futurismo-ruptura e experimentacao

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  • Juliana Demarque Machado Siqueira

    FUTURISMO: RUPTURA E EXPERIMENTAO

    Trabalho de concluso de curso apresentado ao Centro Universitrio Senac Campus Santo Amaro, como exigncia para obteno do grau de Bacharel em Design com habilitao em comunicao visual.

    Orientadores: Prof. Nikolas Lorencini e Prof. Guilherme Ranoya

    So Paulo2013

  • S618f Siqueira, Juliana Demarque Machado

    Futurismo: ruptura e experimentao / Juliana Demarque Machado Siqueira So Paulo, 2013.98 p. : il. color.Inclui 01 CD de udio.

    Orientadores: Prof. Nikolas Lorencini e Prof. Guilherme Ranoya.Trabalho de Concluso de Curso (Bacharel em Design Habilitao em Comunicao Visual) Centro Universitrio Senac, So Paulo, 2013.

    1. Futurismo 2. Tipogra a 3. Expresso Visual I. Lorencini, Nikolas (Orient.) II. Ranoya, Guilherme (Orient.) III. Ttulo

    CDD 741

  • THE PASSION FOR DESTRUCTION IS ALSO A CREATIVE PASSION Mikahil Bakunin, 1842

  • RESUMO

    Uma re exo sobre os processos e propsitos com que imagens e textos so criados pretende fornecer bases para a compreenso de suas possilibilidades e limitaes comunicacionais conforme agem na veiculao de mensagens, ora em conjunto, ora individualmente. Partindo da premissa que ambos podem se intensi car mutuamente e comporem, assim, resultados mais expressivos e ricos em signi cado, so analisadas obras dos poetas futuristas italianos, do incio do sculo XX, que se destacaram pelo uso experimental da tipogra a como alicerce da comunicao. proposto ento um exerccio de transposio da misso futurista para a atualidade, a m de se explorar como novos processos e tecnologias no disponveis na poca da Parole in Libert poderiam ser usados para criar mensagens nas quais a tipogra a utilizada como protagonista na expresso visual.

    Palavras-chave: Futurismo, Tipogra a, Expresso visual

  • ABSTRACT

    A re ection on the process and purpose with which pictures and texts are created aims to provide a background for understanding their possibilities and limitations in communication as they deliver messages, sometimes together, sometimes individually. Assuming that both can intensify each other and thus compose more expressive and meaningful results, the works of italian futurist poets, in the early twentieth century, which stood out for their experimental use of typography as the foundation of communication are analyzed. It is then proposed an exercise in order to translate the futuristic agenda to the present, exploring how new process and technologies not available back at the time of Parole in Libert could be used to convey messages in which typography plays the main role in visual expression.

    Keywords: Futurism, Typography, Visual expression

  • SUMRIO

    INTRODUO 12

    1 IMAGEM E ESCRITA 151.1 Imaginao e registro 181.2 Cdigo 231.3 Leitura 261.4 Tipogra a e expresso visual 28

    2 FUTURISMO 332.1 Contexto histrico 362.2 Arte em movimento 392.3 Palavras em liberdade 49

    3 EXPERIMENTAES 633.1 Einstrzende Neubauten 673.2 NNNAAAMMM 703.3 Formato 713.4 Processos investigados 723.5 Resultados 84

    CONCLUSO 90

  • 12

    INTRODUO

    Diante da profuso de recursos e tcnicas mo dos designers e da propagao e consagrao de modismos gr cos, surgem inquietaes quanto a criatividade e originalidade presentes nas solues de comunicao visual contemporneas.

    Tais inquietaes culminaram na busca pelo diferente, pela exceo, pelo subversivo. E, assim, somadas busca por uma compreenso mais slida das possibilidades comunicacionais no design gr co, relacionando texto e imagem, conduziram s vanguardas europeias do incio do sculo XX, mais especi camente o Futurismo italiano.

    A m de se compreender como textos e imagens podem ser usados para a produo de signi cados na comunicao visual, algumas de suas caractersticas foram analisadas. O primeiro captulo apresenta os conceitos de imagem tradicional e imagem tcnica, desenvolvidos pelo lsofo Vilm Flusser, bem como os conceitos de cdigo e escrita e sua ligao com as imagens. Aspectos da tipogra a, segundo o designer e tipgrafo Erik Spiekermann, foram levantados para evidenciar as distines presentes no seu uso em textos literrios e outras formas de comunicao escrita.

    Em um segundo momento, procura-se ilustrar os conceitos observados atravs da anlise da produo gr ca e potica do Futurismo - expresso artstica que surge na Itlia no incio do sculo XX. O movimento futurista propunha a revoluo total da sociedade atravs da arte. Diversos manifestos foram escritos, abrangendo pintura, escultura, teatro, arquitetura, poesia e msica. Sua forma de poesia foi reconhecida pioneira no uso da tipogra a como manipuladora do contedo alm da mera materializao do enunciado verbal. A proposta do Futurismo era enrgica, at mesmo violenta, exaltando a ruptura total com as convenes do passado.

  • 13

    Admitindo-se, entretanto, que as inovaes e tendncias contemporneas tm razes - rasas ou profundas - em modelos do passado, o vanguardismo dos futuristas serviu como ponto de partida para a experimentao com processos e linguagens buscando novas formas de expresso atravs da tipogra a como modo de interpretao da comunicao visual.

    Os exerccios propostos tiveram como nalidade traduzir gra camente a msica NNNAAAMMM, do grupo Einstrzende Neubauten, seu contedo e sua estrutura. O conjunto alemo tambm reconhecido por seu som experimental, cuja temtica por vezes se aproxima dos ideais futuristas.

    Fotocopiadoras e mesas digitalizadoras foram utilizadas de maneira no usual a m de evidenciar a subjetividade do agente operador e investigar os efeitos visuais que podem ser obtidos atravs de diferentes con guraes desses equipamentos. Carimbos foram confeccionados para tentar interpretar de maneira ldica o ritmo e a velocidade da msica. Alm disso, diferentes tcnicas de databending foram exploradas com a inteno de averiguar as consequncias da introduo do rudo na criao de imagens.

    Espera-se, atravs desse percurso, exercer os conhecimentos obtidos ao longo do curso e aprimorar a capacidade de re exo crtica frente a avaliao de escolhas estilsticas e no desenvolvimento de uma linguagem e expresso pessoais.

  • IMAGEM E ESCRITA

    IMA

    GEM

    EES

    CR

    ITA

  • 17

    A palavra imagem metamr ca, mltipla. Em cada campo no qual empregada ela adquire diferentes signi cados e, consequentemente, constitui diferentes formas, como constata Costa (2008, p. 18):

    Habitualmente, o designer gr co cria e manipula imagens medida que intermedeia a comunicao entre emissor e receptor de mensagens, as mais variadas. A m de esclarecer como essas imagens comunicam e signi cam, este captulo discorre sobre o que so imagens segundo o olhar do lsofo Vilm Flusser.

    Os neuro siologistas falam de imagens retinianas; os crticos literrios, de imagens poticas; os artistas visuais, de imagens plsticas; os tecnocratas, de imagens analgicas e digitais; e cada tcnica d nome s imagens que produz: fotogr cas, flmicas, videogr cas, hologr cas, termogr cas, infogr cas etc. Os psiclogos falam das imagens onricas - as dos sonhos e de imagens mentais - produto da imaginao.{

  • Fig. 1 Bises representados em

    pintura rupestre na

    caverna de Altamira

    18

    Em sua obra Filoso a da caixa preta, Flusser (2011, p. 21) de ne as imagens como sendo superfcies que pretendem representar algo. Estas tm a funo de representar o mundo ao homem, de lhe servir como um mapa, provendo orientaes para a compreenso e signi cao do mundo (Idem) tal como as imagens encontradas em cavernas, cujo objetivo era perpetuar os fenmenos conforme o homem os observava e vivenciava. As geraes seguintes encontrariam naquelas representaes instrues para seus rituais, para a caa e outras atividades. Analogamente, os vitrais em igrejas instruam a populao iletrada sobre os dogmas da instituio.

    Antes das superfcies os homens comunicavam-se diretamente com e pelos objetos - coisas - fsicos, reais. Estas primeiras representaes so, segundo Flusser (2011, p. 21), imagens tradicionais. So resultado do esforo de se abstrair duas das quatro dimenses espcio-temporais, para que se conservem apenas as dimenses dos plano (Idem).

    O ato de representar estabelece, portanto, uma relao momentnea entre aquilo que se deseja representar e a representao em si. A interpretao desta requer o esforo inverso - a reconstituio mental das dimenses abstradas - a fim de compreender aquilo que est sendo representado.

    1.1 IMAGINAO E REGISTRO

  • 19

    Com o passar do tempo, no entanto, possvel que a referncia da coisa representada se perca, de modo que o signi cado obtido na interpretao - imaginao (FLUSSER, 2011) - se distancia daquele inicialmente proposto. Isso se deve ao carter subjetivo das imagens tradicionais. Para conservar o sentido original da representao, seria necessria uma maneira de comunicar mais precisa e objetiva, de tal forma que as imagens tradicionais alcanariam um novo nvel de abstrao, tornando-se smbolos convencionados que possibilitariam o armazenamento das mensagens como informao.

    Segundo Flusser (Ibid., pp. 13-14), a inveno da escrita uma das duas revolues fundamentais na estrutura cultural, tal como se apresenta, de sua origem at hoje. A escrita teria ento surgido da necessidade de resgatar a funo original das imagens tradicionais enquanto fenmeno representativo. Os fenmenos observados passaram a ser descritos como processos, eventos em sucesso. Os signi cados das imagens tradicionais foram traduzidos em conceitos e seriam comunicados em forma textual. A conceituao , portanto, a linearizao de superfcies.

    Dizemos que com esse acontecimento se encerrou a pr-histria e comeou a histria no sentido verdadeiro (), no porque a escrita grava os processos, mas porque ela transforma cenas em processos: ela produz conscincia histrica (FLUSSER, 2007, pp. 132-133).{

  • 20

    A escrita , portanto, metacdigo das imagens tradicionais. Entretanto, os textos - frutos da conceituao - reconstituem uma viso de mundo j abstrata proveniente das imagens - frutos da imaginao - tornando-se, por sua vez, abstraes de segundo grau (FLUSSER, 2011). O texto mediador entre o homem e as superfcies. A partir da leitura de um texto, criam-se associaes e imagens mentais que so nicas, mesmo que por vezes semelhantes para cada leitor.

    Quando a escrita passa a produzir conceitos cujas referncias visuais so praticamente inexistentes ou inimaginveis, acontece a segunda revoluo supracitada. o caso dos textos cient cos que idealizam modelos - partculas, molculas. Mesmo que sejam invisveis a olho nu, h a necessidade de evidenci-las, de restabelecer o contato entre o homem e o mundo das coisas, tridimensional. Sem necessariamente comprometer a objetividade do registro histrico, mas buscando fornecer tais referncias visuais, d-se a inveno das imagens tcnicas.

    Estas so ontologicamente diferentes das imagens tradicionais, porque imaginam textos que concebem imagens que imaginam o mundo (FLUSSER, 2011, p. 30). So, por sua vez, metacdigo dos textos.

    O desenvolvimento de novos meios de produo de imagens, no entanto, nem sempre se deve apenas necessidade material de captao, reproduo ou recepo das imagens, mas urgncia da linguagem em representar o mundo de novas e diferentes formas, da necessidade de superao constante dela prpria, pois toda mudana no modo de produzir imagens provoca inevitavelmente mudanas no modo como percebemos o mundo e, mais ainda, na imagem que temos do mundo (SANTAELLA; NTH, 2005, p. 158).

    Nas imagens tradicionais possvel identi car com facilidade o agente humano que traduziu o mundo, representando-o em superfcies. Este se coloca entre os fenmenos observados e a imagem tradicional. O artista, pintor, desenhista, elabora mentalmente - imagina - os elementos que comporo sua obra, para da inscrev-los sobre o substrato.

    A manifestao visual da imaginao no tem signi cao apenas naquilo que se quer representar, no objeto, mas tambm no processo utilizado para se produzi-la. A tcnica de pincelada utilizada por um pintor ou o trao do desenhista, bem como o material escolhido e o substrato, instigam diferentes olhares e interpretaes sobre a imagem produzida.

  • Fig. 2 esquerda, retrato de Juan Francisco Casas feito

    com caneta esferogr ca

    Fig. 3 Acima, desenho de observao para estudo feito

    com caneta esferogr ca

    21

    O artista espanhol Juan Francisco Casas reconhecido por seus retratos fotorealistas feitos com caneta esferogr ca. A mesma caneta que muitas pessoas usam para escrever anotaes, rabiscar nervosamente enquanto falam ao telefone ou fazer sketchs rpidos, seja para praticar ou para passar o tempo, Juan usa para desenhar ilustraes trabalhosas, com alto nvel de detalhamento de texturas, iluminao e perspectiva.

    O tempo empregado em elaborar e produzir uma imagem pode corresponder ao tempo que se leva para olh-la e absorv-la. No se tratando necessariamente de um julgamento qualitativo, se h mais detalhes ou mais elementos possvel que se leve mais tempo percorrendo-se essa superfcie, do que alguma outra produzida mais rapidamente.

    Nas imagens tcnicas a subjetividade do agente humano mascarada. Entre ele e o mundo h um produto tecnolgico capaz de captar ou manipular a luz que emana do mundo visvel e inscrev-la qumica, mecnica ou eletromagneticamente em uma superfcie sensvel. Assim, aquele que se v diante desse tipo de imagem pode ter a iluso de estar diante do prprio mundo concreto, tal a delidade da reproduo das informaes tornadas visveis. Diante de tais imagens interpretao e decodi cao parecem desnecessrias. Segundo Flusser (2007, p. 156) as imagens tcnicas so programadas de forma a reduzir ao mnimo toda crtica por parte do receptor.

  • 22

    Entretanto, as intenes e objetivos envolvidos na captura de uma fotogra a, por exemplo, so importantes diferenciais das imagens produzidas. O turista pode voltar para casa com centenas de fotos em sua cmera digital: so paisagens, momentos que se querem para recordao, objetos encontrados pelos lugares visitados; um fotgrafo como Cartier-Bresson espera o MOMENTO DECISIVO para capturar no tempo uma imagem que pode ser contemplada por minutos a o, observando-se todos seus detalhes, a maneira como luz e forma podem gerar tenso mesmo que congeladas; os fotgrafos jornalistas buscam o melhor ngulo para registrar acontecimentos que podem ou no se perpetuar na histria.

    Para cada proposta fotogr ca existe uma linguagem mais ou menos predominante sobre outras. Escolhas que so feitas por um agente humano e trabalhadas de acordo com as limitaes do equipamento para se chegar a um resultado satisfatrio. O olhar mais treinado pode mais facilmente reconhecer essas escolhas e ser capaz de examin-las e justi c-las.

    Dessa forma, possvel perceber que os diferentes tipos de imagens comunicam e significam tambm de maneiras diversas, atravs dos materiais e da linguagem utilizados em sua concepo.

  • 23

    Imagens so registros elaborados pelos seres humanos para os seres humanos. Como o mundo contido nas superfcies ser por ele decifrado depender do contexto comunicacional em que homem e imagem se relacionam. O resultado ltimo do jogo da comunicao acontece na compreenso do observador, que, por sua vez, pode no ser aquela prevista ou desejada pelo agente produtor da imagem. Um fator determinante para o entendimento das mensagens contidas em imagens o conhecimento do cdigo segundo o qual foram elaboradas, tanto por parte do emissor quanto do receptor.

    O cdigo, qualquer que seja, rene smbolos convencionados (FLUSSER, 2007) usados para estabelecer alguma forma de comunicao entre aqueles que o conhecem. possvel que um smbolo como um gesto com as mos signi que uma saudao segundo um cdigo e uma ofensa em outro. Ou que smbolos gr cos tenham seu signi cado alterado com o passar do tempo, ao permear novas sociedades com convenes distintas, ao se distanciarem do fenmeno que referenciam. Os cdigos so, portanto, artifcios para a comunicao, criados intencionalmente pelo homem.

    Para um nico cdigo, no entanto, h ainda maneiras distintas de se comunicar uma mesma mensagem. O alfabeto romano, por exemplo, uma conveno de smbolos usados para registrar mensagens escritas. Essa mensagem pode ser um texto escrito em ingls, portugus, italiano ou qualquer outra lngua que faa uso das letras romanas. Salvo as devidas escolhas de vocabulrio para fazer a equivalncia do contedo em cada lngua, a mensagem uma s.

    1.2 CDIGO

  • 24

    De maneira anloga, as imagens podem representar um mesmo objeto, utilizando linguagens diferentes dentro de um mesmo cdigo. No h apenas a diferena na tcnica e materiais escolhidos, mas tambm na maneira como se representa, intencionalmente ou no.

    Uma criana pequena di cilmente aplicar em seus desenhos efeitos de perspectiva, luz e sombra ou proporo - cdigos do mundo imagtico -, pelo menos no intencionalmente, porque no os aprendeu ainda. Por outro lado, h quem tenha profundo conhecimento do cdigo imagtico, de tcnicas e materiais, e decida subverter as regras, a m de produzir outros signi cados para suas imagens, que nem sempre so os esperados.

    o caso de Brushstroke (1965) de Roy Lichtenstein, obra que faz parte de uma srie de pardias que

    tratatava a pintura expressionista abstrata como uma imagem de desenho animado, gigante e produzida em massa, em vez do sinal de envolvimento individual com os prprios materiais que ela pretendia ser (McCARTHY, 2002, p. 24).{

  • Fig. 4 esquerda, Brushstroke, por Lichtenstein

    Fig. 5 direita, detalhe de uma pintura expressionista

    abstrata por Jackson Pollock

    25

    No Futurismo italiano, usando seu conhecimento acerca do funcionamento da prensa tipogr ca e da linguagem escrita,

    Comunicar atravs da subverso tambm uma forma de linguagem, e a estranheza e di culdade na compreenso da mensagem assim elaborada pode ser intencional por parte do autor.

    Marinett i concebeu poemas que combinavam diversos estilos e corpos de tipo, permitindo s linhas de texto atravessar diversas linhas da pgina. Suas engenhosas manipulaes do processo de impresso trabalhavam ao mesmo tempo com e contra as restries da prensa tipogr ca, expondo a estrutura tecnolgica mesmo quando tentava revog-la (LUPTON, 2006, p. 121).

    [Mesmo no mago das relaes humanas encontra-se in uncia da cultura, dos artifcios da comunicao. Esta in uncia pode ser silenciosa, inconsciente, mas estar sempre presente a partir do momento em que o homem apresentado aos cdigos e passa a compreend-los, seno vejamos:

    Confrontado com uma imagem o homem capaz de apreender seu signi cado sem ter domnio total do cdigo imagtico, uma vez que se trata de convenes inconscientes. No entanto, cada um poder atribuir ao que viu o signi cado que lhe couber. Os textos, por outro lado, so objetivos e no impe um ponto de vista ao leitor. Este livre para compartilhar das opinies do escritor ou no. Mas se no souber o cdigo da escrita no conseguir decifrar palavras, nem frases ou pargrafos. Consequentemente, uma vez incapaz de ler o texto, tambm a mensagem nele contida no poder ser compreendida.

    A mensagem contida nas imagens, como possibilita inmeras interpretaes, apesar de subjetiva, relativamente mais rica que a mensagem contida nos textos. A objetividade dos textos os tornam mais claros para o leitor, mas no havendo multiplicidade de signi cados, sua mensagem relativamente mais pobre.

    Aps aprendermos um cdigo, tendemos a esquecer sua arti cialidade. () Os cdigos (e os smbolos que os constituem) tornam-se uma espcie de segunda natureza, e o mundo codi cado e cheio de signi cados em que vivemos (tais como o anuir com a cabea, a sinalizao de trnsito e os mveis) nos faz esquecer o mundo da primeira natureza (FLUSSER, 2007, p. 90).[

  • Fig. 6 Reproduo de The Mouses Tale, trecho de

    Alice no Pas das Maravilhas

    26

    1.3 LEITURA

    A maneira como imagens e textos so lidos - observados e interpretados - tambm difere. A experincia visual que constri, no olhar, o signi cado das imagens, Flusser (2011) denomina scanning. Quando em face de uma nova imagem, normal enxerg-la como um todo. O scanning se d em um segundo momento, quando um olhar mais atento do observador vagueia pela superfcie e percebe seus elementos constitutivos. Trata-se de um olhar cclico. Ainda, o tempo projetado pelo olhar sobre a imagem o do eterno retorno (Ibid., p. 22).

    Na leitura das imagens os elementos signi cam-se mutamente, construindo um signi cado ntegro. A escrita, ao passo que trata de eventos em sucesso, progride em tempo linear, no qual os eventos descritos estabelecem entre si uma relao causal.

    Considerando a diagramao usual dos textos no ocidente, essa linearidade se traduz tambm visualmente. O texto lido da esquerda para a direita e ao trmino da linha o olhar caminha para a linha seguinte e repete o processo at o m da pgina, passando em seguida para outra pgina ou no. um percurso que o olhar percorre de forma aparentemente automtica.

    As dimenses da pgina podem se apresentar em diferentes propores, o texto pode ser dividido em colunas, imagens e pequenos blocos de texto podem irromper da massa cinza da pgina, mas o sentido da leitura, normalmente, no sofre grandes alteraes.

    H exemplos, no entanto, nos quais a leitura linear de um texto mistura-se com a leitura cclica de uma imagem, como o conto longo e triste que o camundongo conta Alice e os demais animais reunidos margem da lagoa de lgrimas, na obra de Lewis Carroll, Alice no Pas das Maravilhas.

  • 27

    Diagramado na pgina de forma a remeter cauda de um camundongo, alterando-se as margens em cada linha e diminuindo tambm, gradativamente, o corpo do texto, o conto surge de um jogo de palavras no idioma ingls. Enquanto o camundongo pede a ateno de todos para contar sua histria - ou conto (tale, em ingls) -, Alice vagueia entre o que ouve e o que v: a cauda do camundongo (tail, em ingls). Ambas as palavras tem pronncia semelhante, de modo que o conto acaba, por m, aludindo forma de uma cauda na pgina.

    O texto pode ser lido da forma mais habitual mas a histria adquire maior signi cao quando o olhar percorre as palavras e a pgina como um todo, mais lentamente, reparando as nuanas entre cada letra, palavras e tambm o uso do branco da pgina.

    Aqui, as alteraes tipogr cas se restringem ao diminuir do corpo do tipo de uma mesma tipogra a, interferindo de maneira delicada na leitura da pgina sem interferir no signi cado do texto. Outros efeitos podem ser produzidos utilizando-se duas ou mais famlias tipogr cas e suas variaes; cores diferentes ou tons de uma nica cor tambm podem ser usados para reforar ou conferir novos signi cados palavras e textos.

    necessrio de nir a mensagem e a quem se destina, para ento estabelecer qual o conjunto de regras - cdigo - que ser mais apropriado para facilitar sua veiculao e compreenso. E, ainda, quando h textos envolvidos na veiculao desta mensagem, necessrio compreender as possibilidades comunicacionais da tipogra a para que as escolhas estilsticas trabalhem pela mensagem e no contra ela.

  • 28

    1.4 TIPOGRAFIA E EXPRESSO VISUAL

    Segundo LUPTON (2006, p. 67) a tipogra a transformou o texto em uma coisa, em um objeto material com dimenses conhecidas e localizao xa. Ainda, a tipogra a uma ferramenta com a qual o contedo ganha forma, a linguagem ganha um corpo fsico e as mensagens ganham um uxo social (Ibid., p. 8).

    Drucker (1994) distingue a forma textual em texto designado e texto no designado. O texto designado aquele que recebe ateno especial quanto tipogra a. O texto sem designao o texto literrio, que tambm recebe tratamento tipogr co, mas no de forma que altere drasticamente a massa de texto na pgina.

    A distino tornou-se possvel a partir da inveno da prensa tipogr ca. Ao mesmo passo que Gutenberg imprimia bblias, com sua massa de texto uniforme, quase ininterrupta, imprimia tambm cartas de indulgncia, empregando diferentes tamanhos de tipos e espaamentos ora mais largos, prenunciando o que viriam a ser ttulos e subttulos (DRUCKER, 1994).

    The literary text wants no visual interference or manipulation to disturb the linguistic enunciation of the verbal matt er [TRADUO NOSSA: O texto literrio no quer que interferncias ou manipulaes visuais abalem a enunciao lingustica do tema verbal] (DRUCKER, 1994, p.95). De forma que o texto literrio parece ter maior autoridade quanto ao contedo veiculado. Embora o leitor possa interpretar o texto como lhe couber, a mensagem almejada pelo autor no est amplamente aberta ao dilogo, ela , no contexto de imerso da leitura, absoluta.

    A leitura de um texto mais denso pode ser feita de maneira confortvel ou mais custosa de acordo com as escolhas concernentes tipogra a. O tamanho do corpo e seu desenho, a forma das serifas ou a ausncia delas, os espaamentos entre letras, palavras e cada linha impressa so todas caractersticas que in uenciam, mesmo que discretamente, na rapidez e comodidade com que se l o texto (SPIEKERMANN, 2011).

  • 29

    A preocupao com a escolha tipogr ca que melhor se adeque aos textos mais extensos, em jornais, revistas ou livros, deve normalmente car evidente apenas para o designer responsvel por ela. Segundo Spiekermann (2011, p. 15),

    Ainda,

    O texto designado, no entanto, pressupe a presena do leitor e se quer aberto ao dilogo (DRUCKER, 1994). A mensagem normalmente elaborada utilizando a funo apelativa da linguagem. A tipogra a aqui utilizada para manipular o valor semntico do texto.

    Enquanto nos textos literrios a tipogra a funciona como a materializao do raciocnio do autor, pura e simplesmente como um recipiente para o contedo, o texto designado assume que o contedo muda a cada ato de representao. A tipogra a torna-se um modo de interpretao (LUPTON, 2006, p. 73).

    Na obra A linguagem invisvel da tipogra a (2011), Spiekermann apresenta diversas maneiras com as quais a tipogra a pode ser utilizada e manipulada para comunicar expressivamente. Forma e contraforma podem ser utilizadas para conferir personalidade mensagem. Tipos leves ou pesados, arredondados ou quadrados, alongados ou achatados, podem ser empregados para evidenciar sensaes e sentimentos e intensi car a palavra escrita.

    O texto designado evoluiu posteriormente se tornando aquele concebido na publicidade. A propaganda estimulou a demanda por letras em grande escala, que pudessem chamar a ateno no ambiente urbano (LUPTON, 2006, p. 22).

    A tipogra a para leitura, () normalmente derivada da escrita manual (SPIEKERMANN, 2011, p. 31), no possua peso e tamanho grande o su ciente para se destacar no cenrio urbano e competir com cartazes, pan etos, letreiros. Novos pesos - bold, extra bold, condensado - e estilos tipogr cos - egpcias e grotescas - surgiram para ocupar esse vazio e atender as necessidades dos impressores com a I Revoluo Industrial e o consequente advento da publicidade (SPIEKERMANN, 2011).

    as tipogra as usadas nesse rdua tarefa so, consequentemente, invisveis por de nio. Elas tm que parecer to normais que voc nem nota que as est lendo.|

    quando lemos textos mais longos, no olhamos para caracteres individuais; reconhecemos a forma geral das palavras e vemos aquilo que esperamos ver (SPIEKERMANN, 2011, p. 99).{

  • Fig. 7 Ambassadeurs: Aristide Bruant dans son cabaret (1892), cromolitogra a por Toulouse-Lautrec

    30

    Alm da publicidade, popularizavam-se tambm as revistas. Atravs da xilogravura, impressores tipogr cos conseguiram incorporar o uso de ilustraes junto massa de texto na pgina.

    Enquanto isso, anncios e cartazes reproduzidos atravs da cromolitogra a, como parte da obra de Toulouse-Lautrec ao nal do sculo XIX, traziam letras desenhadas mo, com e sem serifas.

    A cada evoluo nos processos de criao e reproduo de textos e imagens, novas tipogra as foram sendo criadas para atender as necessidades de cada meio, sendo que cada processo trazia consigo suas particularidades e restries.

    Atualmente, muitas famlias tipogr cas reproduzem desenhos de tipos dos sculos passados evidenciando a maneira como foram criados ento. Tipos que reproduzem a escrita caligr ca, as formas existentes em diferentes modelos de mquinas de escrever e releituras de tipogra as consagradas, so todos possveis de serem (re)criados no meio digital. Suas caractersticas e imperfeies so utilizadas para evocar outras pocas e compor o texto de maneira mais apelativa.

    Lett erpress printers used images as typographic elements, while lithographers treated words as pictures [TRADUO NOSSA: Impressores de tipogra a utilizavam imagens como elementos tipogr cos, enquanto litgrafos tratavam as palavras como imagens] (LUPTON, 1998).

    {

  • Fig. 8 Detalhe de poster para palestra de Stefan Sagmeister na AIGA Detroit, em 1999

    31

    Usos mais ousados de tipogra a tambm podem ser encontrados em meio s releituras. Como o cartaz da palestra de Stefan Sagmeister no Instituto Americano de Artes Gr cas (AIGA) em Detroit, em 1999.

    Todo o contedo escrito foi riscado na pele do prprio palestrante, por um estagirio de seu escritrio na poca. A inteno era tornar visvel a dor que parece acompanhar a maioria dos seus projetos de design (SAGMEISTER, 2012).

    Nesse caso, o contedo intensi cado pela forma como apresentado visualmente. Se houvesse sido feito de outra forma, com o uso de uma ilustrao substituindo a realidade do corte sobre a pele, o impacto no seria o mesmo. Aqui, contedo e forma so indissociveis, assim como eram tambm nos poemas dos futuristas italianos.

  • FUTURISMO

    FUTU

    RIS

    MO

  • 35

    Ao mencionar o perodo que compreende o nal do sculo XIX e os anos que antecedem a Primeira Guerra Mundial no incio do sculo XX, o historiador Eric Hobsbawm (1988) utiliza os termos crise de identidade, perda de referncias, inovao e experimentao.

    Era esta a situao da sociedade europeia, que passava por transformaes sem precedentes e se via diante de uma nova organizao espacial, a qual conduzia a um reexame dos costumes e ideologias at ento aparentemente inabalveis.

  • 36

    A Revoluo Industrial permitiu o desenvolvimento nos transportes, possibilitando pintores, escritores, poetas e compositores se instalarem em outras cidades e pases, promovendo a troca de conhecimento e consequentemente in uenciando suas produes artsticas.

    O convvio crescente com as mquinas no meio urbano tornava a rotina mais intensa e acelerada. Esse ritmo acelerado do cotidiano se veria re etido na popularizao das imagens em movimento do cinema e na aceitao das composies musicais de menor durao.

    Era tambm o princpio de uma revoluo nas artes, quando a combinao da tecnologia com a descoberta do mercado de massas (HOBSBAWM, 1988, p. 308) abalaria as estruturas da cultura erudita, despertando o interesse de outros pblicos. Agora era possvel reproduzir e comercializar - a preos modestos - obras de grandes mestres da pintura e clssicos da literatura. A difuso da imprensa, por meio dos folhetins e jornais, popularizou a ilustrao, atravs dos cartoons e tiras de humor.

    A realidade das cidades europeias contrastava com o bucolismo outrora em voga. A cultura erudita no era mais exclusiva da populao mais abastada e de maneira mais geral, as artes elevadas estavam pouco vontade na sociedade (HOBSBAWM, 1988, p. 316). J no bastava que arte e cultura continuassem encerradas nos museus, como se desprezassem o mundo do lado de fora - mesmo que este no fosse de todo agradvel.

    Essa inquietao seria ponto de partida do movimento arts and craft s, caracterizado por Hobsbawm (1988, p. 320) como uma renovao artstica [que] procurava especi camente reatar os laos perdidos entre a arte e o operrio da produo e transformar o ambiente da vida cotidiana.

    Tratava-se da aplicao das artes no ambiente urbano: na arquitetura, no mobilirio, em objetos e na decorao de espaos internos.

    2.1 CONTEXTO HISTRICO

  • Fig. 9 A Natureza do Gtico por John Ruskin, primeira pgina de texto ornamentada por

    William Morris

    37

    Parte desse movimento, o estilo conhecido como art nouveau evocava natureza e feminilidade atravs do emprego de elementos ornamentais, curvas sinuosas e profuso de detalhes. Seu principal representante era o ingls William Morris. Seus trabalhos variavam entre mveis, padres em azulejos e papis de parede, ilustraes, iluminuras e pinturas.

    No incio do sculo XX outros movimentos artsticos despontaram, junto de uma crise da representao nas artes visuais,

    O arts and craft s introduziu a inquietao social no pensar e fazer arte, mas no havia se desvinculado das convenes artsticas que se mantinham praticamente desde o Renascimento (HOBSBAWM, 1988). As vanguardas europeias, tais como caram conhecidos o cubismo, impressionismo, dadasmo, futurismo e outros, viriam romper vigorosamente com as tradies da arte e fundamentar o que posteriormente se tornaria o modernismo.

    Os artistas buscariam maneiras de retratar o mundo alm da mera conformidade gurativa. Geometrizao, uso da cor como elemento puro, traos de extrema delidade ao concreto, traos carregados de expressividade, muitos foram os caminhos percorridos pelas diferentes escolas vanguardistas para vender a misso de retratar o real visto atravs de novos olhares.

    pois qual era a linguagem para expressar o novo mundo, especialmente quando seu nico aspecto identi cvel (fora a tecnologia) era a desintegrao do antigo? Esse era o dilema do modernismo no incio do novo sculo (HOBSBAWM, 1988, pp. 326-327).[

  • 38

    Mas no era apenas a representao da realidade que estava em crise. Novos valores, emoes e ideais precisavam ser expressados por meio da arte em oposio ao decadentismo do sculo XIX (HOBSBAWM, 1988). No mais se tratava apenas de tcnica ou da subjetividade do artista, mas da subjetividade coletiva de uma humanidade que desconhecia os rumos que deveria tomar, uma vez que se deparava com situaes imprevistas e sem precedentes.

  • 39

    Surgido na Itlia, nos anos que se seguiram ao Rissorgimento, o movimento futurista foi fruto do inconformismo de alguns intelectuais - artistas, escritores, poetas - em relao ao provincialismo que vivia a cultura italiana.

    Embora j houvesse algumas revistas engajadas em discutir a situao da sociedade italiana e do lugar da Itlia em relao Europa, como as publicaes La Critica, Il Leonardo e La Voce, foi na revista Lacerba, em 1909, que se deu a publicao do Manifesto Futurista escrito por Filippo Tommaso Marinett i (MICHELI, 2004).

    Como aponta Hollis, chocar, alm de abrir os olhos das pessoas, era parte do programa futurista (2001, p. 35). Isso ca evidente no texto do manifesto de 1909, como os pontos que seguem:

    3. At agora, a literatura exaltou a imobilidade, o xtase e o sono pensativos. Ns tencionamos exaltar a ao agressiva, uma insnia febril, o passo do atleta, o salto mortal, o soco e a bofetada.

    4. Ns a rmamos que a magni cncia do mundo se enriqueceu de uma nova beleza: a beleza da velocidade. Um carro de corrida cujo cap adornado de grandes tubos, qual serpentes de hlito explosivo - um automvel que ruge e parece cavalgar uma metralha mais belo que a Vitria de Samotrcia.

    10. Destruiremos os museus, as bibliotecas, as academias de toda sorte, combateremos o moralismo, o feminismo, toda covardia oportunista ou utilitria. (MARINETTI apud HUMPHREYS, 2001, p. 11)

    |

    2.2 ARTE EM MOVIMENTO

  • Fig. 10 Detalhe de Dinamismo di un cane

    al guinzaglio (1912), por

    Giacomo Balla

    40

    A pintura e a escultura futuristas buscaram formas de representar a velocidade e o turbilho de novas re exes sobre a sociedade no incio do sculo XX. Em 11 de abril de 1910, Pintura futurista: um manifesto tcnico, foi publicado e assinado por cinco pintores: Umberto Boccioni, Carlo Carr, Luigi Russolo, Giacomo Balla e Gino Severini (CHIP, 1996).

    Os pargrafos desse manifesto traziam a rmaes enrgicas como Nosso anseio de verdade j no pode ser apagado pela Forma nem pela Cor tradicionais e Tudo na arte conveno, e as verdades de ontem, para ns, no passam de puras mentiras (apud CHIP, 1996, p. 295).

    Na pintura, a velocidade e o dinamismo exaltados pelos futuristas seriam retratados atravs da repetio e modulao de traos e formas, buscando assim, simular a movimentao da imagem no plano esttico.

    Poucos anos depois, em 1912, Boccioni assinaria o Manifesto tcnico da escultura futurista, discorrendo sobre novas tcnicas e novos modelos a serem observados para reproduo dos ideais futuristas e o modo como enxergavam a Itlia da poca, evidenciando a crise da representao da qual tambm trata Hobsbawm (1988).

    No pode haver renovao numa arte quando no se renova a essncia, isto , a viso e a concepo da linha e das massas que formam o arabesco. No s reproduzindo os aspectos exteriores da vida contempornea que a arte se torna expresso do seu prprio tempo (BOCCIONI apud CHIP, 1996, p. 303).{

  • 41

    O pintor Luigi Russolo, em carta enviada ao compositor Balilla Pratella em 1913, idealizou La arte dei Rumori. Entusiasmado aps assistir a um concerto de msica futurista composto por Pratella, Russolo escreveu sobre suas teorias acerca do rudo como som musical.

    Rudos provenientes de motores, portas deslizantes, trens, multides, estaes eltricas, agrupados e cuidadosamente organizados de forma que seus timbres pudessem funcionar como funcionam os acordes musicais, considerados pelo pintor como sendo muito restritos e montonos. Na carta, os rudos eram classi cados em seis categorias fundamentais. Sendo que todos os outros no passariam de combinaes entre eles.

    Russolo escreveu:

    Ainda em 1913, Russolo apresentou quatro composies suas, executadas atravs de instrumentos elaborados por ele em conjunto com o pintor Ugo Piatt i. Esses instrumentos funcionavam como sintetizadores, alterando caractersticas sonoras dos rudos, a m de criar harmonia entre eles.

    In antiquity, life was nothing but silence. Noise was really not born before the 19th century, with the advent of machinery. () Machines create today such a large number of varied noises that pure sound, with its litt leness and its monotony, now fails to arouse any emotion [TRADUO NOSSA: Na antiguidade, a vida no era nada mais que silncio. O rudo realmente no havia nascido antes do sculo XIX, com a inveno das mquinas. () As mquinas criam hoje um nmero to variado de rudos que o som puro, com sua miudeza e sua monotonia, agora falham em despertar qualquer emoo].

    |

    Um trecho de uma das composies de Russolo, Risveglio di una citt , pode ser ouvido na primeira faixa do CD que acompanha este volume.

    -

  • Fig. 11 Reproduo de pgina do poema

    Un Coup de Ds (1897),

    de Stephane Mallarm

    42

    J Marinett i, considerado idealizador do movimento futurista, era originrio do ambiente dos poetas simbolistas franceses (MICHELI, 2004, p. 203), in uenciado, de certa forma, pelo poeta francs Stephane Mallarm, autor do poema Un Coup de Ds. Impresso em pequena tiragem uma primeira vez em 1897 (BARTRAM, 2005), um exemplo pioneiro de um uso diferenciado do espao da pgina e da tipogra a no texto literrio.

    Diferentemente do Mouses tale de Lewis Carroll ( g. 6), publicado pela primeira vez em 1865, Un Coup de Ds apresentou, na primeira tiragem, diferentes famlias de tipos em suas pginas. As letras caligr cas fazem um jogo de palavras e tempos verbais (ctait - fosse / ce serait - seria). Destacados em caixa alta, no tipo predominante da obra, outros cinco verbos: existiria, comearia e cessaria, cifrar-se-ia, iluminaria.

    Essas variaes permeiam todo o poema, permitindo que este seja lido de muitas maneiras. No h necessidade de julgamento em relao ao signi cado obtido na leitura de cada combinao das cadeias de palavras e tipos diferentes destacados. A obra , nesse sentido, to rica em signi cao quanto uma imagem pode ser.

  • Fig. 12 Reproduo de pgina da verso pstuma de Un Coup de Ds (1914),

    traduzida por Haroldo de Campos

    43

    A primeira verso, diagramada em folhas nicas, foi posteriormente publicada numa verso em pginas duplas, em 1914. Apesar de ser uma publicao pstuma, um manuscrito original havia sido deixado pelo poeta, quase completo, com descries espec cas sobre a posio das palavras e o uso da tipogra a, a m de orientar o impressor (BARTRAM, 2005).

    O poema, publicado em pginas duplas, ganha ainda mais complexidade atravs do uso da dobra na diagramao: acentuando contrastes - pginas ora com pouco, ora com muito texto -, simetria e ritmo.

  • 44

    Segundo Drucker (1994, p. 53),

    Un Coup de Ds no apenas apresentou-se diferente visualmente, como tambm dissolveu e subverteu o indivduo - eu-lrico - central no Romantismo (DRUCKER, 1994), destacando-se da poesia provinciana quotidiana.

    Mallarm employs the type to separate the text into several registers, to link elements of the work throughout the entire sequence, across pages, gutt ers and spaces, and to make gures or ideogrammatic constellations of words upon the page [TRADUO NOSSA: Mallarm emprega a tipogra a para separar o texto em diversos registros, e ligar elementos da composio pela inteireza de sua sequncia, atravessando pginas, e espaos, e para produzir formas ou constelaes ideogramticas das palavras na pgina].

    { Mallarm acreditava que a poesia era uma ferramenta para elevar o leitor, mesmo que por um curto espao de tempo, empregando para esse m descries sinestsicas e um preciosismo na escolha do vocabulrio, alm da diagramao do poema. Nesse sentido, opunha-se leitura tediosa dos folhetins e jornais, seno vejamos:

    Mais uma vez a sugesto de que os textos podem ser lidos de outra maneira que no seja completamente linear. Caracterstica que aparece, a princpio timidamente, nos poemas futuristas.

    Let us have no more of those successive, incessant, back and forth motions of our eyes, tracking from one line to the next and beginning all over again otherwise we will miss that ecstasy in which we have become immortal for a brief hour, free of all reality, and raise our obsessions to the level of creation [TRADUO NOSSA: Livre-nos daquele sucessivo, incessante, movimento de ir e vir com nossos olhos, buscando linha aps linha e comeando tudo novamente - caso contrrio ns perderemos aquele xtase no qual ns nos tornamos imortais por um breve momento, livres de toda realidade, e elevamos nossas obsesses para o nvel da criao] (MALLARM apud DRUCKER, 1994, p. 56).

    |

  • 45

    Tambm, como Mallarm, a poesia futurista subverteu o indivduo e a apresentao visual na pgina impressa, ainda como herana do Simbolismo era carregada de sinestesia, porm, as comparaes com o poeta simbolista cam por a. Em novo manifesto publicado em 1913 Marinett i (apud BARTRAM, 2005, p. 20) escreveu:

    Marinett i empregava palavras do cotidiano e suas imagens sinestsicas se mostravam to violentas e enrgicas quanto o movimento almejava ser. O caminho que a publicidade e a popularizao do texto literrio atravs do desenvolvimento da indstria, da prensa tipogr ca e do trabalho do arts and craft s serviria para conduzir toda velocidade os ideais futuristas, como mensagens transmitidas por um telgrafo sem o.

    I do not want to suggest an idea or sensation with passist airs and graces I want to grasp them brutally and hurl them in the readers face [TRADUO NOSSA: Eu no quero insinuar ideias ou sensaes com ares e graas ultrapassados Eu quero agarr-las brutalmente e vomit-las na cara do leitor].

    [

    Como parte da nova linguagem que buscavam erigir, os futuristas italianos

    A poesia futurista tambm fazia largo uso de onomatopeias, inspiradas pelos sons da guerra e pelo rudo das cidades e das mquinas trens, automveis, motores.

    Em seu manifesto Esplendor geomtrico e mecnico e a sensibilidade numrica, publicado em 1915, Marinett i classi ca as onomatopeias em quatro grupos: as realistas, que representam sons conhecidos; as indiretas, analogias que representam situaes e no necessariamente sons; abstratas, signi cando apenas rudos que visam aumentar o carter sinestsico do poema; e por m, a harmonia psquica onomatopeica, que a juno de duas ou mais onomatopeias abstratas.

    used outrageous and forthrightly warlike metaphors to denounce complacently accepted traditions which, they thought, had become ossi ed and out-of-place in the twentieth century [TRADUO NOSSA: usaram metforas blicas extravagantes e diretas para condenar tradies complacentemente aceitas que, eles acreditavam, haviam se tornado in exveis e fora de propsito no sculo XX] (BARTRAM, 2005, p. 7).

    [

  • 46

    A primeira obra de Marinett i, Zang Tumb Tumb, publicada em 1914, era, em comparao com seus trabalhos posteriores, tmida no uso da tipogra a, apesar daquilo que era pregado nos diversos textos e manifestos divulgados at ento. Quanto ao tratamento tipogr co empregado pelos futuristas, Bartram (2005, p. 20) a rma:

    Ou seja, a forma como se d a poesia futurista, sua apresentao visual, um elemento interpretativo do contedo literrio, que por sua vez, s consegue transmitir suas intenes atravs dessa forma expressiva. Em outras palavras, forma e contedo estavam intrinsecamente ligados na poesia futurista.

    Somada ao contedo literrio e a manifestao visual dos poemas, por vezes, havia tambm a variante sonora. Em Dune (1914), chaves e agrupamentos de textos, diagramas e variaes tipogr cas so declamados e interpretados conforme aparecem impressos.

    As onomatopeias so reproduzidas elmente, os textos agrupados em chaves so executados simultaneamente. O sinal gr co + traduzido oralmente como pi, que signi ca mais. O emprego de sinais matemticos em meio ao texto, por vezes repetido seguidamente, acaba por conferir dinamicidade tanto ao texto diagramado quanto declamao.

    The aim was to elucidate and intensify the meaning of the text and boost the eff ect of words by expressive presentation [TRADUO NOSSA: O objetivo era esclarecer e aprofundar o sentido do texto e maximizar o efeito das palavras atravs de uma apresentao expressiva]. {Typographic manipulation, in Marinett is opinion, could contribute to this process by generating novel eff ects which aided in the destruction of normative syntax and the reinforcing eff ect of the linear mode in which literary language was conventionally constrained [TRADUO NOSSA: A manipulao tipogr ca, na opinio de Marinett i, poderia contribuir para esse processo gerando efeitos originais que auxiliariam na destruio da sintaxe normativa e do forte efeito do modo linear no qual a linguagem literria era convencionalmente aprisionada] (DRUCKER, 1994, p. 138).

    {

  • Fig. 13 Dune (1914), Parole in Libert de

    F. T. Marinett i

    47

    Dune, declamado pelo poeta italiano Arrigo Lora-Totino, a segunda faixa no CD que acompanha este volume.

    -

  • Fig. 14 Pan eto de divulgao do Futurismo,

    por F. T. Marinett i

    48

    As experimentaes tipogr cas das vanguardas eram como investigaes auto-referenciais das propriedades formais do meio, no caso, os jornais e folhetins, as publicaes independentes e cartazes de propaganda que divulgavam o movimento.

    Como resultado de tais investigaes, forma e contedo da poesia futurista sofreram alteraes com o passar dos anos. Marinett i e alguns colegas futuristas continuaram seus trabalhos at meados da dcada de 40. De certa forma, um m ou ruptura com o movimento tambm havia sido previsto por Marinett i no Manifesto de 1909, como se pode ver na passagem:

    Os mais velhos de ns tm 30 anos: resta-nos, assim, pelo menos um decnio para cumprir a nossa obra. Quando tivermos 40 anos, outros homens mais jovens e vlidos que ns nos jogaro no cesto de papis, como manuscritos inteis. Pois isso o que queremos (MARINETTI apud CHIP, 1996, p. 292)!

    [

  • Fig. 15 Capa da edio litografada em estanho de Parole in libert:

    futuriste olfatt ive tatt ili-termiche (1932).

    O ttulo da obra (olfativo, ttil-trmico)

    tem ligao com a exploso de

    sensaes que os futuristas buscavam

    retratar por meio de descries

    objetivas e sinestsicas.

    49

    O exerccio futurista em arrebatar o pblico leitor-ouvinte atravs de sua forma potica nada convencional, revolvia, em sua maioria, sobre diferentes batalhas e guerras, sobre viagens e mquinas em movimento - automveis, trens, avies.

    A poesia futurista havia ento abolido a instrospeco e o lirismo, pontuao e sintaxe, bem como aboliu o uso excessivo de adjetivos em prol dos substantivos. Objetividade e velocidade na descrio de cenas e sensaes, eram obtidas a partir de equaes lricas, como exempli ca Marinett i, no manifesto de 1915:

    It would have needed at least an entire page of description to render this vast and complex batt le horizon, had I not found this de nitive lyric equation: horizon - sharp bore of the sun + 5 triangular shadows (1 kilometer wide) + 3 lozenges of rosy light + 5 fragments of hills + 30 columns of smoke - 23 ames [TRADUO NOSSA: Teria sido necessria ao menos uma pgina inteira de descrio para representar este vasto e complexo horizonte de batalha, se eu no houvesse encontrado esta equao lrica de nitiva: horizonte - penetrar a ado do sol + 5 sombras triangulares (1 quilmetro de largura) + 3 losangos de luz rosada + 5 fragmentos de colinas + 30 columas de fumaa - 23 chamas].

    |

    2.3 PALAVRAS EM LIBERDADE

  • Fig. 16 Reproduo da capa e de trecho da obra

    Zang Tumb Tumb,

    de F. T. Marinett i

    50

    Zang Tumb Tumb, publicada em 1914, uma extensa narrativa sobre a vivncia de Marinett i na batalha de Adrianpolis, nos Blcs (BARTRAM, 2005). Embora a tipogra a se apresente ainda de forma um pouco menos ousada que em trabalhos posteriores, outras caractersticas da poesia futurista estavam ali presentes.

    Na figura 16, o nascimento da poesia futurista irrompe da pgina gradativamente. Um grito de Viva ao Futurismo seguido da repetio da palavra finalmente, que se intensifica e cria tenso na reproduo da palavra em maisculas centralizadas na pgina, quebrando a massa de texto.

    Em Poesia nascere, nota-se a presena de pelo menos trs famlias de tipos. A distino ca evidente na comparao das letras E, que apresentam terminaes diferentes na barra central. Pode-se pressupor que o impressor no possua todos os tamanhos usados nessa composio em uma nica tipogra a.

    Seguido do nascimento da poesia inicia-se uma viagem de trem representada pelo uso de onomatopeias anlogas (treno, treno, treno) e realistas (sssssssiii ssiissii ssiissssiiii). A variao do peso usado em diferentes partes da onomatopeia que representa a viagem, pode funcionar como intensi cador do volume do som do trem em alguns momentos.

  • Fig. 17 Reproduo de trecho da obra

    Zang Tumb Tumb

    51

    A viagem frrea continua, com a repetio e modulao da onomatopeia press. Aqui, a simultaneidade retratada quando, em meio descries sinestsicas da paisagem e s onomatopeias, uma nova linha de pensamento iniciada entre parentes, em outra tipogra a em maisculas e em negrito. Longos espaos em branco na pgina representam a interrupo da viagem e do raciocnio.

  • Fig. 18 Reproduo de trecho da obra

    Zang Tumb Tumb

    52

    Um bombardeio representado aqui de maneiras distintas. Ora mais literalmente, ora indicando a continuao do bombardeio atravs dos dias 24, 25 e 26 de maro. Ainda, na pgina seguinte, morteiros (obici) so representados e a diagramao das palavras transmite a ideia de movimento e do ritmo com que cada grupo de morteiros lanado.

    Essas primeiras experincias de Marinett i promovem uma leitura ainda muito linear quando comparadas com poemas posteriores. Em Aprs la Marne, Joff re visita le front en auto (1919) ( g. 19), h uma profuso de elementos que ilustram mais coerentemente tudo aquilo que Marinett i pregava em seus manifestos.

  • Fig. 19 Fotogra a de Aprs la Marne, Joff re visita le front

    en auto (1919), publicado em

    Les Mots en libert futuristes

    53

    Neste exemplo, tipos impressos so empregados junto colagens e formas desenhadas, a m de contar uma histria tanto visualmente quanto em palavras (BARTRAM, 2005). O poema trata da viagem sinuosa (S) de Joff re por entre montanhas (M, N). Onomatopeias representam tanto o motor do carro quanto con itos armados.

    Diferentes momentos, acontecimentos e pensamentos so todos retratados na mesma pgina. A velocidade e complexidade do caminho parece se intensi car a medida que as formas dos diferentes S diminuem e so interrompidos pelos outros elementos. Mon Ami (meu amigo), pode ser a representao do encontro com um amigo, enquanto Ma petite (minha pequena), dispersa e diminuindo de tamanho, parece uma ideia que se esvai em meio ao percurso da viagem.

  • Fig. 20 Fotogra a da composio de Vive la France (s.d.),

    por F. T. Marinett i

    54

    A composio poderia tornar-se muito custosa ou talvez impossvel se houvesse sido elaborada apenas com tipos mveis. O movimento gestual do desenho confere mais movimento imagem e dessa forma mais fcil controlar diferentes pesos e formas. A composio foi fotografada e ento transferida para uma chapa, a m de possibilitar a reproduo na prensa.

    Thus the printer treated the poem as an illustration, not as typography in the technical sense, composed from individual characters locked together in a chase. By incorporating a collage of lett ers as an overall picture, the lett erpress system was able to accommodate free-form compositions cut loose from the strictures of the typographic grid [TRADUO NOSSA: Dessa forma o impressor tratou o poema como uma ilustrao, no como tipogra a no sentido tcnico, composto por caracteres individuais, presos em uma sequncia. Ao incorporar uma colagem de letras como uma imagem inteira, a prensa tipogr ca foi capaz de acomodar composies de forma livre libertas das estruturas do grid tipogr co] (LUPTON, 1998).

    |

  • Fig. 21 Fotogra a de poema de F. T. Marinett i, publicado em

    Les Mots en libert futuristes

    55

    Neste poema, entitulado Le soir, couche dans son lit, elle relisait la lett re de son artilleur au front [TRADUO NOSSA: noite, deitada na cama, ela rel a carta de seu atirador no fronte], tambm de 1919, Marinett i emprega recursos semelhantes aos do poema anterior.

    Devido maneira como foi composto, a letra A serifada, mais prxima ao centro tico da imagem, conduz o olhar atravs das outras letras A, descendo at a silhueta da mulher deitada.

    H simultaneidade da leitura com o relato escrito na carta, como se o contedo lido ganhasse vida na pgina atravs da imaginao da mulher. A exploso (Esplosione) intensi cada pelas formas pontiagudas acentuadas das letras A desenhadas mo e pelas formas quadradas com vrtices exagerados.

    Num segundo momento, o olhar torna a subir e pode perceber as outras onomatopeias e informaes, at chegar ao canto superior direito, que traz escrito mo, o que poderia ser considerado como contedo da carta:

    O uso da silhueta em detrimento de um desenho mais detalhado impede que a gura feminina ganhe destaque sobre o resto da composio, mantendo um aspecto menos delicado e mais prximo dos outros elementos e manchas.

    I received your book while I was bombarding Monte Cucco [TRADUO NOSSA: Eu recebi seu livros enquanto bombardeava Monte Cucco] (BARTRAM, 2005, p. 30).{

  • Fig. 22 Reproduo do poema Fumatori (1914), por

    Francesco Cangiullo

    56

  • Fig. 23 Trecho do poema Caff dHarcourt (1914),

    por Carlo Carr

    57

    Um uso mais gurativo da composio tipogr ca no futurismo pode ser observado no incio deste poema de Cangiullo, sobre a bagagem de quatro viajantes, armazenada compactamente durante uma viagem de trem que segue durante a noite e enfrenta uma tempestade (scrosco pioggia / visione disastro - trovo chuva / cena catstrofe).

    Na parte inferior, os quatro viajantes so descritos sinteticamente atravs da gradao no uso de chaves. Dos quatro, dois esto calmos, um est ansioso e um est sem pressa; este tlimo dorme, l, observa a porta, enquanto fuma. O ato de fumar comporta uma analogia de monotonia e tdio que se intensi cam durante a viagem. Essa expanso representada pelo crescimento no tamanho dos tipos (MARINETTI, 1915).

    Em oposio fumaa, que se expande, a velocidade do trem diminui. Ao evidenciada pela diminuio gradativa das letras na palavra velocit.

    Carlo Carr, mais conhecido por sua pintura futurista, tambm se aventurou com sua Parole in Libert. Em Caff dHarcourt (1914), o ttulo mistura as duas palavras, alternando o tamanho das letras, contribuindo para a atmosfera animada, confusa e embriagada do poema (BARTRAM, 2005, pp. 128).

  • Fig. 24 Trecho do poema Caff dHarcourt (1914),

    por Carlo Carr

    58

    Em outro trecho, h exemplos do uso de diferentes recursos para dar forma s palavras de acordo com seus signi cados.

    A gravidade (gravitare), fenmeno fsico, retradada atravs do posicionamento das letras em diferentes eixos horizontais, como se estivessem caindo. A mesa de mrmore (Tavolino di marmo) faz uso da forma da letra T destacada para representar a prpria forma de uma mesa. Ribelli (rebeldes) tem suas letras em vrios tamanhos e orientaes. Dominante traz a letra I ascendendo sobre as outras. Por m, equivoco, de maneira semelhante a ribelli, composta por letras em diferentes tamanhos, posicionando-se sobrepostas.

    O emprego da tipogra a dessa forma faz com que o olhar percorra a pgina de maneira menos linear do que o que ocorre em Zang Tumb Tumb. O poema pode ser considerado intermedirio entre o universo das imagens e o universo literrio; entre Zang Tumb Tumb de Marinett i em 1914 e seus trabalhos reunidos publicados em Les Mots en libert futuristes, em 1919.

  • Fig. 25 Reproduo do poema Maggio+Caldo

    (191-), por Morpurgo

    59

    Segundo a traduo por Bartram (2005), o poema de Morpurgo, Maggio + Caldo, trata de um dia tedioso (noia), com calor intenso (caldo shohfh fh ochante) e chuva (cadere/caindo, goccie/gotas).

    O uso das letras H em meio a palavra soff ocante semelhante mistura das duas palavras no poema de Carr ( g. 22) e o mesmo recurso utilizado para indicar a diminuio na velocidade do trem em Fumatori ( g. 21) replicado aqui para indicar a lenta morte por tdio (Muoio (lento)).

    A letra W abreviao para a palavra Viva (Bartram, 2005). A frase diz Viva a guerra / nica higiene do mundo, ideal compartilhado pelos demais futuristas.

    Diferentemente dos poemas de Marinett i em 1919, no h uso de colagens, a grande variedade de tipogra as proveniente de tipos mveis. As setas, nico recurso alegrico do poema, foram compostas tambm na prensa tipogr ca (BARTRAM, 2005).

  • Fig. 26 Reproduo do poema Att erramento di un areoplano austriaco

    (191-), por Oscar Olita

    60

    Os dois prximos poemas trazem representaes de avies. O primeiro, de Oscar Olita, trata da derrubada de um avio austraco, a 6469 metros do solo. Onomatopeias indicam a exploso do avio (BUUM e Roooosssso / vermelho), intensi cadas pelo uso de pontos de exclamao. Abaixo da linha do solo, a 1,50 metros, o piloto imediatamente enterrado (sott erramento automatico cadavere).

    O poema parece um diagrama do acontecimento, com indicaes tcnicas e pequenas descries. A linha vertical guia o olhar at o nal da pgina onde h a exploso, e se cruza com a linha horizontal que indica o solo, formando um desenho que remete forma de um avio.

  • Fig. 27 Reproduo do poema Att leti dellaria (191-),

    por Gino Soggett i

    61

    O segundo poema, de Gino Soggett i, trata de avies fazendo acrobacias. Atleti dellaria (atletas do ar, acrobatas), descrito pelo poeta como sendo princpios da cinematogra a futurista.

    Dois avies so retratados fazendo acrobacias (looping the loop), exerccios futuristas, a 1000 metros do solo. Ambos so formados com tipogra a, com letras que podem formar a palavra plane (avio, em ingls).

    Este , dentre os poemas analisados e outros encontrados na obra de Bartram, o nico a conter palavras em ingls. Marinett i publicou alguns de seus poemas em francs, mas a grande maioria dos futuristas escrevia apenas em italiano.

  • EXPERIMENT AES

    EXPE

    RI

    MEN

    TA

    ES

  • 65

    Inspirado na produo dos futuristas italianos, este trabalho prope novas experimentaes, buscando novos processos e resultados que potencializem o uso da tipogra a enquanto expresso visual.

    Transportando as limitaes enfrentadas por Marinett i e seus colegas futuristas com a prensa tipogr ca e suas montagens e colagens para uma situao mais atual, equipamentos usualmente pouco exveis como scanner, xerox e carimbos, foram explorados de modo a torn-los mais maleveis e capazes de evidenciar a subjetividade humana na criao de manifestaes gr cas.

  • 66

    Pensados para produzirem resultados precisos e seguros, as fotocopiadoras e mesas digitalizadoras, por exemplo, permitem a realizao de alguns ajustes simples para controlar o tamanho da cpia em relao ao original, a qualidade em dpi da imagem escaneada, a qualidade de impresso em relao ao uso de tinta (rascunho, normal), entre outros. Um mesmo documento ou imagem pode ser replicado tantas vezes quanto a carga de tinta ou do toner do equipamento permitir, sem alteraes visveis entre as cpias e sem aparente interveo humana a no ser o setup da mquina.

    Este trabalho intenciona apresentar resultados obtidos atravs do uso no convencional destes processos em conjunto com as ferramentas de manipulao e composio digital que foram desenvolvidas ao longo do curso.

    Para equiparar a equao dos poemas futuristas: som (declamao), texto (poema) e imagem (Parole in libert), foi utilizada como objeto de estudo a msica NNNAAAMMM, da banda alem Einstrzende Neubauten. Os diferentes processos investigados serviram como base para compor um livreto, no qual se buscou traduzir gra camente a msica enquanto estrutura e contedo por meio da tipografa.

  • Fig. 28 Einstrzende Neubauten em show da turn do lbum Alles

    wieder off en, na Casa da Msica,

    em Porto, em maio de 2008

    67

    3.1 EINSTRZENDE NEUBAUTEN

    A banda, de origem alem, fez sua primeira apresentao em 1 de Abril de 1980 na casa Moon, em Berlim. Pouco mais de um ano depois, os integrantes Blixa Bargeld, N.U. Unruh e FM Einheit lanariam seu primeiro lbum, intitulado Kollaps (Colapso) (NEUBAUTEN, s.d.).

    Reconhecido por suas performances intensas, marcadas pelo uso de pirotecnia - no incio dos anos 80, chegaram a atear fogo no palco (GROSS, 1999) - e teatralidade, clima soturno e por vezes hipntico, o grupo vagueia por rtulos musicais: ps-industrial, experimental, ps-punk, eletrnico, alternativo.

  • Fig. 29 Einstrzende Neubauten

    em performance gravada

    nos anos 80

    68

    O nome Einstrzende Neubauten, livremente traduzido como novos edifcios em colapso, refere-se ao tipo de construes presentes na Alemanha ps Segunda Guerra, erigidos a partir de materiais mais baratos e menos atraentes quando comparados queles construdos antes da guerra (Altbauten).

    Em Kollaps (1981), as melodias eram compostas por instrumentos feitos a partir de materiais de construo roubados, lminas metlicas, barris, martelos, furadeiras e uma guitarra eltrica desa nada (NEUBAUTEN, s.d.). Os discos que se sucederam continuaram a fazer uso de instrumentos pouco convencionais, dos sons de motores e outros rudos - humanos ou no.

    Com a misso de destruir a msica fazendo msica (MOULE, 2009), as experimentaes a princpio anarquistas, foram sendo aperfeioadas de modo

    que, rudos, manifestaes vocais, motores, guitarras, baixos e sintetizadores criam composies harmoniosas e penetrantes. Aproximando-se do ideal Futurista, a inteno despertar, chocar, intrigar e instigar - aqui, os ouvidos - procura do novo, do incomum e do possvel.

    Em 1996, era lanado Ende Neu. Um jogo de palavras a partir do nome da banda, signi ca algo como Novo nal. O lbum marcou uma nova fase para o Neubauten, com a sada de um de seus fundadores e uma espcie de retorno s origens (GROSS, 1999). A experimentao crua e mecnica foi, aos poucos, tornando-se um pouco mais conformada, com novo flego lrico. As msicas, por vezes consideradas de difcil absoro, passaram a ser mais aceitas pelo pblico. Stella Maris, segunda faixa do lbum, teve seu clipe executado exausto na MTV, cativando alguns novos fs (POTOMAK, s.d.).

  • Fig. 30 Still do videoclipe para a msica Blume (1993) da banda

    Einstrzende Neubauten

    Fig. 31 Fotogra a de Russolo e Ugo Piatt i, operando o Intonarumori, equipamento

    utilizado para gerar novos sons

    69

  • 70

    3.2 NNNAAAMMM

    A quinta faixa de Ende Neu, um acrnimo para New No New Age Advanced Ambient Modern Music Machine - uma espcie de mantra repetido durante quase todos os 11 minutos de msica. A frase, com nove palavras, agrupadas em trs grupos com trs iniciais diferentes casa perfeitamente com o compasso ternrio composto, de frmula 9/4.

    O ttulo da msica tambm uma onomatopeia, representando o som de um automvel em velocidade cortando o vento. Diferentes motores e mquinas foram utilizados na composio e tiveram seus timbres cuidadosamente alterados para que houvesse maior harmonia entre eles, como tambm faziam os instrumentos de Luigi Russolo (NEUBAUTEN, s.d.).

    O release apresentado no site da banda a rma que a faixa rene passado, presente e futuro, se alimentando de ideias combustveis.

    A letra continua com as frases Das Lied schlft in der Maschine e a variante In der Maschine schlft ein Lied, signi cando a cano est adormecida na mquina e na mquina dorme uma cano, respectivamente.

    Em suma: onomatopeia, rudo como msica, experimentao e ruptura; o grupo alemo traz em seu trabalho, como tambm o faziam os futuristas.

    It reads the futuristic glori cation of machinery, noise and speed into the Motorik rhetoric of road, rhythm and rock that de ned German avant-garde of the Seventies, and customized them all for a break neck race across contemporary ambient landscapes, forcing the competition to eat dust [TRADUO NOSSA: Ela interpreta a glori cao futurista da mquina, rudo e velocidade na retrica motora da estrada, ritmo e rock que de niram o vanguardismo alemo dos anos 70, e aprimora a tudo isso para uma corrida em alta velocidade atravs de paisagens ambientes contemporneas, forando a concorrncia a comer poeira.].

    |NNAAAMMM a terceira faixa no CD que acompanha este volume.

    -

  • Fig. 32 esquerda,capas dos lbuns Kollaps

    (1981), Ende Neu (1996),

    Silence is sexy (2000) e

    Alles wieder off en (2007)

    Fig. 33 Fotogra a de Une assemble tumultueuse. Sensibilit

    numrique (1919), publicado em

    Les Mots en libert futuristes

    71

    As experimentaes foram reunidas em um livreto composto por pginas com dobra francesa, sendo que a espinha da dobra ca exposta e a abertura da folha, presa lombada, de forma que no possvel escancarar a parte interna para observ-la plenamente.

    O formato uma releitura da obra Les Mots en libert futuristes, de Marinett i, que trazia os poemas em folhas maiores do que o tamanho do livro que as reunia, sendo necessrio dobr-los para que coubessem dentro do volume. O verso dos poemas no era impresso e os ttulos cavam em uma outra pgina, anterior a cada poema.

    Imprimindo-se em toda a superfcie da lmina, buscou-se transportar o mistrio de se abrir um poema na obra de Marinett i para o enxergar da parte interna da dobra e tentar imaginar como seria o impresso em uma superfcie plana.

    A msica admite tanto a linearidade dos textos, posto que h uma durao para a composio - incio e m -, quanto a ciclicidade das imagens, atravs da repetio de seus movimentos - refres, versos. Por isso, foi escolhido um livreto, de tamanho adequado ao manuseio rpido, a m de se adequar experincia do tempo para se ouvir a msica e se observar pginas.

    3.3 FORMATO

  • Fig. 34 esquerda, matriz e rolo de pintura

    Fig. 35 direita, matriz aplicada forma circular

    Fig. 36 Impresso em papel Hahnemhle

    72

    CARIMBO CIRCULAR

    3.4 PROCESSOS INVESTIGADOS

    Uma liga de borracha e tinta guache sobre papel Hahnemhle foram utilizadas para produzir os resultados aqui registrados. De maneira semelhante a uma xilogravura, as letras foram inscritas na liga com o uso de goivas; diferentemente da madeira, no entanto, a borracha, por sua exibilidade e elasticidade, oferece maior resistncia ao desgaste, di cultando a obteno de traos mais delicados e precisos.

    A ento matriz foi ajustada ao exterior de uma forma circular de alumnio, acompanhando sua circunferncia; o suporte, ajustado beirada de uma superfcie lisa paralela ao cho; o guache foi diludo e aplicado matriz com o uso de um rolo de pintura poroso. O carimbo foi ento rolado sobre o papel, com diferentes velocidades, presses e quantidades de tinta. A liga de borracha foi utilizada ao invs de linleo com a inteno de obter uma imagem mais grosseira, que remetesse marcas de pneu.

  • Fig. 37 Diferentes impresses

    da mesma matriz em

    papel Hahnemhle

    73

    Algumas passadas foram feitas buscando representar o efeito doppler do som de um carro se aproximando e se distanciando, de forma que o movimento era feito com pouca presso, maior presso e pouca presso novamente.

    A medida que as impresses eram feitas a matriz se deslocava um pouco da borda da forma, causando as ondulaes que podem ser observadas nas imagens acima, ora mais sutis, ora mais evidentes.

  • Fig. 38 Impresso original e as cpias obtidas aps 9,

    19, 29, 39 e 49 repeties no

    modelo Canon IR 2030i.

    74

    CPIA DA CPIAO propsito desse experimento foi evidenciar o processo de abstrao-imaginao e consequente afastamento entre objeto e representao. Duas mquinas foram utilizadas, uma multifuncional Samsung SCX 4200 e uma Canon IR 2030i. Partindo da impresso de um primeiro documento, foi produzida uma cpia deste original, que foi ento copiada, produzindo uma cpia da cpia. O processo foi repetido algumas vezes para cada mquina.

    Os resultados obtidos com o modelo Samsung evidenciaram uma condensao dos pontos, de modo que, aps 39 repeties do processo, a imagem parecia ter sido reduzida a cada cpia. Os miolos das letras foram invadidos pela tinta e aquelas mais pesadas e condensadas se tornaram borres atravs dos quais no possvel distinguir suas formas originais.

    A Canon IR 2030i abriu os pontos da imagem a cada cpia, parecendo ampliar a impresso. As formas de cada letra foram sendo deformadas, mas aps 49 repeties ainda era possvel ler quase todas as palavras impressas.

  • 75

  • Fig. 39 Impresso original e as cpias obtidas aps 9,

    19, 29 e 39 repeties no

    modelo Samsung SCX 4200

    76

    Em ambos os casos notou-se que a forma das letras sofriam uma leve inclinao e que cada rudo que surgia nas impresses tambm acabava distorcido e parecia aumentar a cada cpia.

  • 77

  • 78

    DATABENDINGUma possvel distino entre glitch e databending pode ser estabelecida da seguinte forma: glitches so erros que acontecem de forma natural, sem interveno, enquanto databending a reproduo e simulao de erros (ROBERTS, 2010). Ambos esto relacionados a arquivos digitais, imagens, vdeos, aplicaes.

    Durante as experimentaes feitas neste trabalho, duas formas de databending foram exploradas: alterao do cdigo de arquivos .svg e alterao de imagens .bmp com o programa de edio de udio Audacity.

    SVG uma linguagem de marcao baseada em XML utilizada para descrever aplicaes gr cas, imagens e textos em duas dimenses (W3C, 2004). Arquivos com a extenso .svg normalmente contm coordenadas para a renderizao de formas vetorias. Quando abertos em um programa de edio de arquivos baseados em texto, como SublimeText ou Notepad++, eles tm uma estrutura semelhante a esta:

  • Fig. 40 Exemplo de databending com vetores. O caractere A da fonte Lucida

    Bright, e duas variaes feitas atravs da

    alterao do seu cdigo em formato .svg.

    79

    Qualquer coordenada alterada implica na alterao da forma do vetor produzido. As experimentaes deste trabalho foram feitas deletando todas as ocorrncias dos nmeros 3, 6 ou 9, ou substituindo um desses nmeros por outro deste grupo. Os nmeros foram escolhidos para controlar a aleatoridade de se alterar qualquer coordenada a esmo e foram de nidos por terem ligao com a estrutura da msica trabalhada.

  • Fig. 41 Exemplo de databending de imagens tipo bitmap atravs da

    aplicao de diferentes efeitos no

    soft ware de edio de udio Audacity

    80

    O outro processo explorado consiste em importar imagens como dados Raw no programa de edio de udio Audacity, alterar ou reproduzir efeitos prprios do som e exportar o resultado para uma imagem novamente. Quando uma imagem importada para o programa, os dados formam uma linha de udio que pode, inclusive, ser ouvida - apesar de ser composta de rudos e chiados. A onda sonora pode ser ento alterada atravs dos efeitos disponveis no programa, sendo que cada efeito produz resultados diferentes nas imagens convertidas ao nal do processo.

    O formato mais apropriado o .bmp, pois trata-se de um tipo de arquivo com pouca ou nenhuma compresso de dados. Outros arquivos de imagens bitmap como os .jpg tm as informaes muito compactadas, aumentando as chances de que qualquer alterao em seu cdigo corrompa o arquivo e se torne impossvel visualiz-lo.

    As imagens geradas por meio desse processo podem ou no ser parecidas com a imagem original que foi importada para o programa. Alguns efeitos produzem alterao nos canais de cor da imagem, outros a tornam completamente irreconhecvel, ruidosa ou distorcida.

  • 81

  • 82

    SCANNERAlgumas das imagens produzidas foram inicialmente obtidas atravs de um scanner. Recortes de revista, palavras impressas, alimentos e parafusos foram utilizados para compor os resultados nais de alguns experimentos.

    Uma das intenes no uso do scanner foi buscar gerar imagens que evidenciassem o agente produtor operando o equipamento. Um dos exerccios propostos, semelhante ao carimbo circular, quis traduzir a velocidade do som de um carro em movimento de acordo com um observador xo.

    Para isso, uma folha com a onomatopeia NNNAAAMMM impressa foi escaneada vrias vezes. Em cada vez, movimentou-se a folha contra e/ou favor da direo da lmpada do scanner, de forma que as letras cavam ou condensadas ou alongadas.

  • Fig. 42 Diferentes resultados obtidos atravs da distoro de

    um impresso movimentado

    sobre uma mesa digitalizadora

    83

  • 84

    3.5 RESULTADOS

    As pginas a seguir foram compostas com as 24 imagens obtidas como resultado nal da combinao de um ou mais processos explorados ao longo deste trabalho.

  • 85

    Uma verso digital destas imagens pode ser encontrada emhtt p://tcc.demarque.com.br

  • 90

    CONCLUSO

    As experimentaes realizadas produziram resultados ora previsveis, ora inesperados. Assim como aquelas geradas a partir de efeitos de rudo e distoro em soft wares de edio gr ca, as imagens provenientes dos experimentos tambm apresentam a aleatoriedade como caracterstica. A diferena, porm, que nos computadores os resultados - mesmo que sejam in nitesimais - so todos possveis e pr-programados. A cada varivel alterada uma nova imagem se faz na tela, sendo s vezes possvel at prever como ela ir car. A diferena para um processo um pouco mais manual que seria necessrio repeti-lo tantas vezes quanto fosse preciso para se aprender a controlar as diferentes caractersticas dele concernentes.

    De forma semelhante ao Futurismo, a tipogra a foi empregada como objeto principal na criao de sentido e interpretao de um contedo textual. O uso criativo de matrizes impressas e outros materiais para formar palavras e elementos gr cos se aproxima das colagens feitas por Marinett i e da astcia dos impressores que compunham os poemas futuristas na prensa tipogr ca. Com a introduo do digital nas experimentaes, porm, afastou-se do aspecto sbrio de grande parte dos poemas analisados, principalmente no que diz respeito ao uso de cores. O que antes parecia ser um grande esforo, incluir imagens em meio aos textos como nos poemas de Marinett i de 1919, ou encontrar vrios tamanhos de uma mesma tipogra a para compor as palavras crescentes e decrescentes - recurso recorrente na Parole in Libert -, se torna estupidamente fcil com o computador.

  • 91

    Os processos mais prximos do meio material, como o carimbo circular e a reproduo das cpias, resultaram em imagens mais palpveis. Enquanto os processos digitais que envolviam databending produziram resultados mais abstratos e talvez mais interessantes, pois alm de distorcer a forma distorcia tambm as cores originais das imagens. As manipulaes feitas durante a obteno de imagens com o scanner parecem ser um meio termo encontrado medida que partem de objetos concretos que podem ou no vir a se tornar sombras e imagens distorcidas.

    O projeto gr co derivado destes exerccios experimentais resultou numa composio que ilustra ritmo, rudo e velocidade, muito mais pelo carter imagtico do que pelo textual. A tipogra a como expresso visual e meio de interpretao cou mais evidente quando havia menos rudo; quando este era representado de forma mais intensa nas imagens, a tipogra a perdia um pouco seu destaque.

    Pde concluir-se que durante este trabalho, os processos se con guraram mais importantes que o resultado nal, o que pode estar de acordo com a busca por novas linguagens e formas de representao. Algumas das experimentaes realizadas podem vir a se tornar tcnicas incorporadas ao repertrio ou podem ser aprimoradas para funcionar na criao de uma fonte ou famlia de fontes com formas distorcidas, partindo da vetorizao dos resultados impressos. O processo de databending pode ser estudado mais profundamente e suas possibilidades podem se expandir quando utilizado junto aplicaes digitais para a criao de instalaes interativas ou glitch art.

  • REFERNCIAS

    LIVROSBARTRAM, Alan. Futurist typography and the liberated text. New Haven: Yale University Press, 2005.

    CAMPOS, Haroldo de. Um relance de dados. In: Mallarm. So Paulo: Perspectiva, 2010. pp 115-173

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    COSTA, Joan. A palavra e a coisa. In: A imagem da marca: um fenmeno social. So Paulo: Rosari, 2008. pp 17-18

    DONDIS, Donis A.. Sintaxe da linguagem visual. So Paulo: Martins Fontes, 1997.

    DRUCKER, Johanna. Visual and literary materiality in modern art; Experimental typography as a modern art practice. In: The visible word: experimental typography and modern art, 1909-1923. Chicago: The University of Chicago Press, 1994. pp 49-140

    FLUSSER, Vilm. A imagem; A imagem tcnica; O aparelho. In: Filoso a da caixa preta: ensaios para uma futura loso a da fotogra a. So Paulo: Annablume, 2011. pp 17-48

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    HOBSBAWM, Eric J.. As artes transformadas. In: A era dos imprios: 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. pp 307-337

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    MICHELI, Mario de. Unidade do sculo XIX; Contradies do futurismo. In: As vanguardas artsticas. So Paulo: Martins Fontes, 2004. pp 5-15; 201-227

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  • LISTA DE IMAGENS

    # 1 Rplica de pintura rupestre desenvolvida peloDeutsches Museum, Alemanha. Fonte: . Acesso em: 30 de maro de 2012 p. 18

    # 2 Doubleromanshower#2 (2009), de Juan Francisco Casas. Fonte: . Acesso em: 17 de outubro de 2013 p. 21

    # 3 Drawing aft er Bonnard detail (2009), de Aletha Kuschan. Fonte: . Acesso em: 17 de outubro de 2013 p. 21

    # 4 Brushstroke (1965), de Roy Lichtenstein. Fonte: . Acesso em: 22 de outubro de 2013 p. 24

    # 5 Number 1A (1948), de Jackson Pollock. Fonte: . Acesso em: 22 de outubro de 2013 p. 24

    # 6 Reproduo de The Mouses Tale (1865), de Lewis Carroll. Fonte: CARROLL, Lewis. Alice in Wonderland. Londres: Collectors Colour Library, 2011. pp. 45 p. 27

    # 7 Ambassadeurs: Aristide Bruant dans son cabaret (1892), de Henri de Toulouse-Lautrec. Fonte: . Acesso em: 26 de Outubro de 2013 p. 30

    # 8 AIGA Detroit poster (1999), de Sagmeister & Walsh. Fonte: . Acesso em: 26 de Outubro de 2013 p. 31

    # 9 A Natureza do Gtico (1890), de John Ruskin. Primeira pgina de texto ornamentada por William Morris. Fonte: . Acesso em: 12 de Maio de 2012 p. 37

    # 10 Dinamismo di un cane al guinzaglio (1912), de Giacomo Balla. Fonte: . Acesso em: 10 de Maio de 2012 p. 40

    # 11 Reproduo de trecho da verso original de Un Coup de ds (1897), de Stephane Mallarm. Fonte: CAMPOS, 2010. pp 117 p. 42

  • # 12 Reproduo de trecho da verso de nitiva de Un Coup de ds (1914), de Stephane Mallarm, traduzida por Haroldo de Campos. Fonte: CAMPOS, 2010. pp 162-163 p. 43

    # 13 Dune, parole in libert (1914), de F. T. Marinett i. Fonte: . Acesso em: 26 de Maio de 2012 p. 47

    # 14 Ideologia del futurismo e dei movimenti che ne derivano (s.d.). Fonte: . Acesso em: 12 de Outubro de 2013 p. 48

    # 15 Capa da edio litografada em estanho de Parole in libert: futuriste olfatt ive tatt ili-termiche (1932). Fonte: . Acesso em: 12 de Outubro de 2013 p. 49

    # 16 Capa e pgina de Zang Tumb Tumb (1914), de F. T. Marinett i. Fonte: BARTRAM, 2005. pp. 24 p. 50

    # 17 Pginas de Zang Tumb Tumb (1914), de F. T. Marinett i. Fonte: BARTRAM, 2005. pp. 25 p. 51

    # 18 Pginas de Zang Tumb Tumb (1914), de F. T. Marinett i. Fonte: BARTRAM, 2005. pp. 25 p. 52

    # 19 Fotogra a de Aprs la Marne, Joff re visita le front en auto (1919), publicado em Les Mots en libert futuristes. Fonte: . Acesso em: 12 de Agosto de 2012 p. 53

    # 20 Composio de Vive la France (s.d.), de F. T. Marinett i. Fonte: . Acesso em: 12 de Outubro de 2013 p. 54

    # 21 Fotogra a de Le soir, couche dans son lit, elle relisait la lett re de son artilleur au front (1919), publicado em Les Mots en libert futuristes. Fonte: . Acesso em: 12 de Agosto de 2012 p. 55

    # 22 Fumatori (1914), por Cangiullo. Fonte: BARTRAM, 2005. pp. 119 p. 56

    # 23 Trecho de Caff dHarcourt (1914), de Carlo Carr. Fonte: BARTRAM, 2005. pp. 128 p. 57

  • # 24 Trecho de Caff dHarcourt (1914), de Carlo Carr. Fonte: BARTRAM, 2005. pp. 128 p. 58

    # 25 Maggio + Caldo (191-), de Morpurgo. Fonte: BARTRAM, 2005. pp. 135 p. 59

    # 26 Att erramento di un areoplano austriaco (191-), de Oscar Olita. Fonte: BARTRAM, 2005. pp. 144 p. 60

    # 27 Atleti dellaria (191-), de Gino Soggett i. Fonte: BARTRAM, 2005. pp. 153 p. 61

    # 28 Einstrzende Neubauten em show da turn do lbum Alles wieder off en, na Casa da Msica, em Porto, em maio de 2008. Fonte: . Acesso em: 12 de Outubro de 2013 p. 67

    # 29 Einstrzende Neubauten em performance gravada nos anos 80. Fonte: . Acesso em: 12 de Outubro de 2013 p. 68

    # 30 Cena do videoclipe para a msica Blume (1993), da banda Einstrzende Neubauten. Fonte: . Acesso em: 12 de Outubro de 2013 p. 69

    # 31 Luigi Russolo e Ugo Piatt i operando o Intonarumori em Milo. Fonte: . Acesso em: 12 de Outubro de 2013 p. 69

    # 32 Capas de disco da banda Einstrzende Neubauten. Fonte: . Acesso em: 12 de Outubro de 2013 p. 70

    # 33 Fotogra a de Une assemble tumultueuse. Sensibilit numrique (1919), publicado em Les Mots en libert futuristes. Fonte: . Acesso em: 12 de Outubro de 2013 p. 71

    # 34 Registro do processo de criao com o carimbo circular. Fonte: produo do autor p. 72

    # 35 Registro do processo de criao com o carimbo circular. Fonte: produo do autor p. 72

    # 36 Registro do processo de criao com o carimbo circular. Fonte: produo do autor p. 72

    # 37 Diferentes impresses sobre papel Hahnemhle - parte do processo de criao com o carimbo circular. Fonte: produo do autor p. 73

  • # 38 Registros do processo de cpia da cpia com a mquina Canon IR 2030i. Fonte: produo do autor p. 75

    # 39 Registros do processo de cpia da cpia com a mquina Samsung SCX4200. Fonte: produo do autor p. 77

    # 40 Exemplos de databending de vetores no formato SVG. Fonte: produo do autor p. 79

    # 41 Exemplos de databending de imagens bitmap com o uso do soft ware Audacity. Fonte: produo do autor p. 81

    # 42 Registros do processo de distoro produzidos por uma mesa digitalizadora. Fonte: produo do autor p. 83

    # 43 Registros dos resultados incorporados ao projeto gr co. Fonte: produo do autor p. 86-87

    # 44 Registros dos resultados incorporados ao projeto gr co. Fonte: produo do autor p. 86-87