontece uma repercussatildeo em

imagens baacutesicas centrais simboacutelicas arquetiacutepicas com as quais nos identificamos ou que

se relacionam conosco de alguma forma consistindo na representaccedilatildeo de uma realidade

em movimento

A linguagem audiovisual responsaacutevel por tal representaccedilatildeo eacute constituiacuteda por

alguns elementos fundamentais (1) o plano - cada parte da fita que se apresenta ao

espectador como tendo sido filmada sem interrupccedilotildees (2) a cena - o conjunto de planos

cuja accedilatildeo eacute contiacutenua e decorre numa relativa unidade de tempo e espaccedilo constitui as cenas

13

e as sequumlecircncias (3) o enquadramento - a variaccedilatildeo da longitude da cacircmera agrave cena filmada

por meio de movimento (sem interrupccedilatildeo da filmagem) dentro do mesmo plano a

variaccedilatildeo do enquadramento e (4) a montagem ndash procedimento de organizaccedilatildeo do conjunto

de cenas sequumlecircncias e planos que formam a obra fiacutelmica

Tais elementos audiovisuais estatildeo presentes tanto nas produccedilotildees cinematograacuteficas

quanto nas produccedilotildees publicitaacuterias poreacutem o modo como satildeo utilizados eacute que as difere

Segundo Aumont (1995) inicialmente o cinema era desprovido de uma linguagem pois

apenas refletia o registro de um espetaacuteculo uma simples reproduccedilatildeo do real Entretanto

com o intuito de contar histoacuterias e veicular ideias o cinema precisou utilizar determinados

procedimentos expressivos os quais passaram a constituir sua linguagem

Assim sendo pode-se definir a linguagem cinematograacutefica como ―o conjunto das

mensagens cujo material de expressatildeo compotildee-se de cinco pistas ou canais a imagem

fotograacutefica em movimento os sons foneacuteticos gravados os ruiacutedos gravados o som musical

gravado e a escrita (creacuteditos intertiacutetulos materiais escritos no interior do plano) (STAM

2003 p132) A utilizaccedilatildeo em sinergia desse grande nuacutemero de elementos possibilita uma

maior variedade de abordagens nas produccedilotildees audiovisuais Por exemplo uma montagem

natildeo-linear com ritmo acelerado de troca de planos acircngulos e enquadramentos eacute a marca

das realizaccedilotildees videograacuteficas contemporacircneas

Para Balaacutezs apud Stam (1995) a linguagem cinematograacutefica pode ser definida a

partir de 4 princiacutepios

- no cinema existe uma distacircncia variaacutevel entre espectador e cena representada

daiacute uma dimensatildeo variaacutevel da cena que toma lugar no quadro e na composiccedilatildeo

da imagem

- a imagem total da cena eacute subdividida em uma seacuterie de planos de detalhes

(principio da decupagem)

- existe variaccedilatildeo de enquadramento (acircngulo de visatildeo perspectiva) dos planos de

detalhe no decorrer da mesma cena

- finalmente eacute a operaccedilatildeo da montagem que garante a inserccedilatildeo dos planos de

detalhes em uma sequumlecircncia ordenada na qual natildeo apenas cenas inteiras se

sucedem mas tambeacutem tomadas de detalhes mais miacutenimos de uma mesma cena

A cena em seu conjunto eacute resultado disso como se os elementos de um mosaico

temporal fossem justapostos no tempo (BALAacuteZS apud STAM 1995 p163-

164)

O cinema busca traduzir a realidade atraveacutes da representaccedilatildeo artiacutestica mediante o

uso de teacutecnicas pertencentes agrave linguagem audiovisual Stam (2003 p132) acrescenta que

se torna linguagem a partir do momento em que comunica ―um conjunto de mensagens

formuladas com base em um determinado material de expressatildeo um discurso ou praacutetica

significante caracterizado por codificaccedilotildees e procedimentos ordenatoacuterios especiacuteficos

14

Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma

―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute

empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte

Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees

de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos

seguintes problemas

1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como

arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi

muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e

comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin

Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma

caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a

cenicidade etc

2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais

estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o

movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista

(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem

(Eisenstein)

3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo

geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o

mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma

grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia

(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho

(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a

fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc

4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica

(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)

Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com

a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel

destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do

cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica

relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes

cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute

sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema

esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma

intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza

tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois

aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma

vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave

anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo

15

Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma

categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo

Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora

focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de

evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com

novas manifestaccedilotildees artiacutesticas

No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de

novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um

―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de

sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo

conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes

artiacutesticas

Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do

cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao

meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se

que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais

destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem

adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e

produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um

receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria

Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe

agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as

poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o

conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma

nova esteacutetica

Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche

cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos

constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica

do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este

Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento

de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica

contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade

movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar

16

A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-

se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma

consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social

A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou

clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe

(como utiliza o autor) para se firmar como arte

Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do

abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a

banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a

representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente

podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do

espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do

sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes

de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado

desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico

A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa

linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma

mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um

determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas

diferenciadas

A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico

em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo

de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada

de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que

acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea

(CARVALHO 2003)

Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos

videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo

audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o

surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no

comportamento dos sujeitos contemporacircneos

O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus

livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando

instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando

ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos

discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)

17

O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa

convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo

Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em

todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao

percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda

da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu

paacutera-brisa

Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte

do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos

que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao

realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva

fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo

Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de

ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este

estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem

diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto

Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as

concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea

Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria

colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das

tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as

anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de

encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo

sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito

humano (MERQUIOR 1975 p79)

Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base

da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente

O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves

dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo

virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que

transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no

cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as

representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-

imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente

como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma

imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores

pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)

18

Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero

abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que

atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um

recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes

tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do

homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com

a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se

reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos

11 Interfaces cinema e publicidade

Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em

momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja

consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem

interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com

seriados novelas e filmes sem sair de casa

Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de

outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que

―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas

por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo

Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo

para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De

acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que

possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo

somente com outros textos

Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em

outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou

contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute

conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem

disso classifica tambeacutem em

citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo

de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por

outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou

no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)

19

A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais

entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)

a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica

obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas

a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o

bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras

culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que

a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar

durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven

Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada

diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a

colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca

Absolut

b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer

uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente

substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute

facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero

cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a

alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de

mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos

mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain

(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma

obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve

devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute

que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no

cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do

automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de

amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona

avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo

ao argumento de liberdade explorado na obra francesa

c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas

de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no

20

plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de

personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de

estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo

intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e

ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns

filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se

aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um

bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que

se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme

Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)

No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um

caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual

produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de

referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas

produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus

―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles

1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e

tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a

superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai

surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento

utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14

Jun 2010

21

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual

A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou

grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico

inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph

Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem

foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de

petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar

chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida

Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos

fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta

decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com

iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem

guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma

imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam

no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio

Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo

conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de

horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu

processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a

patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste

processo

Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos

fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza

placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel

agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas

criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao

estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do

negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto

eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)

Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos

de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis

agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas

invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -

utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas

22

em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um

processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo

posterior de imagens positivas

A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com

a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por

George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente

evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco

automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da

imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito

pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia

A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a

digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo

da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a

produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O

aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras

de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme

e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital

Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da

fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de

congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato

com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos

instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na

invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente

pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos

sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento

Machado acrescenta que

O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a

partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere

natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na

sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas

populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a

pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)

No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto

basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o

23

intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma

em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido

um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de

uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a

―explicaccedilatildeo de um apresentador

Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir

de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de

pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias

adquiridas

Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual

Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema

Dubois (2004) assegura que

Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve

tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que

registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa

A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de

constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase

automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um

gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004

p38)

Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa

muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a

reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a

imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do

criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes

distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder

recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta

que tal uso

abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio

nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma

temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem

dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade

total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)

Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo

elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem

ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade

Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura

para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela

24

historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena

Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os

fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram

subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia

O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por

valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses

como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de

produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza

(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente

os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte

Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que

a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem

criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de

superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica

Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da

fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de

inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A

chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no

movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8

A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da

fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o

foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar

instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia

do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo

mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento

se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese

A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita

transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no

cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees

Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor

explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual

25

21 Iluminaccedilatildeo

De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se

ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas

aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo

para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir

noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da

iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo

como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico

num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que

A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do

projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como

ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma

conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o

escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou

Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios

Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser

produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em

outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do

filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da

histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)

As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e

a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um

lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e

desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno

ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura

afirma que

A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave

mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as

densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver

Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de

quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se

concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a

intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de

contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As

diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao

pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no

vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo

exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA

2001 p 20)

Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois

―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem

Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e

26

feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da

expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador

devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente

analisaacutevel

As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e

lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser

definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a

luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste

uniformidade cor e intensidade

Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de

sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual

Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que

A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas

percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar

o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas

similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia

luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou

brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)

A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir

sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes

claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz

suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a

outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho

percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma

aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz

direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)

Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos

de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a

fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta

22 Cor

Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco

Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas

pois aumenta a veracidade da imagem

27

Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

Campinas Papirus 1995

AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

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lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt

CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt

Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

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DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002

GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003

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2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009

SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

2

Gabriele Carneiro Feltrin da Silva

A FOTOGRAFIA NA CONSTRUCcedilAtildeO DA ESTEacuteTICA PUBLICITAacuteRIA NO

CINEMA DE FERNANDO MEIRELLES

Trabalho final de graduaccedilatildeo (tfg)

apresentado ao Curso de Comunicaccedilatildeo

Social ndash Publicidade e Propaganda Aacuterea

de Ciecircncias Sociais do Centro

Universitaacuterio Franciscano - Unifra como

requisito parcial para aprovaccedilatildeo na

disciplina Trabalho Final de Graduaccedilatildeo

II

Orientadora Patriacutecia de Oliveira Iuva

Santa Maria RS

2010

3

Gabriele Carneiro Feltrin da Silva

A FOTOGRAFIA NA CONSTRUCcedilAtildeO DA ESTEacuteTICA PUBLICITAacuteRIA NO

CINEMA DE FERNANDO MEIRELLES

Trabalho Final de Graduaccedilatildeo apresentado ao Curso de Publicidade e Propaganda Aacuterea

Ciecircncias Sociais do Centro Universitaacuterio Franciscano ndash Unifra como requisito para

aprovaccedilatildeo parcial para obtenccedilatildeo do grau de Bacharel em Publicidade e Propaganda

________________________________________________________

Patriacutecia de Oliveira Iuva ndash Orientadora (Unifra)

________________________________________________________

Carlos Alberto Badke (Unifra)

________________________________________________________

Pauline Fraga (Unifra)

Aprovado em de de

4

Agradecimentos

Em primeiro lugar quem merece todo meu reconhecimento eacute a minha famiacutelia Em

especial minha Matildee a pessoa mais importante da minha vida e responsaacutevel pelo que sou

por sempre ter acreditado em mim e me apoiado em minhas decisotildees Aos meus familiares

deixo aqui meu muito obrigada pela confianccedila pelo apoio e pela compreensatildeo

Agradeccedilo ainda a famiacutelia formada durante a graduaccedilatildeo aos queridos amigos que

tornaram essa jornada mais alegre e interessante Obrigada por fazerem parte dessa

aventura junto comigo

Ofereccedilo minhas palavras de gratidatildeo agrave minha orientadora Patriacutecia Iuva que ao meu

lado ajudou a construir esse trabalho Agrave professora Taiacutes Ghisleni que me acompanhou

durante o uacuteltimo ano de faculdade atraveacutes da monitoria e soube compreender minhas

duacutevidas sempre com palavras de apoio

Agradeccedilo aos demais mestres responsaacuteveis pela minha formaccedilatildeo Estendo esse

agradecimento a todos que de alguma forma contribuiacuteram para que hoje este sonho se

tornasse realidade

Aos meus amigos queridos que souberam me ouvir pelo incentivo constante e por

estarem sempre presentes nos momentos mais importantes pelos gestos de amizade

Agradeccedilo a Deus por estar sempre presente na minha vida e tornar tudo possiacutevel

5

RESUMO

Este estudo tem como objetivo analisar a fotografia audiovisual mais especificamente na

sua relaccedilatildeo com o a autorialidade de Fernando Meirelles Busca-se compreender como o

autor constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na fotografia de seus filmes a qual se configura

atraveacutes da interface publicidade e cinema Para isso construiu-se como corpus de anaacutelise

frames ou seja fragmentos de quatro filmes que foram analisados de modo a compreender

a construccedilatildeo e a relaccedilatildeo de sua expressividade bem como seu vieacutes publicitaacuterio A

dimensatildeo da publicidade delineou o foco da pesquisa uma vez que se anseia pela anaacutelise

do caraacuteter publicitaacuterio da fotografia audiovisual Para tanto a relaccedilatildeo existente entre a

esteacutetica audiovisual e a linguagem videograacutefica responsaacutevel pela construccedilatildeo de uma

esteacutetica publicitaacuteria evidenciada na obra fiacutelmica

Palavras-chave fotografia audiovisual esteacutetica publicitaacuteria cinema autoral interfaces

publicidade cinema

ABSTRACT

The objective of this study to analyze the photograph audiovisual more specifically in its

relationship to authorial Fernando Meirelles We seek to understand how the author builds

the aesthetics of advertising photography in his films which is formed through the

interface and cinema advertising For this we constructed a corpus analysis of frames ie

fragments of four films that have been analyzed to understand the relationship building

and its expressivity and its bias in advertising The size of the advertising outlined the

focus of research since it yearns for character analysis audiovisual advertising

photography To this end the relationship between aesthetics and audiovisual video

language responsible for the aesthetics advertising evident in film work

Keywords audiovisual photography advertising aesthetics film copyright interfaces

advertising cinema

6

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas 39

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas (Plano aberto e plano conjunto) 41

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas (em sentido horaacuterio

Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal) 42

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas

quando as personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo 43

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas 44

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus (em sentido horaacuterio primeiro meacutedio

em conjunto e dois gerais) 45

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus (em sentido

horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal) 46

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus 47

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus 47

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela 48

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus 49

Figura 11 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel 49

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel (em sentido horaacuterio plano meacutedio

em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em plongeacutee e plano aberto em

conjunto)

51

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel (em sentido

horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee) 52

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel (variaccedilatildeo entre suave e dura) 53

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel 54

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a Cegueira 54

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira (Plano geral em conjunto e

grande plano geral) 56

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela

porta de vidro)

56

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira 57

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro

―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel 58

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira 59

7

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO________________________________________________________ 8

1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual________________________________________ 12

11 Interfaces cinema e publicidade________________________________________ 18

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual_______________________________________ 21

21 Iluminaccedilatildeo__________________________________________________________ 25

22 Cor_________________________________________________________________ 26

23 Enquadramentos_____________________________________________________ 28

231 Planos_______________________________________________________ 29

232 Acircngulos de Filmagem_________________________________________ 30

233 Movimentos de cacircmera__________________________________________ 30

3 O Cinema de Autor_____________________________________________________ 31

4 Metodologia___________________________________________________________ 37

5 Anaacutelises______________________________________________________________ 39

51 Domeacutesticas__________________________________________________________ 39

52 Cidade de Deus_______________________________________________________ 44

53 O Jardineiro Fiel_____________________________________________________ 49

54 Ensaio sobre a Cegueira_______________________________________________ 54

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS_____________________________________________ 60

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS______________________________________ 63

ANEXOS_______________________________________________________________ 65

8

INTRODUCcedilAtildeO

A esteacutetica publicitaacuteria no cinema surge diante do contexto cultural da diversidade e

da multiplicidade no qual se percebe a fusatildeo entre a linguagem videograacutefica e a fotografia

do cinema Segundo Aumont (1995 p15) ―a esteacutetica do cinema eacute portanto o estudo do

cinema como arte o estudo dos filmes como mensagens artiacutesticas capazes de atrair a

atenccedilatildeo do espectador diante de uma determinada narrativa

O filme como produto cultural de massa atinge puacuteblicos diversificados que

reconhecem os seus coacutedigos suas linguagens e muito dessa adaptaccedilatildeo se deve ao

crescimento da TV e agrave tecnologia do viacutedeo A esteacutetica publicitaacuteria traduz o indiviacuteduo

contemporacircneo multifacetado acostumado com o acuacutemulo cada vez maior de

informaccedilotildees inserido em uma sociedade de massa multimidiaacutetica

A publicidade em relaccedilatildeo agrave sua funcionalidade busca positivar as qualidades e os

atributos dos serviccedilos eou produtos Por meio da persuasatildeo busca vender uma marca

seduzir e influenciar o espectador a consumir um determinado produto ndash tanto no campo

das ideacuteias quanto no campo dos discursos - que representa Nesse sentido ela usa e abusa

de recursos ligados agrave emoccedilatildeo e agrave identificaccedilatildeo sociocultural fazendo com que o

consumidor seja atraiacutedo e se identifique pela criaccedilatildeo Segundo Castells (1999 p22)

―entende-se por identidade a fonte de significado e experiecircncias de um povo

Experiecircncias essas que correspondem ao modo de vida em sociedade aos valores

culturais aos quais os indiviacuteduos estatildeo inseridos e que caracterizam a criaccedilatildeo de tal

identidade Carvalho (1996 p13) acrescenta que ―a publicidade impotildee nas linhas e

entrelinhas valores mitos ideais e outras elaboraccedilotildees simboacutelicas capazes de reformular

as tendecircncias culturais

Enquanto isso o cinema do ponto de vista funcional busca contar uma histoacuteria ndash

ficcional ou natildeo poreacutem como uma produccedilatildeo muitas vezes de entretenimento O objetivo

principal eacute procurar uma identificaccedilatildeo diante de seu puacuteblico divertir emocionar refletir e

transportaacute-los para a tela Stam (2003 p53) destaca que ―o cinema natildeo apenas evidencia o

movimento poeacutetico das coisas do mundo mas traduz as percepccedilotildees modificadas da vida

urbana contemporacircnea criando uma multiplicidade de informaccedilotildees em meio agrave sociedade

de massa Entatildeo como objeto cultural o cinema eacute capaz de entreter e disseminar

ideologias e tendecircncias para um grande nuacutemero de pessoas simultaneamente pois se

caracteriza como um produto coletivo da cultura de massa

9

Este trabalho constroacutei-se no cenaacuterio de interfaces entre publicidade e cinema a

partir da anaacutelise da concepccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria na fotografia dos filmes de

Fernando Meirelles

Vale ressaltar que a fotografia eacute um elemento fundamental na construccedilatildeo da esteacutetica

audiovisual Eacute a partir de sua composiccedilatildeo que o estilo da obra eacute retratado na tela Sendo

assim eacute preciso escolher com cuidado cada um dos componentes fotograacuteficos a fim de se

obter o resultado expressivo desejado Para Martin (2003 p57) a iluminaccedilatildeo ―constitui

um fator decisivo para a criaccedilatildeo da expressividade da imagem Aleacutem disso eacute elemento de

criaccedilatildeo da ―atmosfera da cena A atmosfera cecircnica por sua vez eacute difiacutecil de analisar pois

estaacute atrelada agrave subjetividade ou seja agrave capacidade de percepccedilatildeo de cada espectador tendo

um papel impreciso Natildeo se pode esquecer da utilizaccedilatildeo das cores sejam elas quentes ou

frias conotando reaccedilotildees psicoloacutegicas nos espectadores bem como o contraste cromaacutetico e

luminoso eficaz na significaccedilatildeo de cada cena

De acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber cada vez mais a interferecircncia

da publicidade na atual produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este

papel de fonte de referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem

audiovisual nas produccedilotildees contemporacircneas e diante disso tem-se como objetivo

compreender como o diretor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na

fotografia de seus filmes Arquiteto por formaccedilatildeo Fernando Meirelles comeccedilou sua

carreira na aacuterea audiovisual realizando viacutedeos experimentais com um grupo de amigos

ainda durante a faculdade Posteriormente fundou a produtora independente Olhar

Eletrocircnico e nunca mais deixou de trabalhar como diretor tanto na publicidade quanto no

cinema No cinema dirigiu os filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O

Jardineiro Fiel (2005) e Ensaio sobre a Cegueira (2008) Esses filmes constituem o objeto

empiacuterico deste trabalho que para alcanccedilar seu objetivo geral busca (1) analisar as

interfaces existentes entre publicidade e cinema (2) estudar a fotografia enquanto

elemento da esteacutetica audiovisual e (3) verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando

Meirelles em seus filmes

Jaacute haacute algum tempo percebe-se um crescente nuacutemero de cineastas com vasta

experiecircncia no mercado publicitaacuterio profissionais que realizaram muitos trabalhos como

diretores de filmes publicitaacuterios e dela migraram para o cinema Possuem portanto uma

visatildeo abrangente da linguagem audiovisual o que possibilita diferentes abordagens

esteacuteticas tanto no cinema quanto na publicidade A existecircncia de profissionais oriundos de

outras aacutereas trabalhando nas produccedilotildees audiovisuais reflete na nova relaccedilatildeo estabelecida

10

entre a noccedilatildeo de arte ciecircncia e tecnologia Esses domiacutenios antes mais distantes agora se

veem envolvidos em processos de troca combinaccedilatildeo fusatildeo Sobre as novas tecnologias

Popper apud Parente (1993) diz que

Em todo caso e em grande parte graccedilas aos novos meacutetodos de transmissatildeo de

imagens e agrave difusatildeo massiva dos conhecimentos e informaccedilotildees entramos no

presente em uma era em que o pensamento teacutecnico e o pensamento simboacutelico se

encontram em que o impacto das novas tecnologias provoca uma mutaccedilatildeo

decisiva na esfera cultural (PARENTE 1993 p213)

Covaleski (2009) acrescenta que tanto a televisatildeo quanto o cinema satildeo os uacutenicos

meios audiovisuais que possibilitam a utilizaccedilatildeo na publicidade da maioria dos elementos

de persuasatildeo e de sentido unindo o som a imagem o movimento e o texto escrito Deste

modo a publicidade trabalha com narrativas sinteacuteticas que se adequam ao tempo reduzido

de 30 eou 45 segundos para vender a ideacuteia do produto que anuncia Em oposiccedilatildeo o

cinema possui em meacutedia cerca de 90 minutos suficientes para mostrar o enredo contar a

histoacuteria apresentar os personagens e desenrolar toda a narrativa

As relaccedilotildees entre cinema e publicidade televisual partem das caracteriacutesticas da

obra final que eacute gerada em cada um desses gecircneros de comunicaccedilatildeo No

cinema a obra cinematograacutefica a peliacutecula de curta meacutedia ou longa-metragem

na publicidade televisual o comercial o filme ou viacutedeo publicitaacuterio que

obedecem aos formatos impostos pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo Os propoacutesitos

para os quais as obras fiacutelmicas cinematograacuteficas ou publicitaacuterias satildeo geradas

visam a atender interesses e objetivos que vatildeo do comercial ao artiacutestico

(COVALESKI 2009 p93)

Portanto a poacutes-modernidade cultural a qual representa o surgimento de outras

dimensotildees esteacuteticas eacute a grande chave para esta anaacutelise cujo foco recai sobre o elemento

de linguagem fotograacutefica Isto eacute recai na fotografia e na sua capacidade de construir

sentidos acerca de um momento que nunca mais aconteceraacute e ao mesmo tempo congelaacute-

lo possibilitando a representaccedilatildeo desta realidade deste momento uacutenico

Assim tal pesquisa articula a abordagem de temas de grande importacircncia para a

comunicaccedilatildeo audiovisual visto que possibilitam o surgimento de outras tendecircncias nas

produccedilotildees cinematograacuteficas contemporacircneas Para isso a revisatildeo teoacuterica perpassa pela

introduccedilatildeo sobre o tema do trabalho em que as temaacuteticas abordadas satildeo apresentadas bem

como o corpus escolhido para anaacutelise e os objetivos da pesquisa o primeiro capiacutetulo

discute teoricamente a linguagem e a esteacutetica audiovisual bem como as interfaces

existentes entre publicidade e cinema o segundo capiacutetulo aborda a fotografia na esteacutetica

audiovisual enfatizando os elementos expressivos fotograacuteficos ndash iluminaccedilatildeo cor

11

enquadramentos planos acircngulos e movimentos de cacircmera o terceiro capiacutetulo teoriza

sobre o cinema de autor e aborda o autor em questatildeo Fernando Meirelles o quarto

capiacutetulo elucida o processo metodoloacutegico aplicado no desenvolvimento do trabalho o

quinto capiacutetulo encarrega-se de demonstrar os exerciacutecios analiacuteticos empreendidos nos

frames do corpus e o sexto capiacutetulo preocupa-se com as consideraccedilotildees finais da pesquisa

12

1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual

Por poder ser captada simultaneamente pelo olho e pelo ouvido a linguagem

audiovisual permite o envolvimento completo do seu espectador diante da fusatildeo do som e

da imagem em movimento A fusatildeo entre aacuteudio e viacutedeo possibilita um paralelo entre o

racional e o sensorial de modo que a mesma consegue dizer muito mais do que

conseguimos captar pois chega simultaneamente por muito mais caminhos do que

conscientemente percebemos

O viacutedeo incluiacutedo em um meio de comunicaccedilatildeo de massa eacute utilizado como forma

de expressatildeo aleacutem de estruturar novas teacutecnicas tanto no processo de gravaccedilatildeo e de poacutes-

produccedilatildeo Tais teacutecnicas satildeo responsaacuteveis por todo o cruzamento de narrativas hoje

utilizadas pelo cinema e pela publicidade

O viacutedeo eacute um sistema hiacutebrido ele opera com coacutedigos significantes distintos

parte importados do cinema parte importados do teatro da literatura do raacutedio e

mais modernamente da computaccedilatildeo graacutefica aos quais acrescenta alguns

recursos expressivos especiacuteficos alguns modos de formar ideacuteias ou sensaccedilotildees

que lhe satildeo exclusivos (MACHADO 1997 p 190)

Dubois (2004 p77) define a estetizaccedilatildeo videograacutefica como ―uma linguagem (ou

uma esteacutetica) particular (mas de nenhum modo exclusiva) que pertence a loacutegicas

diferentes e potildee em jogo questotildees de ordem muito diversa que as do cinema O

surgimento do viacutedeo possibilitou novas tecnologias como por exemplo a televisatildeo

Diante disso o autor classifica dois modos principais de representaccedilatildeo em viacutedeo

O modo plaacutestico (a ―videoarte em suas formas e tendecircncias muacuteltiplas) e[] o

modo documentaacuterio (o real ndash bruto ou natildeo ndash em todas as suas estrateacutegias de

representaccedilatildeo) E sobretudo ndash eacute o que os une contra a transparecircncia - ambos

com um senso constante do ensaio da experimentaccedilatildeo da pesquisa da inovaccedilatildeo

(DUBOIS 2004 p77)

De acordo com Gutierrez (1992) dentro de noacutes acontece uma repercussatildeo em

imagens baacutesicas centrais simboacutelicas arquetiacutepicas com as quais nos identificamos ou que

se relacionam conosco de alguma forma consistindo na representaccedilatildeo de uma realidade

em movimento

A linguagem audiovisual responsaacutevel por tal representaccedilatildeo eacute constituiacuteda por

alguns elementos fundamentais (1) o plano - cada parte da fita que se apresenta ao

espectador como tendo sido filmada sem interrupccedilotildees (2) a cena - o conjunto de planos

cuja accedilatildeo eacute contiacutenua e decorre numa relativa unidade de tempo e espaccedilo constitui as cenas

13

e as sequumlecircncias (3) o enquadramento - a variaccedilatildeo da longitude da cacircmera agrave cena filmada

por meio de movimento (sem interrupccedilatildeo da filmagem) dentro do mesmo plano a

variaccedilatildeo do enquadramento e (4) a montagem ndash procedimento de organizaccedilatildeo do conjunto

de cenas sequumlecircncias e planos que formam a obra fiacutelmica

Tais elementos audiovisuais estatildeo presentes tanto nas produccedilotildees cinematograacuteficas

quanto nas produccedilotildees publicitaacuterias poreacutem o modo como satildeo utilizados eacute que as difere

Segundo Aumont (1995) inicialmente o cinema era desprovido de uma linguagem pois

apenas refletia o registro de um espetaacuteculo uma simples reproduccedilatildeo do real Entretanto

com o intuito de contar histoacuterias e veicular ideias o cinema precisou utilizar determinados

procedimentos expressivos os quais passaram a constituir sua linguagem

Assim sendo pode-se definir a linguagem cinematograacutefica como ―o conjunto das

mensagens cujo material de expressatildeo compotildee-se de cinco pistas ou canais a imagem

fotograacutefica em movimento os sons foneacuteticos gravados os ruiacutedos gravados o som musical

gravado e a escrita (creacuteditos intertiacutetulos materiais escritos no interior do plano) (STAM

2003 p132) A utilizaccedilatildeo em sinergia desse grande nuacutemero de elementos possibilita uma

maior variedade de abordagens nas produccedilotildees audiovisuais Por exemplo uma montagem

natildeo-linear com ritmo acelerado de troca de planos acircngulos e enquadramentos eacute a marca

das realizaccedilotildees videograacuteficas contemporacircneas

Para Balaacutezs apud Stam (1995) a linguagem cinematograacutefica pode ser definida a

partir de 4 princiacutepios

- no cinema existe uma distacircncia variaacutevel entre espectador e cena representada

daiacute uma dimensatildeo variaacutevel da cena que toma lugar no quadro e na composiccedilatildeo

da imagem

- a imagem total da cena eacute subdividida em uma seacuterie de planos de detalhes

(principio da decupagem)

- existe variaccedilatildeo de enquadramento (acircngulo de visatildeo perspectiva) dos planos de

detalhe no decorrer da mesma cena

- finalmente eacute a operaccedilatildeo da montagem que garante a inserccedilatildeo dos planos de

detalhes em uma sequumlecircncia ordenada na qual natildeo apenas cenas inteiras se

sucedem mas tambeacutem tomadas de detalhes mais miacutenimos de uma mesma cena

A cena em seu conjunto eacute resultado disso como se os elementos de um mosaico

temporal fossem justapostos no tempo (BALAacuteZS apud STAM 1995 p163-

164)

O cinema busca traduzir a realidade atraveacutes da representaccedilatildeo artiacutestica mediante o

uso de teacutecnicas pertencentes agrave linguagem audiovisual Stam (2003 p132) acrescenta que

se torna linguagem a partir do momento em que comunica ―um conjunto de mensagens

formuladas com base em um determinado material de expressatildeo um discurso ou praacutetica

significante caracterizado por codificaccedilotildees e procedimentos ordenatoacuterios especiacuteficos

14

Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma

―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute

empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte

Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees

de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos

seguintes problemas

1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como

arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi

muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e

comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin

Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma

caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a

cenicidade etc

2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais

estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o

movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista

(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem

(Eisenstein)

3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo

geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o

mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma

grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia

(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho

(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a

fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc

4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica

(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)

Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com

a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel

destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do

cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica

relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes

cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute

sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema

esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma

intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza

tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois

aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma

vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave

anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo

15

Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma

categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo

Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora

focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de

evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com

novas manifestaccedilotildees artiacutesticas

No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de

novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um

―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de

sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo

conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes

artiacutesticas

Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do

cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao

meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se

que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais

destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem

adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e

produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um

receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria

Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe

agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as

poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o

conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma

nova esteacutetica

Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche

cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos

constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica

do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este

Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento

de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica

contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade

movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar

16

A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-

se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma

consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social

A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou

clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe

(como utiliza o autor) para se firmar como arte

Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do

abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a

banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a

representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente

podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do

espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do

sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes

de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado

desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico

A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa

linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma

mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um

determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas

diferenciadas

A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico

em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo

de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada

de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que

acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea

(CARVALHO 2003)

Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos

videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo

audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o

surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no

comportamento dos sujeitos contemporacircneos

O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus

livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando

instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando

ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos

discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)

17

O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa

convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo

Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em

todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao

percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda

da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu

paacutera-brisa

Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte

do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos

que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao

realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva

fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo

Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de

ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este

estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem

diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto

Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as

concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea

Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria

colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das

tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as

anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de

encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo

sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito

humano (MERQUIOR 1975 p79)

Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base

da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente

O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves

dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo

virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que

transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no

cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as

representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-

imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente

como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma

imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores

pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)

18

Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero

abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que

atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um

recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes

tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do

homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com

a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se

reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos

11 Interfaces cinema e publicidade

Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em

momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja

consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem

interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com

seriados novelas e filmes sem sair de casa

Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de

outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que

―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas

por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo

Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo

para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De

acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que

possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo

somente com outros textos

Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em

outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou

contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute

conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem

disso classifica tambeacutem em

citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo

de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por

outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou

no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)

19

A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais

entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)

a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica

obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas

a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o

bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras

culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que

a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar

durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven

Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada

diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a

colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca

Absolut

b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer

uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente

substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute

facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero

cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a

alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de

mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos

mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain

(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma

obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve

devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute

que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no

cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do

automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de

amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona

avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo

ao argumento de liberdade explorado na obra francesa

c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas

de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no

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plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de

personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de

estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo

intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e

ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns

filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se

aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um

bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que

se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme

Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)

No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um

caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual

produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de

referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas

produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus

―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles

1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e

tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a

superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai

surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento

utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14

Jun 2010

21

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual

A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou

grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico

inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph

Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem

foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de

petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar

chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida

Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos

fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta

decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com

iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem

guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma

imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam

no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio

Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo

conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de

horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu

processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a

patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste

processo

Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos

fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza

placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel

agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas

criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao

estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do

negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto

eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)

Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos

de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis

agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas

invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -

utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas

22

em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um

processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo

posterior de imagens positivas

A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com

a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por

George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente

evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco

automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da

imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito

pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia

A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a

digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo

da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a

produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O

aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras

de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme

e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital

Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da

fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de

congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato

com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos

instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na

invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente

pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos

sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento

Machado acrescenta que

O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a

partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere

natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na

sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas

populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a

pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)

No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto

basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o

23

intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma

em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido

um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de

uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a

―explicaccedilatildeo de um apresentador

Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir

de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de

pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias

adquiridas

Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual

Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema

Dubois (2004) assegura que

Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve

tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que

registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa

A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de

constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase

automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um

gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004

p38)

Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa

muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a

reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a

imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do

criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes

distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder

recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta

que tal uso

abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio

nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma

temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem

dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade

total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)

Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo

elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem

ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade

Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura

para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela

24

historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena

Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os

fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram

subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia

O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por

valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses

como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de

produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza

(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente

os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte

Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que

a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem

criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de

superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica

Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da

fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de

inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A

chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no

movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8

A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da

fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o

foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar

instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia

do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo

mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento

se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese

A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita

transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no

cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees

Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor

explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual

25

21 Iluminaccedilatildeo

De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se

ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas

aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo

para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir

noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da

iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo

como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico

num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que

A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do

projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como

ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma

conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o

escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou

Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios

Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser

produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em

outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do

filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da

histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)

As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e

a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um

lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e

desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno

ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura

afirma que

A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave

mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as

densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver

Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de

quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se

concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a

intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de

contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As

diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao

pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no

vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo

exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA

2001 p 20)

Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois

―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem

Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e

26

feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da

expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador

devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente

analisaacutevel

As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e

lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser

definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a

luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste

uniformidade cor e intensidade

Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de

sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual

Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que

A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas

percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar

o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas

similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia

luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou

brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)

A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir

sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes

claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz

suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a

outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho

percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma

aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz

direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)

Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos

de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a

fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta

22 Cor

Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco

Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas

pois aumenta a veracidade da imagem

27

Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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Paulo Cosac Naify 2004

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GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

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MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

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MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de

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MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

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SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

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STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

3

Gabriele Carneiro Feltrin da Silva

A FOTOGRAFIA NA CONSTRUCcedilAtildeO DA ESTEacuteTICA PUBLICITAacuteRIA NO

CINEMA DE FERNANDO MEIRELLES

Trabalho Final de Graduaccedilatildeo apresentado ao Curso de Publicidade e Propaganda Aacuterea

Ciecircncias Sociais do Centro Universitaacuterio Franciscano ndash Unifra como requisito para

aprovaccedilatildeo parcial para obtenccedilatildeo do grau de Bacharel em Publicidade e Propaganda

________________________________________________________

Patriacutecia de Oliveira Iuva ndash Orientadora (Unifra)

________________________________________________________

Carlos Alberto Badke (Unifra)

________________________________________________________

Pauline Fraga (Unifra)

Aprovado em de de

4

Agradecimentos

Em primeiro lugar quem merece todo meu reconhecimento eacute a minha famiacutelia Em

especial minha Matildee a pessoa mais importante da minha vida e responsaacutevel pelo que sou

por sempre ter acreditado em mim e me apoiado em minhas decisotildees Aos meus familiares

deixo aqui meu muito obrigada pela confianccedila pelo apoio e pela compreensatildeo

Agradeccedilo ainda a famiacutelia formada durante a graduaccedilatildeo aos queridos amigos que

tornaram essa jornada mais alegre e interessante Obrigada por fazerem parte dessa

aventura junto comigo

Ofereccedilo minhas palavras de gratidatildeo agrave minha orientadora Patriacutecia Iuva que ao meu

lado ajudou a construir esse trabalho Agrave professora Taiacutes Ghisleni que me acompanhou

durante o uacuteltimo ano de faculdade atraveacutes da monitoria e soube compreender minhas

duacutevidas sempre com palavras de apoio

Agradeccedilo aos demais mestres responsaacuteveis pela minha formaccedilatildeo Estendo esse

agradecimento a todos que de alguma forma contribuiacuteram para que hoje este sonho se

tornasse realidade

Aos meus amigos queridos que souberam me ouvir pelo incentivo constante e por

estarem sempre presentes nos momentos mais importantes pelos gestos de amizade

Agradeccedilo a Deus por estar sempre presente na minha vida e tornar tudo possiacutevel

5

RESUMO

Este estudo tem como objetivo analisar a fotografia audiovisual mais especificamente na

sua relaccedilatildeo com o a autorialidade de Fernando Meirelles Busca-se compreender como o

autor constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na fotografia de seus filmes a qual se configura

atraveacutes da interface publicidade e cinema Para isso construiu-se como corpus de anaacutelise

frames ou seja fragmentos de quatro filmes que foram analisados de modo a compreender

a construccedilatildeo e a relaccedilatildeo de sua expressividade bem como seu vieacutes publicitaacuterio A

dimensatildeo da publicidade delineou o foco da pesquisa uma vez que se anseia pela anaacutelise

do caraacuteter publicitaacuterio da fotografia audiovisual Para tanto a relaccedilatildeo existente entre a

esteacutetica audiovisual e a linguagem videograacutefica responsaacutevel pela construccedilatildeo de uma

esteacutetica publicitaacuteria evidenciada na obra fiacutelmica

Palavras-chave fotografia audiovisual esteacutetica publicitaacuteria cinema autoral interfaces

publicidade cinema

ABSTRACT

The objective of this study to analyze the photograph audiovisual more specifically in its

relationship to authorial Fernando Meirelles We seek to understand how the author builds

the aesthetics of advertising photography in his films which is formed through the

interface and cinema advertising For this we constructed a corpus analysis of frames ie

fragments of four films that have been analyzed to understand the relationship building

and its expressivity and its bias in advertising The size of the advertising outlined the

focus of research since it yearns for character analysis audiovisual advertising

photography To this end the relationship between aesthetics and audiovisual video

language responsible for the aesthetics advertising evident in film work

Keywords audiovisual photography advertising aesthetics film copyright interfaces

advertising cinema

6

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas 39

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas (Plano aberto e plano conjunto) 41

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas (em sentido horaacuterio

Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal) 42

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas

quando as personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo 43

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas 44

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus (em sentido horaacuterio primeiro meacutedio

em conjunto e dois gerais) 45

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus (em sentido

horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal) 46

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus 47

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus 47

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela 48

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus 49

Figura 11 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel 49

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel (em sentido horaacuterio plano meacutedio

em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em plongeacutee e plano aberto em

conjunto)

51

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel (em sentido

horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee) 52

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel (variaccedilatildeo entre suave e dura) 53

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel 54

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a Cegueira 54

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira (Plano geral em conjunto e

grande plano geral) 56

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela

porta de vidro)

56

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira 57

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro

―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel 58

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira 59

7

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO________________________________________________________ 8

1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual________________________________________ 12

11 Interfaces cinema e publicidade________________________________________ 18

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual_______________________________________ 21

21 Iluminaccedilatildeo__________________________________________________________ 25

22 Cor_________________________________________________________________ 26

23 Enquadramentos_____________________________________________________ 28

231 Planos_______________________________________________________ 29

232 Acircngulos de Filmagem_________________________________________ 30

233 Movimentos de cacircmera__________________________________________ 30

3 O Cinema de Autor_____________________________________________________ 31

4 Metodologia___________________________________________________________ 37

5 Anaacutelises______________________________________________________________ 39

51 Domeacutesticas__________________________________________________________ 39

52 Cidade de Deus_______________________________________________________ 44

53 O Jardineiro Fiel_____________________________________________________ 49

54 Ensaio sobre a Cegueira_______________________________________________ 54

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS_____________________________________________ 60

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS______________________________________ 63

ANEXOS_______________________________________________________________ 65

8

INTRODUCcedilAtildeO

A esteacutetica publicitaacuteria no cinema surge diante do contexto cultural da diversidade e

da multiplicidade no qual se percebe a fusatildeo entre a linguagem videograacutefica e a fotografia

do cinema Segundo Aumont (1995 p15) ―a esteacutetica do cinema eacute portanto o estudo do

cinema como arte o estudo dos filmes como mensagens artiacutesticas capazes de atrair a

atenccedilatildeo do espectador diante de uma determinada narrativa

O filme como produto cultural de massa atinge puacuteblicos diversificados que

reconhecem os seus coacutedigos suas linguagens e muito dessa adaptaccedilatildeo se deve ao

crescimento da TV e agrave tecnologia do viacutedeo A esteacutetica publicitaacuteria traduz o indiviacuteduo

contemporacircneo multifacetado acostumado com o acuacutemulo cada vez maior de

informaccedilotildees inserido em uma sociedade de massa multimidiaacutetica

A publicidade em relaccedilatildeo agrave sua funcionalidade busca positivar as qualidades e os

atributos dos serviccedilos eou produtos Por meio da persuasatildeo busca vender uma marca

seduzir e influenciar o espectador a consumir um determinado produto ndash tanto no campo

das ideacuteias quanto no campo dos discursos - que representa Nesse sentido ela usa e abusa

de recursos ligados agrave emoccedilatildeo e agrave identificaccedilatildeo sociocultural fazendo com que o

consumidor seja atraiacutedo e se identifique pela criaccedilatildeo Segundo Castells (1999 p22)

―entende-se por identidade a fonte de significado e experiecircncias de um povo

Experiecircncias essas que correspondem ao modo de vida em sociedade aos valores

culturais aos quais os indiviacuteduos estatildeo inseridos e que caracterizam a criaccedilatildeo de tal

identidade Carvalho (1996 p13) acrescenta que ―a publicidade impotildee nas linhas e

entrelinhas valores mitos ideais e outras elaboraccedilotildees simboacutelicas capazes de reformular

as tendecircncias culturais

Enquanto isso o cinema do ponto de vista funcional busca contar uma histoacuteria ndash

ficcional ou natildeo poreacutem como uma produccedilatildeo muitas vezes de entretenimento O objetivo

principal eacute procurar uma identificaccedilatildeo diante de seu puacuteblico divertir emocionar refletir e

transportaacute-los para a tela Stam (2003 p53) destaca que ―o cinema natildeo apenas evidencia o

movimento poeacutetico das coisas do mundo mas traduz as percepccedilotildees modificadas da vida

urbana contemporacircnea criando uma multiplicidade de informaccedilotildees em meio agrave sociedade

de massa Entatildeo como objeto cultural o cinema eacute capaz de entreter e disseminar

ideologias e tendecircncias para um grande nuacutemero de pessoas simultaneamente pois se

caracteriza como um produto coletivo da cultura de massa

9

Este trabalho constroacutei-se no cenaacuterio de interfaces entre publicidade e cinema a

partir da anaacutelise da concepccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria na fotografia dos filmes de

Fernando Meirelles

Vale ressaltar que a fotografia eacute um elemento fundamental na construccedilatildeo da esteacutetica

audiovisual Eacute a partir de sua composiccedilatildeo que o estilo da obra eacute retratado na tela Sendo

assim eacute preciso escolher com cuidado cada um dos componentes fotograacuteficos a fim de se

obter o resultado expressivo desejado Para Martin (2003 p57) a iluminaccedilatildeo ―constitui

um fator decisivo para a criaccedilatildeo da expressividade da imagem Aleacutem disso eacute elemento de

criaccedilatildeo da ―atmosfera da cena A atmosfera cecircnica por sua vez eacute difiacutecil de analisar pois

estaacute atrelada agrave subjetividade ou seja agrave capacidade de percepccedilatildeo de cada espectador tendo

um papel impreciso Natildeo se pode esquecer da utilizaccedilatildeo das cores sejam elas quentes ou

frias conotando reaccedilotildees psicoloacutegicas nos espectadores bem como o contraste cromaacutetico e

luminoso eficaz na significaccedilatildeo de cada cena

De acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber cada vez mais a interferecircncia

da publicidade na atual produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este

papel de fonte de referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem

audiovisual nas produccedilotildees contemporacircneas e diante disso tem-se como objetivo

compreender como o diretor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na

fotografia de seus filmes Arquiteto por formaccedilatildeo Fernando Meirelles comeccedilou sua

carreira na aacuterea audiovisual realizando viacutedeos experimentais com um grupo de amigos

ainda durante a faculdade Posteriormente fundou a produtora independente Olhar

Eletrocircnico e nunca mais deixou de trabalhar como diretor tanto na publicidade quanto no

cinema No cinema dirigiu os filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O

Jardineiro Fiel (2005) e Ensaio sobre a Cegueira (2008) Esses filmes constituem o objeto

empiacuterico deste trabalho que para alcanccedilar seu objetivo geral busca (1) analisar as

interfaces existentes entre publicidade e cinema (2) estudar a fotografia enquanto

elemento da esteacutetica audiovisual e (3) verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando

Meirelles em seus filmes

Jaacute haacute algum tempo percebe-se um crescente nuacutemero de cineastas com vasta

experiecircncia no mercado publicitaacuterio profissionais que realizaram muitos trabalhos como

diretores de filmes publicitaacuterios e dela migraram para o cinema Possuem portanto uma

visatildeo abrangente da linguagem audiovisual o que possibilita diferentes abordagens

esteacuteticas tanto no cinema quanto na publicidade A existecircncia de profissionais oriundos de

outras aacutereas trabalhando nas produccedilotildees audiovisuais reflete na nova relaccedilatildeo estabelecida

10

entre a noccedilatildeo de arte ciecircncia e tecnologia Esses domiacutenios antes mais distantes agora se

veem envolvidos em processos de troca combinaccedilatildeo fusatildeo Sobre as novas tecnologias

Popper apud Parente (1993) diz que

Em todo caso e em grande parte graccedilas aos novos meacutetodos de transmissatildeo de

imagens e agrave difusatildeo massiva dos conhecimentos e informaccedilotildees entramos no

presente em uma era em que o pensamento teacutecnico e o pensamento simboacutelico se

encontram em que o impacto das novas tecnologias provoca uma mutaccedilatildeo

decisiva na esfera cultural (PARENTE 1993 p213)

Covaleski (2009) acrescenta que tanto a televisatildeo quanto o cinema satildeo os uacutenicos

meios audiovisuais que possibilitam a utilizaccedilatildeo na publicidade da maioria dos elementos

de persuasatildeo e de sentido unindo o som a imagem o movimento e o texto escrito Deste

modo a publicidade trabalha com narrativas sinteacuteticas que se adequam ao tempo reduzido

de 30 eou 45 segundos para vender a ideacuteia do produto que anuncia Em oposiccedilatildeo o

cinema possui em meacutedia cerca de 90 minutos suficientes para mostrar o enredo contar a

histoacuteria apresentar os personagens e desenrolar toda a narrativa

As relaccedilotildees entre cinema e publicidade televisual partem das caracteriacutesticas da

obra final que eacute gerada em cada um desses gecircneros de comunicaccedilatildeo No

cinema a obra cinematograacutefica a peliacutecula de curta meacutedia ou longa-metragem

na publicidade televisual o comercial o filme ou viacutedeo publicitaacuterio que

obedecem aos formatos impostos pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo Os propoacutesitos

para os quais as obras fiacutelmicas cinematograacuteficas ou publicitaacuterias satildeo geradas

visam a atender interesses e objetivos que vatildeo do comercial ao artiacutestico

(COVALESKI 2009 p93)

Portanto a poacutes-modernidade cultural a qual representa o surgimento de outras

dimensotildees esteacuteticas eacute a grande chave para esta anaacutelise cujo foco recai sobre o elemento

de linguagem fotograacutefica Isto eacute recai na fotografia e na sua capacidade de construir

sentidos acerca de um momento que nunca mais aconteceraacute e ao mesmo tempo congelaacute-

lo possibilitando a representaccedilatildeo desta realidade deste momento uacutenico

Assim tal pesquisa articula a abordagem de temas de grande importacircncia para a

comunicaccedilatildeo audiovisual visto que possibilitam o surgimento de outras tendecircncias nas

produccedilotildees cinematograacuteficas contemporacircneas Para isso a revisatildeo teoacuterica perpassa pela

introduccedilatildeo sobre o tema do trabalho em que as temaacuteticas abordadas satildeo apresentadas bem

como o corpus escolhido para anaacutelise e os objetivos da pesquisa o primeiro capiacutetulo

discute teoricamente a linguagem e a esteacutetica audiovisual bem como as interfaces

existentes entre publicidade e cinema o segundo capiacutetulo aborda a fotografia na esteacutetica

audiovisual enfatizando os elementos expressivos fotograacuteficos ndash iluminaccedilatildeo cor

11

enquadramentos planos acircngulos e movimentos de cacircmera o terceiro capiacutetulo teoriza

sobre o cinema de autor e aborda o autor em questatildeo Fernando Meirelles o quarto

capiacutetulo elucida o processo metodoloacutegico aplicado no desenvolvimento do trabalho o

quinto capiacutetulo encarrega-se de demonstrar os exerciacutecios analiacuteticos empreendidos nos

frames do corpus e o sexto capiacutetulo preocupa-se com as consideraccedilotildees finais da pesquisa

12

1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual

Por poder ser captada simultaneamente pelo olho e pelo ouvido a linguagem

audiovisual permite o envolvimento completo do seu espectador diante da fusatildeo do som e

da imagem em movimento A fusatildeo entre aacuteudio e viacutedeo possibilita um paralelo entre o

racional e o sensorial de modo que a mesma consegue dizer muito mais do que

conseguimos captar pois chega simultaneamente por muito mais caminhos do que

conscientemente percebemos

O viacutedeo incluiacutedo em um meio de comunicaccedilatildeo de massa eacute utilizado como forma

de expressatildeo aleacutem de estruturar novas teacutecnicas tanto no processo de gravaccedilatildeo e de poacutes-

produccedilatildeo Tais teacutecnicas satildeo responsaacuteveis por todo o cruzamento de narrativas hoje

utilizadas pelo cinema e pela publicidade

O viacutedeo eacute um sistema hiacutebrido ele opera com coacutedigos significantes distintos

parte importados do cinema parte importados do teatro da literatura do raacutedio e

mais modernamente da computaccedilatildeo graacutefica aos quais acrescenta alguns

recursos expressivos especiacuteficos alguns modos de formar ideacuteias ou sensaccedilotildees

que lhe satildeo exclusivos (MACHADO 1997 p 190)

Dubois (2004 p77) define a estetizaccedilatildeo videograacutefica como ―uma linguagem (ou

uma esteacutetica) particular (mas de nenhum modo exclusiva) que pertence a loacutegicas

diferentes e potildee em jogo questotildees de ordem muito diversa que as do cinema O

surgimento do viacutedeo possibilitou novas tecnologias como por exemplo a televisatildeo

Diante disso o autor classifica dois modos principais de representaccedilatildeo em viacutedeo

O modo plaacutestico (a ―videoarte em suas formas e tendecircncias muacuteltiplas) e[] o

modo documentaacuterio (o real ndash bruto ou natildeo ndash em todas as suas estrateacutegias de

representaccedilatildeo) E sobretudo ndash eacute o que os une contra a transparecircncia - ambos

com um senso constante do ensaio da experimentaccedilatildeo da pesquisa da inovaccedilatildeo

(DUBOIS 2004 p77)

De acordo com Gutierrez (1992) dentro de noacutes acontece uma repercussatildeo em

imagens baacutesicas centrais simboacutelicas arquetiacutepicas com as quais nos identificamos ou que

se relacionam conosco de alguma forma consistindo na representaccedilatildeo de uma realidade

em movimento

A linguagem audiovisual responsaacutevel por tal representaccedilatildeo eacute constituiacuteda por

alguns elementos fundamentais (1) o plano - cada parte da fita que se apresenta ao

espectador como tendo sido filmada sem interrupccedilotildees (2) a cena - o conjunto de planos

cuja accedilatildeo eacute contiacutenua e decorre numa relativa unidade de tempo e espaccedilo constitui as cenas

13

e as sequumlecircncias (3) o enquadramento - a variaccedilatildeo da longitude da cacircmera agrave cena filmada

por meio de movimento (sem interrupccedilatildeo da filmagem) dentro do mesmo plano a

variaccedilatildeo do enquadramento e (4) a montagem ndash procedimento de organizaccedilatildeo do conjunto

de cenas sequumlecircncias e planos que formam a obra fiacutelmica

Tais elementos audiovisuais estatildeo presentes tanto nas produccedilotildees cinematograacuteficas

quanto nas produccedilotildees publicitaacuterias poreacutem o modo como satildeo utilizados eacute que as difere

Segundo Aumont (1995) inicialmente o cinema era desprovido de uma linguagem pois

apenas refletia o registro de um espetaacuteculo uma simples reproduccedilatildeo do real Entretanto

com o intuito de contar histoacuterias e veicular ideias o cinema precisou utilizar determinados

procedimentos expressivos os quais passaram a constituir sua linguagem

Assim sendo pode-se definir a linguagem cinematograacutefica como ―o conjunto das

mensagens cujo material de expressatildeo compotildee-se de cinco pistas ou canais a imagem

fotograacutefica em movimento os sons foneacuteticos gravados os ruiacutedos gravados o som musical

gravado e a escrita (creacuteditos intertiacutetulos materiais escritos no interior do plano) (STAM

2003 p132) A utilizaccedilatildeo em sinergia desse grande nuacutemero de elementos possibilita uma

maior variedade de abordagens nas produccedilotildees audiovisuais Por exemplo uma montagem

natildeo-linear com ritmo acelerado de troca de planos acircngulos e enquadramentos eacute a marca

das realizaccedilotildees videograacuteficas contemporacircneas

Para Balaacutezs apud Stam (1995) a linguagem cinematograacutefica pode ser definida a

partir de 4 princiacutepios

- no cinema existe uma distacircncia variaacutevel entre espectador e cena representada

daiacute uma dimensatildeo variaacutevel da cena que toma lugar no quadro e na composiccedilatildeo

da imagem

- a imagem total da cena eacute subdividida em uma seacuterie de planos de detalhes

(principio da decupagem)

- existe variaccedilatildeo de enquadramento (acircngulo de visatildeo perspectiva) dos planos de

detalhe no decorrer da mesma cena

- finalmente eacute a operaccedilatildeo da montagem que garante a inserccedilatildeo dos planos de

detalhes em uma sequumlecircncia ordenada na qual natildeo apenas cenas inteiras se

sucedem mas tambeacutem tomadas de detalhes mais miacutenimos de uma mesma cena

A cena em seu conjunto eacute resultado disso como se os elementos de um mosaico

temporal fossem justapostos no tempo (BALAacuteZS apud STAM 1995 p163-

164)

O cinema busca traduzir a realidade atraveacutes da representaccedilatildeo artiacutestica mediante o

uso de teacutecnicas pertencentes agrave linguagem audiovisual Stam (2003 p132) acrescenta que

se torna linguagem a partir do momento em que comunica ―um conjunto de mensagens

formuladas com base em um determinado material de expressatildeo um discurso ou praacutetica

significante caracterizado por codificaccedilotildees e procedimentos ordenatoacuterios especiacuteficos

14

Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma

―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute

empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte

Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees

de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos

seguintes problemas

1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como

arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi

muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e

comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin

Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma

caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a

cenicidade etc

2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais

estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o

movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista

(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem

(Eisenstein)

3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo

geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o

mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma

grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia

(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho

(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a

fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc

4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica

(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)

Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com

a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel

destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do

cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica

relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes

cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute

sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema

esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma

intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza

tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois

aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma

vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave

anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo

15

Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma

categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo

Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora

focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de

evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com

novas manifestaccedilotildees artiacutesticas

No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de

novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um

―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de

sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo

conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes

artiacutesticas

Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do

cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao

meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se

que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais

destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem

adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e

produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um

receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria

Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe

agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as

poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o

conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma

nova esteacutetica

Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche

cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos

constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica

do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este

Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento

de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica

contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade

movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar

16

A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-

se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma

consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social

A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou

clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe

(como utiliza o autor) para se firmar como arte

Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do

abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a

banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a

representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente

podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do

espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do

sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes

de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado

desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico

A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa

linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma

mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um

determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas

diferenciadas

A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico

em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo

de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada

de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que

acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea

(CARVALHO 2003)

Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos

videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo

audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o

surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no

comportamento dos sujeitos contemporacircneos

O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus

livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando

instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando

ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos

discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)

17

O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa

convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo

Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em

todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao

percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda

da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu

paacutera-brisa

Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte

do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos

que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao

realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva

fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo

Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de

ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este

estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem

diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto

Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as

concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea

Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria

colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das

tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as

anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de

encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo

sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito

humano (MERQUIOR 1975 p79)

Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base

da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente

O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves

dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo

virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que

transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no

cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as

representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-

imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente

como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma

imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores

pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)

18

Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero

abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que

atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um

recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes

tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do

homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com

a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se

reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos

11 Interfaces cinema e publicidade

Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em

momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja

consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem

interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com

seriados novelas e filmes sem sair de casa

Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de

outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que

―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas

por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo

Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo

para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De

acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que

possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo

somente com outros textos

Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em

outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou

contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute

conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem

disso classifica tambeacutem em

citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo

de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por

outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou

no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)

19

A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais

entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)

a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica

obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas

a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o

bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras

culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que

a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar

durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven

Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada

diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a

colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca

Absolut

b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer

uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente

substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute

facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero

cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a

alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de

mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos

mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain

(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma

obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve

devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute

que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no

cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do

automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de

amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona

avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo

ao argumento de liberdade explorado na obra francesa

c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas

de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no

20

plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de

personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de

estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo

intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e

ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns

filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se

aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um

bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que

se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme

Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)

No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um

caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual

produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de

referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas

produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus

―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles

1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e

tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a

superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai

surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento

utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14

Jun 2010

21

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual

A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou

grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico

inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph

Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem

foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de

petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar

chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida

Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos

fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta

decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com

iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem

guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma

imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam

no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio

Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo

conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de

horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu

processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a

patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste

processo

Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos

fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza

placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel

agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas

criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao

estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do

negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto

eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)

Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos

de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis

agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas

invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -

utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas

22

em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um

processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo

posterior de imagens positivas

A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com

a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por

George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente

evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco

automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da

imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito

pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia

A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a

digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo

da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a

produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O

aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras

de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme

e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital

Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da

fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de

congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato

com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos

instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na

invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente

pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos

sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento

Machado acrescenta que

O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a

partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere

natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na

sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas

populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a

pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)

No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto

basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o

23

intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma

em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido

um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de

uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a

―explicaccedilatildeo de um apresentador

Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir

de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de

pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias

adquiridas

Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual

Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema

Dubois (2004) assegura que

Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve

tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que

registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa

A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de

constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase

automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um

gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004

p38)

Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa

muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a

reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a

imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do

criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes

distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder

recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta

que tal uso

abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio

nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma

temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem

dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade

total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)

Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo

elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem

ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade

Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura

para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela

24

historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena

Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os

fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram

subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia

O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por

valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses

como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de

produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza

(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente

os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte

Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que

a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem

criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de

superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica

Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da

fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de

inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A

chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no

movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8

A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da

fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o

foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar

instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia

do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo

mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento

se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese

A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita

transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no

cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees

Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor

explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual

25

21 Iluminaccedilatildeo

De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se

ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas

aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo

para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir

noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da

iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo

como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico

num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que

A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do

projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como

ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma

conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o

escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou

Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios

Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser

produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em

outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do

filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da

histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)

As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e

a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um

lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e

desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno

ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura

afirma que

A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave

mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as

densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver

Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de

quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se

concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a

intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de

contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As

diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao

pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no

vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo

exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA

2001 p 20)

Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois

―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem

Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e

26

feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da

expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador

devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente

analisaacutevel

As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e

lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser

definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a

luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste

uniformidade cor e intensidade

Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de

sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual

Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que

A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas

percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar

o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas

similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia

luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou

brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)

A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir

sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes

claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz

suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a

outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho

percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma

aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz

direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)

Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos

de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a

fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta

22 Cor

Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco

Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas

pois aumenta a veracidade da imagem

27

Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo

RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

Campinas Papirus 1995

AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em

lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt

CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt

Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009

DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002

GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003

MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de

2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009

SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

4

Agradecimentos

Em primeiro lugar quem merece todo meu reconhecimento eacute a minha famiacutelia Em

especial minha Matildee a pessoa mais importante da minha vida e responsaacutevel pelo que sou

por sempre ter acreditado em mim e me apoiado em minhas decisotildees Aos meus familiares

deixo aqui meu muito obrigada pela confianccedila pelo apoio e pela compreensatildeo

Agradeccedilo ainda a famiacutelia formada durante a graduaccedilatildeo aos queridos amigos que

tornaram essa jornada mais alegre e interessante Obrigada por fazerem parte dessa

aventura junto comigo

Ofereccedilo minhas palavras de gratidatildeo agrave minha orientadora Patriacutecia Iuva que ao meu

lado ajudou a construir esse trabalho Agrave professora Taiacutes Ghisleni que me acompanhou

durante o uacuteltimo ano de faculdade atraveacutes da monitoria e soube compreender minhas

duacutevidas sempre com palavras de apoio

Agradeccedilo aos demais mestres responsaacuteveis pela minha formaccedilatildeo Estendo esse

agradecimento a todos que de alguma forma contribuiacuteram para que hoje este sonho se

tornasse realidade

Aos meus amigos queridos que souberam me ouvir pelo incentivo constante e por

estarem sempre presentes nos momentos mais importantes pelos gestos de amizade

Agradeccedilo a Deus por estar sempre presente na minha vida e tornar tudo possiacutevel

5

RESUMO

Este estudo tem como objetivo analisar a fotografia audiovisual mais especificamente na

sua relaccedilatildeo com o a autorialidade de Fernando Meirelles Busca-se compreender como o

autor constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na fotografia de seus filmes a qual se configura

atraveacutes da interface publicidade e cinema Para isso construiu-se como corpus de anaacutelise

frames ou seja fragmentos de quatro filmes que foram analisados de modo a compreender

a construccedilatildeo e a relaccedilatildeo de sua expressividade bem como seu vieacutes publicitaacuterio A

dimensatildeo da publicidade delineou o foco da pesquisa uma vez que se anseia pela anaacutelise

do caraacuteter publicitaacuterio da fotografia audiovisual Para tanto a relaccedilatildeo existente entre a

esteacutetica audiovisual e a linguagem videograacutefica responsaacutevel pela construccedilatildeo de uma

esteacutetica publicitaacuteria evidenciada na obra fiacutelmica

Palavras-chave fotografia audiovisual esteacutetica publicitaacuteria cinema autoral interfaces

publicidade cinema

ABSTRACT

The objective of this study to analyze the photograph audiovisual more specifically in its

relationship to authorial Fernando Meirelles We seek to understand how the author builds

the aesthetics of advertising photography in his films which is formed through the

interface and cinema advertising For this we constructed a corpus analysis of frames ie

fragments of four films that have been analyzed to understand the relationship building

and its expressivity and its bias in advertising The size of the advertising outlined the

focus of research since it yearns for character analysis audiovisual advertising

photography To this end the relationship between aesthetics and audiovisual video

language responsible for the aesthetics advertising evident in film work

Keywords audiovisual photography advertising aesthetics film copyright interfaces

advertising cinema

6

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas 39

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas (Plano aberto e plano conjunto) 41

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas (em sentido horaacuterio

Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal) 42

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas

quando as personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo 43

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas 44

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus (em sentido horaacuterio primeiro meacutedio

em conjunto e dois gerais) 45

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus (em sentido

horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal) 46

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus 47

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus 47

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela 48

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus 49

Figura 11 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel 49

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel (em sentido horaacuterio plano meacutedio

em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em plongeacutee e plano aberto em

conjunto)

51

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel (em sentido

horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee) 52

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel (variaccedilatildeo entre suave e dura) 53

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel 54

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a Cegueira 54

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira (Plano geral em conjunto e

grande plano geral) 56

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela

porta de vidro)

56

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira 57

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro

―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel 58

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira 59

7

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO________________________________________________________ 8

1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual________________________________________ 12

11 Interfaces cinema e publicidade________________________________________ 18

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual_______________________________________ 21

21 Iluminaccedilatildeo__________________________________________________________ 25

22 Cor_________________________________________________________________ 26

23 Enquadramentos_____________________________________________________ 28

231 Planos_______________________________________________________ 29

232 Acircngulos de Filmagem_________________________________________ 30

233 Movimentos de cacircmera__________________________________________ 30

3 O Cinema de Autor_____________________________________________________ 31

4 Metodologia___________________________________________________________ 37

5 Anaacutelises______________________________________________________________ 39

51 Domeacutesticas__________________________________________________________ 39

52 Cidade de Deus_______________________________________________________ 44

53 O Jardineiro Fiel_____________________________________________________ 49

54 Ensaio sobre a Cegueira_______________________________________________ 54

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS_____________________________________________ 60

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS______________________________________ 63

ANEXOS_______________________________________________________________ 65

8

INTRODUCcedilAtildeO

A esteacutetica publicitaacuteria no cinema surge diante do contexto cultural da diversidade e

da multiplicidade no qual se percebe a fusatildeo entre a linguagem videograacutefica e a fotografia

do cinema Segundo Aumont (1995 p15) ―a esteacutetica do cinema eacute portanto o estudo do

cinema como arte o estudo dos filmes como mensagens artiacutesticas capazes de atrair a

atenccedilatildeo do espectador diante de uma determinada narrativa

O filme como produto cultural de massa atinge puacuteblicos diversificados que

reconhecem os seus coacutedigos suas linguagens e muito dessa adaptaccedilatildeo se deve ao

crescimento da TV e agrave tecnologia do viacutedeo A esteacutetica publicitaacuteria traduz o indiviacuteduo

contemporacircneo multifacetado acostumado com o acuacutemulo cada vez maior de

informaccedilotildees inserido em uma sociedade de massa multimidiaacutetica

A publicidade em relaccedilatildeo agrave sua funcionalidade busca positivar as qualidades e os

atributos dos serviccedilos eou produtos Por meio da persuasatildeo busca vender uma marca

seduzir e influenciar o espectador a consumir um determinado produto ndash tanto no campo

das ideacuteias quanto no campo dos discursos - que representa Nesse sentido ela usa e abusa

de recursos ligados agrave emoccedilatildeo e agrave identificaccedilatildeo sociocultural fazendo com que o

consumidor seja atraiacutedo e se identifique pela criaccedilatildeo Segundo Castells (1999 p22)

―entende-se por identidade a fonte de significado e experiecircncias de um povo

Experiecircncias essas que correspondem ao modo de vida em sociedade aos valores

culturais aos quais os indiviacuteduos estatildeo inseridos e que caracterizam a criaccedilatildeo de tal

identidade Carvalho (1996 p13) acrescenta que ―a publicidade impotildee nas linhas e

entrelinhas valores mitos ideais e outras elaboraccedilotildees simboacutelicas capazes de reformular

as tendecircncias culturais

Enquanto isso o cinema do ponto de vista funcional busca contar uma histoacuteria ndash

ficcional ou natildeo poreacutem como uma produccedilatildeo muitas vezes de entretenimento O objetivo

principal eacute procurar uma identificaccedilatildeo diante de seu puacuteblico divertir emocionar refletir e

transportaacute-los para a tela Stam (2003 p53) destaca que ―o cinema natildeo apenas evidencia o

movimento poeacutetico das coisas do mundo mas traduz as percepccedilotildees modificadas da vida

urbana contemporacircnea criando uma multiplicidade de informaccedilotildees em meio agrave sociedade

de massa Entatildeo como objeto cultural o cinema eacute capaz de entreter e disseminar

ideologias e tendecircncias para um grande nuacutemero de pessoas simultaneamente pois se

caracteriza como um produto coletivo da cultura de massa

9

Este trabalho constroacutei-se no cenaacuterio de interfaces entre publicidade e cinema a

partir da anaacutelise da concepccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria na fotografia dos filmes de

Fernando Meirelles

Vale ressaltar que a fotografia eacute um elemento fundamental na construccedilatildeo da esteacutetica

audiovisual Eacute a partir de sua composiccedilatildeo que o estilo da obra eacute retratado na tela Sendo

assim eacute preciso escolher com cuidado cada um dos componentes fotograacuteficos a fim de se

obter o resultado expressivo desejado Para Martin (2003 p57) a iluminaccedilatildeo ―constitui

um fator decisivo para a criaccedilatildeo da expressividade da imagem Aleacutem disso eacute elemento de

criaccedilatildeo da ―atmosfera da cena A atmosfera cecircnica por sua vez eacute difiacutecil de analisar pois

estaacute atrelada agrave subjetividade ou seja agrave capacidade de percepccedilatildeo de cada espectador tendo

um papel impreciso Natildeo se pode esquecer da utilizaccedilatildeo das cores sejam elas quentes ou

frias conotando reaccedilotildees psicoloacutegicas nos espectadores bem como o contraste cromaacutetico e

luminoso eficaz na significaccedilatildeo de cada cena

De acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber cada vez mais a interferecircncia

da publicidade na atual produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este

papel de fonte de referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem

audiovisual nas produccedilotildees contemporacircneas e diante disso tem-se como objetivo

compreender como o diretor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na

fotografia de seus filmes Arquiteto por formaccedilatildeo Fernando Meirelles comeccedilou sua

carreira na aacuterea audiovisual realizando viacutedeos experimentais com um grupo de amigos

ainda durante a faculdade Posteriormente fundou a produtora independente Olhar

Eletrocircnico e nunca mais deixou de trabalhar como diretor tanto na publicidade quanto no

cinema No cinema dirigiu os filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O

Jardineiro Fiel (2005) e Ensaio sobre a Cegueira (2008) Esses filmes constituem o objeto

empiacuterico deste trabalho que para alcanccedilar seu objetivo geral busca (1) analisar as

interfaces existentes entre publicidade e cinema (2) estudar a fotografia enquanto

elemento da esteacutetica audiovisual e (3) verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando

Meirelles em seus filmes

Jaacute haacute algum tempo percebe-se um crescente nuacutemero de cineastas com vasta

experiecircncia no mercado publicitaacuterio profissionais que realizaram muitos trabalhos como

diretores de filmes publicitaacuterios e dela migraram para o cinema Possuem portanto uma

visatildeo abrangente da linguagem audiovisual o que possibilita diferentes abordagens

esteacuteticas tanto no cinema quanto na publicidade A existecircncia de profissionais oriundos de

outras aacutereas trabalhando nas produccedilotildees audiovisuais reflete na nova relaccedilatildeo estabelecida

10

entre a noccedilatildeo de arte ciecircncia e tecnologia Esses domiacutenios antes mais distantes agora se

veem envolvidos em processos de troca combinaccedilatildeo fusatildeo Sobre as novas tecnologias

Popper apud Parente (1993) diz que

Em todo caso e em grande parte graccedilas aos novos meacutetodos de transmissatildeo de

imagens e agrave difusatildeo massiva dos conhecimentos e informaccedilotildees entramos no

presente em uma era em que o pensamento teacutecnico e o pensamento simboacutelico se

encontram em que o impacto das novas tecnologias provoca uma mutaccedilatildeo

decisiva na esfera cultural (PARENTE 1993 p213)

Covaleski (2009) acrescenta que tanto a televisatildeo quanto o cinema satildeo os uacutenicos

meios audiovisuais que possibilitam a utilizaccedilatildeo na publicidade da maioria dos elementos

de persuasatildeo e de sentido unindo o som a imagem o movimento e o texto escrito Deste

modo a publicidade trabalha com narrativas sinteacuteticas que se adequam ao tempo reduzido

de 30 eou 45 segundos para vender a ideacuteia do produto que anuncia Em oposiccedilatildeo o

cinema possui em meacutedia cerca de 90 minutos suficientes para mostrar o enredo contar a

histoacuteria apresentar os personagens e desenrolar toda a narrativa

As relaccedilotildees entre cinema e publicidade televisual partem das caracteriacutesticas da

obra final que eacute gerada em cada um desses gecircneros de comunicaccedilatildeo No

cinema a obra cinematograacutefica a peliacutecula de curta meacutedia ou longa-metragem

na publicidade televisual o comercial o filme ou viacutedeo publicitaacuterio que

obedecem aos formatos impostos pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo Os propoacutesitos

para os quais as obras fiacutelmicas cinematograacuteficas ou publicitaacuterias satildeo geradas

visam a atender interesses e objetivos que vatildeo do comercial ao artiacutestico

(COVALESKI 2009 p93)

Portanto a poacutes-modernidade cultural a qual representa o surgimento de outras

dimensotildees esteacuteticas eacute a grande chave para esta anaacutelise cujo foco recai sobre o elemento

de linguagem fotograacutefica Isto eacute recai na fotografia e na sua capacidade de construir

sentidos acerca de um momento que nunca mais aconteceraacute e ao mesmo tempo congelaacute-

lo possibilitando a representaccedilatildeo desta realidade deste momento uacutenico

Assim tal pesquisa articula a abordagem de temas de grande importacircncia para a

comunicaccedilatildeo audiovisual visto que possibilitam o surgimento de outras tendecircncias nas

produccedilotildees cinematograacuteficas contemporacircneas Para isso a revisatildeo teoacuterica perpassa pela

introduccedilatildeo sobre o tema do trabalho em que as temaacuteticas abordadas satildeo apresentadas bem

como o corpus escolhido para anaacutelise e os objetivos da pesquisa o primeiro capiacutetulo

discute teoricamente a linguagem e a esteacutetica audiovisual bem como as interfaces

existentes entre publicidade e cinema o segundo capiacutetulo aborda a fotografia na esteacutetica

audiovisual enfatizando os elementos expressivos fotograacuteficos ndash iluminaccedilatildeo cor

11

enquadramentos planos acircngulos e movimentos de cacircmera o terceiro capiacutetulo teoriza

sobre o cinema de autor e aborda o autor em questatildeo Fernando Meirelles o quarto

capiacutetulo elucida o processo metodoloacutegico aplicado no desenvolvimento do trabalho o

quinto capiacutetulo encarrega-se de demonstrar os exerciacutecios analiacuteticos empreendidos nos

frames do corpus e o sexto capiacutetulo preocupa-se com as consideraccedilotildees finais da pesquisa

12

1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual

Por poder ser captada simultaneamente pelo olho e pelo ouvido a linguagem

audiovisual permite o envolvimento completo do seu espectador diante da fusatildeo do som e

da imagem em movimento A fusatildeo entre aacuteudio e viacutedeo possibilita um paralelo entre o

racional e o sensorial de modo que a mesma consegue dizer muito mais do que

conseguimos captar pois chega simultaneamente por muito mais caminhos do que

conscientemente percebemos

O viacutedeo incluiacutedo em um meio de comunicaccedilatildeo de massa eacute utilizado como forma

de expressatildeo aleacutem de estruturar novas teacutecnicas tanto no processo de gravaccedilatildeo e de poacutes-

produccedilatildeo Tais teacutecnicas satildeo responsaacuteveis por todo o cruzamento de narrativas hoje

utilizadas pelo cinema e pela publicidade

O viacutedeo eacute um sistema hiacutebrido ele opera com coacutedigos significantes distintos

parte importados do cinema parte importados do teatro da literatura do raacutedio e

mais modernamente da computaccedilatildeo graacutefica aos quais acrescenta alguns

recursos expressivos especiacuteficos alguns modos de formar ideacuteias ou sensaccedilotildees

que lhe satildeo exclusivos (MACHADO 1997 p 190)

Dubois (2004 p77) define a estetizaccedilatildeo videograacutefica como ―uma linguagem (ou

uma esteacutetica) particular (mas de nenhum modo exclusiva) que pertence a loacutegicas

diferentes e potildee em jogo questotildees de ordem muito diversa que as do cinema O

surgimento do viacutedeo possibilitou novas tecnologias como por exemplo a televisatildeo

Diante disso o autor classifica dois modos principais de representaccedilatildeo em viacutedeo

O modo plaacutestico (a ―videoarte em suas formas e tendecircncias muacuteltiplas) e[] o

modo documentaacuterio (o real ndash bruto ou natildeo ndash em todas as suas estrateacutegias de

representaccedilatildeo) E sobretudo ndash eacute o que os une contra a transparecircncia - ambos

com um senso constante do ensaio da experimentaccedilatildeo da pesquisa da inovaccedilatildeo

(DUBOIS 2004 p77)

De acordo com Gutierrez (1992) dentro de noacutes acontece uma repercussatildeo em

imagens baacutesicas centrais simboacutelicas arquetiacutepicas com as quais nos identificamos ou que

se relacionam conosco de alguma forma consistindo na representaccedilatildeo de uma realidade

em movimento

A linguagem audiovisual responsaacutevel por tal representaccedilatildeo eacute constituiacuteda por

alguns elementos fundamentais (1) o plano - cada parte da fita que se apresenta ao

espectador como tendo sido filmada sem interrupccedilotildees (2) a cena - o conjunto de planos

cuja accedilatildeo eacute contiacutenua e decorre numa relativa unidade de tempo e espaccedilo constitui as cenas

13

e as sequumlecircncias (3) o enquadramento - a variaccedilatildeo da longitude da cacircmera agrave cena filmada

por meio de movimento (sem interrupccedilatildeo da filmagem) dentro do mesmo plano a

variaccedilatildeo do enquadramento e (4) a montagem ndash procedimento de organizaccedilatildeo do conjunto

de cenas sequumlecircncias e planos que formam a obra fiacutelmica

Tais elementos audiovisuais estatildeo presentes tanto nas produccedilotildees cinematograacuteficas

quanto nas produccedilotildees publicitaacuterias poreacutem o modo como satildeo utilizados eacute que as difere

Segundo Aumont (1995) inicialmente o cinema era desprovido de uma linguagem pois

apenas refletia o registro de um espetaacuteculo uma simples reproduccedilatildeo do real Entretanto

com o intuito de contar histoacuterias e veicular ideias o cinema precisou utilizar determinados

procedimentos expressivos os quais passaram a constituir sua linguagem

Assim sendo pode-se definir a linguagem cinematograacutefica como ―o conjunto das

mensagens cujo material de expressatildeo compotildee-se de cinco pistas ou canais a imagem

fotograacutefica em movimento os sons foneacuteticos gravados os ruiacutedos gravados o som musical

gravado e a escrita (creacuteditos intertiacutetulos materiais escritos no interior do plano) (STAM

2003 p132) A utilizaccedilatildeo em sinergia desse grande nuacutemero de elementos possibilita uma

maior variedade de abordagens nas produccedilotildees audiovisuais Por exemplo uma montagem

natildeo-linear com ritmo acelerado de troca de planos acircngulos e enquadramentos eacute a marca

das realizaccedilotildees videograacuteficas contemporacircneas

Para Balaacutezs apud Stam (1995) a linguagem cinematograacutefica pode ser definida a

partir de 4 princiacutepios

- no cinema existe uma distacircncia variaacutevel entre espectador e cena representada

daiacute uma dimensatildeo variaacutevel da cena que toma lugar no quadro e na composiccedilatildeo

da imagem

- a imagem total da cena eacute subdividida em uma seacuterie de planos de detalhes

(principio da decupagem)

- existe variaccedilatildeo de enquadramento (acircngulo de visatildeo perspectiva) dos planos de

detalhe no decorrer da mesma cena

- finalmente eacute a operaccedilatildeo da montagem que garante a inserccedilatildeo dos planos de

detalhes em uma sequumlecircncia ordenada na qual natildeo apenas cenas inteiras se

sucedem mas tambeacutem tomadas de detalhes mais miacutenimos de uma mesma cena

A cena em seu conjunto eacute resultado disso como se os elementos de um mosaico

temporal fossem justapostos no tempo (BALAacuteZS apud STAM 1995 p163-

164)

O cinema busca traduzir a realidade atraveacutes da representaccedilatildeo artiacutestica mediante o

uso de teacutecnicas pertencentes agrave linguagem audiovisual Stam (2003 p132) acrescenta que

se torna linguagem a partir do momento em que comunica ―um conjunto de mensagens

formuladas com base em um determinado material de expressatildeo um discurso ou praacutetica

significante caracterizado por codificaccedilotildees e procedimentos ordenatoacuterios especiacuteficos

14

Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma

―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute

empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte

Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees

de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos

seguintes problemas

1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como

arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi

muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e

comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin

Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma

caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a

cenicidade etc

2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais

estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o

movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista

(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem

(Eisenstein)

3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo

geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o

mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma

grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia

(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho

(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a

fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc

4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica

(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)

Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com

a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel

destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do

cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica

relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes

cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute

sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema

esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma

intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza

tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois

aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma

vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave

anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo

15

Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma

categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo

Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora

focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de

evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com

novas manifestaccedilotildees artiacutesticas

No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de

novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um

―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de

sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo

conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes

artiacutesticas

Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do

cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao

meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se

que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais

destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem

adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e

produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um

receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria

Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe

agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as

poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o

conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma

nova esteacutetica

Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche

cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos

constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica

do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este

Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento

de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica

contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade

movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar

16

A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-

se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma

consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social

A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou

clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe

(como utiliza o autor) para se firmar como arte

Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do

abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a

banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a

representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente

podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do

espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do

sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes

de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado

desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico

A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa

linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma

mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um

determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas

diferenciadas

A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico

em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo

de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada

de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que

acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea

(CARVALHO 2003)

Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos

videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo

audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o

surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no

comportamento dos sujeitos contemporacircneos

O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus

livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando

instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando

ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos

discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)

17

O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa

convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo

Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em

todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao

percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda

da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu

paacutera-brisa

Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte

do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos

que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao

realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva

fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo

Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de

ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este

estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem

diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto

Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as

concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea

Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria

colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das

tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as

anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de

encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo

sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito

humano (MERQUIOR 1975 p79)

Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base

da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente

O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves

dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo

virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que

transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no

cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as

representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-

imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente

como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma

imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores

pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)

18

Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero

abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que

atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um

recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes

tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do

homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com

a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se

reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos

11 Interfaces cinema e publicidade

Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em

momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja

consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem

interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com

seriados novelas e filmes sem sair de casa

Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de

outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que

―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas

por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo

Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo

para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De

acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que

possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo

somente com outros textos

Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em

outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou

contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute

conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem

disso classifica tambeacutem em

citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo

de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por

outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou

no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)

19

A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais

entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)

a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica

obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas

a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o

bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras

culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que

a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar

durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven

Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada

diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a

colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca

Absolut

b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer

uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente

substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute

facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero

cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a

alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de

mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos

mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain

(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma

obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve

devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute

que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no

cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do

automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de

amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona

avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo

ao argumento de liberdade explorado na obra francesa

c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas

de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no

20

plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de

personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de

estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo

intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e

ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns

filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se

aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um

bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que

se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme

Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)

No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um

caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual

produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de

referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas

produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus

―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles

1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e

tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a

superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai

surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento

utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14

Jun 2010

21

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual

A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou

grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico

inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph

Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem

foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de

petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar

chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida

Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos

fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta

decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com

iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem

guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma

imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam

no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio

Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo

conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de

horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu

processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a

patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste

processo

Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos

fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza

placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel

agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas

criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao

estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do

negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto

eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)

Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos

de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis

agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas

invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -

utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas

22

em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um

processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo

posterior de imagens positivas

A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com

a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por

George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente

evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco

automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da

imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito

pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia

A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a

digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo

da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a

produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O

aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras

de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme

e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital

Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da

fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de

congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato

com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos

instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na

invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente

pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos

sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento

Machado acrescenta que

O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a

partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere

natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na

sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas

populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a

pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)

No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto

basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o

23

intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma

em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido

um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de

uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a

―explicaccedilatildeo de um apresentador

Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir

de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de

pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias

adquiridas

Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual

Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema

Dubois (2004) assegura que

Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve

tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que

registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa

A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de

constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase

automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um

gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004

p38)

Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa

muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a

reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a

imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do

criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes

distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder

recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta

que tal uso

abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio

nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma

temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem

dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade

total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)

Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo

elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem

ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade

Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura

para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela

24

historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena

Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os

fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram

subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia

O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por

valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses

como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de

produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza

(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente

os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte

Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que

a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem

criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de

superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica

Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da

fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de

inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A

chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no

movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8

A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da

fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o

foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar

instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia

do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo

mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento

se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese

A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita

transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no

cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees

Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor

explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual

25

21 Iluminaccedilatildeo

De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se

ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas

aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo

para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir

noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da

iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo

como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico

num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que

A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do

projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como

ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma

conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o

escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou

Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios

Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser

produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em

outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do

filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da

histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)

As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e

a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um

lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e

desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno

ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura

afirma que

A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave

mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as

densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver

Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de

quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se

concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a

intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de

contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As

diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao

pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no

vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo

exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA

2001 p 20)

Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois

―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem

Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e

26

feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da

expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador

devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente

analisaacutevel

As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e

lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser

definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a

luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste

uniformidade cor e intensidade

Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de

sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual

Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que

A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas

percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar

o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas

similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia

luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou

brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)

A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir

sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes

claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz

suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a

outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho

percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma

aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz

direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)

Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos

de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a

fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta

22 Cor

Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco

Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas

pois aumenta a veracidade da imagem

27

Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo

RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

Campinas Papirus 1995

AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em

lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt

CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt

Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009

DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002

GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003

MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de

2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009

SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

5

RESUMO

Este estudo tem como objetivo analisar a fotografia audiovisual mais especificamente na

sua relaccedilatildeo com o a autorialidade de Fernando Meirelles Busca-se compreender como o

autor constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na fotografia de seus filmes a qual se configura

atraveacutes da interface publicidade e cinema Para isso construiu-se como corpus de anaacutelise

frames ou seja fragmentos de quatro filmes que foram analisados de modo a compreender

a construccedilatildeo e a relaccedilatildeo de sua expressividade bem como seu vieacutes publicitaacuterio A

dimensatildeo da publicidade delineou o foco da pesquisa uma vez que se anseia pela anaacutelise

do caraacuteter publicitaacuterio da fotografia audiovisual Para tanto a relaccedilatildeo existente entre a

esteacutetica audiovisual e a linguagem videograacutefica responsaacutevel pela construccedilatildeo de uma

esteacutetica publicitaacuteria evidenciada na obra fiacutelmica

Palavras-chave fotografia audiovisual esteacutetica publicitaacuteria cinema autoral interfaces

publicidade cinema

ABSTRACT

The objective of this study to analyze the photograph audiovisual more specifically in its

relationship to authorial Fernando Meirelles We seek to understand how the author builds

the aesthetics of advertising photography in his films which is formed through the

interface and cinema advertising For this we constructed a corpus analysis of frames ie

fragments of four films that have been analyzed to understand the relationship building

and its expressivity and its bias in advertising The size of the advertising outlined the

focus of research since it yearns for character analysis audiovisual advertising

photography To this end the relationship between aesthetics and audiovisual video

language responsible for the aesthetics advertising evident in film work

Keywords audiovisual photography advertising aesthetics film copyright interfaces

advertising cinema

6

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas 39

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas (Plano aberto e plano conjunto) 41

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas (em sentido horaacuterio

Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal) 42

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas

quando as personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo 43

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas 44

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus (em sentido horaacuterio primeiro meacutedio

em conjunto e dois gerais) 45

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus (em sentido

horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal) 46

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus 47

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus 47

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela 48

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus 49

Figura 11 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel 49

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel (em sentido horaacuterio plano meacutedio

em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em plongeacutee e plano aberto em

conjunto)

51

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel (em sentido

horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee) 52

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel (variaccedilatildeo entre suave e dura) 53

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel 54

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a Cegueira 54

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira (Plano geral em conjunto e

grande plano geral) 56

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela

porta de vidro)

56

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira 57

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro

―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel 58

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira 59

7

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO________________________________________________________ 8

1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual________________________________________ 12

11 Interfaces cinema e publicidade________________________________________ 18

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual_______________________________________ 21

21 Iluminaccedilatildeo__________________________________________________________ 25

22 Cor_________________________________________________________________ 26

23 Enquadramentos_____________________________________________________ 28

231 Planos_______________________________________________________ 29

232 Acircngulos de Filmagem_________________________________________ 30

233 Movimentos de cacircmera__________________________________________ 30

3 O Cinema de Autor_____________________________________________________ 31

4 Metodologia___________________________________________________________ 37

5 Anaacutelises______________________________________________________________ 39

51 Domeacutesticas__________________________________________________________ 39

52 Cidade de Deus_______________________________________________________ 44

53 O Jardineiro Fiel_____________________________________________________ 49

54 Ensaio sobre a Cegueira_______________________________________________ 54

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS_____________________________________________ 60

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS______________________________________ 63

ANEXOS_______________________________________________________________ 65

8

INTRODUCcedilAtildeO

A esteacutetica publicitaacuteria no cinema surge diante do contexto cultural da diversidade e

da multiplicidade no qual se percebe a fusatildeo entre a linguagem videograacutefica e a fotografia

do cinema Segundo Aumont (1995 p15) ―a esteacutetica do cinema eacute portanto o estudo do

cinema como arte o estudo dos filmes como mensagens artiacutesticas capazes de atrair a

atenccedilatildeo do espectador diante de uma determinada narrativa

O filme como produto cultural de massa atinge puacuteblicos diversificados que

reconhecem os seus coacutedigos suas linguagens e muito dessa adaptaccedilatildeo se deve ao

crescimento da TV e agrave tecnologia do viacutedeo A esteacutetica publicitaacuteria traduz o indiviacuteduo

contemporacircneo multifacetado acostumado com o acuacutemulo cada vez maior de

informaccedilotildees inserido em uma sociedade de massa multimidiaacutetica

A publicidade em relaccedilatildeo agrave sua funcionalidade busca positivar as qualidades e os

atributos dos serviccedilos eou produtos Por meio da persuasatildeo busca vender uma marca

seduzir e influenciar o espectador a consumir um determinado produto ndash tanto no campo

das ideacuteias quanto no campo dos discursos - que representa Nesse sentido ela usa e abusa

de recursos ligados agrave emoccedilatildeo e agrave identificaccedilatildeo sociocultural fazendo com que o

consumidor seja atraiacutedo e se identifique pela criaccedilatildeo Segundo Castells (1999 p22)

―entende-se por identidade a fonte de significado e experiecircncias de um povo

Experiecircncias essas que correspondem ao modo de vida em sociedade aos valores

culturais aos quais os indiviacuteduos estatildeo inseridos e que caracterizam a criaccedilatildeo de tal

identidade Carvalho (1996 p13) acrescenta que ―a publicidade impotildee nas linhas e

entrelinhas valores mitos ideais e outras elaboraccedilotildees simboacutelicas capazes de reformular

as tendecircncias culturais

Enquanto isso o cinema do ponto de vista funcional busca contar uma histoacuteria ndash

ficcional ou natildeo poreacutem como uma produccedilatildeo muitas vezes de entretenimento O objetivo

principal eacute procurar uma identificaccedilatildeo diante de seu puacuteblico divertir emocionar refletir e

transportaacute-los para a tela Stam (2003 p53) destaca que ―o cinema natildeo apenas evidencia o

movimento poeacutetico das coisas do mundo mas traduz as percepccedilotildees modificadas da vida

urbana contemporacircnea criando uma multiplicidade de informaccedilotildees em meio agrave sociedade

de massa Entatildeo como objeto cultural o cinema eacute capaz de entreter e disseminar

ideologias e tendecircncias para um grande nuacutemero de pessoas simultaneamente pois se

caracteriza como um produto coletivo da cultura de massa

9

Este trabalho constroacutei-se no cenaacuterio de interfaces entre publicidade e cinema a

partir da anaacutelise da concepccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria na fotografia dos filmes de

Fernando Meirelles

Vale ressaltar que a fotografia eacute um elemento fundamental na construccedilatildeo da esteacutetica

audiovisual Eacute a partir de sua composiccedilatildeo que o estilo da obra eacute retratado na tela Sendo

assim eacute preciso escolher com cuidado cada um dos componentes fotograacuteficos a fim de se

obter o resultado expressivo desejado Para Martin (2003 p57) a iluminaccedilatildeo ―constitui

um fator decisivo para a criaccedilatildeo da expressividade da imagem Aleacutem disso eacute elemento de

criaccedilatildeo da ―atmosfera da cena A atmosfera cecircnica por sua vez eacute difiacutecil de analisar pois

estaacute atrelada agrave subjetividade ou seja agrave capacidade de percepccedilatildeo de cada espectador tendo

um papel impreciso Natildeo se pode esquecer da utilizaccedilatildeo das cores sejam elas quentes ou

frias conotando reaccedilotildees psicoloacutegicas nos espectadores bem como o contraste cromaacutetico e

luminoso eficaz na significaccedilatildeo de cada cena

De acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber cada vez mais a interferecircncia

da publicidade na atual produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este

papel de fonte de referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem

audiovisual nas produccedilotildees contemporacircneas e diante disso tem-se como objetivo

compreender como o diretor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na

fotografia de seus filmes Arquiteto por formaccedilatildeo Fernando Meirelles comeccedilou sua

carreira na aacuterea audiovisual realizando viacutedeos experimentais com um grupo de amigos

ainda durante a faculdade Posteriormente fundou a produtora independente Olhar

Eletrocircnico e nunca mais deixou de trabalhar como diretor tanto na publicidade quanto no

cinema No cinema dirigiu os filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O

Jardineiro Fiel (2005) e Ensaio sobre a Cegueira (2008) Esses filmes constituem o objeto

empiacuterico deste trabalho que para alcanccedilar seu objetivo geral busca (1) analisar as

interfaces existentes entre publicidade e cinema (2) estudar a fotografia enquanto

elemento da esteacutetica audiovisual e (3) verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando

Meirelles em seus filmes

Jaacute haacute algum tempo percebe-se um crescente nuacutemero de cineastas com vasta

experiecircncia no mercado publicitaacuterio profissionais que realizaram muitos trabalhos como

diretores de filmes publicitaacuterios e dela migraram para o cinema Possuem portanto uma

visatildeo abrangente da linguagem audiovisual o que possibilita diferentes abordagens

esteacuteticas tanto no cinema quanto na publicidade A existecircncia de profissionais oriundos de

outras aacutereas trabalhando nas produccedilotildees audiovisuais reflete na nova relaccedilatildeo estabelecida

10

entre a noccedilatildeo de arte ciecircncia e tecnologia Esses domiacutenios antes mais distantes agora se

veem envolvidos em processos de troca combinaccedilatildeo fusatildeo Sobre as novas tecnologias

Popper apud Parente (1993) diz que

Em todo caso e em grande parte graccedilas aos novos meacutetodos de transmissatildeo de

imagens e agrave difusatildeo massiva dos conhecimentos e informaccedilotildees entramos no

presente em uma era em que o pensamento teacutecnico e o pensamento simboacutelico se

encontram em que o impacto das novas tecnologias provoca uma mutaccedilatildeo

decisiva na esfera cultural (PARENTE 1993 p213)

Covaleski (2009) acrescenta que tanto a televisatildeo quanto o cinema satildeo os uacutenicos

meios audiovisuais que possibilitam a utilizaccedilatildeo na publicidade da maioria dos elementos

de persuasatildeo e de sentido unindo o som a imagem o movimento e o texto escrito Deste

modo a publicidade trabalha com narrativas sinteacuteticas que se adequam ao tempo reduzido

de 30 eou 45 segundos para vender a ideacuteia do produto que anuncia Em oposiccedilatildeo o

cinema possui em meacutedia cerca de 90 minutos suficientes para mostrar o enredo contar a

histoacuteria apresentar os personagens e desenrolar toda a narrativa

As relaccedilotildees entre cinema e publicidade televisual partem das caracteriacutesticas da

obra final que eacute gerada em cada um desses gecircneros de comunicaccedilatildeo No

cinema a obra cinematograacutefica a peliacutecula de curta meacutedia ou longa-metragem

na publicidade televisual o comercial o filme ou viacutedeo publicitaacuterio que

obedecem aos formatos impostos pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo Os propoacutesitos

para os quais as obras fiacutelmicas cinematograacuteficas ou publicitaacuterias satildeo geradas

visam a atender interesses e objetivos que vatildeo do comercial ao artiacutestico

(COVALESKI 2009 p93)

Portanto a poacutes-modernidade cultural a qual representa o surgimento de outras

dimensotildees esteacuteticas eacute a grande chave para esta anaacutelise cujo foco recai sobre o elemento

de linguagem fotograacutefica Isto eacute recai na fotografia e na sua capacidade de construir

sentidos acerca de um momento que nunca mais aconteceraacute e ao mesmo tempo congelaacute-

lo possibilitando a representaccedilatildeo desta realidade deste momento uacutenico

Assim tal pesquisa articula a abordagem de temas de grande importacircncia para a

comunicaccedilatildeo audiovisual visto que possibilitam o surgimento de outras tendecircncias nas

produccedilotildees cinematograacuteficas contemporacircneas Para isso a revisatildeo teoacuterica perpassa pela

introduccedilatildeo sobre o tema do trabalho em que as temaacuteticas abordadas satildeo apresentadas bem

como o corpus escolhido para anaacutelise e os objetivos da pesquisa o primeiro capiacutetulo

discute teoricamente a linguagem e a esteacutetica audiovisual bem como as interfaces

existentes entre publicidade e cinema o segundo capiacutetulo aborda a fotografia na esteacutetica

audiovisual enfatizando os elementos expressivos fotograacuteficos ndash iluminaccedilatildeo cor

11

enquadramentos planos acircngulos e movimentos de cacircmera o terceiro capiacutetulo teoriza

sobre o cinema de autor e aborda o autor em questatildeo Fernando Meirelles o quarto

capiacutetulo elucida o processo metodoloacutegico aplicado no desenvolvimento do trabalho o

quinto capiacutetulo encarrega-se de demonstrar os exerciacutecios analiacuteticos empreendidos nos

frames do corpus e o sexto capiacutetulo preocupa-se com as consideraccedilotildees finais da pesquisa

12

1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual

Por poder ser captada simultaneamente pelo olho e pelo ouvido a linguagem

audiovisual permite o envolvimento completo do seu espectador diante da fusatildeo do som e

da imagem em movimento A fusatildeo entre aacuteudio e viacutedeo possibilita um paralelo entre o

racional e o sensorial de modo que a mesma consegue dizer muito mais do que

conseguimos captar pois chega simultaneamente por muito mais caminhos do que

conscientemente percebemos

O viacutedeo incluiacutedo em um meio de comunicaccedilatildeo de massa eacute utilizado como forma

de expressatildeo aleacutem de estruturar novas teacutecnicas tanto no processo de gravaccedilatildeo e de poacutes-

produccedilatildeo Tais teacutecnicas satildeo responsaacuteveis por todo o cruzamento de narrativas hoje

utilizadas pelo cinema e pela publicidade

O viacutedeo eacute um sistema hiacutebrido ele opera com coacutedigos significantes distintos

parte importados do cinema parte importados do teatro da literatura do raacutedio e

mais modernamente da computaccedilatildeo graacutefica aos quais acrescenta alguns

recursos expressivos especiacuteficos alguns modos de formar ideacuteias ou sensaccedilotildees

que lhe satildeo exclusivos (MACHADO 1997 p 190)

Dubois (2004 p77) define a estetizaccedilatildeo videograacutefica como ―uma linguagem (ou

uma esteacutetica) particular (mas de nenhum modo exclusiva) que pertence a loacutegicas

diferentes e potildee em jogo questotildees de ordem muito diversa que as do cinema O

surgimento do viacutedeo possibilitou novas tecnologias como por exemplo a televisatildeo

Diante disso o autor classifica dois modos principais de representaccedilatildeo em viacutedeo

O modo plaacutestico (a ―videoarte em suas formas e tendecircncias muacuteltiplas) e[] o

modo documentaacuterio (o real ndash bruto ou natildeo ndash em todas as suas estrateacutegias de

representaccedilatildeo) E sobretudo ndash eacute o que os une contra a transparecircncia - ambos

com um senso constante do ensaio da experimentaccedilatildeo da pesquisa da inovaccedilatildeo

(DUBOIS 2004 p77)

De acordo com Gutierrez (1992) dentro de noacutes acontece uma repercussatildeo em

imagens baacutesicas centrais simboacutelicas arquetiacutepicas com as quais nos identificamos ou que

se relacionam conosco de alguma forma consistindo na representaccedilatildeo de uma realidade

em movimento

A linguagem audiovisual responsaacutevel por tal representaccedilatildeo eacute constituiacuteda por

alguns elementos fundamentais (1) o plano - cada parte da fita que se apresenta ao

espectador como tendo sido filmada sem interrupccedilotildees (2) a cena - o conjunto de planos

cuja accedilatildeo eacute contiacutenua e decorre numa relativa unidade de tempo e espaccedilo constitui as cenas

13

e as sequumlecircncias (3) o enquadramento - a variaccedilatildeo da longitude da cacircmera agrave cena filmada

por meio de movimento (sem interrupccedilatildeo da filmagem) dentro do mesmo plano a

variaccedilatildeo do enquadramento e (4) a montagem ndash procedimento de organizaccedilatildeo do conjunto

de cenas sequumlecircncias e planos que formam a obra fiacutelmica

Tais elementos audiovisuais estatildeo presentes tanto nas produccedilotildees cinematograacuteficas

quanto nas produccedilotildees publicitaacuterias poreacutem o modo como satildeo utilizados eacute que as difere

Segundo Aumont (1995) inicialmente o cinema era desprovido de uma linguagem pois

apenas refletia o registro de um espetaacuteculo uma simples reproduccedilatildeo do real Entretanto

com o intuito de contar histoacuterias e veicular ideias o cinema precisou utilizar determinados

procedimentos expressivos os quais passaram a constituir sua linguagem

Assim sendo pode-se definir a linguagem cinematograacutefica como ―o conjunto das

mensagens cujo material de expressatildeo compotildee-se de cinco pistas ou canais a imagem

fotograacutefica em movimento os sons foneacuteticos gravados os ruiacutedos gravados o som musical

gravado e a escrita (creacuteditos intertiacutetulos materiais escritos no interior do plano) (STAM

2003 p132) A utilizaccedilatildeo em sinergia desse grande nuacutemero de elementos possibilita uma

maior variedade de abordagens nas produccedilotildees audiovisuais Por exemplo uma montagem

natildeo-linear com ritmo acelerado de troca de planos acircngulos e enquadramentos eacute a marca

das realizaccedilotildees videograacuteficas contemporacircneas

Para Balaacutezs apud Stam (1995) a linguagem cinematograacutefica pode ser definida a

partir de 4 princiacutepios

- no cinema existe uma distacircncia variaacutevel entre espectador e cena representada

daiacute uma dimensatildeo variaacutevel da cena que toma lugar no quadro e na composiccedilatildeo

da imagem

- a imagem total da cena eacute subdividida em uma seacuterie de planos de detalhes

(principio da decupagem)

- existe variaccedilatildeo de enquadramento (acircngulo de visatildeo perspectiva) dos planos de

detalhe no decorrer da mesma cena

- finalmente eacute a operaccedilatildeo da montagem que garante a inserccedilatildeo dos planos de

detalhes em uma sequumlecircncia ordenada na qual natildeo apenas cenas inteiras se

sucedem mas tambeacutem tomadas de detalhes mais miacutenimos de uma mesma cena

A cena em seu conjunto eacute resultado disso como se os elementos de um mosaico

temporal fossem justapostos no tempo (BALAacuteZS apud STAM 1995 p163-

164)

O cinema busca traduzir a realidade atraveacutes da representaccedilatildeo artiacutestica mediante o

uso de teacutecnicas pertencentes agrave linguagem audiovisual Stam (2003 p132) acrescenta que

se torna linguagem a partir do momento em que comunica ―um conjunto de mensagens

formuladas com base em um determinado material de expressatildeo um discurso ou praacutetica

significante caracterizado por codificaccedilotildees e procedimentos ordenatoacuterios especiacuteficos

14

Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma

―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute

empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte

Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees

de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos

seguintes problemas

1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como

arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi

muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e

comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin

Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma

caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a

cenicidade etc

2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais

estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o

movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista

(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem

(Eisenstein)

3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo

geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o

mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma

grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia

(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho

(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a

fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc

4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica

(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)

Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com

a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel

destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do

cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica

relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes

cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute

sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema

esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma

intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza

tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois

aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma

vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave

anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo

15

Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma

categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo

Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora

focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de

evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com

novas manifestaccedilotildees artiacutesticas

No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de

novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um

―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de

sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo

conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes

artiacutesticas

Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do

cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao

meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se

que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais

destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem

adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e

produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um

receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria

Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe

agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as

poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o

conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma

nova esteacutetica

Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche

cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos

constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica

do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este

Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento

de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica

contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade

movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar

16

A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-

se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma

consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social

A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou

clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe

(como utiliza o autor) para se firmar como arte

Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do

abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a

banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a

representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente

podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do

espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do

sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes

de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado

desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico

A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa

linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma

mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um

determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas

diferenciadas

A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico

em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo

de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada

de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que

acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea

(CARVALHO 2003)

Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos

videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo

audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o

surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no

comportamento dos sujeitos contemporacircneos

O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus

livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando

instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando

ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos

discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)

17

O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa

convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo

Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em

todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao

percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda

da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu

paacutera-brisa

Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte

do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos

que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao

realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva

fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo

Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de

ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este

estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem

diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto

Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as

concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea

Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria

colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das

tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as

anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de

encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo

sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito

humano (MERQUIOR 1975 p79)

Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base

da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente

O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves

dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo

virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que

transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no

cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as

representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-

imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente

como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma

imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores

pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)

18

Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero

abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que

atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um

recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes

tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do

homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com

a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se

reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos

11 Interfaces cinema e publicidade

Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em

momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja

consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem

interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com

seriados novelas e filmes sem sair de casa

Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de

outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que

―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas

por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo

Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo

para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De

acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que

possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo

somente com outros textos

Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em

outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou

contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute

conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem

disso classifica tambeacutem em

citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo

de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por

outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou

no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)

19

A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais

entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)

a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica

obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas

a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o

bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras

culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que

a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar

durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven

Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada

diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a

colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca

Absolut

b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer

uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente

substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute

facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero

cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a

alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de

mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos

mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain

(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma

obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve

devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute

que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no

cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do

automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de

amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona

avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo

ao argumento de liberdade explorado na obra francesa

c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas

de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no

20

plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de

personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de

estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo

intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e

ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns

filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se

aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um

bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que

se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme

Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)

No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um

caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual

produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de

referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas

produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus

―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles

1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e

tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a

superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai

surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento

utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14

Jun 2010

21

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual

A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou

grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico

inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph

Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem

foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de

petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar

chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida

Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos

fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta

decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com

iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem

guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma

imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam

no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio

Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo

conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de

horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu

processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a

patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste

processo

Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos

fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza

placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel

agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas

criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao

estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do

negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto

eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)

Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos

de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis

agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas

invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -

utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas

22

em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um

processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo

posterior de imagens positivas

A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com

a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por

George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente

evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco

automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da

imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito

pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia

A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a

digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo

da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a

produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O

aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras

de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme

e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital

Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da

fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de

congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato

com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos

instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na

invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente

pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos

sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento

Machado acrescenta que

O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a

partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere

natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na

sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas

populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a

pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)

No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto

basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o

23

intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma

em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido

um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de

uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a

―explicaccedilatildeo de um apresentador

Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir

de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de

pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias

adquiridas

Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual

Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema

Dubois (2004) assegura que

Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve

tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que

registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa

A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de

constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase

automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um

gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004

p38)

Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa

muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a

reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a

imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do

criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes

distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder

recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta

que tal uso

abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio

nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma

temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem

dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade

total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)

Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo

elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem

ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade

Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura

para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela

24

historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena

Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os

fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram

subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia

O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por

valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses

como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de

produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza

(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente

os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte

Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que

a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem

criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de

superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica

Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da

fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de

inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A

chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no

movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8

A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da

fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o

foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar

instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia

do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo

mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento

se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese

A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita

transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no

cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees

Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor

explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual

25

21 Iluminaccedilatildeo

De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se

ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas

aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo

para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir

noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da

iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo

como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico

num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que

A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do

projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como

ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma

conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o

escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou

Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios

Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser

produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em

outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do

filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da

histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)

As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e

a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um

lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e

desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno

ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura

afirma que

A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave

mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as

densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver

Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de

quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se

concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a

intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de

contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As

diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao

pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no

vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo

exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA

2001 p 20)

Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois

―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem

Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e

26

feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da

expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador

devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente

analisaacutevel

As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e

lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser

definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a

luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste

uniformidade cor e intensidade

Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de

sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual

Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que

A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas

percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar

o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas

similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia

luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou

brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)

A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir

sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes

claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz

suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a

outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho

percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma

aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz

direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)

Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos

de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a

fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta

22 Cor

Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco

Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas

pois aumenta a veracidade da imagem

27

Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

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DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002

GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

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MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

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MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

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SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

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SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

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STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

6

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas 39

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas (Plano aberto e plano conjunto) 41

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas (em sentido horaacuterio

Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal) 42

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas

quando as personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo 43

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas 44

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus (em sentido horaacuterio primeiro meacutedio

em conjunto e dois gerais) 45

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus (em sentido

horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal) 46

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus 47

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus 47

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela 48

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus 49

Figura 11 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel 49

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel (em sentido horaacuterio plano meacutedio

em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em plongeacutee e plano aberto em

conjunto)

51

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel (em sentido

horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee) 52

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel (variaccedilatildeo entre suave e dura) 53

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel 54

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a Cegueira 54

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira (Plano geral em conjunto e

grande plano geral) 56

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela

porta de vidro)

56

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira 57

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro

―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel 58

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira 59

7

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO________________________________________________________ 8

1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual________________________________________ 12

11 Interfaces cinema e publicidade________________________________________ 18

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual_______________________________________ 21

21 Iluminaccedilatildeo__________________________________________________________ 25

22 Cor_________________________________________________________________ 26

23 Enquadramentos_____________________________________________________ 28

231 Planos_______________________________________________________ 29

232 Acircngulos de Filmagem_________________________________________ 30

233 Movimentos de cacircmera__________________________________________ 30

3 O Cinema de Autor_____________________________________________________ 31

4 Metodologia___________________________________________________________ 37

5 Anaacutelises______________________________________________________________ 39

51 Domeacutesticas__________________________________________________________ 39

52 Cidade de Deus_______________________________________________________ 44

53 O Jardineiro Fiel_____________________________________________________ 49

54 Ensaio sobre a Cegueira_______________________________________________ 54

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS_____________________________________________ 60

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS______________________________________ 63

ANEXOS_______________________________________________________________ 65

8

INTRODUCcedilAtildeO

A esteacutetica publicitaacuteria no cinema surge diante do contexto cultural da diversidade e

da multiplicidade no qual se percebe a fusatildeo entre a linguagem videograacutefica e a fotografia

do cinema Segundo Aumont (1995 p15) ―a esteacutetica do cinema eacute portanto o estudo do

cinema como arte o estudo dos filmes como mensagens artiacutesticas capazes de atrair a

atenccedilatildeo do espectador diante de uma determinada narrativa

O filme como produto cultural de massa atinge puacuteblicos diversificados que

reconhecem os seus coacutedigos suas linguagens e muito dessa adaptaccedilatildeo se deve ao

crescimento da TV e agrave tecnologia do viacutedeo A esteacutetica publicitaacuteria traduz o indiviacuteduo

contemporacircneo multifacetado acostumado com o acuacutemulo cada vez maior de

informaccedilotildees inserido em uma sociedade de massa multimidiaacutetica

A publicidade em relaccedilatildeo agrave sua funcionalidade busca positivar as qualidades e os

atributos dos serviccedilos eou produtos Por meio da persuasatildeo busca vender uma marca

seduzir e influenciar o espectador a consumir um determinado produto ndash tanto no campo

das ideacuteias quanto no campo dos discursos - que representa Nesse sentido ela usa e abusa

de recursos ligados agrave emoccedilatildeo e agrave identificaccedilatildeo sociocultural fazendo com que o

consumidor seja atraiacutedo e se identifique pela criaccedilatildeo Segundo Castells (1999 p22)

―entende-se por identidade a fonte de significado e experiecircncias de um povo

Experiecircncias essas que correspondem ao modo de vida em sociedade aos valores

culturais aos quais os indiviacuteduos estatildeo inseridos e que caracterizam a criaccedilatildeo de tal

identidade Carvalho (1996 p13) acrescenta que ―a publicidade impotildee nas linhas e

entrelinhas valores mitos ideais e outras elaboraccedilotildees simboacutelicas capazes de reformular

as tendecircncias culturais

Enquanto isso o cinema do ponto de vista funcional busca contar uma histoacuteria ndash

ficcional ou natildeo poreacutem como uma produccedilatildeo muitas vezes de entretenimento O objetivo

principal eacute procurar uma identificaccedilatildeo diante de seu puacuteblico divertir emocionar refletir e

transportaacute-los para a tela Stam (2003 p53) destaca que ―o cinema natildeo apenas evidencia o

movimento poeacutetico das coisas do mundo mas traduz as percepccedilotildees modificadas da vida

urbana contemporacircnea criando uma multiplicidade de informaccedilotildees em meio agrave sociedade

de massa Entatildeo como objeto cultural o cinema eacute capaz de entreter e disseminar

ideologias e tendecircncias para um grande nuacutemero de pessoas simultaneamente pois se

caracteriza como um produto coletivo da cultura de massa

9

Este trabalho constroacutei-se no cenaacuterio de interfaces entre publicidade e cinema a

partir da anaacutelise da concepccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria na fotografia dos filmes de

Fernando Meirelles

Vale ressaltar que a fotografia eacute um elemento fundamental na construccedilatildeo da esteacutetica

audiovisual Eacute a partir de sua composiccedilatildeo que o estilo da obra eacute retratado na tela Sendo

assim eacute preciso escolher com cuidado cada um dos componentes fotograacuteficos a fim de se

obter o resultado expressivo desejado Para Martin (2003 p57) a iluminaccedilatildeo ―constitui

um fator decisivo para a criaccedilatildeo da expressividade da imagem Aleacutem disso eacute elemento de

criaccedilatildeo da ―atmosfera da cena A atmosfera cecircnica por sua vez eacute difiacutecil de analisar pois

estaacute atrelada agrave subjetividade ou seja agrave capacidade de percepccedilatildeo de cada espectador tendo

um papel impreciso Natildeo se pode esquecer da utilizaccedilatildeo das cores sejam elas quentes ou

frias conotando reaccedilotildees psicoloacutegicas nos espectadores bem como o contraste cromaacutetico e

luminoso eficaz na significaccedilatildeo de cada cena

De acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber cada vez mais a interferecircncia

da publicidade na atual produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este

papel de fonte de referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem

audiovisual nas produccedilotildees contemporacircneas e diante disso tem-se como objetivo

compreender como o diretor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na

fotografia de seus filmes Arquiteto por formaccedilatildeo Fernando Meirelles comeccedilou sua

carreira na aacuterea audiovisual realizando viacutedeos experimentais com um grupo de amigos

ainda durante a faculdade Posteriormente fundou a produtora independente Olhar

Eletrocircnico e nunca mais deixou de trabalhar como diretor tanto na publicidade quanto no

cinema No cinema dirigiu os filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O

Jardineiro Fiel (2005) e Ensaio sobre a Cegueira (2008) Esses filmes constituem o objeto

empiacuterico deste trabalho que para alcanccedilar seu objetivo geral busca (1) analisar as

interfaces existentes entre publicidade e cinema (2) estudar a fotografia enquanto

elemento da esteacutetica audiovisual e (3) verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando

Meirelles em seus filmes

Jaacute haacute algum tempo percebe-se um crescente nuacutemero de cineastas com vasta

experiecircncia no mercado publicitaacuterio profissionais que realizaram muitos trabalhos como

diretores de filmes publicitaacuterios e dela migraram para o cinema Possuem portanto uma

visatildeo abrangente da linguagem audiovisual o que possibilita diferentes abordagens

esteacuteticas tanto no cinema quanto na publicidade A existecircncia de profissionais oriundos de

outras aacutereas trabalhando nas produccedilotildees audiovisuais reflete na nova relaccedilatildeo estabelecida

10

entre a noccedilatildeo de arte ciecircncia e tecnologia Esses domiacutenios antes mais distantes agora se

veem envolvidos em processos de troca combinaccedilatildeo fusatildeo Sobre as novas tecnologias

Popper apud Parente (1993) diz que

Em todo caso e em grande parte graccedilas aos novos meacutetodos de transmissatildeo de

imagens e agrave difusatildeo massiva dos conhecimentos e informaccedilotildees entramos no

presente em uma era em que o pensamento teacutecnico e o pensamento simboacutelico se

encontram em que o impacto das novas tecnologias provoca uma mutaccedilatildeo

decisiva na esfera cultural (PARENTE 1993 p213)

Covaleski (2009) acrescenta que tanto a televisatildeo quanto o cinema satildeo os uacutenicos

meios audiovisuais que possibilitam a utilizaccedilatildeo na publicidade da maioria dos elementos

de persuasatildeo e de sentido unindo o som a imagem o movimento e o texto escrito Deste

modo a publicidade trabalha com narrativas sinteacuteticas que se adequam ao tempo reduzido

de 30 eou 45 segundos para vender a ideacuteia do produto que anuncia Em oposiccedilatildeo o

cinema possui em meacutedia cerca de 90 minutos suficientes para mostrar o enredo contar a

histoacuteria apresentar os personagens e desenrolar toda a narrativa

As relaccedilotildees entre cinema e publicidade televisual partem das caracteriacutesticas da

obra final que eacute gerada em cada um desses gecircneros de comunicaccedilatildeo No

cinema a obra cinematograacutefica a peliacutecula de curta meacutedia ou longa-metragem

na publicidade televisual o comercial o filme ou viacutedeo publicitaacuterio que

obedecem aos formatos impostos pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo Os propoacutesitos

para os quais as obras fiacutelmicas cinematograacuteficas ou publicitaacuterias satildeo geradas

visam a atender interesses e objetivos que vatildeo do comercial ao artiacutestico

(COVALESKI 2009 p93)

Portanto a poacutes-modernidade cultural a qual representa o surgimento de outras

dimensotildees esteacuteticas eacute a grande chave para esta anaacutelise cujo foco recai sobre o elemento

de linguagem fotograacutefica Isto eacute recai na fotografia e na sua capacidade de construir

sentidos acerca de um momento que nunca mais aconteceraacute e ao mesmo tempo congelaacute-

lo possibilitando a representaccedilatildeo desta realidade deste momento uacutenico

Assim tal pesquisa articula a abordagem de temas de grande importacircncia para a

comunicaccedilatildeo audiovisual visto que possibilitam o surgimento de outras tendecircncias nas

produccedilotildees cinematograacuteficas contemporacircneas Para isso a revisatildeo teoacuterica perpassa pela

introduccedilatildeo sobre o tema do trabalho em que as temaacuteticas abordadas satildeo apresentadas bem

como o corpus escolhido para anaacutelise e os objetivos da pesquisa o primeiro capiacutetulo

discute teoricamente a linguagem e a esteacutetica audiovisual bem como as interfaces

existentes entre publicidade e cinema o segundo capiacutetulo aborda a fotografia na esteacutetica

audiovisual enfatizando os elementos expressivos fotograacuteficos ndash iluminaccedilatildeo cor

11

enquadramentos planos acircngulos e movimentos de cacircmera o terceiro capiacutetulo teoriza

sobre o cinema de autor e aborda o autor em questatildeo Fernando Meirelles o quarto

capiacutetulo elucida o processo metodoloacutegico aplicado no desenvolvimento do trabalho o

quinto capiacutetulo encarrega-se de demonstrar os exerciacutecios analiacuteticos empreendidos nos

frames do corpus e o sexto capiacutetulo preocupa-se com as consideraccedilotildees finais da pesquisa

12

1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual

Por poder ser captada simultaneamente pelo olho e pelo ouvido a linguagem

audiovisual permite o envolvimento completo do seu espectador diante da fusatildeo do som e

da imagem em movimento A fusatildeo entre aacuteudio e viacutedeo possibilita um paralelo entre o

racional e o sensorial de modo que a mesma consegue dizer muito mais do que

conseguimos captar pois chega simultaneamente por muito mais caminhos do que

conscientemente percebemos

O viacutedeo incluiacutedo em um meio de comunicaccedilatildeo de massa eacute utilizado como forma

de expressatildeo aleacutem de estruturar novas teacutecnicas tanto no processo de gravaccedilatildeo e de poacutes-

produccedilatildeo Tais teacutecnicas satildeo responsaacuteveis por todo o cruzamento de narrativas hoje

utilizadas pelo cinema e pela publicidade

O viacutedeo eacute um sistema hiacutebrido ele opera com coacutedigos significantes distintos

parte importados do cinema parte importados do teatro da literatura do raacutedio e

mais modernamente da computaccedilatildeo graacutefica aos quais acrescenta alguns

recursos expressivos especiacuteficos alguns modos de formar ideacuteias ou sensaccedilotildees

que lhe satildeo exclusivos (MACHADO 1997 p 190)

Dubois (2004 p77) define a estetizaccedilatildeo videograacutefica como ―uma linguagem (ou

uma esteacutetica) particular (mas de nenhum modo exclusiva) que pertence a loacutegicas

diferentes e potildee em jogo questotildees de ordem muito diversa que as do cinema O

surgimento do viacutedeo possibilitou novas tecnologias como por exemplo a televisatildeo

Diante disso o autor classifica dois modos principais de representaccedilatildeo em viacutedeo

O modo plaacutestico (a ―videoarte em suas formas e tendecircncias muacuteltiplas) e[] o

modo documentaacuterio (o real ndash bruto ou natildeo ndash em todas as suas estrateacutegias de

representaccedilatildeo) E sobretudo ndash eacute o que os une contra a transparecircncia - ambos

com um senso constante do ensaio da experimentaccedilatildeo da pesquisa da inovaccedilatildeo

(DUBOIS 2004 p77)

De acordo com Gutierrez (1992) dentro de noacutes acontece uma repercussatildeo em

imagens baacutesicas centrais simboacutelicas arquetiacutepicas com as quais nos identificamos ou que

se relacionam conosco de alguma forma consistindo na representaccedilatildeo de uma realidade

em movimento

A linguagem audiovisual responsaacutevel por tal representaccedilatildeo eacute constituiacuteda por

alguns elementos fundamentais (1) o plano - cada parte da fita que se apresenta ao

espectador como tendo sido filmada sem interrupccedilotildees (2) a cena - o conjunto de planos

cuja accedilatildeo eacute contiacutenua e decorre numa relativa unidade de tempo e espaccedilo constitui as cenas

13

e as sequumlecircncias (3) o enquadramento - a variaccedilatildeo da longitude da cacircmera agrave cena filmada

por meio de movimento (sem interrupccedilatildeo da filmagem) dentro do mesmo plano a

variaccedilatildeo do enquadramento e (4) a montagem ndash procedimento de organizaccedilatildeo do conjunto

de cenas sequumlecircncias e planos que formam a obra fiacutelmica

Tais elementos audiovisuais estatildeo presentes tanto nas produccedilotildees cinematograacuteficas

quanto nas produccedilotildees publicitaacuterias poreacutem o modo como satildeo utilizados eacute que as difere

Segundo Aumont (1995) inicialmente o cinema era desprovido de uma linguagem pois

apenas refletia o registro de um espetaacuteculo uma simples reproduccedilatildeo do real Entretanto

com o intuito de contar histoacuterias e veicular ideias o cinema precisou utilizar determinados

procedimentos expressivos os quais passaram a constituir sua linguagem

Assim sendo pode-se definir a linguagem cinematograacutefica como ―o conjunto das

mensagens cujo material de expressatildeo compotildee-se de cinco pistas ou canais a imagem

fotograacutefica em movimento os sons foneacuteticos gravados os ruiacutedos gravados o som musical

gravado e a escrita (creacuteditos intertiacutetulos materiais escritos no interior do plano) (STAM

2003 p132) A utilizaccedilatildeo em sinergia desse grande nuacutemero de elementos possibilita uma

maior variedade de abordagens nas produccedilotildees audiovisuais Por exemplo uma montagem

natildeo-linear com ritmo acelerado de troca de planos acircngulos e enquadramentos eacute a marca

das realizaccedilotildees videograacuteficas contemporacircneas

Para Balaacutezs apud Stam (1995) a linguagem cinematograacutefica pode ser definida a

partir de 4 princiacutepios

- no cinema existe uma distacircncia variaacutevel entre espectador e cena representada

daiacute uma dimensatildeo variaacutevel da cena que toma lugar no quadro e na composiccedilatildeo

da imagem

- a imagem total da cena eacute subdividida em uma seacuterie de planos de detalhes

(principio da decupagem)

- existe variaccedilatildeo de enquadramento (acircngulo de visatildeo perspectiva) dos planos de

detalhe no decorrer da mesma cena

- finalmente eacute a operaccedilatildeo da montagem que garante a inserccedilatildeo dos planos de

detalhes em uma sequumlecircncia ordenada na qual natildeo apenas cenas inteiras se

sucedem mas tambeacutem tomadas de detalhes mais miacutenimos de uma mesma cena

A cena em seu conjunto eacute resultado disso como se os elementos de um mosaico

temporal fossem justapostos no tempo (BALAacuteZS apud STAM 1995 p163-

164)

O cinema busca traduzir a realidade atraveacutes da representaccedilatildeo artiacutestica mediante o

uso de teacutecnicas pertencentes agrave linguagem audiovisual Stam (2003 p132) acrescenta que

se torna linguagem a partir do momento em que comunica ―um conjunto de mensagens

formuladas com base em um determinado material de expressatildeo um discurso ou praacutetica

significante caracterizado por codificaccedilotildees e procedimentos ordenatoacuterios especiacuteficos

14

Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma

―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute

empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte

Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees

de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos

seguintes problemas

1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como

arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi

muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e

comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin

Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma

caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a

cenicidade etc

2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais

estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o

movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista

(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem

(Eisenstein)

3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo

geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o

mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma

grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia

(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho

(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a

fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc

4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica

(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)

Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com

a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel

destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do

cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica

relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes

cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute

sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema

esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma

intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza

tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois

aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma

vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave

anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo

15

Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma

categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo

Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora

focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de

evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com

novas manifestaccedilotildees artiacutesticas

No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de

novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um

―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de

sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo

conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes

artiacutesticas

Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do

cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao

meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se

que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais

destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem

adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e

produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um

receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria

Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe

agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as

poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o

conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma

nova esteacutetica

Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche

cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos

constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica

do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este

Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento

de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica

contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade

movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar

16

A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-

se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma

consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social

A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou

clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe

(como utiliza o autor) para se firmar como arte

Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do

abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a

banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a

representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente

podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do

espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do

sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes

de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado

desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico

A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa

linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma

mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um

determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas

diferenciadas

A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico

em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo

de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada

de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que

acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea

(CARVALHO 2003)

Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos

videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo

audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o

surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no

comportamento dos sujeitos contemporacircneos

O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus

livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando

instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando

ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos

discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)

17

O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa

convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo

Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em

todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao

percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda

da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu

paacutera-brisa

Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte

do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos

que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao

realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva

fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo

Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de

ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este

estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem

diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto

Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as

concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea

Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria

colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das

tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as

anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de

encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo

sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito

humano (MERQUIOR 1975 p79)

Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base

da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente

O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves

dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo

virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que

transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no

cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as

representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-

imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente

como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma

imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores

pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)

18

Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero

abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que

atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um

recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes

tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do

homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com

a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se

reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos

11 Interfaces cinema e publicidade

Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em

momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja

consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem

interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com

seriados novelas e filmes sem sair de casa

Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de

outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que

―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas

por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo

Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo

para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De

acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que

possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo

somente com outros textos

Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em

outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou

contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute

conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem

disso classifica tambeacutem em

citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo

de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por

outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou

no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)

19

A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais

entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)

a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica

obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas

a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o

bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras

culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que

a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar

durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven

Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada

diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a

colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca

Absolut

b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer

uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente

substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute

facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero

cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a

alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de

mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos

mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain

(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma

obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve

devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute

que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no

cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do

automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de

amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona

avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo

ao argumento de liberdade explorado na obra francesa

c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas

de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no

20

plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de

personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de

estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo

intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e

ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns

filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se

aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um

bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que

se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme

Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)

No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um

caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual

produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de

referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas

produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus

―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles

1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e

tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a

superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai

surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento

utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14

Jun 2010

21

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual

A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou

grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico

inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph

Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem

foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de

petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar

chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida

Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos

fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta

decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com

iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem

guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma

imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam

no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio

Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo

conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de

horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu

processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a

patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste

processo

Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos

fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza

placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel

agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas

criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao

estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do

negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto

eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)

Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos

de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis

agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas

invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -

utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas

22

em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um

processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo

posterior de imagens positivas

A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com

a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por

George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente

evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco

automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da

imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito

pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia

A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a

digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo

da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a

produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O

aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras

de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme

e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital

Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da

fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de

congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato

com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos

instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na

invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente

pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos

sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento

Machado acrescenta que

O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a

partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere

natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na

sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas

populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a

pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)

No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto

basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o

23

intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma

em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido

um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de

uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a

―explicaccedilatildeo de um apresentador

Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir

de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de

pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias

adquiridas

Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual

Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema

Dubois (2004) assegura que

Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve

tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que

registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa

A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de

constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase

automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um

gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004

p38)

Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa

muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a

reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a

imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do

criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes

distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder

recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta

que tal uso

abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio

nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma

temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem

dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade

total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)

Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo

elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem

ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade

Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura

para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela

24

historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena

Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os

fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram

subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia

O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por

valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses

como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de

produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza

(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente

os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte

Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que

a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem

criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de

superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica

Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da

fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de

inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A

chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no

movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8

A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da

fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o

foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar

instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia

do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo

mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento

se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese

A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita

transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no

cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees

Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor

explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual

25

21 Iluminaccedilatildeo

De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se

ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas

aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo

para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir

noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da

iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo

como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico

num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que

A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do

projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como

ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma

conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o

escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou

Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios

Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser

produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em

outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do

filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da

histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)

As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e

a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um

lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e

desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno

ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura

afirma que

A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave

mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as

densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver

Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de

quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se

concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a

intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de

contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As

diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao

pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no

vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo

exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA

2001 p 20)

Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois

―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem

Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e

26

feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da

expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador

devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente

analisaacutevel

As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e

lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser

definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a

luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste

uniformidade cor e intensidade

Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de

sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual

Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que

A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas

percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar

o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas

similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia

luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou

brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)

A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir

sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes

claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz

suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a

outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho

percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma

aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz

direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)

Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos

de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a

fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta

22 Cor

Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco

Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas

pois aumenta a veracidade da imagem

27

Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo

RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

Campinas Papirus 1995

AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em

lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt

CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt

Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009

DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002

GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003

MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de

2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009

SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

7

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO________________________________________________________ 8

1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual________________________________________ 12

11 Interfaces cinema e publicidade________________________________________ 18

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual_______________________________________ 21

21 Iluminaccedilatildeo__________________________________________________________ 25

22 Cor_________________________________________________________________ 26

23 Enquadramentos_____________________________________________________ 28

231 Planos_______________________________________________________ 29

232 Acircngulos de Filmagem_________________________________________ 30

233 Movimentos de cacircmera__________________________________________ 30

3 O Cinema de Autor_____________________________________________________ 31

4 Metodologia___________________________________________________________ 37

5 Anaacutelises______________________________________________________________ 39

51 Domeacutesticas__________________________________________________________ 39

52 Cidade de Deus_______________________________________________________ 44

53 O Jardineiro Fiel_____________________________________________________ 49

54 Ensaio sobre a Cegueira_______________________________________________ 54

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS_____________________________________________ 60

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS______________________________________ 63

ANEXOS_______________________________________________________________ 65

8

INTRODUCcedilAtildeO

A esteacutetica publicitaacuteria no cinema surge diante do contexto cultural da diversidade e

da multiplicidade no qual se percebe a fusatildeo entre a linguagem videograacutefica e a fotografia

do cinema Segundo Aumont (1995 p15) ―a esteacutetica do cinema eacute portanto o estudo do

cinema como arte o estudo dos filmes como mensagens artiacutesticas capazes de atrair a

atenccedilatildeo do espectador diante de uma determinada narrativa

O filme como produto cultural de massa atinge puacuteblicos diversificados que

reconhecem os seus coacutedigos suas linguagens e muito dessa adaptaccedilatildeo se deve ao

crescimento da TV e agrave tecnologia do viacutedeo A esteacutetica publicitaacuteria traduz o indiviacuteduo

contemporacircneo multifacetado acostumado com o acuacutemulo cada vez maior de

informaccedilotildees inserido em uma sociedade de massa multimidiaacutetica

A publicidade em relaccedilatildeo agrave sua funcionalidade busca positivar as qualidades e os

atributos dos serviccedilos eou produtos Por meio da persuasatildeo busca vender uma marca

seduzir e influenciar o espectador a consumir um determinado produto ndash tanto no campo

das ideacuteias quanto no campo dos discursos - que representa Nesse sentido ela usa e abusa

de recursos ligados agrave emoccedilatildeo e agrave identificaccedilatildeo sociocultural fazendo com que o

consumidor seja atraiacutedo e se identifique pela criaccedilatildeo Segundo Castells (1999 p22)

―entende-se por identidade a fonte de significado e experiecircncias de um povo

Experiecircncias essas que correspondem ao modo de vida em sociedade aos valores

culturais aos quais os indiviacuteduos estatildeo inseridos e que caracterizam a criaccedilatildeo de tal

identidade Carvalho (1996 p13) acrescenta que ―a publicidade impotildee nas linhas e

entrelinhas valores mitos ideais e outras elaboraccedilotildees simboacutelicas capazes de reformular

as tendecircncias culturais

Enquanto isso o cinema do ponto de vista funcional busca contar uma histoacuteria ndash

ficcional ou natildeo poreacutem como uma produccedilatildeo muitas vezes de entretenimento O objetivo

principal eacute procurar uma identificaccedilatildeo diante de seu puacuteblico divertir emocionar refletir e

transportaacute-los para a tela Stam (2003 p53) destaca que ―o cinema natildeo apenas evidencia o

movimento poeacutetico das coisas do mundo mas traduz as percepccedilotildees modificadas da vida

urbana contemporacircnea criando uma multiplicidade de informaccedilotildees em meio agrave sociedade

de massa Entatildeo como objeto cultural o cinema eacute capaz de entreter e disseminar

ideologias e tendecircncias para um grande nuacutemero de pessoas simultaneamente pois se

caracteriza como um produto coletivo da cultura de massa

9

Este trabalho constroacutei-se no cenaacuterio de interfaces entre publicidade e cinema a

partir da anaacutelise da concepccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria na fotografia dos filmes de

Fernando Meirelles

Vale ressaltar que a fotografia eacute um elemento fundamental na construccedilatildeo da esteacutetica

audiovisual Eacute a partir de sua composiccedilatildeo que o estilo da obra eacute retratado na tela Sendo

assim eacute preciso escolher com cuidado cada um dos componentes fotograacuteficos a fim de se

obter o resultado expressivo desejado Para Martin (2003 p57) a iluminaccedilatildeo ―constitui

um fator decisivo para a criaccedilatildeo da expressividade da imagem Aleacutem disso eacute elemento de

criaccedilatildeo da ―atmosfera da cena A atmosfera cecircnica por sua vez eacute difiacutecil de analisar pois

estaacute atrelada agrave subjetividade ou seja agrave capacidade de percepccedilatildeo de cada espectador tendo

um papel impreciso Natildeo se pode esquecer da utilizaccedilatildeo das cores sejam elas quentes ou

frias conotando reaccedilotildees psicoloacutegicas nos espectadores bem como o contraste cromaacutetico e

luminoso eficaz na significaccedilatildeo de cada cena

De acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber cada vez mais a interferecircncia

da publicidade na atual produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este

papel de fonte de referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem

audiovisual nas produccedilotildees contemporacircneas e diante disso tem-se como objetivo

compreender como o diretor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na

fotografia de seus filmes Arquiteto por formaccedilatildeo Fernando Meirelles comeccedilou sua

carreira na aacuterea audiovisual realizando viacutedeos experimentais com um grupo de amigos

ainda durante a faculdade Posteriormente fundou a produtora independente Olhar

Eletrocircnico e nunca mais deixou de trabalhar como diretor tanto na publicidade quanto no

cinema No cinema dirigiu os filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O

Jardineiro Fiel (2005) e Ensaio sobre a Cegueira (2008) Esses filmes constituem o objeto

empiacuterico deste trabalho que para alcanccedilar seu objetivo geral busca (1) analisar as

interfaces existentes entre publicidade e cinema (2) estudar a fotografia enquanto

elemento da esteacutetica audiovisual e (3) verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando

Meirelles em seus filmes

Jaacute haacute algum tempo percebe-se um crescente nuacutemero de cineastas com vasta

experiecircncia no mercado publicitaacuterio profissionais que realizaram muitos trabalhos como

diretores de filmes publicitaacuterios e dela migraram para o cinema Possuem portanto uma

visatildeo abrangente da linguagem audiovisual o que possibilita diferentes abordagens

esteacuteticas tanto no cinema quanto na publicidade A existecircncia de profissionais oriundos de

outras aacutereas trabalhando nas produccedilotildees audiovisuais reflete na nova relaccedilatildeo estabelecida

10

entre a noccedilatildeo de arte ciecircncia e tecnologia Esses domiacutenios antes mais distantes agora se

veem envolvidos em processos de troca combinaccedilatildeo fusatildeo Sobre as novas tecnologias

Popper apud Parente (1993) diz que

Em todo caso e em grande parte graccedilas aos novos meacutetodos de transmissatildeo de

imagens e agrave difusatildeo massiva dos conhecimentos e informaccedilotildees entramos no

presente em uma era em que o pensamento teacutecnico e o pensamento simboacutelico se

encontram em que o impacto das novas tecnologias provoca uma mutaccedilatildeo

decisiva na esfera cultural (PARENTE 1993 p213)

Covaleski (2009) acrescenta que tanto a televisatildeo quanto o cinema satildeo os uacutenicos

meios audiovisuais que possibilitam a utilizaccedilatildeo na publicidade da maioria dos elementos

de persuasatildeo e de sentido unindo o som a imagem o movimento e o texto escrito Deste

modo a publicidade trabalha com narrativas sinteacuteticas que se adequam ao tempo reduzido

de 30 eou 45 segundos para vender a ideacuteia do produto que anuncia Em oposiccedilatildeo o

cinema possui em meacutedia cerca de 90 minutos suficientes para mostrar o enredo contar a

histoacuteria apresentar os personagens e desenrolar toda a narrativa

As relaccedilotildees entre cinema e publicidade televisual partem das caracteriacutesticas da

obra final que eacute gerada em cada um desses gecircneros de comunicaccedilatildeo No

cinema a obra cinematograacutefica a peliacutecula de curta meacutedia ou longa-metragem

na publicidade televisual o comercial o filme ou viacutedeo publicitaacuterio que

obedecem aos formatos impostos pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo Os propoacutesitos

para os quais as obras fiacutelmicas cinematograacuteficas ou publicitaacuterias satildeo geradas

visam a atender interesses e objetivos que vatildeo do comercial ao artiacutestico

(COVALESKI 2009 p93)

Portanto a poacutes-modernidade cultural a qual representa o surgimento de outras

dimensotildees esteacuteticas eacute a grande chave para esta anaacutelise cujo foco recai sobre o elemento

de linguagem fotograacutefica Isto eacute recai na fotografia e na sua capacidade de construir

sentidos acerca de um momento que nunca mais aconteceraacute e ao mesmo tempo congelaacute-

lo possibilitando a representaccedilatildeo desta realidade deste momento uacutenico

Assim tal pesquisa articula a abordagem de temas de grande importacircncia para a

comunicaccedilatildeo audiovisual visto que possibilitam o surgimento de outras tendecircncias nas

produccedilotildees cinematograacuteficas contemporacircneas Para isso a revisatildeo teoacuterica perpassa pela

introduccedilatildeo sobre o tema do trabalho em que as temaacuteticas abordadas satildeo apresentadas bem

como o corpus escolhido para anaacutelise e os objetivos da pesquisa o primeiro capiacutetulo

discute teoricamente a linguagem e a esteacutetica audiovisual bem como as interfaces

existentes entre publicidade e cinema o segundo capiacutetulo aborda a fotografia na esteacutetica

audiovisual enfatizando os elementos expressivos fotograacuteficos ndash iluminaccedilatildeo cor

11

enquadramentos planos acircngulos e movimentos de cacircmera o terceiro capiacutetulo teoriza

sobre o cinema de autor e aborda o autor em questatildeo Fernando Meirelles o quarto

capiacutetulo elucida o processo metodoloacutegico aplicado no desenvolvimento do trabalho o

quinto capiacutetulo encarrega-se de demonstrar os exerciacutecios analiacuteticos empreendidos nos

frames do corpus e o sexto capiacutetulo preocupa-se com as consideraccedilotildees finais da pesquisa

12

1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual

Por poder ser captada simultaneamente pelo olho e pelo ouvido a linguagem

audiovisual permite o envolvimento completo do seu espectador diante da fusatildeo do som e

da imagem em movimento A fusatildeo entre aacuteudio e viacutedeo possibilita um paralelo entre o

racional e o sensorial de modo que a mesma consegue dizer muito mais do que

conseguimos captar pois chega simultaneamente por muito mais caminhos do que

conscientemente percebemos

O viacutedeo incluiacutedo em um meio de comunicaccedilatildeo de massa eacute utilizado como forma

de expressatildeo aleacutem de estruturar novas teacutecnicas tanto no processo de gravaccedilatildeo e de poacutes-

produccedilatildeo Tais teacutecnicas satildeo responsaacuteveis por todo o cruzamento de narrativas hoje

utilizadas pelo cinema e pela publicidade

O viacutedeo eacute um sistema hiacutebrido ele opera com coacutedigos significantes distintos

parte importados do cinema parte importados do teatro da literatura do raacutedio e

mais modernamente da computaccedilatildeo graacutefica aos quais acrescenta alguns

recursos expressivos especiacuteficos alguns modos de formar ideacuteias ou sensaccedilotildees

que lhe satildeo exclusivos (MACHADO 1997 p 190)

Dubois (2004 p77) define a estetizaccedilatildeo videograacutefica como ―uma linguagem (ou

uma esteacutetica) particular (mas de nenhum modo exclusiva) que pertence a loacutegicas

diferentes e potildee em jogo questotildees de ordem muito diversa que as do cinema O

surgimento do viacutedeo possibilitou novas tecnologias como por exemplo a televisatildeo

Diante disso o autor classifica dois modos principais de representaccedilatildeo em viacutedeo

O modo plaacutestico (a ―videoarte em suas formas e tendecircncias muacuteltiplas) e[] o

modo documentaacuterio (o real ndash bruto ou natildeo ndash em todas as suas estrateacutegias de

representaccedilatildeo) E sobretudo ndash eacute o que os une contra a transparecircncia - ambos

com um senso constante do ensaio da experimentaccedilatildeo da pesquisa da inovaccedilatildeo

(DUBOIS 2004 p77)

De acordo com Gutierrez (1992) dentro de noacutes acontece uma repercussatildeo em

imagens baacutesicas centrais simboacutelicas arquetiacutepicas com as quais nos identificamos ou que

se relacionam conosco de alguma forma consistindo na representaccedilatildeo de uma realidade

em movimento

A linguagem audiovisual responsaacutevel por tal representaccedilatildeo eacute constituiacuteda por

alguns elementos fundamentais (1) o plano - cada parte da fita que se apresenta ao

espectador como tendo sido filmada sem interrupccedilotildees (2) a cena - o conjunto de planos

cuja accedilatildeo eacute contiacutenua e decorre numa relativa unidade de tempo e espaccedilo constitui as cenas

13

e as sequumlecircncias (3) o enquadramento - a variaccedilatildeo da longitude da cacircmera agrave cena filmada

por meio de movimento (sem interrupccedilatildeo da filmagem) dentro do mesmo plano a

variaccedilatildeo do enquadramento e (4) a montagem ndash procedimento de organizaccedilatildeo do conjunto

de cenas sequumlecircncias e planos que formam a obra fiacutelmica

Tais elementos audiovisuais estatildeo presentes tanto nas produccedilotildees cinematograacuteficas

quanto nas produccedilotildees publicitaacuterias poreacutem o modo como satildeo utilizados eacute que as difere

Segundo Aumont (1995) inicialmente o cinema era desprovido de uma linguagem pois

apenas refletia o registro de um espetaacuteculo uma simples reproduccedilatildeo do real Entretanto

com o intuito de contar histoacuterias e veicular ideias o cinema precisou utilizar determinados

procedimentos expressivos os quais passaram a constituir sua linguagem

Assim sendo pode-se definir a linguagem cinematograacutefica como ―o conjunto das

mensagens cujo material de expressatildeo compotildee-se de cinco pistas ou canais a imagem

fotograacutefica em movimento os sons foneacuteticos gravados os ruiacutedos gravados o som musical

gravado e a escrita (creacuteditos intertiacutetulos materiais escritos no interior do plano) (STAM

2003 p132) A utilizaccedilatildeo em sinergia desse grande nuacutemero de elementos possibilita uma

maior variedade de abordagens nas produccedilotildees audiovisuais Por exemplo uma montagem

natildeo-linear com ritmo acelerado de troca de planos acircngulos e enquadramentos eacute a marca

das realizaccedilotildees videograacuteficas contemporacircneas

Para Balaacutezs apud Stam (1995) a linguagem cinematograacutefica pode ser definida a

partir de 4 princiacutepios

- no cinema existe uma distacircncia variaacutevel entre espectador e cena representada

daiacute uma dimensatildeo variaacutevel da cena que toma lugar no quadro e na composiccedilatildeo

da imagem

- a imagem total da cena eacute subdividida em uma seacuterie de planos de detalhes

(principio da decupagem)

- existe variaccedilatildeo de enquadramento (acircngulo de visatildeo perspectiva) dos planos de

detalhe no decorrer da mesma cena

- finalmente eacute a operaccedilatildeo da montagem que garante a inserccedilatildeo dos planos de

detalhes em uma sequumlecircncia ordenada na qual natildeo apenas cenas inteiras se

sucedem mas tambeacutem tomadas de detalhes mais miacutenimos de uma mesma cena

A cena em seu conjunto eacute resultado disso como se os elementos de um mosaico

temporal fossem justapostos no tempo (BALAacuteZS apud STAM 1995 p163-

164)

O cinema busca traduzir a realidade atraveacutes da representaccedilatildeo artiacutestica mediante o

uso de teacutecnicas pertencentes agrave linguagem audiovisual Stam (2003 p132) acrescenta que

se torna linguagem a partir do momento em que comunica ―um conjunto de mensagens

formuladas com base em um determinado material de expressatildeo um discurso ou praacutetica

significante caracterizado por codificaccedilotildees e procedimentos ordenatoacuterios especiacuteficos

14

Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma

―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute

empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte

Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees

de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos

seguintes problemas

1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como

arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi

muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e

comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin

Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma

caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a

cenicidade etc

2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais

estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o

movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista

(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem

(Eisenstein)

3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo

geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o

mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma

grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia

(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho

(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a

fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc

4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica

(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)

Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com

a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel

destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do

cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica

relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes

cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute

sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema

esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma

intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza

tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois

aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma

vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave

anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo

15

Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma

categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo

Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora

focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de

evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com

novas manifestaccedilotildees artiacutesticas

No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de

novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um

―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de

sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo

conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes

artiacutesticas

Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do

cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao

meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se

que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais

destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem

adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e

produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um

receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria

Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe

agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as

poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o

conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma

nova esteacutetica

Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche

cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos

constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica

do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este

Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento

de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica

contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade

movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar

16

A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-

se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma

consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social

A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou

clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe

(como utiliza o autor) para se firmar como arte

Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do

abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a

banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a

representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente

podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do

espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do

sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes

de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado

desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico

A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa

linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma

mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um

determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas

diferenciadas

A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico

em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo

de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada

de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que

acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea

(CARVALHO 2003)

Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos

videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo

audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o

surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no

comportamento dos sujeitos contemporacircneos

O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus

livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando

instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando

ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos

discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)

17

O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa

convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo

Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em

todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao

percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda

da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu

paacutera-brisa

Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte

do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos

que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao

realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva

fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo

Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de

ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este

estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem

diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto

Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as

concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea

Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria

colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das

tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as

anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de

encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo

sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito

humano (MERQUIOR 1975 p79)

Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base

da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente

O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves

dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo

virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que

transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no

cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as

representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-

imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente

como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma

imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores

pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)

18

Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero

abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que

atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um

recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes

tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do

homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com

a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se

reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos

11 Interfaces cinema e publicidade

Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em

momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja

consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem

interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com

seriados novelas e filmes sem sair de casa

Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de

outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que

―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas

por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo

Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo

para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De

acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que

possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo

somente com outros textos

Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em

outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou

contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute

conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem

disso classifica tambeacutem em

citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo

de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por

outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou

no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)

19

A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais

entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)

a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica

obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas

a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o

bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras

culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que

a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar

durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven

Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada

diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a

colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca

Absolut

b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer

uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente

substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute

facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero

cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a

alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de

mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos

mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain

(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma

obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve

devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute

que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no

cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do

automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de

amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona

avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo

ao argumento de liberdade explorado na obra francesa

c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas

de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no

20

plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de

personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de

estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo

intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e

ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns

filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se

aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um

bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que

se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme

Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)

No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um

caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual

produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de

referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas

produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus

―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles

1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e

tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a

superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai

surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento

utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14

Jun 2010

21

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual

A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou

grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico

inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph

Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem

foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de

petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar

chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida

Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos

fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta

decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com

iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem

guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma

imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam

no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio

Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo

conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de

horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu

processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a

patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste

processo

Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos

fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza

placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel

agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas

criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao

estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do

negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto

eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)

Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos

de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis

agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas

invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -

utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas

22

em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um

processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo

posterior de imagens positivas

A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com

a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por

George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente

evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco

automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da

imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito

pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia

A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a

digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo

da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a

produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O

aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras

de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme

e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital

Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da

fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de

congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato

com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos

instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na

invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente

pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos

sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento

Machado acrescenta que

O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a

partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere

natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na

sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas

populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a

pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)

No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto

basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o

23

intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma

em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido

um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de

uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a

―explicaccedilatildeo de um apresentador

Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir

de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de

pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias

adquiridas

Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual

Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema

Dubois (2004) assegura que

Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve

tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que

registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa

A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de

constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase

automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um

gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004

p38)

Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa

muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a

reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a

imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do

criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes

distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder

recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta

que tal uso

abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio

nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma

temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem

dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade

total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)

Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo

elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem

ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade

Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura

para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela

24

historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena

Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os

fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram

subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia

O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por

valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses

como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de

produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza

(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente

os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte

Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que

a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem

criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de

superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica

Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da

fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de

inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A

chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no

movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8

A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da

fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o

foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar

instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia

do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo

mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento

se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese

A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita

transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no

cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees

Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor

explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual

25

21 Iluminaccedilatildeo

De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se

ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas

aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo

para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir

noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da

iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo

como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico

num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que

A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do

projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como

ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma

conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o

escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou

Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios

Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser

produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em

outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do

filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da

histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)

As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e

a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um

lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e

desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno

ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura

afirma que

A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave

mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as

densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver

Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de

quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se

concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a

intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de

contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As

diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao

pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no

vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo

exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA

2001 p 20)

Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois

―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem

Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e

26

feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da

expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador

devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente

analisaacutevel

As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e

lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser

definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a

luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste

uniformidade cor e intensidade

Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de

sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual

Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que

A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas

percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar

o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas

similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia

luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou

brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)

A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir

sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes

claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz

suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a

outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho

percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma

aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz

direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)

Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos

de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a

fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta

22 Cor

Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco

Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas

pois aumenta a veracidade da imagem

27

Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

8

INTRODUCcedilAtildeO

A esteacutetica publicitaacuteria no cinema surge diante do contexto cultural da diversidade e

da multiplicidade no qual se percebe a fusatildeo entre a linguagem videograacutefica e a fotografia

do cinema Segundo Aumont (1995 p15) ―a esteacutetica do cinema eacute portanto o estudo do

cinema como arte o estudo dos filmes como mensagens artiacutesticas capazes de atrair a

atenccedilatildeo do espectador diante de uma determinada narrativa

O filme como produto cultural de massa atinge puacuteblicos diversificados que

reconhecem os seus coacutedigos suas linguagens e muito dessa adaptaccedilatildeo se deve ao

crescimento da TV e agrave tecnologia do viacutedeo A esteacutetica publicitaacuteria traduz o indiviacuteduo

contemporacircneo multifacetado acostumado com o acuacutemulo cada vez maior de

informaccedilotildees inserido em uma sociedade de massa multimidiaacutetica

A publicidade em relaccedilatildeo agrave sua funcionalidade busca positivar as qualidades e os

atributos dos serviccedilos eou produtos Por meio da persuasatildeo busca vender uma marca

seduzir e influenciar o espectador a consumir um determinado produto ndash tanto no campo

das ideacuteias quanto no campo dos discursos - que representa Nesse sentido ela usa e abusa

de recursos ligados agrave emoccedilatildeo e agrave identificaccedilatildeo sociocultural fazendo com que o

consumidor seja atraiacutedo e se identifique pela criaccedilatildeo Segundo Castells (1999 p22)

―entende-se por identidade a fonte de significado e experiecircncias de um povo

Experiecircncias essas que correspondem ao modo de vida em sociedade aos valores

culturais aos quais os indiviacuteduos estatildeo inseridos e que caracterizam a criaccedilatildeo de tal

identidade Carvalho (1996 p13) acrescenta que ―a publicidade impotildee nas linhas e

entrelinhas valores mitos ideais e outras elaboraccedilotildees simboacutelicas capazes de reformular

as tendecircncias culturais

Enquanto isso o cinema do ponto de vista funcional busca contar uma histoacuteria ndash

ficcional ou natildeo poreacutem como uma produccedilatildeo muitas vezes de entretenimento O objetivo

principal eacute procurar uma identificaccedilatildeo diante de seu puacuteblico divertir emocionar refletir e

transportaacute-los para a tela Stam (2003 p53) destaca que ―o cinema natildeo apenas evidencia o

movimento poeacutetico das coisas do mundo mas traduz as percepccedilotildees modificadas da vida

urbana contemporacircnea criando uma multiplicidade de informaccedilotildees em meio agrave sociedade

de massa Entatildeo como objeto cultural o cinema eacute capaz de entreter e disseminar

ideologias e tendecircncias para um grande nuacutemero de pessoas simultaneamente pois se

caracteriza como um produto coletivo da cultura de massa

9

Este trabalho constroacutei-se no cenaacuterio de interfaces entre publicidade e cinema a

partir da anaacutelise da concepccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria na fotografia dos filmes de

Fernando Meirelles

Vale ressaltar que a fotografia eacute um elemento fundamental na construccedilatildeo da esteacutetica

audiovisual Eacute a partir de sua composiccedilatildeo que o estilo da obra eacute retratado na tela Sendo

assim eacute preciso escolher com cuidado cada um dos componentes fotograacuteficos a fim de se

obter o resultado expressivo desejado Para Martin (2003 p57) a iluminaccedilatildeo ―constitui

um fator decisivo para a criaccedilatildeo da expressividade da imagem Aleacutem disso eacute elemento de

criaccedilatildeo da ―atmosfera da cena A atmosfera cecircnica por sua vez eacute difiacutecil de analisar pois

estaacute atrelada agrave subjetividade ou seja agrave capacidade de percepccedilatildeo de cada espectador tendo

um papel impreciso Natildeo se pode esquecer da utilizaccedilatildeo das cores sejam elas quentes ou

frias conotando reaccedilotildees psicoloacutegicas nos espectadores bem como o contraste cromaacutetico e

luminoso eficaz na significaccedilatildeo de cada cena

De acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber cada vez mais a interferecircncia

da publicidade na atual produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este

papel de fonte de referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem

audiovisual nas produccedilotildees contemporacircneas e diante disso tem-se como objetivo

compreender como o diretor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na

fotografia de seus filmes Arquiteto por formaccedilatildeo Fernando Meirelles comeccedilou sua

carreira na aacuterea audiovisual realizando viacutedeos experimentais com um grupo de amigos

ainda durante a faculdade Posteriormente fundou a produtora independente Olhar

Eletrocircnico e nunca mais deixou de trabalhar como diretor tanto na publicidade quanto no

cinema No cinema dirigiu os filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O

Jardineiro Fiel (2005) e Ensaio sobre a Cegueira (2008) Esses filmes constituem o objeto

empiacuterico deste trabalho que para alcanccedilar seu objetivo geral busca (1) analisar as

interfaces existentes entre publicidade e cinema (2) estudar a fotografia enquanto

elemento da esteacutetica audiovisual e (3) verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando

Meirelles em seus filmes

Jaacute haacute algum tempo percebe-se um crescente nuacutemero de cineastas com vasta

experiecircncia no mercado publicitaacuterio profissionais que realizaram muitos trabalhos como

diretores de filmes publicitaacuterios e dela migraram para o cinema Possuem portanto uma

visatildeo abrangente da linguagem audiovisual o que possibilita diferentes abordagens

esteacuteticas tanto no cinema quanto na publicidade A existecircncia de profissionais oriundos de

outras aacutereas trabalhando nas produccedilotildees audiovisuais reflete na nova relaccedilatildeo estabelecida

10

entre a noccedilatildeo de arte ciecircncia e tecnologia Esses domiacutenios antes mais distantes agora se

veem envolvidos em processos de troca combinaccedilatildeo fusatildeo Sobre as novas tecnologias

Popper apud Parente (1993) diz que

Em todo caso e em grande parte graccedilas aos novos meacutetodos de transmissatildeo de

imagens e agrave difusatildeo massiva dos conhecimentos e informaccedilotildees entramos no

presente em uma era em que o pensamento teacutecnico e o pensamento simboacutelico se

encontram em que o impacto das novas tecnologias provoca uma mutaccedilatildeo

decisiva na esfera cultural (PARENTE 1993 p213)

Covaleski (2009) acrescenta que tanto a televisatildeo quanto o cinema satildeo os uacutenicos

meios audiovisuais que possibilitam a utilizaccedilatildeo na publicidade da maioria dos elementos

de persuasatildeo e de sentido unindo o som a imagem o movimento e o texto escrito Deste

modo a publicidade trabalha com narrativas sinteacuteticas que se adequam ao tempo reduzido

de 30 eou 45 segundos para vender a ideacuteia do produto que anuncia Em oposiccedilatildeo o

cinema possui em meacutedia cerca de 90 minutos suficientes para mostrar o enredo contar a

histoacuteria apresentar os personagens e desenrolar toda a narrativa

As relaccedilotildees entre cinema e publicidade televisual partem das caracteriacutesticas da

obra final que eacute gerada em cada um desses gecircneros de comunicaccedilatildeo No

cinema a obra cinematograacutefica a peliacutecula de curta meacutedia ou longa-metragem

na publicidade televisual o comercial o filme ou viacutedeo publicitaacuterio que

obedecem aos formatos impostos pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo Os propoacutesitos

para os quais as obras fiacutelmicas cinematograacuteficas ou publicitaacuterias satildeo geradas

visam a atender interesses e objetivos que vatildeo do comercial ao artiacutestico

(COVALESKI 2009 p93)

Portanto a poacutes-modernidade cultural a qual representa o surgimento de outras

dimensotildees esteacuteticas eacute a grande chave para esta anaacutelise cujo foco recai sobre o elemento

de linguagem fotograacutefica Isto eacute recai na fotografia e na sua capacidade de construir

sentidos acerca de um momento que nunca mais aconteceraacute e ao mesmo tempo congelaacute-

lo possibilitando a representaccedilatildeo desta realidade deste momento uacutenico

Assim tal pesquisa articula a abordagem de temas de grande importacircncia para a

comunicaccedilatildeo audiovisual visto que possibilitam o surgimento de outras tendecircncias nas

produccedilotildees cinematograacuteficas contemporacircneas Para isso a revisatildeo teoacuterica perpassa pela

introduccedilatildeo sobre o tema do trabalho em que as temaacuteticas abordadas satildeo apresentadas bem

como o corpus escolhido para anaacutelise e os objetivos da pesquisa o primeiro capiacutetulo

discute teoricamente a linguagem e a esteacutetica audiovisual bem como as interfaces

existentes entre publicidade e cinema o segundo capiacutetulo aborda a fotografia na esteacutetica

audiovisual enfatizando os elementos expressivos fotograacuteficos ndash iluminaccedilatildeo cor

11

enquadramentos planos acircngulos e movimentos de cacircmera o terceiro capiacutetulo teoriza

sobre o cinema de autor e aborda o autor em questatildeo Fernando Meirelles o quarto

capiacutetulo elucida o processo metodoloacutegico aplicado no desenvolvimento do trabalho o

quinto capiacutetulo encarrega-se de demonstrar os exerciacutecios analiacuteticos empreendidos nos

frames do corpus e o sexto capiacutetulo preocupa-se com as consideraccedilotildees finais da pesquisa

12

1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual

Por poder ser captada simultaneamente pelo olho e pelo ouvido a linguagem

audiovisual permite o envolvimento completo do seu espectador diante da fusatildeo do som e

da imagem em movimento A fusatildeo entre aacuteudio e viacutedeo possibilita um paralelo entre o

racional e o sensorial de modo que a mesma consegue dizer muito mais do que

conseguimos captar pois chega simultaneamente por muito mais caminhos do que

conscientemente percebemos

O viacutedeo incluiacutedo em um meio de comunicaccedilatildeo de massa eacute utilizado como forma

de expressatildeo aleacutem de estruturar novas teacutecnicas tanto no processo de gravaccedilatildeo e de poacutes-

produccedilatildeo Tais teacutecnicas satildeo responsaacuteveis por todo o cruzamento de narrativas hoje

utilizadas pelo cinema e pela publicidade

O viacutedeo eacute um sistema hiacutebrido ele opera com coacutedigos significantes distintos

parte importados do cinema parte importados do teatro da literatura do raacutedio e

mais modernamente da computaccedilatildeo graacutefica aos quais acrescenta alguns

recursos expressivos especiacuteficos alguns modos de formar ideacuteias ou sensaccedilotildees

que lhe satildeo exclusivos (MACHADO 1997 p 190)

Dubois (2004 p77) define a estetizaccedilatildeo videograacutefica como ―uma linguagem (ou

uma esteacutetica) particular (mas de nenhum modo exclusiva) que pertence a loacutegicas

diferentes e potildee em jogo questotildees de ordem muito diversa que as do cinema O

surgimento do viacutedeo possibilitou novas tecnologias como por exemplo a televisatildeo

Diante disso o autor classifica dois modos principais de representaccedilatildeo em viacutedeo

O modo plaacutestico (a ―videoarte em suas formas e tendecircncias muacuteltiplas) e[] o

modo documentaacuterio (o real ndash bruto ou natildeo ndash em todas as suas estrateacutegias de

representaccedilatildeo) E sobretudo ndash eacute o que os une contra a transparecircncia - ambos

com um senso constante do ensaio da experimentaccedilatildeo da pesquisa da inovaccedilatildeo

(DUBOIS 2004 p77)

De acordo com Gutierrez (1992) dentro de noacutes acontece uma repercussatildeo em

imagens baacutesicas centrais simboacutelicas arquetiacutepicas com as quais nos identificamos ou que

se relacionam conosco de alguma forma consistindo na representaccedilatildeo de uma realidade

em movimento

A linguagem audiovisual responsaacutevel por tal representaccedilatildeo eacute constituiacuteda por

alguns elementos fundamentais (1) o plano - cada parte da fita que se apresenta ao

espectador como tendo sido filmada sem interrupccedilotildees (2) a cena - o conjunto de planos

cuja accedilatildeo eacute contiacutenua e decorre numa relativa unidade de tempo e espaccedilo constitui as cenas

13

e as sequumlecircncias (3) o enquadramento - a variaccedilatildeo da longitude da cacircmera agrave cena filmada

por meio de movimento (sem interrupccedilatildeo da filmagem) dentro do mesmo plano a

variaccedilatildeo do enquadramento e (4) a montagem ndash procedimento de organizaccedilatildeo do conjunto

de cenas sequumlecircncias e planos que formam a obra fiacutelmica

Tais elementos audiovisuais estatildeo presentes tanto nas produccedilotildees cinematograacuteficas

quanto nas produccedilotildees publicitaacuterias poreacutem o modo como satildeo utilizados eacute que as difere

Segundo Aumont (1995) inicialmente o cinema era desprovido de uma linguagem pois

apenas refletia o registro de um espetaacuteculo uma simples reproduccedilatildeo do real Entretanto

com o intuito de contar histoacuterias e veicular ideias o cinema precisou utilizar determinados

procedimentos expressivos os quais passaram a constituir sua linguagem

Assim sendo pode-se definir a linguagem cinematograacutefica como ―o conjunto das

mensagens cujo material de expressatildeo compotildee-se de cinco pistas ou canais a imagem

fotograacutefica em movimento os sons foneacuteticos gravados os ruiacutedos gravados o som musical

gravado e a escrita (creacuteditos intertiacutetulos materiais escritos no interior do plano) (STAM

2003 p132) A utilizaccedilatildeo em sinergia desse grande nuacutemero de elementos possibilita uma

maior variedade de abordagens nas produccedilotildees audiovisuais Por exemplo uma montagem

natildeo-linear com ritmo acelerado de troca de planos acircngulos e enquadramentos eacute a marca

das realizaccedilotildees videograacuteficas contemporacircneas

Para Balaacutezs apud Stam (1995) a linguagem cinematograacutefica pode ser definida a

partir de 4 princiacutepios

- no cinema existe uma distacircncia variaacutevel entre espectador e cena representada

daiacute uma dimensatildeo variaacutevel da cena que toma lugar no quadro e na composiccedilatildeo

da imagem

- a imagem total da cena eacute subdividida em uma seacuterie de planos de detalhes

(principio da decupagem)

- existe variaccedilatildeo de enquadramento (acircngulo de visatildeo perspectiva) dos planos de

detalhe no decorrer da mesma cena

- finalmente eacute a operaccedilatildeo da montagem que garante a inserccedilatildeo dos planos de

detalhes em uma sequumlecircncia ordenada na qual natildeo apenas cenas inteiras se

sucedem mas tambeacutem tomadas de detalhes mais miacutenimos de uma mesma cena

A cena em seu conjunto eacute resultado disso como se os elementos de um mosaico

temporal fossem justapostos no tempo (BALAacuteZS apud STAM 1995 p163-

164)

O cinema busca traduzir a realidade atraveacutes da representaccedilatildeo artiacutestica mediante o

uso de teacutecnicas pertencentes agrave linguagem audiovisual Stam (2003 p132) acrescenta que

se torna linguagem a partir do momento em que comunica ―um conjunto de mensagens

formuladas com base em um determinado material de expressatildeo um discurso ou praacutetica

significante caracterizado por codificaccedilotildees e procedimentos ordenatoacuterios especiacuteficos

14

Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma

―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute

empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte

Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees

de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos

seguintes problemas

1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como

arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi

muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e

comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin

Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma

caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a

cenicidade etc

2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais

estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o

movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista

(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem

(Eisenstein)

3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo

geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o

mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma

grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia

(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho

(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a

fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc

4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica

(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)

Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com

a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel

destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do

cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica

relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes

cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute

sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema

esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma

intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza

tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois

aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma

vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave

anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo

15

Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma

categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo

Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora

focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de

evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com

novas manifestaccedilotildees artiacutesticas

No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de

novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um

―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de

sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo

conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes

artiacutesticas

Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do

cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao

meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se

que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais

destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem

adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e

produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um

receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria

Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe

agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as

poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o

conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma

nova esteacutetica

Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche

cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos

constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica

do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este

Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento

de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica

contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade

movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar

16

A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-

se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma

consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social

A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou

clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe

(como utiliza o autor) para se firmar como arte

Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do

abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a

banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a

representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente

podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do

espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do

sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes

de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado

desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico

A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa

linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma

mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um

determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas

diferenciadas

A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico

em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo

de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada

de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que

acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea

(CARVALHO 2003)

Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos

videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo

audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o

surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no

comportamento dos sujeitos contemporacircneos

O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus

livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando

instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando

ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos

discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)

17

O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa

convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo

Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em

todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao

percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda

da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu

paacutera-brisa

Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte

do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos

que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao

realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva

fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo

Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de

ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este

estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem

diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto

Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as

concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea

Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria

colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das

tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as

anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de

encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo

sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito

humano (MERQUIOR 1975 p79)

Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base

da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente

O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves

dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo

virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que

transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no

cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as

representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-

imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente

como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma

imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores

pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)

18

Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero

abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que

atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um

recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes

tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do

homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com

a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se

reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos

11 Interfaces cinema e publicidade

Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em

momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja

consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem

interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com

seriados novelas e filmes sem sair de casa

Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de

outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que

―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas

por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo

Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo

para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De

acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que

possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo

somente com outros textos

Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em

outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou

contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute

conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem

disso classifica tambeacutem em

citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo

de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por

outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou

no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)

19

A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais

entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)

a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica

obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas

a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o

bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras

culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que

a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar

durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven

Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada

diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a

colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca

Absolut

b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer

uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente

substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute

facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero

cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a

alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de

mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos

mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain

(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma

obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve

devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute

que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no

cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do

automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de

amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona

avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo

ao argumento de liberdade explorado na obra francesa

c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas

de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no

20

plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de

personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de

estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo

intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e

ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns

filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se

aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um

bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que

se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme

Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)

No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um

caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual

produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de

referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas

produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus

―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles

1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e

tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a

superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai

surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento

utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14

Jun 2010

21

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual

A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou

grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico

inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph

Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem

foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de

petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar

chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida

Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos

fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta

decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com

iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem

guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma

imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam

no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio

Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo

conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de

horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu

processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a

patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste

processo

Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos

fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza

placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel

agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas

criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao

estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do

negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto

eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)

Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos

de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis

agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas

invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -

utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas

22

em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um

processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo

posterior de imagens positivas

A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com

a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por

George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente

evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco

automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da

imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito

pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia

A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a

digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo

da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a

produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O

aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras

de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme

e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital

Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da

fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de

congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato

com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos

instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na

invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente

pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos

sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento

Machado acrescenta que

O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a

partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere

natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na

sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas

populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a

pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)

No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto

basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o

23

intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma

em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido

um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de

uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a

―explicaccedilatildeo de um apresentador

Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir

de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de

pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias

adquiridas

Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual

Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema

Dubois (2004) assegura que

Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve

tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que

registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa

A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de

constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase

automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um

gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004

p38)

Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa

muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a

reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a

imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do

criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes

distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder

recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta

que tal uso

abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio

nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma

temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem

dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade

total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)

Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo

elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem

ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade

Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura

para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela

24

historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena

Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os

fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram

subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia

O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por

valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses

como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de

produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza

(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente

os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte

Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que

a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem

criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de

superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica

Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da

fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de

inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A

chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no

movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8

A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da

fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o

foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar

instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia

do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo

mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento

se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese

A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita

transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no

cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees

Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor

explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual

25

21 Iluminaccedilatildeo

De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se

ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas

aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo

para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir

noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da

iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo

como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico

num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que

A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do

projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como

ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma

conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o

escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou

Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios

Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser

produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em

outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do

filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da

histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)

As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e

a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um

lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e

desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno

ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura

afirma que

A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave

mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as

densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver

Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de

quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se

concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a

intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de

contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As

diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao

pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no

vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo

exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA

2001 p 20)

Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois

―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem

Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e

26

feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da

expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador

devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente

analisaacutevel

As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e

lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser

definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a

luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste

uniformidade cor e intensidade

Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de

sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual

Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que

A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas

percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar

o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas

similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia

luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou

brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)

A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir

sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes

claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz

suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a

outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho

percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma

aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz

direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)

Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos

de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a

fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta

22 Cor

Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco

Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas

pois aumenta a veracidade da imagem

27

Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

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AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

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anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

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DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

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GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

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MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

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guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

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PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

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SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

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SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

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STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

9

Este trabalho constroacutei-se no cenaacuterio de interfaces entre publicidade e cinema a

partir da anaacutelise da concepccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria na fotografia dos filmes de

Fernando Meirelles

Vale ressaltar que a fotografia eacute um elemento fundamental na construccedilatildeo da esteacutetica

audiovisual Eacute a partir de sua composiccedilatildeo que o estilo da obra eacute retratado na tela Sendo

assim eacute preciso escolher com cuidado cada um dos componentes fotograacuteficos a fim de se

obter o resultado expressivo desejado Para Martin (2003 p57) a iluminaccedilatildeo ―constitui

um fator decisivo para a criaccedilatildeo da expressividade da imagem Aleacutem disso eacute elemento de

criaccedilatildeo da ―atmosfera da cena A atmosfera cecircnica por sua vez eacute difiacutecil de analisar pois

estaacute atrelada agrave subjetividade ou seja agrave capacidade de percepccedilatildeo de cada espectador tendo

um papel impreciso Natildeo se pode esquecer da utilizaccedilatildeo das cores sejam elas quentes ou

frias conotando reaccedilotildees psicoloacutegicas nos espectadores bem como o contraste cromaacutetico e

luminoso eficaz na significaccedilatildeo de cada cena

De acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber cada vez mais a interferecircncia

da publicidade na atual produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este

papel de fonte de referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem

audiovisual nas produccedilotildees contemporacircneas e diante disso tem-se como objetivo

compreender como o diretor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na

fotografia de seus filmes Arquiteto por formaccedilatildeo Fernando Meirelles comeccedilou sua

carreira na aacuterea audiovisual realizando viacutedeos experimentais com um grupo de amigos

ainda durante a faculdade Posteriormente fundou a produtora independente Olhar

Eletrocircnico e nunca mais deixou de trabalhar como diretor tanto na publicidade quanto no

cinema No cinema dirigiu os filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O

Jardineiro Fiel (2005) e Ensaio sobre a Cegueira (2008) Esses filmes constituem o objeto

empiacuterico deste trabalho que para alcanccedilar seu objetivo geral busca (1) analisar as

interfaces existentes entre publicidade e cinema (2) estudar a fotografia enquanto

elemento da esteacutetica audiovisual e (3) verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando

Meirelles em seus filmes

Jaacute haacute algum tempo percebe-se um crescente nuacutemero de cineastas com vasta

experiecircncia no mercado publicitaacuterio profissionais que realizaram muitos trabalhos como

diretores de filmes publicitaacuterios e dela migraram para o cinema Possuem portanto uma

visatildeo abrangente da linguagem audiovisual o que possibilita diferentes abordagens

esteacuteticas tanto no cinema quanto na publicidade A existecircncia de profissionais oriundos de

outras aacutereas trabalhando nas produccedilotildees audiovisuais reflete na nova relaccedilatildeo estabelecida

10

entre a noccedilatildeo de arte ciecircncia e tecnologia Esses domiacutenios antes mais distantes agora se

veem envolvidos em processos de troca combinaccedilatildeo fusatildeo Sobre as novas tecnologias

Popper apud Parente (1993) diz que

Em todo caso e em grande parte graccedilas aos novos meacutetodos de transmissatildeo de

imagens e agrave difusatildeo massiva dos conhecimentos e informaccedilotildees entramos no

presente em uma era em que o pensamento teacutecnico e o pensamento simboacutelico se

encontram em que o impacto das novas tecnologias provoca uma mutaccedilatildeo

decisiva na esfera cultural (PARENTE 1993 p213)

Covaleski (2009) acrescenta que tanto a televisatildeo quanto o cinema satildeo os uacutenicos

meios audiovisuais que possibilitam a utilizaccedilatildeo na publicidade da maioria dos elementos

de persuasatildeo e de sentido unindo o som a imagem o movimento e o texto escrito Deste

modo a publicidade trabalha com narrativas sinteacuteticas que se adequam ao tempo reduzido

de 30 eou 45 segundos para vender a ideacuteia do produto que anuncia Em oposiccedilatildeo o

cinema possui em meacutedia cerca de 90 minutos suficientes para mostrar o enredo contar a

histoacuteria apresentar os personagens e desenrolar toda a narrativa

As relaccedilotildees entre cinema e publicidade televisual partem das caracteriacutesticas da

obra final que eacute gerada em cada um desses gecircneros de comunicaccedilatildeo No

cinema a obra cinematograacutefica a peliacutecula de curta meacutedia ou longa-metragem

na publicidade televisual o comercial o filme ou viacutedeo publicitaacuterio que

obedecem aos formatos impostos pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo Os propoacutesitos

para os quais as obras fiacutelmicas cinematograacuteficas ou publicitaacuterias satildeo geradas

visam a atender interesses e objetivos que vatildeo do comercial ao artiacutestico

(COVALESKI 2009 p93)

Portanto a poacutes-modernidade cultural a qual representa o surgimento de outras

dimensotildees esteacuteticas eacute a grande chave para esta anaacutelise cujo foco recai sobre o elemento

de linguagem fotograacutefica Isto eacute recai na fotografia e na sua capacidade de construir

sentidos acerca de um momento que nunca mais aconteceraacute e ao mesmo tempo congelaacute-

lo possibilitando a representaccedilatildeo desta realidade deste momento uacutenico

Assim tal pesquisa articula a abordagem de temas de grande importacircncia para a

comunicaccedilatildeo audiovisual visto que possibilitam o surgimento de outras tendecircncias nas

produccedilotildees cinematograacuteficas contemporacircneas Para isso a revisatildeo teoacuterica perpassa pela

introduccedilatildeo sobre o tema do trabalho em que as temaacuteticas abordadas satildeo apresentadas bem

como o corpus escolhido para anaacutelise e os objetivos da pesquisa o primeiro capiacutetulo

discute teoricamente a linguagem e a esteacutetica audiovisual bem como as interfaces

existentes entre publicidade e cinema o segundo capiacutetulo aborda a fotografia na esteacutetica

audiovisual enfatizando os elementos expressivos fotograacuteficos ndash iluminaccedilatildeo cor

11

enquadramentos planos acircngulos e movimentos de cacircmera o terceiro capiacutetulo teoriza

sobre o cinema de autor e aborda o autor em questatildeo Fernando Meirelles o quarto

capiacutetulo elucida o processo metodoloacutegico aplicado no desenvolvimento do trabalho o

quinto capiacutetulo encarrega-se de demonstrar os exerciacutecios analiacuteticos empreendidos nos

frames do corpus e o sexto capiacutetulo preocupa-se com as consideraccedilotildees finais da pesquisa

12

1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual

Por poder ser captada simultaneamente pelo olho e pelo ouvido a linguagem

audiovisual permite o envolvimento completo do seu espectador diante da fusatildeo do som e

da imagem em movimento A fusatildeo entre aacuteudio e viacutedeo possibilita um paralelo entre o

racional e o sensorial de modo que a mesma consegue dizer muito mais do que

conseguimos captar pois chega simultaneamente por muito mais caminhos do que

conscientemente percebemos

O viacutedeo incluiacutedo em um meio de comunicaccedilatildeo de massa eacute utilizado como forma

de expressatildeo aleacutem de estruturar novas teacutecnicas tanto no processo de gravaccedilatildeo e de poacutes-

produccedilatildeo Tais teacutecnicas satildeo responsaacuteveis por todo o cruzamento de narrativas hoje

utilizadas pelo cinema e pela publicidade

O viacutedeo eacute um sistema hiacutebrido ele opera com coacutedigos significantes distintos

parte importados do cinema parte importados do teatro da literatura do raacutedio e

mais modernamente da computaccedilatildeo graacutefica aos quais acrescenta alguns

recursos expressivos especiacuteficos alguns modos de formar ideacuteias ou sensaccedilotildees

que lhe satildeo exclusivos (MACHADO 1997 p 190)

Dubois (2004 p77) define a estetizaccedilatildeo videograacutefica como ―uma linguagem (ou

uma esteacutetica) particular (mas de nenhum modo exclusiva) que pertence a loacutegicas

diferentes e potildee em jogo questotildees de ordem muito diversa que as do cinema O

surgimento do viacutedeo possibilitou novas tecnologias como por exemplo a televisatildeo

Diante disso o autor classifica dois modos principais de representaccedilatildeo em viacutedeo

O modo plaacutestico (a ―videoarte em suas formas e tendecircncias muacuteltiplas) e[] o

modo documentaacuterio (o real ndash bruto ou natildeo ndash em todas as suas estrateacutegias de

representaccedilatildeo) E sobretudo ndash eacute o que os une contra a transparecircncia - ambos

com um senso constante do ensaio da experimentaccedilatildeo da pesquisa da inovaccedilatildeo

(DUBOIS 2004 p77)

De acordo com Gutierrez (1992) dentro de noacutes acontece uma repercussatildeo em

imagens baacutesicas centrais simboacutelicas arquetiacutepicas com as quais nos identificamos ou que

se relacionam conosco de alguma forma consistindo na representaccedilatildeo de uma realidade

em movimento

A linguagem audiovisual responsaacutevel por tal representaccedilatildeo eacute constituiacuteda por

alguns elementos fundamentais (1) o plano - cada parte da fita que se apresenta ao

espectador como tendo sido filmada sem interrupccedilotildees (2) a cena - o conjunto de planos

cuja accedilatildeo eacute contiacutenua e decorre numa relativa unidade de tempo e espaccedilo constitui as cenas

13

e as sequumlecircncias (3) o enquadramento - a variaccedilatildeo da longitude da cacircmera agrave cena filmada

por meio de movimento (sem interrupccedilatildeo da filmagem) dentro do mesmo plano a

variaccedilatildeo do enquadramento e (4) a montagem ndash procedimento de organizaccedilatildeo do conjunto

de cenas sequumlecircncias e planos que formam a obra fiacutelmica

Tais elementos audiovisuais estatildeo presentes tanto nas produccedilotildees cinematograacuteficas

quanto nas produccedilotildees publicitaacuterias poreacutem o modo como satildeo utilizados eacute que as difere

Segundo Aumont (1995) inicialmente o cinema era desprovido de uma linguagem pois

apenas refletia o registro de um espetaacuteculo uma simples reproduccedilatildeo do real Entretanto

com o intuito de contar histoacuterias e veicular ideias o cinema precisou utilizar determinados

procedimentos expressivos os quais passaram a constituir sua linguagem

Assim sendo pode-se definir a linguagem cinematograacutefica como ―o conjunto das

mensagens cujo material de expressatildeo compotildee-se de cinco pistas ou canais a imagem

fotograacutefica em movimento os sons foneacuteticos gravados os ruiacutedos gravados o som musical

gravado e a escrita (creacuteditos intertiacutetulos materiais escritos no interior do plano) (STAM

2003 p132) A utilizaccedilatildeo em sinergia desse grande nuacutemero de elementos possibilita uma

maior variedade de abordagens nas produccedilotildees audiovisuais Por exemplo uma montagem

natildeo-linear com ritmo acelerado de troca de planos acircngulos e enquadramentos eacute a marca

das realizaccedilotildees videograacuteficas contemporacircneas

Para Balaacutezs apud Stam (1995) a linguagem cinematograacutefica pode ser definida a

partir de 4 princiacutepios

- no cinema existe uma distacircncia variaacutevel entre espectador e cena representada

daiacute uma dimensatildeo variaacutevel da cena que toma lugar no quadro e na composiccedilatildeo

da imagem

- a imagem total da cena eacute subdividida em uma seacuterie de planos de detalhes

(principio da decupagem)

- existe variaccedilatildeo de enquadramento (acircngulo de visatildeo perspectiva) dos planos de

detalhe no decorrer da mesma cena

- finalmente eacute a operaccedilatildeo da montagem que garante a inserccedilatildeo dos planos de

detalhes em uma sequumlecircncia ordenada na qual natildeo apenas cenas inteiras se

sucedem mas tambeacutem tomadas de detalhes mais miacutenimos de uma mesma cena

A cena em seu conjunto eacute resultado disso como se os elementos de um mosaico

temporal fossem justapostos no tempo (BALAacuteZS apud STAM 1995 p163-

164)

O cinema busca traduzir a realidade atraveacutes da representaccedilatildeo artiacutestica mediante o

uso de teacutecnicas pertencentes agrave linguagem audiovisual Stam (2003 p132) acrescenta que

se torna linguagem a partir do momento em que comunica ―um conjunto de mensagens

formuladas com base em um determinado material de expressatildeo um discurso ou praacutetica

significante caracterizado por codificaccedilotildees e procedimentos ordenatoacuterios especiacuteficos

14

Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma

―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute

empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte

Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees

de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos

seguintes problemas

1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como

arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi

muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e

comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin

Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma

caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a

cenicidade etc

2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais

estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o

movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista

(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem

(Eisenstein)

3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo

geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o

mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma

grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia

(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho

(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a

fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc

4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica

(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)

Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com

a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel

destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do

cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica

relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes

cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute

sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema

esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma

intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza

tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois

aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma

vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave

anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo

15

Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma

categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo

Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora

focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de

evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com

novas manifestaccedilotildees artiacutesticas

No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de

novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um

―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de

sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo

conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes

artiacutesticas

Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do

cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao

meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se

que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais

destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem

adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e

produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um

receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria

Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe

agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as

poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o

conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma

nova esteacutetica

Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche

cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos

constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica

do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este

Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento

de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica

contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade

movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar

16

A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-

se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma

consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social

A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou

clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe

(como utiliza o autor) para se firmar como arte

Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do

abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a

banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a

representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente

podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do

espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do

sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes

de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado

desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico

A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa

linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma

mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um

determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas

diferenciadas

A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico

em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo

de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada

de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que

acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea

(CARVALHO 2003)

Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos

videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo

audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o

surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no

comportamento dos sujeitos contemporacircneos

O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus

livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando

instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando

ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos

discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)

17

O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa

convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo

Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em

todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao

percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda

da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu

paacutera-brisa

Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte

do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos

que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao

realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva

fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo

Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de

ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este

estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem

diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto

Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as

concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea

Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria

colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das

tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as

anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de

encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo

sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito

humano (MERQUIOR 1975 p79)

Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base

da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente

O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves

dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo

virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que

transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no

cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as

representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-

imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente

como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma

imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores

pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)

18

Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero

abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que

atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um

recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes

tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do

homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com

a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se

reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos

11 Interfaces cinema e publicidade

Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em

momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja

consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem

interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com

seriados novelas e filmes sem sair de casa

Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de

outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que

―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas

por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo

Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo

para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De

acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que

possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo

somente com outros textos

Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em

outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou

contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute

conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem

disso classifica tambeacutem em

citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo

de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por

outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou

no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)

19

A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais

entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)

a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica

obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas

a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o

bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras

culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que

a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar

durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven

Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada

diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a

colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca

Absolut

b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer

uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente

substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute

facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero

cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a

alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de

mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos

mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain

(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma

obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve

devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute

que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no

cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do

automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de

amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona

avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo

ao argumento de liberdade explorado na obra francesa

c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas

de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no

20

plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de

personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de

estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo

intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e

ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns

filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se

aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um

bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que

se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme

Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)

No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um

caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual

produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de

referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas

produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus

―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles

1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e

tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a

superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai

surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento

utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14

Jun 2010

21

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual

A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou

grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico

inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph

Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem

foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de

petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar

chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida

Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos

fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta

decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com

iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem

guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma

imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam

no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio

Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo

conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de

horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu

processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a

patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste

processo

Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos

fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza

placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel

agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas

criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao

estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do

negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto

eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)

Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos

de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis

agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas

invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -

utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas

22

em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um

processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo

posterior de imagens positivas

A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com

a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por

George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente

evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco

automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da

imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito

pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia

A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a

digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo

da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a

produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O

aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras

de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme

e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital

Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da

fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de

congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato

com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos

instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na

invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente

pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos

sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento

Machado acrescenta que

O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a

partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere

natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na

sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas

populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a

pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)

No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto

basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o

23

intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma

em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido

um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de

uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a

―explicaccedilatildeo de um apresentador

Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir

de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de

pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias

adquiridas

Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual

Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema

Dubois (2004) assegura que

Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve

tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que

registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa

A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de

constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase

automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um

gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004

p38)

Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa

muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a

reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a

imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do

criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes

distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder

recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta

que tal uso

abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio

nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma

temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem

dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade

total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)

Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo

elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem

ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade

Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura

para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela

24

historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena

Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os

fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram

subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia

O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por

valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses

como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de

produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza

(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente

os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte

Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que

a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem

criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de

superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica

Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da

fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de

inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A

chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no

movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8

A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da

fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o

foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar

instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia

do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo

mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento

se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese

A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita

transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no

cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees

Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor

explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual

25

21 Iluminaccedilatildeo

De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se

ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas

aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo

para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir

noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da

iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo

como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico

num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que

A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do

projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como

ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma

conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o

escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou

Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios

Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser

produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em

outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do

filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da

histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)

As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e

a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um

lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e

desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno

ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura

afirma que

A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave

mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as

densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver

Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de

quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se

concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a

intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de

contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As

diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao

pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no

vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo

exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA

2001 p 20)

Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois

―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem

Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e

26

feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da

expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador

devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente

analisaacutevel

As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e

lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser

definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a

luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste

uniformidade cor e intensidade

Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de

sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual

Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que

A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas

percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar

o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas

similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia

luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou

brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)

A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir

sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes

claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz

suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a

outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho

percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma

aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz

direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)

Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos

de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a

fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta

22 Cor

Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco

Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas

pois aumenta a veracidade da imagem

27

Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

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AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

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CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

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Paulo Cosac Naify 2004

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GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

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MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

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PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

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SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

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SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

10

entre a noccedilatildeo de arte ciecircncia e tecnologia Esses domiacutenios antes mais distantes agora se

veem envolvidos em processos de troca combinaccedilatildeo fusatildeo Sobre as novas tecnologias

Popper apud Parente (1993) diz que

Em todo caso e em grande parte graccedilas aos novos meacutetodos de transmissatildeo de

imagens e agrave difusatildeo massiva dos conhecimentos e informaccedilotildees entramos no

presente em uma era em que o pensamento teacutecnico e o pensamento simboacutelico se

encontram em que o impacto das novas tecnologias provoca uma mutaccedilatildeo

decisiva na esfera cultural (PARENTE 1993 p213)

Covaleski (2009) acrescenta que tanto a televisatildeo quanto o cinema satildeo os uacutenicos

meios audiovisuais que possibilitam a utilizaccedilatildeo na publicidade da maioria dos elementos

de persuasatildeo e de sentido unindo o som a imagem o movimento e o texto escrito Deste

modo a publicidade trabalha com narrativas sinteacuteticas que se adequam ao tempo reduzido

de 30 eou 45 segundos para vender a ideacuteia do produto que anuncia Em oposiccedilatildeo o

cinema possui em meacutedia cerca de 90 minutos suficientes para mostrar o enredo contar a

histoacuteria apresentar os personagens e desenrolar toda a narrativa

As relaccedilotildees entre cinema e publicidade televisual partem das caracteriacutesticas da

obra final que eacute gerada em cada um desses gecircneros de comunicaccedilatildeo No

cinema a obra cinematograacutefica a peliacutecula de curta meacutedia ou longa-metragem

na publicidade televisual o comercial o filme ou viacutedeo publicitaacuterio que

obedecem aos formatos impostos pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo Os propoacutesitos

para os quais as obras fiacutelmicas cinematograacuteficas ou publicitaacuterias satildeo geradas

visam a atender interesses e objetivos que vatildeo do comercial ao artiacutestico

(COVALESKI 2009 p93)

Portanto a poacutes-modernidade cultural a qual representa o surgimento de outras

dimensotildees esteacuteticas eacute a grande chave para esta anaacutelise cujo foco recai sobre o elemento

de linguagem fotograacutefica Isto eacute recai na fotografia e na sua capacidade de construir

sentidos acerca de um momento que nunca mais aconteceraacute e ao mesmo tempo congelaacute-

lo possibilitando a representaccedilatildeo desta realidade deste momento uacutenico

Assim tal pesquisa articula a abordagem de temas de grande importacircncia para a

comunicaccedilatildeo audiovisual visto que possibilitam o surgimento de outras tendecircncias nas

produccedilotildees cinematograacuteficas contemporacircneas Para isso a revisatildeo teoacuterica perpassa pela

introduccedilatildeo sobre o tema do trabalho em que as temaacuteticas abordadas satildeo apresentadas bem

como o corpus escolhido para anaacutelise e os objetivos da pesquisa o primeiro capiacutetulo

discute teoricamente a linguagem e a esteacutetica audiovisual bem como as interfaces

existentes entre publicidade e cinema o segundo capiacutetulo aborda a fotografia na esteacutetica

audiovisual enfatizando os elementos expressivos fotograacuteficos ndash iluminaccedilatildeo cor

11

enquadramentos planos acircngulos e movimentos de cacircmera o terceiro capiacutetulo teoriza

sobre o cinema de autor e aborda o autor em questatildeo Fernando Meirelles o quarto

capiacutetulo elucida o processo metodoloacutegico aplicado no desenvolvimento do trabalho o

quinto capiacutetulo encarrega-se de demonstrar os exerciacutecios analiacuteticos empreendidos nos

frames do corpus e o sexto capiacutetulo preocupa-se com as consideraccedilotildees finais da pesquisa

12

1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual

Por poder ser captada simultaneamente pelo olho e pelo ouvido a linguagem

audiovisual permite o envolvimento completo do seu espectador diante da fusatildeo do som e

da imagem em movimento A fusatildeo entre aacuteudio e viacutedeo possibilita um paralelo entre o

racional e o sensorial de modo que a mesma consegue dizer muito mais do que

conseguimos captar pois chega simultaneamente por muito mais caminhos do que

conscientemente percebemos

O viacutedeo incluiacutedo em um meio de comunicaccedilatildeo de massa eacute utilizado como forma

de expressatildeo aleacutem de estruturar novas teacutecnicas tanto no processo de gravaccedilatildeo e de poacutes-

produccedilatildeo Tais teacutecnicas satildeo responsaacuteveis por todo o cruzamento de narrativas hoje

utilizadas pelo cinema e pela publicidade

O viacutedeo eacute um sistema hiacutebrido ele opera com coacutedigos significantes distintos

parte importados do cinema parte importados do teatro da literatura do raacutedio e

mais modernamente da computaccedilatildeo graacutefica aos quais acrescenta alguns

recursos expressivos especiacuteficos alguns modos de formar ideacuteias ou sensaccedilotildees

que lhe satildeo exclusivos (MACHADO 1997 p 190)

Dubois (2004 p77) define a estetizaccedilatildeo videograacutefica como ―uma linguagem (ou

uma esteacutetica) particular (mas de nenhum modo exclusiva) que pertence a loacutegicas

diferentes e potildee em jogo questotildees de ordem muito diversa que as do cinema O

surgimento do viacutedeo possibilitou novas tecnologias como por exemplo a televisatildeo

Diante disso o autor classifica dois modos principais de representaccedilatildeo em viacutedeo

O modo plaacutestico (a ―videoarte em suas formas e tendecircncias muacuteltiplas) e[] o

modo documentaacuterio (o real ndash bruto ou natildeo ndash em todas as suas estrateacutegias de

representaccedilatildeo) E sobretudo ndash eacute o que os une contra a transparecircncia - ambos

com um senso constante do ensaio da experimentaccedilatildeo da pesquisa da inovaccedilatildeo

(DUBOIS 2004 p77)

De acordo com Gutierrez (1992) dentro de noacutes acontece uma repercussatildeo em

imagens baacutesicas centrais simboacutelicas arquetiacutepicas com as quais nos identificamos ou que

se relacionam conosco de alguma forma consistindo na representaccedilatildeo de uma realidade

em movimento

A linguagem audiovisual responsaacutevel por tal representaccedilatildeo eacute constituiacuteda por

alguns elementos fundamentais (1) o plano - cada parte da fita que se apresenta ao

espectador como tendo sido filmada sem interrupccedilotildees (2) a cena - o conjunto de planos

cuja accedilatildeo eacute contiacutenua e decorre numa relativa unidade de tempo e espaccedilo constitui as cenas

13

e as sequumlecircncias (3) o enquadramento - a variaccedilatildeo da longitude da cacircmera agrave cena filmada

por meio de movimento (sem interrupccedilatildeo da filmagem) dentro do mesmo plano a

variaccedilatildeo do enquadramento e (4) a montagem ndash procedimento de organizaccedilatildeo do conjunto

de cenas sequumlecircncias e planos que formam a obra fiacutelmica

Tais elementos audiovisuais estatildeo presentes tanto nas produccedilotildees cinematograacuteficas

quanto nas produccedilotildees publicitaacuterias poreacutem o modo como satildeo utilizados eacute que as difere

Segundo Aumont (1995) inicialmente o cinema era desprovido de uma linguagem pois

apenas refletia o registro de um espetaacuteculo uma simples reproduccedilatildeo do real Entretanto

com o intuito de contar histoacuterias e veicular ideias o cinema precisou utilizar determinados

procedimentos expressivos os quais passaram a constituir sua linguagem

Assim sendo pode-se definir a linguagem cinematograacutefica como ―o conjunto das

mensagens cujo material de expressatildeo compotildee-se de cinco pistas ou canais a imagem

fotograacutefica em movimento os sons foneacuteticos gravados os ruiacutedos gravados o som musical

gravado e a escrita (creacuteditos intertiacutetulos materiais escritos no interior do plano) (STAM

2003 p132) A utilizaccedilatildeo em sinergia desse grande nuacutemero de elementos possibilita uma

maior variedade de abordagens nas produccedilotildees audiovisuais Por exemplo uma montagem

natildeo-linear com ritmo acelerado de troca de planos acircngulos e enquadramentos eacute a marca

das realizaccedilotildees videograacuteficas contemporacircneas

Para Balaacutezs apud Stam (1995) a linguagem cinematograacutefica pode ser definida a

partir de 4 princiacutepios

- no cinema existe uma distacircncia variaacutevel entre espectador e cena representada

daiacute uma dimensatildeo variaacutevel da cena que toma lugar no quadro e na composiccedilatildeo

da imagem

- a imagem total da cena eacute subdividida em uma seacuterie de planos de detalhes

(principio da decupagem)

- existe variaccedilatildeo de enquadramento (acircngulo de visatildeo perspectiva) dos planos de

detalhe no decorrer da mesma cena

- finalmente eacute a operaccedilatildeo da montagem que garante a inserccedilatildeo dos planos de

detalhes em uma sequumlecircncia ordenada na qual natildeo apenas cenas inteiras se

sucedem mas tambeacutem tomadas de detalhes mais miacutenimos de uma mesma cena

A cena em seu conjunto eacute resultado disso como se os elementos de um mosaico

temporal fossem justapostos no tempo (BALAacuteZS apud STAM 1995 p163-

164)

O cinema busca traduzir a realidade atraveacutes da representaccedilatildeo artiacutestica mediante o

uso de teacutecnicas pertencentes agrave linguagem audiovisual Stam (2003 p132) acrescenta que

se torna linguagem a partir do momento em que comunica ―um conjunto de mensagens

formuladas com base em um determinado material de expressatildeo um discurso ou praacutetica

significante caracterizado por codificaccedilotildees e procedimentos ordenatoacuterios especiacuteficos

14

Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma

―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute

empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte

Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees

de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos

seguintes problemas

1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como

arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi

muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e

comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin

Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma

caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a

cenicidade etc

2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais

estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o

movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista

(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem

(Eisenstein)

3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo

geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o

mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma

grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia

(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho

(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a

fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc

4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica

(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)

Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com

a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel

destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do

cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica

relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes

cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute

sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema

esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma

intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza

tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois

aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma

vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave

anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo

15

Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma

categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo

Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora

focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de

evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com

novas manifestaccedilotildees artiacutesticas

No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de

novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um

―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de

sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo

conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes

artiacutesticas

Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do

cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao

meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se

que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais

destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem

adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e

produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um

receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria

Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe

agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as

poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o

conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma

nova esteacutetica

Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche

cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos

constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica

do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este

Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento

de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica

contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade

movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar

16

A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-

se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma

consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social

A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou

clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe

(como utiliza o autor) para se firmar como arte

Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do

abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a

banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a

representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente

podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do

espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do

sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes

de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado

desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico

A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa

linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma

mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um

determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas

diferenciadas

A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico

em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo

de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada

de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que

acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea

(CARVALHO 2003)

Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos

videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo

audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o

surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no

comportamento dos sujeitos contemporacircneos

O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus

livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando

instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando

ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos

discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)

17

O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa

convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo

Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em

todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao

percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda

da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu

paacutera-brisa

Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte

do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos

que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao

realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva

fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo

Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de

ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este

estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem

diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto

Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as

concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea

Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria

colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das

tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as

anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de

encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo

sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito

humano (MERQUIOR 1975 p79)

Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base

da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente

O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves

dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo

virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que

transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no

cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as

representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-

imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente

como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma

imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores

pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)

18

Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero

abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que

atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um

recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes

tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do

homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com

a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se

reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos

11 Interfaces cinema e publicidade

Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em

momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja

consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem

interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com

seriados novelas e filmes sem sair de casa

Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de

outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que

―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas

por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo

Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo

para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De

acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que

possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo

somente com outros textos

Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em

outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou

contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute

conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem

disso classifica tambeacutem em

citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo

de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por

outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou

no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)

19

A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais

entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)

a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica

obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas

a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o

bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras

culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que

a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar

durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven

Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada

diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a

colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca

Absolut

b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer

uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente

substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute

facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero

cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a

alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de

mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos

mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain

(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma

obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve

devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute

que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no

cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do

automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de

amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona

avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo

ao argumento de liberdade explorado na obra francesa

c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas

de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no

20

plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de

personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de

estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo

intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e

ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns

filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se

aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um

bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que

se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme

Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)

No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um

caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual

produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de

referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas

produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus

―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles

1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e

tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a

superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai

surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento

utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14

Jun 2010

21

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual

A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou

grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico

inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph

Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem

foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de

petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar

chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida

Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos

fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta

decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com

iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem

guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma

imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam

no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio

Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo

conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de

horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu

processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a

patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste

processo

Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos

fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza

placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel

agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas

criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao

estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do

negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto

eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)

Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos

de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis

agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas

invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -

utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas

22

em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um

processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo

posterior de imagens positivas

A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com

a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por

George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente

evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco

automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da

imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito

pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia

A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a

digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo

da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a

produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O

aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras

de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme

e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital

Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da

fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de

congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato

com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos

instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na

invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente

pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos

sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento

Machado acrescenta que

O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a

partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere

natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na

sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas

populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a

pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)

No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto

basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o

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intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma

em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido

um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de

uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a

―explicaccedilatildeo de um apresentador

Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir

de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de

pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias

adquiridas

Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual

Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema

Dubois (2004) assegura que

Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve

tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que

registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa

A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de

constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase

automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um

gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004

p38)

Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa

muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a

reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a

imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do

criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes

distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder

recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta

que tal uso

abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio

nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma

temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem

dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade

total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)

Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo

elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem

ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade

Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura

para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela

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historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena

Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os

fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram

subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia

O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por

valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses

como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de

produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza

(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente

os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte

Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que

a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem

criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de

superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica

Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da

fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de

inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A

chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no

movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8

A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da

fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o

foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar

instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia

do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo

mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento

se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese

A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita

transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no

cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees

Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor

explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual

25

21 Iluminaccedilatildeo

De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se

ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas

aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo

para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir

noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da

iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo

como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico

num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que

A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do

projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como

ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma

conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o

escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou

Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios

Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser

produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em

outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do

filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da

histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)

As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e

a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um

lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e

desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno

ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura

afirma que

A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave

mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as

densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver

Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de

quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se

concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a

intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de

contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As

diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao

pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no

vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo

exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA

2001 p 20)

Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois

―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem

Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e

26

feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da

expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador

devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente

analisaacutevel

As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e

lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser

definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a

luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste

uniformidade cor e intensidade

Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de

sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual

Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que

A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas

percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar

o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas

similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia

luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou

brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)

A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir

sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes

claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz

suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a

outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho

percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma

aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz

direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)

Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos

de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a

fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta

22 Cor

Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco

Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas

pois aumenta a veracidade da imagem

27

Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

Campinas Papirus 1995

AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

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CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt

Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

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DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

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GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

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2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

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SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

11

enquadramentos planos acircngulos e movimentos de cacircmera o terceiro capiacutetulo teoriza

sobre o cinema de autor e aborda o autor em questatildeo Fernando Meirelles o quarto

capiacutetulo elucida o processo metodoloacutegico aplicado no desenvolvimento do trabalho o

quinto capiacutetulo encarrega-se de demonstrar os exerciacutecios analiacuteticos empreendidos nos

frames do corpus e o sexto capiacutetulo preocupa-se com as consideraccedilotildees finais da pesquisa

12

1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual

Por poder ser captada simultaneamente pelo olho e pelo ouvido a linguagem

audiovisual permite o envolvimento completo do seu espectador diante da fusatildeo do som e

da imagem em movimento A fusatildeo entre aacuteudio e viacutedeo possibilita um paralelo entre o

racional e o sensorial de modo que a mesma consegue dizer muito mais do que

conseguimos captar pois chega simultaneamente por muito mais caminhos do que

conscientemente percebemos

O viacutedeo incluiacutedo em um meio de comunicaccedilatildeo de massa eacute utilizado como forma

de expressatildeo aleacutem de estruturar novas teacutecnicas tanto no processo de gravaccedilatildeo e de poacutes-

produccedilatildeo Tais teacutecnicas satildeo responsaacuteveis por todo o cruzamento de narrativas hoje

utilizadas pelo cinema e pela publicidade

O viacutedeo eacute um sistema hiacutebrido ele opera com coacutedigos significantes distintos

parte importados do cinema parte importados do teatro da literatura do raacutedio e

mais modernamente da computaccedilatildeo graacutefica aos quais acrescenta alguns

recursos expressivos especiacuteficos alguns modos de formar ideacuteias ou sensaccedilotildees

que lhe satildeo exclusivos (MACHADO 1997 p 190)

Dubois (2004 p77) define a estetizaccedilatildeo videograacutefica como ―uma linguagem (ou

uma esteacutetica) particular (mas de nenhum modo exclusiva) que pertence a loacutegicas

diferentes e potildee em jogo questotildees de ordem muito diversa que as do cinema O

surgimento do viacutedeo possibilitou novas tecnologias como por exemplo a televisatildeo

Diante disso o autor classifica dois modos principais de representaccedilatildeo em viacutedeo

O modo plaacutestico (a ―videoarte em suas formas e tendecircncias muacuteltiplas) e[] o

modo documentaacuterio (o real ndash bruto ou natildeo ndash em todas as suas estrateacutegias de

representaccedilatildeo) E sobretudo ndash eacute o que os une contra a transparecircncia - ambos

com um senso constante do ensaio da experimentaccedilatildeo da pesquisa da inovaccedilatildeo

(DUBOIS 2004 p77)

De acordo com Gutierrez (1992) dentro de noacutes acontece uma repercussatildeo em

imagens baacutesicas centrais simboacutelicas arquetiacutepicas com as quais nos identificamos ou que

se relacionam conosco de alguma forma consistindo na representaccedilatildeo de uma realidade

em movimento

A linguagem audiovisual responsaacutevel por tal representaccedilatildeo eacute constituiacuteda por

alguns elementos fundamentais (1) o plano - cada parte da fita que se apresenta ao

espectador como tendo sido filmada sem interrupccedilotildees (2) a cena - o conjunto de planos

cuja accedilatildeo eacute contiacutenua e decorre numa relativa unidade de tempo e espaccedilo constitui as cenas

13

e as sequumlecircncias (3) o enquadramento - a variaccedilatildeo da longitude da cacircmera agrave cena filmada

por meio de movimento (sem interrupccedilatildeo da filmagem) dentro do mesmo plano a

variaccedilatildeo do enquadramento e (4) a montagem ndash procedimento de organizaccedilatildeo do conjunto

de cenas sequumlecircncias e planos que formam a obra fiacutelmica

Tais elementos audiovisuais estatildeo presentes tanto nas produccedilotildees cinematograacuteficas

quanto nas produccedilotildees publicitaacuterias poreacutem o modo como satildeo utilizados eacute que as difere

Segundo Aumont (1995) inicialmente o cinema era desprovido de uma linguagem pois

apenas refletia o registro de um espetaacuteculo uma simples reproduccedilatildeo do real Entretanto

com o intuito de contar histoacuterias e veicular ideias o cinema precisou utilizar determinados

procedimentos expressivos os quais passaram a constituir sua linguagem

Assim sendo pode-se definir a linguagem cinematograacutefica como ―o conjunto das

mensagens cujo material de expressatildeo compotildee-se de cinco pistas ou canais a imagem

fotograacutefica em movimento os sons foneacuteticos gravados os ruiacutedos gravados o som musical

gravado e a escrita (creacuteditos intertiacutetulos materiais escritos no interior do plano) (STAM

2003 p132) A utilizaccedilatildeo em sinergia desse grande nuacutemero de elementos possibilita uma

maior variedade de abordagens nas produccedilotildees audiovisuais Por exemplo uma montagem

natildeo-linear com ritmo acelerado de troca de planos acircngulos e enquadramentos eacute a marca

das realizaccedilotildees videograacuteficas contemporacircneas

Para Balaacutezs apud Stam (1995) a linguagem cinematograacutefica pode ser definida a

partir de 4 princiacutepios

- no cinema existe uma distacircncia variaacutevel entre espectador e cena representada

daiacute uma dimensatildeo variaacutevel da cena que toma lugar no quadro e na composiccedilatildeo

da imagem

- a imagem total da cena eacute subdividida em uma seacuterie de planos de detalhes

(principio da decupagem)

- existe variaccedilatildeo de enquadramento (acircngulo de visatildeo perspectiva) dos planos de

detalhe no decorrer da mesma cena

- finalmente eacute a operaccedilatildeo da montagem que garante a inserccedilatildeo dos planos de

detalhes em uma sequumlecircncia ordenada na qual natildeo apenas cenas inteiras se

sucedem mas tambeacutem tomadas de detalhes mais miacutenimos de uma mesma cena

A cena em seu conjunto eacute resultado disso como se os elementos de um mosaico

temporal fossem justapostos no tempo (BALAacuteZS apud STAM 1995 p163-

164)

O cinema busca traduzir a realidade atraveacutes da representaccedilatildeo artiacutestica mediante o

uso de teacutecnicas pertencentes agrave linguagem audiovisual Stam (2003 p132) acrescenta que

se torna linguagem a partir do momento em que comunica ―um conjunto de mensagens

formuladas com base em um determinado material de expressatildeo um discurso ou praacutetica

significante caracterizado por codificaccedilotildees e procedimentos ordenatoacuterios especiacuteficos

14

Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma

―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute

empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte

Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees

de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos

seguintes problemas

1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como

arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi

muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e

comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin

Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma

caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a

cenicidade etc

2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais

estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o

movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista

(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem

(Eisenstein)

3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo

geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o

mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma

grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia

(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho

(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a

fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc

4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica

(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)

Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com

a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel

destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do

cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica

relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes

cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute

sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema

esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma

intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza

tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois

aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma

vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave

anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo

15

Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma

categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo

Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora

focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de

evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com

novas manifestaccedilotildees artiacutesticas

No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de

novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um

―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de

sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo

conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes

artiacutesticas

Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do

cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao

meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se

que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais

destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem

adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e

produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um

receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria

Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe

agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as

poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o

conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma

nova esteacutetica

Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche

cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos

constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica

do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este

Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento

de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica

contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade

movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar

16

A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-

se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma

consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social

A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou

clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe

(como utiliza o autor) para se firmar como arte

Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do

abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a

banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a

representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente

podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do

espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do

sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes

de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado

desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico

A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa

linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma

mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um

determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas

diferenciadas

A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico

em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo

de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada

de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que

acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea

(CARVALHO 2003)

Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos

videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo

audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o

surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no

comportamento dos sujeitos contemporacircneos

O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus

livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando

instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando

ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos

discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)

17

O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa

convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo

Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em

todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao

percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda

da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu

paacutera-brisa

Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte

do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos

que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao

realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva

fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo

Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de

ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este

estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem

diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto

Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as

concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea

Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria

colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das

tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as

anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de

encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo

sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito

humano (MERQUIOR 1975 p79)

Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base

da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente

O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves

dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo

virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que

transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no

cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as

representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-

imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente

como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma

imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores

pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)

18

Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero

abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que

atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um

recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes

tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do

homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com

a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se

reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos

11 Interfaces cinema e publicidade

Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em

momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja

consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem

interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com

seriados novelas e filmes sem sair de casa

Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de

outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que

―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas

por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo

Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo

para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De

acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que

possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo

somente com outros textos

Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em

outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou

contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute

conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem

disso classifica tambeacutem em

citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo

de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por

outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou

no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)

19

A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais

entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)

a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica

obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas

a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o

bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras

culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que

a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar

durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven

Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada

diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a

colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca

Absolut

b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer

uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente

substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute

facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero

cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a

alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de

mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos

mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain

(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma

obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve

devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute

que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no

cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do

automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de

amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona

avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo

ao argumento de liberdade explorado na obra francesa

c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas

de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no

20

plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de

personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de

estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo

intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e

ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns

filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se

aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um

bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que

se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme

Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)

No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um

caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual

produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de

referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas

produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus

―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles

1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e

tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a

superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai

surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento

utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14

Jun 2010

21

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual

A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou

grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico

inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph

Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem

foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de

petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar

chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida

Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos

fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta

decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com

iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem

guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma

imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam

no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio

Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo

conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de

horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu

processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a

patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste

processo

Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos

fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza

placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel

agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas

criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao

estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do

negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto

eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)

Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos

de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis

agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas

invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -

utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas

22

em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um

processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo

posterior de imagens positivas

A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com

a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por

George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente

evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco

automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da

imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito

pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia

A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a

digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo

da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a

produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O

aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras

de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme

e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital

Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da

fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de

congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato

com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos

instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na

invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente

pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos

sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento

Machado acrescenta que

O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a

partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere

natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na

sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas

populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a

pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)

No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto

basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o

23

intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma

em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido

um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de

uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a

―explicaccedilatildeo de um apresentador

Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir

de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de

pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias

adquiridas

Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual

Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema

Dubois (2004) assegura que

Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve

tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que

registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa

A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de

constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase

automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um

gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004

p38)

Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa

muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a

reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a

imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do

criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes

distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder

recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta

que tal uso

abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio

nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma

temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem

dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade

total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)

Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo

elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem

ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade

Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura

para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela

24

historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena

Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os

fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram

subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia

O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por

valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses

como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de

produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza

(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente

os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte

Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que

a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem

criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de

superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica

Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da

fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de

inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A

chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no

movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8

A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da

fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o

foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar

instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia

do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo

mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento

se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese

A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita

transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no

cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees

Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor

explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual

25

21 Iluminaccedilatildeo

De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se

ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas

aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo

para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir

noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da

iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo

como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico

num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que

A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do

projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como

ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma

conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o

escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou

Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios

Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser

produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em

outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do

filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da

histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)

As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e

a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um

lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e

desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno

ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura

afirma que

A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave

mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as

densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver

Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de

quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se

concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a

intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de

contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As

diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao

pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no

vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo

exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA

2001 p 20)

Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois

―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem

Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e

26

feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da

expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador

devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente

analisaacutevel

As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e

lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser

definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a

luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste

uniformidade cor e intensidade

Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de

sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual

Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que

A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas

percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar

o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas

similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia

luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou

brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)

A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir

sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes

claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz

suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a

outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho

percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma

aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz

direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)

Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos

de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a

fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta

22 Cor

Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco

Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas

pois aumenta a veracidade da imagem

27

Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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Paulo Cosac Naify 2004

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Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

12

1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual

Por poder ser captada simultaneamente pelo olho e pelo ouvido a linguagem

audiovisual permite o envolvimento completo do seu espectador diante da fusatildeo do som e

da imagem em movimento A fusatildeo entre aacuteudio e viacutedeo possibilita um paralelo entre o

racional e o sensorial de modo que a mesma consegue dizer muito mais do que

conseguimos captar pois chega simultaneamente por muito mais caminhos do que

conscientemente percebemos

O viacutedeo incluiacutedo em um meio de comunicaccedilatildeo de massa eacute utilizado como forma

de expressatildeo aleacutem de estruturar novas teacutecnicas tanto no processo de gravaccedilatildeo e de poacutes-

produccedilatildeo Tais teacutecnicas satildeo responsaacuteveis por todo o cruzamento de narrativas hoje

utilizadas pelo cinema e pela publicidade

O viacutedeo eacute um sistema hiacutebrido ele opera com coacutedigos significantes distintos

parte importados do cinema parte importados do teatro da literatura do raacutedio e

mais modernamente da computaccedilatildeo graacutefica aos quais acrescenta alguns

recursos expressivos especiacuteficos alguns modos de formar ideacuteias ou sensaccedilotildees

que lhe satildeo exclusivos (MACHADO 1997 p 190)

Dubois (2004 p77) define a estetizaccedilatildeo videograacutefica como ―uma linguagem (ou

uma esteacutetica) particular (mas de nenhum modo exclusiva) que pertence a loacutegicas

diferentes e potildee em jogo questotildees de ordem muito diversa que as do cinema O

surgimento do viacutedeo possibilitou novas tecnologias como por exemplo a televisatildeo

Diante disso o autor classifica dois modos principais de representaccedilatildeo em viacutedeo

O modo plaacutestico (a ―videoarte em suas formas e tendecircncias muacuteltiplas) e[] o

modo documentaacuterio (o real ndash bruto ou natildeo ndash em todas as suas estrateacutegias de

representaccedilatildeo) E sobretudo ndash eacute o que os une contra a transparecircncia - ambos

com um senso constante do ensaio da experimentaccedilatildeo da pesquisa da inovaccedilatildeo

(DUBOIS 2004 p77)

De acordo com Gutierrez (1992) dentro de noacutes acontece uma repercussatildeo em

imagens baacutesicas centrais simboacutelicas arquetiacutepicas com as quais nos identificamos ou que

se relacionam conosco de alguma forma consistindo na representaccedilatildeo de uma realidade

em movimento

A linguagem audiovisual responsaacutevel por tal representaccedilatildeo eacute constituiacuteda por

alguns elementos fundamentais (1) o plano - cada parte da fita que se apresenta ao

espectador como tendo sido filmada sem interrupccedilotildees (2) a cena - o conjunto de planos

cuja accedilatildeo eacute contiacutenua e decorre numa relativa unidade de tempo e espaccedilo constitui as cenas

13

e as sequumlecircncias (3) o enquadramento - a variaccedilatildeo da longitude da cacircmera agrave cena filmada

por meio de movimento (sem interrupccedilatildeo da filmagem) dentro do mesmo plano a

variaccedilatildeo do enquadramento e (4) a montagem ndash procedimento de organizaccedilatildeo do conjunto

de cenas sequumlecircncias e planos que formam a obra fiacutelmica

Tais elementos audiovisuais estatildeo presentes tanto nas produccedilotildees cinematograacuteficas

quanto nas produccedilotildees publicitaacuterias poreacutem o modo como satildeo utilizados eacute que as difere

Segundo Aumont (1995) inicialmente o cinema era desprovido de uma linguagem pois

apenas refletia o registro de um espetaacuteculo uma simples reproduccedilatildeo do real Entretanto

com o intuito de contar histoacuterias e veicular ideias o cinema precisou utilizar determinados

procedimentos expressivos os quais passaram a constituir sua linguagem

Assim sendo pode-se definir a linguagem cinematograacutefica como ―o conjunto das

mensagens cujo material de expressatildeo compotildee-se de cinco pistas ou canais a imagem

fotograacutefica em movimento os sons foneacuteticos gravados os ruiacutedos gravados o som musical

gravado e a escrita (creacuteditos intertiacutetulos materiais escritos no interior do plano) (STAM

2003 p132) A utilizaccedilatildeo em sinergia desse grande nuacutemero de elementos possibilita uma

maior variedade de abordagens nas produccedilotildees audiovisuais Por exemplo uma montagem

natildeo-linear com ritmo acelerado de troca de planos acircngulos e enquadramentos eacute a marca

das realizaccedilotildees videograacuteficas contemporacircneas

Para Balaacutezs apud Stam (1995) a linguagem cinematograacutefica pode ser definida a

partir de 4 princiacutepios

- no cinema existe uma distacircncia variaacutevel entre espectador e cena representada

daiacute uma dimensatildeo variaacutevel da cena que toma lugar no quadro e na composiccedilatildeo

da imagem

- a imagem total da cena eacute subdividida em uma seacuterie de planos de detalhes

(principio da decupagem)

- existe variaccedilatildeo de enquadramento (acircngulo de visatildeo perspectiva) dos planos de

detalhe no decorrer da mesma cena

- finalmente eacute a operaccedilatildeo da montagem que garante a inserccedilatildeo dos planos de

detalhes em uma sequumlecircncia ordenada na qual natildeo apenas cenas inteiras se

sucedem mas tambeacutem tomadas de detalhes mais miacutenimos de uma mesma cena

A cena em seu conjunto eacute resultado disso como se os elementos de um mosaico

temporal fossem justapostos no tempo (BALAacuteZS apud STAM 1995 p163-

164)

O cinema busca traduzir a realidade atraveacutes da representaccedilatildeo artiacutestica mediante o

uso de teacutecnicas pertencentes agrave linguagem audiovisual Stam (2003 p132) acrescenta que

se torna linguagem a partir do momento em que comunica ―um conjunto de mensagens

formuladas com base em um determinado material de expressatildeo um discurso ou praacutetica

significante caracterizado por codificaccedilotildees e procedimentos ordenatoacuterios especiacuteficos

14

Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma

―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute

empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte

Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees

de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos

seguintes problemas

1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como

arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi

muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e

comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin

Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma

caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a

cenicidade etc

2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais

estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o

movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista

(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem

(Eisenstein)

3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo

geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o

mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma

grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia

(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho

(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a

fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc

4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica

(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)

Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com

a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel

destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do

cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica

relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes

cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute

sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema

esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma

intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza

tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois

aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma

vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave

anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo

15

Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma

categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo

Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora

focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de

evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com

novas manifestaccedilotildees artiacutesticas

No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de

novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um

―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de

sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo

conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes

artiacutesticas

Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do

cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao

meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se

que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais

destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem

adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e

produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um

receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria

Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe

agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as

poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o

conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma

nova esteacutetica

Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche

cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos

constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica

do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este

Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento

de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica

contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade

movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar

16

A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-

se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma

consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social

A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou

clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe

(como utiliza o autor) para se firmar como arte

Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do

abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a

banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a

representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente

podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do

espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do

sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes

de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado

desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico

A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa

linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma

mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um

determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas

diferenciadas

A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico

em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo

de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada

de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que

acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea

(CARVALHO 2003)

Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos

videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo

audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o

surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no

comportamento dos sujeitos contemporacircneos

O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus

livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando

instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando

ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos

discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)

17

O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa

convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo

Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em

todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao

percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda

da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu

paacutera-brisa

Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte

do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos

que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao

realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva

fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo

Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de

ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este

estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem

diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto

Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as

concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea

Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria

colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das

tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as

anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de

encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo

sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito

humano (MERQUIOR 1975 p79)

Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base

da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente

O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves

dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo

virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que

transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no

cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as

representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-

imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente

como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma

imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores

pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)

18

Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero

abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que

atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um

recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes

tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do

homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com

a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se

reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos

11 Interfaces cinema e publicidade

Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em

momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja

consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem

interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com

seriados novelas e filmes sem sair de casa

Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de

outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que

―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas

por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo

Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo

para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De

acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que

possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo

somente com outros textos

Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em

outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou

contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute

conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem

disso classifica tambeacutem em

citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo

de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por

outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou

no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)

19

A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais

entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)

a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica

obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas

a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o

bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras

culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que

a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar

durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven

Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada

diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a

colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca

Absolut

b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer

uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente

substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute

facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero

cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a

alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de

mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos

mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain

(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma

obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve

devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute

que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no

cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do

automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de

amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona

avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo

ao argumento de liberdade explorado na obra francesa

c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas

de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no

20

plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de

personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de

estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo

intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e

ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns

filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se

aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um

bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que

se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme

Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)

No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um

caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual

produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de

referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas

produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus

―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles

1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e

tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a

superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai

surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento

utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14

Jun 2010

21

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual

A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou

grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico

inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph

Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem

foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de

petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar

chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida

Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos

fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta

decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com

iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem

guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma

imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam

no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio

Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo

conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de

horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu

processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a

patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste

processo

Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos

fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza

placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel

agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas

criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao

estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do

negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto

eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)

Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos

de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis

agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas

invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -

utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas

22

em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um

processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo

posterior de imagens positivas

A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com

a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por

George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente

evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco

automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da

imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito

pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia

A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a

digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo

da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a

produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O

aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras

de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme

e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital

Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da

fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de

congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato

com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos

instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na

invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente

pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos

sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento

Machado acrescenta que

O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a

partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere

natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na

sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas

populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a

pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)

No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto

basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o

23

intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma

em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido

um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de

uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a

―explicaccedilatildeo de um apresentador

Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir

de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de

pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias

adquiridas

Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual

Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema

Dubois (2004) assegura que

Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve

tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que

registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa

A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de

constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase

automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um

gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004

p38)

Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa

muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a

reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a

imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do

criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes

distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder

recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta

que tal uso

abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio

nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma

temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem

dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade

total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)

Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo

elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem

ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade

Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura

para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela

24

historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena

Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os

fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram

subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia

O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por

valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses

como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de

produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza

(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente

os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte

Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que

a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem

criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de

superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica

Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da

fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de

inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A

chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no

movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8

A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da

fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o

foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar

instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia

do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo

mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento

se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese

A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita

transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no

cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees

Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor

explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual

25

21 Iluminaccedilatildeo

De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se

ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas

aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo

para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir

noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da

iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo

como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico

num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que

A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do

projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como

ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma

conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o

escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou

Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios

Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser

produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em

outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do

filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da

histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)

As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e

a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um

lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e

desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno

ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura

afirma que

A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave

mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as

densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver

Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de

quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se

concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a

intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de

contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As

diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao

pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no

vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo

exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA

2001 p 20)

Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois

―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem

Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e

26

feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da

expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador

devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente

analisaacutevel

As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e

lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser

definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a

luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste

uniformidade cor e intensidade

Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de

sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual

Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que

A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas

percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar

o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas

similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia

luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou

brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)

A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir

sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes

claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz

suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a

outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho

percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma

aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz

direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)

Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos

de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a

fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta

22 Cor

Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco

Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas

pois aumenta a veracidade da imagem

27

Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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Paulo Cosac Naify 2004

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guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

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Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

13

e as sequumlecircncias (3) o enquadramento - a variaccedilatildeo da longitude da cacircmera agrave cena filmada

por meio de movimento (sem interrupccedilatildeo da filmagem) dentro do mesmo plano a

variaccedilatildeo do enquadramento e (4) a montagem ndash procedimento de organizaccedilatildeo do conjunto

de cenas sequumlecircncias e planos que formam a obra fiacutelmica

Tais elementos audiovisuais estatildeo presentes tanto nas produccedilotildees cinematograacuteficas

quanto nas produccedilotildees publicitaacuterias poreacutem o modo como satildeo utilizados eacute que as difere

Segundo Aumont (1995) inicialmente o cinema era desprovido de uma linguagem pois

apenas refletia o registro de um espetaacuteculo uma simples reproduccedilatildeo do real Entretanto

com o intuito de contar histoacuterias e veicular ideias o cinema precisou utilizar determinados

procedimentos expressivos os quais passaram a constituir sua linguagem

Assim sendo pode-se definir a linguagem cinematograacutefica como ―o conjunto das

mensagens cujo material de expressatildeo compotildee-se de cinco pistas ou canais a imagem

fotograacutefica em movimento os sons foneacuteticos gravados os ruiacutedos gravados o som musical

gravado e a escrita (creacuteditos intertiacutetulos materiais escritos no interior do plano) (STAM

2003 p132) A utilizaccedilatildeo em sinergia desse grande nuacutemero de elementos possibilita uma

maior variedade de abordagens nas produccedilotildees audiovisuais Por exemplo uma montagem

natildeo-linear com ritmo acelerado de troca de planos acircngulos e enquadramentos eacute a marca

das realizaccedilotildees videograacuteficas contemporacircneas

Para Balaacutezs apud Stam (1995) a linguagem cinematograacutefica pode ser definida a

partir de 4 princiacutepios

- no cinema existe uma distacircncia variaacutevel entre espectador e cena representada

daiacute uma dimensatildeo variaacutevel da cena que toma lugar no quadro e na composiccedilatildeo

da imagem

- a imagem total da cena eacute subdividida em uma seacuterie de planos de detalhes

(principio da decupagem)

- existe variaccedilatildeo de enquadramento (acircngulo de visatildeo perspectiva) dos planos de

detalhe no decorrer da mesma cena

- finalmente eacute a operaccedilatildeo da montagem que garante a inserccedilatildeo dos planos de

detalhes em uma sequumlecircncia ordenada na qual natildeo apenas cenas inteiras se

sucedem mas tambeacutem tomadas de detalhes mais miacutenimos de uma mesma cena

A cena em seu conjunto eacute resultado disso como se os elementos de um mosaico

temporal fossem justapostos no tempo (BALAacuteZS apud STAM 1995 p163-

164)

O cinema busca traduzir a realidade atraveacutes da representaccedilatildeo artiacutestica mediante o

uso de teacutecnicas pertencentes agrave linguagem audiovisual Stam (2003 p132) acrescenta que

se torna linguagem a partir do momento em que comunica ―um conjunto de mensagens

formuladas com base em um determinado material de expressatildeo um discurso ou praacutetica

significante caracterizado por codificaccedilotildees e procedimentos ordenatoacuterios especiacuteficos

14

Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma

―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute

empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte

Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees

de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos

seguintes problemas

1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como

arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi

muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e

comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin

Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma

caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a

cenicidade etc

2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais

estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o

movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista

(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem

(Eisenstein)

3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo

geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o

mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma

grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia

(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho

(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a

fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc

4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica

(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)

Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com

a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel

destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do

cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica

relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes

cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute

sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema

esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma

intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza

tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois

aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma

vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave

anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo

15

Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma

categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo

Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora

focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de

evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com

novas manifestaccedilotildees artiacutesticas

No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de

novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um

―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de

sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo

conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes

artiacutesticas

Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do

cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao

meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se

que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais

destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem

adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e

produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um

receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria

Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe

agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as

poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o

conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma

nova esteacutetica

Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche

cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos

constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica

do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este

Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento

de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica

contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade

movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar

16

A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-

se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma

consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social

A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou

clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe

(como utiliza o autor) para se firmar como arte

Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do

abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a

banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a

representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente

podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do

espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do

sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes

de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado

desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico

A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa

linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma

mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um

determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas

diferenciadas

A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico

em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo

de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada

de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que

acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea

(CARVALHO 2003)

Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos

videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo

audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o

surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no

comportamento dos sujeitos contemporacircneos

O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus

livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando

instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando

ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos

discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)

17

O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa

convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo

Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em

todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao

percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda

da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu

paacutera-brisa

Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte

do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos

que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao

realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva

fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo

Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de

ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este

estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem

diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto

Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as

concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea

Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria

colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das

tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as

anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de

encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo

sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito

humano (MERQUIOR 1975 p79)

Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base

da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente

O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves

dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo

virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que

transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no

cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as

representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-

imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente

como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma

imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores

pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)

18

Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero

abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que

atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um

recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes

tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do

homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com

a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se

reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos

11 Interfaces cinema e publicidade

Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em

momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja

consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem

interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com

seriados novelas e filmes sem sair de casa

Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de

outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que

―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas

por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo

Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo

para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De

acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que

possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo

somente com outros textos

Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em

outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou

contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute

conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem

disso classifica tambeacutem em

citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo

de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por

outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou

no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)

19

A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais

entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)

a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica

obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas

a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o

bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras

culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que

a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar

durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven

Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada

diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a

colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca

Absolut

b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer

uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente

substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute

facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero

cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a

alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de

mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos

mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain

(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma

obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve

devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute

que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no

cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do

automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de

amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona

avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo

ao argumento de liberdade explorado na obra francesa

c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas

de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no

20

plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de

personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de

estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo

intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e

ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns

filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se

aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um

bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que

se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme

Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)

No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um

caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual

produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de

referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas

produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus

―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles

1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e

tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a

superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai

surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento

utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14

Jun 2010

21

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual

A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou

grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico

inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph

Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem

foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de

petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar

chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida

Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos

fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta

decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com

iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem

guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma

imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam

no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio

Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo

conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de

horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu

processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a

patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste

processo

Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos

fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza

placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel

agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas

criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao

estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do

negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto

eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)

Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos

de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis

agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas

invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -

utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas

22

em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um

processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo

posterior de imagens positivas

A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com

a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por

George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente

evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco

automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da

imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito

pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia

A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a

digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo

da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a

produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O

aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras

de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme

e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital

Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da

fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de

congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato

com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos

instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na

invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente

pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos

sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento

Machado acrescenta que

O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a

partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere

natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na

sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas

populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a

pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)

No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto

basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o

23

intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma

em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido

um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de

uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a

―explicaccedilatildeo de um apresentador

Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir

de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de

pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias

adquiridas

Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual

Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema

Dubois (2004) assegura que

Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve

tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que

registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa

A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de

constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase

automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um

gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004

p38)

Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa

muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a

reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a

imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do

criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes

distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder

recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta

que tal uso

abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio

nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma

temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem

dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade

total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)

Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo

elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem

ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade

Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura

para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela

24

historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena

Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os

fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram

subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia

O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por

valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses

como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de

produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza

(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente

os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte

Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que

a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem

criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de

superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica

Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da

fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de

inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A

chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no

movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8

A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da

fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o

foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar

instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia

do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo

mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento

se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese

A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita

transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no

cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees

Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor

explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual

25

21 Iluminaccedilatildeo

De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se

ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas

aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo

para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir

noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da

iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo

como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico

num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que

A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do

projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como

ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma

conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o

escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou

Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios

Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser

produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em

outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do

filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da

histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)

As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e

a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um

lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e

desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno

ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura

afirma que

A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave

mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as

densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver

Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de

quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se

concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a

intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de

contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As

diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao

pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no

vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo

exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA

2001 p 20)

Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois

―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem

Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e

26

feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da

expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador

devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente

analisaacutevel

As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e

lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser

definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a

luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste

uniformidade cor e intensidade

Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de

sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual

Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que

A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas

percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar

o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas

similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia

luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou

brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)

A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir

sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes

claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz

suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a

outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho

percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma

aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz

direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)

Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos

de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a

fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta

22 Cor

Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco

Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas

pois aumenta a veracidade da imagem

27

Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

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linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

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5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

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e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

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CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

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GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

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guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

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Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

14

Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma

―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute

empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte

Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees

de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos

seguintes problemas

1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como

arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi

muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e

comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin

Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma

caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a

cenicidade etc

2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais

estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o

movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista

(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem

(Eisenstein)

3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo

geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o

mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma

grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia

(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho

(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a

fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc

4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica

(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)

Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com

a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel

destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do

cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica

relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes

cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute

sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema

esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma

intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza

tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois

aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma

vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave

anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo

15

Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma

categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo

Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora

focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de

evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com

novas manifestaccedilotildees artiacutesticas

No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de

novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um

―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de

sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo

conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes

artiacutesticas

Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do

cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao

meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se

que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais

destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem

adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e

produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um

receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria

Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe

agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as

poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o

conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma

nova esteacutetica

Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche

cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos

constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica

do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este

Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento

de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica

contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade

movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar

16

A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-

se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma

consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social

A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou

clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe

(como utiliza o autor) para se firmar como arte

Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do

abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a

banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a

representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente

podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do

espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do

sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes

de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado

desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico

A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa

linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma

mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um

determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas

diferenciadas

A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico

em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo

de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada

de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que

acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea

(CARVALHO 2003)

Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos

videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo

audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o

surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no

comportamento dos sujeitos contemporacircneos

O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus

livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando

instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando

ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos

discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)

17

O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa

convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo

Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em

todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao

percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda

da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu

paacutera-brisa

Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte

do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos

que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao

realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva

fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo

Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de

ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este

estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem

diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto

Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as

concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea

Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria

colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das

tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as

anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de

encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo

sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito

humano (MERQUIOR 1975 p79)

Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base

da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente

O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves

dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo

virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que

transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no

cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as

representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-

imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente

como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma

imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores

pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)

18

Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero

abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que

atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um

recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes

tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do

homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com

a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se

reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos

11 Interfaces cinema e publicidade

Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em

momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja

consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem

interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com

seriados novelas e filmes sem sair de casa

Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de

outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que

―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas

por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo

Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo

para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De

acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que

possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo

somente com outros textos

Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em

outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou

contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute

conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem

disso classifica tambeacutem em

citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo

de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por

outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou

no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)

19

A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais

entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)

a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica

obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas

a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o

bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras

culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que

a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar

durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven

Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada

diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a

colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca

Absolut

b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer

uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente

substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute

facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero

cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a

alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de

mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos

mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain

(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma

obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve

devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute

que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no

cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do

automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de

amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona

avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo

ao argumento de liberdade explorado na obra francesa

c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas

de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no

20

plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de

personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de

estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo

intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e

ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns

filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se

aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um

bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que

se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme

Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)

No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um

caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual

produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de

referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas

produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus

―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles

1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e

tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a

superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai

surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento

utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14

Jun 2010

21

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual

A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou

grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico

inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph

Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem

foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de

petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar

chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida

Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos

fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta

decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com

iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem

guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma

imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam

no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio

Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo

conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de

horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu

processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a

patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste

processo

Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos

fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza

placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel

agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas

criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao

estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do

negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto

eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)

Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos

de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis

agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas

invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -

utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas

22

em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um

processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo

posterior de imagens positivas

A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com

a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por

George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente

evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco

automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da

imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito

pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia

A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a

digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo

da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a

produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O

aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras

de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme

e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital

Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da

fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de

congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato

com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos

instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na

invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente

pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos

sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento

Machado acrescenta que

O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a

partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere

natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na

sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas

populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a

pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)

No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto

basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o

23

intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma

em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido

um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de

uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a

―explicaccedilatildeo de um apresentador

Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir

de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de

pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias

adquiridas

Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual

Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema

Dubois (2004) assegura que

Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve

tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que

registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa

A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de

constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase

automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um

gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004

p38)

Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa

muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a

reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a

imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do

criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes

distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder

recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta

que tal uso

abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio

nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma

temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem

dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade

total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)

Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo

elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem

ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade

Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura

para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela

24

historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena

Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os

fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram

subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia

O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por

valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses

como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de

produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza

(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente

os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte

Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que

a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem

criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de

superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica

Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da

fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de

inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A

chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no

movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8

A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da

fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o

foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar

instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia

do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo

mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento

se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese

A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita

transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no

cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees

Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor

explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual

25

21 Iluminaccedilatildeo

De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se

ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas

aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo

para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir

noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da

iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo

como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico

num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que

A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do

projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como

ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma

conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o

escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou

Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios

Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser

produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em

outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do

filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da

histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)

As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e

a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um

lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e

desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno

ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura

afirma que

A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave

mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as

densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver

Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de

quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se

concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a

intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de

contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As

diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao

pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no

vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo

exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA

2001 p 20)

Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois

―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem

Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e

26

feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da

expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador

devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente

analisaacutevel

As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e

lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser

definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a

luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste

uniformidade cor e intensidade

Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de

sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual

Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que

A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas

percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar

o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas

similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia

luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou

brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)

A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir

sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes

claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz

suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a

outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho

percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma

aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz

direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)

Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos

de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a

fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta

22 Cor

Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco

Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas

pois aumenta a veracidade da imagem

27

Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

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2003

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CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

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guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

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PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

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STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

15

Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma

categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo

Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora

focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de

evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com

novas manifestaccedilotildees artiacutesticas

No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de

novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um

―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de

sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo

conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes

artiacutesticas

Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do

cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao

meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se

que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais

destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem

adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e

produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um

receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria

Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe

agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as

poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o

conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma

nova esteacutetica

Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche

cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos

constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica

do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este

Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento

de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica

contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade

movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar

16

A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-

se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma

consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social

A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou

clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe

(como utiliza o autor) para se firmar como arte

Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do

abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a

banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a

representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente

podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do

espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do

sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes

de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado

desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico

A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa

linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma

mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um

determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas

diferenciadas

A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico

em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo

de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada

de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que

acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea

(CARVALHO 2003)

Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos

videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo

audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o

surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no

comportamento dos sujeitos contemporacircneos

O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus

livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando

instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando

ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos

discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)

17

O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa

convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo

Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em

todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao

percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda

da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu

paacutera-brisa

Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte

do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos

que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao

realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva

fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo

Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de

ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este

estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem

diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto

Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as

concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea

Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria

colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das

tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as

anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de

encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo

sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito

humano (MERQUIOR 1975 p79)

Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base

da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente

O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves

dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo

virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que

transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no

cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as

representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-

imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente

como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma

imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores

pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)

18

Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero

abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que

atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um

recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes

tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do

homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com

a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se

reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos

11 Interfaces cinema e publicidade

Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em

momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja

consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem

interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com

seriados novelas e filmes sem sair de casa

Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de

outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que

―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas

por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo

Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo

para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De

acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que

possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo

somente com outros textos

Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em

outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou

contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute

conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem

disso classifica tambeacutem em

citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo

de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por

outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou

no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)

19

A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais

entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)

a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica

obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas

a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o

bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras

culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que

a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar

durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven

Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada

diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a

colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca

Absolut

b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer

uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente

substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute

facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero

cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a

alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de

mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos

mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain

(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma

obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve

devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute

que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no

cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do

automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de

amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona

avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo

ao argumento de liberdade explorado na obra francesa

c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas

de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no

20

plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de

personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de

estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo

intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e

ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns

filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se

aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um

bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que

se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme

Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)

No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um

caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual

produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de

referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas

produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus

―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles

1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e

tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a

superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai

surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento

utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14

Jun 2010

21

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual

A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou

grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico

inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph

Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem

foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de

petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar

chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida

Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos

fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta

decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com

iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem

guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma

imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam

no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio

Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo

conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de

horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu

processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a

patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste

processo

Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos

fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza

placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel

agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas

criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao

estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do

negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto

eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)

Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos

de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis

agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas

invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -

utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas

22

em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um

processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo

posterior de imagens positivas

A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com

a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por

George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente

evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco

automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da

imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito

pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia

A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a

digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo

da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a

produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O

aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras

de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme

e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital

Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da

fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de

congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato

com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos

instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na

invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente

pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos

sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento

Machado acrescenta que

O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a

partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere

natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na

sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas

populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a

pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)

No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto

basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o

23

intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma

em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido

um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de

uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a

―explicaccedilatildeo de um apresentador

Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir

de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de

pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias

adquiridas

Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual

Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema

Dubois (2004) assegura que

Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve

tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que

registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa

A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de

constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase

automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um

gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004

p38)

Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa

muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a

reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a

imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do

criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes

distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder

recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta

que tal uso

abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio

nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma

temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem

dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade

total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)

Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo

elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem

ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade

Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura

para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela

24

historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena

Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os

fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram

subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia

O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por

valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses

como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de

produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza

(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente

os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte

Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que

a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem

criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de

superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica

Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da

fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de

inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A

chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no

movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8

A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da

fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o

foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar

instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia

do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo

mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento

se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese

A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita

transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no

cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees

Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor

explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual

25

21 Iluminaccedilatildeo

De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se

ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas

aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo

para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir

noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da

iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo

como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico

num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que

A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do

projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como

ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma

conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o

escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou

Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios

Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser

produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em

outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do

filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da

histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)

As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e

a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um

lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e

desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno

ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura

afirma que

A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave

mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as

densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver

Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de

quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se

concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a

intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de

contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As

diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao

pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no

vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo

exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA

2001 p 20)

Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois

―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem

Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e

26

feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da

expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador

devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente

analisaacutevel

As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e

lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser

definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a

luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste

uniformidade cor e intensidade

Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de

sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual

Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que

A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas

percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar

o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas

similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia

luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou

brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)

A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir

sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes

claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz

suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a

outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho

percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma

aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz

direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)

Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos

de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a

fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta

22 Cor

Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco

Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas

pois aumenta a veracidade da imagem

27

Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

16

A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-

se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma

consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social

A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou

clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe

(como utiliza o autor) para se firmar como arte

Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do

abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a

banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a

representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente

podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do

espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do

sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes

de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado

desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico

A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa

linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma

mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um

determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas

diferenciadas

A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico

em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo

de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada

de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que

acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea

(CARVALHO 2003)

Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos

videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo

audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o

surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no

comportamento dos sujeitos contemporacircneos

O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus

livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando

instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando

ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos

discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)

17

O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa

convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo

Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em

todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao

percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda

da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu

paacutera-brisa

Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte

do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos

que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao

realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva

fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo

Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de

ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este

estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem

diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto

Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as

concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea

Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria

colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das

tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as

anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de

encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo

sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito

humano (MERQUIOR 1975 p79)

Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base

da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente

O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves

dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo

virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que

transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no

cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as

representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-

imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente

como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma

imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores

pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)

18

Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero

abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que

atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um

recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes

tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do

homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com

a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se

reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos

11 Interfaces cinema e publicidade

Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em

momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja

consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem

interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com

seriados novelas e filmes sem sair de casa

Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de

outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que

―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas

por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo

Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo

para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De

acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que

possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo

somente com outros textos

Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em

outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou

contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute

conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem

disso classifica tambeacutem em

citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo

de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por

outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou

no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)

19

A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais

entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)

a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica

obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas

a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o

bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras

culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que

a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar

durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven

Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada

diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a

colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca

Absolut

b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer

uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente

substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute

facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero

cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a

alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de

mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos

mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain

(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma

obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve

devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute

que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no

cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do

automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de

amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona

avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo

ao argumento de liberdade explorado na obra francesa

c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas

de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no

20

plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de

personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de

estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo

intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e

ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns

filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se

aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um

bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que

se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme

Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)

No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um

caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual

produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de

referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas

produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus

―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles

1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e

tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a

superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai

surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento

utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14

Jun 2010

21

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual

A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou

grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico

inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph

Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem

foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de

petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar

chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida

Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos

fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta

decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com

iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem

guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma

imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam

no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio

Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo

conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de

horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu

processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a

patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste

processo

Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos

fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza

placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel

agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas

criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao

estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do

negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto

eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)

Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos

de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis

agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas

invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -

utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas

22

em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um

processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo

posterior de imagens positivas

A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com

a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por

George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente

evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco

automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da

imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito

pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia

A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a

digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo

da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a

produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O

aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras

de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme

e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital

Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da

fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de

congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato

com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos

instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na

invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente

pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos

sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento

Machado acrescenta que

O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a

partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere

natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na

sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas

populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a

pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)

No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto

basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o

23

intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma

em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido

um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de

uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a

―explicaccedilatildeo de um apresentador

Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir

de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de

pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias

adquiridas

Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual

Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema

Dubois (2004) assegura que

Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve

tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que

registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa

A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de

constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase

automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um

gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004

p38)

Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa

muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a

reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a

imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do

criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes

distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder

recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta

que tal uso

abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio

nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma

temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem

dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade

total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)

Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo

elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem

ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade

Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura

para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela

24

historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena

Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os

fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram

subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia

O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por

valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses

como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de

produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza

(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente

os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte

Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que

a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem

criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de

superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica

Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da

fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de

inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A

chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no

movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8

A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da

fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o

foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar

instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia

do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo

mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento

se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese

A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita

transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no

cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees

Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor

explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual

25

21 Iluminaccedilatildeo

De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se

ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas

aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo

para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir

noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da

iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo

como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico

num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que

A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do

projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como

ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma

conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o

escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou

Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios

Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser

produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em

outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do

filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da

histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)

As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e

a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um

lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e

desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno

ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura

afirma que

A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave

mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as

densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver

Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de

quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se

concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a

intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de

contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As

diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao

pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no

vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo

exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA

2001 p 20)

Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois

―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem

Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e

26

feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da

expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador

devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente

analisaacutevel

As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e

lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser

definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a

luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste

uniformidade cor e intensidade

Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de

sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual

Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que

A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas

percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar

o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas

similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia

luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou

brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)

A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir

sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes

claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz

suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a

outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho

percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma

aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz

direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)

Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos

de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a

fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta

22 Cor

Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco

Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas

pois aumenta a veracidade da imagem

27

Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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2003

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CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

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Paulo Cosac Naify 2004

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GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

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2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

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guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

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PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

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STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

17

O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa

convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo

Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em

todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao

percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda

da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu

paacutera-brisa

Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte

do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos

que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao

realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva

fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo

Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de

ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este

estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem

diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto

Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as

concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea

Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria

colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das

tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as

anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de

encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo

sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito

humano (MERQUIOR 1975 p79)

Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base

da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente

O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves

dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo

virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que

transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no

cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as

representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-

imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente

como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma

imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores

pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)

18

Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero

abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que

atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um

recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes

tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do

homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com

a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se

reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos

11 Interfaces cinema e publicidade

Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em

momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja

consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem

interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com

seriados novelas e filmes sem sair de casa

Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de

outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que

―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas

por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo

Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo

para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De

acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que

possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo

somente com outros textos

Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em

outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou

contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute

conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem

disso classifica tambeacutem em

citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo

de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por

outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou

no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)

19

A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais

entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)

a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica

obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas

a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o

bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras

culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que

a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar

durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven

Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada

diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a

colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca

Absolut

b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer

uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente

substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute

facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero

cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a

alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de

mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos

mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain

(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma

obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve

devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute

que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no

cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do

automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de

amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona

avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo

ao argumento de liberdade explorado na obra francesa

c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas

de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no

20

plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de

personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de

estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo

intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e

ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns

filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se

aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um

bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que

se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme

Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)

No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um

caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual

produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de

referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas

produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus

―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles

1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e

tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a

superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai

surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento

utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14

Jun 2010

21

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual

A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou

grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico

inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph

Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem

foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de

petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar

chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida

Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos

fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta

decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com

iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem

guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma

imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam

no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio

Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo

conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de

horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu

processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a

patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste

processo

Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos

fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza

placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel

agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas

criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao

estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do

negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto

eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)

Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos

de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis

agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas

invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -

utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas

22

em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um

processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo

posterior de imagens positivas

A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com

a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por

George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente

evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco

automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da

imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito

pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia

A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a

digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo

da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a

produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O

aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras

de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme

e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital

Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da

fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de

congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato

com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos

instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na

invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente

pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos

sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento

Machado acrescenta que

O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a

partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere

natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na

sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas

populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a

pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)

No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto

basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o

23

intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma

em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido

um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de

uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a

―explicaccedilatildeo de um apresentador

Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir

de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de

pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias

adquiridas

Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual

Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema

Dubois (2004) assegura que

Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve

tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que

registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa

A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de

constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase

automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um

gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004

p38)

Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa

muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a

reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a

imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do

criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes

distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder

recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta

que tal uso

abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio

nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma

temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem

dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade

total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)

Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo

elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem

ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade

Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura

para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela

24

historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena

Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os

fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram

subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia

O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por

valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses

como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de

produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza

(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente

os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte

Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que

a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem

criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de

superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica

Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da

fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de

inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A

chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no

movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8

A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da

fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o

foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar

instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia

do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo

mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento

se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese

A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita

transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no

cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees

Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor

explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual

25

21 Iluminaccedilatildeo

De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se

ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas

aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo

para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir

noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da

iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo

como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico

num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que

A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do

projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como

ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma

conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o

escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou

Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios

Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser

produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em

outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do

filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da

histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)

As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e

a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um

lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e

desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno

ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura

afirma que

A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave

mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as

densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver

Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de

quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se

concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a

intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de

contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As

diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao

pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no

vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo

exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA

2001 p 20)

Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois

―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem

Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e

26

feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da

expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador

devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente

analisaacutevel

As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e

lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser

definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a

luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste

uniformidade cor e intensidade

Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de

sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual

Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que

A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas

percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar

o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas

similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia

luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou

brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)

A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir

sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes

claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz

suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a

outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho

percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma

aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz

direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)

Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos

de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a

fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta

22 Cor

Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco

Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas

pois aumenta a veracidade da imagem

27

Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

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linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

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e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

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CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

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guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

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Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

18

Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero

abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que

atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um

recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes

tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do

homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com

a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se

reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos

11 Interfaces cinema e publicidade

Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em

momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja

consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem

interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com

seriados novelas e filmes sem sair de casa

Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de

outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que

―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas

por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo

Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo

para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De

acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que

possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo

somente com outros textos

Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em

outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou

contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute

conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem

disso classifica tambeacutem em

citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo

de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por

outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou

no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)

19

A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais

entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)

a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica

obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas

a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o

bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras

culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que

a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar

durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven

Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada

diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a

colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca

Absolut

b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer

uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente

substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute

facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero

cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a

alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de

mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos

mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain

(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma

obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve

devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute

que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no

cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do

automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de

amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona

avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo

ao argumento de liberdade explorado na obra francesa

c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas

de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no

20

plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de

personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de

estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo

intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e

ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns

filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se

aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um

bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que

se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme

Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)

No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um

caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual

produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de

referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas

produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus

―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles

1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e

tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a

superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai

surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento

utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14

Jun 2010

21

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual

A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou

grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico

inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph

Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem

foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de

petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar

chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida

Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos

fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta

decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com

iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem

guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma

imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam

no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio

Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo

conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de

horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu

processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a

patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste

processo

Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos

fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza

placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel

agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas

criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao

estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do

negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto

eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)

Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos

de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis

agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas

invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -

utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas

22

em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um

processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo

posterior de imagens positivas

A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com

a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por

George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente

evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco

automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da

imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito

pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia

A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a

digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo

da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a

produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O

aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras

de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme

e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital

Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da

fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de

congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato

com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos

instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na

invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente

pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos

sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento

Machado acrescenta que

O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a

partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere

natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na

sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas

populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a

pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)

No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto

basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o

23

intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma

em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido

um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de

uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a

―explicaccedilatildeo de um apresentador

Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir

de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de

pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias

adquiridas

Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual

Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema

Dubois (2004) assegura que

Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve

tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que

registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa

A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de

constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase

automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um

gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004

p38)

Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa

muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a

reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a

imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do

criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes

distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder

recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta

que tal uso

abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio

nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma

temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem

dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade

total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)

Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo

elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem

ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade

Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura

para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela

24

historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena

Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os

fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram

subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia

O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por

valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses

como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de

produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza

(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente

os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte

Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que

a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem

criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de

superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica

Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da

fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de

inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A

chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no

movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8

A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da

fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o

foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar

instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia

do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo

mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento

se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese

A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita

transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no

cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees

Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor

explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual

25

21 Iluminaccedilatildeo

De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se

ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas

aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo

para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir

noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da

iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo

como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico

num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que

A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do

projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como

ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma

conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o

escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou

Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios

Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser

produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em

outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do

filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da

histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)

As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e

a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um

lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e

desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno

ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura

afirma que

A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave

mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as

densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver

Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de

quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se

concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a

intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de

contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As

diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao

pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no

vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo

exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA

2001 p 20)

Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois

―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem

Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e

26

feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da

expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador

devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente

analisaacutevel

As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e

lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser

definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a

luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste

uniformidade cor e intensidade

Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de

sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual

Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que

A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas

percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar

o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas

similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia

luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou

brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)

A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir

sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes

claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz

suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a

outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho

percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma

aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz

direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)

Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos

de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a

fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta

22 Cor

Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco

Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas

pois aumenta a veracidade da imagem

27

Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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Paulo Cosac Naify 2004

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guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

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Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

19

A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais

entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)

a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica

obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas

a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o

bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras

culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que

a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar

durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven

Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada

diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a

colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca

Absolut

b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer

uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente

substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute

facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero

cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a

alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de

mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos

mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain

(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma

obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve

devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute

que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no

cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do

automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de

amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona

avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo

ao argumento de liberdade explorado na obra francesa

c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas

de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no

20

plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de

personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de

estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo

intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e

ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns

filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se

aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um

bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que

se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme

Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)

No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um

caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual

produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de

referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas

produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus

―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles

1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e

tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a

superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai

surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento

utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14

Jun 2010

21

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual

A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou

grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico

inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph

Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem

foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de

petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar

chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida

Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos

fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta

decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com

iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem

guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma

imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam

no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio

Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo

conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de

horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu

processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a

patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste

processo

Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos

fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza

placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel

agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas

criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao

estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do

negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto

eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)

Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos

de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis

agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas

invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -

utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas

22

em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um

processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo

posterior de imagens positivas

A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com

a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por

George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente

evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco

automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da

imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito

pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia

A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a

digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo

da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a

produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O

aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras

de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme

e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital

Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da

fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de

congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato

com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos

instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na

invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente

pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos

sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento

Machado acrescenta que

O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a

partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere

natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na

sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas

populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a

pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)

No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto

basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o

23

intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma

em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido

um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de

uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a

―explicaccedilatildeo de um apresentador

Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir

de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de

pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias

adquiridas

Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual

Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema

Dubois (2004) assegura que

Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve

tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que

registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa

A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de

constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase

automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um

gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004

p38)

Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa

muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a

reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a

imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do

criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes

distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder

recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta

que tal uso

abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio

nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma

temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem

dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade

total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)

Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo

elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem

ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade

Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura

para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela

24

historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena

Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os

fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram

subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia

O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por

valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses

como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de

produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza

(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente

os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte

Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que

a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem

criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de

superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica

Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da

fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de

inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A

chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no

movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8

A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da

fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o

foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar

instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia

do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo

mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento

se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese

A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita

transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no

cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees

Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor

explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual

25

21 Iluminaccedilatildeo

De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se

ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas

aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo

para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir

noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da

iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo

como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico

num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que

A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do

projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como

ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma

conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o

escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou

Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios

Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser

produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em

outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do

filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da

histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)

As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e

a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um

lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e

desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno

ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura

afirma que

A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave

mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as

densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver

Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de

quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se

concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a

intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de

contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As

diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao

pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no

vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo

exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA

2001 p 20)

Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois

―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem

Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e

26

feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da

expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador

devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente

analisaacutevel

As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e

lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser

definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a

luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste

uniformidade cor e intensidade

Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de

sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual

Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que

A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas

percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar

o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas

similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia

luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou

brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)

A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir

sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes

claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz

suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a

outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho

percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma

aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz

direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)

Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos

de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a

fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta

22 Cor

Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco

Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas

pois aumenta a veracidade da imagem

27

Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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RS Unisinos 2003

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Campinas Papirus 1995

AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

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CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

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DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

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GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003

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2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

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SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

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SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

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ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

20

plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de

personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de

estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo

intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e

ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns

filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se

aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um

bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que

se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme

Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)

No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um

caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual

produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de

referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas

produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus

―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles

1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e

tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a

superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai

surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento

utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14

Jun 2010

21

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual

A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou

grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico

inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph

Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem

foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de

petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar

chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida

Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos

fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta

decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com

iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem

guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma

imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam

no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio

Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo

conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de

horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu

processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a

patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste

processo

Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos

fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza

placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel

agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas

criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao

estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do

negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto

eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)

Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos

de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis

agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas

invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -

utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas

22

em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um

processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo

posterior de imagens positivas

A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com

a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por

George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente

evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco

automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da

imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito

pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia

A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a

digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo

da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a

produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O

aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras

de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme

e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital

Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da

fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de

congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato

com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos

instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na

invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente

pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos

sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento

Machado acrescenta que

O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a

partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere

natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na

sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas

populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a

pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)

No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto

basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o

23

intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma

em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido

um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de

uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a

―explicaccedilatildeo de um apresentador

Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir

de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de

pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias

adquiridas

Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual

Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema

Dubois (2004) assegura que

Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve

tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que

registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa

A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de

constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase

automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um

gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004

p38)

Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa

muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a

reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a

imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do

criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes

distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder

recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta

que tal uso

abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio

nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma

temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem

dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade

total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)

Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo

elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem

ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade

Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura

para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela

24

historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena

Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os

fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram

subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia

O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por

valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses

como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de

produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza

(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente

os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte

Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que

a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem

criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de

superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica

Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da

fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de

inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A

chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no

movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8

A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da

fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o

foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar

instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia

do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo

mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento

se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese

A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita

transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no

cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees

Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor

explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual

25

21 Iluminaccedilatildeo

De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se

ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas

aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo

para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir

noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da

iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo

como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico

num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que

A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do

projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como

ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma

conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o

escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou

Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios

Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser

produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em

outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do

filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da

histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)

As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e

a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um

lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e

desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno

ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura

afirma que

A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave

mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as

densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver

Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de

quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se

concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a

intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de

contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As

diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao

pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no

vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo

exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA

2001 p 20)

Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois

―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem

Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e

26

feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da

expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador

devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente

analisaacutevel

As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e

lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser

definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a

luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste

uniformidade cor e intensidade

Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de

sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual

Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que

A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas

percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar

o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas

similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia

luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou

brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)

A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir

sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes

claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz

suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a

outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho

percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma

aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz

direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)

Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos

de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a

fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta

22 Cor

Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco

Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas

pois aumenta a veracidade da imagem

27

Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

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AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

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CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

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DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

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GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

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MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

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2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

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SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

21

2 A fotografia na esteacutetica audiovisual

A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou

grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico

inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph

Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem

foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de

petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar

chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida

Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos

fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta

decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com

iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem

guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma

imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam

no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio

Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo

conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de

horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu

processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a

patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste

processo

Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos

fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza

placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel

agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas

criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao

estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do

negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto

eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)

Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos

de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis

agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas

invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -

utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas

22

em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um

processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo

posterior de imagens positivas

A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com

a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por

George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente

evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco

automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da

imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito

pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia

A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a

digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo

da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a

produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O

aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras

de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme

e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital

Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da

fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de

congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato

com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos

instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na

invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente

pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos

sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento

Machado acrescenta que

O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a

partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere

natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na

sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas

populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a

pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)

No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto

basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o

23

intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma

em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido

um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de

uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a

―explicaccedilatildeo de um apresentador

Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir

de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de

pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias

adquiridas

Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual

Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema

Dubois (2004) assegura que

Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve

tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que

registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa

A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de

constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase

automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um

gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004

p38)

Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa

muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a

reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a

imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do

criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes

distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder

recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta

que tal uso

abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio

nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma

temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem

dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade

total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)

Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo

elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem

ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade

Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura

para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela

24

historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena

Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os

fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram

subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia

O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por

valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses

como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de

produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza

(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente

os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte

Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que

a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem

criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de

superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica

Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da

fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de

inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A

chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no

movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8

A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da

fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o

foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar

instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia

do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo

mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento

se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese

A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita

transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no

cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees

Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor

explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual

25

21 Iluminaccedilatildeo

De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se

ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas

aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo

para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir

noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da

iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo

como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico

num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que

A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do

projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como

ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma

conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o

escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou

Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios

Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser

produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em

outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do

filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da

histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)

As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e

a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um

lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e

desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno

ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura

afirma que

A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave

mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as

densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver

Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de

quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se

concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a

intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de

contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As

diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao

pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no

vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo

exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA

2001 p 20)

Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois

―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem

Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e

26

feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da

expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador

devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente

analisaacutevel

As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e

lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser

definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a

luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste

uniformidade cor e intensidade

Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de

sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual

Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que

A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas

percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar

o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas

similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia

luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou

brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)

A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir

sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes

claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz

suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a

outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho

percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma

aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz

direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)

Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos

de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a

fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta

22 Cor

Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco

Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas

pois aumenta a veracidade da imagem

27

Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo

RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

Campinas Papirus 1995

AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

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CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt

Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

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DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002

GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003

MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de

2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

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SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

22

em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um

processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo

posterior de imagens positivas

A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com

a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por

George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente

evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco

automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da

imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito

pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia

A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a

digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo

da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a

produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O

aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras

de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme

e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital

Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da

fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de

congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato

com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos

instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na

invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente

pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos

sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento

Machado acrescenta que

O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a

partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere

natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na

sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas

populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a

pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)

No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto

basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o

23

intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma

em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido

um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de

uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a

―explicaccedilatildeo de um apresentador

Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir

de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de

pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias

adquiridas

Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual

Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema

Dubois (2004) assegura que

Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve

tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que

registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa

A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de

constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase

automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um

gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004

p38)

Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa

muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a

reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a

imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do

criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes

distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder

recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta

que tal uso

abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio

nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma

temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem

dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade

total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)

Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo

elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem

ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade

Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura

para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela

24

historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena

Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os

fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram

subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia

O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por

valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses

como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de

produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza

(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente

os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte

Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que

a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem

criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de

superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica

Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da

fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de

inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A

chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no

movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8

A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da

fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o

foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar

instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia

do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo

mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento

se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese

A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita

transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no

cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees

Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor

explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual

25

21 Iluminaccedilatildeo

De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se

ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas

aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo

para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir

noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da

iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo

como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico

num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que

A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do

projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como

ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma

conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o

escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou

Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios

Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser

produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em

outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do

filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da

histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)

As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e

a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um

lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e

desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno

ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura

afirma que

A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave

mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as

densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver

Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de

quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se

concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a

intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de

contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As

diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao

pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no

vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo

exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA

2001 p 20)

Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois

―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem

Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e

26

feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da

expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador

devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente

analisaacutevel

As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e

lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser

definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a

luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste

uniformidade cor e intensidade

Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de

sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual

Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que

A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas

percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar

o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas

similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia

luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou

brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)

A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir

sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes

claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz

suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a

outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho

percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma

aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz

direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)

Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos

de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a

fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta

22 Cor

Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco

Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas

pois aumenta a veracidade da imagem

27

Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

Campinas Papirus 1995

AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

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CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt

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DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

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GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

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MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

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2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

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PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

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SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

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SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

23

intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma

em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido

um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de

uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a

―explicaccedilatildeo de um apresentador

Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir

de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de

pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias

adquiridas

Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual

Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema

Dubois (2004) assegura que

Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve

tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que

registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa

A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de

constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase

automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um

gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004

p38)

Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa

muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a

reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a

imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do

criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes

distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder

recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta

que tal uso

abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio

nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma

temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem

dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade

total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)

Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo

elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem

ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade

Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura

para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela

24

historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena

Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os

fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram

subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia

O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por

valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses

como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de

produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza

(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente

os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte

Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que

a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem

criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de

superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica

Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da

fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de

inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A

chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no

movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8

A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da

fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o

foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar

instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia

do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo

mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento

se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese

A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita

transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no

cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees

Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor

explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual

25

21 Iluminaccedilatildeo

De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se

ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas

aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo

para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir

noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da

iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo

como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico

num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que

A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do

projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como

ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma

conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o

escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou

Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios

Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser

produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em

outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do

filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da

histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)

As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e

a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um

lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e

desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno

ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura

afirma que

A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave

mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as

densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver

Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de

quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se

concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a

intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de

contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As

diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao

pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no

vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo

exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA

2001 p 20)

Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois

―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem

Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e

26

feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da

expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador

devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente

analisaacutevel

As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e

lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser

definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a

luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste

uniformidade cor e intensidade

Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de

sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual

Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que

A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas

percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar

o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas

similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia

luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou

brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)

A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir

sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes

claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz

suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a

outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho

percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma

aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz

direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)

Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos

de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a

fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta

22 Cor

Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco

Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas

pois aumenta a veracidade da imagem

27

Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

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cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

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Paulo Cosac Naify 2004

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2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

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da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

24

historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena

Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os

fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram

subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia

O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por

valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses

como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de

produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza

(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente

os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte

Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que

a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem

criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de

superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica

Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da

fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de

inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A

chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no

movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8

A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da

fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o

foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar

instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia

do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo

mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento

se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese

A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita

transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no

cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees

Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor

explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual

25

21 Iluminaccedilatildeo

De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se

ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas

aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo

para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir

noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da

iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo

como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico

num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que

A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do

projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como

ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma

conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o

escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou

Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios

Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser

produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em

outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do

filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da

histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)

As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e

a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um

lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e

desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno

ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura

afirma que

A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave

mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as

densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver

Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de

quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se

concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a

intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de

contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As

diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao

pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no

vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo

exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA

2001 p 20)

Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois

―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem

Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e

26

feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da

expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador

devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente

analisaacutevel

As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e

lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser

definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a

luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste

uniformidade cor e intensidade

Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de

sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual

Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que

A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas

percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar

o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas

similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia

luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou

brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)

A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir

sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes

claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz

suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a

outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho

percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma

aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz

direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)

Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos

de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a

fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta

22 Cor

Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco

Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas

pois aumenta a veracidade da imagem

27

Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

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ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

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21 Iluminaccedilatildeo

De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se

ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas

aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo

para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir

noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da

iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo

como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico

num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que

A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do

projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como

ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma

conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o

escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou

Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios

Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser

produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em

outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do

filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da

histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)

As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e

a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um

lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e

desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno

ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura

afirma que

A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave

mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as

densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver

Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de

quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se

concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a

intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de

contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As

diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao

pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no

vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo

exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA

2001 p 20)

Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois

―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem

Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e

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feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da

expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador

devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente

analisaacutevel

As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e

lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser

definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a

luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste

uniformidade cor e intensidade

Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de

sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual

Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que

A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas

percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar

o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas

similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia

luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou

brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)

A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir

sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes

claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz

suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a

outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho

percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma

aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz

direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)

Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos

de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a

fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta

22 Cor

Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco

Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas

pois aumenta a veracidade da imagem

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Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

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amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

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―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

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232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

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3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

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devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

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Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

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Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

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Paulo Cosac Naify 2004

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GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

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guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

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PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

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STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

26

feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da

expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador

devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente

analisaacutevel

As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e

lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser

definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a

luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste

uniformidade cor e intensidade

Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de

sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual

Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que

A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas

percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar

o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas

similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia

luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou

brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)

A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir

sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes

claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz

suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a

outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho

percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma

aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz

direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)

Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos

de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a

fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta

22 Cor

Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco

Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas

pois aumenta a veracidade da imagem

27

Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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2003

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cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

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Paulo Cosac Naify 2004

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GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

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2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

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guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

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Campinas Papirus 2000

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SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

27

Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave

matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante

muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova

teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o

intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para

designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para

simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e

paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem

utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor

passou a ser usada de forma generalizada

Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da

fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a

realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da

especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura

Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a

ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees

audiovisuais Contudo o autor ressalta que

a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo

teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves

vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho

como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a

paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem

variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a

esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de

estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)

Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A

harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo

torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na

imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por

exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste

cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs

cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o

amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos

da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)

Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao

recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

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anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

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DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

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GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

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MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

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SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

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SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

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STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

28

amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada

diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis

Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de

ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem

teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas

especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade

Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores

satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada

espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos

valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem

23 Enquadramentos

O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que

determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo

que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores

O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada

Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira

como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave

objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela

Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos

teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos

notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena

mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar

mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico

Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o

tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos

objetos que constituem a cena

Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees

possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de

detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar

Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

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linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

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e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

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CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

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guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

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Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

29

―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para

a tela

231 Planos

O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre

dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no

qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute

determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da

objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da

narrativa que se pretende obter

Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada

autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute

possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos

planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o

observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta

planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os

intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro

plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens

plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por

exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA

(2004 p67-68)

A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano

Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade

fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte

1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro

2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos

joelhos para cima ou da cintura para cima

3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um

pouco abaixo

4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima

5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator

6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na

altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

30

232 Acircngulos de Filmagem

De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto

que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir

um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo

superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto

que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade

No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de

baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de

superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e

do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do

personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele

em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador

233 Movimentos de Cacircmera

Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por

Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da

ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental

de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a

descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou

uma personagem

Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de

cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o

deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem

constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A

panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio

eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a

trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com

o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural

Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou

complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir

de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um

―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

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AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

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CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

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Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

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Paulo Cosac Naify 2004

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GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

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MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

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MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

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SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

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SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

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STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

31

3 O cinema de autor

No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria

recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas

produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo

(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na

tela diferentes percepccedilotildees diante da trama

Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de

vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de

variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao

participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim

conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro

Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista

produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete

instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs

Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo

No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)

juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores

(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os

produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do

filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas

No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith

4

Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico

2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do

cinema mudo

3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano

um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas

4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de

Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o

movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o

filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)

5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro

de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia

de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou

em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo

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AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

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AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

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CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

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CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt

Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

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Paulo Cosac Naify 2004

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GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

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2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

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SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

32

devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e

dirigindo na publicidade de seus filmes

Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica

quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na

―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do

existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do

autor

Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-

sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e

substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a

atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando

que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo

metafiacutesicas (STAM 2003 p111)

Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo

que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi

responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou

a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras

refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica

abordando o ato de fazer e assistir a um filme

Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita

sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de

determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a

mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais

cineastas

Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers

Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica

Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes

que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar

conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as

filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios

seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma

simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)

Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do

Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os

grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas

6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem

como no sete de filmagem

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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2003

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CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

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Paulo Cosac Naify 2004

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GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

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MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

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MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

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PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

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SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

33

como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o

suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e

o puacuteblico como seu divertimento

Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no

cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes

nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees

inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo

autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de

caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor

(COVALESKI 2009 p83)

Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o

contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa

eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a

obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma

noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a

outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI

2009 p 84)

Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute

responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo

do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute

responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas

necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo

com Bernardet

Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua

maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um

filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que

preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em

perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)

O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem

traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na

direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas

optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas

uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na

direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo

RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

Campinas Papirus 1995

AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em

lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt

CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt

Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009

DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002

GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003

MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de

2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009

SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

34

Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora

diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior

originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade

crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais

Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de

autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para

Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do

discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia

Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e

situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi

apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser

considerado como tal

O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica

com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra

determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem

defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos

paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor

Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja

autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de

1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e

Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de

presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de

suas matildeos

Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo

(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do

curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos

experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar

Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo

Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se

tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila

Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras

produtoras independentes do paiacutes

No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute

que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

35

Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam

de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que

Meirelles considera ter feito em sua vida

No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas

publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos

que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar

notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar

e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas

da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para

natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar

em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade

Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a

produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando

Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2

Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no

mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios

internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca

de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio

Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede

Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura

completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um

departamento juriacutedico aacutegil

Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme

foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes

selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival

Internacional de Rotterdam

O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de

20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores

no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais

Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo

internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores

filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro

indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o

filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

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65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

36

Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado

como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no

manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a

pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo

sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No

entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional

Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao

levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner

o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na

categoria de Melhor Diretor

Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando

Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do

romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O

filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14

de maio de 2008

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

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Paulo Cosac Naify 2004

FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002

GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

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MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

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MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

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Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

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SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

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SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

37

4 Metodologia

A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando

compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria

nos filmes de Fernando Meirelles

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave

argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise

detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades

sociais

Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo

aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de

entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira

indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o

caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como

objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro

Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra

selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes

representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a

esteacutetica publicitaacuteria

Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que

seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem

fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de

expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica

Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do

conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia

e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise

a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e

organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir

das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)

interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em

funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo

Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise

fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra

que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo

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CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

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Paulo Cosac Naify 2004

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GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

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2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

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guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

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STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

38

linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa

fiacutelmica

Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo

1 Preacute-anaacutelise

a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor

enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)

2 Descriccedilatildeo Analiacutetica

a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos

3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando

em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes

Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute

necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo

haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica

efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo

pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando

necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que

considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde

que natildeo descarte as antecedentes

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

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Paulo Cosac Naify 2004

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GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

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MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

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PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

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SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

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STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

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VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

39

5 Anaacutelises

Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica

publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel

a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica

descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo

estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a

narrativa de cada um dos filmes

Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de

Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)

51 Domeacutesticas

Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo

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Paulo Cosac Naify 2004

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2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

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guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

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Campinas Papirus 2000

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64

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STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

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Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

40

Sinopse

Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de

Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada

Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa

sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar

de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute

Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida

Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com

um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por

missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a

mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que

satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se

estivessem dando uma espeacutecie de depoimento

Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas

aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de

emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o

outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das

domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo

Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo

encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas

por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do

plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave

novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um

sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da

profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento

cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes

publicitaacuterios

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

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AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

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CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt

Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009

DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002

GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

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2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

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SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

41

Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas

(Plano aberto e plano conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas

com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal

Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos

lateralizados

A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em

plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo

pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee

possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem

disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco

conotando mais tristeza agrave cena

Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e

cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como

acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute

limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera

tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no

estacionamento do preacutedio

Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em

que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a

personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o

deslocamento da personagem daquele mundo

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

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DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

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Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

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Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

42

Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas

(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de

serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves

tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas

com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)

Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em

um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um

domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao

casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte

observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre

sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o

responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua

profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela

As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena

No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo

agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

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2003

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CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

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Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

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DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

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GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

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MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de

2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

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SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

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SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

43

devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de

nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude

alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade

sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento

Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as

personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo

O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo

vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das

diversas dificuldades no seu dia-a-dia

O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano

meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em

meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave

criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)

isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo

dos exageros

Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna

da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores

quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo

RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

Campinas Papirus 1995

AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em

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CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt

Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009

DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002

GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003

MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de

2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009

SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

44

e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila

dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme

Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas

52 Cidade de Deus

Sinopse

O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro

protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou

um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a

estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto

de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante

amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente

suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num

ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele

descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se

fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista

do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

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Paulo Cosac Naify 2004

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GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

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MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

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SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

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STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

45

principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria

mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um

mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as

personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute

Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro

dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto

Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos

bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute

usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute

centralizada e em leve plongeacutee

Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

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DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002

GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

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MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

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MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de

2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

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SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

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SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

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STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

46

comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo

frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas

casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e

suave

A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do

traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na

criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar

perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-

plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem

Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano

geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo

compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando

naturalidade

Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus

(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

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DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

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Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

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Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

47

Iluminaccedilatildeo e cor

Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo

deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute

observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa

frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo

pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo

Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste

elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem

a funccedilatildeo de criar um visual expressivo

Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente

natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a

inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre

dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na

cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute

ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo

consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena

interna e provavelmente noturna

Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua

maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais

frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo

com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute

amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute

modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

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STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

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ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

48

periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo

publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama

Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus

Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante

Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com

a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um

material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a

imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee

com armas em punho apontadas para os policiais

Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela

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Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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RS Unisinos 2003

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64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

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ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

49

Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus

53 O Jardineiro Fiel

Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo

RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

Campinas Papirus 1995

AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em

lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt

CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt

Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009

DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002

GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003

MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de

2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009

SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

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ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

50

Sinopse

O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em

Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa

uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem

aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para

substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes

um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute

transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu

idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a

trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin

acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir

na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de

amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa

estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional

envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em

seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a

disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no

Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e

ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar

como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se

para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final

bastante diferente do que seria esperado

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos

mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a

imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia

de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio

em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao

lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar

para se proteger

Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem

Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo

RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

Campinas Papirus 1995

AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em

lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt

CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt

Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009

DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002

GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003

MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de

2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009

SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

51

plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades

azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um

embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos

Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em

plongeacutee e plano aberto em conjunto)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que

frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na

figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A

imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano

aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo

dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais

amenos frios

Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada

retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao

receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade

possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento

As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a

imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo

RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

Campinas Papirus 1995

AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em

lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt

CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt

Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009

DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002

GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003

MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de

2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009

SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

52

Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em

leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto

Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel

(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)

Iluminaccedilatildeo e cor

Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens

contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante

natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel

perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral

aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores

quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave

luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem

composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local

em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo

A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela

cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A

impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena

que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo

RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

Campinas Papirus 1995

AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em

lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt

CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt

Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009

DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002

GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003

MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de

2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009

SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

53

desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do

ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas

sim no seu proacuteprio lucro

Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de

ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir

contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis

por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele

seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com

movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma

arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite

suavidade e calor agrave cena

Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel

(variaccedilatildeo entre suave e dura)

Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando

com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na

lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em

equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira

imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais

onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

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Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

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Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

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A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo

RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

Campinas Papirus 1995

AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em

lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt

CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt

Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009

DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002

GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003

MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de

2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009

SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

54

ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens

em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)

ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem

possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua

composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)

como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade

Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel

54 Ensaio sobre a Cegueira

Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

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6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo

RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

Campinas Papirus 1995

AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em

lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt

CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt

Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009

DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002

GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003

MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de

2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009

SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

55

Sinopse

O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que

atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas

passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no

tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados

em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a

lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a

uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que

juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute

baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago

Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera

Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com

o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de

cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo

manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O

enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para

a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e

branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria

compotildee as cenas da trama

Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento

panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da

trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade

esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o

motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa

ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais

Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o

motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo

adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de

quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia

56

Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

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Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo

RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

Campinas Papirus 1995

AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em

lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt

CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt

Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009

DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002

GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003

MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de

2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009

SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

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ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

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Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plano geral em conjunto e grande plano geral)

Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e

plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados

por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em

filmes publicitaacuterios

Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As

camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que

foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um

plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento

de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-

se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois

tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um

enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a

tal sala

Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira

(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo

RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

Campinas Papirus 1995

AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em

lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt

CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt

Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009

DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002

GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003

MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de

2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009

SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

57

Iluminaccedilatildeo e cor

Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na

ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a

cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o

predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca

saturada de claridade

Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute

quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi

infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -

colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo

focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme

Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com

uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a

composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como

o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da

natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade

Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave

intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de

referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo

da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou

sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

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6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

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Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo

RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

Campinas Papirus 1995

AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em

lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt

CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt

Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009

DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002

GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003

MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de

2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009

SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

58

A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre

visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer

algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai

identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns

dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente

algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo

Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que

apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que

estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes

artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de

siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam

expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em

httpblogdeblindnessblogspotcom)

Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei

seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e

elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem

reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas

nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel

utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior

Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola

dos Cegosrdquo de Brueguel

Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito

raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o

grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde

pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo

enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a

viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo

de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele

voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte

Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a

visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo

RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

Campinas Papirus 1995

AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em

lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt

CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt

Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009

DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002

GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003

MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de

2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009

SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

59

do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera

vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade

composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada

no decorrer do filme

Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo

RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

Campinas Papirus 1995

AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em

lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt

CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt

Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009

DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002

GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003

MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de

2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009

SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

60

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia

audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim

de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes

Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas

entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das

consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir

a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na

fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a

partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise

constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes

Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais

na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de

cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe

Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma

realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como

quer que ela seja recebida pelos espectadores

No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos

variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem

videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente

natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e

descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma

realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a

reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas

personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que

durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia

adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia

Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se

estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal

como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo

do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute

suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo

RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

Campinas Papirus 1995

AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em

lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt

CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt

Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009

DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002

GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003

MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de

2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009

SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

61

de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais

apraziacutevel mais sutil da vida

Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo

de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia

Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar

com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia

crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita

agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo

muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da

pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria

presente no cinema contemporacircneo

O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui

analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a

beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das

imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de

Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste

entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas

cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo

com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo

demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades

Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera

sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam

seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado

com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo

da tela

Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de

cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso

reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado

onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas

atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida

da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo

assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em

um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda

muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo

RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

Campinas Papirus 1995

AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em

lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt

CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt

Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009

DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002

GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003

MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de

2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009

SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

62

Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que

compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns

mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de

janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em

que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando

certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais

personagens

Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos

filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e

arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute

usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir

se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e

produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de

se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com

certa beleza

Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem

publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma

fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja

caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e

dramaacuteticas

Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da

anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual

Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da

percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo

proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e

principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser

retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de

aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido

O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um

vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se

esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos

audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo

RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

Campinas Papirus 1995

AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em

lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt

CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt

Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009

DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002

GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003

MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de

2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009

SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo

RS Unisinos 2003

AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller

Campinas Papirus 1995

AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus

2003

BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil

anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem

cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF

(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em

lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt

CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt

Satildeo Paulo Paz e Terra 1999

COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009

DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo

Paulo Cosac Naify 2004

FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002

GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo

Paulo Summus 1978

MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996

MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003

MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de

2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt

MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um

guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos

Satildeo Paulo Atlas 2005

PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra

Campinas Papirus 2000

ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009

SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

64

SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem

da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004

STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello

Campinas Papirus 2003

VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas

Papirus 2002

XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e

Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura

65

ANEXOS

Lista de Premiaccedilotildees do Autor

Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles

Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo

199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use

199394 Samello ndash Montanha

199495 Semp Toshiba ndash Garantia

199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados

199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres

199900 Volkswagen ndash Campanha Golf

200203 Parmalat ndash Leite Perfeito

Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro

1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema

1997 (Prata) Honda ndash Vento

1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis

2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha

(Bronze) Lego ndash Bigode II

1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva

1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball

2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia

Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro

Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos

Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem

Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)

El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro

Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura