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1 Gabinete do Conselheiro Relator Carlos Thompson Costa Fernandes Processo 009256/2014-TC Interessado: Prefeitura Municipal de Parnamirim Assunto: Denúncia Responsáveis: Maurício Marques dos Santos (Prefeito Municipal), Gutemberg Xavier de Paiva (Secretário Municipal e Limpeza Urbana), Nilma Suely Oliveira dos Anjos (Presidente da Comissão Permanente de Licitação) Advogado (a): - EMENTA: ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. RESOLUÇÃO Nº 009/2011. PROCESSO DE CARÁTER SELETIVO E PRIORITÁRIO. PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR PARA QUE ESTA CORTE DE CONTAS DETERMINE A SUSPENSÃO DE CERTAME LICITATÓRIO PRETENSAMENTE MACULADO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA NECESSÁRIOS À CONCESSÃO DO PEDIDO CAUTELAR NO QUE TANGE APENAS À PREVISÃO EDITALÍCIA DE EXIGÊNCIA DA EXECUÇÃO DA TÉCNICA DE CAPINA QUÍMICA EM ÁREA URBANA. RISCO À SAÚDE DA POPULAÇÃO E AO MEIO AMBIENTE, ALÉM DE INDÍCIO DE AFRONTA AO CARÁTER COMPETITIVO DO CERTAME. SITUAÇÃO URGENTE. DECISÃO MONOCRÁTICA DO CONSELHEIRO RELATOR, A SER RATIFICADA PELO ÓRGÃO COLEGIADO. APRECIAÇÃO DA VIABILIDADE DE PREÇOS E DO PRAZO CONTRATUAL, A SER REALIZADA PELO CORPO TÉCNICO. POSSÍVEL ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA QUANTO A VÍCIO NA REPRESENTAÇÃO DOS AGENTES ACUSADOS. PATROCÍNIO DA CAUSA PELO PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO EM ATO DE INTERESSE PESSOAL DOS ENVOLVIDOS. CONFLITO DE INTERESSES. DEVER DE REPRESENTAÇÃO IMEDIATA AO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, ANTE A CONSUMAÇÃO DO FATO. DECISÃO PELA CONCESSÃO DA MEDIDA CAUTELAR, PARA DETERMINAR QUE O CHEFE DO EXECUTIVO MUNICIPAL EM EPÍGRAFE PROCEDA À EFETIVA SUSPENSÃO DO CERTAME LICITATÓRIO, OU DO CONTRATO, SE JÁ SUBSCRITO, PUBLICANDO TAL ATO DECISÓRIO NA IMPRENSA OFICIAL, NO PRAZO NESTE DECISUM ESTABELECIDO.

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Gabinete do Conselheiro Relator Carlos Thompson Costa Fernandes

Processo nº 009256/2014-TC Interessado: Prefeitura Municipal de Parnamirim Assunto: Denúncia Responsáveis: Maurício Marques dos Santos (Prefeito Municipal), Gutemberg Xavier de Paiva (Secretário Municipal e Limpeza Urbana), Nilma Suely Oliveira dos Anjos (Presidente da Comissão Permanente de Licitação) Advogado (a): -

EMENTA: ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL.

RESOLUÇÃO Nº 009/2011. PROCESSO DE CARÁTER

SELETIVO E PRIORITÁRIO. PEDIDO DE MEDIDA

CAUTELAR PARA QUE ESTA CORTE DE CONTAS

DETERMINE A SUSPENSÃO DE CERTAME LICITATÓRIO

PRETENSAMENTE MACULADO. PREENCHIMENTO DOS

REQUISITOS – FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN

MORA – NECESSÁRIOS À CONCESSÃO DO PEDIDO

CAUTELAR NO QUE TANGE APENAS À PREVISÃO

EDITALÍCIA DE EXIGÊNCIA DA EXECUÇÃO DA

TÉCNICA DE CAPINA QUÍMICA EM ÁREA URBANA.

RISCO À SAÚDE DA POPULAÇÃO E AO MEIO

AMBIENTE, ALÉM DE INDÍCIO DE AFRONTA AO

CARÁTER COMPETITIVO DO CERTAME. SITUAÇÃO

URGENTE. DECISÃO MONOCRÁTICA DO

CONSELHEIRO RELATOR, A SER RATIFICADA PELO

ÓRGÃO COLEGIADO. APRECIAÇÃO DA VIABILIDADE

DE PREÇOS E DO PRAZO CONTRATUAL, A SER

REALIZADA PELO CORPO TÉCNICO. POSSÍVEL ATO DE

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA QUANTO A VÍCIO NA

REPRESENTAÇÃO DOS AGENTES ACUSADOS.

PATROCÍNIO DA CAUSA PELO PROCURADOR-GERAL

DO MUNICÍPIO EM ATO DE INTERESSE PESSOAL DOS

ENVOLVIDOS. CONFLITO DE INTERESSES. DEVER DE

REPRESENTAÇÃO IMEDIATA AO MINISTÉRIO PÚBLICO

ESTADUAL, ANTE A CONSUMAÇÃO DO FATO. DECISÃO

PELA CONCESSÃO DA MEDIDA CAUTELAR, PARA

DETERMINAR QUE O CHEFE DO EXECUTIVO

MUNICIPAL EM EPÍGRAFE PROCEDA À EFETIVA

SUSPENSÃO DO CERTAME LICITATÓRIO, OU DO

CONTRATO, SE JÁ SUBSCRITO, PUBLICANDO TAL

ATO DECISÓRIO NA IMPRENSA OFICIAL, NO PRAZO

NESTE DECISUM ESTABELECIDO.

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Gabinete do Conselheiro Relator Carlos Thompson Costa Fernandes

RELATÓRIO

Cuidam os autos de denúncia formulada no âmbito desta

Corte de Contas, em razão de pretensas irregularidades na

Concorrência Pública nº 005/2014, realizada pela Prefeitura

Municipal de Parnamirim/RN, com valor global de R$

64.010.850,00, destinada à contratação de empresa para

execução dos serviços de limpeza urbana do antedito Município,

pelo prazo de 30 meses.

Recebido o feito neste Gabinete, determinei a sua remessa ao

Corpo Instrutivo, para fins de instrução preliminar sumária, com

fundamento no art. 80, §1º, da Lei Orgânica desta Corte.

Assim, após dita instrução, ante a apuração por parte da

Unidade Técnica da existência de indícios de veracidade dos fatos

alegados na peça inaugural, recebi a presente denúncia,

tornando-a pública.

Na mesma decisão, considerando a materialidade, o risco e a

relevância da matéria, determinei a conversão do presente em

processo de caráter seletivo e prioritário, nos termos da Resolução

nº 009/2011 – TCE/RN.

Ademais, tendo em vista a sugestão do Órgão Técnico de

suspensão cautelar do certame licitatório já deflagrado pelo

Município de Parnamirim, foi realizada a notificação dos gestores

Maurício Marques dos Santos (Prefeito Municipal), Gutemberg

Xavier de Paiva (Secretário Municipal e Limpeza Urbana), e Nilma

Suely Oliveira dos Anjos (Presidente da Comissão Permanente de

Licitação), para que, no prazo de 72 horas, apresentassem

manifestação prévia em face das supostas irregularidades ora

suscitadas.

Nesse ínterim, os responsáveis em epígrafe aduziram

manifestação conjunta, acompanhada da documentação

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requisitada para a apreciação da compatibilidade dos preços

estipulados na licitação com os praticados no mercado.

Destarte, a referida manifestação veio subscrita pelo

Procurador-Geral do Município, Sr. Fábio Daniel de Souza

Pinheiro, a quem compete, nos termos d art. 12, inciso II, do

Código de Processo Civil, a representação do Município de

Parnamirim/RN – pessoa jurídica de direito público interno –, e

não dos gestores – cuja obrigação de prestar contas é de natureza

pessoal.

Em face disso, foi concedido prazo de 10 dias para que os

aludidos responsáveis regularizassem o vício de representação

demonstrado, sob pena de ser considerada como inexistente a

manifestação aduzida, nos moldes do art. 166, §2º, do Regimento

Interno deste Tribunal.

Dada a urgência do tema, foram os autos, de imediato,

encaminhados ao Ministério Público de Contas, o qual, em

síntese, “diante da presença concomitante dos requisitos do fumus

boni iuris e do periculum in mora” (fl. 194) posicionou-se pela

suspensão cautelar da Concorrência Pública nº 005/2014, até a

correção das ilegalidades detectadas pelo Corpo Técnico deste

Tribunal, nos moldes da Informação nº 200/2014 – DAT/DAM.

Era o que cumpria relatar. Decido.

DECISÃO

I – Da Competência dos Tribunais de Contas para o manejo

de medidas cautelares. Cognição sumária. Possibilidade de

decretação de medidas cautelares por Decisão do Conselheiro

Relator, ante a urgência do bem jurídico em jogo. Avaliação do

fumus boni iuris e do periculum in mora.

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Gabinete do Conselheiro Relator Carlos Thompson Costa Fernandes

Imperioso se apresenta enfatizar, inicialmente, que a tutela

cautelar suscita do Órgão Julgador um juízo meramente

sumário, de delibação, com o escopo de verificar o preenchimento

dos requisitos necessários à sua concessão, quais sejam a

pertinência dos fundamentos jurídicos (fumus boni iuris) e a

iminência de lesão grave e de difícil reparação ao erário (periculum

in mora), nos exatos termos encartados nos arts. 1º, inciso X, e

121, incisos II e III, ambos previstos na Lei Complementar

Estadual nº 464/2012 c/c os arts. 2º, inciso X, 345, caput, e 346,

inciso III, todos previstos no Regimento Interno desta Corte –

Resolução nº 009/2012-TCE/RN; c/c o art. 6º, parágrafo único,

da Resolução nº 009/2011-TCE/RN, deste Tribunal.

É de se notar, pois, que esse indicado provimento não é

um fim em sim mesmo, mas, em verdade, propõe-se a garantir a

efetivação de outra tutela, seja esta cognitiva ou executiva. Nessa

esteira, veja-se a lição do processualista Fredie Didier1:

A tutela cautelar não visa à satisfação de um direito (ressalvando, obviamente, o próprio direito à cautela), mas, sim, a assegurar a sua futura satisfação,

protegendo-o. (grifos acrescidos)

A providência cautelar ora apreciada visa à proteção do

erário municipal e do interesse público, bem assim da saúde da

população e ao meio ambiente, ao tempo em que suscita a

intervenção desta Corte de Contas para determinar à autoridade

administrativa que suspenda a execução do certame licitatório ou

eventualmente do contrato que dele tenha sido originado,

objetivando o saneamento de supostas irregularidades apuradas

em instrução preliminar.

A possibilidade do manejo de medidas cautelares pelas

Cortes de Contas, em última análise, representa mais uma

1 JÚNIOR, Fredie Didier, BRAGA, Paula Sarno, OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Teoria da Prova, Direito Probatório, Teoria do Precedente, Decisão Judicial, Coisa Julgada e Antecipação dos Efeitos da Tutela. 6ª Ed. Vol. 02. Salvador:

Jus Podivm, 2011, p. 462.

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ferramenta que conduz à integral execução do mister

constitucionalmente conferido a estes Órgãos de Fiscalização das

Contas e que decorre, implicitamente, da norma insculpida no art.

71, da Lei Fundamental da República, consoante jurisprudência

consolidada do Supremo Tribunal Federal2.

Registre-se, por oportuno, que a concessão de medida

cautelar pelo Tribunal de Contas não constitui simples

recomendação, mas, ao contrário, detém força cogente

determinatória à autoridade pública a que for dirigida seu

cumprimento, como objetivamente assinalado pelo Supremo

Tribunal Federal, no mesmo precedente dantes citado, verbis:

Reconheço que a deliberação do E. Tribunal de Contas da União, no caso, analisada em seu conteúdo material, não veicula mera recomendação (como sugere a ora impetrante), mas consubstancia, no ponto versado na presente impetração mandamental, clara determinação (v. itens ns. 9.4 e 9.5 do Acórdão 2338/2006 - fls. 58/59) dirigida à própria Companhia das Docas do Estado da Bahia - CODEBA. (...) Ocorre, no entanto, tal como por mim precedentemente assinalado, que a deliberação do E. Tribunal de Contas da União, ora questionada nesta sede mandamental, traduz, na espécie em exame, determinação, que, por efeito de sua natureza mesma, revela-se impregnada de caráter impositivo (MS 26547/DF, STF, Min. Relator Celso de Mello, DJU

29.5.2007). (grifos acrescidos)

Além disso, importante ressaltar que, em casos de

comprovada urgência, o Relator, por decisão monocrática,

poderá determinar medidas cautelares, as quais serão

submetidas à ratificação do Órgão Colegiado. É o que disciplina

o art. 120, §3º, da Lei Orgânica desta Corte, in verbis:

Art. 120, § 3º- Em caso de comprovada urgência, as medidas cautelares poderão ser determinadas por decisão do Relator, devendo ser submetidas à ratificação do Tribunal até a terceira sessão subsequente.

2 Precedentes do STF: MS 23.550; MS 24.510, MS 26.547.

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No mesmo sentido, o Regimento Interno desta Corte, em seu

art. 345, §3º3.

Considerando que o certame licitatório já foi deflagrado, com

a publicação da empresa vencedora e que, segundo contato

telefônico da assessoria deste Gabinete com a Presidente da

Comissão Permanente de Licitação – CPL, a minuta do contrato já

está pronta para assinatura, plenamente configurada a urgência

quanto à análise da matéria.

Demonstrada, pois, a competência desta Corte de Contas

e as peculiaridades que circundam essa tutela de urgência no

âmbito desta jurisdição administrativa, cumpre verificar a

pertinência da medida cautelar sugerida e se neste caso concreto

se deu o preenchimento dos requisitos necessários, quais sejam o

fumus boni iuris e o periculum in mora, para a concessão da

cautelar.

Pois bem. A Concorrência Pública nº 005/2014, realizada

pelo Município de Parnamirim, objetiva a contratação de empresa

para execução dos serviços de limpeza urbana no aludido

Município, pelo prazo de 30 meses, no valor de R$ 64.010.850,00.

Perscrutando as informações trazidas na peça inaugural do

presente feito, bem como na Informação nº 200/2014 – DAT/DAM

e contrastando-a com a manifestação aduzida pelos agentes

denunciados, evidencia-se a plausibilidade dos fundamentos

jurídicos – fumus boni iuris – expostos nas referidas peças

informativas, na medida em que os gestores públicos responsáveis

não lograram efetivamente elidir os todos os indícios de

irregularidades nela indicadas.

3Art. 345. No início ou no curso de qualquer apuração, havendo fundado receio de grave lesão ao patrimônio público ou a direito alheio ou de risco de ineficácia da

decisão de mérito, o Tribunal poderá, de ofício ou mediante provocação, determinar

medidas cautelares. § 3º Em caso de comprovada urgência, as medidas cautelares poderão ser determinadas por decisão do Relator, devendo ser submetidas à

ratificação do Tribunal até a terceira sessão subsequente.

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I.1 – Da exigência de visita técnica em até 05 (cinco) dias

úteis antes da data de abertura das propostas. Divergência do

entendimento do Corpo Instrutivo desta Corte e do Órgão

Ministerial. Complexidade do objeto. Vistoria técnica adequada ao

caso, consoante entendimento deste próprio Tribunal de Contas,

em caso análogo.

Primeiramente, conforme item d.6.1 e d.11 do Edital, exigiu-

se do licitante, para fins de habilitação, a realização de vistoria

técnica, nos moldes do art. 30, inciso II, da Lei Geral de Licitações,

a qual:

“deverá ser previamente agendada, para conhecimento

das dificuldades na execução dos serviços, emitida pela

Secretaria Municipal de Obras Públicas e Saneamento. A

visita tem que, obrigatoriamente ser feita por técnico

da Empresa, a qual deverá ser obtido até 05 (cinco)

dias úteis antes da data de abertura das propostas” (fl.

22).

Ocorre que, segundo o apurado em cognição sumária pelo

Corpo Instrutivo e pelo Ministério Público de Contas, a exigência

de visita técnica pelos licitantes somente deve ocorrer em

condições excepcionais, devendo, em casos regulares, ser

substituída “por declaração de conhecimento das condições da

prestação dos serviços e, caso necessária a sua realização, que o

prazo da visita técnica coincida com a data de entrega dos

envelopes” (fl. 48).

Segundo o Parquet de Contas, o presente caso não se

enquadra nas hipóteses excepcionais que autorizariam a

realização prévia da vistoria técnica, por parte dos licitantes. Isto

porque, em sua análise:

“o objeto licitado se refere à execução de serviços de

limpeza urbana no Município de Parnamirim/RN, cujas

condições podem ser expressas de modo detalhado no

instrumento convocatório, tornando possível a elaboração

de propostas precisas, e não evidencia a peculiaridade

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Gabinete do Conselheiro Relator Carlos Thompson Costa Fernandes

ou complexidade do local a ensejar a obrigatoriedade

de visita técnica” (fl. 184).

Diferentemente do entendimento externado Corpo

Instrutivo e pelo Ministério Público de Contas, vislumbro que, no

presente feito, a exigência de vistoria técnica por parte dos

licitantes é medida adequada e, inclusive, recomendável, ante

a complexidade dos serviços a serem executados.

Explico.

Lixo, em linhas gerais, é todo e qualquer resíduo sólido

oriundo de atividades humanas ou proveniente da natureza, nas

regiões urbanas. A origem, destarte, é o principal elemento para a

caracterização dos resíduos sólidos4. Assim, os tipos de lixo podem

ser divididos em quatro grupos, quais sejam: lixo residencial, lixo

comercial, lixo público e lixo proveniente de fontes especiais.

A execução dos serviços de limpeza urbana, com a coleta dos

diversos tipos de lixo empregando os meios mais adequados a

cada um deles, influencia diretamente na saúde da população e,

claro, na conservação do meio ambiente.

É nesse sentido que os serviços de limpeza urbana,

especialmente no Município de Parnamirim/RN – atualmente o

terceiro município mais populoso do Estado do Rio Grande do

Norte, e que ocupa uma área de 123,471 km²5 –, são, de fato, de

elevada complexidade, razão que justifica a exigência de prévia

vistoria técnica.

Tanto é que, em caso semelhante, esta Colenda Corte de

Contas, na apreciação da licitação para contratação dos serviços

4ALBUQUERQUE, João Batista Torres de. Resíduos sólidos: lixões,aterros sanitários,

reciclagem, do meio ambiente e do crime ambiental.. Rio de Janeiro: Editora Independente, 2010.

5 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Parnamirim_(Rio_Grande_do_Norte). Acesso em:

10/08/2014, às 22h24.

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de limpeza urbana do Município de Natal/RN, entendeu ser

imprescindível a realização de vistoria técnica por parte dos

licitantes como condição de habilitação. É o que se depreende

do trecho a seguir, extraído da Informação nº 001/2013 – DAI, dos

autos do Processo nº 10.985/2013 – TC – cujo Edital de licitação,

após as correções, foi aprovado, na forma do Acórdão n 448/2013

–, verbum ad verbum:

Ora, é louvável o propósito da URBANA de levar os

licitantes às ruas, para verificarem in locu os problemas e

gargalos sofridos pela sociedade em geral e por cada

indivíduo em particular, no que concerne à questão da

limpeza urbana. É imprescindível que os eventuais

licitantes conheçam os problemas de lixo existentes

nos becos, canteiros e lixões a céu aberto que se

espalham pela cidade; é necessário mesmo que

saibam dos desafios que os aguardam, inclusive como

forma de estimular (ou desestimular desde já) a

respectiva participação no certame. A ideia, fruto de

um grupo de gestores competentes e bem intencionados,

é válida o modus operandi mostra-se equivocado, para

não dizer ilegal. (SIC)

Em arremate, cumpre destacar a jurisprudência do Tribunal

de Contas da União – TCU, acerca do tema:

A visita de vistoria tem por objetivo dar à Entidade a certeza e a comprovação de que todos os licitantes conhecem integralmente o objeto da licitação e, via de consequência, que suas propostas de preços possam refletir com exatidão a sua plena execução, evitando-se futuras alegações de desconhecimento das características dos bens licitados, resguardando a Entidade de possíveis inexecuções contratuais. Portanto, a finalidade da introdução da fase de vistoria prévia no edital é propiciar ao proponente o exame, a conferência e a constatação prévia de todos os detalhes e características técnicas do objeto, para que o mesmo tome conhecimento de tudo aquilo que possa, de alguma forma, influir sobre o custo, preparação da proposta e execução do objeto.

(Acórdão n 4.968/2011, Segunda Câmara, Tribunal de Contas da União).

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Gabinete do Conselheiro Relator Carlos Thompson Costa Fernandes

Nessa esteira, por entender que, a priori, a exigência de

vistoria técnica pode limitar o universo de competidores – ou

mesmo tornar mais onerosa para uns do que para outros a

participação no certame, a depender da localidade de cada

empresa – o TCU defende que, para ser devida tal exigência, faz-se

necessário demonstrar a indispensabilidade de sua realização

para a fiel execução do objeto a ser contratado, dada a sua

complexidade, tal como ocorre no presente feito, motivo pelo qual

considero devida a realização prévia de tal vistoria.

Superada a questão da imprescindibilidade da realização da

visita técnica, ante a complexidade e importância do objeto a ser

licitado, imperioso tecer breves comentários acerca do prazo

estipulado para a realização de tal vistoria.

A Concorrência Pública aqui analisada teve seu Edital

publicado em 21/05/2014, em imprensa oficial. A partir desta

data, os interessados poderiam agendar a realização de visita

técnica, que deveria ser obrigatoriamente acompanhada por

técnico da empresa interessada. A declaração de vistoria, de

mais a mais, deveria ser obtida pelo licitante até 5 (cinco) dias

úteis antes da data de abertura das propostas.

Assim sendo, pela simples leitura do item d.6.1 do Edital, é

possível compreender que os licitantes não estavam obrigados a

realizar a visita em data específica, qual seja, 23/06/2014, que

seria 5 dias úteis anteriores à abertura das propostas, ocorrida em

30/06/2014.

Eles poderiam realizar tal vistoria num prazo elástico,

desde a data da publicação do certame até o quinto dia útil

anterior à abertura das propostas.

Destarte, entendo não haver – ao menos neste juízo de

cognição sumária – no dispositivo acima referido, qualquer

violação ao caráter competitivo da licitação, pelo que divirjo

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Gabinete do Conselheiro Relator Carlos Thompson Costa Fernandes

do entendimento do Corpo Instrutivo e do Ministério Público de

Contas.

A exigência, na forma como prevista, encontra respaldo na

jurisprudência do Tribunal de Contas da União, segundo o qual só

haveria restrição ao princípio da competitividade caso fosse

disponibilizada tão somente uma única data para que todos os

participantes realizassem a vistoria. Vejamos o trecho do artigo

de Kelly de Arruda, publicado em

http://www.zenite.blog.br/visita-tecnica-ponderacoes-do-tcu/#.U-

gfrfldXiU:

Segundo a Corte de Contas, o fato da exigência de visita técnica ser em um único dia e horário torna prejudicial a obtenção de proposta mais vantajosa para a administração, uma vez que possibilita que as empresas tomem conhecimento de quantos e quais são os participantes do certame. Esse é o raciocínio que se extrai do Acordão n°110/2012 – Plenário: “31. Com relação à exigência de que os competidores devem realizar visita técnica ao local da obra, em dia e hora único, definido no edital, foi demonstrado que a jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de repudiar tal medida, por configurar restrição indevida à competitividade do certame e por favorecer o prévio acerto entre os pretendentes. Neste caso, a falta é suficiente para macular a licitação e ensejar proposta para a anulação do processo licitatório, sem prejuízo de dar ciência ao omissis que a inserção no edital de licitação de exigência para a realização de vistoria técnica em um único dia e horário, constitui-se em restrição à competitividade e ofensa ao disposto no art. 3º, caput, e §1º, inciso II, da Lei 8.666/1993, além de favorecer ajustes entre os potenciais competidores”.

Por todo exposto, diferentemente do posicionamento da

Diretoria de Administração Municipal e do Parquet de Contas,

neste exame perfunctório, considero correta a exigência de

visita técnica como condição de habilitação, nos moldes do

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Gabinete do Conselheiro Relator Carlos Thompson Costa Fernandes

acima debatido, haja vista a complexidade dos serviços de limpeza

urbana.

I.2 – Exigência da execução da técnica de capina química em

área urbana. Risco à saúde da população e ao meio ambiente.

Vedação expressa pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária –

ANVISA. Dever de suspensão da referida exigência.

De outra banda, consta nos itens d.2.1 e d.2.2 que, dentre a

comprovação técnica exigida dos licitantes, os referidos deverão

atestar a efetiva execução, dentre outros, dos serviços de capina

química.

No entanto, segundo a Nota Técnica editada em 15 de

janeiro de 2010, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária –

ANVISA, “a prática da capina química em área urbana não

está autorizada pela ANVISA ou por qualquer outro órgão, não

havendo nenhum produto agrotóxico registrado para tal finalidade”.

Os responsáveis, em sua manifestação – a qual ainda

considero existente mesmo viciada, vez que não se esgotou, para

estes, o prazo de 10 (dez) dias para regularizarem sua

representação –, reconheceram expressamente que a utilização

do produto não é autorizada pelo órgão competente, conforme

se depreende do item 29, da peça apresentada (fl. 69).

Acostaram aos autos, nesse ínterim, a Orientação Técnica

CGA nº 03/2011, editada pela Coordenação-Geral de Agrotóxicos

e Afins, parte do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, o

que, segundo eles, “garante o seu uso em áreas específicas, como

margens de rodovias e ferrovias, não sendo utilizada em áreas

verdes municipais” (fl. 69).

A aludida Orientação Técnica, na seção de produtos

registrados pelo IBAMA prevê o seguinte:

I – Agrotóxicos de uso Não-Agrícola: Tais produtos seguem a mesma legislação federal que os agrotóxicos de uso agrícola, portanto são sujeitos a inspeção pelos

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mesmos órgãos, exigências de receituário agrônomo e destinação final de embalagens. Tais produtos podem ser usados em florestas nativas, aceiros, margens de rodovias e ferrovias, mediante autorização ambiental prévia. Tais produtos não podem ser utilizados em ambiente agrícola, tampouco em jardinagens e áreas

verdes, na operação de capina química.

Ocorre que, a própria ANVISA, na mesma Nota Técnica

acima referida, tratou dos produtos registrados pelo IBAMA, da

seguinte forma:

Por oportuno, importa ainda observar que há, no mercado, produtos agrotóxicos registrados pelo Instituto Nacional do meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) identificados pela sigla “NA” como agrotóxicos de uso Não-Agrícola. No entanto, essa identificação, ao contrário do que possa parecer à primeira vista, não significa a autorização da utilização de tais produtos em área urbana. Os produtos registrados pelo IBAMA apenas podem ser aplicados em florestas nativas, em ambientes hídricos (quando assim constar no rótulo) e outros ecossistemas (além de vias férreas e sob linhas de

transmissão).

Destarte, tem-se novamente, num exame perfunctório

próprio dessa fase processual sumária, próprio do processo

cautelar, uma cláusula que busca restringir a competitividade da

licitação – ao exigir dos licitantes a capacidade de realizar a

atividade da capina química em perímetro urbano, a qual é vedada

pelos órgãos competentes – e, ainda, mais grave, vez que põe em

risco a saúde da população do Município em epígrafe, bem como o

meio ambiente.

Ressalte-se, como bem assentado pelo Corpo Técnico e pelo

Parquet de Contas, que a própria Lei Orgânica do Município de

Parnamirim – Lei Complementar Municipal nº 53/2011 – veda

expressamente o uso de produtos químicos que sejam proibidos

pela legislação aplicável. Vejamos o antedito diploma legal, in

verbis:

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Art. 69 - São vedados no Município, entre outras atividades: VI - produção, o transporte, a comercialização e o uso de medicamentos, bióxidos, agrotóxicos, produtos químicos ou biológicos cujo emprego seja proibido no território nacional, por razões toxicológicas, farmacológicas ou de degradação ambiental;

Há, portanto, sério indicativo de afronta ao dispositivo em

apreço, com a cláusula acima referida.

Inclusive, a jurisprudência dos Tribunais de Justiça é

uníssona no sentido de vedar a utilização da técnica da capina

química em perímetro urbano, conforme se depreende dos

julgados a seguir:

CAPINA QUÍMICA. PERÍMETRO URBANO. PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. PROVA ORAL. (...) 2. É proibida a realização de capina química dentro do perímetro urbano independentemente da destinação agrícola conferida ao imóvel. Lei n.º 3.294/99 do Município de Estrela. Hipótese em que há prova de que o autor aplicou herbicida em propriedade localizada dentro do perímetro urbano. Recurso provido. (Apelação Cível Nº 70050514843, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 25/10/2012). ADMINISTRATIVO. MEIO AMBIENTE. AÇAO CIVIL PÚBLICA. CAPINA QUÍMICA EM ÁREA URBANA. UTILIZAÇÃO DE PRODUTO NÃO LIBERADO PELA ANVISA PARA TAL FIM. Segundo o ordenamento jurídico brasileiro, nenhum estado ou município poderá autorizar o uso de um agrotóxico que não seja registrado nos órgãos federais competentes para tal finalidade. Se a própria ANVISA, que tem como atribuição um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, expediu resolução (Res. ANVISA nº 165/2003) esclarecendo que a autorização

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para uso do ingrediente ativo "glifosato", na modalidade de emprego não-agrícola, restringiu-se às margens de rodovias e ferrovias, áreas sob rede de transmissão elétrica, pátios industriais, oleodutos e aceiros, está evidenciada a impossibilidade de autorização para seu uso em áreas urbanas (ruas, praças, terrenos baldios, jardins, calçadas, etc). (...) Em pesquisa esmiuçada, tanto em livros como em sítios da "internet", verifiquei ser muito comum, sobretudo em cidades do interior, agentes da Prefeitura usarem herbicidas como o "paraquate" ou o "glifosato" para fazer a chamada "capina química" em praças, ruas e calçadas. Em face disso, em janeiro de 2010, a ANVISA publicou uma "Nota Técnica" sobre o uso de agrotóxicos em áreas urbanas esclarecendo que "a prática da capina química em área urbana não está autorizada pela ANVISA ou por qualquer outro órgão, não havendo nenhum produto agrotóxico registrado para tal finalidade". (TJ-MG, Relator: Peixoto Henriques, Data de Julgamento: 30/04/2013, Câmaras Cíveis / 7ª CÂMARA CÍVEL)

Enfim, diante dos elementos que compõem este caderno

processual, inclusive, em face à análise da manifestação

preliminar e da documentação aduzida pelos responsáveis, reputo

suficientemente evidenciado o fumus boni iuris.

Já quanto ao requisito do periculum in mora, também

firmo juízo de valor no sentido de sua plena caracterização,

visto que, caso este Tribunal de Contas não adote uma medida

para impedir uma plausível violação ao caráter competitivo da

licitação e à legislação já referida – o que, no presente feito,

representa inclusive risco à saúde da população e ao meio

ambiente –, deixando para atuar tão somente em sede de decisão

definitiva e de cognição exauriente, esta demora pode ensejar

seriíssimo risco de dano grave ou de difícil reparação.

Imperioso, portanto, que esta Corte de Contas determine que

o Prefeito de Parnamirim suspenda a Concorrência Pública no

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005/2014, ou eventualmente o contrato oriundo do referido,

acaso já assinado, até decisão definitiva deste Tribunal.

Com ser assim, ante a verificação da pertinência dos

fundamentos jurídicos trazidos (fumus boni iuris) pela

Denunciante e pelo Corpo Instrutivo desta Corte, bem assim em

face da real possibilidade de lesão grave e/ou de difícil reparação

(periculum in mora) ao Município de Parnamirim, reputo como

medida mais adequada aos parâmetros constitucionais e legais a

determinação cautelar, por este Conselheiro Relator, a ser

referendada pela 1ª Câmara de Contas em momento futuro,

para que o Chefe do Executivo Municipal efetue a suspensão

da Concorrência Pública nº 005/2014 – ou, se for o caso, do

contrato que tenha sido firmado em razão de tal certame –,

até que se decida o mérito deste processo, vez que os comandos

desta Corte são impregnados de força cogente.

II – Manifestação dos gestores – ato de interesse pessoal –

firmada pelo Procurador-Geral do Município, a quem compete à

representação do Ente Municipal. Vício configurado. Conflito de

interesses. Dever de representação ao Ministério Público Estadual

para fins de apuração de ato de improbidade administrativa.

Além disso, a manifestação dos responsáveis Maurício

Marques dos Santos (Prefeito Municipal), Gutemberg Xavier de

Paiva (Secretário Municipal e Limpeza Urbana), e Nilma Suely

Oliveira dos Anjos (Presidente da Comissão Permanente de

Licitação), após a notificação para defesa prévia, foi subscrita pelo

Procurador-Geral do Município, Sr. Fábio Daniel de Souza

Pinheiro.

Entretanto, segundo a disciplina contida no art. 12, inciso II,

do Código de Processo Civil, ao Procurador do Município compete

a representação do aludido Ente, sem que esta se confunda com a

atribuição de defender o Prefeito Municipal, Secretários ou

servidores, posto que a obrigação destes últimos de prestar contas

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perante este Tribunal, consoante art. 70, parágrafo único, da

Magna Carta, é de natureza pessoal.

Essa também é a vertente exegética abarcada pelo Supremo

Tribunal Federal, como se pode subsumir de parte do voto do

eminente então Ministro Neri da Silveira, no julgamento do

mandado de segurança n.º 21.644-DF, verbis:

“O dever de prestar contas, no caso, não é da entidade, mas da pessoa física responsável por bens e valores públicos, seja ele agente público ou não. (...) A prova da regularidade da aplicação dos recursos é do gestor, sendo irrelevante que os documentos da associação não estivessem em seu poder: a pedido da defesa, foi feita diligência, que demonstrou a inexistência de peças comprobatórias da correta aplicação (STF, Tribunal Pleno, MS 21644/DF; Rel. Min. Néri da Silveira; DJ 08.11.1996)”.

Assim, em casos semelhantes, quando o patrocínio da causa

– repita-se, de interesse pessoal – foi realizado pelo Procurador-

Geral do Município, a jurisprudência dos Tribunais Superiores

entendeu restar configurado ato de improbidade administrativa,

pelo conflito de interesses existente entre a defesa do gestor –

responsável pelo ato impugnado – e a proteção ao Ente – que

restou prejudicado pelo aludido ato. Vejamos, nesse sentido, o

entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, in verbis:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. Recebimento da inicial e declaração de inexistência da manifestação inicial do requerido, em decorrência da falta de regularização de sua representação processual. Pretensão de reforma da decisão. PROCURADOR DO MUNICÍPIO NA DEFESA DE PREFEITO. Impossibilidade. Conflito de interesse manifesto. JUSTA CAUSA. Existente. Prova de materialidade do fato e indícios de autoria configurados CERCEAMENTO DE DEFESA. Inexistente. Da representação processual irregular decore a inexistência de defesa inicial. Possibilidade de reiterar alegações em contestação. Decisão mantida. Recurso desprovido. (...)

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Não há cerceamento de defesa com a declaração de inexistência da defesa inicial ofertada pelo agravante em decorrência da irregularidade processual. De fato, não pode o procurador do Município, ao mesmo tempo em que atua no interesse do Município, patrocinar causa de interesse daquele que supostamente violou o patrimônio moral desse mesmo Município. Ademais, é de clareza solar que tal conflito de interesses, entre o público e o privado, leva irrefragavelmente, com fundamento na regência processual (CPC, art. 13), à desconsideração, por inexistência jurídica, de ato que contrarie o princípio da supremacia do coletivo. Como é evidente o conflito de interesses, com fundamento no art. 13 do CPC, reputa-se inexistente o ato praticado por quem não tem atribuição jurídica para exercer os atos processuais. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Registro: 2013.0032374 TJ-SP_AI_00273735520138260000

O Superior Tribunal de Justiça, de mais a mais, considerou

ato de improbidade administrativa a utilização de advogados

pagos com recursos públicos na defesa de interesses pessoais dos

gestores. É o que se depreende do seguinte julgado:

ADMINSTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO CIVL

PÚBLICA. CONTRATÇÃO DE ADVOGADO PRIVADO

PARA IMPETRAÇÃO DE MANDADOS DE SEGURANÇA

EM FAVOR DE AGENTE PÚBLICO. PAGAMENTO COM

VERBAS DA MUNICPALIDADE. ALEGADO INTERESSE

PÚBLICO NAS CONTROVÉRSIAS. AUSÊNCIA DE PRÉVIA

LICTAÇÃO. IMPROBIDADE CONFIGURADA.

1. Encontra-se sedimentada orientação jurisprudencial

deste Tribunal Superior no sentido de que "quando se

tratar da defesa de um ato pessoal do agente

político, voltado contra o agente público, não se

pode admitir que, por conta do órgão público,

coram as despesas com a contração de advogado"

(AgR no REsp 681.571/GO, Rel. Min. Eliana Calmon,

Segunda Turma, DJU 29.6206). (AgRg no RECURSO

ESPECIAL Nº7.37 -RS 205/0142192-6)

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Dito isto, considerando a gravidade do ato já consumado, o

qual ofende frontalmente preceitos constitucionais, é dever desta

Corte a representação imediata ao Ministério Público Estadual,

até mesmo ante o exaurimento da conduta ora mencionada, com a

finalidade de que sejam apuradas as responsabilidades dos

responsáveis em sede de improbidade administrativa.

III – Da avaliação da compatibilidade dos preços fixados no

certame licitatório com os praticados do mercado. Apreciação do

prazo fixado para o contrato. Competência da Inspetoria de

Controle Externo desta Corte.

Além do mais, tendo em vista os novos documentos

acostados ao feito pelos responsáveis, importante que esta Corte

de Contas aprecie a compatibilidade dos preços fixados pelo

certame com aqueles corriqueiramente praticados no mercado,

avaliando, inclusive, o prazo fixado para a contratação em apreço,

qual seja, de 30 meses.

Destarte, segundo disciplina do art. 1716, da Lei

Complementar Estadual nº 464/2012, tal instrução compete à

Inspetoria de Controle Externo – ICE.

Assim, após a adoção das providências de suspensão da

licitação em análise, ou do contrato, por ato do agente público

competente para cumprimento de tal determinação, deverão os

autos seguirem, de imediato, à ICE, para a devida apreciação

técnica e emissão de informação conclusiva.

6Art. 171 – Omissis. “Art.17. A Inspetoria de Controle Externo constitui órgão técnico

de controle externo, dirigido por um Diretor, símbolo CC-2, com subordinação à

Secretaria de Controle Externo e articulação operacional à Diretoria da Administração

Direta, Diretorias de Câmaras, sem prejuízo das atividades de controle externo desenvolvidas por cada unidade administrativa, tem por finalidade controlar e

acompanhar a execução, em nível físico-financeiro, de projetos relativos a obras e serviços de engenharia da administração direta e indireta do Estado e dos Municípios,

consignados em orçamentos e programas de trabalho, além de outras que lhe forem

compatíveis, conferidas por regulamento.” (NR)

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DISPOSITIVO

FACE AO EXPOSTO, acolhendo em parte a informação do

Corpo Instrutivo e o Parecer do Ministério Público de Contas –

deles divergindo quanto à legalidade da exigência da prévia

vistoria técnica por parte dos licitantes –, DECIDO pela

CONCESSÃO DO PEDIDO CAUTELAR formulado pelo Corpo

Instrutivo, com fundamento nos artigos 120, caput e §3º, 121,

inciso III, todos da Lei Complementar nº 464/12, em conjugação

com o artigo 345, caput e §3º, do Regimento Interno,

determinando assim que o Chefe do Poder Executivo do

Município de Parnamirim, Prefeito MAURÍCIO MARQUES DOS

SANTOS, proceda à efetiva suspensão da Concorrência Pública

nº 005/2014 – ou mesmo do contrato que porventura tenha

sido firmado com a empresa vencedora –, bem como efetue a

divulgação do referido ato, por meio da imprensa oficial,

devendo comprovar tal medida a esta Corte de Contas no

prazo improrrogável de 05 (cinco) dias, contados a partir da

ciência desta decisão – que deverá ser levada a efeito pelo

meio mais célere possível –, consoantes fundamentos já

esposados, mantendo-se, ademais, em todos os seus termos, o

caráter seletivo e prioritário deste processo, inerente aos atos

regidos pela Resolução nº 009/2011 deste Tribunal de Contas.

Ademais, DETERMINO a remessa imediata de cópia do

presente processo ao Ministério Público Estadual, para

investigação acerca do possível enquadramento em ato de

improbidade administrativa o patrocínio das defesas de natureza

pessoal dos agentes públicos – Prefeito Municipal, Secretário

Municipal e Presidente da Comissão Permanente de Licitação –

diretamente pelo Procurador-Geral do Município.

Ultimadas às comunicações aos interessados – a serem

realizadas imediatamente pela Diretoria de Atos e Execuções desta

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Corte –, siga o feito diretamente à Inspetoria de Controle Externo –

ICE, para fins de instrução.

PUBLIQUE-SE.

Natal, 11 de agosto de 2014.

CCaarrllooss TThhoommppssoonn CCoossttaa FFeerrnnaannddeess

Conselheiro Relator